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360 EDIÇÃO 15 • NOVEMBRO DE 2017 Helena Nader afirma que país menospreza a ciência Política de assistência à saúde mental vai ser revisada Globalização e urbanização trazem benefícios, mas impactam na saúde e na qualidade de vida Os desafios da cidade que avança

EDIÇÃO 15 • NOVEMBRO DE 2017...O levantamento aponta o aumento nos gastos das ope-radoras e também o alto reajuste nos preços dos planos de saúde que, de 2012 a 2017, cresceram

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  • 360EDIÇÃO 15 • NOVEMBRO DE 2017

    Helena Nader afirma que país menospreza a ciência

    Política de assistência à saúde mental vai ser revisada

    Globalização e urbanização trazem benefícios, mas impactam

    na saúde e na qualidade de vida

    Os desafiosda cidade que

    avança

  • É possível diminuir os riscos de desenvolver o diabetes fazendo atividade física, controlando a alimentação e evitando hábitos como o tabagismo

    A hipertensão e níveis altos de colesterol e triglicérides também podem desencadear o problema

    É importante ficar atento à automedicação. Remédios com cortisona aumentam os níveis de glicose no sangue

    #novembroazul#diamundialdodiabetes

    #fehoesp360contraodiabetes

  • EDITORIAL

    Com o crescimento das grandes cidades no mundo, a vio-lência tornou-se epidêmica. Fruto da desigualdade e cau-sa da ausência de políticas públicas, os crimes cresceram assustadoramente, repercutindo nos hábitos das pessoas, na qualidade de vida e no desenvolvimento pessoal dos cidadãos. O impacto da violência tem sido tão grande que já afeta os orçamentos das nações, desviando recursos que poderiam ser aplicados em educação e saúde, por exemplo.

    No Brasil, a tragédia é maior do que na Síria – em situação de guerra há seis anos. Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2015, nosso país registrou 278.839 assassinatos. Os dados incluem as ocorrências de homicídio doloso, latrocínio (rou-bo seguido de morte), lesão corporal seguida de morte e óbito decorrente de ações policiais. Na Síria, entre março de 2011 e novembro de 2015, a guerra causou 256.124 mortes, segundo estimativa da Agência da Organização das Nações Unidas para os Refugiados.

    Especialistas atribuem o crescimento desenfreado da violência no país ao fracasso das políticas de segurança pú-blica. O problema, no entanto, não é orçamentário. O custo da política de segurança, entre 2002 e 2015, aumentou 62%, chegando a R$ 76,3 bilhões (1,38% do PIB). Mas este número não reflete a realidade do dinheiro gasto, porque não inclui os custos das consequências da violência. Se levarmos em consideração essa conta, chegaremos à soma de R$ 258 bilhões, equivalente a 5,4% do PIB. Entram na soma cifras como R$ 114 bilhões, referentes ao prejuízo pela perda de capital humano, R$ 39 milhões de gastos com contratação de serviços de segurança privada, R$ 36 bilhões com segu-

    ros contra roubos e furtos e R$ 3 bilhões com o sistema pú-blico de saúde (dados de 2014). É o chamado custo social da violência, que pode ser ainda maior.

    Outros fatos, perversos, poderiam ser considerados. No Rio de Janeiro, uma das capitais que mais tem sofrido com a violência relacionada ao tráfico, uma média de duas unida-des de saúde de atenção básica por dia interromperam seu atendimento em função de episódios com tiros, nos primei-ros nove meses de 2017. É a rotina da violência atingindo em cheio os cofres de uma Secretaria Municipal de Saúde. Levantamento publicado no jornal Extra, em outubro, revela que a prefeitura gasta cerca de R$ 82 mil mensais para man-ter o plantão contínuo de cada equipe médica. Levando-se em conta que cada clínica possui, aproximadamente, qua-tro equipes, o dinheiro desperdiçado com as interrupções de serviço e jornadas incompletas passaria de R$ 6 milhões.

    No Brasil, a segurança pública é de responsabilidade dos governos estaduais, e não há uma coordenação nacional sobre as políticas implantadas em cada uma das unidades da federação. Mais: existem núcleos locais que se dedicam a estudar os números da violência, mas a interlocução entre eles e junto ao governo federal para a construção de políti-cas mais efetivas ainda é inócua. Ajudar nesta intersecção talvez seja um papel a ser assumido pelo setor de saúde, a fim de contribuir para a qualidade de vida dos brasileiros de uma maneira mais ampla e definitiva.

    Yussif Ali Mere JrPresidente

    A violênciacusta caro ao Brasil

  • ÍNDICEA opinião de especialistas sobre a revista e o destaque do Portal FEHOESP 360

    Confira os cursos do IEPAS para novembro

    Os principais eventos do setor na seção de Notas

    Inovadora, telemedicina ainda enfrenta dificuldades para avançar

    Helena Nader fala sobre a situação difícil da pesquisa científica no Brasil e as consequências para o país

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    Urbanização e globalização facilitam a vida, mas

    trazem riscos à saúde

    CAPA 16

    Na busca por melhor atendimento, política de saúde mental vai ser revisada

    Resenha: a evolução da medicina a partir dos campos de guerra

    O suicídio como um grave problema de saúde pública na visão de Emanuelle Garmes e Giordano Estevão

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  • PAINEL DO LEITOR ONLINE

    Confira, na edição digital, os conteúdos exclusivos da

    Revista FEHOESP 360 em seu smartphone,

    tablet ou computador.

    360

    ENTREVISTAVeja a conversa com a

    pesquisadora Helena Nader, que comenta os avanços na área da saúde, o interesse da iniciativa

    privada pela ciência e a participação da mulher na

    pesquisa científica.

    CAPAOuça o que os especialistas

    falam sobre a relação da globalização e o risco de contágio

    de doenças e a dinâmica do acolhimento no Brasil.

    Versão digitalO Instituto Brasileiro para Excelência em Saúde (Ibes) participa pela segunda vez do Projeto Bússola, junto à FEHOESP e ao SINDHOSP. Mas somente agora estou conhecendo a plataforma digital da Revista FEHOESP 360. É muito agradável, rica em informações interessantes ao mercado de saúde e bastante atualizada.

    Minha dica é torná-la mais conhecida e divulgá-la junto aos profis-sionais de saúde e tomadores de decisão.

    CLAUDIO COLUCCI, COORDENADOR-GERAL DOS CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DO

    CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO CAMILO

    Compartilhando conhecimentoSou um leitor da Revista FEHOESP 360 e este é um importante e rico veículo para o compartilhamento de conhecimentos relacionados à área da saúde. As matérias cobrem temas que abrangem os elos da cadeia de valor, passando pela prevenção de doenças, promoção de saúde, diagnósticos, condições crônicas e a atenção extra-hospitalar. Aborda as oportunidades e os dilemas dos sistemas de saúde, os as-pectos relacionados à regulação e os seus relevantes atores.

    Sugiro a inclusão de dados que caracterizem o desempenho das or-ganizações do setor nas perspectivas financeiras, processos assisten-ciais, pessoas, sociedade e responsabilidade ambiental.

    DESTAQUE DO PORTAL O artigo “Pelo futuro das nossas crianças”, assinado pelo presidente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Junior, e publicado no jornal Folha de S.Paulo, em 12 de outubro, foi um dos textos mais acessados no portal www.fehoesp360.org.br no último mês. Nele, o dirigente traz uma visão crítica a respeito da situação das crianças brasileiras, especialmente em relação à falta de educação e saúde adequadas. Pontua falhas no ensino público e na alimentação como fatores determinantes. “Para co-locar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento e garantir um futuro mais digno às próximas gerações, precisamos de boas políticas públicas, principalmente nas áreas de educação e saúde”, ressalta um trecho.

    Outro destaque foi a reportagem “Brasil lidera ranking de depressão e suicídio na América Latina”, divulgada pelo Ministério da Saúde, que traz dados alarmantes a respeito da saúde mental dos brasileiros. Além de primeiro no posto latino-americano, o país ocupa o quinto lugar no mundo quando se fala em depressão e suicídio.

    ALÉXIA MANDOLESI COSTA, DIRETORA DE ENSINO E CAPACITAÇÃO DO IBES

  • Como recusar corretamente glosas para

    melhor resultado financeiro

    6 de dezembro 8h30 às 12h30

    Sorocaba

    Relacionamento e comunicação para uma

    empresa produtiva

    10 de novembro9h às 17h

    Mogi das Cruzes Engajamento para condução de equipes

    30 de novembro 9h às 17hSão Paulo Principais

    pontos da auditoria em contas médicas para melhores resultados

    22 de novembro 8h30 às 12h30

    Jundiaí

    Limpeza, desinfecção e esterilização:

    conceitos básicos

    23 de novembro 9h às 17h

    São José do Rio Preto

    Prepare seu RH para a implementação

    do eSocial

    18 de novembro 8h30 às 17h30

    Santos

    Prepare seu RH para a implementação

    do eSocial

    29 de novembro 8h30 às 17h30

    Campinas

    #AgendaCompletawww.iepas.org.br

    *As datas podem estar sujeitas a alterações

    A segurança do paciente e a gestão da qualidade laboratorial

    16 de novembro 16h30 às 20h30Ribeirão Preto

    Motivação: pedra preciosa ou pedra no sapato?

