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Edição Atual Vol. 17 Nº 4 - Out/Nov/Dez / 1995 1 Tratamento não farmacológico da hipertensão arterial. Autores: José Luiz Santello 2 Ponto de Vista Histórico: I, II, III, IV e V Congressos da Sociedade Brasileira de Nefrologia Autores: 3 Centros de Nefrologia do Interior de São Paulo. Autores: Marli Cavalheiro Gregório 4 Campanha Pró-Memória da Nefrologia Brasileira. Autores: 5 Efeitos renais adversos dos anti-inflamatórios não hormonais: uma abordagem prática. Autores: Vinicius Daher Alvares Delfino, Altair Jacob Mocelin. 6 Diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC): experiência de 10 anos em um centro brasileiro. Autores: José Luis Bevilacqua, Maria da Graça Bueno Marabezi, Carlos Alberto Caniello, Maria do Carmo Camargo, Alberto Verduino das Neves, Jaelson Guilhem Gomes. 7 Efeito da suplementação de potássio através do sal da cozinha na hipertensão arterial leve a moderada. Autores: Leda A Daud Lotaif, Osvaldo Kohlmann Junior, Maria Tereza Zanella, Nárcia Elisa Bellucci Kohlmann, Artur Beltrame Ribeiro. 8 Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renal crônica terminal. Autores: Ricardo Sesso, Angélica G. Belasco. Horácio Ajzen. 9 Comparação entre os efeitos anti-hipertensivo e metabólico da Felodipina e do Enalapril em pacientes com hipertensão arterial essencial leve a moderada. Autores: Cibele Issac Saad Rodrigues, Antonio Felipe Simão, Nyder Rodriguez Otero. Fernando Ratto, Moacir Nicodemos Marte, Fernando Antonio Almeida. 10 Conhecimento, preferências e perfil dos hipertensos quanto ao tratamento farmacológico e não farmacológico. Autores: Décio Mion Jr, Angela Pirin, Edna Ignez, Dália Ballas, Marcello Marcondes. 11 Sangramento gastrintestinal baixo em uremia. Autores: Maria Helena Vaisbish, Vera Hermina Koch, Yu Kar Ling Koda, Regina Schultz, Manoel ErnestoP. Gonçalves, Yassuhiko Okay. 12 Três casos de hipouricemia persistente em pacientes com hipertensão arterial. Autores: Jenner Cruz, Joel Cláudio Heimann, Helga Maria Mazzarolo Cruz, Marcello Marcondes.

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Edição Atual Vol. 17 Nº 4 - Out/Nov/Dez / 1995

1 Tratamento não farmacológico da hipertensão arterial. Autores: José Luiz Santello 2 Ponto de Vista Histórico: I, II, III, IV e V Congressos da Sociedade Brasileira de Nefrologia Autores: 3 Centros de Nefrologia do Interior de São Paulo. Autores: Marli Cavalheiro Gregório 4 Campanha Pró-Memória da Nefrologia Brasileira. Autores: 5 Efeitos renais adversos dos anti-inflamatórios não hormonais: uma abordagem prática. Autores: Vinicius Daher Alvares Delfino, Altair Jacob Mocelin. 6 Diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC): experiência de 10 anos em um centro brasileiro. Autores: José Luis Bevilacqua, Maria da Graça Bueno Marabezi, Carlos Alberto Caniello, Maria do

Carmo Camargo, Alberto Verduino das Neves, Jaelson Guilhem Gomes. 7 Efeito da suplementação de potássio através do sal da cozinha na hipertensão arterial leve a

moderada. Autores: Leda A Daud Lotaif, Osvaldo Kohlmann Junior, Maria Tereza Zanella, Nárcia Elisa Bellucci

Kohlmann, Artur Beltrame Ribeiro. 8 Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renal crônica terminal. Autores: Ricardo Sesso, Angélica G. Belasco. Horácio Ajzen. 9 Comparação entre os efeitos anti-hipertensivo e metabólico da Felodipina e do Enalapril em

pacientes com hipertensão arterial essencial leve a moderada. Autores: Cibele Issac Saad Rodrigues, Antonio Felipe Simão, Nyder Rodriguez Otero. Fernando Ratto,

Moacir Nicodemos Marte, Fernando Antonio Almeida. 10 Conhecimento, preferências e perfil dos hipertensos quanto ao tratamento farmacológico e não

farmacológico. Autores: Décio Mion Jr, Angela Pirin, Edna Ignez, Dália Ballas, Marcello Marcondes. 11 Sangramento gastrintestinal baixo em uremia. Autores: Maria Helena Vaisbish, Vera Hermina Koch, Yu Kar Ling Koda, Regina Schultz, Manoel

ErnestoP. Gonçalves, Yassuhiko Okay. 12 Três casos de hipouricemia persistente em pacientes com hipertensão arterial. Autores: Jenner Cruz, Joel Cláudio Heimann, Helga Maria Mazzarolo Cruz, Marcello Marcondes.

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Editorial Tratamento não farmacológico da hipertensão arterial

O emprego de tratamento não farmacológico no tratamento da hipertensão arterial vem sendo recomendado pelos principais órgãos e comitês nacionais e internacionais nos últimos 20 anos Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial 1 ao V-Joint National Committee, OMS, etc.)

Ainda que a recomendação destas medidas seja unânime, a adoção, a praticidade e a aderência às mudanças higiênico-dietéticas são difíceis de serem mantidas por longo prazo.

Publicado em 1993, o estudo denominado de THOMS2, demonstrou que a adoção de medidas não farmacológicas, associada à terapêutica com drogas anti-hipertensivas por um período de 5 anos, resultou em queda da pressão arterial e da massa do ven-trículo esquerdo, mesmo com a utilização exclusiva de medidas não farmacológicas.

Neste sentido, esta edição do JBN publica o original e interessante artigo de Lotaif e colaboradores, que utilizaram por um período curto, medidas não farmacológicas na terapêutica anti-hipertensiva. Os autores empregaram um sal com 50% de NaCI e 50% de KCl, em substituição ao sal de cozinha, associado ou não ao uso de diuréticos tiazídicos. Este produto, denominado comercialmente de “Sal-Light”, está disponível em muitos supermercados, estando exposto em gôndolas junto ao tradicional sal de cozinha.

Os pesquisadores verificaram que a utilização deste produto, em um estudo controlado e cego, levou a um aumento da caliurese (70 para 120 mEqK/dia), quando da substituição do sal comum pelo “Sal-Light”. Curiosamente, não houve a esperada redução da natriurese, o que para os autores deveu-se a um maior consumo de “Sal-Light”, provavelmente para dar maior palatabilidade aos alimentos.

Vários estudos já demonstraram, inclusive no INTERSALT 3, que o aumento de consumo de ions potássio e a redução de sódio isolada ou combinadamente reduzem a pressão arterial e minimizam as lesões de órgãos-alvo da HASM 4,5

Alguns aspectos e corolários são também interessantes neste trabalho clínico, embora não estejam diretamente vinculados ao objetivo da pesquisa realizada. São eles: a esperada e não obtida redução da natriurese, a disponibilidade comercial do “Sal-Light”, embalado e vendido comercialmente como sal comum e a ausência de efeito aditivo na redução da pressão arterial com a associação de tiazídicos.

O provável acréscimo de maior quantidade de “Sal-Light” no preparo dos alimentos, em relação ao sal comum, e a disponibilidade deste produto em supermercados poderiam fazer com que volumes crescentes deste produto fossem utilizados. Certamente o consumo de potássio poderia ser potencialmente deletério em

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pacientes com IRC e outros insuspeitados distúrbios no metabolismo do potássio. Novos estudos serão necessários para afastar esta real possibilidade e recomendar a utilização para a população em geral.

Por outro lado, o papel do “Sal-Light” no tratamento não farmacológico da hipertensão arterial a longo prazo ainda requer maiores estudos, inclusive para verificar se com o tratamento crônico haveria também uma redução da natriurese.

As informações até agora disponíveis, em relação ao tratamento não farmacológico, preconizam a redução moderada do cloreto de sódio e o aumento do consumo de alimentos ricos em potássio, preferencialmente com o emprego das duas medidas simultaneamente. 3,6 Neste sentido, a utilização de sais enriquecidos com potássio e empobrecidos em sódio poderia ser um importante coadjuvante na terapêutica do paciente hipertenso sob seguimento médico.

José Luiz Santello Doutor em Nefrologia

Médico Assistente da Disciplina de Nefrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

R efe r ê n c i as 1. The 1988 Report of the Joint National Commiuee on Detection, Evaluation and Treatment of Hig Blood Pressure. Arch Int Med. 1988; 148:1023-1038 2. THOMS group. Treatment of mild hypertension study. Final resultS. JAMA. 1993; 270:713-724 3. Intersalt cooperative Research Group. Intersalt: an international study of elec-trolyte excretion and blood pressure. Results for 24 hour urinary sodium and potassium excretion. BMJ. 1988; 297:319-328 4. Sato Y, Ando K, Ogata E, Fujita T. High-potassium diet attenuates salt-índuced acceleration ol hypertension in SHR. Am J Physiol. 1991; 260:R21-R26 5. Jula AM et ai. Effects on left ventricular hypertrophy of long term non-pharmacological treatment with sodium restríction in mild-to-moderate essential hypertension. Circulation. 1994; 89:1023-1031 6. Linas SL. The role of potassium in the pathogenesis and treatment oU hypertension. Kidney Int. 1991; 39:771-786

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Ponto de Vista Histórico: I, II, III, IV e V Congressos daSociedade Brasileira de Nefrologia

Marli Cavalheiro Gregório

de�, lembra o Dr. Caio Dias. Segundo ele, osprimeiros congressos foram muito marcantes eisso contribuiu para a consolidação da Nefro-logia. Aos 82 anos de idade e 59 de carreira,disposto a relembrar aqueles momentos, ele dizque recebeu o título de Nefrologista logo que foiinstituído. Sua atuação é como médico �in-ternista�, considerada por ele a �especialidadetronco� de todas as especialidades.

O Dr. Caio Dias acentua que, desde aquelaépoca, imaginava que a Nefrologia teria a evolu-ção que teve e mesmo não se dedicando à áreacontinua acompanhando as atividades. �O trans-plante renal e a diálise consolidaram a Nefrolo-gia, e a SBN se desenvolveu numa fase de reno-vação desse campo�.

Ainda fascinado pela profissão, ele conta quea SBN foi uma das sociedades que ajudou a fun-dar e que presidiu. Entre outras, também colabo-rou na criação da Associação de Reumatologia eimplantou o ensino de Geriatria na UFMG. �Amedicina sempre foi o encantamento da minhavida�, completa o professor.

Preparação do Congresso era artesanal

O nefrologista americano Robert Pitts foi oconvidado internacional do III Congresso realiza-do em Salvador, no Hospital Prof. Edgar Santosda Universidade Federal da Bahia. O prof. Pittsveio da Universidade de Cornell, onde era titularda cadeira de Fisiologia. �Ninguém acreditavaque o autor de um livro famoso chamado �Fisi-ologia Renal� pudesse participar do congresso�,conta o Dr. Heonir Rocha, organizador do even-to. Ele tinha estado naquela universidade como

Passados trinta e três anos da realização do 1o

Congresso, a lembrança de alguns especialistasque presidiram os cinco primeiros eventos, entre1964 e 1972, continua viva. Enquanto para o Dr.Caio Benjamin Dias, o II Congresso Brasileiro, em1964, realizado em Salvador, foi possível graçasao empenho dos grupos de nefrologistas já atu-antes, para o Dr. Oswaldo Ramos a organizaçãodo V Congresso, feito em São Paulo, parecia di-fícil e quase inviável. Em 1966, foi a vez de osespecialistas se encontrarem em Salvador, noevento organizado pelo Dr. Heonir Rocha. Já oDr. João Absalão Silva Filho lembra que o títulode especialista em Nefrologia foi instituído em1972, durante o VI Congresso presidido por ele esediado em Recife.

Entusiasmo dos participantes garantiu o sucesso

Apesar de não ter recursos para convidar pro-fessores estrangeiros, o II Congresso Brasileiro deNefrologia, realizado na Associação Médica de BeloHorizonte, foi um sucesso, graças ao entusiamo deseus participantes. A declaração é do Dr. CaioBenjamin Dias que, em 1964, presidiu aquele con-gresso, contando com as colaborações importantesdos doutores Alberto Paolucci e Abrahão SalomãoFilho. Ele conta que isso foi possível devido aoempenho de alguns grupos de nefrologistas, dentreos quais de São Paulo e Rio de Janeiro que jáestavam concretizados e por isso começavam a sereunir para a troca de experiências.

�A origem da SBN de Minas Gerais remontaao Serviço de Nefrologia da Faculdade de Medi-cina da Universidade Federal de Minas Geraisonde fundamos o primeiro grupo da especialida-

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Fellow e lembra que o Dr. Pitts teve uma partici-pação de alto destaque científico.

Segundo o Dr. Rocha, naquela época, os Con-gressos eram uma maneira muito agradável deaprendizado, porque todas as pessoas se conhe-ciam, dando uma idéia de família. �Imperava umgrande entusiasmo entre os participantes que le-varam grandes contribuições para aquele even-to�, assinala o Dr. Rocha. Ele observa que forammuitos os trabalhos de grande interesse.

Pela primeira vez foi descrito o envolvimentodo rim na Esquistossomose mansônica. �Aqui naBahia os clínicos e patologistas vinham observan-do que na parasitose os rins ficavam envolvidosnas formas mais severas. Essa constatação nãotinha sido feita em país algum o que despertouum grande debate, até porque era uma doençanova no Brasil. As evidências clínico e patológi-cas sugeriam que em nosso Estado estava sedescrevendo uma coisa nova: a glomeropatia daesquistossomose deveria ser aceita como umapatologia. Foram feitas experiências em animaisque comprovaram esses estudos�.

Outros trabalhos inovadores de grande inte-resse foram apresentados nesse congresso, dentreeles de �Infecção do Trato Urinário� e outro dogrupo de nefrologistas da Escola Paulista deMedicina que começava a se interessar pelo es-tudo da hipertensão, eram pesquisas sobre apatogênese desse processo. O Dr. Rocha tambémdestaca que foi no III Congresso que surgiu aidéia de �fazer uma coletânea de todos os traba-lhos apresentados nos três dias do evento, resul-tando num livro de �Temas de Nefrologia�. �En-tendíamos que era importante uma publicaçãoque marcasse o evento. Outras se seguiram�.

Formado na própria Universidade Federal daBahia, em 1954, o Dr. Rocha lembra, com sau-dade, de toda a preparação do congresso, desdea distribuição das equipes até a preocupaçãocom a falta de ar-condicionado que não havia emtodas as salas. Alguns estudantes eram incumbi-dos de abrir e fechar as janelas, por exemplo,

dependendo do uso da sala. �A preparação docongresso era artesanal, feita com amor e interes-se. Todos eram muito motivados não só para queo evento, mas para que a própria SBN fosse umsucesso�, enfatiza o professor, que até hoje con-tinua dando aulas na UFBa.

Ainda participante dos Congressos Brasileirosde Nefrologia, o Dr. Rocha diz que tem a �im-pressão� que hoje a organização é feita com maisfacilidade, até porque existem empresas espe-cializadas para isso. Naquela época, não. Os pró-prios especialistas colocavam a mão na massa.�Me agrada muito saber que naquele encontrosurgiram descobertas novas importantes, não sópara a Bahia, mas para o país e até para omundo�, completa ele.

Há 25 anos atrás a cidade de São Paulo sediou oV Congresso

A cidade de São Paulo foi a escolhida parasediar o V Congresso Brasileiro de Nefrologia,realizado em 1970, na sede da Faculdade deMedicina da Universidade de São Paulo. O Dr.Oswaldo Luiz Ramos, da Escola Paulista de Me-dicina presidiu o Congresso que contou compalestras de dois professores franceses, além deoutros convidados europeus e americanos. O Dr.Ramos lembra que, como todo congresso, noinício, a organização parece difícil e quase in-viável sua concretização, mas sempre acaba sen-do realizado. Nesse congresso aconteceu a mes-ma coisa. �A falta de dinheiro era a maior dificul-dade�, conta o Dr. Ramos. �Conseguimos umadoação ridícula da prefeitura e do governo, quenaquela época tinha à frente Abreu Sodré. Masfoi essa pequena quantia que acabou represen-tando o lucro do evento�.

Vinte e cinco anos depois, o Dr. Ramos res-salta que o congresso teve boa participação, prin-cipalmente por ter sido realizado em São Paulo,que já naquela época congregava o maior núme-ro de especialistas e cerca de 60 a 70% da pro-dução científica dessa área.

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Ponto de Vista Histórico: Centros de Nefrologia do interior deSão Paulo

Marli Cavalheiro Gregório

Há três décadas os Centros ou Serviços deNefrologia estavam restritos aos grandes centros.Hoje, estão espalhados por todo o país, prestan-do atendimento aos pacientes renais e oferecen-do-lhes uma qualidade de vida melhor. Só noEstado de São Paulo somam algumas dezenas,alguns criados há mais de vinte anos, outros maisrecentes. Por oferecerem um tratamento longo ede alto custo, a maioria reclama por mais recur-sos e outra parcela acredita que a terceirização,como já acontece em algumas cidades, é a solu-ção para melhoria do atendimento.

Começando pelo interior do Estado de SãoPaulo, a partir deste número, o JBN inicia umasérie de matérias que vão contar um pouco ahistória desses Centros. Porém, para que esseregistro seja feito, é necessária a contribuição dosque fizeram e fazem a história da Nefrologia noBrasil.

Ponto de Referência para a RegiãoServiço de Nefrologia da Santa Casa de Rio Claro

Com a contribuição da própria população, oServiço de Nefrologia da Santa Casa de Rio Claro,em 1990, teve suas instalações reformadas eampliadas e atualmente atende 40 pacientes emhemodiálise, sendo sete em diálise peritonial.Criado em 1986, continua sendo o único serviçoda região que atende as populações de Rio Claro,Araras, Leme e Pirassununga.

Segundo o Dr. Sidney Portilho do Nascimen-to, responsável pelo Serviço, ele foi criado devi-do à demanda da população e porque na regiãonão havia nenhum serviço desta especialidade.�Ouvimos na televisão a notícia de que a prefei-

tura de Rio Claro queria instalar um centro deNefrologia na cidade e como estávamos queren-do expandir o trabalho de nosso grupo, entãocom quatro especialistas, resolvemos encarar odesafio�, conta o Dr. Nascimento.

A maior dificuldade, segundo ele, foi obter ocredenciamento junto ao Sistema Único de Saúde(SUS), que levou quase um ano. De lá para cá oServiço tem evoluído bem. Em 1987 a equipe,coordenada pelo Dr. Nascimento fez o primeiro eúnico transplante, cujo paciente continua sendoacompanhado por ele. �A taxa de mortalidade denossos pacientes é bastante baixa, podendo sercomparada a dos grandes centros�, observa omédico.

Atualmente, o Serviço é terceirizado tendo àfrente o Dr. Nascimento e mais um especialista.�Este é um fator muito positivo, porquegerenciando o centro conseguimos racionalizaros trabalhos e cuidar dele por inteiro, o que temresultado em melhoria e continuidade do atendi-mento�. O Dr. Nascimento completa, enfatizandoque hoje este centro é um ponto de referênciapara algumas cidades da região.

Unidade nova e capacidade de atendimentoServiço de Nefrologia da Santa Casa deFernandópolis

Dificuldades técnicas, principalmente quantoao repasse de verbas, é o maior problema que oServiço de Nefrologia da Santa Casa de Fernan-dópolis continua enfrentando, mesmo depois decinco anos de funcionamento. A unidade contacom instalações novas e nove máquinas duplaspara hemodiálise, com capacidade para atender

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72 pacientes, mas por não ter maior demanda,trata hoje de 32 pacientes, além de fazer acom-panhamento de outros 28 transplantados em hos-pitais de São José do Rio Preto. Neste centro nãosão realizados transplantes.

À frente de uma equipe de 14 pessoas, sendodois médicos, enfermeiros e atendentes, o Dr.Evaldo Garcia Terra conta que o serviço �nãocresceu muito em função do pequeno número dehabitantes da cidade, em torno de 70 mil�. Alémdele, o atendimento também é feito pelo Dr.Nilson Abdala.

Terceirização permite alta qualidadeServiço de Nefrologia da Santa Casa deMisericórdia de Lins

Com uma previsão de investimento de R$ 80mil, 1996 promete ser um ano de maior qualida-de de atendimento no Serviço de Nefrologia daSanta Casa de Misericórdia de Lins, que apresentauma taxa de mortalidade de seus pacientesnefrológicos de O%. Tendo como responsável oDr. Alcyr Weller Ferrari, que terceirizou o servi-ço, atualmente são atendidos 50 pacientes.

Entusiasta quanto à terceirização deste tipo deserviços, para não correr o risco de �sucatea-mento como ocorre com a saúde em todo opaís�, o Dr. Ferrari diz que esta é uma tendênciamundial e, dessa forma, é possível oferecer umalto padrão de qualidade para um número maiorde pacientes. �Com a terceirização, a direção doserviço passa a ser autônoma. Já atrelados à San-ta Casa, se o médico não estiver envolvido, ainstituição quebra. Esta é mais uma maneira alter-nativa para melhorar o atendimento de saúde,pois é preciso racionalizar custos e despesas�,acentua ele.

