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Edição nº 007 - Julho 2008 - Sig Admin Sistema ... · Carla Cristina de P aula/ Fabíola Aparecida Sartin Dutra P arreira ... Coordenação de Agnaldo Rodrigues da Silva (Revista

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Coordenação EditorialEditor ExecutivoProjeto Gráfico/Diagramação/Capa

RevisãoElaboração de abstracts

Revisão de abstracts

Marilda Fátima DiasAgnaldo Rodrigues da SilvaEdgar Bortoleto Ferreira /Valter Gustavo DanzerMaristela Cury SarianCarla Cristina de Paula/Fabíola Aparecida Sartin Dutra Parreira AlmeidaCarla Cristina de Paula

Copyright © 2008 / Editora UnematImpresso no Brasil - 2009

Ficha Catalográfica elaborada pela Coordenadoria de BibliotecasUNEMAT - CáceresISSN: 1806-0331

EDITORA UNEMATAv. Tancredo Neves, 1095 - Cavalhada - Cáceres - MT - Brasil - 78200000Fone/Fax 65 3221 0080 - www.unemat.br - [email protected]

TTTTTodos os Direitos Rodos os Direitos Rodos os Direitos Rodos os Direitos Rodos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou poreservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou poreservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou poreservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou poreservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou porqualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigoqualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigoqualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigoqualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigoqualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigo184 do Código P184 do Código P184 do Código P184 do Código P184 do Código Penal.enal.enal.enal.enal.

Revista ECOS. Literaturas e Linguísticas. Coordenação de Agnaldo Rodrigues da Silva (Revista do Instituto de Linguagem). Cáceres-MT: Editora Unemat, 2008.

94 p.1. Literatura 2. Linguística

Semestral (Janeiro2008-Julho2008) Ano 6, n. 7

CDU: 81

Índices para catálogo sistemático

1.Literatura - 822.Linguística - 81

REVISTA ECOS - INSTITUTO DE LINGUAGEMAv. Tancredo Neves, 1095 - Cavalhada - Cáceres MT - Brasil - 78200000Tel: 65 3223 0038 - [email protected]

FAPEMAT - FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE MATO GROSSORua 03 s/n - 3º andar - C.P.A. CEP 78050-970 - Cuiabá - MTTel 65 3613 3500 - Fax 65 3613 3502 - Prédio do IOMAT

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ANO VI, Nº 7ANO VI, Nº 7ANO VI, Nº 7ANO VI, Nº 7ANO VI, Nº 7ISSNISSNISSNISSNISSN: 1806-0331: 1806-0331: 1806-0331: 1806-0331: 1806-0331

REVISTREVISTREVISTREVISTREVISTA ECOSA ECOSA ECOSA ECOSA ECOSLiteratura e Linguística

Indexação:Sumários de Revistas Brasileiras (sumarios.org)

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Agnaldo José Gonçalves – UNESPÁgueda Aparecida Cruz Borges – UFMTAna Antônia de A. Peterson – UFMTAna Maria Di Renzo –UNEMATBenjamin Abdala Junior –USPCélia Maria Domingues da Rocha Reis - UFMTEduardo Guimarães – UNICAMPElizete Dall’Comune Hunhoff – UNEMATElza Assumpção Miné – USPIsaac Newton Almeida Ramos – UNEMATJosé Camilo Manusse – Universidade Eduardo Mondlane/MoçambiqueJosé Carlos Paes de Almeida Filho - UNICAMPLiliane Batista Barros – UFPALuiz Francisco Dias – UFMGMaria dos Prazeres Santos Mendes – PUC/USPMário César Leite – UFMTMónica Graciela Zoppi Fontana – UNICAMPNelly Novaes Coelho – USPRita de Cássia Natal Chaves - USPTaisir Mahmudo Karim – UNEMATTânia Celestino de Macedo – USP/UNESPValdir Heitor Barzotto – UNESP/USPYasmin Jamil Nadaf – Academia Mato-Grossense de Letras

CONSELHO EDITCONSELHO EDITCONSELHO EDITCONSELHO EDITCONSELHO EDITORIALORIALORIALORIALORIAL

Agnaldo Rodrigues da Silva - UNEMATElza Assumpção Miné - USPInocência Mata – Universidade de Lisboa/PortugalJosé Camilo Manusse – Universidade Eduardo Mondlane/MoçambiqueManoel Mourivaldo Santiago Almeida – USPMaria dos Prazeres Santos Mendes – USP/PUCMaria Fernanda Antunes de Abreu – Universidade Nova de Lisboa/PortugalMónica Graciela Zoppi Fontana - UNICAMPRoberto Leiser Baronas - UNEMATTaisir Mahmudo Karim - UNEMATTânia Celestino de Macedo – UNESP/USPValdir Heitor Barzotto – USP/UNESP

CONSELHO TEMÁTICO CONSULCONSELHO TEMÁTICO CONSULCONSELHO TEMÁTICO CONSULCONSELHO TEMÁTICO CONSULCONSELHO TEMÁTICO CONSULTIVTIVTIVTIVTIVOOOOO

Universidade do Estado de Mato GrossoUniversidade do Estado de Mato GrossoUniversidade do Estado de Mato GrossoUniversidade do Estado de Mato GrossoUniversidade do Estado de Mato GrossoReitorVice-ReitorPró-Reitoria de Ensino de GraduaçãoPró-Reitoria de Pesquisa e Pós-GraduaçãoPró-Reitoria de Extensão e CulturaPró-Reitoria de Planej. e Desenv. InstitucionalPró-Reitoria de AdministraçãoPró-Reitoria de Gestão Financeira

Taisir Mahmudo KarimElias JanuárioAgnaldo Rodrigues da SilvaCarolina Joana da SilvaIlário StraubVitérico Jabur MalufAnapaula Rodrigues VargasWilbum de Andrade Cardoso

DIRETDIRETDIRETDIRETDIRETOR DO INSTITUTOR DO INSTITUTOR DO INSTITUTOR DO INSTITUTOR DO INSTITUTO DE LINGUO DE LINGUO DE LINGUO DE LINGUO DE LINGUAAAAAGEMGEMGEMGEMGEM Ana Maria Di Renzo

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

LITERALITERALITERALITERALITERATURATURATURATURATURACONTOS BREVES, DE CESÁRIO PRADO: UM LIMIAR NA CONTÍSTICAMATO-GROSSENSE ....................................................................................... 11Agnaldo Rodrigues da Silva

TRAÇOS DE ESTILO DE RICARDO RAMOS E A (IN) CONVENIÊNCIA DA CRÍTICASOBRE TERNO DE REIS, DE 1957 ................................................................... 21Eleusa Ferreira da SilvaAroldo José Abreu Pinto

IMAGEM E MEMÓRIA EM GRANDE SERTÃO: VEREDAS ...................................... 31Walnice Matos Vilalva

NOVO MUNDO: UM JORNAL DE LINGUAGEM SEM FRONTEIRAS ................... 41Yasmin Jamil Nadaf

LINGUÍSTICALINGUÍSTICALINGUÍSTICALINGUÍSTICALINGUÍSTICA

Editorial ........................................................................................................ 07

A PERSUASÃO EM MÉDICI E EM CHICO BUARQUE........................................ 49Edilene Gasparini Fernandes

A INSCRIÇÃO DO SUJEITO NA LINGUAGEM: UM CONTRAPONTO ENTREBENVENISTE E LACAN ................................................................................... 57Flávio Roberto Gomes Benites

REGULAÇÕES DE PODER NO DISCURSO JORNALÍSTICO ................................ 63Maria Luceli Faria Batistote

A LINGUAGEM NÃO-PADRÃO NA LITERATURA TRADUZIDA: TEORIAS E POLÍTICASSOB ANÁLISE ................................................................................................ 69Maristela Cury Sarian

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DE TEXTOS NO ENSINO MÉDIO ................... 75Mônica Cidele da Cruz

A PESQUISA COMO DIMENSÃO DO PROCESSO FORMATIVO NA GRADUAÇÃO ... 83Nilsa Brito RibeiroValdir Heitor Barzotto

Normas para apresentação dos originais .......................................................... 91

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EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL

A Revista Ecos é um periódico que publica textos científicos da área de Letras. O periódico

tornou-se um veículo de divulgação para os docentes-pesquisadores no âmbito da Literatura, da Língua

e da Linguística, cuja produção acadêmica circula pelas IES brasileiras e estrangeiras, com textos inerentes

aos estudos acadêmicos.

O periódico é uma iniciativa da área de pesquisa em Literatura Comparada, da Universidade

do Estado de Mato Grosso, com financiamento, por meio de fomento, recebido da Fundação de Amparo

à Pesquisa do Estado de Mato Grosso. A publicação tem sido semestral, cujos textos reunidos atribuem

à revista um caráter multitemático.

A excelência dos textos e o reconhecimento dos docentes-pesquisadores resultaram na indexação

do periódico pelos Sumários de Revistas Brasileiras (sumários.org) e na inserção no Qualis da Capes,

dando suporte à circulação do conhecimento de forma mais consistente. Nessa direção, a revista recebe

textos num fluxo contínuo de mestres e doutores das IES de todas as naturezas jurídicas, sejam do Brasil

ou do exterior.

Esta edição apresenta o 7º número do periódico e as temáticas permeiam, no âmbito das

literaturas, quer na prosa, na poesia ou no teatro, além dos estudos culturais. No que concerne aos

estudos de línguas/linguísticas, as reflexões teóricas voltam-se para as línguas materna e estrangeiras,

bem como às teorias dessas notáveis áreas de conhecimento.

Os Conselhos Editorial e Temático Consultivo desejam uma boa leitura a todos e aguardam,

para publicação, novas pesquisas científicas para ampla divulgação.

A Equipe

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Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Este ensaio é um estudo sobre a estrutura narrativa do livro Contos Breves, de autoria do escritor mato-grossense Cesário Prado. Trata-se de uma obra publicada em 1962 e que se transformou em uma fonte fundamentalpara compreender a contística em Mato Grosso no século XX.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechave: mato-grossense, contística, século XX, narrativa, ensaio.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This essay is a study of the narrative structure of Contos Breves, written by a writer from Mato Grosso,Cesario Prado. This book was published in 1962 and has become a key source for understanding short stories inMato Grosso, in the twentieth century.

KKKKKeywordseywordseywordseywordseywords: Mato Grosso; short stories; the twentieth century; narrative; essay.

Com a epígrafe “Deixem-me sonhar, se ésonho: a realidade é o luto do mundo, o sonho éa gala” (p.6), Cesário Prado abre o seu livro sobo título de Contos Breves. Na página seguinte,ele cita o pensamento de Júlia Lopes de Almeidaque diz: “Tudo no mundo é como o fumo, - delével– menos a saudade dos pais pelos filhos quemorrem” (p.7).

Antes de quaisquer referências que devamosfazer ao conteúdo do livro ou sobre os dadosinerentes à sua respectiva publicação, é crucialcomentar esse pensamento de Machado, em queconsidera a realidade das coisas um luto e o sonhouma grande festa. Entender, também, o trecho deAlmeida que julga indelével a saudade dos paispelos filhos que morrem. A explicação pela escolhaque Cesário Prado fez de duas epígrafes tãocontraditórias à dinamicidade dos contos escritose publicados nessa coletânea revela a sutileza deuma reflexão que fala de saudade, perda, desilusãoe amor eterno que, sobremaneira, endossa o textopessoal, amplamente sentimental, pelo qualCesário Prado elabora a dedicatória de sua obra:

À memória do meu idolatrado filho Paulo Mariada Silva Prado, morto aos doze anos de idade,- único leitor entusiasta dos meus contos eouvinte e comentarista de minhas traduções aténo leito de enfêrmo, - a tua memória Paulo, tuque fôste a mais radiosa alegria do meu lar ehoje és a mais pungente saudade, dedico oscontos desta coletânea. (p.7).

Fica visível, portanto, a correspondência entreo sentimento do autor e o conteúdo de alguns dos

contos, estabelecendo o verossímil, quando,ficticiamente, Contos Breves canta, tristemente,a perda de entes tão queridos.

Feitas essas primeiras considerações, àsquais não se poderia omitir a alusão,introduziremos, a partir de agora, a beleza dessecompêndio de narrativas que engrandece aliteratura mato-grossense e, consequentemente,a literatura brasileira.

Alhures, Contos Breves é uma obra quepode, obviamente, situar-se fora de todo o pesarcaracterizado por uma perda irreparável (a perdade um filho como acontece em alguns doscontos), pois as narrativas que compõem oenredo falam também de vida, alegrias, ânsiapelo conhecimento do mundo, viagens diversas,mitos, ritos, lendas, história, literatura, surpresas,ansiedades e as mais complexas e/ou inusitadascoisas que, porventura, são passíveis deacontecer no dia-a-dia das pessoas.

Publicado em 1962 pela gráfica EditoraAurora Ltda, no Rio de Janeiro, e oferecido, pelopróprio autor, à Academia Matogrossense deLetras nesse mesmo ano, Contos Breves é umacoletânea de trinta e quatro narrativas curtas.São contos escritos para contemplar a afirmaçãodo homem moderno no espaço das mudançascientíficas e tecnológicas que transformou asociedade em um aglomerado de indivíduospreocupados com o tempo cronológico, com otrabalho e outros compromissos materialistas.Isso significa que Cesário Prado institui no seuestilo peculiar a predileção por temas simples eum modo de apresentar de modo o mais direto

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possível, já que não se encontra excessos dedetalhes, nem descrições demasiadamente longasem nenhum desses contos.

O narrador de cada uma das históriasconvida-nos a entrar nas entranhas dosubjetivismo, abrindo as portas à comunhão emfesta lírica entre as personagens e seus possíveisleitores. A poesia, indubitavelmente, habita asentrelinhas desses escritos, constituindo o principalveículo interativo entre o mundo da ficção e o darealidade: as situações vividas pelas personagense as ações praticadas por elas nos desesperam,às vezes, nos consolam. No entanto, o queimporta é que cada ser de papel construído porPrado tem algo a nos ensinar.

Imensas doses de humanitarismo fazem aspersonagens galgarem patamares semelhantes aosvividos pelos homens. Tudo isso e coisas alémaproximam o autor dos narradores e, porconseguinte, esses das personagens. A relaçãointrínseca observada entre o autor e o herói lembra,sobremaneira, a teoria de Bakhtin que, na suaEstética da Criação Verbal, discute exatamente asaproximações e os distanciamentos (ou, se preferir,as inferências e os estranhamentos) que apersonagem fomenta, inevitavelmente, com o seucriador. Antonio Candido pensou os limites entreo autor e a personagem pelo viés de Forster: nessecaso, há o homo fictus e o homo sapiens, em queo primeiro é o homem da ficção e o segundo, davida real. O fictus, segundo essa reflexão, vivemais intensamente as relações humanas porquevive num mundo em que as convenções sociaisvigentes podem ser dribladas com mais destreza.

Às vezes confundindo-se, outras seestranhando, autor e personagens comungam osentimento de saudade pelos entes que já se foram.O primeiro conto da coletânea, “Tio Leandro”,narrado em primeira pessoa e de modoonipresente, inicia-se da seguinte forma:

Meu tio Leandro foi um dos caracteres maisexcêntricos e originais que me foi dadoconhecer.Minha memória recompõe sem esfôrço suafigura inteira e se seus traços carecerem denitidez nestas linhas, será por falta de agudezade observações, na pouca idade em que conhecitio Leandro. (p.9).

A satisfação pela lembrança do tio faz lembraras brincadeiras de criança e o recôndito do lar,pois “era uma alegria quando de raro êle aparecia

em casa: - Ora viva, sempre tio Leandro veio ver-nos!” (p.9). O narrador-personagem traça o perfildo tio entusiasticamente, contagiando o leitornuma perspectiva fundante, pondo a conhecer osaspectos físicos, as virtudes e os defeitos do tio.Do alvoroço que ocorria quando da chegada dotio ao mistério que rodeava aquela figura, aimaginação infantil estava despertada para umapersonalidade que marcaria para sempre a suamemória, o inesquecível Leandro, que fazia ascrianças ficarem “embevecidos contemplando-lhea bela barba nazarena, já grisalha, o bem feitonariz judaico e o rosto pálido de asceta, animadopelo brilho de seus olhos pequenos e vivos” (p.9).

Nesse conto, o protagonista embeleza anarrativa ao invadir o espaço de suas memórias.Lembra dos princípios austeros que o tio tinhaquanto à política porque, para ele, o político, porexemplo, deveria ter o compromisso com asociedade, dedicar-se à causa pública, deveriaser de honradez à toda prova. Mas era avaro eesse defeito tinha efeito unânime. O interessanteé que tanto as virtudes quanto os defeitos ajudama lembrar do tempo de outrora e construir umretrato aguçado dos comportamentos do Leandro.Tudo parecia intacto na memória, até mesmo aantiga casa: “As dependências da casa nadatinham de notável. Interior singelo, móveisdemódés, enormes, pesadões” (p.10).

Mas era justamente a reconstituição do espaçoque completava a lembrança do tempo de quandoo tio ainda era vivo: aquelas mangas de vidronos aparadores, os candelabros com bobechesde cristal, afogados no abandono da poeira.Espaço e tempo estão amalgamados numa espéciede cronotopo, como teorizou Bakhtin (2002), poiso tempo da memória reconstitui o espaço nummisto de concreto e abstrato: a lembrança da casafaz fluir, com mais nitidez, as características deuma época já vivida e que deixara saudade.

A morte de Leandro e a surpresa do testamentoencerra o conto surpreendentemente, pois

Seus herdeiros, porém, estavam todosdeserdados em testamento que consignava tudoa institutos de beneficência a serem fundadosem nome dêle – tio Leandro.Foi esta a terceira surprêsa, talvez a únicadolorosa e que valeu alguma lágrima ao bom einesquecível tio Leandro. (p.12).

Em outros contos, Prado constrói narradoresem terceira pessoa: é o caso de “Amor de

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Primavera”. A trama é construída por meio decorrespondências, nas quais se descrevemespaços, contam-se acontecimentos, situam-se osdias e informam sobre sentimentos íntimos. Tudocomeça com a voz do interlocutor, ao indagar eoferecer uma informação: “O Hotel Estrela? É sódescer a praça e tomar aquela rua à esquerda.O hotel fica bem defronte de três palmeiras, alimesmo [...]” (p.13). Depois, o protagonista, Paulo,assume o seu papel de personagem-chave,conduzindo o enredo até o desfecho final.

Religiosidade, misticismo e mistério sãocaracterísticas intensas nas narrativas de ContosBreves. Em “Soror Martha”, a heroína, que levao nome do conto, lembra-se do passado apósreceber uma carta do irmão, relatando a saudadee a decepção por ela ter escolhido seguir avocação. A carta tem uma proporção imensasobre o conteúdo dessa história, tendo em vistaque dela depende o enredo e o desfecho danarrativa.

O convento é descrito como um ambientesilencioso, desolado e melancólico. Assim, a“senhora de luto” vem ao encontro do mórbidoconvento; o pesar do coração faz alusão aos“calçados de chumbo” (com os quais apersonagem caminha pesarosa) e o contraste entreo “alvo Cristo” com a “negra cruz” estabelece ocontraponto dos prazeres da vida com o sofrimentoda abnegação. As confissões do irmão mais jovemsobre a sua partida (“quando apareceu na salaaquela senhora de luto, para te buscar para oconvento, eu fui me fechar no quarto, mas foiporque senti que não tinha ânimo de te ver irembora”) (p.18) fez com que a noviça testasse afé, de modo que ao fim de uma leitura que lhesuscitou pesar, desconforto e imensa saudade doentes queridos, ela

ajoelhou-se em frente ao Cristo de gêsso, tãoalvo sôbre a negra cruz, e em breve foi se sentindomuito outra, muito acima da inconstante, fugidiaternura humana, muito mais forte na suaresolução de perene sacrifício, de voluntáriaimolação própria, parecendo-lhe que o seu Deuscrucificado, - com vivas chagas nas mãospiedosas, assim lhe dizia com os braços abertos:- Por amor de ti, Martha, também eu me deixeitrespassar de dores, como vês, minha filha. (p.19).

O elo entre Deus e o homem (ou o homem eo cosmo) está estabelecido. Uma fé que fazultrapassar limites, suportar a dor interior da

reclusão e, acima de tudo, lapidar a alma pelaabnegação e pelo amor. Eliade (2001) faz umadistinção interessante sobre o tempo de Deus e otempo dos homens: para ele, o tempo de Deus éo tempo sagrado e o tempo dos homens é profano.Portanto, habitar, como fez Martha, o temposagrado requer imensa doação de si mesmo,aspecto que esse conto lega com muitapropriedade ao leitor.

A busca pela “personagem-santa” pode sermais visível no conto “A estrada de Santa Gudula”,em que além da presença do sobrenatural e domístico, há o milagroso. A respeito dosobrenatural, o narrador salienta que

era de certo o espírito das trevas que sopravasôbre a luz da piedosa donzela para dissuadi-lada devoção cotidiana, pela arma do medo [...]Gudula tornar-se-ia de pavor mortal sentindoo hálito do maligno, se não se socorresse daoração. (p.22).

“Foi um dos primeiros milagres de Gudula”(p.22), assim diz o narrador. Esse conto (dentreoutros dessa coletânea) exalta as boas virtudes, adoação ao próximo e a prática da cristandade.Esse tipo de temática, utilizada para o conteúdodas narrativas, é revelador de crenças peculiaresnas povoações interioranas de nosso Brasil. É anecessidade de santificação das pessoas boas que,despojadas de materialismo, praticam a caridadee a humildade. No caso da personagem Gudula,o narrador faz a citação de diversos prodígiosrealizados, dentre os quais citemos estes:

Apieda-se a Santa por uma criancinha tôdacoberta de chagas, úlceras repugnantes. Quemnão tem dó de uma criança que sofre? Qualquer[um] daria de comer e de beber à pobrezinhaque nem podia levantar os olhos para a lindezado céu, nem com as próprias mãos levar oalimento à bôca inocente de beijos.Gudula, porém, numa grande compaixão,envolveu-a de abraços e cobriu-a de beijos,orando por ela àquele que ressuscitou Lázaro.Depois devolveu-a ao regaço da mãe lacrimosa:a criança estava sã.De outra vez só bastou a imposição das santasmãos de Gudula sôbre as sangrentas escarasde uma morfética e a cura se operou com aespontaneidade de uma graça. (p.22).

Em “Luz sobre Cinzas”, conto disposto aposteriori, o narrador pede a permissão para

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relatar mais uma história de santo. S. Juliano é oprotagonista que se vê envolto de milagres quecaminham rumo ao estranho. O estranho, talvezfantástico (deixo o leitor à vontade para analisaro caso) vem através de um animal que fala aoSanto Juliano sobre coisas que aconteceriam, umtipo de profecia. Juliano, que abandonou ascaçadas porque num desses dias encontrou umcervo que, movido pelo dom da palavra, porinaudito milagre, disse: “- por que tanta sanhaem matar-me, Juliano, tu que terás de matar osteus próprios pais?”. Uma história que lembracom vigor o Édipo Rei, de Sófocles, pois Juliano,nesse conto de Prado,

Na estupefação que lhe paralisou as mãos nomomento [...] poupou a caça, mais do que isto,é fácil calcular como tais palavras lhe encherama alma de terror Pânico.Abandonou então a terra natal, fugiu do tetopaterno, para afastando as circunstânciasculposas, impedir se cumprisse o destino,acontecesse a sinistra profecia. (p.24).

Não obstante, assim como Édipo, Julianoassassina os próprios pais por engano. Oarrependimento e a alma boa do protagonistarendem-lhe a centelha de luz capaz de avistar,num leproso necessitado, a quem estendeu a mão,a figura de Jesus Cristo que serenamente lhe diz:“os teus pecados há muito já estão perdoados”(p.26). Sempre que se faz menção aos leprosos,doentes tomados por vísceras, recupera-se, porreferências, a figura bíblica de Lázaro, tal comoestá feito em “A estrada de Santa Gudula” e “Luzsobre cinzas”; trata-se de dois contos que falamde medos, mas também de bondade e superaçãodas fraquezas da carne.

Dos contos que lembram os mitosantiquíssimos, como no caso do de Édipo, há, deoutro modo, aqueles que enfocam as personagenshistóricas que se tornaram heróis míticos: é o casode “A lembrança do paraíso”, em que opersonagem principal é Alexandre, o daMacedônia. Esse conto, em especial, estásubintitulado de “uma lenda do Taimud”. Aexemplo de outros contos, a descrição do espaçoestá voltada para o bucólico, incitando acomunhão entre o homem e a natureza.Narrações como “na exuberância da vegetação,na transparência e suavidade do ar parecia queo país recebera do céu o dom de uma eternaprimavera. E que leve aroma de mata virgem, de

plantas silvestres [...]” (p.17) são comuns,mostrando ao homem que a boa vivência deveincluir o contato com a contemplação da natureza,longe do ambiente citadino.

De um conto para o outro parece aconteceruma gradação de valores. Nos primeiros,percebemos uma crise diante da não aceitaçãoda morte. A partida de um ente querido para odesconhecido desencadeia uma crise existencial,pois a saudade e o inconformismo dilacerampouco a pouco a alma de quem ficou; depois, oscontos falam da busca pela beatificação, em quese luta pela perfeição moral por meio da práticadas boas ações: “o Paraíso, a Felicidade é orepouso absoluto” (p.30), diz uma personagemno conto “A lembrança do paraíso”.

Se num conto temos a perfeição edificadalentamente, em outro encontramos adesestruturação das esperanças e o afundar dasilusões (como aconteceu com Penélope, deHomero, que desconstruía a túnica mortuária, oucom a protagonista de A moça tecelã, deColasanti, que após tecer toda uma vida, resolvejogar a lançadeira ao contrário e des-tecer tudo).Esses são aspectos fundamentais em “A perfeição”,“Rosinha, a do sobrado”, “A boneca de Lili” e“Voé Soli”. Da “perfeição absoluta e inenarrável”(p.31), sintetizada sobre um sepulcro que mesmoos amigos acharam uma obra sem defeito, “atéesses a proclamaram perfeita – tão difícil é aperfeição” (p.33), a ideia evolui à contemplaçãoda beleza da mulher. A personagem Rosinha,que morava num sobrado, tinha abaixo da janelaum jardim suspenso repleto de flores. A harmoniaentre a menina-rosa e as flores confundia onarrador-personagem: qual das flores era a maisbela? Sem titubear, era Rosinha. A menina era oencanto de flor que embalava o coração doprotagonista: Raul. A perfeição da mulher amadaentra em decomposição: Rosinha era paralítica,por isso, nunca descia do sobrado e sempre seprostrava na janela, como uma das flores dojardim. Os nomes dos protagonistas sãosugestivos: Rosinha, que é uma rosa, misturadaentre outras flores, e Raul, que lido pelo inversodas letras, forma a palavra luar, como se a Rosinhaestivesse sempre na janela olhando o luar, vistoque o Raul sempre estava à espreita, esperando aamada aparecer para olhá-la.

Temos, também, nessa coletânea, “A bonecade Lili”, cujos olhos eram azuis assim como azul éa beleza do céu. Azul eram os próprios olhos da

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menina (Lili), que havia morrido de uma causainexplicável. O narrador faz a descrição física daprotagonista: ela era, pois, uma perfeição quehavia deixado cedo a vida entre nós. Um contocujo final é inusitado. Depois de exumarem ocorpo da pequena, “querem saber o queencontraram com aquêles ossitos? Nada maisdo que um dos olhos da boneca de Lili – um lindoe claro ôlho azul com dois arames cruéis que comcerteza atravessaram na garganta da desditosa equerida menina [...]” (p.41). São os mesmos olhosazuis que se repetem no conto “Voé Soli”, em queo herói tem “uns olhos de vivo azul de turqueza”(p.44), que une a uma ideia perfeita de Cristopela “falhada barba à nazarena” (p.45).

Temáticas que se repetem e temáticasdiversificadas. Assim, Prado tece, cuidadosamente,o enredo dos contos. “Emílio de Tal”, “Meu‘dreaming’ na província”, “A pele do teatro”, “Osamigos”, “Mirena”, “Nos canaviais”, “Amorescaipiras”, “La giralda”, “Por causa da peste”,“Djerane, o astuto ou “Com as mesmas moedas”,“Aquêle Garôto”, “Cruel enigma”, “O noivadode Joanita”, “Entre irmãos” e “O piano” sãocontos que também trazem finais surpreendentes.Não que queiramos, nessa apresentação, levar oleitor ao extremo da curiosidade, mas, sobretudo,chamar a atenção para uma leitura agradável efascinante, capaz de levar ao deleite de narrativasbem elaboradas, como as de Contos Breves.

São inúmeras e diversificadas as personagensque compõem os contos. Entre elas, está o Emíliode tal, um moço estrábico, imberbe e de notávelassimetria facial: trata-se de “Emílio Parente dosSantos”, um protagonista feito em caricatura,abrindo o ciclo de personagens não fazem questãode se identificarem por nomes. Lembremos de “Omeu ‘dreaming’ na província”, em que apersonagem-narradora não tem nome e se ocupaem filosofar sobre os sonhos e as patentes da morte:“os sonhos exprimem antecipadamente coisas deprovável realização conosco”, salienta.Contrapontos entre o sonho e a morte (“estadoque geralmente se afirma ser o do mais completorepouso”) (p.52), indicam uma leitura particularde Olavo Bilac, que “houvera pregado redondapeta escrevendo que a morte é o último confôrto”(p.52). Um sonho que permitiu ao personagem aexperiência da morte e a assistir ao próprio funeralà revelia do que talvez pudesse ser a realidade.Mas não era: tratava-se mesmo de um sonho.Pelos moldes nos quais Machado de Assis e Jorge

Amado estruturaram, respectivamente, MemóriasPóstumas de Brás Cubas e A Morte e a mortede Quincas do Berro d’água, Prado cria umasituação conflitante entre o desejo pela vida e odesconforto de presenciar as mesquinharias dopróprio enterro.

Vivendo o que faz parte do mundo onírico,as personagens de Prado criam o seu próprioespaço interior. Em “A pele do teatro”, porexemplo, encontramos uma personagem amantedo teatro, aliás, “o homem que à mesa sentou-se em minha frente, era ator” (p.55). Aqui, apersonagem adere às metamorfoses dos papéis,pois, de tanto atuar no teatro, vai perdendo,progressivamente, a personalidade. Deixa deser natural e passa a imitar o mundo da ficção.A personagem confessa ao interlocutor o seuproblema, dizendo:

Sinto porém que o palco me roubou apersonalidade, todos os característicos daminha individualidade. Hoje eu sou Otelo,Bocácio, o Conde de Monte Cristo ou deLuxembrugo, sou seu Euzébio, ou sobras deimaginações disparatadas ou geniais, massinto que não sou eu mesmo – eu tenho apele do teatro. (p.56).

Todas essas questões desembocam numacrise maior entre os homens: a crise existencial,em que cada indivíduo luta contra si mesmo, afim de vencer o egoísmo, a inveja e a cobiça.Lembremos de “Os amigos”, um conto magistral.Nele, o ciúme faz o protagonista assassinar umamigo, empurrando-o do alto de umaconstrução. Ciúme por um suposto adultério(que, é claro, não havia acontecido), apenassuposições movediças que envenenaram a almae criaram a loucura interior. Pedro assassinouManoel e, depois, prestou depoimento sobre ocaso, para o qual ante a pergunta do delegado:“- o morto era seu amigo? êle replicou comfirmeza: - Era tão meu amigo, seu doutor, quese hospedava em minha casa” (p.59).

“Mirena” também trabalha a temática doonírico. Toda a trama acontece no mundo dosonho, onde vê a morte da pessoa amada. Noentanto, “tudo aquilo que Mirena vira fôraapenas um sonho de meia-noite, um pesadelode amor, um temor do seu coração, o susto, aansiedade pelo objeto do seu carinho – e nadamais” (p.64). “Mirena”, portanto, é um contoque poetiza “um pugilo de emigrados das terras

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altas de Santa Cruz (Bolívia)” (p.61), assim como fazreferência aos índios chiquitos. A cultura desse povoindígena, bem como suas características, é frisadapelo narrador, pois o leitor é levado a saber que

estes índios são pequenos só no nome. Comosão baixas e estreitas as suas malocas, osespanhóis supuseram-nos de pequena estatura,de onde o nome de chiquitos, isto é pequenotes.Mas, ao contrário, são até de robustacompleição e boa altura. (p.62).

A heroína desse conto é, aliás, uma chiquitae, ao mesmo tempo em que a conhecemos,tomamos contato com a fisionomia inerente a essesindíginas. Mirena, pois,

tinha o pleno viço de môça. Muito à flôr dorosto e à míngua de pestana e sobrancelhas,seus olhos obliquavam-se amendoados, comoolhos indochinos; de moreno mais leve que ocomum da sua raça, as feições careciam decerto encanto na singularidade do mento umtanto prognata, a bôca de lábios fugidios, umalinha de dentes pequenos e desiguais, como osdentes afiados dos linces selvagens de suasmontanhas. (p.62).

Do bucólico (e por que não idílico?), algunscontos deixam o rio conduzir as manobras dashistórias inventadas. Histórias imaginadas peloautor, talvez pelos narradores e personagens: nãoimporta, pois todas essas categorias estãoentrelaçadas para oferecer ao leitor o máximo delirismo possível nas entrelinhas das narrativas.Através do rio que corta as terras de uns e deoutros, os fatos são contados em “Nos canaviais”e “Amores caipiras”: se, no primeiro, aspersonagens iam “rio acima por entre margensde canaviais” (p.65) em busca de outras paragens,cantando quadrinhas e vivendo uma vida deviajantes, “onde, enfim, também se ajeitavamninhos para os amores fecundos” (p.68), nosegundo, o rio personifica um depósito de almasonde boiou os corpos da Florinda, do Perneta eda Sinh’Anna, todos afogados naquelas águasque de belas tinham um quê de traiçoeiras. Mortesque renderam falatórios vindos da boca de gentehumilde, “causos” dos quais quem conta umconto aumenta um ponto, como diz o ditado;porém, é um tempo quando a noite geravaamores: os amores caipiras, tal como bem diz onarrador, “que assim é que deviam ser todos osamores caipiras” (p.72).

O rio é também a estrada dos viajantes em“La Giralda”: uma viagem que percorre a Américae indica a influência espanhola, com direito àsexpressões e aos nomes peculiares: “losmuchachelos”, “Carmen, a Panchita”, “Estela, aMaiga”, “Che, la Reina”, além de citações como:

Le gustan los moranguinos,tanto dulce han de tener:como un beso masculinosobre uns labios de mujer. (p.75).

Amores construídos, outros desiludidos. Pois,se em “La Giralda” os viajantes buscavam refúgioda solidão nos braços de mulheres do aquém daterra natal, em “Por causa da peste” aprotagonista, Ricarda, é abandonada pelo maridona terra onde nascera e crescera. Porém, “não sedeu por vencida e pôs-se a cuidar do sítio comose nascesse para ser homem” (p.77). Tem lugar,nessa paisagem descrita, a “areia do pantanalresequido, onde o capim falhava em gretas abertaspelas sêcas ardentes” (p.78). O falar do pantaneirotraduz-se em simplicidade, pois o córrego é côrgoe a grama tenra do brejo dá o toque de realismocircundante. As moitas, as canoas, a aroeira, o“Guatós”, todas as coisas criam a imagem daimensidão do pantanal, paragem bem conhecidapelas personagens, mas que, sorrateiramente, sugaa vida de uma criança que se afoga no rio: “vendoo corpo do filho batendo nas pedras da barragem,ao fluxo da corrente, doida de dor, lançou comoleoa ferida, o seu último grito: ‘- Por causa dapeste!’. E com os braços para o ar, atirou-se norio[...]” (p.79).

Do Pantanal, enquanto mundo, entra-se emcontato com referências e inferências de monarcas:Dejerane III, rainha de Sabá, e o rei de Judá. É oque reza o conto “Djerane, o astuto”, em que sãoprojetadas filosofias de vida que valorizam ohomem pelo seu caráter justo e verdadeiro: “osreis amam os que lhes dizem a verdade” (p.84).Esses valores tecem laços inconfundíveis desimpatia e fizeram em “Aquele Garoto” um paireconhecer o filho, nunca visto, numa multidãode desconhecidos. Uma intriga que começa doseguinte modo: “- Que dirias, meu amigo, de umhomem que à esquina de uma rua parasse emfrente a um pequeno vendedor de jornal e pusessea mirá-lo e remirá-lo depois fôsse de carreira atrásdo garôto até que êle se perdesse na multidão?”(p.84). O amor aventureiro e o relacionamentosem responsabilidade, repentinamente, após

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muitos anos, põem à frente do protagonista umafatalidade, pois

o encontro com aquêle garoto, vendedor dejornais [...] o nariz grego, o queixo levementequadrado eram da Henriqueta, mas a bôca, osolhos e as mãos que me estenderam o jornal,êsses positivamente eram meus, e aquêle garôtopositivamente era meu filho. Oh! a onda deternura que me dilatou e afogou o coração! (p.88).

São, por assim dizer, as pegadinhas da vidaou “Cruel Enigma”, que nem sempre deciframoscom facilidade. Podem ser mistérios sérios oucômicos, como os que envolvem os contos “CruelEnigma”, “O noivado de Joanita”, “Entre irmãos”e “O piano”. Têm lugar, nesses contos, as pessoasdesligadas do mundo real, “almas ausentes” que“gemem ao pêso de mórbida melancolia outransitam sucumbidas por inenarráveis angústias”(p.89), “a alienação mental, loucura larvada,paranóia, esquizofrenia, paralisia progressiva”(p.90). Enfim, tudo que um nome como o deMme.X pudesse incitar de misterioso: “um mixtode bondade e malícia no enigma dos seusprofundos olhos verdes” (p.93).