    23 de novembro 9h às 17h

    São José dos Campos

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    CURSOS & EVENTOS

    #iepas

    A segurança do paciente na coleta de sangue

    para fins diagnósticos

    23 de novembro 13h às 17hOurinhos

  • Entidades lançam estudo sobre os custos da saúde A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfar-ma) lançaram, em 2 de outubro, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o estudo “Custos da Saúde – Fatos e Interpretações”, que apresenta informações

    sobre os gastos e as despesas do setor no país e aponta problemas em

    sua medição. O objetivo do trabalho, se-

    gundo o presidente do Con-selho de Administração da Anahp, Francisco Balestrin, é esclarecer e diferenciar

    A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina La-boratorial (SBPC/ML) promoveu, de 25 a 29 de setembro, na capital paulista, seu 51º Congresso Brasileiro de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, que reuniu 4.900 participan-tes e 101 empresas e organizações na área de exposição téc-nico-científica, com produtos, equipamentos e serviços para laboratórios clínicos. A FEHOESP marcou presença com um estande no evento, que ofereceu 135 atividades científicas, entre conferências, mesas-redondas, cursos e workshops, com a participação de 250 palestrantes nacionais e interna-cionais, 302 temas livres e o lançamento de cinco livros.

    Na cerimônia oficial de abertura do congresso, realizada no dia 26, a entidade homenageou o presidente do IEPAS, José Carlos Barbério, que foi agraciado como membro ho-

    Presidente do IEPAS é homenageado pela SBPC/ML

    a inflação médica e os custos da saúde, que crescem rapi-damente no Brasil. “A primeira refere-se principalmente à variação de preços de uma cesta de bens e serviços relacio-nados à saúde, mas que não abrangem a frequência com que são utilizadas. Já os custos incluem não só a variação de preços, como também a quantidade consumida”, explicou.

    O levantamento aponta o aumento nos gastos das ope-radoras e também o alto reajuste nos preços dos planos de saúde que, de 2012 a 2017, cresceram em 67,9%. No mesmo período, a inflação medida pelo IPCA acumulou 38,8%.

    Para Antônio Britto, presidente-executivo da Interfarma, o Brasil melhorou muito nos últimos 40 anos, mas não há solução para a saúde a curto prazo. “É preciso pôr em dis-cussão o sistema e o objetivo é chegar no foco do problema, que é um país despreparado em prevenção, remuneração e informatização.”

    norário da SBPC/ML. Em seu discurso, o dirigen-te lembrou de sua traje-tória como pesquisador e docente, além da atua-ção em importantes insti-tuições do setor.

    A honraria é conferida a per-sonalidades que tenham prestado serviços relevantes à saúde.

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    NOTAS

    Barbério recebeu a homenagem do ex-presidente da SBPC/ML, Adagmar Andriolo

    Yussif participa de webnárioA convite da EAD Laureate – universidade a distância que reúne marcas como FMU e Anhembi Morumbi –, o presi-dente da FEHOESP, Yussif Ali Mere Junior, participou de um webnário sobre o cenário da saúde no Brasil, em 20 de se-tembro, na sede da escola, em SP. A conversa foi conduzida pela enfermeira e professora Patrícia Amaral, e transmitida nas redes sociais da organização.

    Yussif falou sobre a importância da gestão na saúde, da multidisciplinaridade profissional e sobre como a crise no

    país afeta o mercado. “Foi uma grande oportunidade para chegarmos mais perto dos estudantes.”

    O conteúdo, gravado, foi repostado nas redes sociais do pre-sidente da Federação, que agora possui página no Facebook, no Instagram e no Twitter. Para encontrar Yussif nas redes, bas-ta procurar por @yussifalimerejr. “Além da marca FEHOESP 360, que cresce a cada dia em número de seguidores, também sinto que tenho de estar nas redes, como médico, para dar voz a tudo que defendemos para a melhoria da saúde.”

    Francisco Balestrin, da Anahp, apresentou os objetivos do estudo

  • em antes de surgirem as tecnologias móveis e a internet em larga escala, a telemedicina já tra-zia seus benefícios para a área da saúde.

    A ferramenta, conhecida há bastante tempo no setor e baseada na transmissão de dados e in-teração a distância, era lembrada anteriormente apenas como estratégia para atenção básica e se-gunda opinião médica. Mas, hoje, vem amplian-do cada vez mais sua atuação, adaptando-se ao novo mundo digital e às demandas do cuidado.

    “A telemedicina está em franco crescimento no Brasil e no mundo, e de forma acelerada. Uma das principais causas é a expansão dos smartphones e tablets, porque há dez anos nós não tínhamos equipamentos eficientes. Começamos a ter as

    B tecnologias móveis e isso mudou muito”, confir-ma Chao Lung Wen, chefe da disciplina de Tele-medicina da Faculdade de Medicina da Universi-dade de São Paulo (FMUSP).

    O professor aponta também a expansão da te-lefonia 4G como fator que auxiliou na autonomia do acesso a dados. “Com essa mudança compor-tamental, eu diria que o crescimento da telemedi-cina avançou demais, por causa da familiarização da sociedade como um todo, pois, agora, você tem o acesso à informação na palma da mão.”

    Surgida na segunda metade do século passa-do, especialmente com os primeiros computado-res e experimentos com a internet, a modalidade teve importantes progressos durante as décadas

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    Telemedicina inova, mas enfrenta dificuldades para se expandir no país

    Encurtando distâncias

    GESTÃO

    POR RICARDO BALEGO

  • de 1960 e 1970, mas tem sido nos últimos anos sua mais importante contribuição para a medici-na e a saúde.

    O termo telemedicina é geralmente associado à presença de médicos fazendo uso da tecnolo-gia a distância, sendo que telessaúde é um termo equivalente, geralmente atribuído à presença também de equipes multidisciplinares.

    Crescimento privado

    Se nos últimos anos o seu uso esteve efetivamen-te mais ligado a estratégias públicas de atenção básica à saúde, assim como à segunda opinião médica, complementando diagnósticos feitos de forma presencial, a utilização da telemedicina hoje vem se ampliando no mercado suplementar. “Está crescendo muito a modalidade no mundo privado. Nós estaremos, nos próximos dez anos, na década desse crescimento. Isso significa na saúde suplementar, em hospitais particulares e outros lugares”, prevê o professor Wen.

    De fato, já existem iniciativas privadas em áreas como telepronto-atendimento e tele-e-mergência, por exemplo. Os próprios hospitais estão utilizando a telemedicina como forma de melhorar seus processos internos. São atividades de apoio, como quando um médico assistente está fora do estabelecimento e seu paciente, que está internado na unidade de terapia intensiva, precisa ser avaliado. “Por meio do computador ou mesmo do smartphone, é possível fazer essa interação audiovisual com o médico da UTI, veri-ficando sinais, equipamentos que estejam conec-tados ao paciente e como estão funcionando”, exemplifica Jefferson Gomes Fernandes, supe-rintendente de Educação e Ciência do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

    Também na capital paulista, o Hospital Israe-lita Albert Einstein possui programas a distância para segunda opinião médica e suporte à tomada de decisões em serviços de urgência, ambulató-rios, hospitais, escolas e locais remotos, como plataformas de petróleo. A instituição realiza ain-da acompanhamento em UTIs, teleneurologia, teleoncologia e outras modalidades. Afirma ter feito, em 2016, sete mil atendimentos pelo serviço de telemedicina, e projeta aumentar este número para 40 mil neste ano.

    09

    Apoio ao SUS

    Hospitais de ponta como estes também têm tra-balhado em conjunto com o governo para melho-rar a atuação de serviços públicos. Por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institu-cional do Sistema Único de Saúde (Proadis-SUS), o Ministério da Saúde vem abrindo a possibilida-de para que instituições particulares possam con-tribuir com iniciativas no âmbito do SUS – inclusi-ve em telemedicina.

    A finalidade, segundo o programa, é contribuir “por meio do desenvolvimento, incorporação e transferência de novas tecnologias e experiências em gestão, gerando novos conhecimentos e prá-ticas, a partir de parceria entre as entidades de saúde de reconhecida excelência e os gestores do SUS, com atuação em conjunto na superação de desafios, melhoria e qualificação de áreas estra-tégicas na gestão e prestação do serviço público de saúde no país”.

    Os projetos são desenvolvidos por triênios e devem abranger temas como promoção do aces-so, qualidade, integralidade e cuidado em rede; políticas, gestão, comunicação e financiamento do sistema; pesquisas de interesse público em saúde; e desenvolvimento dos profissionais e tra-balhadores do SUS.

    O Hospital Oswaldo Cruz é uma das seis ins-tituições credenciadas junto ao programa. “Cria-mos uma central de telemedicina em 2012, e esse projeto visava dar suporte ao atendimento de urgência de pessoas que apresentavam um aci-dente vascular cerebral agudo. Tínhamos neuro-logistas no hospital disponíveis 24 horas do dia e

  • sete dias da semana para apoiar os médicos que trabalham na emergência de hospitais públicos, no diagnóstico e tratamento dessas pessoas”, explica o superintendente Jefferson Fernandes. Muitas dessas instituições atendidas estavam lo-calizadas em outros Estados, como o Hospital da Restauração, referência em emergências no Recife (PE), e o Hospital de Urgências de Goiânia, maior da área na capital de Goiás.

    Dentro do programa, que durou até 2015, Fer-nandes destaca importantes indicadores. “Houve uma redução da mortalidade intra-hospitalar por acidente vascular cerebral (AVC) e redução das complicações clínicas mais comuns, como úlcera

    de pressão, trombose venosa e pneumonia, além de redução do tempo de internação hospitalar. Buscávamos também qualificar o atendimento, capacitando os médicos, a enfermagem e ou-tros profissionais desses hospitais, e esse projeto mostrou-se bastante eficiente no que se refere aos desfechos clínicos.” O Proadis-SUS contará com novos projetos em seu próximo triênio, que se inicia em janeiro de 2018.