Transplantes serão iniciados em 1996Serviço de Nefrologia da Santa Casa de Ourinhos

O dia do médico (18.10) de 1975 foi umadata marcante para a cidade de Ourinhos. Erainaugurado o Serviço de Nefrologia da Santa

Casa sob a coordenação do Dr. Roberto Beneditode Carvalho que acabava de retornar à cidade,depois de um estágio na equipe do renomadonefrologista Emil Sabbaga.

O Dr. Carvalho conta que praticamente foiconvocado para voltar à cidade onde foi criado,pois a Santa Casa tinha recebido a doação doprimeiro rim artificial, através do LionsClub, en-tão era preciso a sua instalação e operação. �Euera o único nefrologista, naquela época, na cida-de. Hoje conto com o apoio de outros dois espe-cialistas�.

Ele acredita que ao longo desses 20 anos deexistência, o serviço teve um crescimento propor-cional ao de outros centros de Santas Casas, comdificuldades financeiras e consequente falta derecursos humanos e materiais. Filiado ao São Pau-lo Interior Transplantes, o serviço ainda não rea-liza transplantes, mas faz captação de vários ór-gãos, já tendo conseguido 26 rins, dois coraçõese dois fígados. �Estamos tentando credencia-mento junto ao Ministério da Saúde para, a partirdo próximo ano, começarmos a realizar trans-plante renal, uma vez que estamos devidamenteestruturados�, ressalta o Dr. Carvalho.

Atualmente, o Serviço atende 70 pacientes emhemodiálise, sendo 12 em diálise peritonial. Se-gundo o nefrologista, desse total, 50 estão capa-citados para receber um novo rim. Contam comnove máquinas, sendo oito duplas e uma deproporção. �Este tipo de máquina é o ideal, por-que é mais moderna e dotada de dispositivos desegurança, além de atender um paciente de cadavez�. Ele acrescenta que a restrição, por parte doSUS, de novos pacientes em hemodiálise estálevando os centros a trabalharem com sua capa-cidade máxima, como vem acontecendo emOurinhos.

No entender do nefrologista, além dos equi-pamentos sucateados, a maior dificuldade enfren-tada pelo Serviço é a econômica, que resulta dafalta de investimentos. Para tentar reverter umpouco a situação, há um ano, o Dr. Carvalho e

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sua equipe vem trabalhando como autônomos,num sistema de parceria. Ele observa que essesistema permite a melhoria do atendimento edos honorários médicos. Para o próximo anoexiste a expectativa de investimento em máqui-nas novas e mais modernas.

Mais de 25 anos dedicados à NefrologiaServiço de Nefrologia da Faculdade de CiênciasMédicas da Pontifícia Universidade Católica deCampinas (PUC)

Nos últimos dez anos o Dr. Antonio Carlos L.C. Castro vem se dedicando aos pacientes do Ser-viço de Nefrologia da Faculdade de CiênciasMédicas da Pontifícia Universidade Católica(PUC) de Campinas. Segundo o Dr. Castro, nesseperíodo já foram realizados cerca de 100 trans-plantes renais e, atualmente, o Serviço atende 90pacientes em hemodiálise. Dificuldades, ele assi-nala que sempre ocorreram. Mas a principal é ademora para o repasse de verbas. Ele acentuaque, atualmente, o Serviço conta com máquinasindividuais de diálise de última geração, obtidasatravés de uma espécie de comodato com umaempresa multinacional alemã.

O Dr. Castro conta que seu trabalho juntoaos pacientes renais crônicos vem de longadata, iniciado em 1970 quando retornou de umestágio Fellow na Cornell University MedicalCollege, em Nova Iorque. �Os tratamentos dediálise estavam começando. Apenas em algunscentros mais avançados ela já era usada maisrotineiramente. Fomos os primeiros a fazer essetipo de tratamento aqui em Campinas. A hemo-diálise era usada não para manter a vida, comoacontece hoje, mas para tirar o paciente de umasituação de agonia�.

Segundo o Dr. Castro, no início dos anos 70,ainda era um pouco complicada a aquisição deequipamentos, por causa da necessidade de im-portação e dos altos custos. Antes de responderpela cadeira de Nefrologia na PUCCampinas, eleatuou durante 11 anos na Unicamp, onde tam-

bém era responsável por essa disciplina. Ele lem-bra de um dos primeiros transplantes realizadosem São Paulo, em 1971, na Casa de Saúde deCampinas. �Realizamos o 1º Homotransplanterenal, de doador vivo relacionado. O receptor fa-leceu 15 anos após, vítima de infarto do mio-cárdio, com o rim funcionando�.

SPIT permite crescimento do número de transplantesServiço de Nefrologia do Instituto de Rim de Marília

O início das atividades nefrológicas no Insti-tuto de Rim de Marília remontam a 1974, quan-do o Dr. José Cícero Guilhen iniciou suas ativida-des após um período de residência em Curitibajunto ao Serviço Prof. Adyr Soares Mollinari, e deum treinamento em Londrina com os Drs. Mo-celli, Gordan e Matne. As informações são doprofessor Ivan de Melo Araújo, que em 1976 jun-tou-se ao grupo do Instituto. Atualmente, ele res-ponde pelo Serviço na Faculdade de Medicina deMarília.

O Dr. Melo Araújo conta que naquela épocaera recém saído de um programa de residênciada Faculdade de Medicina da USP e mestrandodo Instituto de Ciências Biomédicas na área deFisiologia. Segundo ele, o Serviço é credenciadojunto à SBN para a formação de especialistasdesde 1979. Também desde essa época tem sidomantido regularmente um programa de estágio e,posteriormente, de residência médica em Ne-frologia reconhecida pelo MEC. Até este ano fo-ram formados 18 especialistas de várias cidadesdo país, incluindo Paraná, São Paulo, Goiás eMato Grosso.

Segundo o Dr. Melo Araújo, no começo dosanos 80 foi iniciado o programa de transplantesrenais, com a vinda do Dr. Maurício Braz Zanolli,formado pelo programa de residência do Prof.Molinari e com estágio na Unidade de Transplan-tes do HC de São Paulo com o prof. Emil Sab-baga e Dr. Roberto Guzzardi.

�Este programa frutificou com a fundação doSão Paulo Interior Transplantes (SPIT) em Marília

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em 1987, que permitiu um crescimento da ativi-dade de transplantes, atingindo em nossa cidade,atualmente, um total de 150 procedimentos, compredomínio de doadores cadáveres�, completa oDr. Melo Araújo.

Progresso do Serviço resultou em enfermaria própriaCentro de Diálise e Transplante Renal do HospitalSão Francisco, de Riberão Preto

O primeiro transplante renal no Centro deDiálise e Transplante Renal do Hospital São Fran-cisco, de Ribeirão Preto, foi realizada em 1989.Hoje somam 124, entre os transplantes com do-adores vivos e com cadáveres. Iniciado em1974, realizando diálise peritonial em insuficiên-cia renal aguda, o Centro evoluiu para tratamentocrônico e, em 1975, fazia a primeira hemodiálise.Atualmente são acompanhados 150 pacientes emtratamento dialítico entre hemodiálise e CAPD.

Pioneira neste tipo de tratamento, no interiorde São Paulo, a Dra. Maria Terezinha Vannucchi,responsável pelo Centro, assinala que ele cres-ceu e se tornou um dos maiores serviços do país,�apesar de estarmos em contenção por tratar-sede um procedimento mal remunerado�. Ela acen-tua que o Serviço compreende o atendimento aopaciente renal ou àquele que apresenta compli-cações renais em doenças sistêmicas.

Contando com uma equipe de urologistas dohospital, tem sido feitos transplantes renais, sen-do a equipe responsável pelo preparo e segui-mento no Ambulatório de Transplante Renal.�Progredimos em todos os setores, inclusive naconstituição de enfermaria própria com treina-mento de pessoal especializado, sendo nossoServiço pioneiro dentre os hospitais da região,com exceção do HC�, diz a doutora.

Segundo a Dra. Maria Vannucchi, o Serviçotambém é reconhecido pela SBN como apto paraespecialização de residentes em Nefrologia. Elaconta que, da mesma forma que cresceu o Servi-ço, o corpo clínico também evoluiu, contandoatualmente com seis especialistas, quatro enfer-

meiras, além de 16 auxiliares e técnicos de enfer-magem e mais três secretárias.

Os pacientes atendidos nesse Serviço estãocadastrados no São Paulo Interior Transplantes,sendo responsável por esta área a Dra. MariaEstela Nardin Batista. No último ano, o Serviçopassou a realizar biópsia óssea e implantação deCAPD por trocater, necessidades observadas eexperiência adquirida em centros especializados.A Dra. Maria Vannucchi observa que �dificulda-des sempre existiram, mas sempre relacionadasaos recursos financeiros como atrasos de paga-mentos e insuficiência de verbas. Enfim, a vonta-de do governo em custear a saúde, em investirno desenvolvimento da parcela da populaçãoque não pode arcar com tratamento de alto cus-to�. Ela acrescenta que as empresas pagadoras deserviços de saúde também não se responsabi-lizam pelos procedimentos no paciente renal crô-nico, �o que distancia ainda mais de uma solu-ção�.

Completando, a Dra. Maria Vannucchi diz: �Aequipe julga que tem condições de prestar umatendimento adequado à população, mas temcomo certo que, se não houver vontade políticae a união dos Nefrologistas, o distanciamento doprimeiro mundo se acentuará�.

No começo 15 consultas semanais. Hoje são maisde 200Serviço de Diálise da Disciplina de Nefrologia daFaculdade de Medicina da Unicamp

Há 12 anos atrás, quando foram iniciadas asatividades do Serviço de Diálise da Disciplina deNefrologia da Faculdade de Medicina da Uni-camp, o atendimento dos pacientes com nefro-patias era restrito a um ambulatório semanal comuma média de 15 consultas e dois leitos de en-fermaria. Atualmente, o atendimento ambulatorialé realizado por sub-especialidades com umamédia de 200 pacientes por semana, contandocom uma enfermaria com 12 leitos para as maisdiversas modalidades de doenças renais, além de

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 190-196196

um programa dialítico para pacientes crônicos eagudos.

O Serviço foi implantado em 1983 na antigaSanta Casa de Misericórdia. Um ano após erarealizado o primeiro transplante renal e em 1995a disciplina ultrapassou a marca dos 500 trans-plantes, sendo a maioria de doador cadáver.

Segundo a professora Maria Almerinda Ribei-ro Alves, responsável pelo serviço, com a mu-dança física do hospital para o atual campusuniversitário, em 1987, o serviço de atendimentoaos pacientes com doenças renais da região deCampinas sofreu considerável incremento, assimcomo o programa de Residência Médica na áreade Nefrologia e o desenvolvimento de pesquisasclínicas e experimentais. Atualmente, a disciplinaé constituída por seis docentes, oferecendo trêsvagas anuais de Residência Médica em Nefrologia(reconhecida pelo Ministério da Educação) para

médicos em treinamento, e a partir do próximoano, mais três vagas para residentes do terceiroano.

A professora observa que o curso de pós-gra-duação na área é abrangente, desenvolvendo tra-balhos em transplante renal, glomerulopatias, fi-siologia renal, nefropatia diabética, insuficiênciarenal e calculose renal. �Nesse período foramformados pela disciplina 17 novos nefrologistas ea maioria alocada na região, desenvolvendo suasatividades na área�. A disciplina também contacom laboratório de pesquisa em Fisiologia Renale Conservação de Órgãos, além de InvestigaçãoClínica. Atualmente tem seis pós-graduandos de-senvolvendo seus trabalhos junto à disciplina.

Completando Maria Almerinda diz que �fazemparte desta história� os professores: Gentil AlvesFilho, Eduardo Homsi, José Francisco Figueiredo,José Butori de Faria e Dra. Marilda Mazzali.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 199-205 199

V. D. A. Delfino e A. J. Mocelin - Efeitos renais dos anti-inflamatórios não hormonais

Efeitos renais adversos dos anti-inflamatórios não hormonais:uma abordagem prática.

Vinicius Daher Alvares Delfino, Altair Jacob Mocelin

Anti-inflamatórios não hormonais (AINH) são drogas largamente utilizadas, apesar de não

serem desprovidas de efeitos colaterais potencialmente severos, os quais incluem nefro-

toxicidade. Os autores fazem uma revisão dos mecanismos de ação e dos efeitos renais adver-

sos dos AINH, identificando as principais situações clínicas onde o uso dos mesmos pode

acarretar dano renal. Sugestões práticas, visando minimizar a nefrotoxicidade dos AINH são

também oferecidas.

I n t ro d u ç ã o

Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) sãodrogas amplamente utilizadas na prática médica diáriamas nem por isto destituídos de efeitos colaterais po-tencialmente sérios. O objetivo desta revisão é o deidentificar as principais ações renais dos AINH, deforma a minimizar, pelo uso racional e parcimonioso,os efeitos renais adversos destas drogas.

As principais ações renais dos anti-inflamatóriosnão hormonais são ditadas pela capacidade dos mes-mos de bloquear a síntese renal de prostaglandinas(PGs), de forma que uma breve revisão a respeito dasíntese das PGs, com especial ênfase na biossínteserenal das mesmas, se faz necessário.

Garella 1 ao comentar sobre a gênese do nome�prostaglandinas� recorda que, em 1930, Kurzrok e

Lieb observaram que o líquido seminal promoviacontração-relaxamento de tiras de útero humano eque von Euler, 7 anos após, demonstrou que lipídeosácidos extraídos da vesícula seminal de carneiros tam-bém possuiam esta atividade e os denominou �pros-taglandinas�, pensando serem os mesmos sintetizadosapenas pela próstata.

Virtualmente, todas as células possuem os subs-tratos e as enzimas necessárias para a síntese de al-guns dos metabólitos do ácido aracdônico, porém ostecidos diferem em relação às enzimas que possueme, conseqüentemente, nos produtos que formam. Porexemplo, considerando-se a via da cicloxigenase, aprostaglandina D2 (PGD2) é o principal produto en-contrado nos mastócitos; tromboxane A2 (TxA2), omais abundante nas plaquetas e prostaglandina I2(PGI2 ou prostaciclina), o principal metabólito da ci-cloxigenase nas células endoteliais, células musculareslisas e alguns tecidos não vasculares.2

Conceito fundamental é o de que as prostaglan-dinas não se constituem em hormônios propriamenteditos mas em �hormônios locais�, cuja ação biológicaé exercida basicamente no local onde são sintetiza-das, devido a meia vida muito curta que têm na cir-culação. Além do mais não são estocadas, porém sin-tetizadas imediatamente antes de sua liberação, na de-pendência de sua necessidade.3,4,5 A figura 1 apresentauma visão simplificada da biossíntese das PGs, indi-cando como os AINH interferem neste sistema.

Universidade Estadual de Londrina. Rua Robert Kock, 60, Londrina-PR.CEP: 86038-440.

Endereço para correspondência: Instituto do Rim de LondrinaAv. Bandeirantes 804, 86010-010, Londrina, ParanáTelefone: (043) 323-9191 - Telefax: (043) 321-1824

anti-inflamatórios não hormonais, AINH, toxicidade renalnon-steroid anti inflammatory drugs, NSAID, renal toxicity, kidneydrug effects

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V. D. A. Delfino e A. J. Mocelin - Efeitos renais dos anti-inflamatórios não hormonais

vasoconstrictora renal da angio II é maior na arteríolaeferente que na aferente, a pressão hidrostática glo-merular aumenta, aumenta a fração de filtração,minimizando-se assim a queda do ritmo de filtraçãoglomerular 1,3,4,5 às custas de aumento da pressãointra-glomerular.

Nas situações acima, o aumento concomitante dasíntese de nitróxido e de PGs renais vasodilatadoras,contrabalançeia os efeitos renais dos vasoconstric-tores, contribuindo também para a manutenção da fil-tração glomerular. Neste contexto, o bloqueio destavasodilatação compensatória das PGs pelos AINHpermite a atuação não regulada dos vasoconstrictoresrenais e favorece o aparecimento do efeito colateralrenal mais comum dos anti-inflamatórios, qual seja,insuficiência renal aguda hemodinâmica, funcional,quase sempre reversível após a suspensão da droga.7,8

A tabela 3 fornece uma lista das situações onde ouso de anti-inflamatórios pode levar ao aparecimento

Figura 1 - Visço simplificada da biossíntese das prostaglandinas

Quando se observam os rins, as principais pros-taglandinas produzidas são a PGI2, principalmente nacórtex, e a PGE2, principalmente na medula.5, 6 Atabela 1 relaciona as principais ações fisiológicas re-nais destas PGs. Publicações recentes revisam o temaem profundidade.1,4,5

Por facilidade didática, os comentários sobre asações renais indesejáveis dos AINH serão divididosem três seções, a saber:1 ) Disfunção renal aguda;2 ) Disfunção renal crônica;3 ) Interferência no controle de metabólitos e da

pressão arterial.A tabela 2 apresenta uma ordenação destas ações

adversas.A prevenção dos efeitos colaterais renais destas

drogas constituir-se-á na última seção desta revisão.

D i s f u n ç ã o re n a l a g u d a

Insuficiência renal aguda hemodinâmica e necrose tubularaguda

PGE2, PGD2 e PGI2 são potentes agentes vasodi-latadores. Em condições habituais de euvolemia, asecreção de PGs renais é baixa e as mesmas nãodesempenham papel importante na manutenção dofluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular. Nes-tas condições, a inibição de sua síntese por AINH nãoproduz alterações significativas na função renal. 1,3,5

No entanto, em uma série de ocasiões, particular-mente situações que promovem hipofluxo renal efeti-vo, há estimulação de vasoconstrictores renais, espe-cialmente norepinefrina e angiotensina II (angio II),os quais acarretam aumento da resistência renal totale diminuição do fluxo plasmático renal. Como a ação

Tabela 2Ações renais adversas dos anti-inflamatórios não hormonais

Ação renal Exteriorização clínica1) Disfunção aguda - hemodinâmica

- necrose tubular- nefrite intersticial- lesões mínimas associada

ou não à nefrite intersticial- necrose papilar- vasculite sistêmica

2) Disfunção crônica - nefrite intersticial- necrose papilar

3) Interferência no controle - hipercalemiade eletrólitos e da pressão - hiponatremiaarterial - edema

- diminuição da ação dedrogas anti-hipertensivas

- resistência a ação de diuréticos

Tabela 1Predominantes ações fisiológicas das principais prostaglandinas renais

Prostaglandina Ação fisiológica renal

PG12/PGE2 1) vasodilatação renal2 ) estimulação da liberação renal de renina3) inibição da reabsorção de cloreto de sódio

na alça ascendente espessa e túbuloscoletores

4) antagonismo do efeito do hormônioantidiurético nos túbulos coletores

5) diminuição da hipertonicidade medularmáxima

FOSFOLIPÍDEOS

FOSFOLIPASES

ÁCIDO ARACDÊNICO AINHs

CICLOXIGENASE

Pgl2 Tx A2

PgE2 PgF2 Í

PgD2

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deste tipo de insuficiência renal. Os fatores de riscopara esta entidade são aditivos. Isto não implica dizerque, quando presentes, a insuficiência renal agudahemodinâmica certamente se instalará, mas sim, queo uso destas drogas neste grupo de pacientes devealertar o médico para esta eventualidade.

A insuficiência renal funcional vista nestes casosestá, freqüentemente, associada à uma excreção fra-cionada de sódio menor que 1% e sedimento urinárioinocente, a menos que a isquemia tenha sido de du-ração e magnitude suficientes para resultar em ne-crose tubular aguda.9

Nefrite intersticial, síndrome nefrótico, necrose papilar evasculite sistêmica

Embora a nefropatia hemodinâmica seja a princi-pal causa de insuficiência renal aguda verificada pelouso de AINH, disfunção renal aguda pode ainda serobservada devido à nefrite intersticial, síndrome ne-frótico, necrose papilar e vasculite generalizada. 3,6,10

A nefrite intersticial associada ao uso de anti-infla-matórios, freqüentemente acompanhada por lesõesglomerulares e proteinúria, muitas vezes nefrótica,pode ocorrer de 2 semanas até 18 meses após o iníciodo uso dos AINH, e raramente se apresenta comoclássica nefrite alérgica induzida por droga pois febre,�rash� cutâneo, eosinofilia e eosinofilúria quase nuncaestão presentes.3 O sedimento urinário geralmente éativo com micro-hematúria, leucocitúria e cilindrúria.A histologia mostra infiltrado predominantementelinfocitário no interstício, e degeneração vacuolar dostúbulos proximais e distais. Quando glomerulopatia

está presente, as alterações assemelham-se às obser-vadas na síndrome nefrótica por lesões mínimas. 1,3,9

Ocasionalmente, esta última glomerulopatia pode seapresentar sem lesões túbulo-intersticiais associadas.

Habitualmente, a insuficiência renal aguda e aproteinúria cessam com a descontinuação dos AINH.Em casos nos quais as complicações acima são seve-ras ou não desaparecem espontaneamente, terapiacom esteróides pode ser necessária e é efetiva.1 De-vido ao bloqueio da via da cicloxigenase pelos AINH,linfócitos T parecem ser ativados por metabólitos davia da lipoxigenase. Desta maneira, nesta situação omecanismo fisiopatológico envolvido parece ser ummecanismo celular, em oposição ao humoral presentena maioria dos outros tipos de nefrites induzidas pordrogas.3

Necrose papilar é mais freqüentemente verificadaem pacientes diabéticos, portadores de anemia falci-forme, condições associadas à hipóxia medular renalcrônica 1 e em pacientes que consomem altas dosesde AINH em combinação ou não com analgésicos.11

Insuficiência renal secundária à vasculite sistêmicae glomerulonefrite é ocorrência rara. De maneira se-melhante ao que ocorre com a nefrite intersticial, osderivados do ácido propiônico são os AINH mais in-criminados neste tipo de lesão.