No entanto, nada é mais enigmático esimbólico do que o sonho. De um noivado e dopreparativo de um casamento, sonhado numacaminha de ferro, Joanita roga à Nossa Senhoraa respectiva realização; agora, entramos emcontato com os mistérios do amor. Stendal élembrado pelo seu escrito de “Divã do amor” paraarrematar a desilusão de um amor construído em“flirt”: a personagem descobre, pois, que a suaamada flertava com o irmão caçula. Um “flirt”que no conto “O piano” é transferido ao desejode possuir um piano, objeto que causa decepçãopor não funcionar como deveria: piano que, aoem vez de embalar lindas melodias, transforma-se num guarda-louça ao qual o herói denominade traste. Percebemos que a frustração diante deuma surpresa inusitada é um tema corrente nashistórias de Contos Breves, já que Cesário Pradousa essa técnica com o intuito de prender o leitornas tramas. São traquinagens criadas,especificamente, para cada personagem, de modoque eles sempre tenham algo a revelar no fim decada narrativa.

“- Cuidado com as palavras, Batechuka [...]”é o conto mais longo. Uma história que abarcareferenciais de diversas culturas, tais como China,Japão, Rússia, Sibéria, Estados Unidos, dentre

outras, tudo intercalado nos diálogos entre osenhor Terra (que pode muito bem significar a terranatal) e seu interlocutor. Algumas expressões eminglês são ditas, porém, a mais importante é words(palavras): com essa expressão, o conto atribuiuma lição de vida, mas não é uma lição qualquer,esvaziada ou despojada de valores espirituais; pelocontrário, convida o leitor a refletir sobre tudo oque lhe sai da boca. Vejamos:

A palavra words, words, faladas não voam comopretendiam os antigos, mas permanecem, ficamgravadas no tempo e no espaço para seremrecolhidas pelos aparelhos modernos da nossaera científica, e para serem recolhidos peloscorações humanos em interpretações que onosso gesto, o nosso tom de voz vem dar maispêso para a vida dos nossos sentimentos e atépara a nossa própria vida. (p.120).

E, citando Gorki, conclui a ideia frisando:“Cuidado com as palavras, batchouka, elas têmsentido que varia de pessoa para pessoa. Sãoentendidas de um modo por quem as profere ecompreendidas por outra maneira pelos que asouvem” (p.120). Entendamos, com isso, que osescritos de Prado estão longe de serem palavrasjogadas ao léu, ou, de outro modo, literaturadescompromissada, feita para ser aprisionada embibliotecas vãs. Trata-se de uma literaturaidealizada para tocar a sensibilidade humana, ocompasso da alma e do coração, para, enfim,auxiliar o ser no entendimento do mundo. Aspalavras, aqui, são instrumentos que induzem àtransformação e à compreensão.

De um só bote, façamos um passeio por entreos últimos contos, são eles: “Pássaros soltos”,“Caso singular de Nassin”, “Um mau desejo”,“Os vizinhos”, “Black”, “Estou ocupado”,“Estelionato” e “ Parábola da fraternidade”.

Essas narrativas enfocam temáticas e situaçõestípicas da vivência humana. Encontraremos, pois,desde amores que voam, fugindo, como “pássarossoltos”, ao amor pela terra, como no caso deNassin. Amor pela terra adotada, terra indígena,onde “os índios morcegos que demoram entre osrios Tabajós e Arinos, caçam e pescam à noite ede dia dormem pendurados às árvores como oscheiropteros, porque habituados às trevas daquelasdensas florestas, vêem durante a noite e são cegosà luz do dia [...]” (p.127). São, justamente, nessasparagens que os estrangeiros encontram abrigo ese transformam em guias ou guardiões da

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natureza, mesmo que tenham sido abordados, noprincípio, por índios que pareciam selvagens:“quando brota das moitas à beira da estrada umachusma de bugres aos gritos e aos pulos dodemônio! Nus aos pêlos e armados de arco efechas!” (p.129), tudo isso nas cabeceiras do rioVermelho e afluentes ao sul do Araguaia. Dessemodo, vermelho do urucun, a dança do siriri, obatuque do cururu, bebidas típicas do lugar, ococo iguaçu são aspectos que demonstram acultura de um lugar e as práticas que os bororosrealizavam. Cesário Prado narra essas façanhascom maestria.

As inferências históricas de Mato Grossocontidas em “Um mau desejo” servem de panode fundo às tramas saudosistas, como bem diz apersonagem:

– Olha a ‘Noite’ – A Revolução em MatoGrosso! Foi o único pregão que percebi. MatoGrosso em foco: só assim mesmo – por meiode revolução. Mas a anarquia de nosso Estadobem podia ser um balela política [...] Ah! meubom Jesus de Cuiabá, fazei que ao menos sejaassim! (p.134).

Mas esses são acontecimentos que apontampara questões maiores, tais como reflexões do tipo:“os humanos são assim – têm pensamentossecretos que a própria consciência nãocompreende bem e de que se corariam, se vistos[...]” (p.135). Se, por um lado, temos pessoasque escondem o que pensam, por outro, há osque são tão transparentes ao ponto de revelaremo que lhe diz respeito e as coisas que lhe sãoalheias. É o caso do seu Antônio, de “Osvizinhos”, que deixa de praticar a maledicênciadesde quando uma de suas vítimas presta-lheauxílio no momento mais delicado da vida: a mortede sua filhinha.

O medo, nas narrativas de Prado, abre asportas para os contatos com o além. Assimacontece em “Black”, conto no qual há referênciasao espiritismo kardecista. Um barulho na janelanuma noite chuvosa, bem no estilo de Poe quandoescrevera o seu The Raven, traz o pensamento deque ali poderia estar uma alma penada, tentandocomunicar-se. No entanto, o leitor é surpreendidoao saber que não se tratava de espíritos dos mortos,mas sim de Black, uma gatinha que, encostada najanela, tentava proteger-se da chuva gelada.

Da ânsia pelo trabalho, da extremaresponsabilidade de “Estou Ocupado” e das

brincadeiras com o sentido das palavras em“Estelionato” chegamos, finalmente, ao conto queencerra a coletânea: “Parábola da Fraternidade”.

Numa menção à Parábola do Semeador,proferida por Jesus Cristo e compilado no NovoTestamento, o narrador conta as peripécias de umbom samaritano: “o caso de outro viajante, quenão deixa de ser de proveitoso ensino espiritual”(p.151). Uma lição de vida que incentiva oburilamento do espírito, ao passo que convida àprática do amor ao próximo e à boa vivência emsociedade. Nada de moralismos, contudo, umaalusão positiva às potencialidades que temos pararealizar as coisas espirituais. Talvez a trajetóriados relacionamentos inter e intrapessoais nessacoletânea possa traduzir-se nos seguintes dizeres:

Acontece que também, às vezes, o nossopróximo se nos afigura um monstro, masdiluindo-se as névoas da nossa imaginação,desfazendo-se os erros do nosso espírito,encurtando-se as distâncias com que dêle nosseparamos, termos que reconhecê-lo um homemtal qual nós mesmos, com diversos mas nãomenores defeitos que os nossos, idênticasfalhas, as mesmas lamentáveis desproporções[...] (p.152).

As viagens por terras imaginadas ou porlugares queridos já visitados foram maneiras queCesário Prado encontrou para homenagear asimplicidade e o belo da vida. Por isso, ContosBreves é uma obra singular, que faz com que esseescritor mato-grossense seja visto pelo mundo e,acima de tudo, ofereça às letras nacionais umaexemplaridade de nossa literatura. Ao mesmotempo em que ele viaja pelos seus mais profundosdevaneios, cria, também, condições para que aspersonagens conheçam lugares pelos quais elepróprio já deve ter trilhado. Como não poderia serdiferente, o leitor pega carona nessas andanças e,como viajantes, cada um acorda “já no seu país”.

Contos Breves está constituído de narrativasintrigantes e desfechos surpreendentes. Vale a penaentrar nesse mundo de ficção criado especialmentepara encantar as pessoas que gostam da vida eamam visitar o mundo das maravilhas fictícias.Convidar o leitor para fazer parte nessaembarcação de leituras fascinantes seria pouco,por isso, o que temos a dizer é: entre! A casa ésua! Contos Breves são a nossa Mansão e oscontos as suas dependências. Vamos conheceresse lugar?

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1- Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo(USP). Professor da Universidade do Estado de MatoGrosso (UNEMAT), campus universitário de Tangaráda Serra. Membro do Instituto Histórico e Geográficode Cáceres. E-mail: [email protected]

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção.7.ed. São Paulo: Perspectiva, 1985.

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano – aessência das religiões. São Paulo: Martins Fontes,2001.

PRADO, Cesário. Contos Breves. Rio de Janeiro:Aurora, 1962.

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O homem lúcido não pode permanecer quieto eresignado enquanto o seu país deixa que a literaturadecaia e que os bons escritores sejam desprezados, damesma forma que um bom médico não poderia assistir,quieta e resignadamente, a que uma criança ignorantecontraísse tuberculose pensando que estivessesimplesmente chupando bala.

(Ezra Pound)

Considerações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciais

No Brasil, a década de 1950 foi marcada pelomovimento da poesia concreta. Os poemasconcretos apoiavam-se na palavra “coisa” e nelase centralizavam por meio de palavrassubstantivas. A fim de divulgar tal movimento, seusidealizadores usaram o suplemento dominical doJornal do Brasil para suas publicações. Nestemomento, também havia escritores quepublicavam em jornais seus escritos literários ousua crítica para os vários gêneros. Dentre osescritores, destacam-se alguns, como: EdgardCavalheiro, Nelson Werneck Sodré, Antonio Olinto,Roberto Simões e Ricardo Ramos, que, nessadécada, além de alguns artigos, publica trêsobras.

A primeira obra publicada por Ricardo Ramosfoi Tempo de Espera, em 1954. Após três anos daestréia, em 1957, Ricardo Ramos publica umacoletânea também de doze contos, intitulada Terno

de Reis, e, em 1959, o escritor estréia no romancecom o livro Os Caminhantes de Santa Luzia.

Essas obras, em seu tempo, foram comentadaspela crítica em jornais diários. Dispersado, essematerial seria condenado ao esquecimento.Todavia, eles foram reunidos e integram hoje osdocumentos do projeto “Organização do acervode Ricardo Ramos”. A análise desses textos revelaa mentalidade e o comportamento de uma décadamarcada por grande movimentação política erenovação literária e têm muito a dizer sobre oprocesso de escritura de Ricardo Ramos. Assim,este artigo propõe-se a um estudo de Terno deReis, a partir dos textos reunidos no acervo. Oobjetivo foi fazer um levantamento dos traços doestilo de Ricardo Ramos apontados pela críticaque se constituiu em torno da obra Terno de Reisnos jornais de 1957, para verificar, em seguida,como a crítica recebeu essa obra e como oscríticos se comportam diante do novo.

RRRRResumo: esumo: esumo: esumo: esumo: Parte integrante dos estudos empreendidos pelo Projeto “Organização do Acervo de Ricardo Ramos”(2007-2009), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil,este artigo faz um levantamento dos principais traços de estilo de Ricardo Ramos apontados pela crítica em torno daobra Terno de Reis (1957) no ano de sua publicação. Analisados parte dos documentos que compõem o referidoacervo, foram levantadas questões que dizem respeito à crítica literária do século XX e ao contexto histórico-literário em que Ricardo Ramos estava inserido.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechave: estilo; Terno de Reis; crítica.

AAAAAbstractbstractbstractbstractbstract: This article, as part of the studies made by the Project “Ricardo Ramos’s archives Organization” (2007-2009) sponsored by the National Council of Scientific and Technological Development – CNPq – Brazil, makes asurvey of the main features of Ricardo Ramos’s style pointed out for the critics on the work Terno de Reis (1957) inthe year of its publication. After analysing part of the documents that comprise this collection, questions have beenmade concerning literary criticism of the 20th Century and the historical-literary context in which Ricardo Ramos wasinserted.

KKKKKeywordseywordseywordseywordseywords: style, Terno de Reis, critics.

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TTTTTerno de Rerno de Rerno de Rerno de Rerno de Reiseiseiseiseis e o papel do crítico: questões e o papel do crítico: questões e o papel do crítico: questões e o papel do crítico: questões e o papel do crítico: questõesque se impõemque se impõemque se impõemque se impõemque se impõem

Conforme já sinalizado, o nosso corpus deestudo é formado por textos críticos publicadosem periódicos no ano de 1957, referentes à obraTerno de Reis. Em função disso, julgamosnecessário levantar inicialmente uma discussãosobre o papel do crítico e, para tanto, buscamosembasamento teórico em estudiosos como AntonioCandido (1969) e Leyla Perrone-Moisés (1998).

Antonio Candido, em Formação da literaturabrasileira: momentos decisivos (1969), dedica-se àreflexão sobre o papel do crítico e suas atitudes. Paraele, antes de fazer algum juízo de valor, o críticopassa primeiramente pela impressão, ou seja, diantede um texto, o leitor sente “certos estados de prazer,tristeza, constatação, serenidade, reprovação, simplesinteresse” (CANDIDO, 1969, p. 32). O crítico deveexperimentar tais impressões a fim de manifestá-las,pois são elas que definem a visão do crítico. Dessemodo, segundo Candido, a crítica “usa largamentea intuição, aceitando e procurando exprimir assugestões trazidas pela leitura” (p. 32) e, por meiodelas, é que o crítico fará uma avaliação, umreconhecimento e um juízo de valor.

Dessa forma, entre a impressão e o juízoocorre um trabalho de análise, elaboração,comparação, a fim de que o crítico reduza asimpressões subjetivas em benefício da objetividadee resulte em juízo aceitável pelos leitores. Contudo,vale ressaltar que a impressão individualvivenciada pelo crítico permanece e é transferidapor meio da elaboração generalizada ao leitor.Passando por tais etapas, o crítico é feito “peloesforço de compreender, para interpretar eexplicar” (CANDIDO, 1969, p. 33), vislumbrandoo homem e suas obras de maneira “una” e “total”.

Seguindo essa linha teórica, para dar contado papel do crítico, Leyla Perrone-Moisés, em AltasLiteraturas: escolha e valor na obra crítica deescritores modernos (1998), faz um levantamentodos princípios que norteiam a escolha dos escritores-críticos. Vale destacar, para efeito de aclaramento,que a crítica constituída sobre Terno de Reis, em1957, ano da publicação da obra, era compostatanto por “escritores profissionais”, quanto porjornalistas de ofício ou por escritores-críticos. Estesúltimos são aqueles que, além de serem críticos,são também criadores de obras de ficção.

Leyla Perrone-Moisés (1998) explica que,desde o início do século XIX, os criadores

colocaram-se contra os críticos profissionais,especialmente contra os jornalistas, denunciando-os pela injustiça, incompreensão, inveja,impotência criadora. Dessa forma, os criadorespassaram a praticar “uma espécie de contracrítica”(p. 143), justificando que o melhor crítico é ocriador. Essa convicção, surgida inicialmente nosteóricos românticos alemães, de que “poesia sópode se criticada por poesia” (SCHLEGEL, apudPERRONE-MOISÉS, 1998, p. 143), fez com que,na modernidade, criação e crítica tornassematividades complementares.

Acontece que, em função disso, estabelece-se uma distinção entre os papéis dos críticosprofissionais e dos escritores. Enquanto os primeirospreocupam-se em analisar e classificar as obrasseguindo critérios implícitos, mas objetivos euniversais, os últimos estabelecem e assumem porsi mesmos “os princípios que regem seusjulgamentos de valor. Os autores escolhidos poreles são, ao mesmo tempo, a fonte e a confirmaçãodesses princípios” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.144). Além disso, a crítica praticada por estes ésempre positiva, pois estão à busca de qualidades,e não de defeitos, como ocorre com os críticosprofissionais.

As coincidências de princípios e de escolhasdos escritores-críticos repousam sobre um critériode valores, que ora são pessoais, ora são comuns(os de seu tempo ou da tradição). O que uneestes escritores-críticos é a experiência partilhada“da linguagem poética e o projeto comum de levá-la a um ‘padrão universal’ de excelência”(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 144). Mas o queos une, sobretudo, é a paixão pela literatura e asua constante defesa.

Conforme Perrone-Moisés, os bons escritores“mantêm a linguagem eficiente”, isto é, mantêm suaprecisão e clareza. Nesse mesmo tom, afirma Perrone-Moisés, a linguagem é o principal meio decomunicação humana. Se o sistema nervoso de umanimal não transmite sensações e estímulos, o animalse atrofia. Se a literatura de uma nação entra emdeclínio, a nação se atrofia e decai (1998, p. 145).

Com relação aos críticos, Pound (apudPERRONE-MOISÉS, 1998) declara que “o maucrítico se distingue facilmente quando começa pordiscutir o poeta e não o poema” (p. 146). Já paraEliot, toda criação tem um componente crítico,pois, para ele, a maior parte do labor de um autor,ao compor sua obra, é o labor crítico; trabalhode peneirar, combinar, construir, eliminar, corrigir,

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testar; e [...] alguns escritores-criativos sãosuperiores a outros apenas porque sua faculdadecrítica é superior (ELIOT apud PERRONE-MOISÉS,1998, p. 147).

Diferentemente de Pound, Eliot e os demaisescritores-críticos modernos como Borges nãovaloriza a novidade, nem a técnica de um escritor,pois, para ele, a técnica deve ser invisível. Entreos critérios de valoração de Borges está asubjetividade.

Já a crítica de Octavio Paz inclina-se para osvalores contemporâneos, com especial “queda”para a questão da “verdade”. A verdade, paraele, é um conceito difuso. A “verdade de umaobra literária” se constitui como uma verdade únicaem seu universo ficcional, enquanto a verdade dacrítica literária baseia-se em elementos concretosda realidade, tendendo assim para averossimilhança. Por isso, a crítica nem sempreconsegue captar o “espírito” da obra. “Nopassado, a crítica tinha por objetivo chegar àverdade; na idade moderna, a verdade é crítica.O princípio que fundamenta nosso tempo não éuma verdade eterna, mas a verdade da mudança”(PAZ apud PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 151).

Assim como Borges, Calvino privilegia a leiturae a subjetividade do leitor. Além disso, Calvinoaprecia a inesgotabilidade do sentido da obra, oefeito surpresa, a completude e outros. Apreferência de Butor é por autores do passado queo influenciaram e sua tendência é a construçãointelectual do tipo surrealista. Já os valores deHaroldo de Campos são da ordem do significante,a novidade de expressão, a radicalidade.

Entre os escritores-críticos modernos encontra-se também Sollers, que, segundo Perrone-Moisés(1998), valoriza a “ruptura”, a impessoalidade, apluralidade, “a revelação do inconsciente coletivo”(PERRONE-MOISÉS, 1998, 153).

Atento também para o papel do crítico, Esdrasdo Nascimento (A ficção nova no Brasil, s/d), aoanalisar a obra Terno de Reis, afirma que há umgrande equívoco quando o crítico procura “julgara obra pela posição que o artista assume diantedela”. Conforme Nascimento, Jacques Martainsjá dizia que o caráter essencial da arte “é dirigiruma OBRA A SER FEITA, de sorte que ela sejafabricada, amoldada ou disposta como deve ser,e desse modo assegurar a perfeição ou abondade, não do homem que age, mas da própriacoisa ou da obra feita pelo homem”(NASCIMENTO, s/d, grifos do autor)

4.

O que se nota nessa discussão sobre o papeldo crítico é que há, mesmo que implicitamente,um diálogo entre os escritores-críticos modernos eos críticos de Ricardo Ramos e da obra Terno deReis. Em outras palavras, a crítica de RicardoRamos não estava alheia aos acontecimentosliterários do modernismo; ao contrário,demonstrava ter conhecimento do espírito, oumelhor, das características ou dos valores quepredominavam a época.

TTTTTraços do esti lo de Ricardo Rraços do esti lo de Ricardo Rraços do esti lo de Ricardo Rraços do esti lo de Ricardo Rraços do esti lo de Ricardo Ramosamosamosamosamosapontados pelos críticos na obra apontados pelos críticos na obra apontados pelos críticos na obra apontados pelos críticos na obra apontados pelos críticos na obra TTTTTerno deerno deerno deerno deerno deReisReisReisReisReis e a crítica literária do século XX e a crítica literária do século XX e a crítica literária do século XX e a crítica literária do século XX e a crítica literária do século XX

VOCÊS NUNCA SABERÃO por que eu osescolhi ou por que eles mereceram serescolhidos, ou melhor, por que vocês aprovamou desaprovam a minha escolha, até irem aosTEXTOS, aos originais. E quanto mais depressavocês forem aos textos, menos necessidadeterão de dar ouvidos a mim ou a qualquer outrocrítico fastidioso.

(Ezra Pound)

Antes de iniciar um apanhado mais criteriosodos traços de estilo de Ricardo Ramos apontadospela crítica em torno da obra Terno de Reis no anode sua publicação, vale destacar, para efeito decompreensão da discussão aqui almejada, que,como propõe Haroldo de Campos, em A arte nohorizonte do provável (1977), a escrita de umahistória da literatura deve ser analisadasincronicamente, isto é, de maneira não-linear, poiso historiador, ao partir de um ponto de vista atual,mostra-se mais crítico e atento ao resgate e àvalorização das obras. Portanto, para entender aatitude dos críticos que analisaram a segunda obrade Ricardo Ramos, é preciso ressaltar que Terno deReis insere-se num período da história da literaturaem que os autores da modernidade acreditam queo novo é que serve de gabarito para medir o antigoe o presente é que decide o valor do passado ou,como afirma Perrone-Moisés (1998), “a alteraçãodo passado constitui uma revolução considerávelnas relações dos novos com a tradição. A tradiçãodeixa de ser um dom ou um fardo, ela tem de serrecriada, conquistada” (p. 31).

Diante desse panorama, faz-se necessárioestudar as características do século XX, contextohistórico-crítico-literário em que Terno de Reis estáinserido. Para tanto, buscamos embasamentoteórico, dentre outros, em Leyla Perrone-Moisés

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(1998), que faz um estudo sobre a história daliteratura ocidental baseado nas preferênciasliterárias de leitores como: Ezra Pound, T. S. Eliot,Jorge Luis Borges, Octavio Paz, Ítalo Calvino,Michel Butor, Haroldo de Campos e PhilippeSollers, todos considerados pela autora escritores-críticos, pois eles, além de escreverem poesia e/ou ficção, escreveram ou ainda escrevem obrasteórico-críticas.

Os estudos realizados por Perrone-Moisés(1998) sobre os parâmetros críticos damodernidade levam a autora a fazer umlevantamento dos valores e/ou característicascomuns da literatura do século XX, apontados pelosescritores-críticos acima citados. Seguindo essadiretriz, a cada característica destacada pelosescritores-críticos, optamos por situar também ascaracterísticas da obra Terno de Reis, de RicardoRamos, segundo a ótica dos críticos quecomentaram a obra no ano de sua publicação,isto é, de 1957.

A primeira característica observada pelosescritores-críticos é a “maestria técnica”. Para osmodernos, a linguagem literária, na poesia ou naprosa, não resulta apenas de inspiração, mas deuma técnica que necessita ser reinventada erenovada. A crítica não apenas reconhece osescritores que preservam a tradição, mas tambémaqueles que, ao fazerem isso, conseguem inserirelementos de seu tempo em seus escritos. Contudo,vale ressaltar, essa valorização da técnicacontrapõe-se justamente ao “tecnicismo” exigidopela sociedade industrial, pois a obra “literárianão é utilitária, visa fins qualitativos e nãoquantitativos” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 155).Além disso, Perrone-Moisés menciona aobservação de Barthes sobre a literatura moderna.Para Barthes, o escritor, ao desconsiderar que suacondição não é uma vocação ou uma missão“recebida do Além, sentiu a necessidade de seafirmar como um profissional” (p. 155).

Nessa perspectiva encontra-se a coletânea decontos intitulada Terno de Reis (1957), de RicardoRamos. O crítico Antonio Olinto (1957) asseguraque o conto é uma arte difícil, pois permite váriastécnicas de narrativa e desvenda um estimadomundo de “faz-de-conta”. Conforme Olinto,Ricardo Ramos tinha talento para elaborar umadescrição e sabia “unir, com neutralidade, asimples enumeração das coisas ao sentido que ascenas irão ter”. Olinto compara, assim, a técnicautilizada por Ricardo Ramos para construir textos

a uma câmera cinematográfica que se volta paraum segmento da realidade. Outros críticos, comoH. Salles (1957), acreditam que Ricardo Ramosdistinguira das tendências reveladas pelo contomoderno, porque seus contos têm umaimpregnação de vida, não há uma preocupaçãode “exclusivismo de escola, ora Ricardo Ramosapela para o método introspectivo, ora à narraçãodireta, mas não linear no sentido do superficial edo frívolo”.

Uma segunda característica apreciada naliteratura moderna é a “concisão”, valor estereciclado da Antiguidade pelos modernos. NaAntiguidade usava-se a concisão para não cansaros ouvintes durante a oratória e também porqueo exagero de palavras significava o distanciamentoda verdade. Já na modernidade, a concisão estárelacionada à objetividade, à rapidez e à eficáciaexigida pelo século XX. A concisão é, ainda, umvalor de resistência que se opõe às faláciaspresentes nos discursos sociais. Esse valor, alémde ser um traço estilístico, também é um aspectoestrutural que os modernos preferem chamar decondensação, isto é, “saturado de sentidos”. Asalegorias e as metáforas são consideradas como“condensações de sentidos”, pois são “eficazesem produzirem efeito imediato no leitor”(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 157).

Nesse sentido, os críticos que analisaram olivro Terno de Reis também atentaram para essacaracterística. Macedo Miranda (1957), porexemplo, afirma que Ricardo Ramos surpreenderao leitor com a economia de palavras, asimplicidade e a clareza da linguagem. Já paraAntonio D’Elia (1957), seria a “força estilísticade contenção e de essencialidade” que daria aRicardo Ramos um bom lugar na literatura.

A terceira característica louvada pelosescritores-críticos modernos é a “exatidão”, ouseja, “uma habilidade verbal na recriação domundo e não uma adequação ou um sentidoprévio” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 158). Aexatidão estaria ligada à verossimilhança, e nãoà verdade. Essa adequação das palavras àexperiência que se tem ou se pode ter das coisasjá era apreciada de longa data, desde os sofistas.

Quanto à “exatidão” analisada em Terno deReis, o crítico Roberto Simões (1957), fazendoreferências às características dos contos, afirmaque as narrativas de Terno de Reis possuemestrutura e linguagem simples, qualidades que dãoexpressão psicológica aos personagens e tecem

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tramas de imensa densidade e significação. Afirma,ainda, que os contos de Ricardo Ramos atendemàs exigências de short-story, que adotam a síntese,a fala direta e o imprevisível.

A quarta característica ou valor apreciadopelos modernos é a capacidade de evocar visõese sons surpreendentes, ou seja, a “visualidade” ea “sonoridade”. Devido ao desenvolvimento e àdifusão das técnicas de reprodução visual noséculo XX, os modernos tornam-se mais atentos àapreensão do real, levando-os a uma seleçãocrítica das imagens. Do mesmo modo, ocorre emrelação à sonoridade, que, nesse século, étambém apreciada. A partir dos modernos,diversos recursos de gravação permitem um apreçoparticular da melodia e do ritmo do texto. Assim,a tecnologia permite em ambos os casos (visual esonoro) uma integração, podendo levar a possíveisnovas “leituras” e a uma nova forma de criação.

Ricardo Ramos, por meio dos contos de Ternode Reis,,,,, é capaz de aguçar nos leitores sons evisões surpreendentes. O livro possui ilustraçõesdo pernambucano Darel Valença Lins que,antecedendo cada narrativa, sugerem temáticaspara o leitor.

Como afirma Ronaldo Moreira (1957) arespeito das “paisagens exteriores” da obra, areunião das pequenas narrativas “é pintada acores vivas, o cenário se destaca”. Além disso,“em função do cenário que, quase sempre, sedesenrola a ação interior e se definem oscaracteres”.

Uma outra característica louvada pelosescritores-críticos é a “intensidade” do conto, istoé, os efeitos psicológicos que o texto produz noleitor. Na modernidade é a mensagem poética quedeve servir de “dispositivo produtor e transpositorde emoções” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 159).Os modernos não visam à intensidade comosimples questão de técnica, mas, sobretudo, comouma indissolúvel ligação do sentido comunicadoe que “deve existir no emissor para que chegueao receptor” (p. 159). Em outras palavras, a

[...] intensidade moderna, escritural ou leitural, éuma questão de manutenção do ritmo pelomanejo da surpresa do estranhamento, do humor.[...] O efeito da intensidade pressupõe umconhecimento do receptor. Os leitores modernosnão têm, como os dos séculos passados,paciência para enfrentar o tedioso, o solene, quese justificavam pelo ensinamento ou pela elevaçãomoral. (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 159).

O nosso corpus de estudo, como já dito, éum livro de contos cujo gênero literário, a partirdo ano de 1945, tomou novas perspectivas. Emum artigo publicado n’A Gazeta, Jorge Rizzini(1957) faz um breve percurso histórico-literáriosobre o conto no Brasil nessa época. Até então,entre outros escritores, Marques Rebelo eraconsiderado “o pontífice do conto”, pois com eleo conto como gênero “pôde atingir a uma novaexpressão”. Porém, com a facilidade de Rebeloem “surpreender flagrantes com o policiamentoinconsciente, o conto, como gênero, tornou-seestático, e era então necessário um movimentorenovador” (p.25). Logo, a partir dos anos de1945, surgiram vários autores que faziam partedo movimento.

Entretanto, afirma Rizzini, 95% dos novosautores não eram contistas, e sim curiosos. Elesnão diferenciavam crônica de conto e não tinham“força expressionista”. Sobreviveram, ainda deacordo com Rizzini, autores que tinham “vocaçõesautênticas”, que deram prosseguimento ao conto,desligando o gênero “da fase criada por mestreRebelo”. Assim, esse novo gênero adquiriu umnovo aspecto inédito no Brasil. O conto, portanto,abandonou a “linha horizontal clássica [...] emergulhou na linha vertical, no sub-mundonebuloso da personagem” (p.25). Desse modo,continua Rizzini, o conto passou a apresentar “umapsicologia em profundidade”. Estaria enquadradonessa linha moderna o livro Terno de Reis, que,com seus contos, trouxe “contribuições para ogênero”. Para o colunista, o referido contista foium dos “responsáveis pela evolução do contobrasileiro” (p.25).

Seguindo essa mesma linha de raciocínio,Álvaro Augusto Lopes (1957) afirma que RicardoRamos começou a escrever ainda jovem,apresentando um estilo próprio com vastovocabulário regionalista, “domínio perfeito doidioma” e também “agudeza psicológica e muitosenso de observação”, ou, como já observara FritzTeixeira Salles (1957), Ricardo Ramos adotara umatécnica que consiste na “psicologia cotidiana”.“Para Ricardo Ramos a significação mais profundadas coisas e da vida reside naquilo cuja aparênciaé insignificante”. Em outras palavras, os contosde Ricardo Ramos são, conforme Oliveira Torres(1957), bons e bem elaborados e capazes de“provocar sincera emoção no leitor” por retratarcenas da vida cotidiana. Por tais atributos, pode-se, pois, ratificar a afirmação inicial deste parágrafo

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e dizer que a intensidade está também presentenos contos de Ricardo Ramos.

Completude e fragmentação são a sextacaracterística apontada pelos escritores-críticos. Acompletude é, na modernidade, assim como foina Antiguidade, um valor admirado. Porém, o quemudou foi a visão sobre o que é completude. Sena Antiguidade a completude dizia tambémrespeito à elaboração sintática, na modernidade,completude é “coerência interna”, pois “nãodepende de uma lógica referencial, é uma relaçãoentre as partes que se mostra, no conjunto, comonecessária ao todo” (PERRONE-MOISÉS, 1998,p. 160), ou seja, “o importante não é que a obratenha como referente um universo completo, masque ela seja ela mesma esse universo”(PERRONE-MOISÉS, 1998, p.160).

Como já afirmara Novalis (apud PERRONE-MOISÉS, 1998), a coerência interna está naimaginação ou no sonho, não na razão. Dessamaneira, os conceitos de “totalidade” e de “belo”tornam-se quase sinônimos. E, ainda, osmodernos, ao contrário dos românticos, buscama “ficção formal da totalidade e a abertura infinitado sentido” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.163),isto é, o sentido da obra é produzido na leitura,que, para os modernos, é tida como “fundadora”e como “mutante”, ou seja, histórica.

A completude e a fragmentação tambémforam valores que o crítico Homero Silveiraobservou em Terno de Reis. Analisando essa obra,Homero Silveira (1957) deixa claro que nos contosda referida obra o leitor encontra o “sabor doindefinido”. Ricardo Ramos deixa ao leitor “ogosto da colaboração [...]. Escrevendo paraleitores inteligentes, o contista lhes deixa sempreuma expectativa e uma indefinição” para que osleitores completem por si mesmos o que o escritor,de propósito, lhes oferece à inteligência. Contudo,o crítico Roberto Teixeira Leite (1957) afirma queos contos de Ricardo Ramos seguem um esquematradicional com início, meio e fim. Para Leite, olivro Terno de Reis pode ser apreciado pelos leitoresque gostam de “histórias objetivas, que pouco exijamda inteligência”. Abrindo um parêntese, explica:“pois são oferecidas ao leitor já mastigadas, jádecifradas pelo contista, que nada deixa àimaginação de quem lê” [grifos do autor].

A sétima característica apontada pelosescritores-críticos modernos é a “intransitividade”,característica esta que é “própria da obra de arteem geral e da obra literária em particular”

(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 163). A fim deesclarecer esse valor, Perrone faz alusões aNovalis, que afirma: “o romance não buscanenhum objetivo, ele não depende de nada alémdele mesmo, absolutamente” (NOVALIS apudPERRONE-MOISÉS, 1998, p. 163).

Nesse sentido, a “função poética dalinguagem”, postulada por Jakobson, foifortemente sustentada pelos modernos, levando-os, na década de 1960 e 1970, à afirmação deque “a linguagem poética se auto-enuncia, deque a obra não diz mais nada a não ser ela mesmaou que seu tema é a própria linguagem”(PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 163). Para osmodernos, a arte é uma “finalidade sem fim”.Porém, a obra de arte vive uma ambiguidade: aomesmo tempo em que é autônoma, ela mantémuma ligação ao contexto em que é produzida.

Fernando Góes (1957) afirma que as históriasde Ricardo Ramos valem pelo seu todo, “pois secompletam no princípio, no meio e no fim comouma só peça, inteiriça, de um fragmento de vida”.

A “utilidade” da arte também é uma questãodiscutida entre os escritores-críticos modernos.Embora Kant tenha negado a “finalidade moral daarte” (PERRONE, 1998, p. 164), ele deixou abertoo acesso ao “juízo estético” e ao “juízo moral”.Para Kant, “o belo é o símbolo do bem moral”(KANT apud PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 164).

Os modernos, porém, fazem uma distinçãoentre “finalidade estética” de “finalidade moral”.Para eles, a literatura tem “um valor deconhecimento do mundo e de autoconhecimento,e um valor de crítica, com implicações e efeitosno contexto social” (PERRONE, 1998, p. 165).Embora os escritores-críticos modernos consideremque a obra literária tem um fim em si mesma,especialmente na poesia, alguns defendem – comoPound – que a literatura tem a finalidade de mantera linguagem em boa forma de uso. Já para Eliot,a literatura tem a finalidade de preservar o idiomae de transmitir valores morais. Para Borges, aliteratura tem o objetivo de ampliar a percepçãodo mundo e de aperfeiçoar “a fruição psicológicado leitor” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 165).Outros escritores, como Butor, já acreditam que“modificar, na ficção, leva o leitor a desejarmodificações no mundo real, para torná-lo cadavez melhor” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 166).Em suma, o que se observa nas afirmações dosescritores-críticos sobre a “utilidade” da literaturaé a sua ideologia política.

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Atento à ideologia política de Ricardo Ramospresente na obra Terno de Reis, Alfredo GuilhermeGalliano (1957) relata que Terno de Reis foiresultado “de uma vocação de contador dehistórias, criador de situações, aliada a umtemperamento de intransigente observador darealidade que nos cerca o que faz com que os seuscontos jamais percam a veracidade desejada àsobras de ficção artística”. Somando essasqualidades à experiência de “manipulador dalíngua”, tem-se o livro. Além disso, em nenhuminstante o leitor encontra-se “desligado da sociedadehumana, perdido no tempo e no espaço”. Os contosde Ricardo Ramos fazem com que o leitor participedos problemas dos seus personagens, sofrendo ousorrindo com eles. No mesmo tom, continuaGalliano, indagando quem são os personagensde Terno de Reis, e ele mesmo responde que sãoaqueles que formam o homem que vive no Brasil:

Não será aquele, por acaso, o grande senhorde terras que vê derruir o seu império ante anova sociedade comercial e industrial, maispujante e vigorosa, que surge? O pequenoburguês, reacionário, passadista, que vive nossubúrbios das grandes cidades, impregnado depreconceitos moralistas? Não será, ainda, ohomem do Nordeste que, assolado pela a seca,emigra da terra natal para o mundo de maioresincertezas das metrópoles, e, inadaptado,saudoso, pensa em voltar? E, tudo isso, nãoforma o conjunto do homem brasileiro?