    No entanto, apesar de boas experiências em telemedicina no SUS, especialistas veem uma defasagem por parte do governo em relação ao uso da tecnologia. “O Brasil, do ponto de vista go-vernamental, ficou muito no discurso da atenção primária, quando isso era para ter se consolidado em dois ou três anos. Tinha de avançar em outras coisas e acabou se perdendo tempo. Isso não quer dizer que a ação não tenha sido interessante para induzir um crescimento no mundo privado, mas o sistema público vai acabar tendo de correr contra o atraso, porque nesses últimos anos ficou estagnado em termos de inovação tecnológica”, critica Chao Lung Wen, da USP.

    Questionado, o Ministério da Saúde afirma que investe em telemedicina e telessaúde desde 2007, com o Programa Telessaúde Brasil Redes, “que tem como objetivo melhorar a qualidade do atendimento da atenção básica no SUS, integran-do educação e saúde por meio de ferramentas de tecnologia da informação”.

    De acordo com o MS, em 2017 já foram rea-lizados mais de 600 mil teleconsultorias e qua-tro milhões de telediagnósticos. Um trabalho feito em conjunto com o Programa Mais Mé-

    GESTÃO

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    Jefferson Fernandes, superintendente do Hospital Oswaldo Cruz

    Chao Lung Wen, professor de telemedicina da USP

    Div

    ulga

    ção

    Beto

    Ass

    em

  • dicos, entre 2013 e 2017, proporcionou ainda mais de 52 mil teleconsultorias e 80 mil teledi- agnósticos. “O Telessaúde é uma potente ferra-menta para o fortalecimento da atenção primária em saúde. Elevando a resolubilidade do atendi-mento e ampliando as ofertas de educação per-manente em saúde, permitindo a qualificação adequada dos profissionais”, conclui a nota.

    Inovação e limitações

    A telemedicina do futuro também poderá se inte-grar com novas tecnologias, como big data e inteli-gência artificial, segundo explica o professor Chao Lung Wen. “Isto vai provocar o surgimento de no-vos tipos de equipamentos, como os biossensores e biochips – dispositivos que podem ajudar fun-damentalmente a captar sinais biológicos. Vai se usar o celular como principal recurso para capta-ção de dados, sendo que hoje já existe ultrassom portátil, estetoscópio digital e eletrocardiograma (ECG) baseados em smartphones”, projeta.

    De volta ao presente, mesmo com as limita-ções estruturais, o Brasil ainda tem muito campo para crescer nesta área. Se consideramos que há dez anos as principais estratégias eram baseadas em internet discada, isso fica ainda mais claro. Entre 2019 e 2020, inclusive, está previsto o início das operações em rede de dados 5G, muito mais veloz do que temos hoje e que, aos poucos, deve ganhar todo o país.

    Mas enquanto isso não acontece, já é possível utilizar a tecnologia existente para auxiliar no apri-moramento do atendimento em saúde, como ex-plica Jefferson Fernandes. “No Brasil, hoje temos uma carência e distribuição equivocada de mé-dicos e especialistas. A telemedicina pode levar esse atendimento para uma escala muito maior, em um território enorme e continental como é o caso do nosso país. É uma ferramenta extremamente útil e importante, seja para o nosso sistema de saúde público como para o suplementar.”

    O professor Wen, da USP, vai além, e recomenda que a ferramenta faça par-te do currículo obrigatório na forma-ção médica. “O principal problema é que telemedicina não é matéria obri-

    gatória em 99% das faculdades de medicina”, afir-ma, destacando que a medida também deveria atingir as residências médicas. “Esses dois grupos precisariam aprender sobre ética e responsabili-dade digital”, completa.

    Para viabilizar isso, porém, é preciso que a ati-vidade médica a distância seja melhor normatiza-da. “No Brasil, temos algumas limitações e uma delas é do Conselho Federal de Medicina (CFM), que não permite que o médico faça um atendi-mento direto ao paciente por telemedicina, sen-do que nos Estados Unidos isso acontece há mais de 20 anos, o que limita um pouco o acesso e a resolubilidade”, afirma Fernandes. O médico se refere à resolução do CFM nº 1643, de 2002, que trata do assunto.

    O especialista Chao Lung Wen também participa de uma câmara técnica sobre telemedicina criada no órgão federal para debater o tema, e que, em breve, deve promover mudanças na norma. “Nós estamos trabalhando em uma atualização da resolução e o enca-minhamento para avaliação primária deve ocorrer até o início do ano que vem”, adianta.

    Dentre os pontos mais importantes, destaca o professor, estão a manutenção das obrigações éticas, oferecer a possibili-dade de auditoria e definir a figura do médi-co responsável pelo ato. “A resolução é de 15 anos atrás, muito antiga, e vamos ter uma ampliação do que pode ser feito. Não quer dizer que o CFM perdeu a rigidez e a capacidade disci-plinar, é que a tecnologia mudou muito, além da cultura da população”, justifica Wen.

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    Cientista Helena Nader relata cenário

    alarmante para a pesquisa científica no país

    POR REBECA SALGADO

    om os olhos marejados é que Helena Bonciani Nader, pesquisadora, membro da Academia Mundial de Ciên-cia e doutoranda pela Universidade Fe-deral de São Paulo (Unifesp), onde atua como docente desde 1989, recebeu a reportagem da Revista FEHOESP 360, para abordar o caótico cenário das pes-quisas e ensaios clínicos no Brasil, que

    neste ano tiveram um corte em 44% no orçamento (de R$ 5,8 bilhões em 2016, para R$ 3,2 bilhões em 2017).

    Agraciada na época da graduação com uma bolsa de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico (CNPq), Na-der vê com apreensão não somente o futuro dos jovens pesquisadores do

    país, como, também, do próprio Minis-tério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que, segun-do ela, deve ser extinto nos próximos anos caso os investimentos não voltem a crescer.

    Em setembro passado, um grupo de 23 ganhadores do Prêmio Nobel enviou uma carta ao presidente Michel Temer

    C

    ENTREVISTA

    O Brasil menospreza

    a ciência

  • 13

    comentando suas preocupações com os cortes brasileiros na pasta. No do-cumento, o grupo destaca a apreensão com os rumos da ciência no país, ideia também compartilhada pela pesquisa-dora, como se pode conferir na entre-vista a seguir. Confira:

    FEHOESP 360: O que a fez ingressar na área de pesquisa? Helena Nader: Comecei a faculdade de Ciências Biomédicas na Escola Pau-lista de Medicina em 1967. O curso foi motivador, tive professores incríveis e muita prática. Se eu tivesse que co-meçar tudo de novo, faria sem pensar duas vezes. No segundo ano de gradu-ação, entrei no Departamento de Bio-química, onde permaneço até hoje. Em 1974 já estava defendendo meu douto-rado sob orientação do professor Carl Von Peter Dietrich, que posteriormente se tornou meu marido e companheiro de profissão. Juntos migramos para glicobiologia, estudando a heparina, o que faço até hoje.

    360: Como era o cenário das pesquisas científicas no país naquela época?HN: Era de muita pobreza, mas com riqueza intelectual e determinismo. Tanto na Universidade de São Paulo (USP) como na Unifesp, o dinheiro era escasso e iniciava-se uma institucionali-zação com modelos transdisciplinares. Eu tenho orgulho do Brasil e sempre digo que sou uma pessoa privilegiada porque, apesar de meus pais não serem graduados, sempre deram muito valor à educação, dizendo que o conhecimen-to adquirido jamais poderia nos ser tira-do, o que é uma verdade. Tive bolsas de pesquisas nos Estados Unidos, pagas pelos americanos. Recebi propostas de trabalho lá, mas rejeitei. Ali eu seria só mais uma. Aqui no Brasil eu poderia fazer a diferença. Fiz universidade na época da ditadura militar, um período de totalitarismo em que lutei junto aos movimentos estudantis. Eu não era comunista, apenas queria um país di-ferente. Muitos dos meus professores foram presos e torturados. Isso marcou minha geração. Nós tínhamos o desejo de ver o Brasil realmente acontecer.

    360: Como foi essa institucionalização?HN: O curso de biologia molecular foi o primeiro da nossa instituição. Faziam parte do curso professores da área mé-dica e biólogos, algo que está sendo retomado hoje. Duas agências foram criadas em 1951: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o CNPq, ambas li-

    gas ao Ministério da Educação (MEC) e que trouxeram renovações aos estatu-tos das faculdades, criando os cursos de tempo integral. O que se tinha no Brasil eram grandes ideias. Os depar-tamentos de bioquímica, farmacologia e biofísica eram integrados. O primeiro grande financiamento nacional foi da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que, por meio de um programa revolucionário chamado BioqFapesp, reuniu todos os cursos de bioquímica do Estado de São Paulo em um projeto estruturante que mudou o cenário científico que tínhamos. Desde então, os investimen-tos foram aumentando, a produção científica crescendo e o Brasil come-çou a produzir uma ciência de ponta, reconhecida internacionalmente.