D i s f u n ç ã o R e n a l C r ô n i c a

Em 1978 Nanra 12 documentou que pacientes emuso crônico de AINH podem apresentar nefriteintersticial crônica semelhante à verificada após usocontinuado de analgésicos, especialmente fenacetina.Adams (1986),13 chamou a atenção para a possibilida-de de insuficiência renal crônica atribuível ao usocrônico dos mesmos. Sandler (1991) 14 relatou riscodobrado de doença renal crônica em indivíduos commais de 65 anos utilizando AINH diariamente. O riscode doença renal crônica atribuível ao uso prolongadoe de altas doses de AINH é enfatizado em duas outrasrecentes publicações.11,15

Nefropatia analgésica (nome inapropriado poispode ocorrer após uso continuado e abusivo de anal-gésicos, AINH, ou de drogas que combinam os doisagentes) vem sendo desde há muito descrita comocausa importante de insuficiência renal crônica (IRC)em vários países. Estima-se que a nefropatia analgé-sica seja responsável por cerca de 17% dos casos deIRC na Suiça, 12% na Austrália, 10% em certas regiõesdos Estados Unidos (EUA).11,16 Em outros locais no

Tabela 3Situações onde o uso de AINH pode induzir insuficiência renal aguda

hemodinâmica

1) Idade maior que 65 anos, especialmente na presença de outro(s)fator(es) abaixo relacionado(s)

2 ) Diminuição do volume circulante efetivo: insuficiência cardíacacongestiva, cirrose com ascite, síndrome nefrótico

3) Depleção por diarréia, hemorragia, uso de diuréticos, etc.4 ) Nefropatia crônica de qualquer etiologia: diabética, hipertensiva,

glomerulonefrite crônica, pielonefrite crônica, etc.5 ) Pós-operatório de grandes cirurgias6 ) Septicemia7) Abuso agudo de bebida alcóolica8) Hipercalcemia9) Uso de nefrotóxicos (aminoglicosídeos, contrastes radiológicos,

anfotericina B, ciclosporina)*

* Nestes casos, combinação de insuficiência renal agudahemodinâmica e nefrotóxica

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V. D. A. Delfino e A. J. Mocelin - Efeitos renais dos anti-inflamatórios não hormonais

entanto, esta nefropatia não parece ser tão prevalenteentre as causas de IRC, representando menos que 2%dos casos de IRC no Canadá 17 e em outras regiõesdos EUA.18,19

Esta ampla variação geográfica na prevalência danefropatia analgésica pode ser atribuída a diferenteshábitos de consumo de analgésicos e AINH entre pes-soas de diferentes localidades, variadas definições deIRC, bem como a disparidades metodológicas e ten-denciosidades entre os vários estudos.20

A fenacetina, especialmente quando associada àaspirina, foi retirada de circulação por seu uso tersido associado ao aparecimento de IRC.1 No entanto,aproximadamente uma dúzia de medicamentos con-tendo paracetamol (metabólito ativo da fenacetina)associado à aspirina ou a outros AINH encontram-sedisponíveis para uso no país. 21 Dados atuais continu-am a sugerir a associação entre paracetamol (isolada-mente ou em combinação com AINH) e insuficiênciarenal crônica,15 embora não consigam evidenciar açãodeletéria renal atribuível à aspirina.15,20

Dano renal promovido pelo paracetamol ocorreapós a biotransformação do mesmo em para-amino-fenol, o qual se acumula na medula renal, é oxidado,causa depleção dos estoques de glutationa e necrosecelular. A toxicidade crônica renal dos AINH podeestar ligada à persistente inibição da síntese de PGs,acarretando isquemia medular.22

Há indícios de que os AINH possam diferir entresi com relação ao potencial de produzir dano renal,23,24 sendo que o sulindac (Clinoril®), recentementeremovido do mercado brasileiro pelo fabricante, temsido descrito como o menos nefrotóxico dos AINH. 5,8,

19,24 Por outro lado, o fenoprofeno, também não dis-ponível para uso no Brasil, parece ser o representantemais nefrotóxico da classe.8

Especula-se que a menor nefrotoxicidade do su-lindac possa estar relacionada ao seu peculiar meta-bolismo. Sulindac é uma pró-droga (sulfóxido) que étransformada no fígado em sulfido (droga ativa). Osrins possuem um conjunto de enzimas que convertemo sulfido de volta a sulfóxido e sulfona (outro meta-bólito inativo), de forma que não ocorre excreçãourinária da droga ativa,25 preservando-se assim a sín-tese renal de PGs. Menos nefrotóxico não significadizer desprovido de toxicidade renal, visto que estu-dos têm demonstrado que a droga pode ser capaz decausar isquemia renal em modelos experimentais eem seres humanos.7,26

Whelton sugere que tanto sulindac quanto piro-xicam apresentam baixa toxicidade renal quando

comparados ao uso de ibuprofeno em pacientes cominsuficiência renal crônica leve.27 Simon28 demonstrouque o uso de naproxeno não causa significativa dete-rioração na função renal de idosos, já com prévia in-suficiência renal crônica de leve a moderada, quandoutilizado por 2 semanas. Morgan,29 observando o usode nabumetona, diclofenaco, piroxicam, naproxenopor 12 semanas, em indivíduos idosos, também nãoobservou alterações na função renal.

Nabumetona, recentemente introduzida em nossomeio, bloqueia seletivamente a cicloxigenase tipo 2que ao contrário da tipo 1, não é expressa constituti-vamente, mas é induzível localmente em tecidos infla-mados.30 Esta droga atuaria, portanto, predominante-mente sobre a inflamação local, preservando as PGsconstitutivas, diminuindo a toxicidade dos AINH. Re-visão clínica recente sobre a nefrotoxicidade da nabu-metona relata baixa incidência de toxicidade renal.31

I n t e r f e r ê n c i a n o c o n t ro l e d ee l e t r ó l i t o s e d a p re s s ã o a r t e r i a l

Edema

A retenção de sódio não é efeito colateral raro,porém habitualmente auto-limitada e de pequenamonta (meio a 1 kg),5 no mais das vezes não produ-zindo edema clinicamente observável. As PGs renaissão vasodilatadoras e natriuréticas (inibem a reab-sorção de cloreto de sódio na alça ascendente espessae nos túbulos coletores).4 Redução do fluxo sangüí-neo renal e reabsorção tubular aumentada de sódioparecem ser os mecanismos operantes no edema as-sociado ao uso de AINH. Por reduzirem a ação na-triurética dos diuréticos de alça, os AINH podem acar-retar agravamento de edema em pacientes já portado-res de condições edematosas como, por exemplo, cir-rose hepática com ascite, insuficiência renal crônica einsuficiência cardíaca congestiva.1,3,4,5

Hiponatremia

As prostaglandinas renais tendem a reduzir a hi-pertonicidade medular máxima e a diminuir a elimina-ção renal de água livre de solutos. As PGs interferemno passo inicial do contra-corrente multiplicador (di-minuem o transporte de cloro e sódio na alça de Hen-le espessa ascendente) e também aumentam o fluxosanguíneo medular, prejudicando o contra-corrente detroca. Além disto, antagonizam o efeito do hormônioantidiurético nos túbulos coletores.

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V. D. A. Delfino e A. J. Mocelin - Efeitos renais dos anti-inflamatórios não hormonais

Postula-se que a retenção hídrica acarretada pelosAINH seja motivada pelo aumento do gradiente os-mótico intersticial medular e pelo aumento da açãodo hormônio antidiurético, decorrentes do bloqueiodas PGs renais.1,3,4,5

Apesar de promoverem retenção de água despro-porcional à de sódio, os AINH não causam isolada-mente hiponatremia, pois em condições normais aleve diminuição da tonicidade corporal, motivada peladiminuição do �clearance de água livre� pelos AINH,acaba por reduzir a liberação de hormônio anti-diurético, não permitindo portanto queda do sódiosérico. No entanto, pode ocorrer hiponatremia, devi-do à imaturidade funcional renal, quando AINH sãousados em recém-nascidos como tentativa de ocluir ocanal arterioso, ou quando os mesmos são associadosa tiazídicos, estes últimos atuando na retenção renalde água livre de soluto por mecanismo distinto dodos AINH.3

Hiperpotassemia

A inibição da síntese de PGs resulta numa dimi-nuição da liberação de renina. A diminuição na libe-ração de renina tem acarretado hipoaldosteronismo ehipercalemia em indivíduos predispostos.25 Emborahiperpotassemia significativa possa ocorrer devido auso de AINH em indivíduos hígidos, este fenômeno émais freqüente após o uso destas drogas em pacientescom insuficiência renal crônica pré existente.5,6,32 Estequadro é ainda mais prevalente quando a disfunçãorenal é secundária à nefropatia diabética, devido apercentagem significativa de hipoaldosteronismohiporeninêmico nesta população, e ao uso concomi-tante de bloqueadores da enzima de conversão com ointuito de retardar a progressão da nefropatia, osquais também interferem com a excreção renal destecátion.1,5 Uso de AINH em outras condições onde oeixo renina-aldosterona encontra-se alterado, comopor exemplo uropatia pós obstrutiva, uso dediuréticos poupadores de potássio e de heparina,pode também acarretar hipercalemia

Diminuição na ação de drogas anti-hipertensivas e resis-tência a ação de diuréticos

AINH podem interferir com o controle da hiper-tensão em pacientes tratados com hipotensores. Oaumento na pressão arterial sistólica e diastólica égeralmente modesto, existindo no entanto ampla va-riação individual. Este efeito, apenas ainda não descri-to em pacientes utilizando bloqueadores de canal de

cálcio e alfa agonistas centrais, 33 reflete a habilidadedestas drogas em bloquear as ações renais das PGs,acarretando retenção de sal e água e diminuição daprodução de PGs vasodilatadoras.5,10 Pelas mesmasrazões apresentadas os AINH podem diminuir a açãodos diuréticos.

Prevenção dos efeitos colaterais renais dos AINH

Considerando-se o montante de seu uso e o uni-verso de pacientes propensos a desenvolver complica-ções renais secundárias ao uso de AINH, é reconfor-tante observar sua relativa baixa prevalência, o quebem espelha a capacidade dos rins em se defenderemde insultos.

Algumas medidas podem ser propostas visandotentar diminuir a ocorrência de efeitos adversos renaispelo uso de AINH, quais sejam:a ) Estimar a função renal do paciente previamente

ao uso;Idosos freqüentemente necessitam fazer uso de

AINH por razões diversas. Na ausência de condiçõesmórbidas que predisponham à nefrotoxicidade, osAINH podem ser usados com segurança na terceiraidade, considerando-se apenas as ações renais dosmesmos.5

A creatinina sérica, no entanto, não espelha a fun-ção renal nos pacientes de idade avançada, pois nes-tes da mesma maneira que o �clearance� de creatininadiminui aproximadamente 1 mL/minuto por ano apartir dos 40 anos de idade, 34 ocorre também reduçãoconcomitante na massa muscular, do que resulta quea creatinina sérica do idoso deve ter valores seme-lhantes aos da do jovem, ainda que o envelhecimentoacarrete diminuição da reserva renal. A fórmula pro-posta por Cockcroft e Gault fornece adequada estima-tiva da função renal a partir da creatinina sérica. 35,36

O apêndice 1 apresenta a fórmula mencionada. Porintermédio desta fórmula, pode-se demonstrar que oachado de uma creatinina de 2 mg/dL, num homem

Apêndice 1Fórmula de Crockcroft e Gault para estimativa do “clearance” de creatinina a

partir da creatinina sérica

�Clearance� de creatinina =(140 - Idade) x Peso

72 x Creatinina

Observações: Idade: em anosPeso ideal em Kg.Creatinina sérica em mg/dLPara mulheres, multiplicar o resultado final por 0,85

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 199-205204

V. D. A. Delfino e A. J. Mocelin - Efeitos renais dos anti-inflamatórios não hormonais

de 70 anos e 70 kg, longe de ser normal para a idadeindica disfunção renal moderada (�clearance� decreatinina estimado de 38 mL/ minuto, cerca de 1/3do valor normal esperado para o homem adulto e,aproximadamente metade do valor esperado para opaciente hipotético em questão).b ) Avaliar presença de condições associadas de risco

aumentado para nefrotoxicidade, especialmentedisfunção renal prévia, idade maior que 65 anose concomitante redução do volume circulante efe-tivo;

c ) Evitar o uso de AINH quando apenas ação anal-gésica é necessária;

d ) Utilizar a menor dose terapêutica necessária pelomenor tempo possível;

e ) Monitorizar a creatinina sérica nos pacientes aorisco de nefropatia hemodinâmica, na dependên-cia da meia vida do AINH utilizado, 5,37 qual seja,alguns dias para os de meia vida curta e 1 ou 2semanas para os de meia vida longa;

f) Avaliar a cada 3 ou 4 meses a função renal, atra-vés da creatinina e do exame parcial de urina, dospacientes que fazem uso continuado de AINH;

g ) Sulindac, o qual pode ser obtido em farmácias demanipulação especializadas, é a droga aparente-mente menos nefrotóxica, porém há indícios deque piroxicam, naproxeno e nabumetona possamser utilizados com boa margem de segurança, sepor período curto de tempo, mesmo em pacientescom certo grau de disfunção renal;

h ) Se indispensável, preferir anti-inflamatórios commeia vida curta como, por exemplo, os salicilatos,em pacientes hemodinamicamente instáveis 9 pois,nestes casos, se ocorrer disfunção renal aguda amesma tenderá à reversão em curto período apósa suspensão da droga;

i ) Monitorar o potássio sérico, em adição à creati-nina, nos pacientes com nefropatia diabética clíni-ca, independentemente da função renal, e nos pa-cientes com insuficiência renal crônica de qual-quer natureza se creatinina maior que 2 mg/dL ouse em uso de drogas que dificultam a excreçãorenal de potássio como, por exemplo, ß-bloquea-dores, bloqueadores da enzima de conversão, diu-réticos poupadores de potássio;

j ) Acautelar-se quanto a possibilidade de hipona-tremia pela dosagem periódica do sódio sérico empacientes predispostos a desenvolverem este dis-túrbio, especialmente se alterações de comporta-mento ou do nível de consciência estiverem pre-sentes;

k ) Evitar uso prolongado e de doses elevadas demedicações contendo combinação de paracetamole AINH;

l ) Evitar uso concomitante de nefrotóxicos como,por exemplo, aminoglicosídeos e contrastes radio-lógicos;

m ) Considerar que o uso destas drogas em doseselevadas durante o período gestacional, especial-mente na fase inicial, pode desencadear, entreoutras complicações, insuficiência renal aguda ecrônica no recém-nascido.38

S u m m a r y

Nonsteroidal anti-inflammatory drugs (NSAIDs)are now the most widely prescribed group of drugs inthe world, even though it is well known that their usecan lead to serious adverse reactions. A review ismade on the basic mechanisms of action and renaladverse effects of the NSAIDS. Special emphasis isgiven to the identification of clinical situations wherethe use of this drugs is bound to produce renal tox-icity. In order to try to circumvent this renal toxicity,some safety guidelines are proposed.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 206-213206

J. L. Bevilacqua et al - DPAC - experiência de 10 anos

Diálise peritoneal ambulatorial contínua (DPAC): -experiência de 10 anos em um centro brasileiro

José Luís Bevilacqua, Maria da Graça Bueno Marabezi, Carlos Alberto Caniello,Maria do Carmo Camargo, Alberto Verduino das Neves, Jaelson Guilhem Gomes

Até julho de 1994, 128 pacientes haviam sido submetidos a Diálise Peritoneal Ambulatorial

Contínua (DPAC) para tratamento de Insuficiência Renal Crônica em fase dialítica, o que

representa nesse período de 10 anos, uma experiência acumulada de 183 anos. A sobrevida

de pacientes em 4 anos foi de 38,2% e a sobrevida da técnica para o mesmo período de

25,9%. Peritonite foi a mais grave complicação, sendo a principal causa de saída de pacientes

da técnica, bem como a principal causa de morte. Resultados são apresentados ano a ano, o

que permite uma melhor avaliação da evolução da terapêutica no Centro. Acreditamos ser a

DPAC uma técnica de tratamento dialítico a longo prazo da Insuficiência Renal Crônica e deve

ser oferecida como opção à hemodiálise.

DPAC, diálise peritoneal, curva de sobrevida, peritoniteCAPD, peritoneal dialysis, life-table analysis, peritonitis

I n t ro d u ç ã o

A Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua(DPAC) apresentada pela primeira vez por Popoviche Moncrief 1 no ano de 1976, foi introduzida no Brasil,por Riella 2 em julho de 1980, sendo regulamentadae aprovada pelo Instituto Nacional de AssistênciaMédica e Previdência Social (INAMPS) como opçãoterapêutica para a Insuficiência Renal Crônica (IRC)em fase dialítica a partir de outubro de 1983.

Nosso centro, Instituto de Hemodiálise Sorocabano Hospital Evangélico, teve seu primeiro paciente

iniciando nessa modalidade terapêutica em julho de1984, após treinamento da equipe médica e de en-fermagem na Escola Paulista de Medicina, onde nossoprimeiro paciente teve seu cateter implantado.

Após 10 anos reunimos os dados coletados de 128pacientes, que somam experiência de 183 anos(66.856 dias) e os apresentamos como: relacionados apacientes, cateter, peritonite, causas de saída de pro-grama, internações e óbitos, bem como curvas desobrevida de pacientes e da técnica. O conjunto dedados é oriundo de banco de dados informatizado.3

Po p u l a ç ã o e M é t o d o s

Todos os pacientes admitidos para tratamentodialítico em DPAC em nosso centro de 1o de julho de1984 a 30 de junho de 1994 foram incluídos no es-tudo. Parâmetros avaliados incluíram idade ao iníciodo tratamento, tempo e terapêutica dialítica préDPAC quando houve, sexo, presença de Diabetesmell i tus como patologia de base ou associada,etiologia da IRC, causa e tempo de internação hos-pitalar, número de cateteres implantados, episódios

Hospital Evangélico - Instituto de Hemodiálise Sorocaba - Sorocaba - SP

Endereço para correspondência: José Luís BevilacquaAv. Visconde de Taunay, 60 - Cerrado - 18.044-010 - Sorocaba - SPTel. (0152) 222485 - Fax (0152) 218114

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J. L. Bevilacqua et al - DPAC - experiência de 10 anos

de peritonite e agentes etiológicos, fatores de riscoao início do tratamento (idade superior a 70 anos,presença de doença cardíaca e/ou pulmonar signifi-cativa, Diabetes mell i tus ou neoplasia malígna), cau-sas de saída, sobrevida da técnica e de pacientes.Dados relacionados ao ano do calendário tambémsão apresentados e nos permitem análise evolutivada DPAC no centro.

Do total de 128 pacientes, 125 realizaram 4 trocasdiárias de bolsas com 2.000 ml, apenas 2 utilizarambolsas de 1.000 ml. e 25 pacientes utilizaram somentebolsas a 1,5% em todas as trocas. O sistema utilizadoaté maio de 1992 foi exclusivamente o standard (sis-tema em que a bolsa permanece conectada ao equipode transferência) e a partir de janeiro de 1994, todosos pacientes passaram a utilizar o sistema dedesconexão descartável (SDD). Somente 2 pacientesutilizaram insulina intraperitoneal.

Foram considerados episódios de peritonite, todaturvação de efluente peritoneal com contagem deleucócitos superior a 100/mm3, independente da pre-sença ou não de dor ou febre; e peritonite recidivantequando em até 3 semanas após o término do trata-mento de um episódio, tivemos a ocorrência de outro,pelo mesmo agente etiológico.

Presença de hiperemia superior a 5 mm. ao redordo orifício de saída, com drenagem de secreção pu-rulenta no óstio e cultura positiva da secreção, foiconsiderada como infecção do orifício de saída.

Infecção de túnel foi diagnosticada pela presençade sinais inflamatórios no trajeto do túnel sub-cutâneo, com drenagem ou não de secreção purulentapelo orifício de saída do cateter.

A n á l i s e d e D a d o s

Todos os pacientes que realizaram pelo menosuma troca de bolsa após terem recebido treinamentoforam considerados em DPAC. Quando permaneceramfora da técnica por período superior a 60 dias foramconsiderados como transferidos de técnica, e seretornaram à DPAC após os 60 dias, foram considera-dos como novos pacientes (13 em 128). Os pacientesque retornaram à técnica no prazo de 60 dias foramconsiderados como em saída temporária. Todos even-tos ocorridos no período de 60 dias após a saída datécnica, para os transferidos temporária ou definitiva-mente foram considerados como ocorridos em DPAC(óbito, transplante, por exemplo).

Idade superior a 70 anos, presença de doença

cardíaca e/ou pulmonar significativa, Diabetes mellitusou presença de neoplasia maligna (exceto as de pele)foram considerados como fatores de risco ao início dotratamento.4

As curvas de sobrevida da técnica e de pacientesforam construídas pelo método de Kaplan - Meier5,utilizando o software cedido pelo Instituto Ludwigpara Pesquisa em Câncer com testes estatísticos deCox-Mantel e Breslow,6 incluindo todos os pacientes.Para efeito de construção das curvas de sobrevida datécnica os eventos, transplante e transferência de cen-tro não foram considerados como falha.