Segundo Galliano (1957), havia críticos quecondenavam a literatura que abordava asamarguras, as misérias do homem do nosso país,havendo até mesmo aqueles que a qualificassemde “antipatriótica por mostrar nossas mazelas aoinvés de realçar nossas virtudes”. Contudo, ressaltaGalliano, o Brasil não é nenhum paraíso perdidoonde não há fome, doenças, miséria, inadaptaçãoà sociedade injusta ou ao meio hostil. Pelocontrário, o Brasil ainda “apresenta chagassangrentas em sua organização social, e issoprecisa ser mostrado. As virtudes não necessitamde conserto; o que precisa de solução são asmazelas”. E é exatamente isso que Ricardo Ramosfaz por meio dos seus contos. Impulsiona o leitorà meditação da vida, do seu povo, seus problemas,obrigando-o a participar de uma “luta redentorasem nunca entrarem por caminhos panfletários”(GALLIANO, 1957).

A “impessoalidade” é outra característicaadmirada pelos escritores-críticos. Na Antiguidade,

esse valor era fundamentado na crença emoráculos e na magia. O enunciador era como um“médium”; a palavra tinha origem nas forçasocultas e superiores e falava por si mesma. Namodernidade, os escritores-críticos preconizam aimpessoalidade do poeta, opondo-se aoromantismo excessivamente expressivo esentimental; dessa forma, os modernos resgatama ideia de poesia “como palavra mágica,instauradora” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 167).

De modo geral, os escritores-críticosmodernos apreciam a despersonalização do poeta.A frase “Eu é um outro”, de Rimbaud, tornou-seuma linhagem teórica do poeta moderno. Valeressaltar, ainda, que a impessoalidade está ligadaà intransitividade, pois esta garante à obra “umvalor geral, que supera o individual e ocircunstancial” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.167). Resumindo:

A impessoalidade do poeta moderno não é umdesaparecimento do sujeito, análogo àdespersonalização dos indivíduos na sociedademassificada. É o sujeito imaginário (falso) daexpressividade egocêntrica que é posto em crisena literatura moderna, em razão de umaobjetividade alargada que, ao contrário deanular, aumenta a consciência e aresponsabilidade do escritor. (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 167).

Em nota, Edgard Cavalheiro (s/d) afirma queRicardo Ramos era um prosador seguro, cujo estilosimples e direto, pois

[...] retira seus dramas do cotidiano, trata emgeral de gente obscura e humilde, de poucasfalas, que não excluem, no entanto, vidasinteriores cheias de complexidade e mistério. Alinguagem é sempre adequada aos temas, e oautor sabe aliar o aspecto psicológico ao social,levantando com muita arte os ambientes emque se movimentam seus personagens.

Nessa mesma perspectiva, Esdras doNascimento (s/d) confessa que, ao ler Terno de Reis,a segunda coletânea de contos de Ricardo Ramos,ficara surpreso com a desenvoltura e o domínioperfeito da difícil técnica do conto psicológico.

Outro valor apreciado pelos escritores-críticosé a “universalidade”. Desde a Antiguidade até oséculo XVII, a poesia foi considerada uma“linguagem geral da humanidade”, porém, essauniversalidade restringia apenas à corte ou à classe

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média culta. Contudo, a proposta de Goethe, em1827, de extinguir a literatura nacional e valorizaruma “literatura mundial” convenceu os escritoresmodernos da necessidade de conhecer outraslínguas, levando-os à prática da tradução. Dessemodo, os escritores da modernidade “concebem,assim, uma literatura de valor universal que tempor base convicções humanísticas de igualdade efraternidade” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.168).Vale ressaltar que um dos fatores que contribuírampara o internacionalismo e o cosmopolitismo foio progresso e a rapidez dos meios de comunicaçãoe de transporte.

Para os modernos, a cultura e a literatura sãouniversalizantes:

[...] a obra deve ter uma função de conhecimentoe de auto-conhecimento, que só pode serexercida se ela disser respeito a todos oshomens. [..] A ambição (ou a utopia) dosmodernos é de que a arte, a literatura, atinjamo maior número de pessoas, sem perda de suaqualidade intrínseca (PERRONE-MOISÉS,1998, p.170).

O crítico Esdras do Nascimento (s/d)acreditava que os contos de Ricardo Ramos eramde qualidade, de “elevado nível, que, traduzidospara outra língua, serviriam muito bem pararepresentar nossa literatura”.

A “novidade” é outro valor particularmentemoderno. A “novidade de expressão” (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.171) rompe com os padrõesvelhos e surpreende o leitor. Novidade e surpresacaminham juntas, pois os modernos “não quiseramapenas o diferente, o bizarro; quiseram o novo, odesconhecido” (BAUDELAIRE apud PERRONE-MOISÉS, 1998, p.171). Enquanto os românticosusaram o termo “criação”, os modernos preferemusar como “progresso tecnológico moderno”(PERRONE-MOISÉS, 1998) o termo “invenção”.“O amor à novidade é não apenas umavalorização do presente, mas também um desejode futuro” (p.172).

Ainda segundo Perrone-Moisés, a novidadepara os escritores-críticos não significa “umaruptura com a tradição, na medida em que, paraeles, os ‘clássicos’ são os que permanecem novos.E sua ambição é a de se tornar ‘clássicos’, nessemesmo sentido” (1998, p.172).

Nessa mesma linhagem teórica, Habermas(apud PERRONE-MOISÉS, 1998) resume aquestão afirmando que os modernos criaram “seus

próprios cânones implícitos do que é ser clássico”,pois para eles “uma obra moderna se tornaclássica porque foi um dia autenticamentemoderna” (p. 172).

Influenciado por essa característica moderna,Ricardo Ramos, com seu livro Terno de Reis,conforme a observação de Martinho Lutero dosSantos (1957), “inaugura um regionalismotemperado, sob certo prisma inédito, incomum”.O nivelamento em que

[...] se alternam cenas alpestres e urbanas,episódios rurais e citadinos [...] atrai indíciosde superação da vassalagem a um tipo deliteratura unicamente preocupado com acentuara exclusiva predominância dos aspectosagrários da realidade nacional.

A fim de demonstrar tal aspecto na obra Ternode Reis, Santos menciona o conto que abre olivro, O Trole, em que é narrada a estória do majorCamilo e do preto Valério. Em ambas as figuras,Ricardo Ramos evoca “uma infra-estruturaeconômica semifeudal, porém ainda não de todoesmaecida e apagada de modismos escravistasdo viver agrário”. Nessa peça, continua Santos(1957), estão “os contornos persistentes de umsistema social”.

O último conto de Terno de Reis também émencionado por Santos. Nele, Ricardo Ramos,não acidentalmente, “insere um conto de ficçãourbana em que reúne as raças tristes, niveladaspelo trabalho salarial”. Assim, Santos (1957)estabelece uma relação entre o negro Orlando eos personagens Antero e Severino, do conto Ternode Reis, a Valério, de O Trole, que, conforme ocrítico, os três primeiros “são a face evoluída,industrializada de Valério”. Contudo, continuaSantos (1957), “o preto ofendido recalca avingança, prelibando a ruína do engenho e odesvalor das terras do major, os operários doedifício de Copacabana desabafam em folguedoe cantoria de Terno de Reis”.

Com essas reflexões sobre as característicasda crítica da modernidade e por meio dolevantamento das características amealhadas peloscríticos referentes à Terno de Reis, observamos quea obra não só está inserida num contexto histórico-crítico-literário, como também corresponde aosvalores postulados pelos escritores-críticosmodernos e, portanto, os críticos que comentaram,em 1957, a coletânea de contos de Ricardo Ramos

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estabeleceram, talvez até inconscientemente, umdiálogo entre os escritores-críticos da modernidade.

1- Projeto “Organização do Acervo de RicardoRamos” (2007-2009), financiado pelo ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico - CNPq – Brasil.2- Acadêmica do curso de Licenciatura Plena emLetras – UNEMAT, campus universitário de AltoAraguaia. E-mail: [email protected] Doutor em Letras pela FCLAs/UNESP. Professorda UNEMAT, campus universitário de AltoAraguaia. E-mail: [email protected] Há que se ressaltar que, por se tratar de textosrecolhidos pelo próprio autor ou pelos seusfamiliares, muitos não possuem todas asinformações necessárias à sistematização dasreferências segundo a ABNT vigente. Portanto, deagora em diante, toda vez que citarmos os referidostextos publicados em periódicos, buscaremos darconta das informações que forem possíveis, mascertamente algumas das informações, como onúmero da página em que o artigo foi publicado,ou até mesmo a data, não serão informados pelasquestões referidas acima.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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O suave de ser [...] (Riobaldo)

RRRRResumo:esumo:esumo:esumo:esumo: Em Grande Sertão: Veredas, as imagens figuram a experiência longínqua, realizando-se em forma ematéria. Um jogo com diversos componentes formais obedece a regras e a estratégias preciosas de duração naelaboração narrativa. Essas estratégias constituem um modo de organização que se estabelece a partir de elementosinseparáveis: a manipulação da experiência passada pelo narrador conjugada à perspectiva de presente.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechave: narrativa; Grande Sertão: Veredas;  imagem; memória.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: In Grande Sertão: Veredas (The Devil to Pay in the Backlands), the images show a distant experiencewhich takes place in form and matter. A game with several formal components obeys the rules and precious strategiesof time in the narrative elaboration. These strategies are a form of organization that is established from inseparableelements: the handling of experience of the narrator combined with the present perspective.

KKKKKeywords: eywords: eywords: eywords: eywords: narrative; The Devil to Pay in the Backlands; image; memory.

Parece-nos que o princípio pelo qual Riobaldotransforma sua memória em uma totalidadeindividualizante estabelece-se a partir do sentidoprofundo que as imagens, encontradas nopassado, assumem quando reorganizadas.Enquanto “representação, não mais querepresentação” (BERGSON, 1999), as imagensfiguram a experiência longínqua (Se deu há tanto,faz tanto, imagine ...), realizando-se em forma ematéria (imagens-lembranças). Um jogo comdiversos componentes formais obedece a regras ea estratégias preciosas de duração na elaboraçãonarrativa. Essas estratégias constituem um modode organização que se estabelece a partir deelementos inseparáveis: a manipulação daexperiência passada pelo narrador conjugada àperspectiva de presente. Tamanha é a capacidadedesse narrador na elaboração do passado

1 que

embora se remeta o tempo todo ao seu ouvinte, aemoção de narrar parece estender o passado,fazendo-o constância sinuosa e dolorida. A re-construção de Riobaldo restaura e instaura umaordem em que os limites do tempo tornam-seincompreensíveis, insondáveis. Não nos referimosao evento (a trajetória no sertão), mas àcapacidade senso-emotiva que resguarda aelaboração. Essa capacidade criadora do narradorem condensar na imagem a legitimidade daemoção e da razão, do falso e do verdadeiro,como ritmo poético. A sonância entre emoção e

razão é sintomática e parece inferir sobre o “eu”uma forma de sentido pronto e perene, mesmoque dual e não totalmente decifrável – como aesfinge – como a Natureza humana: o homempelo avesso.

Essa materialidade da imagem2 permite a

compreensão do encadeamento poético comoprincípio resultado de uma associação dalembrança com o ato de narrar. Para Cleuza Passos(2000), Riobaldo não apenas “reconstrói a tramado passado, desfazendo laços e fios que sedesdobram no presente, [...] não produz apenassua própria reelaboração, mas retrabalha atradição literária e, nela, a inserção dasingularidade de Diadorim” (p.155). As emoçõesdo eu-narrador traduzem-se em emoções estéticasque levam à contemplação da forma. Seduzindo,Riobaldo (re)descobre a experiência e a elege comfidelidade. Pouco à vontade ficamos quando nosdeparamos com a imagem que, ao flutuar nolimite da palavra (palavra proferida por Riobaldo),faz vibrar reflexões e nos conduz à insólita viagemdo contador. A Casa nos perece ser essa imagemque, em descompasso com o Sertão, instaura aimobilidade central e pungente dentro de umespaço movediço: Lugar sertão se divulga: é ondeos pastos carecem de fechos [...]. É nesseuniverso que a Casa parece assumir, na narrativade Grande Sertão: Veredas (GSV, doravante), umadensidade que agrega não apenas uma

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intimidade, mas uma espécie de interposição daausência e da Morte.

A imagem da Casa torna-se o ponto de partidae o ponto de chegada em Grande Sertão: Veredas.Como perfeito narrador moderno, Riobaldo,solitário, narra, do seu isolamento, uma experiênciaque oprime o presente. “Essa solidão não ésimplesmente a embriaguez da alma aprisionadapelo destino e convertida em canto, mas também otormento da criatura condenada ao isolamento eque anseia pela comunidade” (LUCKÁCS, 2000,p.43). É do conforto de sua Casa, isolado nopresente, preso ao passado, que Riobaldo “fala”sobre o Sertão, o qual ele reconhece através datrajetória feita com/por Diadorim.

Nesse romance de Guimarães Rosa nosdeparamos com a insólita voz de Riobaldoimpondo-se ao silêncio do visitante. O diálogode uma só voz quer nos fazer acreditar no narradororal que, ao dividir suas experiências com o outro,mostra ter algo especial a dizer. O perfil donarrador oral forja a interação entre narradorversus ouvinte com esquemas narrativos quemarcam a presença de um ouvinte atento: Osenhor mire e veja [...]. A introdução da narrativapelo travessão indica a inserção de imediato da faladireta da personagem: _ Nonada. Tiros que o senhorouviu foram de homem não [...] (GSV, p. 1).

Nesse aspecto o romance opta estruturalmentepela fonte oral, mostrando o dinamismo da voz ea interação entre sujeitos (eu/tu) no processonarrativo. Como narrador, Riobaldo relembra ocontador de histórias, histórias que ouviu dizer,histórias que viveu. O limite da sua experiênciatransforma em narrador e autoriza o homem queviveu muito, e que por isso mesmo tem muito acontar. Nada parece fugir a essa dimensão dehomem já velho detentor de um conhecimento.Todavia, não demora muito e somos levados aperceber que a narrativa, à medida que sedesenrola, escapa a exemplaridade, a ordenaçãode mundo lógico, ao nos apontar os desencantosdo sujeito que, ao projetar seu discurso nopassado, torna o presente inexistente, a não serpela possibilidade que permite (tal presente) derememorar o passado – o ato concreto pelo qualreavemos o passado no presente é oreconhecimento (BERGSON, 1999, p.99). O jogoentre passado (acontecido) e futuro não realizadoinstaura a proposição do desencanto.

A sua práxis rememorada recobra não atotalidade, mas constitui-se no anulamento da

harmonia e equilíbrio; não há conflito comosimples elemento da ação, não há puro mundoinfantil do qual fala Lucáks ao definir a epopéia:

A epopéia ou é o puro mundo infantil, no quala transgressão de normas firmemente aceitasacarreta por força uma vingança, que por suavez tem de ser vingada, e assim ao infinito, ouentão é a perfeita teodicéia, na qual crime ecastigo possuem pesos iguais e homogêneosna balança do juízo universal (2000, p.61).Antes vislumbramos a busca na expressão daperspectiva do sujeito de que tanto a totalidadeobjetiva da vida quanto sua relação com ossujeitos nada têm em si de espontaneamenteharmonioso. (LUKÁCS, 2000, p.60).

A dissolução da ordem, a impossibilidade dequalquer restauração, a imperfeição do heróidenota a sua impossibilidade de ação; esta é, porfim, o aniquilamento do sujeito. Nesse ponto asinterrogativas realizam a dimensão voraz edolorida do sujeito, fazendo-se eco que desintegrano abismo do silêncio de seu ouvinte. “Oindivíduo em sua solidão”, observa WalterBenjamin (ao falar do indivíduo no romance), “éo homem que não pode mais falar exemplarmentesobre suas preocupações, a quem ninguém podedar conselhos, e que não sabe dar conselhos aninguém” (1985, p.54).

Riobaldo questiona-se, indaga-se sobre aexistência do demo. Como narrador é aquele quesofre dos limites da condição de existir e se colocadiante de um mistério que não se desvenda, asformas desse mistério são as veredas: o GrandeSertão ... as formas do falso: as formas do mesmo(Diadorim). A sua perigosa busca o coloca dianteda queda da Verdade, diante do Caos; o caos como“estado original como uma massa compacta ehomogênea na qual nenhuma forma eradiscernível; ou ainda como uma esfera semelhantea um ovo, na qual o Céu e a terra se encontravamreunidos” (ELIADE, 1991, p.119). E a fragmentaçãonasce da destruição de uma totalidade bipolar econgênita: o Diabo não existe, Pois não? [...] Odiabo não há! É o que eu digo, se for ... Existe éhomem humano [...]; essa (des) ordem, propostapor Riobaldo crava, na sua narrativa, a dimensãoda dor de ser. Nessa relação, a abstração da práxistorna-se o elemento estético da dualidade necessáriacomo compreensão da busca pela essência da vida:“a linguagem do homem absolutamente solitário élírica, é monologa [...]” (1985, p.43).

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A narrativa de Riobaldo não se limita a ummundo organizado pela máxima “eu vi”, comodesencadeador de verdade, ou, ainda, “eu vivi”;antes, o narrador parece tornar esses limitesimpossíveis de consolidar qualquer verdade sobreo dito. Sua narrativa faz nascer a crença donarrador na dúvida. A dúvida diante “das coisasque se apresentaram pela sua experiência” é umelemento que problematiza, na linguagem, naforma de narrar, o “efeito” estético do texto.

A ausência de certeza sobre o mundofragmenta esse narrador que se questiona sobre oaprendizado adquirido ao longo de sua travessia.Respira, a narrativa, a incompreensão; nessedilema, o ato de narrar, dividir experiência com ooutro, torna-se uma busca pela sistematização,através da memória, da experiência vivida.Entretanto, na contramão desse desejo, aexperiência de narrar parece potencializar aimpossibilidade de alcançar a essência etotalidade. Sobre essa questão, Flávio Wolf Aguiarsalienta: “O mistério da existência é a face domistério do ser, que compreende o seu avesso, onada, a anti-criação, com que convive” (1992,p.86). François Hartog ilustra, ao falar da narrativagrega, que ao

fazer-crer e ao fazer-ver, o narrador faz muitasvezes o uso da autópsia para qualificar suaprópria narrativa: Eu vi com meus próprios olhos[...]; do que há além falo por ouvi dizer e meinformei interrogando (historéon). Assim o olhodo viajante baliza o espaço e recorta as zonasmais ou menos conhecidas (desde aquilo queeu vi, ao que os outros viram – e até ao queninguém viu); do mesmo modo, no espaço danarrativa, o olho dos narradores delegados,recorta as zonas mais ou menos críveis para odestinatário [....]. (1999, p.276).

François Hartog coloca essa problemática emdois níveis: a primeira forma a da história, aquelaque Hegel chama de História original, organiza-se em torno de um “eu vi” e esse “eu vi”, doponto de vista da enunciação, dá crédito a um“eu digo”, na medida em que digo o que vi. Oinvisível (‘para vocês’) eu torno visível através domeu discurso. Ao contrário, no segundo tipo deHistória (positivista), [...] ausenta-se no estado demarcas, a enunciação, subsiste, entretanto, sob aforma de vestígios [...]. Desde então ser historiadornão consiste em dizer o que se viu. Consiste, antes,em interrogar-me sobre o visível e as condições

de visibilidade. Afinal, o que é o visível? Ou seja:interessa não mais o que “eu vi”, mas o que é“que eu vi” (HARTOG, 1999, p.279).

Nesse processo reflexivo sobre a informaçãoque ‘a mim’ se mostra pela visão, compreendidacomo o olhar através da lembrança, a intensidadeluminosa sobre a experiência do passado - esseolho que quer nos fazer crer que tudo vê/ou tudoviu. O olho do passado, assim como o terceiroolho, torna-se o olho da sabedoria e sensibilidade.Mas a voz de Riobaldo expõe não a sabedoria,mas a impossibilidade de se chegar a ela, muitaslacunas ainda existem, muitas perguntasencontram-se sem resposta. Narrar, portanto, tornaa sua palavra, o exercício dessa consciência.

A crença na sua narrativa parece ser articuladapela incompatibilidade que afirma a relação entreum passado vivido e futuro não alcançado. Adimensão da dor aproxima seu ouvinte a cadapalavra. Não persuasão. Não falemos depersuasão. Riobaldo, como narrador, nada temde convencer sobre a veracidade de sua história.Na narrativa oral, o estatuto do ato de contarestabelece o pacto entre ouvinte e narradorautomaticamente no evento do narrar. WalterBenjamin salienta que “a relação ingênua entre oouvinte e o narrador é dominada pelo interesseem conservar o que foi narrado” (1985, p.210).A suspensão da descrença ou do descrédito ésubstituída pelo prazer de ouvir e é, a um só tempo,moeda de crédito atribuído ao interlocutor,transformando aquele que ouve no próximonarrador.

Para Riobaldo, aquele que ouve permite a sifalar sobre o que “vi/vivi”. Nesse processo nascea narrativa e instaura a dimensão vitalmenteauditiva, ao expressar a voz humana comocondutora; por isso, impregnada de significado efascínio. Sobre essa questão, Julian Maríasanalisou que são três os sentidos que configuram,tal como prioritariamente o entendemos:

O tato, a vista e o ouvido, que dão origem,respectivamente, a três dimensões ( embora nãodistinguíveis): realidade, mundanidade e asignificação [...] É a vista que estabelece omundo, mas é o ouvido que capta o sentido dassuas vozes. E a voz humana não é só som, nemsequer som pessoal: é palavra. (1998, p.17).

Ao tentarmos refletir sobre a forma desistematização de um conhecimento que serepousa na experiência passada e, sobretudo, na

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voz que não se limita a uma intenção reflexiva,encontramos na busca da sabedoria, o removerdas coisas, o desenterrar os mortos e ossentimentos:

Renunciando aos altos poderes que o elevarampor um instante acima da sua própria estatura, ohomem do Sertão se retira na memória e tentalaboriosamente construir a sabedoria sobre aexperiência vivida, porfiando, num esforçocomovedor, em descobrir a lógica das coisas edos sentimentos. “E me inventei neste gosto deespecular idéias”. (CANDIDO, 1983, p.309).

A palavra de Riobaldo, pela composiçãoenigmática que assume, instaura o mistério dascoisas e, por isso, a sua incapacidade derepresentá-las. A compreensão imposta configurauma organização da experiência passada pelo jogoestabelecido entre lembrança e esquecimentomuito bem demarcados na sua forma de narrar.A palavra, supostamente falada a um outro, queinstaura dada realidade, não raro, não convergeem si uma exatidão afirmativa ou negativa: aforma é disforme. E a palavra sucumbe a essaintenção desfigural de eventos. Tal palavra nosincita ao abismo, nos converge à desintegraçãodo acontecimento, como se, para além dele,pudéssemos encontrar a irremediável: palavra. Aimagem na sua dimensão móvel, criada pelamemória e imaginação de Riobaldo-narrador, fazbrotar e significa o indizível ... o indefinível: “asimagens têm o poder e a missão de mostrar tudoo que permanece refratário ao conceito” (ELIADE,1991, p.87).

Imagens que se misturam e se separam, nadança, no movimento impalpável de inconcebívelexpulsão da lógica. Imagens que desnudamsentidos e que revertem em acontecimento e seformam acontecimento. Para Foucault, “o sentido-acontecimento é sempre tanto a ponta deslocadado presente como a eterna repetição do infinitivo”(1997, p.56). Riobaldo narrador parece alcançar,no limite da palavra, o flutuar de imagens, econsegue com isso, em vez de “encerrar o sentidonum núcleo noemático que forma uma espéciede coração do objeto conhecível, deixa-mo-loflutuar no limite das coisas e das palavras como oque se diz de uma coisa (não o que lhe é atribuído,não a coisa em si) e como o que sucede ( não oprocesso, não o estado)” (FOUCAULT, 1997,p.56). Riobaldo atinge, por meio da imagem-acontecimento, uma singularidade descontínua,

movediça e não-lógica, tentando traduzir, sob odiedro, o não-domínio do sujeito sob suaexperiência. Para Flávio Wolf Aguiar, o narradorRiobaldo empreende “a dura travessia daescolha e da descoberta de que nem sempre estadepende da vontade do sujeito, que no mais dasvezes, é escolhido, ao invés de escolher. Foi esteo caso de seu amor por Diadorim, e foi este ocaso de Diadorim, escolhida para sofrer de umamor oculto” (1992, p.85).

A memória dialoga com essa perspectiva deMorte “do acontecimento”, mas também deprolongamento, através da lembrança, não doevento, mas das emoções, o cruzamento entre ahistória e a intimidade, alcançado pelo modo deolhar o passado. Nessa direção, três elementosse encontram, se confundem e se completam comodensidade representativa do projeto estético deGrande Sertão: Veredas: Memória/Casa/Morte.Temos, portanto, a imagem estática, imposta pelaCasa e a Morte como ato de armazenamento eato de esquecimento: luminosidade e sombra comoletê e eunoé

3. O espaço da Casa caracteriza o

espaço enraizado que agrega a intimidadesagrada. Nessa imagem, a dimensão damobilidade e do estático parece suscitar o conflitoda intimidade, conservando a linha deprofundidade da casa onírica, uma casa-corpo,em um lirismo como retorno à imagem da mãe. ACasa como símbolo do feminino, pois todos oslugares de repouso são maternais, realiza a voltaàs origens (se multiplicando em imagens deaconchego e proteção). A Casa como unidadede imagens incoativas do feminino em oposiçãoà guerra, espaço masculino, anuncia em certamedida o fechamento espacial e, porque não, ofechamento pelo qual se organiza Diadorim. Aimagem da Casa, metáfora da imagem deDiadorim, orienta-se como recipiente deadormecimento e sofrimento internos. Casa comoespaço de acolhimento, de união e encontro, doamor e da intimidade prometida e negada aDiadorim. A imagem da Casa, nesse sentido,duplica a imagem do sertão pelo desritmo, aoassegurar o retorno imediato à intimidade - doaconchego ao soterramento dos sonhos e desejos.São várias as imagens da Casa ao longo datrajetória de Riobaldo ao lado de Diadorim, mastrês orientam uma composição lentamente descritapelo narrador, oscilando entre a intimidade e aMorte, a saber, a Casa de Hermógenes, a Casada fazenda dos Tucanos e o sobrado do paredão.

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Nesses momentos, a Casa é aquela que protege eoprime duplamente, desdobrando-se em estadode dor e Morte. Em função dessa interposição desentidos como forças aglutinantes e força devariação, selecionamos a imagem do sobrado doparedão, a Casa de onde Riobaldo enxerga oconfronto entre Diadorim e Hermógenes. Vejamosa narrativa:

O sobrado restou nosso. Com anseio, olhei,para muito ver, o sobrado rico, da banda damão direita da rua, com suas portas e janelaspintadas de azul, tão bem esquadriadas. Aquelaera a resistência alta do Paredão, sobreana dasoutras. Dentro dela estava sobreguardada aMulher, de custódia. E o menino Guirigo e ocego Borromeu, a salvos. Da parte de cima dasjanelas, e das portas, no res, vez a vez meushomens descarregavam. Aquele sobrado,sobradão, parava lá, sobre sereno – me praziatudo comandando. (GSV, p.516).

Essa imagem, explorada em seus detalhes,sem o resumo do contado, tece o movimento queantecede a Morte de Diadorim: o embate final danarrativa, o confronto planejado e esperado como Hermógenes. Alguns pontos sobre esse momentomerecem considerações, sobretudo o conflito entreos jagunços, cedendo lugar ao duelo; a imagemdo Sobrado como a Casa de refúgio de Riobaldo:o cantão de guerra [...], não menos importante, oafastamento de Riobaldo e a presença da Morte.Era a cara pura da morte (GSV, p.514). Nessemomento da narrativa, temos a organização dosacontecimentos em dois planos. No primeiroplano, Riobaldo narra o suceder da batalha –Ahpa-pa! Falei fogo. Aquilo em volta se arrebentava,batalhava. [...] Mas a gente tinha conseguido defirmar possessão – agarramos mais a metade doarraial, do arruado. O sobrado restou nosso (GSV,p.515). Nessa fase, o discurso articula ação dobando e a posição de líder – ah esses meusjagunços – apragatados pebas – formavamtrincheira em chão e em tudo. Eles sabiam aguerra, por si, feito já tivessem sabido, na mãe eno pai. Só se aos uivos urros, se zurrava. Aí –como tomei chegada e peguei postura. Valia ver– comandar? Gritei: - “Chaga de Cristo!”... Osmeus davam ainda outros gritos. A carabina, emmãos, coisa mexedora. A gente disparava dentrodos quintais, avançávamos. E detrás das casas.E guardávamos o emboque da rua. [...] (GSV,p.514). A focalização panorâmica mostra oângulo da guerra, jagunço enfrentando jagunço.

Em outro plano, a narrativa se fecha para asituação particular de Riobaldo e Diadorim; aquele,guiado por Diadorim, é afastado do perigo daguerra e da Morte. Em momento breve de diálogoe convencimento, Diadorim apela ao imperativo,fazendo uso da condição de liderança assumidapor Riobaldo para convencê-lo a deixar a frentede batalha: “Pouco é, para ações. Tu vai lá,Riobaldo...”. – quem me disse foi Diadorim, emtanto. Surriada zuniu O tutuco das balas, e asque batiam no chão, as raivosas, tirando terra.[...] –“ Tu vai, Riobaldo. Acolá no alto, é que olugar de chefe. Com teu dever, pela pontariamestra: que lá em riba, de lá tu mais alcança...Constante que, aqui, o negócio esta garantido...” – ele disse, mansinho, de me persuadir (GSV,p.516). Nessa fala, Diadorim utiliza,fundamentalmente, em seu argumento, duascondições de Riobaldo: 1) a habilidade no usoda arma; 2) a condição da Chefia exercida porRiobaldo. Diadorim estrutura seu argumento detal maneira, fazendo Riobaldo entender que sairda frente de batalha não seria abandonar oembate, mas buscar o melhor lugar onde suapontaria mais acertasse. Articulando esses doisdispositivos, Diadorim acentua a diferença deRiobaldo diante do bando e, nesse sentido, anecessidade de ocupar lugar diferenciado naguerra: Acolá no alto que é lugar de Chefe. Osímbolo do acordo ocorre pela instauração doorgulho crescente manifesto em Riobaldo; esteorgulho, por sua vez, atenua a força imperativapresente no discurso de Diadorim, tanto assim queo final da reflexão de Riobaldo realiza a repetiçãoda idéia sugerida por Diadorim: Tropei o rifle-papopelo mau ser, movi mão, fogo. Nesse ato, nemsei se matei. As artes, lá, o sobrado, que tornamirei e admirei. Meu posto?

O quanto também olhei Diadorim: ele, firme semostrando, feito veada-mãe que vem aparecere refugiar de propósito, em chamariz de finta,para a gente não dar com o veadinho filhoteonde é que está amoitado. Aquele sobrado eraa torre. Assumido superior nas alturas dele, éque era para chefe comandar – reger o todocantão de guerra! (GSV, p.516).

Entretanto, esse distanciamento de Riobaldoda frente da batalha, e que Diadorim faz crer seruma estratégia de guerra, torna-se possível, umavez que orienta uma alternativa já manifesta porRiobaldo em outro momento da narrativa.

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Referimo-nos a instantes iniciais da guerra em queo bando de Hermógenes estoura, desarranjandoo ajeitado. A surpresa desorienta Riobaldo, – [...]que o inimigo era de estourar, todo de-repentemente, da banda outra, lugar onde nãodevia de vir, nem ali possível de ser esperado.Eles eram quantidade. [...] Tudo diferente dacartada [...] (GSV, p.513 ) - leva-o crer que aguerra está perdida e, assolado pelo medo, sofree chega a titubear: [...] lavorei pensando: queeu era tonto, e burro, e idiota as mil vezes, porqueagora estava perdida irremediavelmente minhaocasião, e a guerra, descambava, fora do meupoder ... (GSV, p.513).

A voz interna orienta o afastamento,articulando o sentido desertor, sentido este queaparece nomeado por meio da figura de Sidurino:E senti meu corpo muito grande. Me xinguei. Umsujeito vinha correndo, nele eu quase atirei.Desertor? Ah, não, esse o Sidurino era, correndopor um cavalo. Ah – e bem fosse!- ia voltear parao Cererê-Velho, chamar, trazer reforço, paradarem retaguarda. (GSV, p.513). Os caminhosencontrados e problematizados recortam umaassimilação dialética onde transcorre um dramapessoal, o que dita a voz interna e o seu devercomo Chefe, em uma fração temporal, em que oacontecimento o isola, atingindo o limite entreMedo/Coragem/Orgulho; estes, por sua vez, estãore-articulados na fala de Diadorim, ganhandonovo valor: Chefia/Dever/Pontaria-Mestra. – “Euvou...”; fui. Deixando outro em seu lugar, Riobaldoatende à sugestão de Diadorim e encerra um dospoucos momentos em que se separa do amigo

4:

E eu acabei de me enroupar, mal, mal e escutavaessas vozes: - ‘ Tu não vai lá, tu é doido? Nãoadianta... Não vai, e deixa que eles mesmosuns e outros resolvam, porque agora elescomeçaram tudo errado e diferente, semperfeição nenhuma, e tu não tem mais nadacom isso, por causa que eles estragaram aguerra...’ Assim ouvi, sussurro muito suave,vozinha mentindo de muito amiga minha. Omeu medo? Não. Ah, não. Mas meus peloscrescendo em todo o corpo. Mas essahorrorizância. Daquela doçura nojenta de voz[...]. (GSV, p.513).

Rastejei, tomei saída, conforme tinha de ir: pelosquintais das casas. Ainda virei, relanceando.Sempre queria ver Diadorim. O querer-bem dagente se despedindo feito um riso e soluço,neste meio de vida. (grifos nossos, p. 516). A

narrativa nos permite conhecer o processo dodeslocamento, em dois planos, um quemanifesta o afastamento do Chefe de jagunçose outro que apreende em tom nostálgico esensível da separação: Avancei, rompi umacerquinha de taquara, contornei um pano demuro, onde o Paspe tinha furado os adobes,cavando torneiras. E dei fé: que o Jiribibe vinhame acompanhando.[...] (p.517) [...] a gente ouviaa urração, ou cita seja, destemperada, dosinimigos, e um desentoar de cantiga, que todapessoa era -da, segundo a qual. Aos canalhas.(GSV, p. 517, grifos nossos).

O afastamento recebe o cuidado descritivode um artesão, apresentando todo seu percursoaté a chegada à torre. Riobaldo se conduz ou sedeixa conduzir:

Avancei, furando os terreiros e as hortas, eudebaixo de armas, nos arreios. Toda a parte alitinha gente nossa, que com brados mesaudavam [...] Avancei, rompi uma cerquinhade taquara, contornei um pano de muro, [...] .Daí, depressa, ganhamos trincheiras, atrás dumforno de assar biscoitos: e berraram punhadãode disparos, para nosso lado, chega semelhavarajada de chuva-de pedra.. Lugar danoso!Aguardamos, deitados. [...] Assim rastejamos.E pouco faltava para o quintal do sobrado: sóuma cerca miúda, com um chuchuzeirodependurado com chuchus grandes. [...] Aíentrei. Subi a escada. (GSV, pp. 516-517).

Essa disposição descritiva permite um processoascensional presente no percurso, elevando osobrado à condição de Torre (assumido superiornas alturas dele, é que era para um chefecomandar – reger o todo cantão de guerra!)(p.516). Como edifício sagrado, a torre instauraum estado que se desloca do sentido de acordo,realizado entre Riobaldo e Diadorim, ao sentidode catástrofe e da Morte. A presença de escadas,em cada degrau, marca as etapas de ascensãosofrida por Riobaldo: Subi aquela escada-de-redor, escutando a madeira nos meus passos, eavisando: - “quem vem sou eu, minha gente!”(GSV, p.518). A imagem do sobrado torna-se olugar onde as coisas escapam à capacidade deação ou reação. É o espaço da inércia. Ocupandoa condição de observador, o narrador dá contadas etapas conflituais que vai viver do lado internoda Casa. A janela instaura uma capacidade deapreensão da guerra cuja distância exige o olharatento. Ver, portanto, o que se passa não apenas

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do lado de fora, mas abaixo de Riobaldo, parecese apresentar como formas de compreensão daimersão que faz o narrador. É o que o furor daguerra, lá fora, lá embaixo, tomava certa contade mim, que a quase eu deixava de dar fé dador-de-cabeça, que forte me doía, que doessevindo do céu da boca, conforme desde, aospoucos, que o fogo tinha começado. (GSV, p.524)Os detalhes do percurso, a sua posição na janela,seus vários momentos de reflexão impõem ànarrativa uma guerra própria travada entreRiobaldo e ele mesmo. As turbulências internas eo delongar da guerra se entrecruzam:

Como para a janela eu fui, quase que naimaginação de botar meu olhar e haver de ver,no longe tal, o lugar aonde ela andava. [...]faziam bem duas horas que aquela batalha tinhaprincipiado. Se estava no poder do meio-dia.[...]Os tiros, gritos, eco, baque boleu, urros nostiros e coisas rebentáveis. Dava até silêncio.Pois porque variava, naquele compasso: quebater, papocar, lascar, estrelar e trovejar – trouxe– cerrando fogo; e daí marasmar, o caldo derepente, ao vindo aos tantos se esmorecendo,de devagar.[...] (p. 519).Minhas duas mãos tinham tomado um tremerque não era de medo fatal. Minhas pernas nãotremiam. Mas os dedos se estremecitavamesfiapado, sacudindo, curvos, que eu tocassesanfona. [...] (GSV, p. 521).[...] eu estando vendo! Trecheio aquilo rodou,encarniçados, roldão de tal, dobravam para forae para dentro, com braços e pernas rodejando,como quem corre, nas entortações... O diabona rua, no meio do redemunho... (GSV, p. 526).