    360: Em sua opinião, como está o cená-rio científico hoje no Brasil em relação a outros países em desenvolvimento? Em quais áreas temos destaque?HN: Na área de saúde somos referên-cia mundial, vide a nossa resposta com o zika vírus. Diversos países já tinham tido contato com o vírus, mas foi uma brasileira a responsável por descobrir sua ligação com a microcefalia e mu-dar o modo como ele era estudado no mundo. Em agricultura também ob-temos destaque. Não é só jogar água na terra e pronto, como a maioria das pessoas acredita. Há muita ciência envolvida no processo, do plantio ao desenvolvimento da plantação. Com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, começa um estudo de solo que permite ao Brasil passar de importa-dor a exportador de alimentos. Hoje, temos a maior produção de grãos e de soja do mundo. A ciência brasileira é de primeira linha, claro que ainda pode melhorar, mas precisa de financiamen-to e não é o que está acontecendo, muito pelo contrário.

  • ENTREVISTA

    eram os chineses que estavam abai-xo de nós em educação e ciência.

    O que o Brasil quer ser? Investi-mos só 6% em todas as áreas para as quais um governo foi criado. E é des-se percentual que sai 1,5% para a ciência. O financiamento que se tem é em soluços. A diferença en-tre fazer ciência aqui e no exterior é que lá fora o dinheiro é dado e pronto. Aqui aprovaram os Institu-tos Nacionais de Ciência e Tecno-logia (INCT), um facilitador para os investimentos, mas não estão mais funcionando. A quantidade de carimbos que precisamos para

    aprovar um projeto é surreal. Preci-sa-se do carimbo do procurador de Justiça, e me pergunto: o que ele entende sobre qual a melhor subs-tância para a minha pesquisa? Digo que cada um quer ver o seu nome no projeto, o que nos transformou em um país burocrático, que nos faz correr contra o tempo.

    360: Como mudar essa burocracia?HN: Existe um marco legal que me sinto quase mãe por ter trabalhado violenta-mente nele. É a lei 13.243/2016, san-cionada pela presidente Dilma Rous-seff, que institui o Sistema Nacional de Tecnologia e Inovação e dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científi-co, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação, incluindo parcerias público-privadas e a simpli-ficação de procedimentos para gestão de projetos. Foram dez anos trabalhan-do para que esta lei acontecesse, mas oito itens dela foram vetados. A norma existe e em cada instituição há procu-radores que não aceitam acatá-la. Para tudo temos de recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF)? Tudo nesse país deve ser judicializado? Não me impor-to em ser fiscalizada, quero provar que os gastos são necessários, mas eu não consigo nem chegar a gastar porque o

    procurador acaba barrando todos os custos. São meses de espera por todos os carimbos até que saia o pedido para a compra das substâncias necessárias, se ele chegar a sair.

    360: Falta visão estratégica por parte das pessoas que tomam as decisões no país para investir mais em ciência? HN: Falta e não é por não alertar. Veja por exemplo a proposta de emenda constitucional (PEC) 55/2016, que após ser promulgada deu origem à emenda constitucional nº 95, que limita por 20 anos os gastos públicos. Não vou dizer que não tenha que se fazer ajustes fis-cais, mas a política econômica desse país é que está errada, e isso não é um erro deste governo, já vêm de outros. A diminuição dos recursos para ciência começou no governo Dilma e desde então vem caindo progressivamente. Educação e ciência são investimen-tos em todos os países que pensam no mundo. Aqui é gasto, é despesa. O conceito está errado. O que a PEC diz é que o orçamento para o ano seguinte é baseado naquilo que você executou. Se continuarmos contingenciados, em quatro anos, eu fiz a conta, o Ministé-rio de Ciência e Tecnologia vai acabar. Fico realmente chateada porque a gen-te tenta alertar. Se você olhar os minis-

    360: A senhora comentou em entrevista que o Brasil está na contramão da his-tória nas pesquisas científicas. Por quê?HN: Na verdade, o governo está na contramão de para onde o mundo está caminhando. Hoje a moeda de troca nos chamados países desenvolvidos e nos Brics, exceto no Brasil, é a socie-dade do conhecimento, que tem valor agregado, o que vai levar a economia para a frente. Todos os países passa-ram por crises, vide os Estados Unidos e a Coreia. O que eles fizeram? Investi-ram cada vez mais em educação e ci-ência. No Brasil, o conceito que diz que “sem educação você não é uma nação” não existe. O que o Congresso Nacional tem feito é leviano. É o menor investi-mento em ciência da última década.

    360: Tivemos um corte de quase 50% em investimentos na ciência nos últi-mos anos. Por quê? HN: Quando fui presidente da Socieda-de Brasileira para o Progresso da Ciên-cia (SBPC), sempre fui presente no Con-gresso Nacional. Não fazendo lobby, nem defendendo aumento de salário, mas mostrando como poderíamos trabalhar com mais recursos. Ninguém está numa luta de classe. Estamos com investimentos em pesquisa científica abaixo da China, quando há 15 anos

    14

    Em todos os países

    ciência, saúde e

    educação são

    investimentos, menos

    no Brasil, que os trata

    como gastos"

    Se continuarmos

    contingenciados,

    em quatro anos o

    Ministério de

    Ciência e Tecnologia

    vai acabar"

  • tros da Fazenda, Planejamento, Gestão e Orçamento, são pessoas informadas, qualificadas, mas que não conseguem enxergar a alma mater. Eles vão levar a ciência para o túmulo. Na lápide deles deveria estar escrito: "Eu acabei com esse país destruindo a ciência e a tecnologia. Eu destruí o anseio do jovem, sou responsável por tudo isso". A educação primária brasileira está na posição 132 do ranking mundial. Esses números são assustadores, como po-dem tratá-los como gastos? Esperava que o STF, ao ver esse cenário, reagisse dizendo: "Corte tudo, menos educação e ciência". Estamos em uma descida vertiginosa. Eles não estão entenden-do e não querem entender o impacto econômico que isso vai causar.

    360: A economia se beneficia da ciên-cia. Quais os resultados para um país que investe em pesquisa? HN: Veja o retorno econômico da Em-presa Brasileira de Aeronáutica (Em-braer), por exemplo. Qual valor agre-gado que ela tem para o país? Ciência leva tempo. O Brasil antes importava petróleo, hoje exporta. Na agricultura, graças ao estudo de solo que foi feito há uma década, economi-zamos anualmente R$ 10 bilhões com fertilizante. A ciência dá re-torno, mas precisa de tempo e de gente. Na ponta você tem a edu-cação, em todos os níveis, porque até mesmo para o chamado chão de fábrica se usa tecnologia. Em escolas, universidades e centros de pesquisa cria-se a ciência que será absorvida pela indústria, ge-rando inovação. A questão é: o que vamos continuar vendendo? Dis-seram que o Estado de São Paulo seria o maior produtor de petróleo do país e à custa do quê? Da ciência bra-sileira. Eu tenho a sensação de que al-guns membros do Congresso Nacional se isolaram da realidade.

    360: O valor das bolsas do CNPq hoje é muito menor do que há 15 anos. Pes-quisadores brasileiros estão indo para fora do país para dar continuidade aos seus estudos. Quais os impactos disso para o país?HN: Eu tenho receio disso. As bolsas estão abaixo do piso salarial de qual-quer área. O estudante bolsista é um cara dedicado. Se o CNPq não tiver recurso, o que vamos fazer: demitir o bolsista? Ele já não tem nenhum tipo de benefício. Os estudantes estão nes-sa porque querem estudar, querem mudar o Brasil. Mas não são eles que precisam mudar, somos nós, os docen-tes. Nós é que somos doentes porque continuamos acreditando que dá para mudar o país, de verdade. O que esses meninos trabalham... Imagine viver com R$ 1.500 em São Paulo, sendo que muitos vêm de outros Estados para es-tudar aqui. Eu, como cidadã, sinto-me corresponsável porque estamos per-mitindo que isso aconteça. O povo bra-sileiro é fantástico e merece respeito. Nosso estudante é brilhante e temos que resgatar esse Brasil que mostrou o que é capaz em tão pouco tempo.

    15

    360: Qual é a sua motivação para con-tinuar essa luta?HN: O Brasil. Eu tenho um amor muito grande pelo país. Eu me sinto devedo-ra dessa pátria. Eu estudei em escola pública, fiz universidade pública, fui bolsista da Fapesp e também fui para o exterior. Recebi dos criadores da Uni-fesp uma joia que é participar até hoje dessa instituição. A ciência que eu faço é o que gosto, não é uma profissão qualquer, é o que escolhi. Não posso agir sem ética, sem cidadania e sem moral como vejo alguns políticos hoje. Eles não vão mudar o que eu acredito: o Brasil vai dar certo e nós vamos rever-ter essa situação. Temos um compro-misso com a sociedade.

    Graças ao estudo feito

    há uma década,

    economizamos

    hoje R$ 10 bi

    com fertilizante"

  • Não há avanços

    sem desafiosUrbanização e globalização facilitam a vida das pessoas,

    mas impactam na saúde e no desenvolvimento social

    POR ELENI TRINDADE

    A s aglomerações urbanas, tal como funcionam hoje, facilitam a troca de informações, o acesso a serviços e produtos, trabalho, lazer e estudo. É inegável que a tecnologia torna o modo de viver atual mais confortável do que décadas atrás e aproxima ideias, pessoas e causas de diferentes continentes. Atualmente, a maioria da população mundial vivencia toda essa dinâmica, porque 70% dela vive em cidades. Na América Latina, a concentração é um pouco maior: 80%, de acor-

    do com a Organização das Nações Unidas (ONU). Mas como tudo o que envolve a ação humana, nem tudo é perfeito.