A annual gross mortality foi calculada tomando-seo número de mortes durante o ano do calendáriodividido pela média de prevalência de pacientes emDPAC durante o ano (número de pacientes no diaprimeiro de janeiro mais o número de pacientes em31 de dezembro, dividido por dois). At risk mortalityfoi calculada dividindo-se o número de mortes ocor-ridos no ano pelo número total de pacientes subme-tidos a DPAC durante o ano, e o resultado multipli-cado por 100.

R e s u l t a d o s

Um total de 128 pacientes foram seguidos noperíodo citado de 10 anos. A média de idade, noinício da DPAC, foi de 47,3 ± 17,4 anos (16 - 84 anos).Setenta e quatro (57,8%) pacientes do sexo masculinoe 54 do feminino. Os diabéticos totalizaram 41(32,3%)pacientes, sendo 8 deles portadores de Diabetesmellitus tipo I. A nefropatia diabética foi a causa daIRC em 40 pacientes.

No início do tratamento, 80 pacientes (62,5%)

Tabela 1Características dos 128 pacientes tratados em DPAC

Características gerais

Idade (média ± DP) 47,3 ± 17,4 anosSexo

masculino 74 - 57,8%feminino 54 - 42,2%

Doença Renal de Base

Nefropatia diabética 40 - 31,25%Glomerulonefrites 34 - 26,56%Nefrite intersticial 13 - 10,15%Hipertensão arterial 07 - 05,46%Doença Renal Policística 07 - 05,46%Desconhecida 14 - 10,93%Outras doenças 13 - 10,15%

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apresentavam-se como pacientes de risco e 80 nãotinham recebido tratamento em programa dialíticooutro que não DPAC, ou seja podem ter sido subme-tidos a algumas sessões de hemodiálise e/ou diáliseperitoneal intermitente, como tratamento de urgência,mas o tratamento regular em programa foi a DPAC.Na tabela 1 apresentamos os dados gerais dos pacien-tes e etiologia da IRC.

O tempo médio de permanência em DPAC foi de522,3 dias (1,43 ano), dos quais em 19,6 dias (3,75%)estiveram internados (3,45 internações em média porpaciente). Peritonite foi responsável pelo maior tem-po de internação (9,12 dias em média por paciente)e representou 46,5% do tempo internado por pacien-te. Na tabela 2 resumimos o quadro geral de inter-nações.

Para acesso em DPAC foram implantados 157 ca-teteres, sendo 81 (51,6%) do tipo Tenckhoff duplocuf f , 74 do tipo Swan Neck Missouri e outros 2, dediferentes tipos. A média de cateteres implantadopor paciente foi de 1,23, sendo o maior número deimplantes em um paciente igual a 3. Em 157 implan-tes, 111 (70,7%) não apresentaram complicações atéo 15o dia pós implante, e nos 46 implantes restantes,para o mesmo período, as complicações mais fre-qüentes foram a translocação do cateter em 9 casos,obstrução total ou one-way em 10, extravasamentode efluente em 6 e infecção de túnel ou orifício desaída em 7 implantes. Em 104 implantes manteve-secateter fechado (cavidade seca) por pelo menos 10dias e em apenas 4 implantes o início da DPAC sedeu no pós operatório imediato. Cento e cinquentae três implantes foram realizados em centro cirúrgicocom anestesia local ou bloqueio pela mesma equipecirúrgica.

Ocorreram 249 episódios de peritonite, sendo 209deles (83,9%) novos episódios e os demais reci-divantes. Em 78% dos episódios conseguiu-se identi-ficar o agente etiológico e, em somente 2 episódios,

a cultura de efluente não foi realizada. Germes Grampositivos foram responsáveis por 170 episódios deperitonite (68,3%) e dentre estes a maior prevalênciafoi pelo S. aureus (110 episódios). Em 4 episódioshouve crescimento de flora mista e em outros 4 hou-ve crescimento de fungos. Na tabela 3, encontramosa distribuição dos agentes etiológicos das peritonites.O índice global de peritonite para o período total doestudo foi de 1 episódio a cada 10,5 meses (1,14 epi-sódios/paciente.ano). Quando analisamos a incidênciade peritonite em pacientes com SDD encontramos 1episódio a cada 20,6 meses (0,58 episódios/pa-ciente.ano) e em pacientes diabéticos encontramos 1episódio a cada 9,34 meses (1,28 episódios/paciente.ano). A probabilidade de um paciente desen-volver peritonite até o final do primeiro ano de tra-tamento foi de 57,8%.

Tabela 2Causas de internações e média de permanência

Internações - causas Média de dias - %

Peritonite 9,12 - 46,53%Cateter 3,00 - 15,31%Cardiovascular 2,25 - 11,48%Hérnias 0,76 - 03,87%Outras 4,47 - 22,81%

Tabela 4Causas de saída da técnica - 107 pacientes

Causas de saída Número - %

Peritonite 41 - 38,0%Óbito 26 - 24,3%Cateter 15 - 14,0%Transplante 13 - 12,1%Bioquímica 04 - 03,7%Causas médicas 03 - 02,8%Transferência de Centro 03 - 02,8%Inadaptação à técnica 02 - 01,8%

Tabela 3Peritonites - Agentes etiológicos

Agente etiológico Número - %

Germes Gram positivos 170 - 68,27%S . aur eus 110 - 44,18%S . epidermidis 56 - 22,49%Str eptococos sp. 3 - 01,20%Outros 1 - 00,40%

Germes Gram negativos 17 - 06,83%Klebsiella sp. 5 - 02,01%Enterobacter sp. 3 - 01,20%Pseudomonas sp. 3 - 01,20%Outros 6 - 02,41%

Fungos 4 - 01,61%Flora mista 4 - 01,61%Cultura negativa 52 - 20,80%Não realizada 2 - 00,80%Total 249 - 100%

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Do total de 249 episódios de peritonite, 10 (4%)evoluíram a óbito e em 41 (16,5%) deles, o pacientefoi transferido temporária ou definitivamente parahemodiálise. A incidência de infecção de túnel e/ouorifício de saída foi de 1 episódio a cada 14 meses(0,85 episódio/paciente.ano). Vinte e sete (21%)pacientes não apresentaram nenhum episódio deperitonite, sendo o tempo médio de permanênciadeles em DPAC de 333,4 dias.

Em 30 de junho de 1994, 21 pacientes permane-ciam em DPAC e os 107 que deixaram a técnica ofizeram pelas seguintes causas:- peritonite, relaciona-das ao cateter, transplante, óbito, inadequação dialí-tica, inadaptação à técnica, outras razões médicas quenão infecção e transferência de Centro. As causas desaída são mostradas na tabela 4.

Como pode ser visto, a peritonite representou acausa preponderante de saída da técnica (38%), comincidência superior a 3 vezes à saída por transplante(12,1%). De 13 transplantes realizados, 9 foram comdoador cadáver.

Dentre os 26 óbitos ocorridos, 10 estavam relacio-nados a peritonite, 7 a causas cardiovasculares, 4 aoutras causas médicas; 2 estavam relacionados a sín-

drome séptico não abdominal e os restantes, aneoplasia, morte acidental e causa desconhecida.

A curva atuarial de sobrevida de pacientes e datécnica pelo método de Kaplan-Meier mostrou umasobrevida, em 48 meses, de 38,2% e 25,9%, respecti-vamente, e os dados relacionados estão apresentadosnas tabelas 5 e 6 e as curvas de sobrevida nas figuras1 e 2. Estudos comparativos de sobrevida mostraram-se estatisticamente significativos com valor dep=0,01833 quando comparamos a sobrevida de paci-entes diabéticos e não diabéticos (tabela 7 e figura 3),e p=0,00602 quando a comparação está relacionada àsobrevida de pacientes quanto ao sexo (tabela 8 efigura 4).

Na tabela 9 são mostrados dados referentes apacientes admitidos, média de dias na técnica, episó-dios de peritonite, percentual de culturas positivas,annual gross mortality, at risk mortality,7 saída de

Tabela 6Sobrevida de Pacientes

Meses % de sobrevida

06 meses 95,96%12 meses 91,37%18 meses 84,20%24 meses 79,39%30 meses 76,74%36 meses 73,25%42 meses 47,75%48 meses 38,20%

Tabela 5Sobrevida da Técnica

Meses % de sobrevida

06 meses 79,87%12 meses 68,30%18 meses 55,32%24 meses 46,34%30 meses 41,34%36 meses 39,55%42 meses 35,59%48 meses 25,95%

Figura 2 - Sobrevida da técnica Kaplan-Meier � 1984-94.

Figura 1 - Sobrevida de pacientes - Kaplan-Meier � 1984-94.

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nacional, 7,11 porém a sobrevida da técnica para omesmo período apresenta pior resultado e isto podeestar relacionado ao uso até 1992 apenas do sistemastandard. Deve-se também considerar, na análise desobrevida de pacientes e da técnica, os critérios rígi-dos utilizados em nosso Centro para considerar opaciente como incluso em DPAC, diferente de grandenúmero de centros que, em geral, somente conside-ram o paciente como fazendo parte da estatística após60 dias na técnica, ou então, retirando-os da análise7 dias após a saída da técnica.7 Ainda com relação àsobrevida da técnica e de pacientes, quando compa-ramos subgrupos de nossos pacientes encontramossignificância estatística apenas na sobrevida compara-tiva quanto ao sexo e de pacientes diabéticos e nãodiabéticos. A sobrevida de pacientes diabéticos em 36meses foi de 57,25%, significativamente inferior aos79,59% dos não diabéticos, também semelhante aorelatado na literatura. 9

Nossa população incluiu elevado percentual depacientes diabéticos (32,3%), sendo que os relatos doNational CAPD Registry11 mostram um percentual bas-

Tabela 7Sobrevida de Pacientes Diabéticos e não Diabéticos

Meses Não Diabéticos Diabéticos

06 meses 97,66% 92,34%12 meses 94,80% 82,85%18 meses 91,01% 65,43%24 meses 87,64% 57,25%30 meses 84,27% 57,25%36 meses 79,59% 57,25%42 meses 53,06% 28,62%48 meses 39,79% 28,62%

Figura 3 - Sobrevida de pacientes Kaplan-Meier - Diabéticos e Não � 1984-94.

pacientes ano a ano seguindo o calendário, que per-mite análise comparativa e da evolução do serviço.Nas figuras 5 e 6 são mostrados graficamente a evo-lução do índice de peritonite e do número médio dedias na técnica por paciente.

D i s c u s s ã o

É inegável que a DPAC tornou-se uma alternativaterapêutica para os portadores de IRC em fasedialítica desde sua introdução em nosso meio háquase 15 anos. Atualmente 3.500 pacientes estão sen-do submetidos a DPAC (Angela Tosi, Baxter Hospita-lar, comunicação pessoal), representando aproximada-mente 19% da população total de pacientes submetidaa tratamento dialítico no Brasil.

A experiência de 10 anos na condução de pacien-tes submetidos a DPAC no Instituto de Hemodiálise -Hospital Evangélico de Sorocaba mostra resultadoscomparáveis ao da literatura internacional.8-11

A taxa de sobrevida de nossos pacientes, em 36meses, é semelhante aos resultados da literatura inter- Figura 4 - Sobrevida de pacientes Kaplan-Meier - Homens e Mulheres � 1984-94.

Tabela 8Sobrevida de Pacientes em Ambos os Sexos

Meses Feminino Masculino

06 meses 100,00% 93,03%12 meses 97,22% 87,06%18 meses 90,39% 79,65%24 meses 85,07% 75,23%30 meses 85,07% 70,21%36 meses 85,07% 63,19%42 meses 74,44% 24,07%48 meses 49,62% 24,07%

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 206-213 211

J. L. Bevilacqua et al - DPAC - experiência de 10 anos

tante inferior (26%), e a média de idade de nossapopulação é 6 anos inferior à média do citado registroamericano.

Foram implantados 157 cateteres (1,23 cateter porpaciente) e até o 15o dia pós implante em 70,7% nãotivemos complicações e nos 29,3% que apresentaramcomplicações, as mais frequentes foram as seguintes:infecciosas em 7 (4,5%), 9 translocações de cateter, 10obstruções totais ou one-way, extravasamento deefluente em 6 implantes e em 7 infecção de túnel ouorifício de saída. Em 12 (7,6%) implantes foi necessá-rio reintervenção cirúrgica e em 2 procedeu-se à re-tirada do cateter.

A complicação mais importante apresentada foi aperitonite, num total de 249 episódios, sendo a prin-cipal causa de saída da técnica (38% das causas desaída) e também a principal causa de óbito (10 em 26óbitos). Assim, 4% dos episódios de peritonite evolu-

íram a óbito. Em publicações americanas, peritonitetem sido responsável por 30% das saídas da técnica e2 a 4% dos episódios resultam em óbito. O agenteetiológico mais comum da peritonite em nosso meiotem sido o S. aureus (44% das peritonites em nossoCentro), diferente da literatura dos países do hemis-fério norte, onde a maior prevalência é do S. epi-dermidis. 12 A maior prevalência de S. aureus confirmadados já apresentados em estudo multicêntrico brasi-leiro. 13 Fungo foi o agente etiológico isolado emapenas 4 episódios de peritonite. O índice global deperitonite para o período total do estudo foi de 1episódio a cada 10,5 meses (1,14 episódios/pa-ciente.ano), bem inferior ao encontrado com o uso doSDD (1 episódio a cada 20,6 meses - 0,58 episódios/paciente.ano) e pouco melhor que índice de 1 episó-dio a cada 9,34 meses (1,28 episódios/paciente.ano)para pacientes diabéticos. A probabilidade de um

Tabela 9Resumo dos principais dados e índices ano a ano

Ano Entradas Saídas Pacientes Óbitos Annual Gross At Risk Peritonites % Culturas Índice Peritonite Média em 31/12 Mortality Mortality Positivas 1:x meses dias/paciente

1984 5 0 5 0 8 100,00 5,17 94,401985 10 6 9 2 28,57 13,33 18 77,78 6,63 188,271986 12 5 16 0 22 72,73 7,89 217,191987 19 9 26 3 13,33 8,57 31 58,06 9,38 204,031988 14 20 20 5 21,74 12,50 32 68,75 10,62 218,251989 14 11 23 4 18,60 11,76 36 80,56 9,01 250,181990 12 13 22 5 22,22 14,29 30 83,33 8,84 215,341991 14 14 22 4 17,39 11,11 23 95,65 13,35 203,141992 12 12 22 0 19 89,47 15,15 230,501993 11 14 19 3 14,63 9,09 22 77,27 14,27 250,03

Figura 5 - Índice de peritonite - 1 ep./x meses � 1984-94. Figura 6 - Dias por ano em DPAC - Média de dias/ano/paciente � 1984-94.

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J. L. Bevilacqua et al - DPAC - experiência de 10 anos

paciente desenvolver peritonite durante o primeiroano de tratamento, foi de 57,8% e 21% dos pacientesnunca apresentaram nenhum episódio de peritonite.Os índices e probabilidade citados estão entre osvalores médios apresentados na literatura americana.9

Em 41 (16,5%) de 249 episódios de peritonite o pa-ciente foi transferido temporária ou definitivamentepara hemodiálise.

A outra complicação infecciosa - infecção de túnele/ou orifício de saída - apresentou incidência de 1episódio a cada 14 meses (0,85 episódios/pa-ciente.ano), pouco acima da descrita por Rotellar et al.9

Foram realizadas 442 internações hospitalares,representando 3,45 internações por paciente. Emmédia os pacientes estiveram internados por 19,6 dias(3,7%) para uma período médio de permanência natécnica de 522,3 dias. Também aqui, a peritonite foia principal causa de internação, responsável por umtempo médio de internação de 9,12 dias.

As causas de saída da técnica, além da peritonitejá citada, foram: 26 óbitos (24,3%), 15 relacionadas aocateter (14%), 13 transplantes (12,1%), 4 por altera-ções bioquímicas (3,7%) e 8 por outras causas. Aocompararmos novamente dados do nosso Centro comos do National CAPD Registry11, encontramos perito-nite como causa de saída da técnica em percentualbastante superior em nosso Centro - 38 contra 27%.

Em 10 anos analisados ocorreram 26 (20,3%) óbi-tos, sendo a peritonite a principal responsável -10(38,5%) - seguida das causas cardiovasculares - 7(26,9%).

Para melhor análise, realizamos separação dosdados ano a ano, que nos mostra então, melhoraprogressiva de resultados especialmente nos últimos 3anos apresentando relação com a introdução do siste-ma SDD, bem como implantação no serviço de pro-tocolo rígido para nortear a condução do paciente emDPAC antes mesmo de sua seleção. Mostra ainda, queo número médio de dias por paciente na técnica vemaumentando progressivamente, bem como a melhoranos índices de peritonite. A mortalidade anual totalfoi inferior a 18% nos últimos 3 anos e a mortalidadedos pacientes expostos a risco tem se mostrado emqueda. Não encontramos justificativa razoável para asoscilações no percentual de culturas positivas nosepisódios de peritonite, tendo em vista que ametodologia, o laboratório de Microbiologia e o pró-prio pessoal que executa os exames são os mesmos.

Outro aspecto a ser discutido relaciona-se à ne-cessidade de melhor padronização de dados e crité-

rios, visando uniformização da análise e citações deresultados. Esta padronização poderia ser elaboradapelas Sociedades de Nefrologia, quer a nível nacionalcomo internacional, especialmente quanto a critériospara admissão e saída da técnica, causas de saídaentre outros, buscando fundamentalmente padroniza-ção nas curvas de sobrevida.

Concluindo, nossa década de experiência com aDPAC mostra-nos ser a mesma uma técnica viável e umaalternativa excelente à hemodiálise, como terapêutica alongo prazo para a Insuficiência Renal Crônica.

Temos certeza ainda, da melhora progressiva dosdados especialmente em relação ao índice deperitonite, sobrevida da técnica e dos pacientes coma introdução de novos sistemas, como já pudemosobservar com relação ao SDD, e muito especialmentepossibilitando melhora da qualidade de vida do pa-ciente renal crônico em DPAC, que hoje gasta cercade 840 horas, ou seja, 35 dias em um ano para rea-lização de suas trocas.

A g r a d e c i m e n t o s

Agradecemos ao Dr. Enio Márcio Maia Guerra e àsEnfermeiras Luiza Ueti, Ana Correa, Alba Lúcia AgraGuimarães, Maria Guilherme, Lilian Marta da SilvaBorghi e Ângela Monteiro Moraes cuja dedicação etrabalho permitiram que dados se transformassem eminformações.

S u m m a r y

Up to July 1994, 128 patients have been treatedby Continuous Ambulatory Peritoneal Dialysis fortreatment of End-Stage Renal Disease and during theperiod of 10 years we accumulated an experience of183 years. The 4 years patient survival was 38,2%while the technique survival for the same period was25,9%. Peritonitis was the more serious complicationand the main cause for drop-out and death. Resultsare also presented year by year and allow a betterevaluation of center�s performance. We believe thatCAPD is a viable dialysis technique for long-termtreatment of chronic renal failure and it can be anoption to hemodialysis.

R e f e r ê n c i a s1. Popovich RP, Moncrief JW, Decher JF, Bomar JJB, Pyle WK.

Preliminary verification of the low dialysis clearance hypothesis

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 206-213 213

J. L. Bevilacqua et al - DPAC - experiência de 10 anos

via a novel equilibrium peritoneal technique. Abst Am Soc ArtifIntern Organs. 1976; 646

2. Riella MC. Ponto de vista histórico:- História da CAPD no Bra-sil. J Bras Nefrol. 1994; 16: 117-8

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7. Nolph KD. Continuous Ambulatory Peritoneal Dialysis as Long-term Treatment for End-Stage Renal Disease. Am J Kidney Dis.1991; 17:154-7

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 214-218214

L. A. D. Lotaif et al - Suplementação de potássio através do sal de cozinha

Efeito da suplemetação de potássio através do sal de cozinha nahipertensão arterial primária leve a moderada

em até 5-10 mmHg só com dieta hipossódica.3-4 Nonordeste do Japão encontra-se a mais alta prevalênciade hipertensão arterial e também uma das maiorestaxas de ingestão de sódio na dieta. No outro extre-mo, sabemos que as populações que nunca consumi-ram sal mantêm-se normotensas durante sua exis-tência.5

Deste modo, a orientação adequada de boa partedos pacientes hipertensos deve incluir a restrição mo-derada de sódio. Paralelamente, recomenda-se aingestão de dietas ricas em potássio, admitindo-seuma possível influência benéfica que este cátion pos-sa exercer sobre o processo hipertensivo.6 Alguns tra-balhos têm demonstrado que a adição de potássio àdieta pode reduzir a pressão arterial de hipertensos e,a nível experimental, parece diminuir a incidência deacidentes vasculares cerebrais.7

A respeito deste cátion cabe lembrar também quecerca de 35% dos pacientes tratados com diuréticossofre redução dos níveis séricos de potássio, o quepode determinar arritmias ventriculares severas commorte súbita,8 diminuição da tolerância à glicose comresistência à ação da insulina e deterioração do con-trole metabólico em pacientes diabéticos. 9

Leda A. Daud Lotaif , Osvaldo Kohlmann Junior, Maria Teresa Zanella, Nárcia ElisaBellucci Kohlmann, Artur Beltrame Ribeiro

Estudamos o efeito da suplementação de potássio na pressão arterial (PA) comparando um sal

de cozinha composto de 50% NaCl e 50% KCl (SK) com 100% NaCl (SN) em 54 hipertensos

primários, como medida terapêutica única (G1, n=27) ou em associação com diurético

tiazídico (G2, n=27). Na monitorização arterial da pressão arterial G1SK, mas não G1SN,

apresentou queda da PA associada a um aumento da calemia (4,2 ± 0,7 para 4,6 ± 0,4 mEq/

l). Nenhum subgrupo G1 apresentou alteração da natriurese. No G2SK, após redução da PA

com diurético houve aumento da calemia (3,9 ± 0,5 para 4,5 ± 0,7 mEq/l) e da caliurese (51

± 20 para 101 ± 77 mEq/mg de creatinina/24h). Concluimos que esta forma de suplementação

de potássio na dieta é eficaz e pode ajudar no controle da pressão arterial elevada.