Como que lavrar uma guerra de dentro eoutra de fora, cada um cercado e cercando. Otempo no sobrado decorre entre o conflito internovivenciado por Riobaldo e a mobilidade feroz daguerra. Esses dois pólos dinamizam a imagem, apartir fundamentalmente do conflito, a nosso ver,central, entre coragem e medo: Ah, não! Os nossosagüentavam o relance, arre disparando, o mastrode balas; foi um fogo... E eu, hesitando nos meuspés, refiz fé: teve o instante, eu sabia meu deverde fazer. Descer para lá, me ajuntar com os meus,para ajudar? Não podia, não devia de; daí,conheci. Ali, um homem, um chefe, carecia deficar – naquele meu lugar, no sobrado (GSV,p.522, grifos nossos).

Riobaldo pensa em retornar, voltar ao ladodos companheiros, mas, contrário a esse caminho,

opta por ficar no sobrado. Re-articulando aspalavras de Diadorim, encontra a justificativa àsua decisão e encerra um sentido que se completapelas duas figuras que se mantêm no sobrado juntoa ele: o cego Borromeu e o menino Guirigó,assentados no banco, encostado na parede parao interno. Esses dois muitos juntos, como quetremiam um tanto. Ambos, um pela cegueira eoutro pela ingenuidade, expressam a dinâmica domundo pela ausência. Como Metáfora, são essesos sentidos que distanciam Riobaldo de Diadorimna condição do-não-saber. O estar na janela, vero embate, a dura guerra, é a única apreensãoque pode Riobaldo realizar. Diante das intençõesde Diadorim nada conhece; é pela cegueira eingenuidade, presentificadas nas figuras das duaspersonagens, ao seu redor, que Riobaldo é levadoao momento do fim - uma cegueira que oatravessou durante toda a sua experiência ao ladode Diadorim. O fim do segredo se conforma como fim da guerra. O fim de tudo. Se o duelo expressaa circularidade em que a Morte encerra, há,paralelamente, a construção do processo lento edolorido vivenciado por Riobaldo-observador. Àmedida que o duelo ocorre, no meio da rua, onarrador constrói o devorador processo depetrificação sofrido por ele; como tal, articula adinâmica da torre, esguia e poderosa que observao cessar do tiroteio na rua, vislumbrando, solitária,o redemunho. A verticalidade daquela e acircularidade deste é, pelo avesso, que as duasformas se interpõem, se re-conhecem e articulama dialética: o estático (da torre) e a mobilidade (aguerra), medo/coragem, amor/ódio: Riobaldo/Diadorim.

Como os braços me testemunhavam um peso...Mesmo estranhei, quando fui notando que otiroteio da rua tinha pousado termo; achei quefazia um certo minuto que o fogo teria sopitado.Cessaram, sim. Mas gritavam, vuvu vavava deconversa ruim, uns para os outros, de ronda-roda. [...] conheci o que estava para ser: que osdele e os meus tinham cruzado grande e doidodesafio, conforme para cumprir se arrumavam,uns e outros, nas duas pontas da rua, debaixode forma; e a frio desembainhavam. O quevendo, vi Diadorim – movimentos dele. Querermil gritar, e não pude, desmim de mim-mesmo,me tonteava, numas ânsias. E tinha o infernodaquela rua, para encurralar comprido... Tiraramminha voz.Como vinham de lá e de lá, em contra-ranchos,a tomar armas, as cartucheiras de tiracol. Atirar

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eu pude? A breca torceu e lesou meus braços,estorvados. Pela espinha abaixo, eu suei em fiovertiginoso. [...] Eu vi minhas agarras nãovalerem! Até que trespassei de horror, precipíciobranco. [...]. (GSV, p.526).Que engoli vivo. Gemidos de todo ódio. Osurros... Como, de repente, não vi maisDiadorim! No céu, um pano de nuvens...Diadorim! Naquilo, eu não pude, no corte dador: me mexi, mordi minha mão, de redoer,com ira de tudo... Subi os abismos... Trespassei.(GSV, p.527).

O lirismo dessa passagem recorta o estado dedor, não a descrição do duelo; dele temos apenaspassagens descompassadas, desorganizadas, comose o olhar de Riobaldo não conseguisse apreender,como se a mobilidade fosse dinâmica demais aosseus olhos estáticos; por sua vez, há o rastroabsoluto do desespero e da dor como estágio daalma. Um transpassar de sentidos, reviravoltas,abismos e tempestades: Eu estou depois dastempestades. Nessa passagem, o Sobrado doParedão se interpõem à configuração da Morte.É nesse espaço, sobretudo, que os momentos maisconflituosos do sujeito Riobaldo estãoapresentados. Essa localização, lugar onde ascoisas aconteceram, na sua esfera de fechamentoe isolamento, diria mesmo, aprisionamento/achatamento, intercala-se à própria dinâmica dosertão. Não como mero espaço da intimidade,mas, para além desse limite, esse lugar preciso,dentro do sertão, esvazia-se como exposiçãoracional do acontecimento. A Casa encerra, emprocessos graduais, a dialética, os contrários, adescontinuidade como fenômeno do tempo, umaespécie de suspensão das ações: Tempo é a vidada morte: Imperfeição. Se há o comprometimentocom a perspectiva estática, será nela, na Casa,que a revelação ocorre. É nela que Riobaldo ficasabendo sobre a identidade fragmentada deDiadorim. Finda a guerra, o duelo que terminacom duas mortes: Diadorim cumpre seu desejode vingança e se sacrifica. Será na Casa que arevelação ocorre incitando em Riobaldo odesespero. A dimensão do corpo se apresenta pelaapreensão da Morte, atemorizando Riobaldo pelodesvelar do jogo entre o que não foi/não era e oque de fato é. O ritual de lavar e vestir o corpo,ao prepará-lo para o enterro, celebra a descobertae a materialidade. O corpo na sua plasticidade,na identidade física. O corpo na sua dormênciasem sentido, sem força e sem reversibilidade, é

decifrado identidade social: Mulher. O enigmaposto (Diadorim) não é decifrado por Riobaldo, anão ser pela Morte, a matéria, tal que assim sedesencantava, num encanto tão terrível,petrificada, se revela a Riobaldo: Piedade, comoque ela mesma, embebendo toalha limpou asfaces de Diadorim, casa de tão grosso sangue,repisado. Essa parece ser a função da Morte emtornar visível, desmascarando o corpo, nos seussegredos, a sua fisiologia. O Nome, sentidoinapreensível em Diadorim, cede lugar ao corpo,absoluto e imperioso, pleno e perfeito. Somenteessa substituição da nomeação pela matéria podelevar à constatação. Enigma que só se reconhececomo tal por meio da Morte. A Morte, comoescultora de sentidos, encaminha Riobaldo àdesesperadora certeza e início de angústia, dianteda consciência de que precisava decifrar o amigoamado. Encanto e sofrimento se combinam emestado de revelação. A matéria não é reconhecidaem sua condição ignóbil ou repugnante, aocontrário, o corpo nu de Diadorim, posto sobre amesa, transcende em beleza perpétua – e a belezadele permanecia, só permanecia, maisimpossível. Mesmo como jazendo assim, nessepó de palidez, feito a coisa em máscara, semgota nenhuma. Os olhos dele ficados para agente ver. A cara economizada, a boca secada.Os cabelos com marca de duráveis. ... Nãoescrevo, não falo! – para assim não ser: não foi,não é, não fica sendo! Diadorim...(GSV, p.530) -e enleva Riobaldo em desespero e surpresa, enlevaconsigo, esse mesmo corpo, os encantos do quefoi e teria sido: adivinhava os cabelos. Cabelosque cortou com tesoura de prata...Cabelos que,no só ser, haviam de dar para baixo da cintura...e eu não sabia por que nome chamar; euexclamei me doendo: - “Meu amor!...” O corpotodo apreendido articula o desterro cruel, em quetocar esse mesmo corpo já é sem tempo, já se fazpara sempre passado: Eu estendi as mãos paratocar naquele corpo, e estremeci, retirando asmãos para trás, incendiável: abaixei meus olhos.E a mulher estendeu a toalha recobrindo aspartes. Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces,a boca (GSV, p.531). O toque como desejoresguardado, durante todo o tempo em queRiobaldo esteve ao lado de Diadorim, malescondido, adiado, ou, por vezes, excomungado,permanece para sempre constante de um sentidotriste e belo, e, encadeia, na imagem do terrível,a estética da dor e do sofrimento.

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1- Bergson observa que “para evocar o passadoem forma de imagem, é preciso poder abstrair-seda ação presente, é preciso saber dar valor aoinútil, é preciso querer sonhar.[...] o seureconhecimento deve ser antes vivido do quepensado” (1999, p. 90).2- Sobre a estrutura da imagem e seudesenvolvimento histórico, ver VILCHES, Lorenzo.La lectura de la imagen. Barcelona: Ediciones Paidós,1988. Para Bachelard, “o sentido de materializaçãoda imagem se estabelece quando encontrado umelemento material que lhe dê sua própria substância,sua poética específica” (1998, p.4).3- A imagem dos dois rios está presente na DivinaComédia. Dante põe, no paraíso terrestre, ou seja,no purgatório, dois rios, denominados Letê eEunoé. Letê é o rio do além [...] nasce de umafonte sobrenatural alimentada por Deus (PURG.XXVIII). Tem a faculdade de eliminar definitivamentea lembrança, os vestígios dos pecados. Em gregosignifica esquecimento (PURG, XXVI, 108). Eunoédesconhecido pela tradição, é criado por Dantepartindo do grego eunous (=de bom sentimento)e atribuído a um riacho que corre no paraísoterrestre alimentado pela fonte de que provémLetê; mas, enquanto quem bebe a água desteesquece o pecado, Eunoé reativa a lembrançadas boas ações cometidas (ou, em geral, do bem).4- Após entrar para o bando, há apenas trêsmomentos em que Diadorim e Riobaldo seseparam: o primeiro afastamento ocorre aindasobre a Chefia de Medeiros Vaz; o segundo,quando Riobaldo segue em busca de Otacília, eo terceiro, a guerra no Paredão, momento em queresolve ir ao sobrado.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Em 1945, após o término da 2ª Guerra Mundial, na pequena cidade de Guiratinga, região de extraçãogarimpeira em meio ao sertão de Mato Grosso, surgiu o periódico literário Novo Mundo, visando à fraternidadeintelectual e humana e à difusão da cultura entre os povos das três Américas. O jornal, idealizado e editado peloescritor Raimundo Maranhão Ayres, desapareceu possivelmente em 1954, e circulou em mais de cinquenta países,tendo recebido a colaboração de escritores de Mato Grosso, de outros Estados brasileiros e do estrangeiro,notadamente dos hispano-americanos. Publicou na língua original de seus colaboradores, entre elas, o português,o espanhol, o francês, o italiano e o inglês. A rede de relações homogênea – jornal e colaboradores – num universode diferenças culturais, sociais, geográficas e linguísticas é o que o presente estudo pretende assinalar.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave:chave:chave:chave:chave: Literatura e Imprensa; Mato Grosso; Brasil; História e Crítica.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: In 1945, after the Second World War, in the small town of Guiratinga, region of gold miner extraction inthe middle hinterland of Mato Grosso, the literary journal Novo Mundo was created, aiming at the intellectual andhuman brotherhood and the diffusion of culture among people from the three Americas. The newspaper, designedand edited by the writer Raimundo Maranhão Ayres, possibly disappeared in 1954 and circulated in over fiftycountries and received the cooperation of writers of Mato Grosso, other Brazilian states and from abroad, notablyin Latin America. It was published in the original language of its collaborators, including Portuguese, Spanish, French,Italian and English. A homogeneous network of relationships – newspaper and collaborators - a universe of cultural,social, geographical and language is what this study intends to report.

Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Literature and Press; Mato Grosso; Brazil; History and Criticism.

A pesquisaA pesquisaA pesquisaA pesquisaA pesquisa

No começo da década de 1990, quandoefetuamos o estudo da revista A Violeta, criada edirigida por um grupo de mulheres de MatoGrosso, no longo período de 1916 a 1950,deparamos com algumas informações interessantesa respeito da existência de uma Associação deIntercâmbio Cultural em Guiratinga, uma pequenacidade do interior do Estado, que fazia circular ojornal Novo Mundo para a expressão do seuideário de congregar as Américas pela cultura.

Instigou-nos sobremaneira a ideia dessemovimento cultural naquela geografia, de modoque ao concluirmos a tarefa de resgatar, catalogare analisar a revista feminina mato-grossense

2,

fomos em busca do referido jornal.Percorremos acervos e bibliotecas de Mato

Grosso e de outros Estados brasileiros e, após umadécada de busca malograda, tivemos aoportunidade de contactar o doutor HumbertoMaranhão Ayres, filho de Raimundo MaranhãoAyres (editor do jornal, conforme noticiou a revistaA Violeta) que, para nossa satisfação de leitora epesquisadora da literatura, cedeu-nos por

empréstimo os números do jornal pertencentes aoacervo da família.

A história da imprensa no Brasil até entãoescrita desconhece a existência de Novo Mundo,fato que não nos surpreende, pois nem mesmo aBiblioteca Nacional, que armazena um rico evariado acervo de periódicos, dispõe de suacoleção.

Novo Mundo constitui-se no único periódicopublicado no Brasil a se pautar na busca de umintercâmbio cultural entre os povos, com um apelovoltado à fraternidade intelectual e humana.

Da coleção de Novo Mundo que nos foidisponibilizada listam-se 35 exemplares, editadosentre dezembro de 1945 e agosto de 1953,descritos de modo minucioso em nossa pesquisade pós-doutorado apresentada à Faculdade deLetras da Universidade Federal do Rio de Janeiro,em junho de 2005. O trabalho, intitulado “NovoMundo: Letras brasileiras e estrangeiras no sertão”,recebeu a orientação do Prof. Eduardo Coutinhoe contou com uma bolsa de fomento da Faperjpara a sua realização. Desse estudo, extraímos oconteúdo a seguir.

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A inter-nacionalização de Novo MundoA inter-nacionalização de Novo MundoA inter-nacionalização de Novo MundoA inter-nacionalização de Novo MundoA inter-nacionalização de Novo Mundo

Em dezembro de 1945, na pequena cidadede Guiratinga, em Mato Grosso, surgiu o jornalNovo Mundo, órgão de Intercâmbio Cultural emtodas as Américas, e, posteriormente, órgão deIntercâmbio Cultural em todas as Américas e Europa,em conjunto com o órgão oficial da Associação deIntercâmbio Cultural. O jornal desapareceupossivelmente em 1954, enfrentando dificuldadesmateriais para se manter. Dados de sua redaçãoinformam que ele chegou a atingir mais de 50 paísesdas Américas, Europa, Ásia e África.

Nascido após o término da Segunda GuerraMundial, o seu objetivo consistia na busca dafraternidade intelectual e humana e na difusão dacultura entre os povos, buscando unir o idealhumanista ao cultural. O engajamento a causascívicas, sociais, políticas e estéticas de paz, deunião, de liberdade do pensamento, decivilização, de progresso e de beleza, aliadas àcultura, era o ideal declarado à sua existência.

Novo Mundo foi idealizado e dirigido peloescritor e jornalista Raimundo Maranhão Ayres(1914-1972), que, originário do Maranhão,rumou a oeste do país seguindo as pegadas deseus conterrâneos, e lá deixou um trabalho devalor inconteste. Ele chegou a pertencer ainúmeras entidades culturais e interamericanas efoi contemplado com distinções honoríficasnacionais e estrangeiras.

Muitos dos seus escritos, em português, foramtraduzidos para outros idiomas, entre eles, oespanhol, o francês, o inglês e o italiano,proporcionando uma maior difusão do seu nomee de sua obra

3. Sua produção intelectual e literária,

bem como a sua luta pela paz e pela fraternidadeentre os povos, intensificaram-se sobremaneira àfrente do jornal Novo Mundo e da Associação deIntercâmbio Cultural, fundada em 15 de novembrode 1946, em Guiratinga, para consolidar ointercâmbio proposto pelo Novo Mundo.

O jornal e a associação de culturatransformaram Maranhão Ayres num “intelectualcoletivo” de destaque. Recorremos ao uso dessaexpressão inspirados nos estudos de PierreBourdieu (seguido por Edward Said, seu discípulonesse sentido), que utiliza o termo “intelectualcoletivo” para designar o indivíduo que somouos seus estudos e ideais aos de outros indivíduosque comungavam, de modo idêntico, de suasutopias realistas. Esse conceito tornou-se em vogano final do século XIX e começo do século XX.

Logo que Novo Mundo circulou, seguiram-se os comentários críticos a seu respeito. De umlado, aglutinaram-se as opiniões de escritores eintelectuais brasileiros em torno da surpresa deum jornal propondo o intercâmbio cultural entreas Américas, dirigido e impresso em tão longínquageografia, numa gleba no sertão, fora do eixoRio-São Paulo, ou outro grande centro culturaldo país com maiores facilidades de comunicação.De outro lado, romperam manifestações oriundasdos estrangeiros, que, talvez por desconhecerema situação geográfica e estrutural da localidadeonde se editava o periódico, chamavam a atençãosobre a sua importância para o diálogo cultural ehumano universal.

Rompendo em meio a uma realidade, aomesmo tempo progressista e deficitária, o jornalem discussão aboliu as noções de fronteira, decânone e de hegemonia. Nivelou a geografia,irmanou territórios e desbancou diferenças edistâncias geográficas, econômicas, sociais eculturais. Sem constrangimento, derrubou os murosque dividiam os povos e eliminou conceitos, comoo de nações mais poderosas ou culturas maisevoluídas. Provou que todos os povos são iguais,com direitos idênticos, e deu o exemplo: um povoadoencravado nos sertões de Mato Grosso podiatransformar-se em referência para um novo mundo,um mundo melhor. O mesmo papel foi tambémexercido pela Associação de Intercâmbio Cultural.

Ao longo de sua trajetória, o jornal franqueouas suas páginas a escritores conhecidos e aos quese encontravam à margem da cultura e daliteratura oficial, desde que imbuídos da construçãoda palavra e de um universo cultural, humano esocial sadios.

Recebeu vasta colaboração de escritores dopaís e do estrangeiro, notadamente dos hispano-americanos. Publicou os textos na língua originaldos colaboradores. Assim, além do português,encontramos o espanhol, o francês, o italiano e oinglês, o que certamente proporcionou um diálogolegítimo entre os povos, valorizando a cultura decada um deles.

Seus colaboradores, obreiros das letras econscientes de uma necessária “cruzada” de paz,fraternidade e igualdade entre os povos, fizeramhistória e vida cultural e literária como missão.Para legitimar as suas ações, fundaram entidadesvariadas, às quais se vinculavam, e contemplaram-se com títulos honoríficos também diversos,proclamando o possível círculo da utopia cultural.

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Se o cânone oficial não lhes consagrava,enalteciam-se entre si. Bastava haver a aceitaçãode seus escritos entre os membros do grupo paracumprirem com seriedade e notoriedade o seu papel.

O intercâmbio proposto e efetivado pelo NovoMundo pode igualmente ser medido pelapublicação, junto à maioria dos textos, de umafoto do autor, com seu endereço completo. Tudopara facilitar a aproximação fraterna e acomunicação entre eles. Complementam ainda ointercâmbio as notícias sobre a vida e a obra dessesescritores, assinalando-se a realização de eventosculturais e literários, e a existência ou a fundaçãode associações de intercâmbio cultural do país edo estrangeiro, com vistas a aproximarfraternalmente os colaboradores e seus leitores.

Escritores, jornalistas, fundadores e editoresde jornais e revistas, professores de diversas áreas,políticos, acadêmicos, dirigentes de agremiaçõesliterárias, americanistas, entre outras de cunhocientífico, tiveram participação efetiva ouesporádica no jornal; e muitos, ainda, fizeram nelea sua estréia nas letras. O próprio Novo Mundonos fornece os elementos para atestarmos que acomunicação estabelecida entre o jornal e seuscolaboradores - e entre os próprios colaboradores- foi facilitada pelas suas participações nasAcademias e Associações de Letras regionais,nacionais e estrangeiras, que traziam, entre os seusobjetivos, o compromisso de divulgar a produçãodos seus associados e de buscar uma integraçãoentre aqueles que escreviam.

O volume da produção assinada pelos autoresnas páginas do jornal diversificou-se entre osescritos literários, produzidos nos estilosRomantismo, Parnasianismo, Realismo eModernismo (este sem as rupturas abruptas dosmovimentos de vanguarda, e sim o Modernismobem comportando da geração de 1945) – oraisolados, ora entrecruzados num só título, e osescritos não-literários, entre eles, a crítica deliteratura e de artes, e notícias ligadas à cultura eao intercâmbio entre os povos. A poesia foi ogênero literário predominante, diante de umapresença inexpressiva de escritos em prosa.

Fiel à linha editorial proposta pelo jornal, afraternidade foi o tema central presente no conjuntoda escrita analisada e em torno dela aglutinou-seuma cadeia semântica sintetizada pelas palavras paz,amor, união, perdão, esperança, solidariedade, fé,liberdade, harmonia e igualdade social, tal como oseu significado ilustra.

Do latim fraternitate, a fraternidade recebeu doDicionário Aurélio de Língua Portuguesa os seguintesconceitos: 1. Parentesco de irmãos; irmandade. 2.Amor ao próximo; fraternização. 3. União ouconvivência como de irmãos; harmonia, paz,concórdia, fraternização. Expressa em direçõesdiferentes, a fraternidade, em Novo Mundo, reuniuos três conceitos presentes no Aurélio.

Criado no término da Segunda GuerraMundial, é natural que o jornal manifestasse umacentuado sentimento anti-bélico e um forte apelode paz e de união entre os povos do mundo. Naluta pelo ideal da fraternidade como sinônimo depaz, os escritores nacionais e estrangeiros de NovoMundo lembraram e/ou se apropriaram de algunssímbolos religiosos e políticos universaisrepresentativos dessa luta.

No âmbito religioso, Deus e Jesus, ícones deamor incondicional, estiveram presentes em váriasvertentes: para concederem a paz e a fraternidade àhumanidade, para perdoarem os pecados domundo, para aliviarem a dor e a amargura do poeta,e, finalmente, como o maior exemplo de perdão.

Já na instância política, os ícones foramrepresentados por líderes políticos erevolucionários, datas e entidades que marcarame ainda marcam lutas e vitórias pelos ideais deliberdade, igualdade e fraternidade, o mesmoideário aclamado pela Revolução Francesa. Entreos líderes, listam-se nomes como os de FranklinRoosevelt, Garcia Lorca, José Martí, AbrahánLincoln e o brasileiro José Joaquim da Silva Xavier,o “Tiradentes”. E entre as datas estão as de 25 demaio, data da Independência da América Latina,19 de dezembro, data da Declaração Universaldos Direitos do Homem pela Assembléia Geral daONU, e 4, 5, 20 e 28 de julho, datas daIndependência dos Estados Unidos, da Venezuela,da Colômbia e do Peru, respectivamente. Comrelação às entidades políticas, o destaque foi dadoà ONU e aos seus diversificados setores existentes,para mediar o diálogo entre os povos e ampararas suas necessidades materiais no decênio de1950. Fizeram coro às ações da ONU asatividades empreendidas por entidades de caráterpanamericanista e de aproximação intelectualhumanista. Entre essas associações, listaram-se oInstituto de Cultura Americana, com sede em LaPlata, Argentina, a Confraternidad UniversalBalzaciana, entidade de difusão literária criadaem Montevidéu, em 1929, com o propósito deunir espiritualmente os admiradores da obra de

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Balzac, e a própria Associação de IntercâmbioCultural, de Guiratinga, órgão do Novo Mundo.

Na sequência do assunto, as nações, ospovos e os escritores-colaboradores do conjuntotemático em Novo Mundo foram veiculados parafortalecer ainda mais o objetivo do jornal, o dever implantado um mundo novo e homogêneoatravés do diálogo cultural e humanista. Oconteúdo reitera as diferenças da raça humana,mas aponta a possibilidade de se viver em paz eharmonia, respeitando-se essas diferenças.

Os autores louvaram as nações, de modoespecial o Brasil, e, por extensão, a cidade deGuiratinga, anfitriões da acolhida dos seus escritos.Enalteceram o seu povo, a sua liberdade política,as suas riquezas e belezas naturais, o seu passadoe presente, pregando uma amizade saudável entreos seus países de origem e essa nação tropical.

Por extensão ao assunto em evidência,marcaram presença em Novo Mundo os temasda igualdade social, da fé no presente e no futuropróximo, da caridade e do amor incondicional.Os escritores deram lições de amor e debenevolência para com o próximo, defortalecimento na busca de um horizonte individualmelhor e de uma sociedade igualitária, livre e isentada pobreza. De modo análogo, denunciaramretratos da miséria humana e social, tais como afome, a sede e o frio, o desamor e o abandono.

Acompanharam esses clamores preceitos deteor moral, cuja doutrina ateve-se à valorizaçãoda justeza de caráter, do amor altruísta, dasimplicidade, da honestidade, da ordem, do devere do patriotismo, entre outras virtudes. Comocontraponto, há escritos indicando o avesso daprática desses preceitos e o seu prejuízo.

Paralelamente ao tema da fraternidade, o amorromântico e lírico desfrutou de um espaço de relevono mesmo jornal. Fez-se predominante no discursoliterário, e, tal como o primeiro, foi abordadoseguindo múltiplas direções. De um lado, amanifestação do amor apaixonado, realizado oumalogrado do poeta, e, de outro, a expressão deseus sentimentos líricos diversos e de suasinquietações existenciais.

Impregnados dos sentimentos remanescentesde um Romantismo peculiar do século XIX, os autoresexpressaram repetidas vezes os seus “amores” deforma romântica, simples e espontânea. Quandohavia a correspondência do amor, ufanavam-sede suas alegrias. Na contramão da felicidade,surgiram os lamentos, a confissão da dor, da

melancolia, do infortúnio e da saudade, resultantesda ausência ou da perda do amor.

É de se perder de vista a revelação dosentimento de amor romântico no jornal de MatoGrosso e a que se aliaram outras expressões nãonecessariamente ligadas a ele, mas sim a outrossentimentos de ordem existencial. Nesse novoconjunto temático, sobressaíram osquestionamentos sobre a vida, a morte, o destino,o tempo entre outros mistérios, e as lembranças,boas e ruins, do passado, os balanços e asretrospectivas de vida, a busca por melhoreshorizontes, bem como a descrição dos sonhos,dos desejos, dos temores, das frustrações e dasalegrias entre outros estados íntimos dos autores.

Ao lado dessas manifestações de sentimento,ora isoladas, ora entrecruzadas, outros laçossentimentais formaram o conjunto temático deNovo Mundo; sobressaindo-se, entre eles, o amordoméstico, familiar, entre pais e filhos, areligiosidade já anunciada, extensiva ao amor àMaria Mãe de Jesus e exemplo de Mãe do universoe a apologia à beleza, pura ou voluptuosa, nãosó pelo ser amado ou pela natureza e a música,mas pelo belo enquanto forma, podendo aindaatuar como um elo de paz e de fraternidade.

Congregando ou reiterando a temática dos laçosfraternos e românticos, imprimiram-se no jornalartigos e textos de crítica literária. As demaismanifestações culturais, entre elas, a dança, amúsica, as artes cênicas e a pintura receberam umespaço reduzido enquanto tema, e, no âmbito dacrítica, restringiram-se a um enfoque meramenteinformativo, e não analítico. A vida e a obra deescritores foram a tônica da crítica, que, de um lado,apresentou autores estreantes, e, de outro, reforçoua divulgação dos já existentes, consagrados ou não.Grande parte dessa escrita nasceu por ocasião doenvio de determinada obra recém-lançada a NovoMundo, ou, ainda, pela passagem do aniversário –vida e morte –, incluindo-se os centenários e datascomemorativas, ou morte repentina, de um autor.

Ela nasceu, portanto, com o objetivo de fratria,como um elo de informação e de aproximaçãoentre intelectuais e leitores, e correspondeu, comfidelidade, ao papel instituído ao gênero nosjornais, advindo do século XVIII (no Brasil, séculoXIX), restrito à divulgação, à informação e àorientação do público-leitor em relação aomovimento literário contemporâneo e editorial.

A crítica foi escrita pelos próprios autores-colaboradores dos demais gêneros impressos, o

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chamado “crítico-autor”, o autodidata oudiletante, e não o crítico com conhecimento ouformação sistemática, disciplinar, na atividade dejulgar. Isso talvez explique a predominância decomentários em torno de títulos ou do conjuntode títulos de obras poéticas, literaturapreferencialmente eleita para ocupar as páginasdo jornal. O que se recomendou como “boaleitura” foi, em verdade, o sinônimo daquilo quese publicou, e que, trocando em miúdos, era ogênero de domínio estético do “autor-crítico”, fatoque facilitava a emissão de um juízo de valor.

Apresentou-se, portanto, distante da críticapropriamente dita que envolve uma série dedisciplinas e conhecimentos de artes e de ciências.Dividiu-se entre comentários moldados nos critériosrecorrentes da crítica impressionista e da críticahistoricista, com enfoque nesta última para osociológico e o biográfico.

É oportuno lembrar que no período em queNovo Mundo circulou, nascia e solidificava noBrasil a chamada “nova crítica”, vinculada àstendências contemporâneas universais de teorialiterária e linguística, entre elas, o formalismo ouestruturalismo eslavo, o new criticism anglo-americano, a estilística teuto-suíça e a nouvellecritique francesa. O princípio básico dessa correnteconstituía em ver a crítica como uma tarefaacadêmica (scholarship) de análise, interpretaçãoe julgamento da obra de arte literária, requerendopressupostos doutrinários e uma metódicaexplícita, padrões e critérios de aferição de valores,uma epistemologia e fundamentos filosóficos. A“nova crítica” visava à obra em si mesma, o seuvalor estético intrínseco, e não às circunstânciasexternas que a condicionaram, objeto da críticahistoricista, ou, ainda, ao “gostei-ou-não-gostei”subjetivista, peculiar da crítica impressionista, comquem dividiu o cenário da crítica literária brasileiranos anos de 1950.

No próprio jornal em questão,

como afirmamos, a crítica valeu-se notadamentedos critérios de análise das duas últimas. Vejamos:

Uma gama de textos optou pela leitura daobra literária como o resultado de forças naturais,extrínsecas, ou seja, o meio ou o momento socialcomo os seus fatores condicionantes. Outro modode interpretar a literatura em homologia com omeio presentificou-se num conjunto de escritos emque a vida do escritor foi o espelho de/e para asua produção literária. Era uma crítica tambémhistoricista, porém, de cunho biográfico.

A segunda tipologia crítica preferencial emNovo Mundo centrou o seu olhar observador numa

determinada obra, ou mesmo na produção integralde um determinado autor, valendo-se da opiniãoou do impressionismo que ela provocou no espíritodo “crítico-autor”. De divagação subjetivista, essetipo de julgamento veio expresso por meio decomentários superficiais, sem rigor metodológico,e ateve-se à literatura contemporânea.

Por fim, em se tratando do universo da crítica,o jornal de intercâmbio cultural de Guiratinga nãofugiu à demanda pré-estabelecida pelos seuscongêneres e imprimiu em larga escala o review,uma forma prática e popular de crítica centradaem comentários ligeiros de uma obra récem-lançada, acompanhados de pequenos informes arespeito do autor. O conjunto dessa escrita atendeucom eficiência o seu objetivo de fornecer ao leitoruma descrição da obra e uma estimativa de suaqualidade, de modo a certificá-lo se aquela é ounão é a leitura que procura.

O review pode ainda ser apontado como umdos grandes aferidores do intercâmbio que seestabeleceu entre o jornal e seus escritores,colaboradores e leitores. Somando-se aos artigose textos críticos de maior ou menor qualidadecrítica, serviu e serve como um instrumento dedivulgação de uma literatura pouco ou totalmentedesconhecida da história literária universal oficial:a vida literária cotidiana, corriqueira, muitas vezesdesprezada pela história oficial, ditada por valoresrígidos e limítrofes de composição, que não noscabe aqui discutir, e sim rever, como uma tarefaque nos impõe realizar na atual e necessáriareavaliação do movimento de ideias literárias.

FinalizandoFinalizandoFinalizandoFinalizandoFinalizando

No ponto de chegada do estudo de NovoMundo, o que predomina é a excelência com queo mesmo desenvolveu o seu ideário dehumanização, com base na universalização,proposto ao longo de sua existência. A inter-nacionalização no jornal teria sido assim umaconsequência indubitável. Dos escritos desseperiódico emana a mais pura expressão dosentimento de coletividade e cidadania. Foramvozes unívocas de vários cantos do país e domundo, de homens e de mulheres escritores ecidadãos, que viveram a palavra Hermano-Irmãoem toda a sua plenitude.

Lembramos, também, que do conjunto de suaprodução sobressai o ideário de igualdade eliberdade, no tocante à forma e ao conteúdo. Emsuas páginas foram aceitos variados gêneros,

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expressos em estilos ecléticos, nivelados por igual.Não houve preferência por esta ou aquela estéticaliterária. O jornal desbancou, de um lado, a tesede múltiplas fronteiras/múltiplas culturas isoladas,e, de outro, o cânone que nomeia um modo deescrita ou de pensamento oficial.

Perplexos com o mundo sangrento, desumanoe desigual do pós-guerra, o seu extenso grupo deintelectuais universalistas se reuniram em NovoMundo, pensando em tentar mudar os rumos desuas tristes realidades. Unidos por um interessecoletivo, trouxeram a fraternitate para o centro desuas discussões, através de uma escrita queabraça, aconchega e aquece, buscando suprir omundo de suas deficiências humanas e materiais.

Durante os anos de existência do jornal, essesescritores e cidadãos de diversas partes do mundo,oriundos de pequenos ou grandes centrosgeográficos, foram estabelecendo laços fraternos,a ponto de criarem uma fratria (do grego arcaicophratría, confraria), como o próprio conceito dapalavra sugere, ou seja, a de um grupo deindivíduos e família unidos num espaço físico ousocial em torno de uma mesma finalidade, dandolugar a uma ampla solidariedade.

E, assim, exercitaram, exemplarmente naprática, aquilo que externaram em sua escritaimpressa, resultando num bonito e amplo exemplode comunhão.

1- Doutora em Literaturas de Língua Portuguesapela Unesp/Assis, com Pós-doutorado emLiteratura Comparada, pela UFRJ.2- O estudo sobre a revista A Violeta foiapresentado inicialmente a Universidade EstadualPaulista, campus de Assis, para a obtenção do títulode Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa, em1993, e posteriormente foi impresso no livro Sob osigno de uma flor. Estudo de A Violeta, publicaçãodo Grêmio Literário Júlia Lopes - de 1916 a 1950.Rio de Janeiro: Sette Letras, 1993.3- Entre as obras impressas e inéditas de suaautoria, destaca-se Ronald de Carvalho: sua vidae sua obra, ensaio apreciado nacionalmente emerecedor de incontáveis manifestações de apreço.O livro surgiu por ocasião do seu ingresso à CasaHumberto de Campos, em Carolina/Maranhão,no ano de 1939, e onde o poeta e crítico literáriocarioca Ronald de Carvalho, patrono da Cadeiran. 8 do escritor sertanejo, é descrito com argúcia.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: Este trabalho promove uma aproximação entre o discurso de posse do Presidente Médici e quatromúsicas de Chico Buarque cujos temas giram em torno da repressão militar. Aproximando dois tipos de discursosinversamente opostos, usamos como ferramentas a verificação dos termos gramaticais, como verbos e pronomes,a constatação dos usos de certos lugares, no sentido aristotélico do termo, e a abordagem de figuras de linguagem.Nosso objetivo não é determinar a verdade presente nos dois tipos de composições, mas apontar disjunções entreelas. Salientamos que o seu valor literário está no trabalho com a palavra e no seu entrelaçamento nas malhas daverossimilhança.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechave: discurso político; lugares; figuras de palavras; persuasão.

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: This work promotes a gathering between Medici’s presidential address and four song lyrics from ChicoBuarque which themes are linked to the military regime repression. Putting together two inversely opposed kinds ofspeech, we use as tools the grammatical terms verification such as verbs and pronouns, the use of certain loci, in thearistotelian sense of the term and the figures of speech approach. Our aim is not to determine the truth which mightbe present in these two kinds of compositions, but to point out their disparities. We emphasize the literary values oftheir work with the word as well as the interlace they promote with verisimilitude.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywordsKeywords: political speech; loci; figures of speech; persuasion.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Segundo Maingueneau (1998, p. 43), aprática da análise se concentra em estabelecer aligação entre a estrutura linguística e as condiçõesde produção dos textos. Há diferentes maneirasde se praticar a análise dos discursos. A análisetemática e a análise de conteúdo, por exemplo,são duas categorias amplamente utilizadas comrelação aos discursos políticos, já que se podeestudá-los a partir dos temas explorados.

Pela análise temática e de conteúdo, geralmentedefinimos um campo de exploração que pode sersubdividido em categorias temáticas selecionadasa partir da leitura do material de que dispomos.

Há alguns parâmetros que podem nos guiarao iniciarmos uma análise assim. Por exemplo, ésabido que a maioria dos discursos autoritáriosbaseia-se em colorações drásticas, em açõesapresentadas por meio de figuras de linguagemdo tipo da metáfora ou da alegoria, que ajudamo interlocutor a construir a ideia de uma missão aser cumprida em prol do bem-estar da nação.

Há, certamente, significativas diferenças entreo tom impositivo dos dois exemplos a seguir:

a) Não saiam de suas casas após 22:00 h; b)Queremos um diálogo travado sobre o nosso

País. Esse entendimento requer universidadeslivres, imprensa livre, sindicatos livres, maslivres, acima de tudo, daqueles gruposminoritários que, jogando com a violência e asubversão, pretendem servir a ideologiassuperadas nos seus próprios países de origem.(1969, p.12).