    As facilidades que o homem criou para sofis-ticar seu modo de vida, como veículos automo-tores, as indústrias e outros equipamentos, são responsáveis também por mais de seis milhões de mortes por ano, causadas pela exposição à poluição, segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS). Outro fator, de acordo

  • 17

    com Helena Ribeiro, professora do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pú-blica da Universidade de São Paulo (USP), é que no século 20, quando foram iniciados programas e ações de controle de saúde com maior rigor téc-nico, alteraram-se os perfis de morbidade e mor-talidade. “Esse processo foi seguido de intenso crescimento demográfico, que, combinado com o desenvolvimento tecnológico, conduziu a uma mudança no caráter das doenças urbanas”, expli-ca no artigo “Globalização, Urbanização e Saúde”, feito em parceria com Heliana Comin Vargas, pro-fessora do Departamento de Projetos da Faculda-de de Arquitetura e Urbanismo da USP.

    Os resultados das políticas públicas de saúde nas cidades ao longo das décadas, somados aos benefícios dos avanços tecnológicos, são visí-veis. Na mais recente edição do relatório Health in the Americas+2017 (Saúde nas Américas+2017), publicação da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)/OMS, a população das Américas ganhou 16 anos de vida, em média, nos últimos 45 anos. De acordo com o documento, uma pes-soa nascida no continente pode viver até 75 anos, quase cinco anos a mais que a média mundial. No entanto, o estudo destaca que as doenças não transmissíveis (cardiovasculares, respiratórias

    crônicas, câncer e diabetes), que causam cerca de cinco milhões de mortes a cada ano, “ainda são desafios na região, considerada uma das mais de-siguais do mundo”.

    A tendência é que esses números aumentem nas próximas décadas devido ao crescimento po-pulacional, envelhecimento, urbanização e expo-sição a diferentes fatores de risco. No continente americano, a obesidade (que é um fator de risco para doenças crônicas) representa o dobro da média global (26,8% e 12,9%, respectivamente) e 15% da população com mais de 18 anos (62 mi-lhões) vive com o diabetes – quantidade que tri-plicou na última década. “A saúde plena depende de saneamento básico, educação e informação, entre outros fatores, e espera-se que as pessoas possam ter acesso a tudo isso nas grandes metró-poles. Mas o perfil epidemiológico mudou mui-to nos últimos anos e nem sempre a população consegue ter qualidade de vida, lazer e mais ati-vidades sociais, que são elementos que podem influenciar ou agravar quadros de depressão. Da mesma forma, a falta de exercícios influencia na hipertensão e assim por diante”, explica Yussif Ali Mere Junior, presidente da FEHOESP.

    Sabe-se, então, que a boa saúde é resultado também da qualidade das políticas públicas e de

  • CAPA

    18

    investimentos no setor, bem como na educação, de ideias, técnicas e tecnologias. Contudo, além de os países pobres e até mesmos muitos dos que estão em desenvolvimento investirem pouco nesses setores, faltam tanto recursos financeiros como humanos que permitam que essas nações sofram menos os impactos decorrentes da união global. “O efeito da globalização na saúde consti-tui-se em um processo complexo, multifacetado, cujas dimensões vão ao longe de qualquer pers-pectiva imaginada. Estamos diante de um grande desafio, que terá de ser enfrentado, pois a saúde é um direito humano fundamental, e a conquista de seu mais alto nível possível é uma das mais im-portantes metas mundiais, cuja realização requer ações de muitos outros setores sociais e econô-micos, além da área da saúde”, constata Yussif.

    Cidade hostil O problema é que para diminuir todos esses índi-

    ces negativos na saúde, que agravam outras problemáticas associadas à desintegração

    social e até a violência, é necessário um

    trabalho extenso envolvendo os agentes públi-cos e participação da sociedade. Mas a vida em uma metrópole, como a cidade de São Paulo, por exemplo, tem um conjunto enorme de questões a serem resolvidas.

    A mobilidade é um agente de grande impacto na vida e na saúde das pessoas. É o que explica a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, da Faculda-de de Arquitetura e Urbanismo da USP. “A mobi-lidade é nosso caos cotidiano devido ao tempo médio de três horas que as pessoas passam no trajeto casa-trabalho-casa. E se essa é a média é porque tem cidadãos passando quatro ou cinco horas no trânsito”, destaca. Essas horas usadas em deslocamentos são impactantes na saúde mental e física, segundo ela, por causa da expo-sição aos poluentes e do desconforto em vagões lotados, que gera o estresse. “É uma tortura.”

    A cidade pode produzir desigualdade, mas, também, pode diminuir. Como exemplo disso, a urbanista cita a integração do sistema de metrô com o de trens metropolitanos. “O acesso am-pliado ao sistema permitiu que pessoas de todas as partes da cidade começassem a frequentar a Avenida Paulista e seus equipamentos culturais.”

    Da mesma forma, a poluição tem destaque nesse cenário. De acordo com a OMS, ela é res-ponsável por uma em cada nove mortes em todo

    Para Yussif, "a saúde plena depende de saneamento básico, educação e informação, entre outros fatores"

    Neu

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    ara

  • 19

    o mundo, afeta 80% das pessoas que vivem em cidades e está ligada a 34% das mortes por aci-dentes vasculares cerebrais (AVCs). Segundo a entidade, ela é o principal risco ambiental para a saúde, mas existem soluções já conhecidas que são simples, porém, fundamentais para combater o problema: transporte sustentável, energia lim-pa e gestão de resíduos.

    No Brasil, no entanto, a realidade ainda está longe de oferecer condições para resolver o pro-blema. De acordo com o Instituto Saúde e Sus-tentabilidade, a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 03/1990 (que es-tabelece os padrões nacionais de qualidade do ar e está em vigor) “não reflete os novos conhe-cimentos científicos sobre o tema”. Os poluentes atmosféricos foram a causa de 31 mortes preco-ces por dia no Estado de São Paulo em 2015, con-forme pesquisas da instituição, o que resultou em 11.200 óbitos naquele ano, número que equivale a quase que o dobro das mortes causadas por acidentes de trânsito (7.867), três vezes mais que o câncer de mama (3.620) e quatro vezes mais que a aids (2.922).

    Ainda existem outros desafios ligados ao modo de vida metropolitano que afetam a saúde, segundo o relatório Health in the Americas+2017: acidentes de trânsito, que representaram 12% das mortes em 2013, bem como as altas taxas de homicídios, que colocaram 18 países da América Latina e do Caribe entre os 20 com mais homicí-dios em todo o mundo. Esse panorama violento traz impacto não só físico como mental, trazendo problemas para o sono, isolamento social, falta de objetivo na vida, depressão, entre outros.

    Para Maurício Wajngarten, presidente do Gru-po de Estudos em Cardiologia Comportamental da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), al-

    guns aspectos fundamentais para a qualidade de vida das pessoas são modificados pela dinâmica da vida urbana. “Falta de atividade física, de nutri-ção adequada, fumo e o peso de emoções disfun-cionais, além de depressão, ansiedade, pessimis-mo e estresse são as consequências mais visíveis”, explica. É um ciclo: o indivíduo se alimenta mal porque está com pressa; não dorme o tempo ne-cessário por causa do barulho e do estresse; não tem disposição para fazer exercícios; ganha peso ou passa a acumular emoções disfuncionais, como ansiedade, depressão e desânimo.

    Para o Wajngarten, embora colocar ações de qualidade de vida em prática seja importante, o conceito está banalizado. “O ato mais importante nesse processo é o de ‘participar’, pois é por meio dele que o ser humano vai colocar a memória para trabalhar e vai se sentir integrado, benefi-ciando aspectos emocionais e sociais de sua vida. E a cidade pode proporcionar isso, pois, mesmo com todos os seus problemas, ela tem estrutura, equipamentos culturais para as pessoas usufruí-rem”, sugere o cardiologista.

    Mais sobrevida, mais gastos Se de um lado há, infelizmente, mais casos de doenças não transmissíveis que afetam as popu-lações, a boa notícia é que há avanços da medi-cina e das tecnologias que proporcionam uma sobrevida maior, com tratamentos, equipamen-tos e terapias. Mas mesmo dentro desse aspecto positivo, existe uma preocupação crescente: os custos em saúde, porque as doenças crônicas são duradouras.

    “Para as clínicas, hospitais e seguros de saúde significa que um mesmo paciente pode requerer

  • CAPA

    20

    Luiz Augusto Carneiro, superintendente do Iess

    Div

    ulga

    ção/

    Iess

    tratamentos variados, em diversos momentos, com internações repetidas, frequentes consultas médicas e, em alguns casos, home care, o que leva a mais gastos para as instituições de saúde, pressão na utilização de leitos, necessidade de profissionais qualificados e medicamentos e in-sumos médico-hospitalares”, enumera a profes-sora Helena Ribeiro.

    “É fato que a urbanização, o envelhecimento da população e a globalização contribuem para que os determinantes de saúde sejam cada vez mais amplos e estejam relacionados inclusive à prevalência crescente das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT)”, afirma Luiz Augusto Car-neiro, superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess). Ele destaca que é importante definir uma estratégia que in-clua as instâncias pública e privada do sistema de saúde brasileiro para lidar com o crescimento da necessidade de cuidados a longo prazo, porque, por exemplo, a população com 60 anos ou mais triplicou entre 1950 e 2010.