Disciplina de Nefrologia, Departamento de Medicina, Escola Paulista deMedicina, Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência: Leda A. Daud LotaifEscola Paulista de Medicina, Disciplina de NefrologiaRua Botucatu, 740 - 04023-062 - São Paulo, SPTel. (011) 5746300 - Fax. (011) 5739652

potássio, sal, hipertensão arterial, caliuresepotassium, salt, hypertension, kaliuresis

I n t ro d u ç ã o

Há 90 anos Ambard & Beaujard¹ demonstraramque a restrição de sódio reduzia a pressão arterial.Inúmeros estudos epidemiológicos e experimentaisrelacionaram a ingestão de sal ao desenvolvimento dehipertensão arterial embora o mecanismo pelo qual aretenção excessiva de sódio causa elevação da pres-são arterial não esteja completamente esclarecido.2

Alguns estudos controlados mostram que pacienteshipertensos podem ter a sua pressão arterial reduzida

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 214-218 215

L. A. D. Lotaif et al - Suplementação de potássio através do sal de cozinha

A suplementação de potássio ao hipertenso nemsempre é factível em decorrência tanto dos problemasde palatabilidade e intolerância gástrica dos sais depotássio, quanto pela falta de hábito na ingestão ali-mentar deste íon. Da mesma forma, a redução daingestão de sódio também apresenta problemas. Den-tre as diferentes formas para reduzir o sódio da dieta,está aquela que utiliza produtos comerciais com subs-tituição do cloreto de sódio pelo cloreto de potássio.Considerando que os sais com baixo teor de sódio,disponíveis até recentemente, além de caros tempalatabilidade desagradável em decorrência da altaconcentração de potássio, desenvolvemos este estudocom o intuito de avaliar se o �light-sal�, composto de50% de cloreto de sódio e 50% de cloreto de potássio,determinaria uma redução na ingestão de sódio aomesmo tempo em que suplementaria o potássio nadieta de hipertensos primários e o seu impacto sobrea pressão arterial nestes pacientes.

P a c i e n t e s e M é t o d o s

Participaram do estudo 54 pacientes com hiper-tensão arterial primária (3 homens e 51 mulheres),com idades variando de 27 a 72 anos. Todos foraminformados do caráter experimental deste estudo quehavia sido aprovado pelo comitê de ética da EscolaPaulista de Medicina, e assinaram o termo de consen-timento após informados sobre o estudo. Os pacien-tes foram alocados em um de dois protocolos expe-rimentais distintos. No primeiro, que passaremos adenominar grupo 1, foram incluídos 27 individuoscom hipertensão arterial leve (pressão arterial dias-tólica (PAD) > 90 mmHg e < 104 mmHg) e no segun-do, que passaremos a denominar grupo 2, foram in-cluídos outros 27 pacientes sendo aproximadamente50% hipertensos leves e 50% hipertensos moderados(PAD > 105 mmHg e < 114 mmHg). O estudo foi du-plo-cego, randomizado e controlado, servindo cadapaciente como seu próprio controle.

O �light-sal� é uma nova formulação de sal decozinha composto de uma mistura de 50% de NaCl e50% de KCl. O �light-sal�, assim como o sal comum(100% NaCl), estavam embalados em sacos plásticosde 1Kg assim como os conhecemos no supermercado,e eram fornecidos conforme o consumo de cada pa-ciente, sendo que os mesmos estavam orientados aprepararem todas as suas refeições e a dos seus fami-liares com o respectivo sal.

No grupo 1, após um período de 2 a 4 semanas

de �washout�, os pacientes receberam placebo duran-te 6 semanas sendo então alocados a um de dois sub-grupos: o primeiro, com 14 pacientes, recebeu �light-sal� enquanto o segundo, com 13 pacientes, recebeusal comum durante 6 semanas. Todos os pacientescontinuaram recebendo placebo durante esta segundafase. Este estudo teve duração total de 12 semanas.

No grupo 2, após um período de 2 a 4 semanasde �washout�, os pacientes receberam comprimidosplacebo por 4 semanas seguidas por 6 semanas detratamento com clortalidona 25 mg/dia. Na fase quese seguiu, os pacientes continuaram a receber clorta-lidona e foram divididos em dois sub-grupos: um,com 14 pacientes, recebeu �light-sal� e o outro, com13 pacientes, recebeu sal comum. A duração total doestudo do grupo 2 foi de 16 semanas.

A observância ao tratamento foi verificada com acontagem dos comprimidos fornecidos a cada consul-ta. Pacientes com alterações clínicas e/ou laboratoriaissignificantes da função renal, hepática ou cardio-vascular foram excluídos.

A pressão arterial foi aferida em cada consulta (6no total para cada grupo), duas vezes no membrosuperior com o paciente sentado após 10 minutos derepouso. A pressão arterial sistólica (PAS) e a PADcorresponderam às fases I e V de Korotkoff, respec-tivamente. A frequência cardíaca também foi medida.

As avaliações laboratoriais, que incluiram as dosa-gens plasmática e urinária de 24 horas de sódio, po-tássio e creatinina, e a monitorização ambulatorial dapressão arterial (MAPA) foram realizadas ao final doperíodo placebo em ambos os grupos. Estas avalia-ções também foram feitas no grupo 1 ao final das 12semanas e no grupo 2 ao final das 6 semanas comclortalidona e novamente ao final das 16 semanas doestudo. Os valores de natriurese e caliurese apresen-tados foram corrigidos pela creatininúria de 24 horas.

Os níveis pressóricos apresentados foram obtidosna MAPA e guardaram adequada correlação com osvalores obtidos pelo método habitual.

R e s u l t a d o s

Grupo 1

Conforme mostram os resultados apresentados natabela 1, o �light-sal� provocou queda significante daPAS (de 138 ± 12 para 129 ± 11,2 mmHg) e da PAD(de 87 ± 8,5 para 81 ± 7,7 mmHg) da semana 6 paraa semana 12. Este efeito não foi observado nos pa-

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L. A. D. Lotaif et al - Suplementação de potássio através do sal de cozinha

cientes que receberam sal comum, nos quais as mé-dias da PAS foram 146 ± 18,3 e 141 ± 18,2 mmHg eda PAD de 92 ± 12,5 e 89 ± 11,1 mmHg no início eao final do estudo, respectivamente.

O peso corpóreo dos pacientes não sofreu varia-ção significante durante o estudo em nenhum dossubgrupos .

O �light-sal� causou aumento significante do po-tássio plasmático (de 4,2 ± 0,7 para 4,6 ± 0,4 mEq/l).A excreção urinária de potássio que no período basalera de 70 ± 29 mEq/mg de creatinina/24h aumentoupara 119 ± 122 mEq/mg de creatinina/24h (incremen-to de 70%) embora este incremento não tenha atingi-do níveis de significância, possivelmente pelo reduzi-do número de pacientes. No grupo que recebeu salcomum não houve variação significante nem do po-tássio plasmático ( 4,7 ± 0,4 na 6a e 4,9 ± 0,6 mEq/l na 12a semana) nem do potássio urinário (63 ± 21,8na 6a e 68 ± 7,7 mEq/mg de creatinina/24h na 12ªsemana do estudo).

Não houve mudança na excreção urinária desódio em nenhum dos grupos sendo que as médiasno grupo com �light-sal� foram de 206 ± 72,9 mEq/mgde creatinina/24h na semana 6 e 204 ± 121 mEq/mgde creatinina/24h na semana 12 e no grupo com salcomum foram de 208 ± 85,8 mEq/mg de creatinina/

24h na semana 6 e 202 ± 93,9 mEq/mg de creatinina/24h na semana 12.

Quando comparamos os valores médios dos dife-rentes parâmetros clínicos e laboratoriais entre os doissubgrupos (sal comum X �sal light�) estudados nãoobservamos diferenças significantes entre eles tantono período basal quanto durante a fase experimental;à exceção dos valores do potássio plasmático na 6a

semana de seguimento que mostraram-se significan-temente maiores no grupo sal comum.

Grupo 2

De acordo com os dados da tabela 2, quandoavaliamos a pressão arterial dos pacientes que recebe-ram �light-sal�, constatamos uma queda significantecom o tratamento diurético tanto da PAS (de 155 ±18,2 mmHg com placebo para 138 ± 11,2 mmHg comclortalidona para 136 ± 12,9 mmHg com o diurético eo �light-sal�) como da PAD (de 101 ± 11,7 mmHg complacebo para 94 ± 7,9 mmHg com clortalidona para92 ± 10,6 mmHg com o diurético e o �light-sal�) nãohavendo efeito aditivo com o sal.

Nos pacientes que receberam sal comum, após otratamento com diurético, também houve queda signi-ficante tanto da PAS (148 ± 15,3 mmHg na semana 4,131 ± 10,2 na semana 10 e 133 ± 14,2 mmHg na se-

Tabela 1Variação da caliurese, da calemia e da pressão arterial do período basal e ao final do tratamento

K+ urinário (mEq/mg de creatinina/24h) K+ plasmático (mEq/l) PAS / PAD (mmHg)Basal Final Basal Final Basal Final

Sal comum(n=13) 63 ± 22 68 ± 8 4,7 ± 0,4 4,9 ± 0,6 146 / 92 141 / 89

“Light-sal”(n=14) 70 ± 29 119 ± 122 4,2 ± 0,7 4,6 ± 0,4* 138 / 87 129* / 81*

* p< 0,05 entre os valores basal e final

Tabela 2Variação da caliurese, da calemia e da pressão arterial do período basal, com diurético e ao final do tratamento

K+ urinário (mEq/mg de creatinina/24h) K+ plasmático (mEq/l) PAS / PAD (mmHg)Basal Diurético Final Basal Diurético Final Basal Diurético Final

Sal comum(n=13) 63 ± 22 52 ± 23 53 ± 22 4,2 ± 0,5 4,0 ± 0,6 4,3 ± 0,4 148 / 96 131* / 88* 133* / 87*

“Light-sal”(n=14) 45 ± 17 51 ± 20 101± 77** 4,1 ± 0,4 3,9 ± 0,5 4,5 ± 0,7# 155 / 101 138* / 94* 136* / 92*

*p<0,05 versus basal; **p<0,05 versus basal e diurético; #p<0,05 versus diurético.

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L. A. D. Lotaif et al - Suplementação de potássio através do sal de cozinha

mana 16) como da PAD (96 ± 10,1 mmHg na semana4, 88 ± 6,9 mmHg na semana 10 e 87 ± 6,3 mmHg nasemana 16).

O peso corpóreo dos pacientes não sofreu varia-ção significante durante o estudo em nenhum dossubgrupos .

Houve um incremento significante do potássioplasmático nos pacientes que receberam �light-sal�(de 4,0 ± 0,50 mEq/l na semana 10 para 4,5 ± 0,7mEq/l na semana 16) enquanto este parâmetro não semodificou no grupo que recebeu sal comum (de 4,0± 0,6 para 4,3 ± 0,4 mEq/l, respectivamente).

A excreção urinária de potássio também aumen-tou significantemente nos pacientes que receberam�light-sal�, de 51 ± 19,8 mEq/mg de creatinina/24h nasemana 10 para 101 ± 76,7 mEq/mg de creatinina/24hna semana 16 (incremento de 98%). No grupo querecebeu sal comum, as médias foram de 52 ± 23,4mEq/mg de creatinina/24h na 10ª semana e 53,1 ±22,2 mEq/mg de creatinina/24h na 16ªsemana.

Não houve mudança na excreção urinária desódio em nenhum dos grupos, sendo que as médiasdo grupo �light-sal� foram de 182 ± 101,6 na 4a sema-na, 176 ± 82,5 na 10a semana e 185 ± 96 mEq/mg decreatinina/24h na 16a semana e do grupo sal comumforam de 214 ± 124,5 na 4a semana, 153 ± 50,4 na 10a

semana e 184 ± 86 mEq/mg de creatinina/24h na 16a

semana.À semelhança do observado no grupo 1 também

não foram observadas diferenças significantes entre osparâmetros clínico-laboratoriais dos dois subgrupostanto no período basal quanto na fase de intervenção.

D i s c u s s ã o

No presente estudo confirmamos que a suple-mentação de potássio em pacientes hipertensos levesem tratamento não medicamentoso teve efeitohipotensor quer sobre a PAS quer sobre a PAD ava-liadas pela MAPA, e acarretou aumento significante dopotássio sérico. Estes resultados estão de acordo comos observados na literatura onde constatou-se que asuplementação de potássio determina redução signi-ficante da PAS, da ordem de 8 a 10 mmHg e da PAD,entre 5 e 7 mmHg, através de estudos de meta-análisetanto em pacientes normotensos quanto em hiper-tensos primários10. A suplementação de potássio de-termina também diminuição significativa da ocorrên-cia de acidentes vasculares cerebrais e de mortalidadeem animais com hipertensão arterial espontânea,

mesmo quando submetidos a dietas com alto teor emsódio.

Estudos conduzidos em localizações geográficasdiversas demonstram uma maior prevalência de hiper-tensão nas populações que ingerem dietas pobres empotássio. Além disto, é conhecido que a correção dahipocalemia diminui a pressão arterial em ratos comhipertensão induzida por mineralocorticóide, o mes-mo sendo relatado em pacientes com hipertensãoprimária usando diurético tiazídico.¹¹ Além do mais nomesmo estudo foi demonstrado que a sobrecarga sa-lina aumentou a pressão arterial de pacientes comdepleção de potássio mas não teve efeito naquelesingerindo quantidades normais deste íon. Estudospreliminares indicam que a depleção transitória depotássio também eleva a pressão arterial em pacienteshipertensos.

Os mecanismos pelos quais a suplementação depotássio reduz a pressão arterial não estão completa-mente esclarecidos. Sabe-se que o aumento de ofertadeste cátion aumenta a atividade da sódio-potássio-ATPase, reduzindo o conteúdo intracelular de sódio ecálcio.¹² Os possíveis mecanismos responsáveis pelosefeitos anti-hipertensivos do potássio são: indução denatriurese/diurese; redução dos níveis dos hormôniospressores, a saber, renina-angiotensina-aldosterona enoradrenalina; aumento dos hormônios vasodila-tadores; efeito na parede vascular quer por reduçãoda resposta aos hormônios pressores quer por va-sodilatação direta; e finalmente o potássio poderiaaumentar a sensibilidade dos barorreceptores.

Em nosso estudo, pacientes hipertensos primáriosrecebendo diurético tiazídico, a suplementação dopotássio não teve efeito aditivo sobre a redução dapressão arterial. Apesar disso, nesses pacientes houveaumento significante do potássio plasmático e da suaexcreção urinária. Estudos de longo prazo serão ne-cessários para realmente avaliar o efeito da suple-mentação de potássio nos pacientes em diuretico-terapia.

Como o produto utilizado era composto de 50%do teor de sódio encontrado no sal comum, esperá-vamos uma redução na ingestão deste íon, caso ospacientes utilizassem as mesmas quantidades do salno preparo dos alimentos. Observamos, entretanto,que a excreção urinária de sódio (refletindo a inges-tão) não mudou, sugerindo que o consumo do �light-sal� tenha sido o dobro do habitual. Futuros estudosdeverão avaliar esta hipótese. Apesar da ingestão desódio semelhante, observamos que a sobrecarga de

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 214-218218

L. A. D. Lotaif et al - Suplementação de potássio através do sal de cozinha

potássio nestes pacientes acarretou redução da pres-são arterial. Em seu estudo, MacGregor e cols.¹³ suge-rem que a queda da pressão arterial observada com asuplementação de potássio independe da excreçãourinária de sódio.

A importância clínica deste achado é que o �light-sal� é uma forma fácil e barata de suplementar opotássio através da dieta alimentar, podendo ser uti-lizado no preparo da comida de toda a família, nãotendo os inconvenientes de alterar o sabor dos ali-mentos nem de provocar a intolerância gástrica co-mum aos produtos comerciais existentes. Poderia seruma possível forma de cardioproteção, ou seja, umamedida capaz de proteger o miocárdio contra as re-percussões da disfunção ventricular e das arritmiascardíacas, potenciais causadoras da morte súbita.

A g r a d e c i m e n t o s

À Cia. Salinas Perynas - Usinas Perynas - CaboFrio - Estado do Rio de Janeiro, pelo fornecimento do�light-sal� e do sal comum.

S u m m a r y

We analysed the influence, on blood pressure(BP), of increasing dietary potassium (K) intake usinga salt-substitute composed of 50% NaCl and 50% KCl(SK) with 100% NaCl (SN) in 54 essential hyper-tensives as a sole therapeutic measure (G1, n=27) orin association with thiazide diuretic (G2, n=27). Dur-ing 24h blood pressure monitoring G1SK, but notG1SN, showed fall in BP associated with an increasein serum K (4,2 ± 0,7 to 4,6 ± 0,4 mEq/l). Neither G1subgroup showed difference in urinary Na excretion.After BP reduction with diuretic, increases in bothserum K (3,9 ± 0,5 to 4,5 ± 0,7 mEq/l) and urinary K(51 ± 20 to 101 ± 77 mEq/mg creatinine/24h) were

observed in G2SK. We conclude that the use of thissalt substitute is a feasible and effective measure ofincreasing dietary K intake and may help to controlhigh blood pressure.

R e f e r ê n c i a s1. Ambard L, Beaujard E. Causes de l�hypertension arterielle. Arch

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 219-223 219

R. Sesso et al - Tratamento tardio da insuficiência renal crônica

Diagnóstico e tratamento tardios da insuficiência renalcrônica terminal

Ricardo Sesso, Angélica G. Belasco, Horácio Ajzen

Nós estudamos 142 pacientes que iniciaram tratamento dialítico para insuficiência renal crôni-

ca terminal em nossa instituição. Apenas 41 pacientes (28,9%) foram consultados por

nefrologista antes do início da diálise. Cinquenta e oito (41,1%) souberam ter doença renal há

menos de 1 mês do início da diálise. A maioria dos pacientes (60,0%) não fez seguimento

ambulatorial antes do início do programa de diálise. Apenas 4 pacientes possuiam fístula

artério-venosa; 76 (53,5%) tiveram acesso dialítico através de cateter venoso central e 62

(43,7%) através de cateter peritoneal. Antes da primeira sessão de diálise 59 pacientes

(47,2%) apresentavam bicarbonato plasmático < 15 mEq/L; 12 (8,6%) potássio sérico > 7

mEq/L; 84 (65,1%) uréia > 200 mg/dL; 38 (27,1%) creatinina > 15 mg/dL; 68 (57,6%) cálcio <

8,5 mg/dL; 51 (49,0%) albumina < 3,2 g/dL, e 34 (24,5%) hematócrito < 20,0%. Hipertensão

arterial foi detectada em 132 pacientes (93,0%). Quarenta e um apresentavam infecção

urinária (n=27) ou pulmonar (n=14). Estes dados indicam que o tratamento de pacientes com

insuficiência renal crônica no período anterior a diálise não tem sido adequado. O diagnóstico

e o início do tratamento dialítico tem sido tardios em muitos pacientes com insuficiência

renal crônica terminal.

Introdução

Durante os últimos anos temos observado que umnúmero elevado de pacientes são atendidos pela pri-meira vez em nossa instituição em estágio avançado

de insuficiência renal crônica. Muitos deles apresen-tam complicações clínicas e necessitam iniciar diáliseem condições de emergência.

Na Europa e nos Estados Unidos, alguns estudostem mostrado que o encaminhamento tardio paraprograma crônico de diálise não é incomum. 1-4 Asconsequências deletérias do encaminhamento tardiopara tratamento dialítico tem sido apontadas em al-guns desses estudos. 1,3,4 O encaminhamento precocede pacientes com insuficiência renal crônica para aequipe de nefrologia pode produzir benefícios nosentido de reduzir a morbidade e a mortalidade des-tes pacientes. 4,5

O objetivo do presente estudo foi avaliar pros-pectivamente pacientes com insuficiência renal crôni-ca terminal (IRCT), que iniciaram programa de diáliseem nossa instituição, investigando as características

Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, Disciplinade Nefrologia.

Endereço para correspondência: Dr Ricardo Sesso, Escola Paulista deMedicina, Disciplina de Nefrologia, Rua Botucatu 740, São Paulo, SP, 04023-062 - Fone (011) 574-6300 - Fax (011) 573-9652

diálise, insuficiência renal crônica, diagnóstico, encaminhamento,morbidadedialysis, chronic renal failure, diagnosis, referral, morbidity

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R. Sesso et al - Tratamento tardio da insuficiência renal crônica

do encaminhamento dos pacientes, os exames labo-ratoriais na admissão e os aspectos iniciais do trata-mento instituído.