O primeiro é um exemplo fictício de toque derecolher e extremamente impositivo. O segundoexemplo pertence ao discurso de posse de Médici.Em meio ao conjunto de seu pronunciamento,esse exemplo tenta conduzir o público ouvinte aacreditar na ideia de liberdade como algo que aspessoas já desfrutavam àquela época e, no afãdessa ideia, reconduzir paternalisticamente o termo,ou seja, afirmar que o papel do governo era o deproteger as pessoas do comunismo. Essa era averdadeira noção de liberdade durante os anosdo militarismo brasileiro.

Defender a pátria ou nação apresentam-se,nesse tipo de discurso, como ideal máximo, idealcoletivo, em oposição à busca de interessesindividuais. Esses ideais dispensam mencionar quesão, na maioria das vezes, ufanistas, abstratos.Aqueles que se colocam como realizadores dessasmissões assumem caráter de salvadores, cujasações se justificam pelas necessidades vigentes da

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nação, ou mesmo pela vontade divina, como afez Pinochet ou mesmo Fernando Collor noexemplo a seguir:

Entre nós o poder foi quase sempre exercidopara reforçar o Estado. É hora de exercê-lo parafortalecer a nação, como coletivo da cidadania.Não basta governar para o povo – É precisoaproximar o governo do povo, o poder dacidadania, o Estado da nação. É um compromissosagrado de minha parte. (1990, p.5-6).

Nesses discursos, temas como o mal e oinimigo são metáforas indispensáveis naelaboração de expressões com característicastípicas de discursos autoritários. Assim, nós vemoscomo fator de primordial importância aliar aanálise textual ou linguística à luz das condiçõesde produção que envolvem o texto: o regime emvigor, a conjuntura político-social, a relação deforças no poder, entre outros aspectos.

Sinopse históricaSinopse históricaSinopse históricaSinopse históricaSinopse histórica

Quando os militares assumem o poder em1964, havia uma crise institucional política eeconômica que criava um clima de insegurançaem vários setores da sociedade. Ao declínioeconômico visível nos índices de 140% de taxaanual inflacionária e os investimentos estrangeiroscortados pela metade somava-se a tensão políticade um governo que desesperadamente impunhabandeiras de reformas de base, as quais fatalmenteiriam ser bloqueadas pela maioria conservadorado Congresso Nacional.

João Goulart fora eleito vice de Jânio Quadros.Após a destituição deste, um plebiscito entreparlamentarismo e presidencialismo lhe permiterecuperar os poderes presidenciais. Suas forçasderivavam, no entanto, da “máquina da previdênciasocial e das alianças com a esquerda no controledos sindicatos” (GASPARI, 2003, p. 47).

Até então Vigorava uma política populista.Havia governantes que desejavam o fim dopopulismo de João Goulart e foi exatamente delesque os militares conseguiram apoio americano, afim de aplicar o golpe de 64. Após o golpe, osmilitares elaboram uma política que aliadesenvolvimento econômico à segurança nacional.

A ideia positiva de se proteger a nação, noentanto, não esconde um ângulo negativo deeliminação de qualquer tipo de oposição aoregime. Temos a impressão de presenciar, durante

os governos militares, constantes batalhasanticomunistas, com muitas oscilações, no entanto,uma vez que a repressão se acelerou em algunsgovernos e foi quase extinta em outros.

Desde o golpe de 64 o país foi governado porAtos Institucionais, que constituíam napromulgação de decretos-lei. O AI-5 representa oexemplo mais forte de que não se lutava pelasegurança nacional, mas pela segurança própria, pelaperpetuação do regime. O AI-5 foi baixado emdezembro de 1968 em represália ao boicote dos festejosde 7 de setembro pelos deputados, liderados porMárcio Moreira Alves. Por meio desse ato, o governopoderia fechar o Congresso, cassar mandatosparlamentares e governar por decretos, sem direitoao habeas corpus nos casos de crimes contra asegurança nacional (GASPARI, 2002, p. 41).

Primeira ótica: a visão governamentalPrimeira ótica: a visão governamentalPrimeira ótica: a visão governamentalPrimeira ótica: a visão governamentalPrimeira ótica: a visão governamental

Tendo em vista que um locutor constrói seutexto a partir das reações discursivas possíveis deseu destinatário, o resultado dessa composição éde um texto feito sob medida e reflexo da imagemdos espectadores brasileiros.

O uso dos pronomes pessoais eu e nós tentaestabelecer situações pessoais com o auditórioquando a especificidade do assunto favorece aisso. Assim, em seu discurso de posse, o GeneralEmílio Garrastazu Médici utiliza-se dos verbos naprimeira pessoa do singular para reiterar o pesode sua escolha pelas Forças Militares.

Comparando o discurso de posse de Médicicom os dos presidentes anteriores a ele percebemosa seguinte gradação: Castello Branco faz usorasgado do verbo em primeira pessoa. Suahierarquia de valores se prende aos lugares daordem, da pessoa e da originalidade. Suasintenções sobre a ditadura eram que ela fosse umregime temporário e, quando assumiu o poder,em 1964, prometeu entregá-lo a seu sucessor pormeio de eleições diretas. Portanto, a escolha dosvalores em seu discurso denota a proximidademaior com o povo.

Em Costa e Silva, a pessoalidade de suasafirmações está toda apoiada sobre a figura deseu antecessor. Os verbos em primeira pessoaremetem sempre a alguma ação que o liga aomerecimento com relação a Castelo Branco. Épessoal, portanto, mas sem soltar as mãos de seuantecessor. Após Médici, Geisel apresenta umavariância de situações nos seus dois discursos de

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posse. No primeiro, dirigido ao povo etelevisionado, é mais pessoal e faz largo uso deverbos em primeira pessoa, porém, seu conteúdoé mais rebuscado. Sua imagem brilha altaneira,distante, como a de um verdadeiro ditador. Osegundo discurso, proferido no Palácio doPlanalto, ao receber oficialmente o poder, é menospessoal, porém, mais claro.

Figueiredo repete a fórmula do continuísmoao engrandecer a figura de Geisel, ainda que oclima em que foi proferido seu discurso de possefosse outro. A pessoalidade das colocações buscasempre o apoio da pessoa do ex-presidente. Sarneyimiscui-se totalmente de qualquer engrandecimentopessoal por razão da hora de seu pronunciamentoser um momento muito delicado da saúde deTancredo Neves. Sarney toma posse em lugar deTancredo, presidente eleito indiretamente, masaclamado pelo povo.

É justo, nesse caso, falar de uma semânticada repressão, de uma sintaxe da repressão, comoafirma Adélia Bezerra de Menezes (2000, p. 36),já que as relações de pessoalidade se dão de formamais enrijecida à maneira que o próprio regimese endurece. A perspectiva de liberdade esboçadapor Castelo Branco revela-se na proximidade deseu discurso, na pessoalidade das afirmações. Apartir de Costa e Silva, as afirmações em primeirapessoa denotam um medo de caminhar a sós. Eesse medo era perpetuar por todo o regime,tomando ares de arrogância com Médici e Geisel.

Mais à frente, ao abordar as necessidades emetas de seu governo, Médici mistura verbos naprimeira pessoa do singular e na primeira pessoado plural, com ênfase maior sobre o segundo uso,voltando à pessoalidade das afirmações nosmomentos finais:

Há 45 anos sirvo ao exército e a ele, somentea ele e à Nação, consagrei todo o meu preparoprofissional. / Temos viva a lembrança de que,por efeito daquele sistema, foram-sedistinguindo, no País, uma minoria integradanas instituições e uma grande maioriamarginalizada. Com o tempo, passamos aenfrentar o risco de uma cisão interna, chegandoao ponto que obrigou as Forças Armadas aintervirem para salvar a unidade nacional,evitando a desagregação e o caos. (1969, p.9).

A exemplo da fábula criada em torno da NovaRepública, pós-Tancredo Neves, podemos afirmarque é possível criar uma realidade lingüística emque as pessoas se movam como na realidade real,

uma vez que a palavra detém o poder; cada tipode discurso, individual ou coletivo refaz, em certamedida, a cosmogonia, criando um espaço ondeos “iniciados” dão como verdadeira uma realidademeramente lingüística, com todas as ilaçõespersuasórias que esta operação mental acarreta.

Nesse sentido, os discursos políticos podemapresentar uma malha discursiva que promove ouenfatiza uma ótica da boa escolha, reconduzindoo público por meio de uma pedagogiasuficientemente persuasiva (LANDOWSKI, 1992,p. 37). Tanto quanto as fábulas infantis, osdiscursos políticos podem ser vistos comopedagógicos, habilitados a conduzir seu públicoa aderir a determinadas ideias por meio de umaestrutura dramatúrgica ou imaginária, no interiorda qual diferentes noções de boa escolha podemse tornar instrumentos operatórios.

O período dos governos militares no Brasil(1964-1985), dentre eles, o governo Médici(1970-1974), apresenta um discurso maisenriquecido de detalhamentos. Pela primeira vezentre os discursos militaristas o pronunciamentoinclui o povo por meio de construções objetivas ecarregadas de uma dose de consciência dosproblemas brasileiros, jamais expressa pelos outrosdois presidentes anteriores, Castelo Branco e Costae Silva. Esse fato não é casual. Médici e toda aequipe articuladora dos discursos sabiam danecessidade de uma maior proximidade com opovo, ainda que apenas linguística.

Termos como distensão e abertura, veiculadosdurante o governo seguinte ao de Médici, o deErnesto Geisel, respondiam a apelos popularesininterruptos a favor de liberdade. A sua utilização,portanto, atende linguisticamente a um apelopúblico, fabricando no discurso a ilusão referencialda liberdade prática.

Em Médici prevalecem os valores daqualidade, da ordem e da pessoa à medida quese compara aos governos anteriores e propõemudanças. Valoriza-os, mas sobrevaloriza o novo,o inédito, ressaltando o seu ideário de renovação.

Médici inaugura o discurso racionalista quepassou a ser uma das características do regimemilitar. Para tudo havia uma solução matemática,equacionável. Era uma linguagem versada sobrea razão. Emoção e dialética eram opostos a ela:“Nem àqueles desregrados impulsos dedesenvolvimento, mais intuitivos que racionais eque acabaram redundando na torrenteinflacionária”.

A argumentação, em Médici, baseia-se, em sua

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maioria, nos contrários e inclui o povo na marchado governo: “Na marcha para o desenvolvimento,o povo não pode ser espectador” (p.12).

Talvez pela característica racional dessediscurso o orador não se ocupe em vestir os lugares(loci, no sentido aristotélico) do discurso com umaroupagem festiva. Por isso, o texto opta por quasenão utilizar a linguagem figurada. O discurso imprimeno leitor a noção de sinceridade, de racionalidadedo orador, o que implica na construção de um textocom características morfológicas e semânticasreveladoras de tal escolha.

Segunda ótica: a visão do artistaSegunda ótica: a visão do artistaSegunda ótica: a visão do artistaSegunda ótica: a visão do artistaSegunda ótica: a visão do artista

O que fizemos até agora foi analisar algumasocorrências linguísticas do discurso do presidenteMédici, as quais denunciam certas escolhasgovernamentais. São marcas pouco perceptíveis,mas que auxiliam no entendimento das intençõesmais reais do discurso.

Propomos, agora, realizar o caminhocontrário. Por meio da análise de algumas dasmúsicas de Chico Buarque veiculadas, e, muitavezes, proibidas durante o regime militar,tentaremos estabelecer analogias ou apontar, entreelas, antíteses que sejam reveladoras da disjunçãoentre o discurso de posse do presidente Médici ea realidade das composições de Chico Buarque.

Parece irônica a intenção de medir a realidadepor meio de um documento artístico, como sãoas músicas dessa época. Na verdade, tampoucoo discurso de Médici pode ser consideradopuramente real. Composto por uma equipe dearticulistas, dentre os quais muitos são escritoreshoje famosos, um discurso de posse presidencialé uma realidade movente, algo adaptável a umamescla do que se queria ouvir e do que senecessitava dizer da maneira mais velada possível.

Recriar a realidade é papel da literatura. Poisé assim que vemos os discursos, como “peçasliterárias, como metáforas da história na suamissão de transportar para o ser o que somenteseria possível encontrar no fazer” (FERNANDES,2002, p. 193).

Nesse sentido, aproximamos material muitopertinente, porém, originário de duas óticasopostas: o discurso de posse do presidente Médici,intitulado O jogo da verdade, e quatro músicasde Chico Buarque de Holanda: O que será,Cálice, Vai passar e Apesar de você.

O discurso de Médici (1969) é um marcodentro da sucessão de discursos de posse por razão

de expressar uma proximidade maior com opúblico, principalmente no reconhecimento dadistância do país em relação ao desenvolvimentoe à democracia.

Ao fazê-lo, no entanto, o orador tambémdivide com a nação a responsabilidade de suaadministração, no sentido de pedir a colaboraçãopara alcançar objetivos nacionais:

Desse modo, ao término do meu períodoadministrativo, espero deixar definitivamenteinstaurada a democracia em nosso país e, bemassim, fixadas as bases do nossodesenvolvimento econômico e social. Advirtoque essa não poderá ser a obra exclusiva daadministração pública, e sim, uma tarefa globalda Nação, exigindo a colaboração dosbrasileiros de todas as classes e regiões.Democracia e desenvolvimento não se resumemem iniciativas governamentais: são atos devontade coletiva que cabe ao Governocoordenar e transformar em autênticos eefetivos objetivos nacionais. (1969, p.10).

Aproximando esse trecho do discurso aalgumas passagens da música O que será,veiculada em 1976, durante o governo de ErnestoGeisel, percebemos que a parceria governo/povo,na verdade, não chega a acontecer. A músicafala exatamente da distância entre os dois:

[...] meninos vão desembestar,e mesmo o padre eterno que nunca foi lá,olhando aquele inferno vai abençoaro que não tem governo nem nunca terá,o que não tem vergonha nem nunca terá,o que não tem juízo.

Em Cálice, lançada em 1973, durante ogoverno de Médici, aborda-se o silêncio do povo,numa analogia explícita ao verbo imperativo “cale-se”, lembrando a verdadeira ordem dada ao povo.A liberdade é tema abordado repetidas vezes nodiscurso de Médici:

Será um diálogo travado sobre o nosso País, osnossos problemas, os nossos interesses e onosso destino. Naturalmente, esse entendimentorequer universidades livres, partidos livres,sindicatos livres, imprensa livre, Igreja livre. Maslivres, acima de tudo, daqueles gruposminoritários que ainda hoje, como ontem, orapela violência, ora pela corrupção, jogando comtodos os processos de uma técnica subversivacada vez mais aprimorada e audaciosa,pretendem servir a ideologias que já estão

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sendo repudiadas e superadas nos seuspróprios países de origem. Na medida em queos estudantes, os políticos, os operários, osjornalistas e os religiosos conseguirem livrar-sedessas manipulações e manobras, assegurandoautenticidade às manifestações de sua vidainstitucional, estarão conquistando a próprialiberdade que – é bom deixar esclarecido – nãocabe ao Governo outorgar, mas, apenas,reconhecer. Estarei atento a esse esforço delibertação, em cada dia de meu governo. Masnão me deixarei iludir, nem iludir ao povo.Chegou a hora de fazermos o jogo da verdade.(1969, p.12, grifos meus).

Tenhamos em mente que o título do discursoé exatamente O jogo da verdade, ou seja, esse éo assunto que resume o objetivo maior de seupronunciamento. Comparemos a ideia deliberdade veiculada no discurso com a músicaApesar de você (1970):

Amanhã vai ser outro dia (3x)Hoje você é quem mandaFalou ta faladoNão tem discussão, nãoA minha gente hoje anda falando de lado eolhando pro chão, viu!Você que inventou esse estadoQue inventou de inventar toda escuridãoVocê que inventou o pecadoEsquece-se de inventar o perdão

O trecho mais interessante da música, e quese encaixa exatamente nessa parte do discurso doex-presidente, está na confusão entre comunismoe anseio de liberdade, representados pela palavrapecado e perdão. O comunismo era, portanto,uma boa desculpa para barrar as manifestaçõescontrárias ao regime, para manter uma hegemoniaintocável de poder. Sob o manto da segurançanacional e contra ele praticava-se repressãoviolenta que escondia, ao fundo, uma insaciávelsede de hegemonia política. Pela data delançamento da canção, segundo ano do governoMédici, podemos perceber estreiteza de laços entreas composições.

Médici reitera, logo em seguida, aparticipação do povo no ato de governar:“Entretanto, insisto em afirmar que não acreditoem nenhum plano de governo que nãocorresponda a um plano de ação nacional. Namarcha para o desenvolvimento, o povo não podeser espectador. Tem que ser o protagonistaprincipal”.

Em Vai passar (1984), Chico Buarque abordaexatamente a via inversa. O povo, para ele, éespectador de um processo carnavalizado que umdia deverá ter seu fim. Jamais protagonista dele.À maneira da literatura carnavalesca surgida naépoca dos impérios romanos de Calígula e Nero,a música aborda o carnaval-insanidade na suatrajetória pelo Brasil desde os tempos dodescobrimento até os dias de hoje, enfatizando adesordem governamental como marca picarescada evolução da liberdade.

Observemos, agora, a proximidade deimagens entre o trecho seguinte retirado dodiscurso de Médici e a mesma música de ChicoBuarque: “Considero, também, que não podemosperder mais tempo, recordando os erros deadministrações anteriores. Em vez de jogar pedrasno passado, vamos aproveitar todas as pedrasdisponíveis para construir o futuro”.

Observemos agora o trecho da música Vaipassar (1984):

Dormia a nossa pátria mãe tão distraída,Sem perceber que era subtraída em tenebrosastransaçõesSeus filhos levavam pedras feito penitenteserguendo estranhas catedraisNuma ofegante epidemia que se chamavacarnaval, ô carnaval, ô carnavalVai passar

O trecho do discurso de Médici é alusivo aopronunciamento de Castelo Branco, o primeiropresidente a tomar posse após o golpe militar de64. Incitando o público ao trabalho e ao sacrifício,Castelo Branco (1969, p.14) diz: “[...] que cadaum carregue a sua pedra nesta tarefa desoerguimento nacional”. Nos dois discursos, osubstantivo pedra liga-se à ideia de sacrifício dopovo como elemento também responsável pelofuturo do país.

Em Chico Buarque, é do passado dacolonização que o autor fala, mas queliterariamente também se aplica à rápidaconstrução da cidade de Brasília. Nessa música,as pedras são objetos de penitência. A construçãodo futuro toma, em Chico, a forma de construçãode monumentos sem sentido, de esforço inútil. Damesma maneira que as catedrais são estranhas àfé, a construção da democracia é uma utopia:“Seus filhos levavam pedras feito penitenteserguendo estranhas catedrais”.

Seguindo a abordagem carnavalesca de Vaipassar, lembramos com Menezes que, em Chico,

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o samba, a festa, o carnaval funcionam comotempo-espaço outros, em que existe umapossibilidade de comunhão; é a projeção de umautopia, um não-lugar, uma negação do presentee um radical não-colaboracionismo (MENEZES,2000, p. 48).

Mais que dizer não à realidade que desfila àsua frente em forma de blocos carnavalescos, Vaipassar ironiza o poder governamental brasileirodesde a vinda da família real portuguesa até a épocado militarismo. A evolução da liberdade é somenteo movimento do samba na passarela, e nada mais.

Note-se a grande antítese entre o desfilar dosblocos, tendo o povo por espectador, e o seguintetrecho de Médici (1969, p.12): “Entretanto, insistoem afirmar que não acredito em nenhum planode governo que não corresponda a um plano deação nacional. Na marcha para odesenvolvimento, o povo não pode ser espectador.Tem de ser o protagonista principal”.

A marcha da evolução, contrapondo os doistextos, quer, em Médici, que seja conduzida pelopovo. A proximidade entre os textos é tão intensaque fica-nos a impressão de que Chico Buarquecompôs sua música utilizando esse trecho dodiscurso como construção antitética.

A menção à violência é muito clara num dosúltimos parágrafos do discurso de posse de Médici(1969, p.14): “Desejo manter a paz e a ordem.Por isso mesmo, advirto que todo aquele que tentarcontra a tranqüilidade e a segurança nacionalserá inapelavelmente punido. Quem semear aviolência, colherá fatalmente a violência”.

A esse trecho contrapomos a música Cálice,cujo tema são as torturas nos governos militares:

Como é difícil acordar calado, se na calada danoite eu me danoQuero lançar um grito desumano, que é umamaneira de ser escutado.Esse silêncio todo me atordoa,Atordoado eu permaneço atento, naarquibancada pra qualquer momentoVer emergir o monstro da lagoa

Atentamos para a força da imagem do gritodesumano ser a única maneira de chamar aatenção, numa referência explícita ao descaso coma população. O animal, acima do racional,lembrando as atrocidades das salas de tortura. Omonstro da lagoa parece ser o fantasma dotorturador que rondava as mentes das pessoas,em especial, dos artistas.

Curiosamente, entre as aproximações que atéaqui realizamos, esta é a única que não se baseianos contrários. O orador assume a violência de seugoverno, ainda que apresentando um motivo paraela se dar. O compositor também aborda aexperiência da violência, com a visão de vítima dela.

Ao final do discurso, o orador utiliza-se deuma metáfora que mais se identifica com umafigura de ironia, dada a falta de laços com arealidade: “E procurarei ser fiel aos seusimperativos simplesmente realizando um governodo Brasil, pelo Brasil e para o Brasil, dentro doconcerto das nações livres da América e domundo”.

Atentamos para a beleza da aproximação queo compositor cria entre a passagem bíblica emque Jesus prediz o suicídio de Pedro, seu discípulo,e a traição dos militares à Pátria. Note-se que aótica de subversão, agora, é antitética:

Eu pergunto a você onde vai se esconder daenorme euforiaComo vai proibir quando o galo insistir em cantarÁgua nova brotando e a gente se amando sem parar

Contrapondo a traição expressa na música àironia do trecho do discurso, temos, no segundo,a noção de uma pantomima construída a partirde valores ideais, e não reais.

Menezes, resumindo os verbos mais veiculadosentre as canções da repressão, como é o caso deCálice e Deus lhe pague, nos exemplos deprender, calar, abafar, tragar, fechar, acorrentar,trancar, aborda a visão psicanalítica de umaeconomia anal, que é a da retenção, doarmazenamento, e não genital que é a da troca,do dom (como em esbanjar poesia em Apesar devocê) (2000, p. 74, grifos da autora).

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Nossa análise, segundo duas óticas diferentesa respeito do discurso militar, uma representadapelo pronunciamento do Gal. Médici e outra pelaexpressão da classe artística na composição deChico Buarque, não tem como objetivo apontar oque seja verdade ou não dentro do discurso deMédici. Pretendemos, com esse exercício,demonstrar o peso valorativo dos pronunciamentospresidenciais de posse como ferramentas literáriase persuasórias.

Existe, no discurso de posse, um trabalho dapalavra, um apuro da forma que, por meio de

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uma organização característica, busca criarverossimilhança. Mas a literatura é ficção. O quedizer do discurso de Médici? Respondemos tambémcom uma pergunta. O que faz o orador, ojornalista, o ensaísta diante da realidade senãorecriá-la, interpretá-la a seu modo, dando a ela aroupagem que lhe convém?

Tratamos, então, por meio da analogia comas músicas de Chico Buarque, apontar disjunçõesentre as duas construções: a político-retórica e aartística, salientando que é no campo daverossimilhança que elas se entrelaçam, mediadaspela força da persuasão, do convencimento.

Não há como negar que ambas têm comomatéria a história, a realidade político-administrativa dos anos de regime militar que seseguiram ao golpe, mas a oposição dasconstruções nos dois textos, tão díspares entre si,pode nos revelar um ponto em comum: ambos ostextos trabalham com a palavra artisticamente,ainda que não seja esse o objetivo do primeiro.Índices literários variados para expressar umaordem ideológica baseada na visão do agente edo destinatário, respectivamente.

1- Doutora em Letras pela Universidade EstadualPaulista (UNESP), campus de São José do Rio Preto-SP. Professora da Faculdade Dom Bosco, de MonteAprazível – SP. E-mail: [email protected]

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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LANDOWSKI, Eric. A sociedade refletida: ensaiosde sociossemiótica. Tradução de E. Brandão. SãoPaulo: Pontes, 1992.

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É na linguagem e pela linguagem que o homem seconstitui como sujeito; porque só a linguagemfundamenta na realidade, na sua realidade que é a doser, o conceito de “ego”.

(Émile Benveniste)

Também o sujeito, se pode parecer servo da linguagem,o é ainda mais de um discurso em cujo movimentouniversal seu lugar já está inscrito em seu nascimento,nem que seja sob a forma de seu nome próprio.

(J. Lacan)

Resumo:Resumo:Resumo:Resumo:Resumo: O trajeto que aqui fazemos tenta mostrar que há uma multiplicidade de estudos possíveis a partir dalinguagem. Assim, marcamos uma relação da linguagem com a questão do sujeito por considerá-lo um campo fértilde reflexões cujo desenvolvimento se deu (ou se dá), de uma maneira ou de outra, graças ao seu vínculo com osestudos da linguagem. Devido à amplitude que a temática sujeito-linguagem pode acarretar, vamos nos limitar emesboçar um contraponto entre dois teóricos: de um lado, o reconhecido lingüista Èmile Benveniste e, do outro, oilustre psicanalista Jacques Lacan.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave:chave:chave:chave:chave: Linguagem; Sujeito; Consciente; Inconsciente.

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: In this study we try to show that there are a multitude of possible studies starting from the language. So,we mark a relationship of language with the question of the subject by considering it a fertile field of ideas whosedevelopment was (or is given), in one way or another, thanks to its link with the study of language. Due to the extentof the theme subject-language, we will confine ourselves to draw a counterpoint between two thinkers: on the onehand, the recognized linguist Émile Benveniste, and in the other, the eminent psychoanalyst Jacques Lacan.

Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Language; Subject; Conscious; Unconscious.

Noções preliminaresNoções preliminaresNoções preliminaresNoções preliminaresNoções preliminares

Gostaríamos de trazer, neste ensaio, algumascontribuições que giram em torno da linguagem edo sujeito, focalizando este último como centro denossa reflexão. O trajeto que aqui fazemos tentamostrar que há uma multiplicidade de estudospossíveis a partir da linguagem. Assim, marcamosuma relação da linguagem com a questão dosujeito por considerá-lo um campo fértil de reflexõescujo desenvolvimento se deu (ou se dá), de umamaneira ou de outra, graças ao seu vínculo comos estudos da linguagem.

Devido à amplitude que a temática sujeito-linguagem pode acarretar, vamos nos limitar aesboçar um contraponto entre dois teóricos: deum lado, o reconhecido linguista Èmile Benveniste(1902-1976), e, do outro, o ilustre psicanalistaJacques Lacan. Antes, porém, vejamos brevemente

o conceito de sujeito cartesiano e o que isso podeimplicar ao fazermos a sua relação com ospensadores acima elencados.

O sujeito cartesianoO sujeito cartesianoO sujeito cartesianoO sujeito cartesianoO sujeito cartesiano

É comum a ideia de que o filósofo francêsRené Descartes (1596-1650) deu início à filosofiamoderna ao centralizar no sujeito a questão doconhecimento. Com a famosa proposição “Penso,logo existo” (Cogito ergo sum), Descartes cessaum conjunto de dúvidas na busca de uma verdadeprimeira, pois não pode duvidar do seu próprioser que pensa, que duvida. “No centro da ‘mente’ele colocou o sujeito individual constituído por suacapacidade para pensar e raciocinar” (HALL,2004, p. 27). Há outras ideias cartesianasvinculadas à questão do sujeito, tais como aexistência de Deus e a relação com o mundo, que,para nosso propósito, são desnecessárias.

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Para sua época, obviamente, Descartes teveo mérito de situar a dimensão do sujeito, fixando-o na sua referência ao conhecimento, ao saber.Ele localiza no próprio indivíduo a possibilidadede ser sujeito, promovendo uma coincidência entreo eu que pensa e o eu que existe, o que resultaem um sujeito como fonte de si mesmo, sendo,portanto, um sujeito consciente.

O sujeito e a linguagem em BenvenisteO sujeito e a linguagem em BenvenisteO sujeito e a linguagem em BenvenisteO sujeito e a linguagem em BenvenisteO sujeito e a linguagem em Benveniste

Ao trazermos o sujeito cartesiano para osdomínios da linguagem, podemos perceber umacerta semelhança com a subjetividade propostapor Benveniste, visto que este coloca o sujeitocomo origem e centro da referência do seu dizer.Vejamos a visão do linguista com mais detalhe.

Em um texto, denominado “Da subjetividadena linguagem”, Benveniste parte da ideia de que“é na linguagem e pela linguagem que o homemse constitui como sujeito; porque só a linguagemfundamenta na realidade, na sua realidade que éa do ser, o conceito de ‘ego” (1995, p. 286).

Para corroborar a semelhança com o sujeitocartesiano, acrescentamos o pensamento deBenveniste, no qual diz que a subjetividade define-se

[...] como uma unidade psíquica que transcendea totalidade das experiências vividas que reúne,e que assegura a permanência da consciência[...], não é mais que a emergência no ser deuma propriedade fundamental da linguagem.(BENVENISTE, 1995, p. 286).

Para mostrar que é na linguagem que está ofundamento da subjetividade, Benveniste iráevidenciar, a partir da própria linguagem, as formasque expressam a subjetividade. Em primeiro lugar,o linguista apresenta os pronomes pessoais eu etu, pois considera que “uma língua sem expressãoda pessoa é inconcebível” (p. 287).

O autor atribui uma certa característicapragmática ao dizer que o eu se refere ao ato dediscurso individual e ainda acrescenta que ospronomes pessoais possuem um status diferente dosoutros signos da linguagem por causa de sua referênciaatual. Benveniste ainda lembra a relação da dêixiscom os pronomes pessoais: “[...] os indicadores dedêixis [...] têm em comum o traço de se definiremsomente com relação à instância de discurso na qualsão produzidos, isto é, sob a dependência do eu queaí se enuncia” (p. 288).

Outro ponto de apoio para a tesebenvenisteana é a questão do tempo: “é fácil ver

que o domínio da subjetividade se amplia aindae deve chamar a si a expressão da temporalidade”(p. 289). A noção de tempo, segundo o autor, ésempre notória em todas as línguas, desde assimples palavras como os advérbios até ascomplexas flexões verbais. A partir dessa ideia,uma pergunta se impõe: de que maneira asubjetividade está relacionada com atemporalidade?

Consideremos as palavras do linguista: “Ora,esse ‘presente’, por sua vez, tem como referênciatemporal um dado linguístico: a coincidência doacontecimento descrito com a instância do discursoque o descreve. A marca temporal do presente sópode ser interior ao discurso” (p. 289).Acreditamos que é essa coincidência deacontecimento com a instância do discurso quedenota o vínculo sujeito-tempo, pois é essainstância do discurso que possibilita ao sujeitoatualizar o seu dizer, assim como o próprioBenveniste já apresentara anteriormente: “eu serefere ao ato de discurso individual no qual épronunciado, e lhe designa o locutor [...] É nainstância de discurso na qual eu designa o locutorque este se enuncia como ‘sujeito‘” (p. 288).

Posteriormente, Benveniste irá elencar umasérie de exemplos que dizem respeito àsubjetividade e que estão notoriamente marcadasna língua, cujo efeito de sentidos pode acarretarmudanças variadas. Em primeiro lugar, o autorapresenta exemplos de verbos que apenasdescrevem uma ação e que estão atribuídos damesma forma às três pessoas, eu, tu, ele. Noentanto, outros verbos, quando mudam de pessoa,causam outra impressão. Benveniste fala dos quedenotam disposição ou operação mental: “Ao dizerje crois (que...) converto numa enunciaçãosubjetiva o fato asseverado impessoalmente, istoé, le temps va changer, que é a verdadeiraproposição” (p. 290-291).

Há outras demonstrações, como os verbos eusuponho, eu presumo, por meio dos quais, comoassevera o autor, a expressão da subjetividade sótem relevo na primeira pessoa. Quando há umamudança de pessoa, ou para a segunda (tu) oupara a terceira (ele), o que se faz é somente retomaro dizer do eu:

tu supposes qu’il est parti [ = “supões que elepartiu”], o que é apenas a maneira de repetir oque o ‘tu’ acaba de dizer: ‘je suppose qu’il estparti’. Suprima-se, porém, a expressão dapessoa deixando só: il suppose que... e, do

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ângulo do eu que a enuncia, não se tem mais queuma simples comprovação. (p. 291-292).

Para finalizar, Benveniste apresenta exemplosque, parece-nos, concernem aos Atos de Fala

2,

embora tal referência não esteja explícita em seutexto. Os verbos utilizados são, sobretudo, jurar,prometer e garantir. Com esses verbos, segundoo autor, “a enunciação identifica-se com o próprioato. Essa condição, porém, não se dá no sentidodo verbo: é a ‘subjetividade’ do discurso que atorna possível” (p. 292). Mais uma vez o autorrecorre à substituição da primeira pessoa pelaterceira pessoa para mostrar os valores diferentesque as proposições apresentam. Dizendo “eu juro”,há um comprometimento de quem diz, enquantoque em “ele jura” observa-se uma simplesconstatação. No entanto, embora a forma ele estejafora da alocução eu – tu, ela “[...] tira o seu valordo fato de que faz necessariamente parte de umdiscurso enunciado por ‘eu” (p. 292).

Esse vínculo que Benveniste promove entresubjetividade e linguagem faz-nos acreditar que oautor demonstra haver uma certa liberdade dosujeito em relação à língua, pois esse sujeito éaquele que se apropria da língua e é capaz detornar-se sujeito por meio dela na relação com oseu igual, o interlocutor, sem ser afetado pelasrelações sociais.

Lacan: sujeito, linguagem e inconscientLacan: sujeito, linguagem e inconscientLacan: sujeito, linguagem e inconscientLacan: sujeito, linguagem e inconscientLacan: sujeito, linguagem e inconsciente

Se o sujeito da linguagem em Benvenistedemonstra uma certa semelhança com o sujeitocartesiano, com Lacan, ao contrário, acontece umquestionamento do sujeito que se pretende origemde si mesmo, o sujeito centrado, capaz de discerniras ideias claras e distintas como queria Descartes.Acompanhemos as palavras de Lacan: “Não setrata de saber se falo de mim de conformidadecom aquilo que sou, mas se, quando falo de mim,sou idêntico àquele de quem falo” (1998, p. 520).“Penso onde não sou, logo sou onde não penso”(p.521).

Essas palavras são o suficiente parademonstrar a subversão e a interrogação queLacan faz em relação ao cogito cartesiano. A críticalacaniana evidencia o princípio da não unicidadedo sujeito, fragmentação esta já promulgada porFreud, por pensar que “[...] a subjetividade é oproduto de processos psíquicos inconscientes”(HALL, 2004, p. 37).

A primeira problemática que apresentamos dizrespeito à relação da linguagem com oinconsciente. A questão é apresentada por MichelArrivé da seguinte maneira: “O problema doinconsciente estruturado como uma linguagemdomina, evidentemente, todo o conjunto dareflexão lacaniana” (1999, p. 108). Como oexcerto “como uma linguagem” pode acarretaruma confusão, Arrivé explica: “O indefinido umaé sobredeterminado. Ele marca, primeiro, apluralidade dessas linguagens que, como efeitosque são da linguagem, dão ao como o seu sentidouma entre várias” (1999, p. 108).

Esse primeiro olhar para a teoria lacaniananos induz a questionar como Lacan aborda arelação sujeito-linguagem. Aqui, podemos dizerque o sujeito vivencia uma fantasia a partir de umdiscurso consciente de si mesmo; olha para sicomo uma unidade e isso se mostra na linguagem.Entretanto, o sujeito que diz “eu” se perde naprópria linguagem, como afirma Lacan: “Eu meidentifico na linguagem, mas somente ao me perdernela como objeto” (1998, p. 301).

Se o sujeito, assim como aponta Lacan, seperde na linguagem, então o próprio autor assinalaque o sujeito se inscreve na linguagem para poderse constituir enquanto tal. Em outras palavras, osujeito se perde na linguagem por não ter domíniocompleto dela, visto que é constituído por uminconsciente e, por isso, pode falar mais do quepretende; por outro lado, ele se constitui atravésda linguagem, constitui-se como “sujeito da falta”.

Essas anotações encaminham-nos para aideia lacaniana de que o sujeito é constituído porprocessos significantes que estão em constanteantecipação em relação ao sentido, conformeassevera Lacan:

[...] o significante, por sua natureza, sempre seantecipa ao sentido, desdobrando como queadiante dele sua dimensão. [...] Donde se podedizer que é na cadeia do significante que o sentidoinsiste, mas que nenhum dos elementos da cadeiaconsiste na significação de que ele é capaz nessemomento. Impõe-se, portanto, a noção de umdeslizamento incessante do significado sob osignificante [...]. (1998, p. 505-506).

É nesse ponto que podemos ver a importânciado significante na constituição do sujeito, ou seja,sob a perspectiva da psicanálise lacaniana, semsignificantes não há sujeito. Portanto, o sujeitolacaniano é trabalhado como efeito de linguagem

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e do inconsciente. No entanto, o significante doqual se fala em Lacan não deve ser entendido damesma maneira como propõe o linguistaFerdinand de Saussure. Este considera que oselementos significado e significante têm umareciprocidade ou uma equivalência de importância:

[...] de um lado, o conceito [significado] nosaparece como a contraparte da imagem auditiva[significante] no interior do signo, e, de outro,este mesmo signo, isto é, a relação que uneseus dois elementos, é também, e de igualmodo, a contraparte dos outros signos dalíngua. (SAUSSURE, 1995, p. 133).