    No Brasil, com o envelhecimento, as doenças crônicas têm se tornado mais predominantes do que as infectocontagiosas e a sua prevalên-cia aumenta com o avançar da idade. “Uma for-ma de enfrentamento do problema é estimular mudanças no modelo assistencial de forma que o perfil etário seja levado em consideração para um atendimento mais eficiente dos beneficiários, devendo ser considerados essa nova população

    demandante de planos de saúde, novos produtos para uma assistência mais adequada e a incorpo-ração de novas tecnologias com base em custo-e-fetividade para auxiliar no crescimento controla-do dos gastos assistenciais”, explica Carneiro.

    A promoção de saúde é uma ação fundamen-tal para alterar para o bem o panorama urbano de doenças. “É importante o cuidado preventivo, em que a ideia central é aumentar a qualidade e reduzir custos, sem racionamento de acesso, por meio de prevenção, diagnóstico precoce, redução do uso de exames e tecnologia desnecessárias, idas à emergência e readmissões hospitalares preveníveis, taxas de infecção e efeitos adversos nos hospitais”, afirma o superintendente do Iess. Segundo ele, esses programas são cada vez mais utilizados pelas organizações, mas a participação do conjunto dos trabalhadores, a mudança de comportamento e o impacto econômico nos ní-veis de saúde ainda são bastante limitados. “Ob-serva-se que o retorno sobre o investimento de programas de promoção da saúde realizados por empresas em geral passa a ser positivo a partir do segundo ano das ações.”

    No entanto, de acordo com Helena Ribeiro, as práticas não se limitam a comportamentos sau-dáveis dos pacientes e investimentos das empre-sas. Elas também têm que acontecer de maneira global nas cidades, envolvendo sociedade e go-verno. “Há ações coletivas e no ambiente que tra-zem resultados positivos: melhoria de calçadas para propiciar caminhadas seguras, respeito no trânsito, criação de praças, parques e áreas de la-zer e atividade física, ações junto às empresas de alimentos para redução de teores de sal e de açú-

    car nos produtos, maior oferta de frutas e ver-duras a preços baixos para toda população e

    controle da poluição atmosférica”, ensina.

  • 21

    Em meio a globalização, um aspecto que chama atenção no contexto da saúde é a movimentação de populações em busca de abrigo. Os refugiados sírios, que chegam aos pou-cos ao Brasil, têm ganhado destaque pela dramaticidade da situação de conflito vivida há seis anos por lá. Mas africanos, haitianos e sul-americanos também têm buscado o país para reconstruir a vida destruída pela guerra e pela pobreza.

    De acordo com Marcelo Haydu, presidente do Adus (Ins-tituto de Reintegração do Refugiado), o Brasil abre as portas e permite que essas populações entrem no país, legalizem sua documentação e tenham direito ao cadastro de pessoa física (CPF) e carteira de trabalho, entre outros documentos. “Essa garantia oficial é positiva, mas, historicamente falan-do, o trabalho diário e a acolhida ficam a cargo de organiza-ções não governamentais e instituições religiosas. Elas aten-dem as pessoas por meio de aulas de português, cursos de qualificação profissional e promovem atividades culturais e sociais”, explica Haydu.

    Na opinião do especialista, o Brasil tem uma certa tradi-ção de receber refugiados, mas, mesmo assim, não está pre-parado. Ele explica que os africanos, sul-americanos e hai-tianos precisam se reunir para se manter economicamente e conviver socialmente, o que não acontece no caso dos sírios que, em sua maioria, são acolhidos por comunidades sírias e libanesas que já existem há décadas no país. “Hoje, o Brasil tem dez mil refugiados e mais cerca de 30 mil solicitantes de refúgio. Comparado aos 207,7 milhões de habitantes brasi-leiros, é um número pequeno que ainda não deve impactar na saúde pública”, ressalta.

    Por serem provenientes de diferentes culturas, os refugia-dos podem ter modos de agir e pensar a saúde dissonantes do que é praticado no Brasil, o que chama a atenção no dia a dia, mas isso ainda não é um problema, explica Helena Ri-

    beiro, pesquisadora da USP. “A recusa de vacinação e a vinda de estrangeiros podem representar risco de reintrodução ou introdução de doenças infecciosas. No primeiro caso, este ainda não é um risco muito grande, pois parece ser uma atitude ainda restrita a pequenos grupos. No caso dos imi-grantes e viajantes, neste mundo globalizado, é difícil e an-tidemocrático controlar a mobilidade de pessoas”, acredita.

    Para a pesquisadora, o Brasil tem uma boa gestão da questão por dois motivos: é signatário do Regulamento Sa-nitário Internacional, que dita os procedimentos a serem adotados pelos países para minimizar riscos, e tem uma política estabelecida de vigilância epidemiológica para pre-venção de surtos e epidemias.

    Mesmo assim, todo cuidado é pouco em se tratando de epidemias. De acordo com Thaís Guimarães, médica infec-tologista e presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Instituto Central do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP e do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, no caso das doenças preveníveis com vacina, mesmo que cada país tenha seu calendário de imunização, a co-bertura nem sempre é garantida em 100% das campanhas. “Quando sobra um contingente de indiví-duos suscetível a determinadas en-fermidades, eles podem adoecer se entrarem em contato com um viajante que vem de um país onde houve um surto de sarampo, por exemplo, como aconteceu na Europa em 2016”, alerta.

    O mundo todo em uma cidade

    Thaís Guimarães, médica infectologista do HC-FMUSP

    Div

    ulga

    ção

  • Desafio social

    A assistência à saúde mental no Brasil atra-vessou profundas e importantes mudanças des-de a promulgação da Constituição de 1988, que estabeleceu “a saúde como direito de todos e de-ver do Estado”. Com isso, as políticas de assistên-cia aos portadores de doenças mentais passaram por significativas modificações, como resultado do movimento internacional iniciado na década de 1950 em países como Inglaterra, França, Esta-dos Unidos e Itália, as quais foram influenciadas pelas propostas de medicina preventiva e social, noções de equipe interdisciplinar e novos mode-los de gerência em saúde.

    No Brasil, somam-se a estes fatos a aprovação da lei nº 10.216, de abril de 2001, que definiu as disposições sobre proteção e direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionou o modelo assistencial nesta área.

    Nesses 16 anos, segundo o Ministério da Saú-de (MS), o Brasil instituiu a Rede de Atenção Psi-cossocial, articulando os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), leitos de saúde mental em hospital geral, serviços residenciais terapêuticos (SRTs), unidades de acolhimento (UA) e a articula-ção com serviços de urgência e emergência (RUE) e de atenção básica.

    Política de assistência psiquiátrica precisa ser revisada para melhor atender portadores de doenças mentais

    POR FABIANE DE SÁ

    SAÚDE MENTAL

    22

  • Seguindo a tendência que vinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o país deixou o mo-delo hospitalocêntrico e passou a ter os recursos gastos majoritariamente com os serviços comu-nitários e não com hospitais, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organi-zação Pan-Americana de Saúde (Opas).

    Mas isso vem dando certo? Pesquisas, estudos e especialistas dizem que não. Em todo o Brasil, 23 milhões de pessoas apresentam algum tipo de transtorno mental, sendo cinco milhões em nível de moderado a grave. De acordo com dados da OMS, 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da popu-lação) sofrem com distúrbios relacionados à an-siedade. Já 11,5 milhões (5,8% do total) são afeta-dos pela depressão, o que nos coloca no topo da lista de maior prevalência da doença na América Latina. Apenas em 2015 foram registrados oficial-mente cerca de 12 mil suicídios no país (veja arti-go sobre o tema na pág. 28).

    Apesar de ser um problema grave de saúde pú-blica, a subnotificação nos registros de casos de doença mental, a baixa ocupação de leitos especí-ficos e erros na gestão dos recursos são problemas apontados pelo MS como recorrentes no Brasil.

    Relatório sobre a Rede de Atenção Psicosso-cial (RAPS) elaborado pelo ministério e apresen-tado durante a 8ª Reunião da Comissão Interges-tora Tripartite (CIT), composta pelo MS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Con-selho Nacional de Secretarias Municipais de Saú-de (Conasems), em 31 de agosto, em Brasília (DF), mostra que R$ 185 milhões aportados para finan-ciar serviços nesta área, nos últimos dez anos, não foram aplicados. Aproximadamente 16% dos Caps – 385 de um total de 2.465 – não registraram atendimentos nos últimos três meses. Em 2016, mais de 200 centros não listaram qualquer tipo de produção durante o ano todo. Deste modo, não há como o Ministério da Saúde saber se estes serviços efetivamente existem. Apenas a metade do total das unidades tem relatado mensalmente sua produção.

    Em relação à internação, a situação é ainda mais grave. Ao todo, são 1.164 leitos destinados à saúde mental em hospitais gerais. A taxa de ocupação destas vagas, atualmente, é de 26%, enquanto deveria estar próxima a 80%. Por outro lado, o diagnóstico do MS mostra que 44 hospi-

    tais psiquiátricos especializados tiveram aten-dimento acima da capacidade. Estas unidades recebem por atendimentos realizados. Assim, quanto maior a produção, maior o repasse fe-deral. A União já paga, anualmente, cerca de R$ 80 milhões para o custeio do total dos leitos nos hospitais gerais.

    Segundo o coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do ministério, Quirino Cordeiro Junior, que apresentou o estudo no en-contro da CIT, o objetivo é aprimorar o diagnósti-co e propor medidas para que os serviços sejam ofertados com mais efetividade e otimização de recursos. “O número de brasileiros atendidos ex-clusivamente pelo SUS é de 82% da população, no entanto, apenas 54% dos atendimentos por conta de depressão no país são feitos por meio do sistema público, o que demonstra grande de-sigualdade. Destes, 70% são realizados por meio da atenção básica e 30% nos Caps, que podem não contar com a estrutura mais adequada para o tratamento.”