Material e Métodos

Foram estudados prospectivamente todos os paci-entes com mais de 12 anos de idade sequencialmenteadmitidos na unidade de diálise da Disciplina deNefrologia, Hospital São Paulo, Escola Paulista deMedicina, UNIFESP, entre outubro de 1992 e junho de1994, com diagnóstico de IRCT e que necessitaraminiciar programa crônico de diálise. Esta unidade dediálise está localizada no ERSA (escritório regional desaúde) 3 - Vila Prudente, onde existem outras 4 uni-dades credenciadas pela Secretaria da Saúde.

Foram excluídos pacientes com diagnóstico de in-suficiência renal aguda, insuficiência renal pós falên-cia de enxerto e pacientes com insuficiência renalassociada a neoplasia.

Na ocasião da admissão na unidade de diálise,eram coletadas informações sobre dados demográ-ficos, características do encaminhamento ao serviço,sintomatologia da doença renal, diagnóstico de base,doenças associadas, exames laboratoriais imediata-mente antes da realização da primeira sessão dediálise e tipo de tratamento e acesso inicial para diá-lise. As informações sobre o encaminhamento ao ser-viço foram obtidas através de um questionário aplica-do por um de nós diretamente com os pacientes.

Resultados

Entre outubro de 1992 e junho de 1994, 154 pa-cientes iniciaram tratamento dialítico para IRCT emnossa instituição; 12 apresentavam neoplasia associa-da e foram excluídos da análise, deixando 142 paci-entes para o estudo. Setenta e nove pacientes (55,6%)eram do sexo masculino e 63 do sexo feminino; suaidade média (DP) era 48,3 anos (16,0) (variação 16-90 anos). Metade dos pacientes era alfabetizada. Osprincipais diagnósticos de doença renal de base foramdiabetes (n=32, 24,2%), hipertensão (n=30, 22,7%) eglomerulonefrite (n=12, 9,1%). O diagnóstico foi con-firmado por biópsia renal em 17 casos (12,7%).

A Tabela 1 mostra que 41 pacientes (28,9%) foramencaminhados para tratamento por médico nefro-logista, 48 (33,8%) por clínicos gerais ou médicos deoutras especialidades. Trinta e cinco por cento dospacientes procuraram o atendimento médico espon-

Tabela 1Distribuição dos pacientes quanto ao encaminhamento para

tratamento dialítico.

N %

Nefrologista 41 28,9

Clínico geral 30 21,1

Outra especialidade 18 12,7

Iniciativa própria 49 34,5

Sem informação 4 2,8

Total 142 100,0

Tabela 2Características prévias ao início do tratamento dialítico

Nº centros até diag. de doença renalmediana 2,0

variação 1-15

> 2 centros (nº pac.* (%)) 55/142 (38,7)

Nº centros até iniciar diálisemediana 3,0

variação 1-15

> 3 centros (nº pac.* (%)) 32/142 (22,5)

Tempo de diag. doença renal (meses)mediana 2,4

variação 0-207

< 1 mes (nº pac.* (%)) 58/141 (41,1)

Duração de sintomas (meses)mediana 2,9

variação 0-40,8

< 2 meses (nº pac.* (%)) 54/138 (39,1)

Tempo de seguimento ambulatorial (meses)mediana 0

variação 0-98

< 1 mês (nº pac.* (%)) 45/75 (60,0)

Uso de dieta hipoproteica (meses)mediana 0

variação 0-122

< 1 mês (nº pac.* (%)) 104/142 (73,2)

*nº de pacientes com a característica

/ nº de pacientes com informação disponível

tâneamente, devido aos sintomas, sem encaminha-mento prévio por outro especialista. Entre os pacien-tes encaminhados, 66 (46,5%) vieram da rede pública,8 (5,6%) de outros serviços de assistência médica(medicinas de grupo) e 17 (12,0%) de médicos parti-culares. A Tabela 2 mostra que o número mediano decentros médicos procurados até que fosse feito o di-agnóstico de doença renal e até o início do tratamen-to dialítico foi de 2 e 3, respectivamente. Onze (7,7%)e 17 (12,0%) pacientes, respectivamente, passarampor mais de 4 centros médicos até que o diagnóstico

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R. Sesso et al - Tratamento tardio da insuficiência renal crônica

da doença renal fosse feito ou até iniciar o programade diálise crônica. Cinquenta e oito pacientes (41,1%)souberam ter doença renal há menos de 1 mês doinício da diálise; 54 pacientes (39,1%) apresentavamsintomas relacionados a doença renal há menos de 2meses. A maioria dos pacientes (60,0%) não fez segui-mento ambulatorial para acompanhamento de doençarenal. Apenas 39 pacientes (27,5%) utilizaram dietahipoproteica orientada por médico antes de iniciardiálise.

Oitenta pacientes (56,3%) iniciaram tratamentoatravés de hemodiálise, os restantes através de diáliseperitoneal intermitente (37,3%) ou diálise peritonealambulatorial contínua (6,3%) (Tabela 3). Apenas 4pacientes possuiam fístula artério-venosa em condi-ções de uso no início do programa; 76 (53,5%) tive-ram acesso dialítico através de cateter venoso centrale 62 (43,7%) através de cateter peritoneal de Tenck-hoff.

em 34 pacientes (24,5%). O tamanho médio dos rins,no eixo longitudinal, ao ultra-som foi de 9,0 cm. Naocasião da admissão, hipertensão arterial foi detectadaem 132 pacientes (93,0%). Quarenta e um pacientesapresentavam infecção urinária (n=27, 19,0%) ou pul-monar (n=14, 9,9%).

Exames laboratoriais, realizados imediatamenteantes da primeira sessão de diálise, são mostrados nasFiguras 1 e 2. Trinta e três pacientes (26,2%) apresen-tavam pH venoso menor que 7,2; bicarbonato plas-mático menor que 15 mEq/L foi encontrado em 59pacientes (47,2%); potassio sérico igual ou acima de7 mEq/L foi detectado em 12 pacientes (8,6%). Encon-tramos uréia sérica acima de 200 mg/dL em 84 casos(65,1%) (>300 mg/dL em 43 casos), creatinina séricaacima de 15 mg/dL em 38 casos (27,1%); cálcio abai-xo de 8,5 mg/dL em 68 (57,6%); fósforo acima de 7,0mg/dL em 29 (24,8%); albumina sérica abaixo de 3,2g/dL em 51 (49,0%) e hematócrito abaixo de 20,0%

Tabela 3Tipo de tratamento e acesso inicial para diálise

Tipo de diálise N %

Hemodiálise 80 56,3

DPI 53 37,3

CAPD 9 6,3

Tipo de acesso

Fístula a-v. 4 2,8

Cateter venoso

subclávia 66 46,5

jugular 5 3,5

femoral 5 3,5

Cateter de Tenckhoff 62 43,7

Total 142 100,0

Parâmetros laboratoriais pré-tratamento dialítico.Valores mínimos, máximos e críticos.

Figura 1 - Os valores de HCO3, Na, K, são expressos em mEq/L, ureia e creatininaem mg/dL. Os valores medianos desses parâmetros são respectivamente: 15,4mEq/L, 138 mEq/L, 4,9 mEq/L, 246 mg/dL e 9,9 mg/dL.

Figura 2 - Os valores de clear. cr. são expressos em ml/min, cálcio e fósforo emmg/dL, albumina em g/dL e hematócrito em %. Os valores medianos dessesparâmetros são respectivamente: 6,3 ml/min, 8,3 mg/dL, 5,3 mg/dL, 3,2 g/dL e23%.

Parâmetros laboratoriais pré-tratamento dialítico.Valores mínimos, máximos e críticos.

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R. Sesso et al - Tratamento tardio da insuficiência renal crônica

Discussão

Nossos dados mostram que apenas 29% dos pa-cientes que iniciaram tratamento dialítico para IRCTforam atendidos anteriormente por nefrologista. Odiagnóstico da doença renal foi comumente feitoapenas algumas semanas antes do início da diálise.Mais da metade dos pacientes não fez seguimentoambulatorial prévio e somente cerca de um quartodeles receberam dieta hipoproteica no período anteri-or à diálise. Estes dados indicam que pacientes cominsuficiência renal crônica não receberam atendimen-to médico adequado no período anterior ao início deprograma de diálise, nem tiveram o acompanhamentoespecializado necessário para iniciar a diálise em con-dições satisfatórias e bem planejadas. Em parte, aescassez de sintomas relacionados a insuficiência re-nal até os estágios tardios de doença pode ter retarda-do a procura de cuidados médicos. No entanto, nos-sos achados sugerem que o sistema de assistência desaúde esteja falhando em sua capacidade de fazerdiagnóstico de insuficiência renal mais precocemente,e no acompanhamento de pacientes com maior riscode desenvolverem insuficiência renal crônica terminal,particularmente aqueles diabéticos, hipertensos e comglomerulonefrite crônica.

Pacientes com doença renal crônica não tem sidoencaminhados a tempo para equipes de nefrologia, oque deveria ser feito quando a creatinina sérica fossemaior que 2,0 mg/dL para homens e que 1,5 mg/dLpara mulheres. 5 É possível que esteja ocorrendo umaseleção dos pacientes por parte de clínicos gerais ede outros especialistas no encaminhamento destespacientes aos serviços de Nefrologia. O não encami-nhamento precoce, por outro lado, pode estar ocor-rendo por desconhecimento dos benefícios do segui-mento ambulatorial especializado, 6 ou por uma acei-tação preferencial de pacientes com menor morbidadenos centros de programa crônico de diálise. Esta úl-tima possibilidade certamente deve estar relacionadaao número insuficiente de unidades de diálise cre-denciadas. Nós mostramos recentemente que idade,nível educacional e diagnóstico da doença de basesão fatores potenciais de discriminação para aceitaçãopara tratamento dialítico em São Paulo. 7

Muitos pacientes, neste estudo, passaram por vá-rios centros médicos até serem aceitos para tratamen-to dialítico. Obviamente, quanto maior o tempo, atéque seja encontrada uma vaga para tratamento, maiora chance de as condições clínicas dos pacientes se

deteriorarem e que seja necessária a diálise de emer-gência. Em estudo anterior, nós encontramos que adistribuição regional dos centros de diálise no muni-cípio de São Paulo é muito desigual e que uma por-centagem grande de pacientes fazem diálise distanteda região onde moram. 8 Há falta de centros dediálise em algumas regiões do município (principal-mente nas zonas Sul e Leste). Nós mostramos ainda,em outro relato, que muitos pacientes com IRCTmorreram sem receber tratamento dialítico. 7 Analisa-dos conjuntamente, estes dados indicam que há faltade vagas para programas de diálise, e que o encami-nhamento para tratamento tem sido inapropriado paraos pacientes renais crônicos em São Paulo. Este siste-ma restrito de atendimento tem feito com que inúme-ros pacientes cheguem, diariamente, a hospitais públi-cos como é o caso do Hospital São Paulo, em condi-ções de maior risco de vida.

Como consequência do exposto, pacientes renaiscrônicos são habitualmente admitidos em condiçõesbastante descompensadas, como é claramente eviden-ciado pela elevada frequência de alterações importan-tes nos exames laboratorias iniciais. Distúrbios hidro-eletrolíticos, ácido-básicos, anemia, desnutrição foramcomuns nos pacientes estudados. Vários destes distúr-bios poderiam ter levado os pacientes à morte antesmesmo do início da diálise. Mais de 90% apresentavahipertensão arterial. Cerca de 30% tinha infecçãopulmonar ou urinária. Naturalmente, estas alteraçõesestão diretamente relacionadas a maior morbidade,mortalidade e custos com internação no início doprograma de diálise. 4,9 Muitos destes pacientes tive-ram que iniciar diálise em condições não planejadase de emergência, como pode ser constatado pelosexames laboratoriais e pelo tipo de acesso para diá-lise. Cateter venoso central para hemodiálise foi em-pregado em mais da metade dos pacientes; em44% deles um cateter peritoneal foi implantado pelaequipe de nefrologia e foi imediatamente utilizadopara diálise.

É imprescindível que os pacientes com insuficiên-cia renal crônica tenham seu diagnóstico feito maisprecocemente e sejam encaminhados a equipes denefrologia (compostas por médico, enfermeira, nutri-cionista, assistente social, profissional de saúde men-tal) a tempo suficiente para que iniciem o programade diálise em melhores condições. No período ante-rior à diálise deve ser feito um adequado atendimentoem relação ao tratamento da hipertensão arterial, daanemia, da osteodistrofia renal, das condições nutri-

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R. Sesso et al - Tratamento tardio da insuficiência renal crônica

cionais e deve ser estabelecido precocemente o aces-so vascular. Este é também um período importantepara que se melhore a qualidade de vida durante otratamento. Além disso, o acesso aos serviços dediálise deve ser facilitado às custas do aumento donúmero de vagas e de uma melhor distribuição doscentros de diálise em São Paulo.

Agradecimentos

Angélica G. Belasco recebe bolsa de mestrado daFAPESP. Ricardo Sesso recebe bolsa de pesquisadordo CNPq.

Summary

Late diagnosis and treatment of end-stage renaldisease

We studied 142 patients who started dialysis treat-ment for chronic renal failure in our institution. Only41 patients (28.9%) were seen by a nephrologist be-fore starting dialysis. Fifty-eight (41.1%) knew thatthey had renal disease less than one month beforestarting dialysis. Most of the patients (60%) did notattend ambulatory care clinics before beginning thedialysis program. Only 4 patients had arterio-venousfistula; in 76 (53.5%) the dialysis access was throughcentral venous catheter and in 62 (43.7%) by perito-neal catheter.

Before the first dialysis session 59 patients(47.2%) had plasma level of bicarbonate < 15 mEq/L;12 (8.6%) serum potassium > 7 mEq/L; 84 (65.1%)serum urea > 200 mg/dL; 38 (27.1%) serum creatinine> 15 mg/dL; 68 (57.6%) calcium < 8,5 mg/dL; 51(49.0%) serum albumin < 3,2 g/dL, and 34 (24.5%)hematocrit < 20.0%. Hypertension was detected in 132

patients (93.0%). Forty-one patients had urinary(n=27) or pulmonary (n=14) infection.

These data indicate that treatment for chronicrenal failure patients before dialysis period has notbeen adequate. The diagnosis and the starting of di-alysis treatment have been late for many end-stagerenal disease patients.

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C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial

Comparação entre os efeitos anti-hipertensivo e metabólico daFelodipina e do Enalapril em pacientes com hipertensão arterialessencial leve a moderada

I n t ro d u ç ã o

A felodipina é um antagonista dos canais lentosde cálcio do grupo das diidropiridinas com açãovasosseletiva.1 Seu principal mecanismo de ação é ainibição do influxo de cálcio nas células musculareslisas dos vasos de resistência. 1, 2

Sua afinidade pelos canais de cálcio da muscula-tura lisa vascular é 100 vezes maior quando compa-

Cibele Isaac Saad Rodrigues, Antonio Felipe Simão, Nyder Rodríguez Otero, FernandoRatto, Moacir Nicodemus Marte, Fernando Antonio de Almeida

Neste estudo foram incluídos 60 pacientes com pressão arterial diastólica entre 95 e 110

mmHg, classificados como portadores de hipertensão arterial essencial leve a moderada, se-

gundo os critérios da Organização Mundial de Saúde e da Sociedade Internacional de Hiper-

tensão, nos quais foram avaliados os efeitos anti-hipertensivos e metabólicos da felodipina, um

bloqueador dos canais lentos de cálcio com alta seletividade vascular, e do enalapril, um

inibidor da enzima conversora da angiotensina, ambos com ação prolongada, podendo ser

utilizados uma vez ao dia como monoterapia na hipertensão arterial. O controle pressórico

foi semelhante, ambos apresentaram boa tolerabilidade e nenhum efeito metabólico detectado

no período de estudo de 8 semanas.

hipertensão arterial, felodipina, enalapril, efeitos metabólicos eanti-hipertensivosarterial hypertension, felodipine, enalapril, anti-hypertensive andmetabolic effects

rada ao verapamil e 10 vezes maior que da nife-dipina.2 Este efeito determina diminuição da resis-tência periférica por vasodilatação arteriolar diminu-indo a pós-carga e não apresentando ação inotrópicanegat iva .3

Por ser liberada lentamente no trato gastrintestinale devido às suas propriedades farmacocinéticas, podeser administrada em dose única diária, sem picoplasmático e, portanto, com menos efeitos indesejá-veis.1, 3

A felodipina pode ser utilizada com eficácia notratamento da hipertensão arterial (HA) leve a mode-rada, onde pode ser utilizada como monoterapia, oque lhe confere comodidade posológica e melhoradesão do paciente à terapêutica.1, 2

Outro grupo de agentes anti-hipertensivos am-plamente utilizado no tratamento da HA são os inibi-dores da enzima conversora da angiotensina (IECA).Deles, o enalapril tem demonstrado eficácia e boatolerabilidade quando administrado para tratamentomonoterápico em pacientes hipertensos leves a mo-derados.4, 5, 6 Estas duas classes de anti-hipertensivos

Disciplina de Nefrologia - Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Fernando Antonio de AlmeidaPraça José Ermírio de Moraes nº 290 - CEP 18030-230 - Sorocaba - SãoPaulo.Telefone: (0152) 31.5999 Fax: (0152) 33.9022

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C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial

tes exames foram considerados como o perfil metabó-lico inicial dos pacientes estudados.

Na semana 0 (zero), foi iniciada a parte aberta erandomizada do estudo onde os pacientes receberamfelodipina 5 mg ou enalapril 10 mg, em dose únicadiária, recomendando-se que fossem tomados diaria-mente no mesmo horário entre as 6 e as 10 horas damanhã, por um período de 4 semanas. Os pacientescompareceram ao ambulatório a cada duas semanas,para que fossem aferidas a PA e a freqüência cardíaca(FC) de 22 a 26 horas após a última ingestão da me-dicação e, obrigatoriamente antes de sua próximatomada. Os pacientes que, por qualquer motivo, tives-sem tomado a medicação no dia da consulta eramsolicitados para não tomá-la na manhã seguinte, retor-nando então nestas circunstâncias para serem exami-nados.

As pressões sistólica e diastólica (fases I e V dossons de Korotkoff, respectivamente) foram sempreaferidas através da utilização de esfigmomanômetrode mercúrio, de acordo com as normas técnicas pre-conizadas.8

Durante todo o estudo, estas medidas foram feitaspelos mesmos observadores, no mesmo braço e utili-zando os mesmos manguitos, após 5 minutos de re-pouso na posição supina e, posteriormente, após 5minutos na postura ereta. Todas as medidas foram fei-tas duas vezes consecutivas, com intervalo de 1 mi-nuto entre elas, tirando-se a média das duas determi-nações.

Após a randomização dos pacientes nos gruposenalapril e felodipina, a cada visita, além de avaliaçãoclínica completa, verificamos a adesão ao tratamentoe a presença de efeitos adversos, os quais, quandopresentes, eram discriminados quanto a sua severida-de, duração, relação com as drogas estudadas e evo-lução.

Na semana 4, os pacientes foram subdivididos emdois grupos: os que responderam satisfatoriamente àterapêutica inicial (PA diastólica < 95 mmHg), perma-neceram com a mesma dosagem de felodipina ouenalapril até a semana 8, e aqueles que mantiveramPA diastólica > 95 mmHg passaram a receber o dobroda dose inicial, ou seja, os não-respondedores utiliza-ram 10 mg de felodipina ou 20 mg de enalapril, emdose única pela manhã.

Após duas semanas de tratamento, os pacientesforam reavaliados clinicamente (semana 6) e, retorna-vam para a visita final (semana 8).

Na última consulta, além da avaliação clínica,

são também semelhantes no sentido de, habitual-mente, não induzirem efeitos metabólicos indese-jáveis.4, 5, 6, 10

Assim, o objetivo do presente trabalho foi compa-rar a eficácia e tolerabilidade à felodipina e ao ena-lapril em dose única diária, fornecidos como mono-terapia anti-hipertensiva, administrada a pacientesambulatoriais com pressão arterial (PA) diastólica >95 mmHg e < 110 mmHg definidos, segundo os cri-térios da Organização Mundial de Saúde e da Socie-dade Internacional de Hipertensão, como portadoresde HA essencial leve a moderada.7

P a c i e n t e s e M é t o d o s

Trata-se de estudo multicêntrico, aberto e rando-mizado. Foram incluídos 60 pacientes de ambos ossexos, de qualquer etnia, com idades entre 18 e 70anos, que concordassem em participar do estudo atra-vés da assinatura do termo de consentimento pós-in-formado.

Foram considerados critérios de exclusão: gravi-dez, amamentação ou risco de engravidar; HA decausa secundária; alterações clinicamente significantesda função hepática, cardíaca ou renal; infarto ou aci-dente vascular cerebral nos últimos três meses; pre-sença de angina, insuficiência cardíaca congestiva,bloqueios átrio-ventriculares de 2º ou 3º graus; doen-ça severa concomitante, incluindo diabete melitodescompensado; uso de drogas que causam depen-dência ou alcoolismo.

O protocolo de estudo foi aprovado pelas Comis-sões de Ética das Instituições onde foi realizado.

P ro t o c o l o d e e s t u d o

Toda medicação anti-hipertensiva foi suspensa 15dias antes da entrada do paciente no período basal ouplacebo. Os pacientes mantiveram-se em suas dietashabituais, embora estimulados a um menor consumode sódio.