Em Lacan, como dissemos, o significante ocupaum lugar de destaque, como atesta Joël Dor:

Lacan irá simbolizar duplamente a supremaciado significante sobre o significado: em primeirolugar, invertendo o algoritmo saussureano dosigno lingüístico; a seguir, esquematizando aescrita do significante por um ‘S’ maiúsculo: S/s Pela letra ‘S’ acima da barra encontra-seindicada a função primordial do significante, eLacan mostrará, a partir da experiência analítica,que é ele que governa no discurso do sujeito;ou mesmo que é ele que governa o própriosujeito. (1992, p. 42).

Ao considerar que o significante se antecipaao sentido, Lacan, empenhado na tarefa de ver arelação entre linguagem e inconsciente, irásustentar essa reflexão nos estudos sobre osprocessos semânticos da metáfora e da metonímia.Dessa maneira, Lacan irá estabelecer uma conexãodo seu pensamento com os trabalhos freudianosacerca da interpretação dos sonhos. Assim ele seexpressa:

De maneira geral, o que Freud chama decondensação é o que se chama, em retórica,metáfora, e o que ele chama deslocamento,metonímia. A estruturação, a existência lexicaldo conjunto do aparelho significante sãodeterminantes para os fenômenos presentes naneurose, pois o significante é o instrumento como qual se exprime o significado desaparecido.(LACAN apud DOR, 1992, p. 42).

A metáfora está vinculada ao mecanismo decondensação por causa de sua característica desimilaridade, substituição, a que Lacan considerasubstituição significante. Com isso, podemos verna interpretação dos sonhos que existem elementos

do conteúdo latente que podem estar condensadosno conteúdo manifesto, sendo possível a suaevidência por meio de cadeias associativas esimilaridades, sobretudo, semânticas.

É o que ocorre com um dos tipos decondensação: a formação compósita: “Nesse tipo,os elementos latentes que apresentamcaracterísticas em comum irão fundir-se entre si.Assim, estarão todos representados ao nívelmanifesto por um único elemento” (DOR, 1992,p. 53). Esse tipo de condensação pode serilustrado com o “Doutor M...” de Freud:

Pode-se criar uma pessoa coletiva que serve àcondensação do sonho, reunindo numa sóimagem do sonho traços de duas ou maispessoas. É assim que foi formado o doutor M...de meu sonho. Ele traz o nome de M..., fala eage como ele; suas características físicas, suadoença são de outra pessoa, de meu irmãomais velho; um único traço, sua palidez, estáduplamente determinado, uma vez que narealidade é comum às duas pessoas. (FREUDapud DOR, 1992, p. 53).

O processo metonímico da linguagem, porsua vez, relaciona-se com o mecanismo dedeslocamento. Tal vínculo se dá porque nametonímia há uma substituição significante queprovoca um deslocamento de sentido, cujoselementos estão em relação de contiguidade. Pormeio desse processo, na interpretação dos sonhos,o conteúdo latente é recolocado no nível manifestode modo linear, mas por uma transferência dedenominação, a qual Lacan interpreta comoresistência à significação, devido “[...] ao fato deque a metonímia é sempre um não-sentidoaparente” (DOR, 1992, p. 59).

Essas relações dos processos metafóricos coma condensação e dos processos metonímicos como mecanismo de deslocamento demonstram aligação entre linguagem e inconsciente e, segundoDor, funcionam “[...] como testemunhosincontornáveis do caráter primordial dosignificante” (p. 41).

Uma vez que a subjetividade em Lacan éresultado da linguagem e do inconsciente, opsicanalista irá, por meio da escuta, estudar aestruturação do sujeito em seu próprio discurso,fazendo a relação dos processos linguísticos acimaapresentados com os mecanismos já antesestudados por Freud, ou seja, o deslocamento e acondensação. Nesse sentido, podemos retomar

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aqui a citação de Dor, quando diz que “[...] Lacanmostrará, a partir da experiência analítica, que éele [o significante] que governa no discurso dosujeito; ou mesmo que é ele que governa o própriosujeito” (1992, p. 42).

Os resultados aos quais o psicanalista chega,como percebemos nas palavras de Dor, são obtidosem situações de análise, o que extrapola os limitesdeste ensaio.

ConcluindoConcluindoConcluindoConcluindoConcluindo

Há, evidentemente, vários caminhos quepodemos percorrer na tentativa de entender amaneira como o sujeito se inscreve na linguagem.Podemos considerar, a título de informação, oestudo que S. Hall (2004) faz em torno dasconcepções mutantes do sujeito visto como umafigura discursiva. Há também a perspectiva daAnálise do Discurso de M. Pêcheux (1997), queentende o sujeito como uma posição discursivaresultante de um assujeitamento ideológico.

O percurso que adotamos neste ensaio apóia-se, primeiramente, na concepção cartesiana desujeito. Vimos em Descartes o ponto de certezaabsoluto sobre o qual assentou-se o sujeito, o quepossibilita-nos dizer que em tal conceito o sujeitoé pensado de uma perspectiva universal, ou seja,sem circunstância.

Posteriormente, ao observarmos o modo comoBenveniste apresenta a relação sujeito-linguagem,notamos uma semelhança com o sujeitocartesiano. Isso não significa que o linguistapensasse assim ao formular a sua teoria. Contudo,podemos, por analogia, considerar a equivalênciade suas características, visto que Benveniste delegaao sujeito a responsabilidade pelo seu própriodizer, sendo este, portanto, consciente e, por isso,assemelha-se ao sujeito cartesiano. Podemosconferir isso com a seguinte passagem: “Aenunciação é este colocar em funcionamento alíngua por um ato individual de utilização. [...]Este ato é o fato do locutor que mobiliza a línguapor conta” (BENVENISTE, 1989, p. 82).

O psicanalista Lacan, por sua vez, questiona,como observamos, o estatuto do sujeito cartesiano.Como pensa Lacan, o sujeito não é primeiro, masresultado e dependente da linguagem e doinconsciente, como atestamos no seguinte trecho:

[...] a linguagem preexiste à entrada de cadasujeito num momento de seu desenvolvimento

mental. [...] Também o sujeito, se pode parecerservo da linguagem, o é ainda mais de umdiscurso em cujo movimento universal seu lugarjá está inscrito em seu nascimento, nem queseja sob a forma de seu nome próprio. (LACAN,1988, p. 498).

Desse modo, é pelo deslizamento vacilante dosignificado, que ocasiona falhas na estruturasignificante, que se percebe, por meio da escutapsicanalista, o funcionamento inconsciente dosujeito. Vimos que, do ponto de vista lacaniano,o sujeito é constituído pela linguagem. Umalinguagem que, ao falhar, manifesta um sentidodesconhecido para o sujeito; tem-se o discursoda falta, da incompletude, a partir do qualpodemos concordar com Lacan quando diz que“o inconsciente é uma parte que falta à disposiçãodo sujeito para restabelecer a continuidade de seudiscurso consciente” (p. 260).

Se Descartes elabora um pensamento sobre osujeito enquanto universal, não podemos dizer omesmo em relação a Benveniste. Este, em seu texto,trata o sujeito a partir de uma instância dediscurso, isto é, a partir de uma circunstância naqual o sujeito se insere para enunciar. Por essamesma via, inferimos, talvez de modo arriscado,que o mesmo acontece em Lacan, pois o sujeito ésempre uma construção, um resultado, comopudemos notar anteriormente.

Não devemos nos contentar em dizer que ocontraponto entre Benveniste e Lacan se restringeao fato de o sujeito ser consciente no primeiro e deque, no outro, há um inconsciente que estrutura osujeito. Nesse sentido, acrescentamos que Benvenisteparece tratar de um sujeito preocupado com o atolinguístico, cuja marca ele deixa na linearidadetextual; que diz ego sem se perturbar com o Outroque o determina, assim como pensa Lacan.

1- Mestre em Linguística e Língua Portuguesa pelaUFPB. Professor da Universidade do Estado deMato Grosso (UNEMAT), campus universitário deTangará da Serra. E-mail: [email protected] “Em Quando dizer é fazer, Austin (1962), partindoda constatação da existência de uma oposição entreo que chamou de performativo e constativo, procurouestudar em que medida dizer alguma coisa é realizaralgo” (GUIMARÃES, 2002, p. 37).

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIVÉ, M. Linguagem e psicanálise: lingüísticae inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geralII. Campinas: Pontes, 1989.

_____. Problemas de lingüística geral I. 4.ed.Campinas: Ed. da UNICAMP/Pontes, 1995.

DOR, Joël. Introdução à leitura de Lacan. 3. ed.Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. v.1

GUIMARÃES, Eduardo. Os limites do sentido: umestudo histórico e enunciativo da linguagem. 2.ed.Campinas: Pontes, 2002.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. 20.ed.São Paulo: Cultrix, 1995.

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma críticaà afirmação do óbvio. 3.ed. Campinas: Editorada UNICAMP, 1997.

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Se a sociedade constitui uma ordem simbólica que nãoflutua no ar – já que tem de incorporar sentidoscristalizados como signos de identificação entre ossujeitos – ao mesmo tempo, há, sempre, um movimentoincessante em direção das rachaduras e fendas quefomentam as utopias sociais.

(Münster, 1993)

Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Resumo: Com base nos princípios da Análise do Discurso de linha francesa, especialmente as contribuiçõesteóricas de Bakhtin (1997), Pêcheux (1988), Authier-Revuz (1990), Maingueneau (1993), a pesquisa tem porobjetivo descrever e interpretar, focalizando as heterogeneidades enunciativas, aspectos da representação identitária,social e cultural do índio Paresí. Os itens analisados forneceram elementos para a recuperação de traços darealidade histórica, social e cultural desse grupo indígena, confirmando a importância do discurso como registro.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chavechavechavechavechave: índio paresí; identidade; representação social; heterogeneidades enunciativas.

Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Considering the Analysis of Speech in French line, especially the theoretical contributions of Bakhtin(1997), Pêcheux (1998), Authier-Revuz (1990), Maingueneau (1993), this reserch has the objective of identify anddiscuss, focalizing the enunciative heterogeneityt, aspects of the identitary, social and cultural representation ofParesí Indian. The different items analyzed have provided evidence for recovering traces of the historical, social andcultural reality of this indigenous group, confirming the importance of the discourse as a register.

KKKKKeywordseywordseywordseywordseywords: Paresí Indian; identity; social representation; enunciative heterogeneity.

Notas iniciaisNotas iniciaisNotas iniciaisNotas iniciaisNotas iniciais

O sujeito que se apresenta no discursojornalístico não é unificado e predizível, mas seconfronta com outras múltiplas identidadespossíveis, deslocando-se e produzindo diferentesposições de sujeito, diferentes identidades. E essamudança de identidade decorre do modo como osujeito é interpelado ou representado: é o brancoquem fala sobre o Paresí; é um enunciadorenunciando sobre o Outro.

Emergem, pois, outras significações, queapontam para as relações de poder, uma vez queestas se encontram sempre presentes nas relaçõessociais. Nesse sentido, não poderíamos deixar delado a reflexão sobre as características do podernas relações índio x jornal x não índio.

Considerando a relação constitutiva entre odizer e sua exterioridade e com base nos princípiosda Análise do Discurso de linha francesa,especialmente as contribuições teóricas de Bakhtin(1997), Pêcheux (1988), Authier-Revuz (1990),Maingueneau (1993), a pesquisa tem por objetivo

descrever e interpretar, focalizando asheterogeneidades enunciativas, aspectos darepresentação identitária, social e cultural do índioParesi. Os dados da pesquisa foram coletados emtextos extraídos do jornal Diário da Serra, veiculadona cidade de Tangará da Serra - MT.

Os POs POs POs POs Paresíaresíaresíaresíaresí

Atualmente Tangará da Serra tem umapopulação estimada em 70.000 habitantes,distribuídos na região urbana e em diversosnúcleos populacionais da zona rural,compreendendo três distritos: São Jorge, SãoJoaquim e Progresso. De toda a área do municípiode Tangará da Serra, mais de quarenta por centosão destinados a três reservas indígenas do povoParesí: Estivadinho, Formoso e Paresí, nas quaishabitam cerca de mil pessoas.

Segundo Fernandes (1993, p.57), esse grupointegra o tronco Aruak, falando a língua Paresí etendo algumas nuances conforme os subgrupos:Kazíniti, Warére, Káwali, Kozárini e Wáimare.

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A prática discursiva jornalística no A prática discursiva jornalística no A prática discursiva jornalística no A prática discursiva jornalística no A prática discursiva jornalística no DiárioDiárioDiárioDiárioDiárioda Serrada Serrada Serrada Serrada Serra

Entendemos que o gênero em que o discursose inscreve contribui para a produção de sentidospelo sujeito do discurso. A função desempenhadapela prática discursiva jornalística evidencia asestreitas relações entre discurso, história e memória.É nessa direção que se encaminha a afirmaçãode Gregolin (1997, p.11):

O discurso é pensado em sua relação com ahistoricidade e, portanto, com o seu exterior. Aanálise procura averiguar as inter-relaçõesentre discurso, História e memória, isto é, comoa história está inscrita nos textos e os determina.Daí a preocupação com a construção dossentidos e dos gestos de interpretação dodiscurso na História. Como a interpretação“histórica” passa a ser central para a leitura doatravessamento dos discursos nos textos, épreponderante o papel da memória naprodução de sentidos, pois a determinaçãohistórica faz com que a interpretação dependada memória, do interdiscurso que apaga (oculta)ou desvela (revela) sentidos.

Tomado na perspectiva de Bakhtin (1997),para quem a linguagem deve ser pensada narelação com as diferentes esferas de atividadeshumanas, o conceito de gênero vincula-se ao fatode que ao fazer uso da linguagem nas diversasatividades sociais, o homem se insere em um gêneroe, dessa relação entre a vida e a linguagem,originam-se as coerções genéricas sobre as práticasdiscursivas. Por isso, para Bakhtin (1997, p. 279),

a utilização da língua efetua-se em forma deenunciados (orais e escritos) concretos e únicos,que emanam dos integrantes duma ou doutraesfera da atividade humana. O enunciadoreflete as condições específicas e as finalidadesde cada uma dessas esferas, não só por seuconteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ouseja, pela seleção operada nos recursos dalíngua – recursos lexicais, fraseológicos egramaticais-, mas também, e sobretudo, porsua construção composicional. Esses trêselementos (conteúdo temático, estilo econstrução composicional) fundem-seindissoluvelmente no todo do enunciado, etodos eles são marcados pela especificidadede uma esfera de comunicação. Qualquerenunciado considerado isoladamente é, claro,individual, mas cada esfera de utilização dalíngua elabora seus tipos relativamente estáveis

de enunciado, sendo isso que denominamosgêneros do discurso.

É na prática da ideologia do cotidiano (e ogênero discursivo jornalístico consiste na “arte detecer esse cotidiano/presente) que residem osprimeiros sinais de “desvios” em relação ao sistemaestabelecido, porque é no cotidiano que o sujeitomanifesta suas elaborações, suas inovações, aprodução de novos sentidos.

Imerso no universo político e social eteoricamente destinado a reduzir divergências deopinião (já que a palavra jornalística deveriaatender ao povo e ao rei), o discurso jornalísticotransmite valores, mobiliza códigos sociais esignificações ideológicas, ou seja, materializa-seem textos de eficácia simbólica. Nessa perspectiva,segundo Medina e Greco (1999, p.24), ojornalista, “ao desejar contar a história social daatualidade, cria uma marca mediadora quearticula as histórias fragmentadas”.

Com a imprensa de Tangará da Serra nãoseria (muito) diferente, conforme pudemoscomprovar com os textos selecionados para nossaanálise. Veiculam, nessa cidade, os seguintesjornais: Diário da Serra (DS, doravante), Jornalde Domingo, Semanário Tribunal, Só Negócios.No entanto, somente o Diário da Serra tem tiragemdiária (2.000 exemplares), os outros, semanal. ODS foi fundado por Evanir Tormes, em 11 denovembro de 1996, e, em 06 de setembro de 1997,inicia-se a publicação on line, com uma médiadiária de 3.300 leitores, conforme informação doproprietário e fundador. Segundo Tormes, o jornalpossui uma importante função social em Tangaráda Serra, pois veicula informações sobre fatosdiários acontecidos no município.

Esse Diário desempenha, na construção daimagem do povo Paresí, um papel importante naprodução/circulação de consensos de sentido,enquanto produto de uma instituição que serepresenta como portadora da verdade dos fatos.Enquanto instituição da imprensa agindo naprodução das notícias, o discurso jornalístico temuma memória da própria instituição. Memória queatua como um “filtro” na significação das notíciase, consequentemente, no modo como o mundo ésignificado. Estabelecendo uma aproximação coma Análise do Discurso, entendemos que a práticadesse discurso é atravessada pela memóriadiscursiva constitutiva do imaginário social e,sendo incompleta, completa-se ilusoriamente navoz de redator e de cada leitor.

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Heterogeneidade mostrada marcada: aHeterogeneidade mostrada marcada: aHeterogeneidade mostrada marcada: aHeterogeneidade mostrada marcada: aHeterogeneidade mostrada marcada: aparafrasagemparafrasagemparafrasagemparafrasagemparafrasagem

A heterogeneidade constitutiva do sujeito e doseu discurso está relacionada à problemática dodiscurso como produto do interdiscurso. Noentanto, nesse momento, analisamos o discursojornalístico do ponto de vista do outro plano: aheterogeneidade mostrada, aquela que incidesobre as manifestações explícitas que podem serrecuperadas a partir de diversas fontes deenunciação (MAINGUENEAU, 1993, p.25).

Maingueneau (1993, p.75), considerando ostrabalhos de Ducrot sobre a polifonia e tambémos de outros autores, como Authier-Revuz,considera como casos de heterogeneidadeenunciativa mostrada (marcada ou não) o discursodireto, indireto e indireto livre, a ironia, apressuposição, em que um enunciador defende oposto e outro defende o pressuposto, a negaçãopolêmica (dois enunciadores: um assume o pontode vista rejeitado e outro a rejeição do ponto devista), as palavras entre aspas, as glosas(parafrasagem), a autoridade, o provérbio, oslogan, a imitação e o pastiche

3.

Percebemos ser bastante significativas parauma apreensão do funcionamento daheterogeneidade enunciativa no discurso emquestão a parafrasagem, motivo pelo qualdeteremos nossa análise nessa marca.

Entre as várias operações metadiscursivas,Maingueneau (1991, p. 147-8) propõe que seatribua um lugar privilegiado às paráfrasesproduzidas pelo próprio enunciador. Do ponto devista que interessa à Análise do Discurso, asparáfrases, reguladas pelas coerções de umaformação discursiva ou de um arquivo, podemser tomadas como uma tentativa para controlar,em pontos nevrálgicos, a polissemia aberta pelalíngua e pelo interdiscurso: “Fingindo dizerdiferentemente a mesma coisa para restituir umaequivalência preexistente, a paráfrase abre, narealidade, a extensão que ela pretende absorver,ela define uma rede de desvios cuja figura desenhaa identidade de um arquivo” (grifos do autor).

Recurso bastante utilizado nas diversas formasde comunicação, a paráfrase não poderia deixarde estar presente nos textos jornalísticos, comocomprovam os enunciados a seguir extraídos dareportagem publicada no dia 17/08/04:

Na ocasião, também será entregue aogovernador a “Carta Indígena” contendoreivindicações de todos os povos, entre as quais

propostas para melhorar as condições de vidanas aldeias.

O conselho, de acordo com o estatutoaprovado pelas lideranças, tem como finalidadedefender os direitos e interesses dos povosindígenas em nível estadual.

Propõe, ainda, apóio a programas e projetosde educação, saúde e sutentabilidadeeconômica, que atendem os interesses devalorização das tradições dos povos indígenas.

Num certo sentido, a paráfrase bloqueia ainfinidade de possíveis interpretações de umdeterminado termo ou ideia, fornecendo umequivalente que, em vez de explicitar um sentidoúnico, garantido por um determinado saber, oconstrói em sua enunciação.

É dessa forma que se apresenta, por meio deparáfrases, a equivalência de reivindicações detodos os povos, impedindo outras interpretaçõespossíveis, ao mesmo tempo em que se constróium dado sentido na própria enunciação.

A Análise do Discurso “articula a parafrasagemàs coerções de uma formação discursiva e não àconfrontação psicológica de dois indivíduos”(MAINGUENEAU,1993, p.96), conforme é possívelverificar nos enunciados de 09/12/02:

A proposta da reunião é desvincular o InstitutoTrópicos da saúde indígena e passar asresponsabilidades mesma para uma associaçãoindígena [...]

[...] os locais de atendimento não são adequadose não suprem as necessidade do povo índio.

[...] para que o índio possa ser atendido em seuhabitat não havendo assim necessidade dedeslocamentos à cidade para tratamento demoléstias que podem ser tratadas nas aldeias.

[...] e a indicação de profissionais que temcredibilidade junto aos índios para fazerem partedo projeto.

Segundo Maingueneau (1993), aparafrasagem aparece na Análise do Discursocomo uma tentativa para controlar, em pontosnevrálgicos, a polissemia aberta pela língua e pelointerdiscurso. O enunciador procura esclarecer anecessidade de se transferirem as responsabilidadespara uma associação indígena, com o empregoda paráfrase “indicação de profissionais que temcredibilidade junto aos índios”.

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Ainda ao enunciar que os locais deatendimento não são adequados e não supremas necessidades do povo índio, recorre novamenteà estratégia da parafrasagem e explicita que oíndio precisa ser atendido em seu habitat. Fingindodizer diferentemente a “mesma coisa” para restituiruma equivalência preexistente, a paráfrase abre,na realidade, o bem-estar que pretende absorver,além de definir uma rede de desvios cuja figuradesenha a identidade de uma formação discursiva.Nesse caso, a FD1 (a pró-índio).

Em 19/02/03, os enunciados eram:

[...] o Instituto Trópicos não vem prestandoassistência a contento aos povos Utiariti,Bororo e Bakairi, além dos próprios Paresís.

[...] os índios com alguma patologia sãoobrigados a longas esperas por vagas noSistema Único de Saúde (SUS) e que a falta demédicos e de medicamentos é uma constante.

A alimentação e as instalações na Casa deSaúde de Tangará são totalmente precárias,assim como a higiene, fazendo com que ospacientes tenham até piorado o estado [...].

O enunciador recorre à parafrasagem parademonstrar por que enuncia que o InstitutoTrópicos não vem prestando assistência de formasatisfatória. Podemos objetar que pertence à FD1e se sente impelido a denunciar a situação quepresencia. A formação discursiva de onde derivaessa significação inscreve claramente suaenunciação de solidariedade àqueles que são tidoscomo excluídos, marginalizados.

Notas finaisNotas finaisNotas finaisNotas finaisNotas finais

O discurso jornalístico nutre-se da atualizaçãoe da reconfiguração da memória discursiva,contribuindo para a sedimentação de umamemória negativa acerca do Paresí: aqueleexcluído e marginalizado pela posição social queocupa, trazendo para a “arena” a questão dopoder. Assim, julgamos pertinente navegar poralguns momentos nessa intrigante questão.

No vocabulário político, poucas palavrassuscitam tantas paixões quanto “poder”. É umtermo que desperta os ânimos dos pensadores porsua rica sugestividade e fomenta intermináveisdiscussões por sua incontornável vagueza. Comoobserva José Zafra Valverde (1975), “poder” e“poderes” são utilizados como designação paratrês dados diferentes da realidade:

- A capacidade de decisão de uma pessoasobre outras;

- As diversas funções ou tarefas concretas emque se encontra articulada a ação de governodentro de um grupo;

- Os governantes individuais ou coletivos quedesempenham essas funções e detêm aquelacapacidade de agir.

“Poder” permanece algo indeterminado,difícil de ser precisamente definido. Quando sefala em poder, não se tem uma imagem precisadaquilo que essa palavra designa. Seu significadonão se estabelece com exatidão e vem sempreauxiliado por outros termos, como “dominação”,“força”, “superioridade”, “autoridade”,“influência”, “soberania”, “império”. A explicaçãode Valverde (1975, p. 18) é bastante elucidativano tocante à maneira como a palavra “poder” éencarada: “De um modo entre tímido y nebulosose la trata como um nombre místico tras el cual sepresume la existência de uma profunda eintrincada realidad cuya entera y detalladacomprensión resulta inasequible”.

Por seu caráter nebuloso, percebe-se que opoder permanece envolto numa aura de mistério,mística e mítica. O fascínio exercido pela questãodo poder está longe de se esgotar. O assunto estevepresente desde a Antigüidade, ladeou as discussõesteocêntricas medievais, ganhou suma importânciana Era Moderna, com o surgimento dos grandesEstados e com essa mesma importância chega aofinal do século XX. Não se trata de uma questãoencerrada, de interesse apenas histórico, confinadaao conhecimento dos pesquisadores. O poder équestão atual.

O jogo do poder está na pauta do dia emqualquer lugar do mundo. Partidos disputam ocontrole dos Poderes Legislativo e Executivo. Comoignorar a importância da discussão do poder nosdias de hoje?

Esse poder intrincado na sociedade é algoperfeitamente normal e faz que alguém se rebeleou denuncie. É exatamente o que percebemos nostextos jornalísticos: o grito de um povo oprimido.

Como o poder não é algo que se possui, masalgo que se exerce, que se disputa de modopermanente, não pode alguém acomodar-se eaguardar que os fatos aconteçam. É necessário irem busca do poder, que é distribuído/conquistadoao longo dos eixos das classes sociais, da raça/etnia e do gênero, sendo construído na correlaçãode forças estabelecidas nas relações sociais.

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1- Uma versão bastante modificada desse textofoi publicada em OLIVEIRA, D. P. (Org.). O livroda concentração: o lingüístico e o literário. CampoGrande, MS: Editora UFMS, 2006. p. 45-71.2- Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pelaUniversidade Estadual Paulista (UNESP), campusde Araraquara. Professora da Universidade Federalde Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Coxim.E-mail: [email protected] Ducrot (1988) desenvolveu a teoria da polifoniana perspectiva da semântica da enunciação.Nossa análise insere-se no quadro teórico daanálise do discurso francesa, sob a perspectivada heterogeneidade discursiva abordada porAuthier-Revuz (1990) e Maingueneau (1993).

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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RRRRResumo: esumo: esumo: esumo: esumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre algumas questões concernentes à tradução dialetal. Para iniciaressa discussão, apresento a visão estruturalista, passando a me ater à vertente pós-estruturalista da tradução,especialmente no que diz respeito a seu viés político, relacionado à presença de linguagem não-padrão na literaturatraduzida e ao papel que as editoras exercem no momento de autorizar o uso de dialeto nos textos escritos.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave: chave: chave: chave: chave: tradução dialetal; literatura; política editorial.

Abstract:Abstract:Abstract:Abstract:Abstract: This paper aims to reflect on some theoretical concepts concerning dialectal translation. First of all, Ipresent the structuralism view, attaining myself to the post-structuralism chain in translation studies, especiallyconcerned to the political aspect which is related to the non-standard language presence in the translated literatureas well as to the role of the publishing houses on authorizing the use of dialects in written texts.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywordsKeywords: dialectal translation; literature; editorial politics.

As visões estruturalista e pós-estruturalistaAs visões estruturalista e pós-estruturalistaAs visões estruturalista e pós-estruturalistaAs visões estruturalista e pós-estruturalistaAs visões estruturalista e pós-estruturalistada tradução dialetalda tradução dialetalda tradução dialetalda tradução dialetalda tradução dialetal

Do ponto de vista das concepções tradicionaisde tradução, principalmente as teorias de cunholinguístico, traduzir seria uma atividadesecundária, porque pouco requereria do tradutor.Para ilustrar essa questão, parto da concepção detradução defendida por John Catford (1980, p.22),para quem traduzir seria a “a substituição dematerial textual numa língua (LF) [língua fonte]por material textual equivalente noutra língua (LM)[língua meta]”. Vale ressaltar o emprego do termoequivalente, que, para o autor, é tomado como“sem dúvida, uma palavra chave”, uma vez que“o problema central em prática de traduçãoconsiste em encontrar equivalentes de traduçãoda LM”, cabendo à teoria da tradução “definir anatureza e as condições dessa equivalência” (p.23).Embora o autor explicite sua concepção detradução como equivalência, não define o termoque centraliza sua proposta teórica.

Ao declarar a tradução como substituição dematerial textual de uma língua para outra, o teóricoconcebe o processo tradutório como um ato capazde assegurar a recuperação dos “mesmos”significados do texto original, bem como apreservação de sentidos “presentes” no texto dalíngua de partida.

Nesse contexto, coloca-se em evidência adesvalorização do trabalho do tradutor, o queacabaria por contribuir com a má remuneração

de seu trabalho praticada no mercado e com suainvisibilidade, enquanto profissional, na sociedade.Tem-se aí um total descaso para com a figura dotradutor enquanto sujeito do processo de tradução,já que sua tarefa consiste, sob esse ponto de vista,em apenas reproduzir o que já foi elaborado poroutro sujeito.

Além disso, a traduzir dialetos traria umproblema para os tradutores, na medida em quea tão almejada equivalência não se estabelece,uma vez que as línguas em jogo estão sempremarcadas pela diferença.

As teorias da tradução de cunho pós-estruturalistas, que têm como expoentes RosemaryArrojo (1986, 1992a, 1992b), KanavililRajagopalan (2000), Lawrence Venuti (1986,1992),Stanley Fish (1980), entre outros, como GillianLane-Mercier, que trata especificamente sobre atradução dialetal, redimensionam as questõestratadas pela vertente tradicional de tradução, umavez que partem do princípio de que traduzir éproduzir, e não substituir, resgatar, transferirsignificados.

Pela ótica da reflexão desencadeada pela pós-modernidade, essa busca incessante pelasistematização da tradução é vista como umatentativa ingênua, pois conforme afirma RosemaryArrojo (1992a), “nenhuma operação lingüísticaparece tão avessa a qualquer tentativa desistematização como a tradução mais simples edespretensiosa” (p.78). A proposta do autor abririacaminhos para uma concepção de tradução que

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esperaria a recuperação de significados neutros eestáveis no texto traduzido e negaria a traduçãocomo produto de um sujeito interpretante queconstrói seu objeto de acordo com interesses,circunstâncias e objetivos diversos.

O processo da tradução, na vertente pós-estruturalista, é definido por um “engajamento querequer uma ‘violenta’ produção de significadosestéticos, ideológicos e políticos por parte dotradutor” (LANE-MERCIER, 1997, p.45)

3. O

tradutor produziria significados comprometidospara com normas e valores socialmente impostos,revelando sua responsabilidade na produção desentidos para com a cultura produtora do original,como também seu comprometimento para com ocontexto e com os leitores da língua para a qualse traduz (LANE-MERCIER, 1997).

Ainda na visão da autora, tais significadosindicam, por sua vez, entre outras coisas, aposição do tradutor na estratificação sócio-ideológica de seu contexto cultural, valores,crenças, imagens e atitudes que circundam essecontexto. Indicam, ainda, a interpretação dotradutor do texto de partida e as possibilidadesinterpretativas proporcionadas aos leitores dalíngua de chegada por meio das estratégias edecisões do tradutor.

Observa-se que o papel do tradutor nessaperspectiva torna-se central, pois a tradução seráo produto de sua leitura, ou seja, o resultado desuas escolhas, que incide mais do que em sentidosemântico, mas em significados estéticos,ideológicos e políticos.

Nessa visão, o dialeto não é um problemaque gera a impossibilidade e constrói uma barreirapara a efetivação de uma tradução, mas é parteconstituinte do próprio processo tradutório. Se o“problema” da tradução dialetal reside nasdiferenças de significados entre as línguas, pode-se afirmar que toda e qualquer tradução trazproblemas ao tradutor, na medida em que umasérie de diferenças se instaura no momento de setraduzir de uma língua para outra: diferenças deordem contextual, espacial, temporal, cultural eideológica, independentemente do material textuala ser traduzido. No entanto, esses problemas nãodevem ser encarados como barreiras intransponíveis,que resultariam na impossibilidade tradutória, mascomo elementos que entram em jogo em umatradução, devendo, por isso, serem solucionadosno quadro de uma tradução específica.

AAAAA linguagem não-padrão na li teraturalinguagem não-padrão na li teraturalinguagem não-padrão na li teraturalinguagem não-padrão na li teraturalinguagem não-padrão na li teraturatraduzida e o mercado editorialtraduzida e o mercado editorialtraduzida e o mercado editorialtraduzida e o mercado editorialtraduzida e o mercado editorial

Um ponto bastante importante que surge nessecenário e que interfere diretamente na produçãode significados e, consequentemente, no trabalhodo tradutor, diz respeito à padronização linguísticapraticada pela política editorial, principalmenteaquela praticada no mercado norte-americano.De acordo com Lawrence Venuti (1992, p.4),teórico ítalo-americano de linha neo-marxista, a“estratégia de fluência”, promovida por essemercado, seria caracterizada pelo emprego de“sintaxe linear, sentido único ou ambiguidadecontrolada, uso corrente, consistência lingüística,ritmos conversacionais” e evitaria “construçõesnão idiomáticas, polissemia, arcaísmo, jargão,mudanças bruscas de tom ou dicção, entre outros,qualquer efeito textual, qualquer jogo de significadoque chamem atenção para a materialidade dalinguagem, para palavras enquanto palavras, parasua opacidade, resistência a resposta empática edomínio interpretativo” (p.4). 

Para o autor, subjaz a essa “estratégia defluência, [que] apaga as diferenças linguísticas eculturais do texto estrangeiro” (1992, p.5), umaideologia comprometida com dois valoresburgueses, “o consumismo e o individualismo”(1986, p.188), pois, quanto mais fluente atradução, mais fácil sua leitura, o que favorece oaumento das vendas. Venuti (2001) alerta que apredominância de uma linguagem em consonânciacom a norma também refletiria a posiçãoprivilegiada que determinadas formas adquiririamem uma sociedade, as quais estariam ligadas,principalmente, a instâncias de poder, tal como odialeto padrão em posição de domínio:

Ao circular entre diferentes comunidadesculturais e instituições sociais, essas formasestão posicionadas hierarquicamente, com odialeto padrão em posição de domínio, massujeito a constante variação devido aos dialetosregionais ou dialetos de grupos, jargões, clichêse slogans, inovações estilísticas, palavras adhoc e a pura acumulação dos usos anteriores.Qualquer uso da língua é, dessa maneira, umlugar de relações de poder, uma vez que a língua,em qualquer momento histórico, é umaconjuntura específica de uma forma maiordominando variáveis menores. (p.24-25).

De acordo com Venuti, a estratégia de fluênciaseria a responsável pela invisibilidade do tradutor

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na sociedade, ao passo que a estratégia deresistência evidenciaria a presença do tradutor nostextos que traduz, o que é objeto de crítica de Lane-Mercier. A autora critica a dicotomia proposta porLawrence Venuti (1986) acerca da invisibilidade eda visibilidade do tradutor, trazendo essa reflexãopara o âmbito da tradução dialetal. A respeito dasduas estratégias de tradução concebidas pelo autor,a  estratégia de fluência e a estratégiaestrangeirizadora, que garantiriam, respectivamente,a invisibilidade e a visibilidade do tradutor, Lane-Mercier  argumenta, em relação à estratégia defluência, que um tradutor

que substitui todas as particularidades dossocioletos4 do original com construçõeslingüísticas padronizadas, por exemplo, adota,nos termos de Venuti, uma estratégia fluente,que é essencialmente domesticadora, poiscodifica abertamente o socioleto traduzido paraos valores da língua de chegada, apresentando,desse modo, um nível extremamente alto delegibilidade e de aceitabilidade. (p.58).

Já no que diz respeito à “estratégiaestrangeirizadora”, Lane-Mercier aponta que

um tradutor que se empenha em manter asespecificidades linguísticas e culturais dossocioletos do texto-fonte, utilizando estratégiasde tradução precisas (uso de anacronismos,desvios ou formas marginais de gramática e deconstruções lógicas, destaque daheterogeneidade cultural, da ambivalência oude descontinuidades discursivas) [...] adota umaestratégia de resistência, que pode ser vistacomo estrangeirizadora, pois vai claramentecontra valores estéticos e ideológicosdominantes da língua de chegada (fluência etransparência); esta respeita a diferença do textofonte, apresentando, dessa forma, um grauextremamente alto de não-legibilidade e de não-aceitabilidade. (p.58).

A crítica de Lane-Mercier aos postuladosteóricos de Venuti reside na impossibilidade de seatribuir apenas a uma das duas estratégias, nocaso, a estrangeirizadora, a presença do tradutor,salientando que “ambas as estratégias revelam apresença do sujeito que traduz” (p.58, grifos daautora). O ponto de vista da autora defende que“a dicotomia invisibilidade versus visibilidade deVenuti tem limitada viabilidade teórica, não só noque se refere aos socioletos literários, mas tambémao processo de tradução como um todo” (p.58).

Para a autora, Venuti estaria atribuindo “um valornegativo para a invisibilidade e um valor positivopara a visibilidade” (p.58).

Embora a questão da visibilidade e dainvisibilidade seja levada “às últimasconsequências por Venuti”, sua visão abre espaçopara se refletir sobre as questões mercadológicasque interferem diretamente no trabalho do tradutor,principalmente no que diz respeito à valorizaçãode seu trabalho, tanto do ponto de vista financeiro,quanto no que tange ao papel desempenhado poressa classe na sociedade.