    Preocupação

    A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) criticam a situação da assistência pública à saúde mental e avaliam que a área “passa por uma fase caótica”.

    Em balanço divulgado este ano, as entidades apontam a sistemática redução do financiamen-

    23

  • SAÚDE MENTAL

    to para a área e pedem a ampliação da rede de atenção. Os rumos que serão adotados no caso de uma possível alteração da política de atendi-mento psiquiátrico geram preocupação entre es-pecialistas. “O levantamento faz um diagnóstico grave do setor e confirma a necessidade de medi-das urgentes para garantir a ampliação do acesso e a efetividade dos serviços oferecidos na rede pública, bem como a transparência da gestão e o uso racional dos recursos federais”, destaca Itiro Shirakawa, professor de psiquiatria da Universi-dade Federal de São Paulo (Unifesp) e conselhei-ro da Associação Brasileira de Psiquiatria.

    Para ele, é coerente com sua responsabilida-de a decisão do Ministério da Saúde de discutir e buscar soluções para os problemas existentes na condução do atual modelo de saúde mental no país, mas pondera que o compromisso com a execução de políticas públicas de saúde, em especial na área psiquiátrica, precisa ser reitera-do. “As ações devem ser baseadas em evidências científicas, respeito ao direito dos pacientes e de seus familiares pelo acesso ao melhor tratamen-to, obediência aos direitos humanos, monitora-mento constante de resultados e comprometi-

    mento dos gestores com a aplicação responsável dos recursos públicos”, ressalta.

    Mais contundente, o psiquiatra e conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM), Salomão Rodrigues Filho, afirma que a lei 10.216 não vem sendo cumprida pelo MS, que, por intermédio da Coordenação Nacional de Saúde Mental, tem distorcido a legislação. “Por meio de portarias e até de informações inverídicas, como a defesa do fechamento dos hospitais psiquiátricos, que, na verdade, são fundamentais em alguns tipos de tratamento para o portador de transtorno mental, principalmente em períodos de surtos, estão des-cumprindo a lei federal que reformulou o modelo de assistência na saúde mental. Estão deixando de lado a psiquiatria”, garante.

    Além disso, o conselheiro diz que há medidas que precisam ser tomadas com urgência a fim de oferecer aos portadores de doenças mentais um tratamento adequado e digno. “É preciso que seja revisto o financiamento destinado à assis-tência mental, que há vários anos vem sofrendo reduções sucessivas pela não correção dos valo-res das tabelas, inclusive inferior às demais áreas da saúde.”

    Lacuna assistencial

    Esta não é a primeira vez que o CFM denuncia a falta de atendimento qualificado aos portadores de doenças e transtornos mentais. Em março deste ano, a entidade divulgou um levantamento mostrando que o SUS fechou 85 hospitais e qua-se 16 mil leitos psiquiátricos nos últimos 11 anos. Segundo a entidade, das 40.942 unidades psiqui-átricas existentes em 2005, restavam 25.097 em dezembro de 2016, o que representa redução de 38,7% na oferta de leitos psiquiátricos.

    Segundo o conselho, esse movimento gera uma lacuna assistencial, já que aponta redução em um contexto de tendência de aumento popu-lacional, registrada em 12% nos dois últimos anos.

    Para a entidade, a instalação de serviços alterna-tivos criados pelo governo para substituir os

    leitos hospitalares (Caps, modalidades de apoio aos usuários de álcool e drogas com estrutura de internação e residências te-rapêuticas) não acompanha a proporção do fechamento das vagas hospitalares. Em

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    Itiro Shirakawa, conselheiro da ABP

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    ção

  • todo o país, estão instaladas pouco mais de dez mil alternativas comunitárias, enquanto foram fe-chadas 15.845 unidades de internação.

    Questionado sobre a possiblidade de abertura de vagas em hospitais psiquiátricos devido aos dados do levantamento do MS, a assessoria de imprensa da pasta informa que não há proposta oficial de expansão das vagas nesses estabeleci-mentos de saúde, por enquanto, pois “ainda será avaliado se não houve problemas na forma de re-gistro dos pacientes ou de interface entre os siste-mas de informação”.

    A ABP e o CFM, em nota emitida em setembro, reconhecem que o modelo anterior, centrado na hospitalização, precisava de mudanças, mas de-fendem que a reforma deveria ser implementada de forma a humanizar o atendimento hospitalar, e não o extinguir. As entidades analisam que, ao restringir a possibilidade de internação, o novo modelo desconsidera as necessidades dos pa-cientes em surto que precisam de acompanha-mento intenso e, principalmente, daqueles que não têm mais qualquer vínculo familiar. “É preciso entender que a doença psiquiátrica é como outra qualquer. Ninguém aconselha alguém infartado a ficar em casa esperando a dor passar. Por que, en-tão, entende-se que um surto psicótico pode ser curado só com carinho, sem medicação?”, ques-tiona Rodrigues Filho.

    O diretor-presidente do Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, de São Bernardo do Campo, Claudio Augusto Rosa Lopes, acredita que a ques-tão é que os hospitais gerais não contemplam processos terapêuticos específicos, não abran-gem a família e têm poucas condições de orga-nizar a inserção ou reinserção social e/ou laboral do paciente, por serem preparados para atenção clínica. Para ele, fazer parcerias com instituições capacitadas para o atendimento qualificado é melhor para o portador de doenças e transtornos mentais, para a família e até para o governo. “Os

    serviços públicos, até por sua dimensão, sofrem pela falta de otimização dos re-cursos. A iniciativa privada faz mais com menos. Isto é público e notório. Ao Esta-do cabe legislar e fiscalizar, não produzir. Ficamos muitas décadas na contramão do mundo que prospera.”

    Medida tomada

    O Ministério da Saúde informa que foi criado o grupo de trabalho (GT) tripartite, com o Conass e o Conasems, para elaborar mecanismos para identificar e corrigir os problemas encontrados na política de assistência à saúde mental. Não há prazo para conclusão dos trabalhos.

    A pasta também diz que está notificando os municípios que não relataram os seus atendi-mentos e que receberam verbas, mas não exe-cutaram as obras e ações previstas na política de saúde mental. Se comprovada a não execução dos serviços, as cidades deverão devolver os re-cursos recebidos. Ainda se estuda a possibilida-de de descredenciamento de centros e unidades que deixarem de informar os serviços prestados.

    Outra ação em execução é a criação de um sis-tema de monitoramento da aplicação dos recur-sos e da realização dos atendimentos nos Estados e municípios. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, a medida dará mais transparência aos processos e permitirá uma melhor fis-calização por parte do MS. O mecanismo também possibilitará identificar se os serviços estão com problemas na noti-ficação ou se estão sem funcionamento.

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    Salomão Rodrigues Filho, conselheiro do CFM

    CFM

    Claudio Lopes, presidente do Centro de Tratamento Bezerra de Menezes

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    o longo dos séculos, o homem e suas guerras deixaram um rastro de sangue, dor e so-frimento por onde passaram. Com o desenvolvi-mento cada vez maior dos aparatos bélicos, os confrontos, que antes eram corpo a corpo, foram dando lugar às armas de fogo e outros artefatos, que agora podiam alvejar seus inimigos a gran-des distâncias.

    Essa evolução, no entanto, não garantiu se-gurança em igual proporção aos soldados, que continuavam a ser alvos de carne e osso, sem-pre expostos aos ataques do inimigo. Com isso, o saldo negativo era mais impressionante a cada novo conflito. Somente nas duas Grandes Guerras Mundiais, pelo menos 60 milhões de vidas foram sacrificadas.

    Mas foi muito antes disso que o homem pas-sou a enxergar, em meio aos horrores da guerra, a possibilidade de resgatar e tratar seus feridos em combate. Havia à disposição um crescente arsenal de cura, e a esse esforço devemos muito do que se tem hoje como práticas consagradas na medicina.

    Foi sobre esses fatos históricos que se debru-çou o médico José Maria Orlando, para escrever o livro “Vencendo a Morte: como as guerras fi-zeram a medicina evoluir”. Em um trabalho que une pesquisa minuciosa e uma narrativa rica em detalhes, o autor enumera as principais guerras de nossa história e como em cada uma delas fo-mos capazes de criar soluções para salvar vidas nos campos de batalha. Boa parte dos casos são narrados em confrontos como a Primeira e Se-

    A gunda Guerras Mundiais, Guerra Civil Espanhola, Guerra da Coreia e Guerra do Vietnã (1955-1975). “Mas, quando eclode um conflito armado, é a vez de a própria medicina militar buscar soluções, ao mesmo tempo efetivas e rápidas, para dar respos-tas concretas e pragmáticas às situações críticas que surgem a partir daquele imenso ‘laboratório de pesquisas a céu aberto’. As melhores possibi-lidades devem ser buscadas e encontradas de forma intensiva, no menor intervalo de tempo possível”, destaca em um trecho.

    Orlando se formou pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1979. Especialista em medicina intensiva, presidiu a As-sociação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), e foi de sua dedicação a esta área que surgiu a curiosidade de pesquisar sobre muitas das técni-cas e protocolos que tiveram início em situações de combate. Descobriu, com isso, que a quanti-dade de avanços era muito maior do que a sua própria especialidade poderia sugerir. Exemplos são as técnicas cirúrgicas, de sutura e reconstru-ção vascular, que tiveram nas guerras um grande campo de estudos.