Aqueles que apresentaram PA diastólica supinaentre 95 e 110 mmHg após 4 semanas de uso deplacebo foram incluídos no estudo. Nesta visita, alémdas medidas da PA e exame clínico completo, realiza-mos um eletrocardiograma (ECG) e avaliamos os re-sultados dos exames laboratoriais coletados na sema-na 2 do período placebo (uréia, creatinina, potássio,colesterol, glicemia, exame hematológico, transamina-ses glutâmicas e oxalacética e fosfatase alcalina). Es-

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C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial

nova avaliação laboratorial idêntica à inicial foi soli-citada, incluindo a realização de ECG.

A adesão ao tratamento foi baseada na contagemdo número de comprimidos que restaram a cada vi-sita, comparada ao número teórico daqueles que de-veriam restar.

A n á l i s e e s t a t í s t i c a

Para os dados paramétricos a comparação entremédias independentes foi realizada através do teste�t� de Student. Quando se tratava de medidas repeti-das, utilizamos a análise de variância e, quando haviadiferença, foi aplicado o teste contrastes de Scheffé.Para as análises qualitativas (dados não paramétricos),foi utilizado o teste do qui-quadrado. Consideramoscomo nível de significância estatística a partir de 5%para testes bicaudais.

R e s u l t a d o s

Do total de pacientes incluídos 60 terminaram oestudo, sendo 31 do grupo felodipina e 29 do grupoenalapril. Como pode ser visto nas tabelas 1 e 2, osgrupos eram comparáveis quanto às característicasdemográficas, clínicas e laboratoriais observadas noperíodo basal, não havendo qualquer diferença esta-tística entre eles.

Efeitos na Pressão Arterial e Freqüência Cardíaca

Ao término do estudo (semana 8), ambas as dro-gas anti-hipertensivas reduziram significantemente aPA sistólica e diastólica nas posições supina eortostática sem, no entanto, mostrar diferenças estatís-

ticas entre os dois grupos. As reduções médias da PAsistólica, na posição supina nos pacientes tratadoscom felodipina, foram de 18,6 mmHg e com enalaprilde 20,1 mmHg. Para a PA distólica na posição supinaforam observadas quedas pressóricas médias de 13,8mmHg nos pacientes que receberam felodipina e de10,5 mmHg naqueles que receberam enalapril.

Dos pacientes que receberam felodipina 3 (10%)mantiveram PA diastólica acima de 90 mmHg no finaldo estudo e um necessitou interromper o tratamentopor apresentar PA diastólica acima de 110 mmHg.Entre aqueles que tomaram enalapril em 7 pacientes(24%) a PA diastólica manteve-se acima de 90 mmHge um foi excluido do estudo por ter PA diastólicaacima de 110 mmHg. Esta diferença entre os gruposnão atingiu significância estatística.

Em 3 pacientes tratados com felodipina (10%) foinecessário dobrar a dose do medicamento passando,portanto, a usar 10 mg/dia. O mesmo ocorreu em 10pacientes (34%) do grupo enalapril, que passaram areceber 20 mg/dia. Esta diferença foi estatisticamentesignificante (p<0,05).

A FC não apresentou alterações estatisticamentesignificantes entre os dois grupos de pacientes nodecorrer do estudo.

As médias dos valores pressóricos, em todas asvisitas, podem ser visualizadas no gráfico 1.

Efeitos Metabólicos

A tabela 2 apresenta, em ambos os grupos de pa-cientes, a média dos resultados das avaliações labo-ratoriais quanto aos níveis sangüíneos de potássio,creatinina, uréia, colesterol e glicemia. Embora te-nham ocorrido pequenas alterações nas médias dos

Tabela 1Características Demográficas e Clínicas dos Pacientes

(Final do Período de Placebo)

Grupo Felodipina Grupo Enalapriln = 31 n = 29

Idade (anos) 57,0 ± 9,6 52,7 ± 12,3% Mulheres 61,3 41,4% Brancos 71,0 82,8% Fumantes 6,5 6,9% Medicação anterior 64,5 69,0Peso (kg) 76,1 ± 13,4 74,2 ± 13,5Altura (cm) 162,1 ± 9,3 163,4 ± 9,1Freqüência cardíaca supina (bpm) 72,9 ± 10,7 74,5 ± 11,2Pressão arterial sistólica supina (mmHg) 156,7 ± 16,8 155,4 ± 18,6Pressão arterial diastólica supina (mmHg) 97,6 ± 7,8 97,9 ± 8,2

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C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial

parâmetros laboratoriais metabólicos avaliados no iní-cio e no final do tratamento, estas não atingiramsignificância estatística em ambos os grupos em estu-do.

Efeitos Adversos

As queixas mais freqüentes relatadas espontanea-mente podem ser observadas na tabela 3. Não hádiferença estatística entre os grupos no que se refereà freqüência de efeitos colaterais tomados como umtodo. Como mostra a tabela 3, exceto pela cefaléiaque esteve presente nos dois grupos com freqüênciasemelhante, a natureza dos efeitos adversos relatadosfoi diferente nos dois grupos, impedindo por isso acomparação estatística entre eles. A intensidade dosefeitos adversos foi, habitualmente, de grau leve amoderado, de tal forma que nenhum paciente preci-sou ser retirado do estudo por estes motivos.

Não houve também qualquer alteração dos valo-res do exame hematológico, transaminases e fosfatasealcalina em ambos os grupos.

D i s c u s s ã o

O enalapril, um inibidor da enzima conversora daangiotensina II, tem eficácia e tolerabilidade compro-vadas por inúmeros trabalhos da literatura.4, 5, 6 Trata-se de uma pró-droga, que necessita ser hidrolisadapelo fígado para exercer efeito farmacológico sistê-mico.6 Sua meia-vida prolongada permite a utilizaçãoem dose única diária.4, 5, 6

A felodipina, um antagonista dos canais lentos decálcio de última geração, do grupo das diidropi-ridinas, apresenta perfil farmacológico caracterizadopor vasosseletividade e eficácia anti-hipertensiva pro-longada.1, 2, 3

Ambas as drogas utilizadas neste estudo não de-terminam picos plasmáticos acentuados e, possivel-mente por esta razão, observamos baixa incidência epequena intensidade de efeitos colaterais no períodode 8 semanas de tratamento com droga ativa. Umaexplicação alternativa é que alguns dos efeitos cola-terais mais comuns aos IECA (tosse) e aos antagonis-tas de cálcio (edema pré-tibial) podem ter apareci-mento mais tardio (após as 8 semanas do período dedroga ativa deste estudo).

Como era esperado, o controle pressórico alcan-çado, tanto sistólico como diastólico, foi equivalentenos dois grupos. Também como observado na maioriados estudos com estas classes de anti-hipertensivosnenhuma alteração metabólica significante foi detecta-

Tabela 2Parâmetros Laboratoriais

Grupo Felodipina Grupo EnalaprilBasal Semana 8 Basal Semana 8

Potássio (mEq/l) 3,9 ± 0,3 4,0 ± 0,5 3,9 ± 0,3 4,0 ± 0,3Creatinina (mg/dl) 0,9 ± 0,1 1,1 ± 0,2 0,9 ± 0,1 1,1 ± 0,2Uréia (mg/dl) 29,3 ± 9,3 33,7 ± 10,2 32,5 ± 12,9 31,1 ± 11,8Colesterol (mg/dl) 209,8 ± 50,6 207,8 ± 46,7 219,0 ± 35,9 198,1 ± 36,8Glicemia (mg/dl) 93,3 ± 9,4 95,7 ± 13,1 85,3 ± 8,7 93,4 ± 13,6

Média ± DPM

Gráfico 1 - Evolução da média das pressões arteriais sistólicas e diastólicas duranteas 12 semanas do estudo.

PRESSÃO ARTERIAL SISTÓLICA (PAS) EDIASTÓLICA (PAD) NA POSIÇÃO SUPINA

-4 -2 0 2 4 6 870

90

110

130

150

170

Felodipina Sistólica Felodipina Diastólica

Enalapril Sistólica Enalapril Diastólica

PAS

PAD

* = p < 0,001 vs BASAL

*

mmHg

semanas

* *

* * *

Tabela 3Efeitos adversos

Felodipina Enalapril

Cefaléia 6% Cefaléia 5%Taquicardia 2% Rubor 3%Edema MMII 2% Insônia 3%Tonturas 2% Tosse 1%

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C. I. S. Rodrigues et al - Efeitos da felodipina e enalapril na hipertensão arterial

da no curto período entre as avaliações laboratoriaisefetuadas.4,5,6,10 Entretanto, no grupo que recebeuenalapril, foi maior o número de pacientes que neces-sitou dobrar a dose para controlar a pressão arterial(p<0,05). Dos pacientes que receberam felodipina,87% (27/31) chegaram ao final das 8 semanas de tra-tamento efetivo com PA diastólica < 90 mmHg, en-quanto no grupo que recebeu enalapril isto ocorreuem 62% (18/29), diferença não significante do pontode vista estatístico (p>0,05).

A FC permaneceu estável no decorrer de todo oestudo, mesmo no grupo que utilizou antagonista decálcio em dose máxima (10 mg/dia), demonstrandoque a taquicardia, um efeito adverso freqüente com asdrogas do grupo das diidropiridinas,9 não estevepresente nos pacientes estudados. Também não ob-servamos bradicardia, um efeito colateral que podeocorrer com antagonistas de cálcio do grupo difeni-lalquilaminas (verapamil).9,10

Assim, podemos concluir que ambas as drogaspossibilitaram o controle pressórico dos pacientesestudados, portadores de HA leve a moderada, comboa tolerabilidade clínica e metabólica, constituindo-se em opções terapêuticas anti-hipertensivas adequa-das, quer do ponto de vista farmacológico, quer decomodidade posológica, o que certamente interferepositivamente na adesão do paciente hipertenso aotratamento medicamentoso da hipertensão.

Finalmente, vale a pena ressaltar que entre ospacientes que receberam felodipina a grande maioria(27/31 - 87%) pode ser controlada com dose relativa-mente baixa da droga (5 mg/dia). Este fato certamen-te deve ter contribuido para que os efeitos colateraisobservados nestes pacientes tenham sido raros e depequena intensidade. Assim, o uso de felodipina nadose de 5 mg/dia deve ser considerado como umaboa opção como monoterapia inicial de pacientescom hipertensão arterial de graus leve a moderado.

S u m m a r y

In this study we included 60 patients with dias-tolic blood pressure from 95 to 110 mmHg, defined

as mild to moderate essential hypertensive, accord-ing to the criteria of the World Health Organizationand International Society of Hypertension, in whomthe anti-hypertensive and metabolic effects of felo-dipine (a vascular selective calcium-channel blocker)and enalapril (an angiotensin-converting enzyme in-hibitor) were evaluated. Both are long-action drugsallowing their use as once-a-day monotherapy totreat hypertension. Blood pressure control weresimilar and both had good tolerability. Metaboliceffects were not detected during the 8-week periodof the study.

R e f e r ê n c i a s

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 229-236 229

D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

Conhecimento, preferências e perfil dos hipertensos quanto aotratamento farmacológico e não farmacológico

Décio Mion Júnior, Angela Pierin, Edna Ignez, Dália Ballas, Marcello Marcondes

Para identificar o conhecimento e preferências em relação ao tratamento foram entrevistados

353 hipertensos. Verificou-se preferência pelo tratamento farmacológico (56%) por via oral

(84%), em comprimidos (60%), 1 vez ao dia (81%) pela manhã (65%) e com o seguinte perfil:

mais de 40 anos, obeso, solteiro ou viúvo e renda de 1 a 5 salários mínimos. Foi elevado o

desconhecimento sobre o tratamento não farmacológico (81%), apesar dos pacientes conhe-

cerem as várias medidas não farmacológicas. O perfil dos que desconheciam o tratamento não

farmacológico foi: mulheres, de 41 a 60 anos, obesas, não solteiras. Portanto, o hipertenso

tem conhecimento e preferências que devem ser considerados na prescrição do tratamento,

assim como nas recomendações de Consenso e nas campanhas sobre hipertensão arterial.

Trabalho realizado na Liga de Hipertensão Arterial do Hospital das Clínicasda Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo

Endereço para correspondência: Décio Mion Jr.Liga de Hipertensão Arterial, Hospital das Clínicas, F.M.U.S.P.Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 25505403-000 São Paulo SPTel.: (011) 282-2659 Fax: (011) 883-7683

Hipertensão arterial, adesão, tratamentoHypertension, compliance, treatment

Introdução

A falta de adesão ao tratamento em hipertensãoarterial é fato frequentemente observado pelos profis-sionais da área de saúde. Os índices de abandono,considerado o grau máximo da falta de adesão, sãode 30 a 40%. 1

Inúmeros estudos têm procurado identificar ascausas dos baixos índices de adesão ao tratamento e

os fatores que possam contribuir para aumentar estesíndices. 2,3,4 No entanto, apesar de vários aspectosterem sido pesquisados, a preferência do paciente,fator fundamental na aceitação do tratamento institu-ído, não tem sido investigada. 5 A identificação daspreferências tornou-se ainda mais importante após aintrodução definitiva do tratamento não farmacológicona primeira etapa da terapêutica anti-hipertensiva. Otratamento não farmacológico, efetuado através demudanças de estilo de vida, é praticamente impossívelde ser prescrito sem a total aceitação do paciente. Aprescrição, por exemplo, de prática regular de exer-cícios e redução de peso para paciente que preferetomar remédios pode ser o primeiro passo para faltade adesão ao tratamento.

Também é importante conhecer o perfil dos pa-cientes em relação às suas preferências para que omédico possa abordar adequadamente os pacientes eobter melhor aceitação e adesão ao tratamento.

Para analisar as opções de tratamento há necessi-dade de se avaliar o percentual de conhecimento dospacientes em relação à terapêutica, assim como o

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 229-236230

D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

perfil destes pacientes e as interações entre seu co-nhecimento e suas preferências.

Assim, o presente estudo tem como objetivos: 1)identificar o conhecimento e as preferências dos hi-pertensos com relação ao tratamento farmacológico enão-farmacológico; e 2) caracterizar o perfil dos hi-pertensos de acordo com seu conhecimento e suaspreferências.

Material e Métodos

Foram entrevistados 353 pacientes hipertensos(pressão diastólica acima de 90 mmHg) atendidos naLiga de Hipertensão Arterial do Hospital das Clínicasda Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medici-na da Universidade de São Paulo, na cidade de SãoPaulo.

A coleta de dados foi realizada através de instru-mento específico que abordou os seguintes aspectos:a) Dados sócio-demográficos dos pacientes conside-

rando as variáveis idade, sexo, cor, estado civil,escolaridade e renda. O estado civil foi classifica-do em casado, solteiro, viúvo ou separado e aescolaridade em saber ler e escrever, primeirograu, segundo grau ou nível superior. A renda foiclassificada de acordo com o número de saláriosmínimos ganhos em três faixas: a) entre 1 e 5salários; b) acima de 5 salários e abaixo de 10; ec) acima de 10 salários.

b) Fatores de risco cardiovascular: índice de massacorporal e hábito de fumar. O índice de massacorporal foi calculado pela fórmula peso (kg)/al-tura 2 (m) e classificado em normal quando menorou igual a 25, acima do peso quando entre 25 e30 e obeso quando maior ou igual a 30.

c) Conhecimento e preferência pelos tratamentosfarmacológico e não farmacológico. Estes aspectosforam abordados através das perguntas: a) o Sr.(a)acha que a pressão alta pode ser tratada sem re-médios?; b) o Sr.(a) prefere tratar a pressão altacom ou sem remédio?

d) Preferências relacionadas ao tratamento farmaco-lógico quanto à via de administração, forma deapresentação, frequência e horário de tomada dosmedicamentos incluindo as seguintes possibili-dades:- via de administração: oral, nasal, retal, injetável,

ocular, no ouvido e sobre a pele;- forma de apresentação: comprimido, drágea,

cápsula, injetável, "spray", gotas, pomada-cre-

me, supositório, xarope, gel, adesivo à pele einalante;

- frequência de administração: 1, 2, 3 ou 4 vezesao dia ou em dias alternados;

- horário para tomada dos medicamentos: aoacordar/desjejum, no almoço e ao jantar/dei-tar.

e) Preferências quanto ao tratamento não farmaco-lógico em relação às medidas recomendadas: re-duzir peso, reduzir ingestão de sal e gorduras,fazer dieta, fazer psicoterapia para reduzir "stress",realizar exercícios físicos (4 vezes por semana,meia hora por dia), reduzir ingestão de bebidasalcoólicas e eliminar hábito de fumar. Esta ques-tão foi abordada através da pergunta: "Que tipode tratamento sem remédio o Sr. (a) acredita quepode baixar a pressão seguida das várias alterna-tivas de tratamento não farmacológico?".

f) Avaliação do custo diário ideal do tratamento far-macológico indagando se este custo deveria sermenor, igual ou maior do que o de hum maço de20 cigarros.A análise estatística foi realizada através da aná-

lise de correspondência e teste de Qui Quadrado dePearson, tomando-se como nível de significância alfa

Figura 1 - Representação gráfica das linhas e colunas da tabela que expressam asfrequências de pacientes que conhecem (sim) ou não (não) o tratamento nãofarmacológico "versus" índice de massa corpórea. Observa-se que índice de mas-sa > 30 corresponde ao desconhecimento do tratamento não farmacológico.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 229-236 231

D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

Tabela 1Características sócio-demográficas e fatores de risco cardiovascular dos 353 pacientes.

nº % nº %

Sexo masculino 112 32 Escolaridade lê/escreve 88 25

feminino 241 68 1º grau 226 64

2º grau 28 8

superior 11 3

Idade (anos) n.d . 2 6 - Renda (salário mínimo) n.d . 7 8 -

< 40 79 24 1 <5 241 88

41-50 77 24 5 <10 27 10

51-60 102 31 > 10 7 2

> 60 69 21

Cor branco 226 64 Índice de massa corporal normal 135 38

não branco 127 36 ac. do peso 135 38

obeso 83 24

Estado Civil casado 220 62 Hábito de Fumar fuma 73 21

solteiro 66 19 não fuma 280 79

viúvo 44 13

separado 23 6

n.d. = não declarado.

Com relação ao peso, 38% dos pacientes foram clas-sificados como acima do peso e 24% como obesos.O hábito de fumar esteve presente em 21% da po-pulação.

Conhecimento dos tratamentos farmacológico e nãofarmacológico

A maioria dos pacientes (81%) desconhecia o tra-tamento não farmacológico para a hipertensão arte-rial. O perfil destes hipertensos que desconheciamque a hipertensão arterial pode ser tratada sem remé-dio, identificado através da análise de correspondên-cia, foi: mulheres, com idade de 41 a 60 anos, obesas,não solteiras (casada, viúva ou separada), com nívelde escolaridade saber ler e escrever ou nível superiore faixa salarial não declarada. Por outro lado, o perfildos que indicaram que a pressão alta pode ser tratadasem remédio (19%) era: homens, com idade inferior a40 anos ou superior a 60 anos, não obesos, solteiros,com escolaridade do 1º ou 2º grau e nas diferentesfaixas salariais declaradas. As variáveis cor e hábito defumar não interferiram no delineamento deste perfil(p > 0,05).

Preferências pelos tratamentos farmacológico e nãofarmacológico

Quanto à preferência em realizar o tratamento

= 0,05. A análise de correspondência é uma técnicaexploratória multivariada que converte uma matriz dedados (tabela de contingência) em gráfico bidimen-sional no qual linhas e colunas são apresentadas porpontos. A análise entre pontos pertencentes a diferen-tes variáveis se dá através dos ângulos entre osvetores que vão da origem do gráfico até cada umdos pontos. Como exemplo, observa-se na Figura 1que índice de massa > 30 corresponde ao desconhe-cimento do tratamento não farmacológico, devido àproximidade dos vetores que apontam para os códi-gos "não" e "> 30". Analogamente, observa-se que oconhecimento do tratamento não farmacológicocorresponde aos índices de massa < 25 e 25-30 (nãoobesos).

Resultados

Dados sócio-demográficos e fatores de riscocardiovascular

Os dados da Tabela 1 mostram que a maioria dospacientes possuía idade acima de 40 anos (76%), erade sexo feminino (68%), de cor branca (64%), casada(62%), de baixa escolaridade (64%) com o primeirograu e 25% referiam saber ler e escrever) e comrenda familiar inferior a 5 salários mínimos (88%).

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 229-236232

D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

não declarada. O sexo, a cor e hábito de fumar nãoinfluenciaram neste perfil (p > 0,05).

Preferências relacionadas ao tratamentofarmacológico

A distribuição de preferências relacionadas ao tra-tamento farmacológico foi:a) via de administração: oral = 84%, injetável = 12%,

outras 4%. (Figura 3a);b) forma de apresentação: comprimido 60%, gotas

14%, injetável 8%, xarope 6%, drágea 6%, outros6% (Figura 3b);

c) frequência de administração: uma vez ao dia 81%,mais de uma vez 19% (Figura 3c);

d) horário para tomada dos medicamentos: ao acor-dar/desjejum 65%, ao jantar/deitar 29% e às refei-ções 6% (Figura 3d);Portanto, os pacientes preferiram tomar remédios

por via oral, sob a forma de comprimido, administra-do uma vez ao dia pela manhã.

Preferências relacionadas ao tratamentonão farmacológico

Os dados da Tabela 2 apontam que reduzir a in-gestão de sal e gorduras foram as modalidades detratamento não farmacológico mais conhecidas e pre-

M ED IC AM

44%

Figura 2 - Preferências dos pacientes quanto ao tipo de tratamento (n=353).