Além disso, e partindo do princípio de que,no caso das traduções publicadas, o trabalho dotradutor está condicionado às políticas e às práticaspor elas exercidas, a filosofia de trabalho daseditoras seria determinante na aceitação ou nãode variação lingüística em seus textos traduzidos.De acordo com as exigências estéticas e literáriasde uma determinada época, o que é determinadopelo contexto histórico, as editoras influenciamdiretamente na escolha dos tradutores, tanto noplano da forma, quanto no do conteúdo. Apreocupação editorial com a adequação dalinguagem da tradução de acordo com o públicoseria um motivo das intervenções no processo deprodução das traduções, exigindo a eliminaçãode expressões julgadas inadequadas paradeterminada faixa etária, ou a supressão de longaspassagens julgadas desinteressantes, além dahomogeneização da linguagem, em consonânciacom as exigências lingüísticas das editoras(LAVOIE, 1996).

Essa questão está bastante presente nocontexto francês, voltado para a tradição do bemescrever, que caracteriza esse polissistema literário,apesar de que, no Brasil, a situação não seja muitodiferente. John Milton (1994) afirma que “talvezsomente nos últimos dez anos [...] é que podemosver que há uma certa mudança na aceitação delinguagem popular na tradução de romancesclássicos” (p.28). Apesar de haver maior aceitaçãodo uso dessa linguagem no mercado editorial, nãose pode dizer que, de uma maneira geral, aseditoras sejam receptivas ao emprego de formasem descompasso com a norma culta. Miltonsalienta que, em muitos romances editados peloClube do Livro, o dialeto das obras originais foitraduzido para o português padrão. De acordocom o autor, a ênfase no conteúdo seria acaracterística desses romances, “importando o quediz a personagem e não como diz” (p.55), como

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se “o dialeto fosse uma simples fachada, umadistração desnecessária para conhecer asverdadeiras qualidades da personagem” (p.56).

O autor aponta algumas razões para o poucouso e, consequentemente, para a não aceitaçãodo emprego de linguagem de “baixo padrão” natradução, tais como

um desenvolvimento tardio de estudos emdialetologia e formas populares no Brasil; umaclasse média dominante com poucas chancesde mobilidade social, limitadas oportunidadeseducacionais e uma diferença enorme entre asvárias classes sociais - os resquícios da culturada escravatura com poucas pessoas não-brancas em posições de influência; um públicoleitor inteiramente da classe média; osresquícios das influências do neo-classicismoda cultura francesa; a falta de uma literaturaproletária [...] e nenhuma tradição do uso deformas populares em romances. (p.27).    

 Dino Preti (1990) também aborda a questão

da aceitação de determinados padrões linguísticosem textos literários. Para o autor, a aceitaçãoobedeceria a determinados critérios, variáveis edependentes de fatores diversos, como os “sócio-culturais, filosóficos, morais e econômicos, etc.”(p.32). O teórico ressalta a crescenteaceitabilidade social, na literatura, de formaslinguísticas pouco privilegiadas como ocoloquialismo, as construções populares e ovocabulário gírio.

De acordo com sua reflexão, a mudança naaceitabilidade desses critérios associa-seàs “épocas mais conflituosas, nos momentos decrise econômica, nos tempos de contestaçãomoral, nas fases de transformações políticas e delutas de classe” (p.32). Preti ainda aponta o usoe a aceitação de formas “menos privilegiadas”na língua oral como um elemento mediador parao uso e a aceitação dessas formas na língua escrita,uma vez que a língua falada é “muito mais suscetívelde motivar variações no critério de aceitabilidadedas pessoas” (p.32), ao passo que a língua escrita,ainda de acordo com o autor, relaciona-se àtradição e a posições conservadoras. De acordocom o autor, “quando qualquer evolução surgenesses critérios é porque ela já se consolidou de hámuito na língua oral” (p.32).

Apesar de haver uma tentativa de se levarpara a escrita a riqueza do dialeto, há de seconsiderar que compromisso autoral com alegibilidade e a inteligibilidade da obra baliza as

escolhas tanto de autores como de tradutores,havendo, de modo geral, “uma quantidadelimitada de marcas socioletais cuidadosamenteselecionadas, a fim de assegurar a inteligibilidadee a legibilidade dos diálogos” (LANE-MERCIER,1997, p.46). Esse compromisso com a legibilidadedas obras inibirá, de acordo com Ives (1950,1955), o retrato de um tipo de fala. “Portanto,todo dialeto literário será necessariamente umretrato parcial e artificial de uma fala real”, nãopodendo ser considerado autêntico

5.

Independentemente de não se retratar alinguagem não-padrão na literatura de formaautêntica e fiel, o que está em jogo seriam maisdo que questões de ordem linguística, mas sim deordem política, social e ideológica, subjacentesao uso de linguagem não-padrão nos textosescritos. Segundo Lane-Mercier (1997), a partirdo momento em que se dá visibilidade aoplurilingüismo, que romperia com e invalidaria asuposta unidade de línguas nacionais e deideologias dominantes, perturbando a supostaunidade do discurso narrativo, introduzindorupturas discursivas e descontinuidades que“imitam” ou transformam os fenômenos lingüísticoe social do mundo real, o leitor é confrontadocom uma variedade de vozes socialmentedeterminadas e de possibilidades interpretativas,o que, conseqüentemente, desloca aspreocupações lingüísticas para o âmbitodiscursivo. E essas vozes, lingüisticamentemarcadas, acabam por construir significadosdependentes das circunstâncias em que esses textoscirculam e com os propósitos a que servem.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Diante das variáveis que incidem no atotradutório, não se pode conceber a tradução comoum produto neutro, imune ao contexto histórico,às ideologias que circundam esse contexto e queinterferem no trabalho do tradutor. Assim, umavez que a tradução será o produto de uma leituracomprometida com essas questões, o processotradutório pode ser comparado a um palimpsesto.Definido por Arrojo (1992a, p.23-24) como “otexto que se apaga, em cada comunidade culturae em cada época, para dar lugar a outra escritura(ou interpretação, ou leitura, ou tradução) do‘mesmo’ texto’”, o texto traduzido reflete ocomprometimento do tradutor com a comunidadeinterpretativa (FISH, 1980) para a qual o romance

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é dirigido e que, consequentemente, permite outraspossibilidades de leitura diferentes daquelasassociadas ao texto original.

A significação de um texto é construídasomente por meio de uma leitura e, desse modo,sentidos ao texto original são atribuídos, e nãoresgatados, na tradução. O ideal de preservaçãodos “mesmos” significados de um texto gera aimpossibilidade da realização de uma tradução,pois uma tradução que busca os “mesmos”significados, quer no semântico, quer no nívelcontextual, do texto de origem, é irrealizável.

1- Texto apresentado na I Jornada do CEPEL,realizada em 2007, em Cáceres, MT, na mesa-redonda intitulada Língua, norma e instituição.2- Mestre em Estudos Linguísticos pelaUniversidade Estadual Paulista (UNESP), campusde São José do Rio Preto. Professora daUniversidade do Estado de Mato Grosso(UNEMAT), campus de Alto Araguaia. E-mail:[email protected] Tradução minha, bem como as demais, quandonão há edição disponível em português.4- De acordo com Annick Chapdelaine e GillianLane-Mercier (1994), o conceito de dialeto “funda-se sobre critérios mais especificamente geográficos”(p.7), ao passo que o termo socioleto seria de“uso recente” e designaria, em sociolingüística,“toda linguagem própria a um (sub)grupo socialdeterminado” (p.7). No entanto, apesar de essasautoras fazerem uma distinção entre socioleto edialeto, reconhecem que há uma relação entreeles, uma vez que concebem o socioleto “comoum termo genérico que recobriria aqueles [dialeto,idioleto, tecnoleto] mais específicos, pois fundadossobre um conjunto mais restrito de parâmetros”,ao passo que o termo dialeto abrangeria “asdeterminações geográficas [que] implicam, emgeral, determinações sócio-culturais” (p.8).5- Não há como representar um dialeto naliteratura porque não se pode conceber a línguaescrita como representação direta da língua falada.Dessa forma, é ilusório pensar que, em algum nível,a escrita representaria a fala, mesmo no caso deescritores que pretendem retratar, em suas obras,a língua falada de seu tempo. O que de fato ocorre,conforme apontam Dino Preti (2000) e HudinilsonUrbano (2000), é uma tentativa de se levar à línguaescrita a “realidade” da língua falada.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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RRRRResumo: esumo: esumo: esumo: esumo: Este texto tem por objetivo discutir, à luz de teorias sociointeracionistas, as condições de produção de textosescritos no nível médio. Para isso, assisti a aulas de Redação no período de três meses para observar a práticapedagógica do professor durante o trabalho com a escrita em sala de aula. O corpus de análise, neste artigo, consisteem três textos produzidos nas aulas de redação, bem como os procedimentos pedagógicos adotados pelo professor.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave:chave:chave:chave:chave: língua materna; condições de produção; ensino; escrita.

Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: Abstract: This study aims to discuss the conditions of production of texts produced in high school by the light of thesocio-interactive theories. For this, I have attended classes in writing within a period of three months to observe theteacher’s pedagogical practice with written work in class. The corpus of this analysis, in this article, consists of threetexts produced during these classes, as well as the pedagogical procedures adopted by the teacher.

KKKKKeywords:eywords:eywords:eywords:eywords: Portuguese language, conditions of production, teaching, writing.

Considerações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciaisConsiderações iniciais

São muitas as reclamações dos professoresde língua portuguesa com relação ao trabalho deprodução de textos na escola. Um dos motivos,segundo eles, é a falta de interesse dos alunospara escrever. Diante disso, realizei uma pesquisanuma turma do 2º ano do ensino médio de umaescola pública de Tangará da Serra-MT, com oobjetivo de investigar as condições de produçãopresentes nas aulas em que o professor desenvolveo trabalho com a escrita

2. Durante três meses assisti

apenas às aulas de Redação, momento emdirecionei minha atenção para o “antes”, o“durante” e o “depois” dessa atividade. Nesseperíodo, observei apenas duas aulas de redaçãoe, uma delas, serviu como corpus de análise nesteartigo. Então, para subsidiar o meu estudo acercadeste trabalho, apresento a seguir algumasdiscussões à luz de teorias sociointeracionistas, queconsidero fundamentais para a minha análise.

A interação na escritaA interação na escritaA interação na escritaA interação na escritaA interação na escrita

Para se desenvolver um ensino-aprendizagemsignificativa de produção de texto é precisotrabalhar a linguagem dentro de um espaço emque seja possibilitada a interação entre os sujeitos.E essa interação só é possível quando seoportuniza ao aluno estabelecer uma relaçãodialógica com o interlocutor num determinadocontexto de produção. A interação inicia-se quando

a palavra é dirigida a um interlocutor real distinto,conforme o grupo social a que pertence, aos laçossociais e outras circunstâncias a que está exposto.A palavra, segundo Bakhtin/Volochinov (1999,p.112), “produto da interação entre dois indivíduossocialmente organizados”, é a enunciação.

Se a palavra constitui o produto de interaçãoentre locutor e interlocutor, ela é o território comumentre ambos. É a partir dessa concepção delinguagem bahktiniana que nasce uma dascategorias básicas de seu pensamento, odialogismo. Por isso, o autor esclarece que odiálogo é uma das formas mais importantes dainteração verbal, caracterizado não apenas comocomunicação em voz alta de pessoas face a face,mas toda comunicação verbal, de todo tipo, comoo livro, ato de fala impresso e objeto de discussõesativas sob a forma de diálogo.

Garcez (1998, p. 52), em seu livro A escrita eo outro, num diálogo entre Bakhtin e Vygotsky,destaca que

o diálogo precede a fala monologizada, ou seja,a fala externa, comunicativa, para o outro, é amatriz de significações da fala para si, a qualestá a serviço da orientação mental, dacompreensão consciente e permite odesenvolvimento da imaginação, organização,memória, vontade.

Nesse sentido, a autora reafirma as ideias deBakhtin (1999), pois, segundo ele, é a expressãoque é responsável por organizar e modelar a

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atividade mental. “A expressão comporta, portanto,duas facetas: o conteúdo (interior) e suaobjetivação exterior para outrem ou também parasi mesmo)” (1999, p.112).

O discurso, então, é dialógico, pelo fato deque ele se constrói entre, pelo menos, doisinterlocutores que, por sua vez, são seres sociais,pois estabelecem relações com outros discursosque configuram uma sociedade, uma comunidade,uma cultura. A linguagem é, portanto,essencialmente dialógica e complexa, pois nelase imprimem historicamente, e pelo uso, asrelações dialógicas dos discursos.

É importante destacar, novamente, nessecontexto, as palavras de Garcez sobre a noçãode discurso, esclarecendo que:

a) É dialógico porque a enunciação tem umaorientação social, é orientada para o outro e épor ele determinada;

b) É dialógico porque sua compreensãodepende da formulação ativa de resposta, decontrapalavras;

c) É dialógico porque é essencialmentepolifônico.

Nesse sentido, a autora reafirma as ideias deBakhtin, ao caracterizar o discurso comoessencialmente dialógico, uma vez que a linguagemtem caráter interativo e só pode ser compreendidaa partir de sua natureza sócio-histórica, ou seja,constrói-se no contexto em que se realiza, refletindoas ideologias que aí circulam. Do ponto de vistade Bakhtin/Volochinov (1999), toda interação édialógica e faz parte de um processo contínuo decomunicação, que se materializa por meio depalavras. A linguagem vive da comunicação, dodiálogo e faz parte da vida cotidiana e dasatividades práticas do homem. A comunicação seefetiva através da reciprocidade, da dialogia e, porseu intermédio, o homem se encontra em fronteiracom o outro. Não é apenas uma relação linear deemissor para receptor, mas uma interação em queo sujeito, por meio do outro, toma consciência desi mesmo e se transforma. É nessa relação com ooutro, em enunciações harmônicas e contraditórias,que o homem se constitui. Bakhtin/Volochinov(1999, p. 145) assim considera o diálogo: “Aunidade real da língua que é realizada na fala nãoé a enunciação monológica individual e isolada,mas a interação de pelo menos duas enunciações,isto é, o diálogo”.

O diálogo é, então, uma das mais importantesformas de interação, ou seja, toda comunicação,

seja oral ou escrita, está inserida numa relaçãodialógica contínua. É nessa relação dialógica entreos sujeitos e na produção e interpretação dos textosque a significação da palavra, o sentido do textoe os próprios sujeitos se constroem.

Por isso, a importância de se adotar umaconcepção interacionista para o ensino-aprendizagem de língua materna, especialmente,para o ensino de produção textual. A linguagem,como espaço de interlocução, permite ao sujeitocompreender o mundo, agir sobre ele. Somente pormeio da interlocução será possível devolver a falaao sujeito e, possivelmente, a constituição do sujeito.

A concepção interacionista reconhece, pois,um sujeito que é ativo em sua produção linguística.Assim, o texto, foco de investigação, ganha valorse inserido num real processo de interlocução, ouseja, só faz sentido quando o que se escreve etodas as suas qualificações estão direcionadas parao outro. É apenas nessa circunstância, de efetivainteração, que o aluno pode tornar-se sujeito doque diz, pois é nesse espaço de diálogo que, deacordo com Geraldi (1997), constituem-se ossujeitos e a linguagem.

Em se tratando do ensino-aprendizagem daprodução de textos, o aluno precisa trilhar porum caminho que lhe permita dialogar por meioda linguagem num significativo espaço deinteração. Para tanto, é importante que o aluno,no papel de produtor de texto, leve em conta ascondições de produção.

As condições de produção textualAs condições de produção textualAs condições de produção textualAs condições de produção textualAs condições de produção textual

Ao conceber a linguagem como forma deinteração, entendo que a produção de um discursonão acontece no vazio; para tanto, devo levar emconta a situação e as condições de produção.São condições que Bronckart (1999) define comocontexto de produção, que, segundo ele, podeexercer influência fundamental na forma como otexto é organizado. Para o autor, essas condiçõesestão reagrupadas em dois conjuntos: o primeirorefere-se ao mundo físico e o segundo, ao mundosocial e ao subjetivo.

No contexto físico estão presentes quatroparâmetros, assim caracterizados pelo autor:

- O lugar de produção: é o lugar físico ondeo texto é produzido;

- O momento de produção: tempo em que otexto é produzido;

- O emissor: a pessoa que produz o texto,

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seja na modalidade oral ou escrita;- O receptor: a pessoa que pode receber

concretamente o texto.No segundo plano, em que a produção de

todo texto decorre da interação comunicativa, estãoo mundo social (normas, valores, regras) e omundo subjetivo (imagem que o agente expõe desi). É um contexto que Bronckart (1999) apresentadividido em quatro parâmetros principais:

- O lugar social: onde e em que modo deinteração o texto é produzido: escola, família, mídia,interação comercial, interação informal, etc;

- A posição social do emissor: é o papel socialque o emissor desempenha na interação, nomomento de produção: papel de professor, de pai,de amigo, de superior, etc;

- A posição social do receptor: qual é o seupapel? De aluno, de criança, de colega, de pai,de subordinado?

- O objetivo(s) da interação: que efeitos o textopode produzir no seu destinatário, do ponto devista do enunciador?

Bronckart faz uma importante distinção entreestatuto de emissor e receptor (organismo queproduz ou recebe um texto), do estatuto deenunciador e de destinatário (papel socialassumido, respectivamente, pelo emissor e peloreceptor). Veja que um mesmo emissor podeproduzir um texto exercendo deferentes funçõessociais: de pai, ou de aluno, ou de professor, oude colega, entre outras. Ao desempenhar umdeterminado papel social, o emissor adquire oestatuto de enunciador, e, para o autor,

[...] a noção de enunciador designa aspropriedades sociosubjetivas do autor, do modocomo podem ser apreendidas por uma análiseexterna de sua situação de ação. Entretanto, háuma outra acepção do mesmo termo (cf. Ducrot,1984), que provém de uma análise daspropriedades, não da situação de ação, mas dotexto efetivamente produzido, e que se relacionacom as diferentes vozes que neles são postas emcena (Quem “fala” no texto? Quem é oresponsável pelo que é expresso?). (1999, p. 95).

Num texto pode estar presente umamultiplicidade de vozes, a polifonia. E, paraexplicá-la, Ducrot introduziu o conceito deenunciador, esclarece Bronckart. Todo esseconjunto de parâmetros que constitui o contextode produção postulado por Bronckart deve serconsiderado pelo professor ao desenvolver otrabalho de produção de textos em sala de aula.

Em seu livro Portos de Passagem, Geraldi(1997) também apresenta alguns aspectosfundamentais para a produção de texto, ascondições de produção. Segundo o autor, paraproduzir um texto, em qualquer modalidade, épreciso que:

a) Se tenha o que dizer;b) Se tenha uma razão para dizer o que se

tem a dizer;c) Se tenha para quem dizer o que se tem a

dizer;d) O locutor se constitua como tal, enquanto

sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, naimagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo);

e) Se escolham as estratégias para realizar (a),(b), (c) e (d).

Para se produzir um texto, levando emconsideração as condições propostas por Geraldi,cabe ao professor oferecer ao aluno situaçõesadequadas de produção, permitindo-lheempenhar-se na realização consciente de umtrabalho linguístico que realmente tenha sentidopara si, e isso só é possível à medida que aatividade de produção textual tenha objetivosclaros e bem definidos. É necessário que o alunopossa sentir que de fato está produzindo para uminterlocutor (que não seja apenas o professor),eliminando a exclusividade das situações artificiaisda produção escrita tão presentes no meio escolar.

Análise do corpusAnálise do corpusAnálise do corpusAnálise do corpusAnálise do corpus

O professor começa a aula fazendo a leiturade um texto descritivo que faz parte do livroutilizado como material de apoio nas aulas deRedação, denominado “Técnicas de Redação”,de Branca Granatic, transcrito a seguir:

Descrição de TDescrição de TDescrição de TDescrição de TDescrição de Tancredo Nevesancredo Nevesancredo Nevesancredo Nevesancredo Neves

Qualquer pessoa que o visse, quer pessoalmenteou através dos meios de comunicação, era logolevada a sentir que dele emanava uma serenidadee autoconfiança próprias daqueles que vivem comsabedoria e dignidade.De baixa estatura, magro, calvo, tinha a idadede um pai que cada pessoa gostaria de ter e dequem a nação tanto precisava naquele momentode desamparo. Seus olhos oblíquos e castanhostransmitiam confiança. O nariz levementearrebitado e os lábios finos, em meio ao rostoarredondado, traçavam o perfil de alguém quesentíamos ter conhecido durante a vida inteira.Sua voz era doce e ao mesmo tempo dura. Falava

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e vestia-se como um estadista, Era um estadista.Sua característica mais marcante foi, semdúvida, a ponderação na análise dos problemaspolíticos e sócio-econômicos. Respeitado emtodo o mundo pela condição de líderpreocupado com o destino das futurasgerações, de conhecedor profundo dasquestões deste país, colocava sempre o espíritocomunitário acima dos interesses individuais.Seu grande sonho foi provavelmente o de pôrtoda a sua capacidade a serviço da naçãobrasileira, tão ameaçada pelas adversidadeseconômicas e tão abandonada, como semprefora, por aqueles que se diziam seusrepresentantes.Verdadeiro exemplo de homem público ficarápara sempre na memória dos seuscontemporâneos e no registro histórico dosgrandes vultos nacionais. (1988, p. 46).

Após a leitura, o professor explicou passo apasso cada parágrafo, destacando a introdução,o desenvolvimento e a conclusão do texto. A formasobressai ao conteúdo, pois há uma maiorpreocupação com a estruturação do texto, exigindoque os alunos sigam fielmente o modelo propostopara escreverem seus textos: “Se o texto de vocêsnão apresentarem o mesmo número de parágrafos,não valerá nota, hein!” Veja que a preocupaçãomaior da professora recai sobre a delimitação donúmero de parágrafos do texto, requisito puramenteformal que se limita a seguir um modeloapresentado por um manual de técnicas deredação. O professor também poderia terexplorado, nesse momento, a linguagemdescritiva, o emprego e a função dos adjetivos, acarga semântica dessas palavras no texto. Quemé o personagem descrito? Aqui há a oportunidadede se explorar os conhecimentos prévios dosalunos, conhecimento de mundo, enfim, ir alémdo aspecto formal do texto. Mas a preparaçãoprévia restringiu-se à mera leitura superficial dotexto, priorizando, mais uma vez, a forma emdetrimento do conteúdo.

Depois dessa etapa, foi apresentada a seguinteproposta: “Produza um texto descritivo sobre“Produza um texto descritivo sobre“Produza um texto descritivo sobre“Produza um texto descritivo sobre“Produza um texto descritivo sobreum professor que tenha marcado a suaum professor que tenha marcado a suaum professor que tenha marcado a suaum professor que tenha marcado a suaum professor que tenha marcado a suavidavidavidavidavida”.”.”.”.”. “O texto tem que ser produzido na sala deaula, pois levarei para corrigir. Valerá nota”, dizo professor.

A partir do comando de produçãoapresentado, destaquei os seguintes fatores:

- Apego à tipologia tradicional, no caso adescritiva;

- Professor como único interlocutor do aluno;- Atividade essencialmente escolar, já que o

texto é para ser avaliado;- Ausência de condições significativas de

produção.Na fala do professor, ficou clara a cobrança

da produção de texto exclusivamente para aescola, pois o objetivo de se escrever o texto erapara ser avaliado. Não há um objetivo significativopara os alunos escreverem; a língua, nesseaspecto, não está sendo trabalhada como práticasocial, uma vez que os alunos estão fazendo umtexto porque o professor pediu e que seráposteriormente avaliado.

Antes de os alunos iniciarem a atividade foramalertados para que tivessem bastante cuidado comas questões de ortografia, acentuação epontuação. Outra exigência, também, foi quantoao emprego da linguagem culta; o professoralertou para não usarem gírias, abreviações e neminventarem palavras no texto. Outra variantelinguística não é considerada, sendo a padrão aúnica forma aceita.

Após essas recomendações, cada alunopassou a escrever seu texto, e o que observei éque havia certa preocupação por parte deles emseguir o modelo preestabelecido. Nesta fase nãohouve intervenção do professor, que apenasaguardou a conclusão da atividade. Os textos sãolevados para casa para a correção, porque asturmas são numerosas, o que dificulta o trabalhode correção em sala de aula. Quanto à avaliaçãodos textos, os aspectos priorizados são questõesde ortografia e concordância. Após a correção,os textos são devolvidos aos alunos, comrecomendações àqueles que apresentaram maisproblemas referentes a esses aspectos, para quesejam superados nas próximas produções.

TTTTTextos produzidos nesta aulaextos produzidos nesta aulaextos produzidos nesta aulaextos produzidos nesta aulaextos produzidos nesta aula

TTTTTexto 1: exto 1: exto 1: exto 1: exto 1: Quando o ano iniciou, sabia queseria muito bom e importante, afinal, o segundoano deve ser levado bem a sério, pois ovestibular se aproxima. Sabia também que teriaum novo quadro de professores, de todos ostamanhos, idades, estilos de vestir, de ensinar eviver, mas nenhum tão simpático e especial comoele, o Joaci.É um pouco baixo e possui um físico ideal paraquem não está mais na flor da idade, mas seuespírito é bastante jovem. Seus olhos sãocastanhos e se protegem atrás de seus óculos.Sua pele é um tanto queimada. Isso prova que

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não tem medo do trabalho, mesmo debaixo dosol. Seus cabelos, barba, bigode esombrancelhas já estão esbranquiçadas, estãosempre desalinhados dando um forte ar dedesleixo. Seus lábios, não faço idéia de comosejam, pois a barba e o bigode os tampam.Veste sem luxos e não se importa comcombinações, suas botas estão sempre sujas.A voz é firme e impõe respeito. Ele lembraEinstein.É um ótimo educador. Ele sabe como atingir oaluno e faze-lo entender, não só sua matéria, afísica, mas questões que todo jovem precisasaber. Mostra ser um bom pai e deixa para nósum ótimo exemplo de quem lutou para ver seusfilhos bem sucedidos, não só no trabalho masna sua vida. Sabe como e quando fazer o que écerto a fim de influenciar e ensinar. Não temtempo ruim para ele. Está sempre pronto edisposto a fazer o que mais gosta, e a meu ver,é o que lhe dá vida, que o sustenta, que éensinar, seu maior dom.Com certeza quem passa por ele não oesquecerá com facilidade, pois professores tãoespeciais, inteligentes e amigos como este, nãose encontra com facilidade. Para mim foi umpresente tê-lo como professor.

Prof. Joaci

TTTTTexto 2:exto 2:exto 2:exto 2:exto 2: Toda segunda, lá está ela. Com seujeito direto e comunicativo, entra na saladisposta a aumentar os nossos conhecimentosda melhor forma que um professor pode fazer.Pode não parecer, mas naquela estatura medianade 1,65 cm, se esconde uma grande mulher.Com seus 65 kg muito bem distribuídos epostura elegante, eleva o valor e a importânciade sua profissão como de nenhuma outra nomercado de trabalho. Seus cabelos onduladose escuros, pele morena e beleza rústica, intimidaa todos que a cercam. Com lábios grossos,nariz curto e voz macia, que nos influencia noque diz, torna mais fácil o aprender.Com uma família sólida e estruturada, elademonstra isso nos tratos com os alunos. Seusdois filhos Renan e Renato, Expressam na suaconduta a boa educação que receberam. Éequilibrada e razoável, demonstra um espíritojovem deixando todos com que ela trabalha àvontade.Com uma vida escolar estável e bem-sucedida,Marly é considerada modelo para os alunos.Ela faz o ato de ensinar uma arte!

Tieno – 2º B

TTTTTexto 3:exto 3:exto 3:exto 3:exto 3: Conheci este ano, quando a vi logopensei, ela deve ser muito inteligente e muitoresponsável com suas atitudes, uma pessoa

serena que consegue ter domínio sob a classe,afinal não é fácil.Uma educadora, uma profissional dedicada,seus olhos pretos transmitem ar de confiança erespeito, seus cabelos são curtos e negros, seunariz levemente arredondado e os lábios finosrealçam suas palavras.Uma pessoa inteligente, bem distinta e antes detudo educada com seus alunos, sempre disposta apassar conhecimento que possui, uma profissionalque exerce com competência o que faz.Pelo pouco que a conheço já pude perceberque é capaz de alcançar seus objetivos por serperseverante e dinâmica no trabalho quedesenvolve, para que dessa forma haja ummelhor aprendizado por parte dos educandos.

Greciele – 2º B

Analisando os textosAnalisando os textosAnalisando os textosAnalisando os textosAnalisando os textos

Para a análise dos textos acima, tomarei porbase as condições de produção apresentadas porGeraldi (1997) em seu livro Portos de passagem,assim relacionadas:

1. O que dizer: conteúdo e as informaçõescontidas no texto;

2. Razão para dizer: motivo para dizer algo;3. Para quem dizer: quem é o interlocutor do

aluno;4. O aluno, sujeito do que diz;5. Estratégias utilizadas.

Qual o conteúdo e as informações presentesQual o conteúdo e as informações presentesQual o conteúdo e as informações presentesQual o conteúdo e as informações presentesQual o conteúdo e as informações presentesno texto?no texto?no texto?no texto?no texto?

Nos textos analisados, percebe-se claramenteque os alunos foram induzidos a cumprir uma tarefaimposta pelo professor, ou seja, dizer algo a partirde uma orientação de um manual de redação.Portanto, é um dizer artificial, fruto de um trabalhode reprodução. Ao se propor que os alunosescrevessem a partir de um esquema, obedecendoàs determinações, como: o mesmo número deparágrafos do texto modelo, o emprego de umaúnica variedade de língua, no caso a padrão, oprofessor anulou o caráter discursivo da linguagem.

Observe alguns exemplos dos textos em que oconteúdo e as informações fornecidas pelos alunossão homogêneas, reproduções do texto original:

TTTTTexto 1:exto 1:exto 1:exto 1:exto 1: “Veste sem luxos e não se importacom combinações, suas botas estão sempresujas. A voz é firme e impõe respeito. Ele lembraEinstein”.

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TTTTTexto 2:exto 2:exto 2:exto 2:exto 2: “Seus cabelos ondulados e escuros,pele morena e beleza rústica, intimida a todosque a cercam. Com lábios grossos, nariz curtoe voz macia, que nos influencia no que diz,torna mais fácil o aprender”.

TTTTTexto 3:exto 3:exto 3:exto 3:exto 3: “Uma educadora, uma profissionaldedicada, seus olhos pretos transmitem ar deconfiança e respeito, seus cabelos são curtos enegros, seu nariz levemente arredondado e oslábios finos realçam suas palavras”.

A homogeneidade dos textos revela que ametodologia utilizada não oportunizou aos alunosa produção de um texto original e criativo. Issoaconteceu porque o trabalho de redação ficouvinculado à orientação de um manual de técnicasa que o professor ficou submetido.

Que razão ou motivo o aluno tem paraQue razão ou motivo o aluno tem paraQue razão ou motivo o aluno tem paraQue razão ou motivo o aluno tem paraQue razão ou motivo o aluno tem paraescrever?escrever?escrever?escrever?escrever?

Com base no conjunto de textos apresentados,posso afirmar que os alunos escreveram porque:

a) O texto valia nota;b) Tiveram de cumprir uma tarefa “imposta”;c) Deveriam mostrar ao professor que sabem

descrever.A partir do momento em que o aluno

reproduziu um discurso já efetivado, ele deixoude ser sujeito de sua produção escrita, pois nãoteve um objetivo ou um motivo real para seexpressar. Se ele não tem de fato o que dizer,consequentemente, não terá uma razãosignificativa para tal, embora a situação proponhaque ele fale de alguém de quem goste muito. Vejaque as razões que os alunos tiveram para escreverficaram presas ao cumprimento de uma tarefaimposta pelo professor que irá avaliá-lo.

PPPPPara quem o aluno escreveu?ara quem o aluno escreveu?ara quem o aluno escreveu?ara quem o aluno escreveu?ara quem o aluno escreveu?

Embora, como já disse antes, o aluno tenhaa incumbência de descrever alguém de quem elegoste, o professor que o mais marcou, não é ele oseu interlocutor. O aluno não está escrevendo oseu texto para ele, mas para o professor da salaque irá julgá-lo e avaliá-lo, atribuindo-lhe umanota. O professor é o único destinatário do texto.E quando o aluno escreve apenas para cumpriruma tarefa escolar, anula-se o caráter dialógicoda linguagem, não há interação. Ele não escreveupara um interlocutor real, com quem poderiaestabelecer um diálogo, mas para um interlocutorque será avaliador de seu texto. Por isso, cumpre

sua tarefa apenas para agradar ao professor,procurando responder às expectativas dele.

O aluno é sujeito de suas palavras?O aluno é sujeito de suas palavras?O aluno é sujeito de suas palavras?O aluno é sujeito de suas palavras?O aluno é sujeito de suas palavras?

Se o aluno reproduz um discurso já efetivadoem algum lugar, é evidente que ele não seconstituiu como sujeito do seu dizer. Nas situaçõesdescritas ficou bem claro que o aluno écondicionado a escrever dentro dos padrõestradicionais da escola, dirigido pelo professor, quedita as ordens, como:

- O texto deverá ser escrito na sala de aula;- Valerá nota;- Deverá ser escrito na linguagem formal;- O número de parágrafos deve ser o mesmo

do texto original.Para Geraldi (1997), o aluno não se

constituirá como sujeito apenas quando reproduzo que já foi dito, mas quando se “comprometecom o que diz”. No caso dos textos analisados,pude confirmar que realmente o aluno não é sujeitoefetivo de sua produção, já que ele apenasreproduziu um modelo preestabelecido.

E as estratégias utilizadas, quais foram?E as estratégias utilizadas, quais foram?E as estratégias utilizadas, quais foram?E as estratégias utilizadas, quais foram?E as estratégias utilizadas, quais foram?

Os três textos analisados revelaram-me que nãoforam consideradas as condições de produçãopostuladas por Geraldi (1997). Portanto, a escolhadas estratégias também fica comprometida, “poiselas são selecionadas ou construídas em funçãotanto do que se tem a dizer quanto das razões paradizer a quem se diz” (GERALDI, 1997, p. 164).

Considerando, então, que a produção textualfoi trabalhada sem que se privilegiasse suafuncionalidade, sem levar em conta as condiçõesde produção, ou seja, um assunto significativopara escrever, uma razão para escrever e uminterlocutor definido, consequentemente asestratégias utilizadas pelos alunos foram artificiais,uma vez que o processo também foi artificial. Issodemonstra que a concepção de linguagem doprofessor, que é tradicional, reflete-se,sobremaneira, nas ações dos alunos, em sala deaula. Eles devolvem à escola o que aprenderam,pois é dessa maneira que eles sabem escrever. Oprofessor ensinou assim.

Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

O quadro revelado pela pesquisa permite-meafirmar que o professor, ao desenvolver o trabalho

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pedagógico com a produção textual escrita, nãoconsidera as condições de produção. Com isso,anula-se o caráter interativo da escrita,descaracterizando-a como prática comunicativa.Os textos, quando produzidos, são objeto deavaliação do professor, que os “corrige”,atribuindo-lhes uma nota, prática esta que éutilizada como condição para que os alunosescrevam. É uma situação marcada peloartificialismo, pois é negado ao aluno constituir-se como sujeito de sua própria escrita. Essaconduta metodológica não desenvolve acompetência comunicativa escrita dos alunos, jáque o professor coloca-se como único interlocutordesse processo, unicamente com o objetivo deavaliar os textos produzidos. Esse tipo de práticanão se constitui em um espaço dialógico para aprodução de sentidos, já que transforma os textosnum produto pronto e acabado.

Outro fato constatado é o de que não há umtrabalho de reescrita dos textos em sala de aula,pois o professor leva-os para serem corrigidos emcasa e já os devolve com uma nota atribuída e ascorreções já marcadas no texto, e, quando muito,realiza-se um trabalho de reestruturação coletiva.De acordo com o professor, o trabalho de reescritanão acontece devido ao grande número de alunospor turma. A produção de textos não é vista comoprocesso pelo professor, pois não há preocupaçãoem mostrar ao aluno que essa atividade é umtrabalho e exige planejamento, o que inclui,também, releituras e revisão.

Isso demonstra claramente que o aluno produztextos para a escola, dentro de padrõespreviamente estabelecidos, em que o seu texto seráavaliado pelo professor que não estabelece comele nenhuma relação interlocutiva.

Acredito que a produção de texto no contextoescolar só se efetivará mediante um trabalhopedagógico que leve em consideração ascondições de produção. Essa pesquisa realmenteme revelou um quadro preocupante, pois apesardo novo enfoque dado pelos PCNs ao ensino delíngua materna e as muitas pesquisas sobre aprodução textual escrita voltadas para umaperspectiva interacionista da linguagem, a escolaainda continua praticando um ensino tradicional.E, no nível médio, a situação é ainda pior, porqueem vez de formador, temos um curso preparatóriode alunos para o vestibular, e, diga-se depassagem, que prepara mal. A análise do trabalhopedagógico do professor permite-me afirmar que

a concepção tradicional de linguagem subjaz àsua prática em sala de aula, uma vez que a escritanão é trabalhada como uma prática social e énegado ao aluno o caráter dialógico da escrita.Os textos são produto de uma atividade redacionalde escrita que têm como objetivo principal servirde leitura para o professor “avaliar” e atribuir nota.De fato, posso afirmar, concordando com Geraldi(1997), que os alunos produzem, ou melhor,escrevem textos para a escola, para um interlocutor– avaliador, o professor.

Em algumas situações, os alunos reproduzemum discurso já efetivado num manual de técnicas deredação, direcionados também pelo professor quedita regras, num processo artificial de escrita, emque se nega o papel de sujeito produtor ao aluno.Noutro momento, o livro didático é o único materialde apoio que orienta o trabalho de escrita em salade aula, tendo o professor como o seu porta-voz.