    São muitos outros ainda os casos documenta-dos, como a transfusão de sangue tal qual como conhecemos hoje, que atingiu seu maior grau de aprimoramento e se firmou definitivamente como método terapêutico eficaz durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ou mesmo a Guerra da Coreia, nos anos 1950, decisiva para que se aprofundassem os conhecimentos sobre insufici-ência renal aguda.

    A batalha pela cura

    RESENHA

    Como a medicina conseguiu evoluir a partir dos campos de guerra

  • Vencendo a Morte – Como as guerras fizeram a medicina evoluirEditora Matrix600 páginasR$ 79,90

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    Inimigo invisível

    Durante muito tempo, a principal causa de morte em uma guerra não era o ferimento em si, mas a falta de conhecimento para lidar adequadamente com as feridas e as infecções que isso provocava. A compreensão moderna em bac-teriologia e os antibióticos viriam a surgir somente mais tarde, e essas au-sências acabaram custando muitas vidas. Dessa forma, as doenças de fato matavam mais, e um corte profundo em combate podia significar uma sentença de morte.

    Piorava ainda essa situação a falta de higiene e saneamento em instalações militares e zonas de conflagração, cenário que só começou a se alterar a partir da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Não à toa, este conflito passou a ser conhecido em sua segunda fase também como a guerra das trincheiras, pois nesse local os soldados perma-neciam por tempos em condições de total falta de higiene, em meio a amontoados de fezes e uri-na. Neste cenário, as infecções acabavam sendo mais letais que o próprio inimigo.

    Mas esta guerra também foi palco de diver-sas experimentações em prol da ciência médica, como o uso de antibióticos, por exemplo. Pelo fato de ainda não serem produzidos em grande quantidade, acabavam sendo destinados não ao tratamento de ferimentos graves, mas para casos simples e homens com doenças como sífilis e gonorreia, já que esses podiam se curar mais rá-pido, sem desfalcar as frentes de batalha e evitan-do o risco de espalhar a doença entre os demais soldados.

    Foi somente anos mais tarde, durante a Se-gunda Guerra Mundial (1939-1945), que a peni-cilina pôde ser utilizada nos soldados em larga escala, a partir de uma produção em massa do medicamento.

    O autor também dedica parte da obra ao con-ceito de triagem de feridos nas guerras e como isso impactava de forma tão decisiva no número de

    vítimas. Lembrou do médico francês Dominique- Jean Larrey, responsável por estabelecer um método de triagem ainda durante as Guerras Na-poleônicas, no fim do século XVIII, mas que seria reproduzido em muitos conflitos no futuro, que privilegiava os soldados feridos com maior condi-ção de se recuperar rapidamente e voltar ao front.

    Também foi dessa época a opção por socorrer os feridos durante as batalhas, e não mais esperar os conflitos cessarem para ajudar as vítimas. Por mais óbvia que possa parecer essa ideia hoje, so-mente a partir daquele momento é que isso pas-sou a ser efetivamente praticado.

    Entre muitos outros exemplos, J. M. Orlando nos comprova que, se não fossem por esses avanços da medicina em pleno campo de guerra, provavelmente não teríamos tais técnicas hoje, assim como o número de vítimas de que temos registro certamente seria ainda maior. Comprova também que por trás de todo conflito desse por-te, existem na verdade homens tentando vencer seu maior inimigo: a morte, o que, por muitas ve-zes, felizmente aconteceu. (Por Ricardo Balego)

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  • O

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    cada 40 segundos. Estima-se que o número de tentativas de suicídio seja ainda maior, chegando a uma a cada três segundos. A morte autoinfligida representa a terceira causa de falecimento entre pessoas com idade entre 15 e 35 anos em todo o mundo.

    No Brasil, houve crescimento de 12% no nú-mero de óbitos por suicídio entre 2011 e 2015, segundo dados divulgados em setembro pelo Ministério da Saúde. Todos os dias, aproximada-mente, 32 pessoas cometem suicídio no país, to-talizando mais de dez mil mortes por ano.

    As maiores taxas ocorrem na população indí-gena, chegando a ser até quatro vezes maiores do que na população em geral. Os homens são os mais afetados, sobretudo aqueles com 70 anos ou mais. A incidência no sexo masculino é quatro vezes maior do que no feminino, provavelmen-te porque os homens utilizam meios mais letais para tentar o suicídio como enforcamento e uso de armas de fogo.

    Outras características sociodemográficas, clíni-cas e condições de vida estão mais relacionadas com o autoextermínio. Há a influência da gené-tica, da história pessoal e familiar, de fatores so-cioeconômicos, culturais, de condições de saúde do indivíduo, como a presença de doenças men-tais e físicas, abuso de álcool e drogas, traços de personalidade e acontecimentos estressantes de vida, que podem funcionar como gatilhos para a conduta suicida. Situações como solidão, vergo-nha, humilhação, desamparo, desemprego, endi-vidamento financeiro, perda de entes queridos, separação afetiva e violência são amplamente reconhecidas como possíveis precipitantes para o desfecho fatal.

    Além disso, o risco ocupacional precisa ser se-riamente levado em conta. Policiais, bombeiros, militares, agricultores e profissionais de saúde

    POR EMANUELLE GARMES E GIORDANO ESTEVÃO

    ARTIGO

    suicídio é um fenômeno complexo que sus-cita interesse no campo científico e literário. His-toricamente, a atitude da sociedade em relação ao suicídio variou da admiração à hostilidade, pu-nição, irracionalidade até a superstição. Presente em livros sagrados como a Bíblia e na mitologia grega, o ato de tirar a vida tornou-se tema de in-vestigação médica a partir do século XVII e, atual-mente, dada a sua frequência, é considerado um grave problema de saúde pública.

    Os números impressionam e preocupam. Se-gundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas suicidam-se no mundo por ano, o que representa uma morte a

    Suicídio: um problema de saúde pública

  • 29

    têm riscos mais elevados de cometer suicídio do que a população geral. O acesso a armas de fogo, pesticidas e medicamentos despontam como for-tes elementos de risco nesses grupos.

    Em profissionais de saúde, sobretudo médi-cos, enfermeiros e dentistas, o maior índice de depressão e abuso de álcool e drogas contribuem diretamente para o aumento nos casos de suicí-dio. Além disso, fatores mais específicos da ati-vidade profissional parecem estar relacionados com o fenômeno, tais como a exposição diária a situações de estresse, as longas jornadas de tra-balho, privação do sono, vivência direta com o adoecimento e a morte, condições precárias de trabalho, exigências pessoais de sucesso e forte competição no ambiente laboral.

    Entre médicos, a taxa de suicídio chega a ser de três a cinco vezes maior do que na população geral. A representação social do médico, visto como símbolo de equilíbrio, ajuda e disponibili-dade aos outros, pode dificultar a identificação dos próprios problemas emocionais e retardar ou impedir a busca por tratamento especializado quando necessário. O receio de ser discriminado por subverter a imagem esperada de defender a vida sob qualquer circunstância contribui ainda mais para esse cenário. O silêncio, aliás, é o fator comum que prejudica o combate ao suicídio em todas as esferas sociais, já que o tema ainda é considerado um tabu. É necessário abrir espaço para o debate, esclarecimento e mobilização da sociedade. A ampla divulgação de que até 90% dos suicídios podem ser prevenidos é o ponto de partida no manejo do problema.

    No Brasil, até o ano 2000, o suicídio não era visto como problema de saúde pública e não ha-via uma clara política de prevenção. Em 2005, o Ministério da Saúde convocou um grupo de tra-balho com a finalidade de elaborar diretrizes na-cionais para tratar do assunto, tais como difusão e sensibilização da população sobre o tema, or-ganização da rede de atenção e intervenções nos casos de tentativas de suicídio, educação perma-nente dos profissionais da saúde em prevenção ao problema, especialmente dos que atuam em atenção básica, entre outros.

    Indivíduos com depressão, dependentes de álcool ou que já tentaram suicídio anteriormente devem ser alvo de políticas mais agressivas de de-

    tecção e tratamento, visto que têm mais chances de conduta suicida. No entanto, na prática, as po-líticas públicas ainda são muito incipientes. Boa parte dos profissionais de saúde considera-se despreparada para lidar com o problema.

    A prevenção só será possível se houver a devi-da capacitação e treinamento de quem está na li-nha de frente, atendendo na porta de entrada dos serviços de saúde. O medo e o preconceito das próprias equipes podem constituir fortes obstácu-los para o manejo do comportamento suicida. É o profissional que estará frente a frente com o pa-ciente que terá a oportunidade de pôr em prática o plano idealizado pelos gestores de saúde. Mas é preciso que a rede de atendimento funcione com disponibilidade de assistência à saúde mental. Na falta de um serviço de referência, o profissional de saúde pode experimentar sentimentos de desam-paro, impotência e receio de ser responsabilizado caso o suicídio aconteça. Cuidar de alguém com intenções suicidas pode ser uma tarefa árdua e estressante e não há uma maneira única de olhar e abordar o problema, mas, quanto maior o esfor-ço coletivo e engajamento de todos, maiores as chances de prevenção.

    * Emanuelle Garmes é responsável pelo pronto-so-corro psiquiátrico do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP) e Giordano Este-vão é diretor do Serviço de Psiquiatria do HSPE-SP

    Entre médicos, a taxa

    de suicídio chega a

    ser de três a cinco

    vezes maior do que

    na população geral"

  • CHARGE

    A Revista FEHOESP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP,

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