E para uma melhor compreensão do que estouafirmando, destaquei os seguintes aspectos, apósas análises realizadas:

- O professor privilegia a forma em detrimentoao conteúdo;

- Os comandos para a produção dos textosbaseia-se em um manual de técnicas de redação;

- Não há atividade prévia à produção escrita;- Não há trabalho de reescritura dos textos,

visto que o professor os corrige em casa;- Os únicos destinatários dos textos dos alunos

são os professores;- Os textos são frutos de uma atividade de

reprodução;- A escrita não é vista como prática social;- O aluno não se constitui como sujeito de

suas palavras;- O trabalho pedagógico desenvolvido não

contribui para desenvolver a competênciacomunicativa escrita dos alunos;

- Não há espaço para a produção dos gênerostextuais;

- A tipologia tradicional é a mais privilegiada;- O texto é um produto para avaliação;- A produção escrita não é considerada como

trabalho;- As condições de produção presentes são

características da redação escolar;- A concepção de linguagem “como

instrumento de comunicação” ainda permeia oensino-aprendizagem em sala de aula.

E se de fato quisermos mudar esse quadro eajudar nossos alunos a desenvolver a habilidade

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para o uso da escrita, temos que trilhar novoscaminhos, deixando de lado essa concepçãotradicional de escrita e passar a conceber a línguacomo uma forma de interação entre sujeitos, para,a partir daí, planejarmos nossas açõespedagógicas, dando espaço para um ensinoprodutivo. É necessário que o professor passe aolhar a produção escrita do aluno, não somenteatento para a linearidade do texto, mas no sentidode buscar ver o significado e as formas deconstrução desse significado.

Mas, para que isso aconteça, “o aluno deveser considerado como um produtor de textos,aquele que pode ser entendido pelos textos queproduz e que o constituem como ser humano”.(BRASIL, 1999, p.139). O aluno deve ser sujeitode seu discurso, aquele que interage por meio deseus textos e utiliza a escrita como uma práticasocial em suas diferentes situações de uso.

A metodologia utilizada pelo professor nãocontribui para o desenvolvimento da capacidadecomunicativa escrita dos alunos. As situaçõespedagógicas em que estão envolvidos não osoportunizam a aquisição e o desenvolvimento dashabilidades de produção de textos como práticasocial, visto que os textos “produzidos” são frutosde situações artificiais. Com isso, posso afirmar,também, que não houve produção de texto, e sim,redação. As condições de produção,caracterizadas nos textos, não estão inseridas numprocesso de relação interlocutiva real. Elas sãoartificiais, portanto, configuram-se comocondições de produção típicas da redação escolar,uma vez que o aluno “escreve para o professor”,“escreve porque o professor solicitou”, “escreveporque o seu texto valerá nota”.

A prática pedagógica dos professores retratauma concepção tradicional de ensino, da qualemerge a concepção de linguagem “comoinstrumento de comunicação”, dado ao tratamentodispensado à produção de texto, marcadofortemente pela reprodução e pelo normativismo.

Embora os resultados ainda sinalizem paraum ensino tradicional da língua materna emnossas escolas, acredito em mudanças. E essamudança está na adoção de uma concepção delíngua/linguagem que privilegie um trabalho deinteração entre sujeitos, que possibilite ao alunoconstituir-se como um produtor de textos queultrapassem os limites da escola, já que a escritadeve ser considerada como uma prática social.Para isso, o professor precisa construir um espaço

de aprendizagem em que a interação se façapresente, caso contrário, as dificuldades reveladaspelos alunos ao produzirem textos escritosdificilmente serão superadas.

Creio que concebendo a linguagem comoforma de interação, estaremos realizando umensino produtivo em sala de aula, auxiliando osnossos alunos a desenvolverem a competênciacomunicativa escrita em diversas situações de usoque a língua exigir.

1- Mestre em Letras pela Universidade Estadualde Maringá (UEM). Professora da Universidadedo Estado de Mato Grosso (UNEMAT), campusuniversitário de Tangará da Serra. E-mail:[email protected] Neste artigo, o termo escrita foi utilizado comosinônimo de produção de textos.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A reflexão que desenvolvemos a seguir éresultante de docência e pesquisa na formaçãouniversitária, em especial, no curso de Letras.Temos nos dedicado sistematicamente àinvestigação de como os conhecimentosabsorvidos no curso de Letras são tensionados noconfronto com dados colhidos para a concretizaçãode pesquisa por alunos de graduação.

Esta investigação tem se dado tanto comoconsequência da condução, com pesquisa, dasdisciplinas que ministramos, como pela observaçãode grades curriculares, programas e aulas nauniversidade.

Os objetivos centrais da investigaçãoconsistem em verificar: a) em que medida apesquisa está presente neste nível da formação;b) de que modo os conhecimentos que compõemas disciplinas se revertem na produção elaboradapelo aluno.

Como um dos resultados da pesquisa,podemos tecer considerações sobre o movimentoque percebemos na formação dos futuros

RRRRResumo:esumo:esumo:esumo:esumo: Trabalho destinado a contribuir para a reflexão sobre a importância de a pesquisa estar vinculada àformação, no decorrer das disciplinas de graduação, desde o ingresso do aluno na universidade. A partir daexperiência na formação de profissionais da área de Letras e na pesquisa sobre a presença da pesquisa no interiordas disciplinas deste curso, estabelece-se uma discussão sobre os alcances e os entraves para o acesso dos alunosde graduação aos meios de produção de pesquisa. O conceito chave para o estudo é o de sentidos da formação,que precisa ser entendido no interior da cultura universitária para que se possa propor uma nova prática deformação na graduação, em especial, nas licenciaturas.

PPPPPalavrasalavrasalavrasalavrasalavras-----chave:chave:chave:chave:chave: pesquisa na graduação; formação de professores; curso de Letras; graduação; sentidos daformação.

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract: This work reflects on the importance of uniting research with disciplines offered to undergraduate studentssince their very entrance in College level studies. Having our experience in instructing professionals in Languagesand Literature and our research on the presence of research within the disciplines of this undergraduate course as astarting point, we discuss the possibilities and obstacles presented to undergraduate students in accessing theproduction means of research. The key-concept for this study is “meanings of instruction”, which must be understoodwithin the context of college culture so as to allow the proposition of new educational practices at an undergraduatelevel, especially in Teacher’s Colleges and Licentiateship courses.

KeywordsKeywordsKeywordsKeywordsKeywords: research in undergraduate education; teachers’ education; Languages and Literature course; meaningsof instruction.

professores de língua portuguesa relacionado àsexigências do mercado.

Neste artigo, portanto, restringimos o nossoposto de observação detendo-nos à reflexão sobrea pesquisa nos cursos de graduação e ajustamosa lupa mais ainda porque falaremos da pesquisanos cursos de licenciatura. A restrição de foco nãosignifica a defesa da existência da pesquisa comoestratégia e princípio formativo apenas dos cursosde licenciatura. Ao contrário, colocamo-nos nacontramão do que tradicionalmente tem-seconsiderado como espaços privilegiados depesquisa na universidade. Ou seja, defendemosque todo curso de graduação desenvolva-sedando o mesmo grau de importância ao ensino,à pesquisa e à extensão, sendo que estas duasúltimas devam acontecer vinculadas ao ensino.

Diferentemente da tradição que trata o ensino,em especial, aquele que ocorre na sala de aula, ea extensão, como lugares de informação dasdescobertas da pesquisa, que é feita em outrosespaços, propomos que se faça valer os três esteiosda universidade em um único tempo e espaço.

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Sabemos que o currículo dos cursos debacharelado, pelo menos em tese, propõe que oestudante faça um percurso de pesquisa durantea formação, enquanto os cursos de licenciatura,orientados por uma certa concepção do que sejaser professor, têm centrado a ênfase no ensinodivorciado da pesquisa.

Por isso, tematizar a pesquisa, na graduação,especialmente nas licenciaturas, implica, antes,atentar para a construção discursiva da formaçãodocente inicial e continuada, pois estes doisespaços – formação inicial e formação continuada– estão intimamente imbricados e aproblematização de um requer a problematizaçãodo outro, constituindo-se duas faces de umamesma questão, que é a formação do professor,seja na graduação, seja no exercício da práticadocente. Por isso, nos deteremos a seguir sobresentidos da formação do professor em trabalho,pois acreditamos que eles são decorrentes nagrande maioria dos currículos de graduação quetomam a pesquisa como privilégio de poucos.Como consequência da inexistência de pesquisavinculada às disciplinas do currículo de formaçãodos professores, uma vez no exercício da profissão,prevalece para o professor a compreensão de queseu trabalho não comporta a prática da pesquisa.

Antes, porém, de darmos continuidade à nossareflexão, gostaríamos de lembrar que nãopretendemos pensar o aluno de licenciatura e oprofessor em exercício apenas como vítimas dosistema, mas como parte do jogo. Nossa posiçãoestá em sintonia com Bourdieu (1998, p. 86):

Ao atribuirmos, como faz o mau funcionalismo,os efeitos de dominação a uma vontade únicae central, ficamos impossibilitados de apreendera contribuição própria que os agentes (incluindoos dominados) dão, quer queiram quer não,quer saibam quer não, para o exercício dadominação por meio da relação que seestabelece entre as suas atitudes, ligadas àscondições de produção, e às expectativas einteresses inscritos nas suas posições no seiodesses campos de luta, designados de formaestenográfica por palavras como Estado, Igrejaou Partido3.

Sentidos da formação docenteSentidos da formação docenteSentidos da formação docenteSentidos da formação docenteSentidos da formação docente

Na tradição escolar, as categorias professor epesquisador têm sido tratadas separadamente, ou,no máximo, pela justaposição dos termosseparados por um hífen. Reserva-se ao pesquisador

a incumbência de produzir conhecimentos e aoprofessor apenas o papel de “bom transmissor”desse conhecimento. Essa atitude, decorrente doscurrículos de graduação, reflete-se nos currículosda escola básica, nos quais também se concebeo ensino divorciado da pesquisa. Ao licenciandocabe instrumentalizar-se de conteúdos ou detécnicas para ser um ‘bom’ professor e este, naprática da docência, também repetirá o gesto daelisão entre informação sobre o conhecimento eprodução do conhecimento.

Cortesão, refletindo no contexto da escolaportuguesa, chama a atenção para o fato deconsiderar-se habitualmente o bom professor

[...] aquele que é competente, portanto sabe,que domina conteúdos científicos que(arbitrariamente) são considerados comocurricularmente imprescindíveis. É ainda alguémque explica bem, e com clareza, os conteúdosdisciplinares, numa ordenação e com um ritmoadequado ao nível etário médio dos alunos,recorrendo a uma necessária linguagem erudita,utilizando apropriadamente o jargão próprioda disciplina que lecciona. É alguém que, comclareza traduz (simplificando), as grandesteorias, a produção científica, portanto, oconhecimento científico produzido por outrem,de forma a torná-lo acessível aos alunos comque trabalha. (CORTESÃO, 2006, p.54 ).

Na posição de expectador da produção deconhecimento a respeito de uma dada realidade,o professor é aquele que ao tomar o conhecimentoproduzido, quase sempre desconhece a história eos meios dessa produção. Esse desconhecimentoda história de construção de teorias que orientammetodologias na sala de aula resultam em, pelomenos, duas atitudes do professor face aoconhecimento produzido por outrem: i) a adesãodesprovida de reflexões teóricas, a cada inovaçãoteórico-metodológica anunciada no campo doensino, até mesmo para não ser considerado umprofessor desatualizado; ou ii) a recusaincondicional a aderir a qualquer mudança teóricano seu campo de trabalho, porque as teorias sãoencaradas como verdades definitivas e absolutas(GERALDI, 1991).

Essas duas posições extremas resultam, quasesempre, do fato de a maioria dos professoresocuparem a posição de expectadores/receptoresda produção científica de outrem, ou seja, nãoparticipando da produção do conhecimento,desconhecem o fato de que teorias podem ser

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superadas por outras e, consequentemente, asmetodologias a elas vinculadas. Hoje podemosafirmar que essas posições decorrem do fato deque o professor não faz parte, ou não se senteparte das comunidades produtoras deconhecimento. A solução seria a inserção dosestudantes de licenciatura nessas comunidades ea garantia de ampliação do direito à pesquisatambém ao professor já formado.

No entanto, é preciso reconhecer asdificuldades que essa proposta encontra dentro efora da universidade. Por um lado, aumentaria otrabalho do estudante de licenciatura e de seusprofessores. Desenvolver e acompanhar umapesquisa durante um semestre demandariadispêndio de muito mais energia do que aexposição e explicação de conteúdos, nos moldesapresentados por Cortesão, seguida de umaaveriguação pontual da aprendizagem.

Fora da universidade, quando o estudante degraduação já se tornou um profissional, tambémos impasses vão acontecer, pois a compreensãode que professores da escola básica também seresponsabilizam pela pesquisa encontra oposiçõesde diferentes setores. Veja-se trecho de matériapublicada no jornal O Estado de São Paulo (26/07/08, p. A22), sob o título Mais atividade docentefora de classe gera rombo de R$1,4 bi em SP:

A nova lei que estipula um piso salarial nacionalpara os professores vai provocar um impactode R$ 1,4 bilhão ao ano na educação do Estadode São Paulo, o que equivaleria a um corte de10% no orçamento atual da área. E não pelosalário, já que os docentes da rede públicapaulista recebem remuneração mínima deR$1.502 mensais. O problema é que a lei prevêtambém que os profissionais passem a dedicar33% de suas 40 horas semanais a atividadesfora da sala de aula. Atualmente esse tempocorresponde a 20%.‘Para cada três professores, teremos que termais um‘, disse ao EstadoEstadoEstadoEstadoEstado a secretária estadualde Educação”.

Destacaremos do texto somente o modo comoaquilo que poderia ser encarado como positivo,que poderia ser um diferencial na melhoria daqualidade do ensino público, por implicar o direitodo professor à remuneração pela pesquisa, foiconsiderado na matéria.

É importante considerar que no trecho acimanão se faz referência ao tempo dedicado àpesquisa, visando, entre outras coisas, a um melhor

conhecimento dos alunos para a preparação deaulas adequadas às suas necessidades. Aocontrário, a expressão usada na matéria é“atividade docente fora de classe”. Referir-se dessemodo ao tempo de atuação do professor podeacionar significados dissociados do único trabalhotradicionalmente considerado como sendo próprioao professor - aquele da sala de aula, ligado àtransmissão de conteúdos produzidos por terceiros.

Note-se também que esse tempo da jornadado professor, que pode ser dedicado à pesquisa,é considerado “problema”, o que convoca o leitora um julgamento negativo. Inclusive a indicaçãoda direção de leitura que o leitor deve seguircomeça no título da matéria. Quando ele chegaà palavra “problema”, já passou pelo título, tendolido o termo “rombo”, comumente associado aproblemas de administração da verba pública, agastos indevidos, aplicado ao aumento dos gastosem Educação. Portanto, a possibilidade de acionarsignificados negativos já está estabelecida. Por fim,chama a atenção que gerar empregos no setor deEducação, num país com índices complicados, tantoem termos de sucesso escolar como de mercado detrabalho como o Brasil é considerado “problema”.

Vale ressaltar que o modo como essas duascategorias (professor e pesquisador) têm sidotratadas no espaço da formação não foi linear,pois a formação docente sofre re-significaçõescontínuas no contexto das políticas educacionaise, assim, a identidade do professor, ou futuroprofessor, na sua relação com o conhecimento,também vai ganhando novos contornos,orientados por condições históricas e ideológicas.Os sentidos da formação se alteram em reação afatores internos e externos à própria formação. Porfatores internos podemos entender as condiçõesempíricas de trabalho do professor, situadas nointerior da sala de aula, envolvendo fatores concretosda prática docente cotidiana que, por sua vez, nãoestão desvinculados dos fatores externos.

Se pensarmos nos fatores internos, levandoem conta a formação dos professores, seránecessário acrescentar a instauração do professoruniversitário no lugar de produtor legítimo doconhecimento, o que exige, de certo modo, queeste, para manter seu posto, esvazie a formaçãona graduação do direito à pesquisa. É a ele quecaberá repor o que vai faltar ao professor formado.

Os fatores externos, por sua vez, dizem respeitoàs condições históricas mais amplas, que envolvemo sistema de ensino para além do espaço de sala

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de aula, mas também determinantes de fatoresinternos à aula.

Tratando-se de determinantes externos àformação docente, lembremos que com asexigências do mundo do trabalho na sociedademoderna, a escola é pressionada a abrir as suasportas à classe trabalhadora (cf. CHAUÍ, 2001;ENGUITA, 1986). Consequentemente, o númerode professores apresenta-se insuficiente paraatender à crescente demanda que passa a ocuparo espaço escolar. É nesse contexto que o Estadocomeça a recrutar mão de obra para atender aessa nova demanda, o que inevitavelmente viriaa requerer não somente a formação inicial doschamados ‘professores leigos’, mas também acontínua formação daqueles com nível deformação exigido para atuar na docência, porquetambém alteram-se as exigências externas emrelação à formação para atender ao mundo dotrabalho. É também nesse contexto que sentidosrelacionados à carência, à falta de conhecimentosde teorias e métodos por esse profissional circulamcom maior frequência nos espaços escolares. É dorecrutamento de um grande número de professoresdenominados leigos que se vai construindo umdiscurso de superação das carências.

À medida que o sentido da carência vaiganhando hegemonia nos discursos sobre oprofessor, abre-se espaço para a organização deum verdadeiro mercado de produtos destinados asuprir essas carências. E para que esse mercadoprospere é necessário manter o alegado estado decarência, o que se faz enxugando os currículos dagraduação e precarizando as condições de trabalho.

Atentando para um conjunto de sintagmasreferenciadores da carência do professor emrelação à sua formação, percebe-se que sãosintagmas mobilizadores de sentidos diferentessobre a formação em cada conjuntura políticaeducacional, seja ela inicial ou continuada:treinamento, reciclagem

4, capacitação docente,

atualização docente e, mais recentemente,qualificação docente e formação continuada.Embora colocando em circulação diferentesconcepções a respeito da formação docente, ossentidos mobilizados por muitos desses sintagmasnão contemplam a pesquisa como estratégia doprocesso formativo, e sim o preparo para aaceitação e a aquisição de novos produtos.

Com isso, queremos dizer que a elisão entre ascategorias professor e pesquisador é histórica, políticae voluntária. Ela não se faz despretensiosamente, mas

orientada por determinantes políticos e ideológicos.É, portanto, de uma perspectiva política que tambémdevemos problematizar a ausência da pesquisa comodimensão do processo de formação, inicial econtinuada, pois se trata de uma inclusão do estudantee do professor nas comunidades autorizadas a produzirconhecimentos.

Aliada cada vez mais às necessidades demercado, a formação docente está, cada vez mais,comprometida com a perspectiva de competênciacentrada na produtividade vista pela ótica doresultado estatístico, em detrimento da criação denovos saberes mediados pela relação entre sabereshistoricamente já produzidos e o cotidiano da salade aula.

Não se verifica, portanto, como procuramosmostrar recorrendo à matéria de jornal citada, nosdiscursos que circulam sobre formação inicial econtínua, sentidos vinculados à práticainvestigativa, pela interrogação contínua sobreproblemas com os quais o professor se defrontano espaço escolar, sejam de ordem interna ouexterna à formação.

Se a formação ocorresse desse modo, com ainvestigação inserida no cotidiano da formação,não se trataria, então, de um bom professor nostermos descritos acima por Cortesão (2006), masde um professor capaz de assumir com autonomiaa sua própria formação e de intervir nas realidadesinternas e externas.

A ausência de investimento na formaçãoadequada de profissionais em condições de seremtambém pesquisadores capazes de encontrarsoluções para intervir criticamente numa dadarealidade rumo à transformação da mesma fazcom que o professor esteja sempre à espera deque outros lhe apontem alternativas para seremadotadas.

Não prevalece nesses contextos a ideia de quea formação do professor deve ser no sentido doalcance das condições favoráveis de trabalho,incluindo o tempo para o exercício da pesquisa,de modo a construir sua autonomia intelectual.Pois a formação, nos moldes em que se instituinos espaços escolares, coloca o professor numaposição de alguém que necessitará de formaçãoad eternum, porque é supostamente incapaz derefletir e construir formas de superação deproblemas da prática docente, ou de qualqueroutra reflexão mais aprofundada.

É nesse quadro político de formação inicial econtinuada que intencionalmente diploma

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profissionais carentes de conhecimento que, entreos produtos colocados à disposição do professorpara suprir sua suposta carência, dois alcançamnotoriedade: o livro didático e os cursos deformação continuada.

O primeiro deles, o livro didático, ocupandoo espaço e a voz do professor que na sala de aulaapenas cumpre os ditames desse material didático,o professor é visto apenas como aquele quecontrola o repasse desse conhecimentofragmentado e de segunda mão, pois não é ele [oprofessor] responsável pela seleção, organização,sequenciação do que vai ensinar. O livro didáticoé que fornece as categorias de conteúdo legítimo,classificação hierárquica do conteúdo e o temponecessário a ser consumido para o ensino de umdado conteúdo. Um material estratégico para supriralgumas necessidades do professor em momentospontuais de sua prática, somado a uma voluntáriaformação sem pesquisa, transformou-se em porta-voz do professor, sem qualquer perspectiva de queele possa ser descartado um dia.

Desde 2002, Barzotto (2004) vem observandoque em mais de 90% dos relatórios de estágio dosalunos de Licenciatura em Letras aparecemregistros de uso de livros didáticos por parte dosprofessores. Tal número é inversamenteproporcional à presença nas aulas de atividadesproduzidas pelo próprio professor a partir derealização de diagnóstico do contexto linguísticodos seus alunos, ou de suas condições de leiturae escrita.

Com base nessa realidade é que perguntamospela formação inicial e continuada do professor,entendendo que para romper a barra entre oprofessor e o pesquisador é preciso adotar apesquisa como princípio e estratégia de formação.Ao mesmo tempo em que se recusa a adotar essesprincípios, alega-se que o professor não temcondições para fazer pesquisa, o que são duasações complementares. Por um lado, fragiliza-sea formação, fornecendo apenas o repasse dealgum conteúdo, por outro, rememora-se sua faltade preparo, que abre campo para o surgimentode bem intencionadas propostas de compensaçãode sua carência. São ações associadas quecontribuem para que o sentido de carência sejaabsorvido pelo professor, que passa a atuar demodo que a solução tenha que vir do outro, doEstado, da Universidade, etc.

O segundo elemento, atribuído à carência doprofessor, que se fez notar fortemente nos últimos

anos é o curso de formação continuada. Àqueleprofessor a quem se oferece uma formação emnível de graduação por meio de um currículoenxuto e de conteúdos simplificados vai-se venderem seguida produtos que supram tal deficiência.

Os chamados cursos de formação continuadageralmente são desenvolvidos em dois eixos: aqueleque visa a repor o que foi negado durante agraduação e aquele que visa à sustentação deuma política de governo. Dificilmente o profissionalformado na área de educação é convidado a virpara a universidade inteirar-se de uma produçãonova, desenvolvida entre a data de sua formaturae a da apresentação à comunidade desse novoconhecimento. O que se percebe nos cursos é areposição daquilo que não foi proporcionadodurante a graduação. Mais difícil ainda é encontrarum curso que visa à construção de um programapara a escola de um município ou estado. Emgeral, o poder público contrata uma equipe quevai guiar o professor na direção da absorção deuma perspectiva única, que se prestará mais adar ao público uma imagem do governo do queresolver problemas relacionados ao ensino.

Mais raros ainda são os grupos de pesquisaque contam com professores na busca de avançosteóricos. Seria essa, talvez, a situação ideal, umprofissional bem formado, preparado para oensino e a pesquisa, que continuaria participandode grupos de pesquisa.

Ser professor em qualquer nível de ensinorequer uma postura investigativa que mobilizesentidos para perguntas, sentidos que reclamemuma compreensão. Quando tratamos da pesquisadocente como estratégia de formação, estamos,ao mesmo tempo, requerendo a relaçãoinextrincável entre os sentidos da prática e teoriasjá formuladas sobre a prática, abrindopossibilidades de enriquecimentos teóricos, namedida em que a herança cultural é confrontadacom novas realidades produzidas no cotidiano dasala de aula. Nesse sentido:

Estamos de novo regressados à necessidadede perguntar pelas relações entre a ciência e avirtude, pelo valor do conhecimento ditoordinário ou vulgar, que nós, sujeitos individuaisou coletivos, criamos e usamos para dar sentidoàs nossas práticas e que a ciência teima emconsiderar irrelevante , ilusório e falso; e temosde finalmente perguntar pelo papel de todoconhecimento cientifico acumulado noenriquecimento ou empobrecimento prático dasnossas vidas, ou seja, pelo contributo positivo

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ou negativo da ciência para a nossa felicidade.(SANTOS, 1978, p. 08).

Nem só o saber prático desprovido da reflexãosistemática sobre esses fazeres e as condições emque ele é produzido, nem a reflexão desenraizada,desarticulada de uma vivência. Considerando queo professor no embate de sala de aula tambémproduz saberes, a pesquisa docente precisa serencarada como uma condição da prática deensino, se quisermos alterar o quadro queinicialmente expusemos a respeito da expropriaçãodo professor, não só econômica, mas tambémintelectual.

Embora o título deste texto remeta à pesquisana graduação, entendemos que esses dois mundos– o da formação inicial e da formação continua –estão imbricados, constituindo-se como uma viade duas mãos que desemboca na vivência doprofessor em sala de aula. Portanto, falar daausência da pesquisa na prática docente é umaforma de enunciar e denunciar os currículos degraduação, que mesmo quando alegam estarcentrados no binômio teoria-prática, não trilhamo percurso teórico-prático.

A ausência da pesquisa na graduação, emnome de uma verbalização de teorias, repercutena prática desse aluno quando passa a atuar nadocência, reproduzindo a suposta “transmissãode conhecimentos”. O que na escola básica seapresenta como a voz do livro didático, porqueele atravessa e recorta resultados de pesquisastransformados em conhecimento sistematizado,na graduação se faz pela “paráfrase linguística”

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desse conhecimento sistematizado, de modo quea erudição é marcada pela recorrência àfragmentos da herança cultural, sem, contudo,torná-la base para novas investidas.

Considerações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finaisConsiderações finais

Defender a pesquisa como princípio eestratégia do processo formativo é defender orompimento de uma cultura política e científicasegundo a qual o conhecimento resulta apenasde esforço individual, do trabalho e do méritopessoal. Desta forma, a prática da pesquisa estádestinada a poucos que individualmente mostram-se capazes de tal proeza. Trata-se de um jogoideológico que oculta as condições concretas doensino na graduação, que negam o direito àpesquisa a uma grande maioria que adentra osmuros da universidade. Essas condições vão desde

as concepções de ciência, de metodologias deensino-aprendizagem, até o tempo da pesquisa,pois muitos cursos não contemplam a pesquisacomo parte do processo formativo, refletindo,assim, concepções estanques de ensino, deaprendizagem, de conhecimento. Mesmo quandose trata de Universidade com sólida tradição napesquisa, verifica-se que a inserção do aluno degraduação nos fazeres próprios da investigaçãonão se faz pelas disciplinas dos cursos. Estas sãoreservadas ao repasse do conteúdo. Assim, apenasalguns alunos serão selecionados para sereminiciados na pesquisa, que vai se fazer em espaçosdiferentes da sala de aula, como as reuniões dosgrupos de estudo e os laboratórios.

Ribeiro (2005), estudando aulas nauniversidade, constatou que nesse espaçoinstitucional há uma valorização tão alta dainformação de conhecimentos já produzidos queos sentidos da transmissão de conhecimentospermeiam os demais discursos em circulação nesseespaço institucional, e não apenas o discurso desala de aula. Por exemplo, mesmo em reuniõesde pesquisa em que deveria prevalecer a perguntaem busca de respostas para um problema, a autoraobserva que prevalece o tom da informatividade.Pensemos no número de grupos de pesquisa quese reúnem para ler textos ou para a audição deseminários que se resumem à exposição de textos.

Um processo formativo em que a pesquisatem centralidade exige o redimensionamento dosprocessos interacionais que se instauram nosgrupos e na sala de aula na relação com oconhecimento. Em um modelo de ensino centradona suposta transmissão de conhecimento, oinvestimento pedagógico é no como se ensina,cujas interações verbais estão, em grande parteda aula, centradas nos turnos de fala do professor,justamente porque prevalece a concepção de queconhecimento se transmite e não se constróimediado pela experiência do professor. Ou seja,prevalece uma concepção segundo a qual professoré capaz de ensinar apenas verbalizando um certosaber já produzido, saber transmitido, e nãoconstruído, ao passo que um ensino centrado nocomo o aluno aprende, portanto, em como eleelabora questões e procura formas de respondê-las, porque são questões de seu interesse, osprocessos interacionais passam a ser repartidosentre um pólo e outro, há perguntas de ambos oslados e também dúvidas.

Assumido o ensino de graduação com essaconcepção, este deixa de ser apresentação de

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informações visando apenas a suprir a alegadacarência dos futuros professores. Ao contrário,assume-se que a produção do conhecimento, acriação ocorre justamente quando se assume afalta como condição para haver busca, procura.A diferença que esperamos que fique clara aquientre carência e falta está no fato de que a primeirahierarquiza os possuidores de cultura ou deinformação e os que são considerados despossuídosdesses bens. Aqueles a quem se atribui umacarência de determinados bens culturais ou deinformações são inscritos em um grupo que precisaser sustentado pelo outro, tido como capaz de suprir.Por sua vez, a segunda, a falta, está na essência detodo movimento de busca. A falta é propulsora dainquietude, é o que faz o sujeito mover-se rumo àprodução de algo novo, não sendo característicade apenas um grupo.

Embora os cursos, em sua maioria,harmonizem-se por um discurso que explicita olugar da relação teoria-prática em seus currículos,os dados de nossa pesquisa mostram que o ensinona graduação centra o foco na informaçãofragmentada de teorias e mesmo de práticas jáproduzidas, sem, contudo, garantir o elo entre aherança cultural e os conhecimentos novosconstruídos no espaço da pesquisa. O que épermitido ao aluno de gradação é a submissãoaos conteúdos já estabelecidos ou, na outraextremidade, o consumo de críticas já prontas,desprovidas de um percurso de leitura e análiseno qual seja possível estabelecer um embate como conhecimento.

1- Doutora em Linguística pela UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP). Professora daUniversidade Federal do Pará (UFPA), campus deMarabá. Coordenadora do curso de LetrasPRONERA, que tem a pesquisa com pesoequivalente ao ensino desde o início. E-mail:[email protected] Doutor em Linguística pela UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP). Professor daUniversidade de São Paulo - FE/USP. Co-coordenador, juntamente com a Profa. Dra. MariaNúbia Barbosa Bonfim - CCSO/UFMA, do projetode pesquisa Disciplinas da licenciatura voltadaspara o ensino de Língua Portuguesa: saberes epráticas na formação docente, apoiado pelaFAPEMA. E-mail: [email protected] Bourdieu insere nesse ponto uma nota quereproduzimos aqui por considerarmos sua

importância para uma visão crítica de frasescomuns em nosso cotidiano, frequentementeutilizadas para transferirmos a terceiros, como oEstado, a família de nossos alunos, entre outros,nossa timidez em assumirmos posições quepoderiam fazer diferença em nosso cotidiano: “Ateoria dos Aparelhos deve, sem dúvida, uma partede seu sucesso ao fato de permitir uma denúnciaabstrata do Estado ou da Escola que reabilita osagentes, consentindo que eles vivam nodesdobramento da sua prática profissional e dassuas opções políticas.” (BOURDIEU, 1998, p. 86,nota 14).4- Geraldi (1996, p. 9) observa que “treinamento”e “reciclagem” eram termos muito em voga nasdécadas de 70 e 80, “apesar de se adaptar melhora animais e máquinas, respectivamente”.5- Fabiano (2007, p. 109), analisando aprodução escrita de alunos de graduação erefletindo sobre esta observa que os textos destesnão vão além da reformulação da materialidadelinguística do texto do autor tomado comoreferência. Nas palavras da autora: “Esseprocedimento de parafrasagem é bastante presentenos textos acadêmicos. Trata de um tipo deincorporação das referências das leituras feitaspara embasamento teórico dos trabalhosacadêmicos. A prática da paráfrase, presente naconstrução de textos dos alunos, não mobiliza alémde palavras de autores estudados para darsustentação à elaboração do seu texto [...]”.

Aceito para publicação em XX/XX/200X.

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1.1.1.1.1. A revista Ecos publica artigos originais nas áreas de Literatura e Lingüística, em português, inglês eespanhol;2.2.2.2.2. Os artigos devem estar acompanhados de uma carta de encaminhamento, com nome e endereçocompleto dos autores;3.3.3.3.3. O recebimento dos artigos, sua aceitação ou recusa serão comunicados aos autores pela comissãoeditorial da revista;4.4.4.4.4. Serão fornecidos três (03) exemplares gratuitamente aos autores;5.5.5.5.5. Os trabalhos deverão ser digitados em Word for Windows, obedecendo à formatação a seguir:a) a) a) a) a) Configuração de página:- Tamanho do papel: A4- Margem superior e esquerda: 3,0 cm- Margem inferior e direita: 2,0 cm- Medianiz: 0 cmb)b)b)b)b) Título do trabalho:- Times New Roman 12, negrito, alinhamento centralizado.c)c)c)c)c) Nome do autor seguido da instituição e titulação- Autor: Times New Roman 10, negrito;- Nome da instituição: em caixa alta entre parênteses, alinhamento à direita.d)d)d)d)d) Artigos:- O artigo deverá vir acompanhado de um resumo (até 10 linhas) e 05 palavras-chave em português eem língua estrangeira, em Times New Roman 12, alinhamento justificado, com espaçamento simplesentre linhas.- Redação do artigo: Times New Roman 12, alinhamento justificado, com espaçamento simples entrelinhas, margem 1,5 de primeira linha.- As citações acima de três linhas deverão ser recuadas 4,0 cm da margem esquerda, com alinhamentojustificado, sem aspas e sem itálico.e)e)e)e)e) As referências bibliográficas devem vir ao fim do artigo, e não em notas de rodapé;f) f) f) f) f) As notas explicativas deverão vir em notas de fim, e não no rodapé;g)g)g)g)g) As citações e referências bibliográficas devem ser feitas de acordo com as normas da ABNT 6023/NBR, cuja obediência se constitui em um critério para aprovação do texto para publicação.h)h)h)h)h) As citações no corpo do texto e recuadas seguirão o seguinte modelo:- - - - - Citações Diretas: citações no corpo do texto menores que três linhas, entre aspas.- Se a citação ocupar um espaço maior que três linhas, deve ser: destacada do texto, recuada, comcorpo menor e sem aspas. Ex.: fonte 12 no texto, fonte 11 na citação.

[...] quase todos os exemplos de dialetos literários são deliberadamenteincompletos. O autor é um artista, não um lingüista ou um sociólogo, e suaproposta é antes literária que científica. Realizando seu compromisso entrea arte e a lingüística, cada autor toma sua própria decisão a respeito dequantas peculiaridades da fala de seu personagem ele pode representar deforma proveitosa. (IVES, 1950, p.138).

- Corte da citação: deve ser grafada com [...].- Incorreções: a expressão latina [sic] deve vir seguida da palavra grafada incorretamente.- Citação de citação: seguida das expressões apud e sobrenome do autor da obra consultada, fazendo-se desta última a referência bibliográfica completa.

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i)i)i)i)i) As referências bibliográficas devem obedecer ao alinhamento à esquerda e deverão ser nos seguintesmoldes:- Livros como um todo- Livros como um todo- Livros como um todo- Livros como um todo- Livros como um todoARROJO, R. Oficina de tradução: a teoria na prática. São Paulo: Ática, 1992.

- Capítulos de livros- Capítulos de livros- Capítulos de livros- Capítulos de livros- Capítulos de livros- Autor do capítulo diferente do responsável pelo livro todoALKMIN, T. M. A variedade lingüística de negros e escravos: um tópico da história do português noBrasil. In: MATTOS E SILVA, R. S. (Org.). Para a história do português brasileiro. São Paulo: Humanitas,2001. p. 317-335.

- Único autor para o livro todo: substitui-se o nome do autor por um travessão de 6 toques após o “In”.PRETI, D. A língua oral e a literatura: cem anos de indecisão. In: ______. A gíria e outros temas. SãoPaulo: EDUSP,1984, p.103-25.

- Publicação periódica- Publicação periódica- Publicação periódica- Publicação periódica- Publicação periódicaMOLLICA, M. C. Por uma sociolingüística aplicada. DELTA, São Paulo, v. 9, n. 1, p.105-111, 1993.

- Dissertações e teses- Dissertações e teses- Dissertações e teses- Dissertações e teses- Dissertações e tesesHATTNHER, A. L. Uma ponte sobre o atlântico: poesia de autores negros angolanos, brasileiros e norte-americanos em uma perspectiva comparativa triangular. 1998, 173 f. Tese (Doutorado em Letras) –Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo.

- Artigo de jornal- Artigo de jornal- Artigo de jornal- Artigo de jornal- Artigo de jornalALMINO, J. A guerra do “Cânone Ocidental”. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 ago. 1995. Mais!, p.3.

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j)j)j)j)j) O trabalho deverá ser encaminhado para o endereço abaixo em 03 (três) vias impressas, bem comopara e-mail da revista, e, no caso de haver, no texto, inserção de alfabeto fonético ou caractere especial,os textos deverão ser encaminhados, além de impressos, em disquete ou CD.

Universidade do Estado de Mato GrossoInstituto de LinguagemRevista EcosAv. Tancredo Neves – Cavalhada, CEP 78200-000Cáceres – MT – Brasil – Fones: (65) 3221-0091 – Fax (65) 3223 [email protected]

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