Não Medicamentoso44%

Medicamentoso56%

1 vez dia81%

+ 1 vez dia19%

out ras4% injetável

12%

oral84%

3a - via de administração.

3c - frequência de administração.

desjejum /acordar65%

jantar/deita r29%

às ref eições6%

3d - horário de tomada

outros6% xarope

6%injetável

8%

gotas14%

drágea6%

com pri m ido 60%

3b - forma de apresentação.

Figura 3 - Distribuição das preferências relacionadas ao tratamento farmacológico (n=353).

outras4 % injetável

12%

oral84%

+1 vez dia19%

1 vez dia81%

comprimido60%

outros6 %

drágea6 % xarope

6 %

injetável8 %

gotas14%

às refeições6 %

jantar/deitar29%

desjejum/acordar65%

com ou sem remédios, 56% dos pacientes preferiramo tratamento medicamentoso e 44% o não medica-mentoso (Figura 2). A caracterização do perfil dos hi-pertensos que preferiram tratamento medicamentoso,revelou faixa etária de 41 a 50 anos ou acima de 60anos, obeso, solteiro ou viúvo, escolaridade ler eescrever ou nível superior e renda salarial de 1 a 5salários mínimos. Já nos que preferiram o tratamentosem remédio, a idade foi inferior a 40 anos, nãoobeso, casado ou separado, escolaridade 1º ou 2ºgrau e renda salarial de 5 a 10 salários mínimos ou

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D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

gastar o equivalente a hum maço de cigarros oumenos por dia.

Discussão

O achado mais importante deste estudo é que56% dos pacientes hipertensos preferem tomar remé-dios para tratar a hipertensão. Os motivos destas pre-ferências são de identificação difícil e não foram ob-jeto deste trabalho. Apesar dos "Joints", "Guidelines" erecomendações de Consenso orientarem que todospacientes devam ser submetidos a tratamento nãofarmacológico, metade destes pacientes dificilmenteseguirá as orientações. 6, 9 O II Consenso Brasileiro deHipertensão Arterial, por exemplo, recomenda que,nos hipertensos leves, seja instituído tratamento nãofarmacológico e se após 3 meses os pacientes nãocontrolarem a pressão arterial deva ser introduzidotratamento farmacológico. 6 Ao seguir esta orientação,o tratamento estará sendo postergado por 3 mesesem, pelo menos, 56% dos pacientes. Portanto, é fun-damental que os "Joints", "Guidelines" e recomenda-ções de Consenso orientem os médicos a levarem emconsideração as preferências dos pacientes na escolhada terapêutica.

Tabela 2Preferências e conhecimento quanto às medidas do tratamento não farmacológico (n = 353)

Tratamento Preferência Conhecimentonº % nº %

reduzir ingestão de gordura 336 95 327 93

reduzir ingestão de sal 334 95 338 96

fazer dieta 320 91 317 90

reduzir peso 304 86 265 75

realizar exercícios físicos 291 82 277 78

reduzir ingestão de bebidas alcoólicas 244 69 324 92

fazer psicoterapia para reduzir “stress” 242 69 219 59

eliminar hábito de fumar 228 65 320 90

Tabela 3Distribuição dos pacientes quanto ao conhecimento e concordância em relação

ao tratamento não farmacológico (n = 353)

Conhece (19%) Não Conhece (81%)

sim 48 (72%) 108 (38%)

Concordanão 19 (28%) 175 (62%)

feridas, ao passo que fazer psicoterapia foi a menosconhecida e preferida.

Com relação ao hábito de fumar, o percentual defumantes que conhecia a redução de ingestão debebidas alcoólicas e eliminação do hábito de fumarcomo medidas não farmacológicas foi maior do que odos não fumantes.

Os pacientes com índice de massa corporal nor-mal ou acima do peso mostraram conhecimento dasmedidas de tratamento não farmacológico semelhanteao grupo total de pacientes. Por outro lado, nos obe-sos a medida não farmacológica mais apontada foi aredução da ingestão de gorduras, ficando a reduçãode sal em segundo lugar.

Avaliação do efeito do conhecimento nas preferênciasdo tratamento não farmacológico

Dentre os pacientes que declararam conhecer otratamento não farmacológico (19%), a maioria con-cordaria em segui-lo (72%). Daqueles que declara-ram desconhecer o tratamento não farmacológico(81%), a maioria (62%) não concordaria em realizá-lo. Deve-se ressaltar porém, que um número expres-sivo de pacientes que não conheciam o tratamentonão farmacológico (38%) concordariam em segui-lo(Tabela 3).

Avaliação do custo diário ideal do tratamentofarmacológico

Com relação ao custo diário ideal 36% dos paci-entes declararam que deveria ser inferior ao preço dehum maço de cigarros, 15% que deveria ser equiva-lente e 49% que deveria ser superior a este custo. Ospacientes de maior renda declararam que deveriam

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D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

Em relação às preferências relacionadas ao trata-mento identificamos opção habitual por tomar remé-dios por via oral, sob a forma de comprimido, admi-nistrado uma vez ao dia pela manhã ao lado de opçãoinesperada por forma injetável, considerando-se que aterapêutica anti-hipertensiva disponível não utilizaesta forma para o tratamento ambulatorial. A prefe-rência por dose única com horário de administraçãoassociado a atividades rotineiras matinais mostra queos hipertensos preferem adotar formas que conciliemsuas atividades com o tratamento proposto, o quediretamente contribui para melhorar a adesão. Estu-dos têm evidenciado os benefícios de diferentes estra-tégias, visando minimizar a problemática da falta deadesão ao tratamento. 7,8,10,11

Os inúmeros estudos que analisam adesão ao tra-tamento investigam as características dos pacientesfrente ao seu comportamento como aderente ou nãoaderente sem levar em consideração que o paciente éum usuário e, como tal, seu conhecimento e prefe-rências influenciam suas decisões. Da mesma maneiraque os pacientes participam das decisões relativas aotratamento proposto para outras patologias como, porexemplo, tratamento clínico ou cirúrgico na hiperpla-sia benigna de próstata e radioterapia ou cirurgia nocâncer de pulmão; aos hipertensos também deveriaser oferecida a possibilidade de conhecer as modali-dades possíveis de tratamento e participar das deci-sões terapêuticas.

Analisando-se o conhecimento das modalidadesde tratamento da hipertensão arterial, foi surpreen-dente o grau de desconhecimento sobre o tratamen-to não farmacológico. Tal resultado talvez seja decor-rente da não prescrição desta forma de tratamentoaos hipertensos ou da sua divulgação inadequada,impedindo não só os pacientes de se beneficiaremdesta terapêutica mas, também, a população comoum todo de conhecer estas medidas de prevenção epromoção à saúde. O conhecimento das várias me-didas não farmacológicas, tais como redução deingestão de sal, peso e bebidas alcoólicas, por outrolado, foi elevado, evidenciando que os pacientes nãosabem que a hipertensão pode ser tratada sem remé-dios ou, então, que tratar sem remédios significaseguir as medidas não farmacológicas. A formulaçãoda pergunta para avaliar conhecimento do tratamen-to não farmacológico "A pressão alta pode ser trata-da sem remédio?", parece bastante clara e foi bemcompreendida pelos pacientes. Também a pergunta

sobre as modalidades, "Que tipo de tratamento semremédio o Sr.(a) acredita que pode baixar a pres-são?" nos parece clara.

Apesar de somente 19% dos pacientes conhece-rem o tratamento não farmacológico, ao se pergun-tar se o paciente preferia tratar com ou sem remédiofoi surpreendente o alto percentual que apontouesta preferência (44%), caracterizando tendência aevitar medicações, e demonstrando que o desconhe-cimento não é totalmente impeditivo para o segui-mento. O tratamento não farmacológico reúne medi-das de já comprovada eficácia anti-hipertensiva co-mo a redução de peso, de ingestão de sódio, bebidasalcoólicas e realizacão de atividades físicas progra-madas. 12,13,14 Dentre as medidas não farmacológicas, apsicoterapia para reduzir "stress" que não tem com-provação definitiva da sua eficácia foi, coincidente-mente, a menos conhecida pelos hipertensos. Já re-dução da ingestão de sal que está associada à quedatensional é bastante conhecida pelos pacientes. É in-teressante salientar que a quase totalidade dos obe-sos apontou a redução de alimentos gordurosos naalimentação como forma de tratamento e os fuman-tes indicaram a interrupção deste hábito e reduçãoda ingestão de bebidas alcoólicas. Burt e cols. aoavaliarem os resultados do "Third National Healthand Nutrition Examination Survey, 1988-1991", apon-taram que 67% dos pacientes referiram seguir orien-tações sobre mudanças de estilo de vida relativas aotratamento não farmacológico. 15

Ao se analisar o perfil dos hipertensos em rela-ção ao conhecimento das modalidades farmacológicae não farmacológica do tratamento, verificou-se rela-ção inversa entre o benefício do tratamento nãomedicamentoso e o conhecimento deste tratamento.Dentre os pacientes que relataram desconhecer otratamento não farmacológico, destacou-se a presen-ça de mulheres de meia-idade e obesas quecorrespondem à população que se beneficiaria des-tas medidas. Por outro lado, o perfil dos que conhe-ciam o tratamento não farmacológico caracterizou-sepor homens mais jovens, não obesos e com grau deescolaridade mais elevado que, comparativamente,ao perfil anterior, não teriam prioridade indicativapara o tratamento não farmacológico. Na análise doperfil dos pacientes, em relação a preferências pelostratamentos medicamentoso ou não medicamentosoverificou-se também relação inversa entre benefíciodo tratamento não medicamentoso e a preferência

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D. Mion Jr. et al - Conhecimento e preferências do tratamento anti-hipertensivo

por este tratamento. Assim, os pacientes mais jovens(menos de 40 anos) e não obesos optaram pelo tra-tamento não farmacológico, enquanto aqueles comidade mais avançada (mais de 40 anos) e obesos,preferiram o tratamento com medicamentos. Estasinversões de perfil em relação aos benefícios do tra-tamento não farmacológico demandam uma investi-gação dos aspectos psicológicos envolvidos para seumaior esclarecimento.

Com relação à renda salarial, os pacientes commenor renda optaram pela forma medicamentosaque requer a compra de remédios. Apesar do altocusto dos medicamentos ser frequentemente aponta-do como uma das causas para baixa adesão, a mai-oria (64%) dos hipertensos apontou que concordariaem gastar o equivalente ou mais ao preço de hummaço de cigarros por dia com o tratamentomedicamentoso.

Os achados deste estudo reforçam mais um vez aimportância da participação ativa dos hipertensos notratamento. Ao se propor um esquema terapêuticodeve-se dar oportunidade para que o paciente expo-nha suas preferências e necessidades em relação aomesmo. O envolvimento do hipertenso em seu autocuidado, por meio de uma participação efetiva deve-se fazer presente em todas as fases da doença. Umaabordagem individual que realmente caracterize asreais necessidades do hipertenso considerando suascrenças, valores, hábitos de vida, compromissos comsua saúde, é imprescindível para adequada adesão aotratamento, tendo em vista que o seguimento dasmedidas não farmacológicas implica diretamente emmudanças no estilo de vida.

A manutenção do hipertenso com níveis pres-sóricos controlados é um desafio para todos os pro-fissionais da área da saúde que atuam frente a estaclientela. Porém, acredita-se que os achados do pre-sente estudo, possam ajudá-los a refletir e viabilizaralternativas que auxiliem na solução desta proble-mática.

Concluindo, os achados do presente estudo apon-tam que os hipertensos preferem o tratamento medi-camentoso por via oral, na forma de comprimidosingeridos uma vez ao dia e pela manhã, acreditandoque a hipertensão arterial não pode ser tratada semremédios, apesar de conhecerem as medidas nãofarmacológicas.

Finalmente, cabe salientar que as recomendaçõesde Consenso e as campanhas de conscientização so-

bre hipertensão devem considerar o conhecimento eas preferências dos hipertensos sobre a doença e otratamento, adequando-as às especificidades regionaisdo país.

Summary

To identify the level of awareness and preferencesof the patients and profile concerning pharmacolo-gical and non-pharmacological treatment 353 hyper-tensives were interviewed; 56% preferred pharmaco-logical treatment, oral route (84%), tablets (60%), on-ce a day (81%) early in the morning (65%) (profile:age > 40 y.o., obese, single or widow, earnings < US$6.000/y) and 81% were unaware of non-pharmacolo-gical treatment (profile: women > age 40 y.o., obese,non-single). Thus, the hypertensive has awarenessand preferences that should be considered when pre-scribing treatment and also be added to any Consen-sus recommendation or public general information onblood pressure.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 237-239 237

M. H. Vaisbich et al - Sangramento gastrintestinal baixo em uremia

Sangramento gastrintestinal baixo em uremia

Maria Helena Vaisbich, Vera Hermina Koch, Yu Kar Ling Koda, Regina Schultz,Manoel Ernesto P. Gonçalves, Yassuhiko Okay

Pacientes com insuficiência renal crônica (IRC) apresentam alta freqüência de complicações

hemorrágicas, decorrente de múltiplos fatores. Esta tendência a sangramento manifesta-se

como equimoses, púrpura, epistaxe, sangramento por mucosas, especialmente de trato

gastrintestinal (TGI) superior. O acometimento do TGI inferior é raro. Os autores relatam

caso de criança portadora de IRC que apresentou colite hemorrágica por uremia, sendo tra-

tada com diálise peritoneal e desaparecimento do quadro de sangramento. São discutidas as

principais alterações em pacientes urêmicos que contribuem para esta tendência a san-

gramento.

I n t ro d u ç ã o

Pacientes com insuficiência renal crônica apresen-tam alta freqüência de complicações hemorrágicas.Estas parecem ser devidas a múltiplos fatores como:aumento do tempo de sangramento, anormalidades naagregação, adesividade e liberação de plaquetas, con-sumo anormal de protrombina e geração anormal detromboplastina.1 Dentre estes fatores, os mais consis-tentemente descritos são as desordens da ativação deplaquetas e o aumento do tempo de sangramento.2

Em pacientes não dialisados observa-se uma diferençana estrutura dos fosfolípides que compõem a superfí-cie externa das plaquetas quando comparada às cama-das mais internas, contendo maior quantidade deácidos graxos insaturados. Estas diferenças são meno-

res em pacientes em tratamento dialítico. O alto con-teúdo de ácidos graxos insaturados pode aumentar afluidez da membrana das plaquetas e intensificar areação lípide-proteína, por exemplo, ligando fatoresde coagulação.3 Aumento na biossíntese de óxidonítrico também pode contribuir para a disfunçãoplaquetária.4 Assim como a anemia que, em geral,leva a um alargamento no tempo de sangramento.5

Outros fatores determinantes da tendência a sangra-mento característica da uremia são: o aumento naprodução de prostaglandinas nas paredes dos vasos ealterações no metabolismo do ácido aracdônico dasplaquetas 5 e anormalidades no fator VIII-von Wille-brand. 6

As manifestações mais comuns são equimoses,púrpura, epistaxe, sangramento em locais de veno-punção e sangramento por mucosas, especialmentedo trato gastrintestinal. 7

O envolvimento do trato gastrintestinal consiste,geralmente, de ulceração difusa ou localizada, sendoque o trato gastrintestinal superior é o mais fre-qüentemente acometido. 8,9 Raros casos foram descri-tos na literatura de sangramento do trato gastrin-testinal inferior. 10 Relatamos um caso de sangramentooriginado do trato gastrintestinal inferior em pacienteurêmico.

Endereço para correspondência: Maria Helena Vaisbich - Setor de NefrologiaPediátrica - Instituto da Criança - Hospital das Clínicas - FMUSP.

sangramento - colite hemorrágica - uremiableeding - hemorrhagic colitis - uremia

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 237-239238

M. H. Vaisbich et al - Sangramento gastrintestinal baixo em uremia

A p re s e n t a ç ã o d o c a s o

P.H.M., 10 anos e 10 meses, sexo masculino, na-tural e procedente de Rezende/MG, com história depalidez cutânea importante e progressiva há 4 meses,há 2 meses acompanhada de fraqueza e apatia, tendoprocurado vários serviços médicos sem melhora e semesclarecimento diagnóstico. Há 15 dias o pacientepassou a apresentar vômitos, edema de face, hiper-tensão arterial e piora do estado geral. Medicação emuso: sulfato ferroso há 3 meses e alfa-metil dopa há3 dias. A mãe negava dados positivos nos anteceden-tes da criança e heredo-familiares. No exame físico deentrada, o paciente estava descorado +++/4+, hi-poativo, com freqüência cardíaca de 96 batimentospor minuto e respiratória de 28 por minuto, pressãoarterial = 140 x 85 mmHg, peso = 23,8 Kg (percentil10) e estatura = 132 cm (percentil 10), 11 com discretoedema de membros inferiores. Os exames subsidiáriosna admissão foram: hemoglobina de 7,4 g/dl, uréiasérica de 372 mg/dl, creatinina sérica = 16,7 mg/dl,sódio sérico = 135mEq/L, potássio sérico = 3,7 mEq/L, gasometria venosa: pH = 7,19 com bicarbonato de13,1 mEq/L, proteínas séricas totais = 7,6 g/dl comalbumina = 4,7 g/dl e globulinas = 2,9 g/dl; calcemia =3,2 mEq/L, cálcio iônico=0,83 mmol/L, fosfatemia =9,5 mg/dl e fosfatase alcalina = 414 U/L; urina tipo Ie sedimento quantitativo: pH = 5,0, densidade = 1018,proteínas++, leucócitos = 7000/ml, eritrócitos = 2000/ml. A radiografia simples de tórax em posição ântero-posterior mostrava área cardíaca no limite superior danormalidade, com aumento de ventrículo esquerdo eaorta alongada. O exame de fundo de olho reveloupapilas nítidas, com estreitamento arteriolar leve esem sinais de hipertensão intracraniana. À dopplerultrassonografia, os rins eram reduzidos de tamanho ecom fluxo sanguíneo normal bilateralmente. Foi feitodiagnóstico de insuficiência renal crônica, sendo ins-tituído, inicialmente, tratamento conservador com bi-carbonato de sódio, hidróxido de alumínio, nifedipinae adequação dietética. Evoluiu com picos hiperten-sivos, piora dos níveis de uréia e creatinina, sendosubmetido à diálise peritoneal intermitente, por 36horas no 2º dia de internação, com melhora dos ní-veis séricos de uréia e creatinina (247 mg/dl e 15,9mg/dl, respectivamente). Por falta de vaga para con-tinuação do tratamento dialítico, permaneceu em tra-tamento conservador até o 6º dia de internação quan-do apresentou episódios de enterorragia de moderadae grande intensidade, sem repercussão hemodinâmi-ca; nesta ocasião a uréia sérica era de 329 mg/dl e a

creatinina de 19,7 mg/dl, o tempo de protrombina =14 segundos (80%) e o de tromboplastina parcial ati-vada de 40 segundos (normal) com 180.000 plaquetaspor ml. O paciente foi, então, submetido à esofago-gastroduodenoscopia que foi normal; a colonoscopia,no entanto, mostrou reto, sigmóide e cólon descen-dente com boa distensibilidade, porém, com sangra-mento difuso da mucosa. Foi realizada biópsia e oexame histológico evidenciou mucosa colônica comachatamento de criptas com discretos sinais de rege-neração das células superficiais; presença de edema eproeminente infiltrado inflamatório linfoplasmocitáriocom raros neutrófilos na lâmina própria, revelandouma colite inespecífica moderada. Foi estabelecido odiagnóstico de colite hemorrágica por uremia, o pa-ciente foi tratado com diálise peritoneal intermitente,com melhora do quadro urêmico (uréia sérica = 183mg/dl e creatinina sérica = 13 mg/dl) e interrupçãodos episódios de sangramento intestinal baixo. No 24ºdia de internação, o paciente foi transferido para suacidade natal para tratamento dialítico de manutenção.

D i s c u s s ã o

Anormalidades da mucosa gastrintestinal, desdeedema até ulceração de mucosa, ocorrem em cerca de2/3 dos pacientes que vão a óbito por uremia.12 Doponto de vista terapêutico, o paciente com hemorra-gia em vigência de uremia deve ser submetido à tra-tamento dialítico eficaz. A correção do hematócritotambém é útil, por diminuir o tempo de sangramento,melhorar a função plaquetária, aumentando a adesãode plaquetas à parede dos vasos. Alguns estudossugerem melhora no tempo de sangramento com ouso intravenoso de desmopressina, a qual agiria atra-vés de mecanismo serotoninérgico, diminuindo o con-teúdo intraplaquetário de serotonina.13 Contudo, adiálise permanece o método mais efetivo para a cor-reção dos defeitos da coagulação na uremia. Algunsautores sugerem, ainda, que a eficácia da diálise podeser monitorada pelos seus efeitos sobre a função pla-quetária.14,15 No caso em questão houve retardo noinício do tratamento dialítico, pois o diagnóstico deIRC foi feito em fase terminal e com paciente fora dedomicílio, o que o deixou a mercê de vagas paratratamento dialítico agudo e de manutenção.

O fenômeno hemorrágico digestivo mais freqüen-te é em mucosa gástrica, sendo raro o sangramentodo trato gastrintestinal inferior de causa urêmica, noentanto, há relato na literatura de um caso em que

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M. H. Vaisbich et al - Sangramento gastrintestinal baixo em uremia

houve ulceração e perfuração da mucosa, 10 ao con-trário do ocorrido com nosso paciente que apresentouboa evolução, com interrupção dos episódios desangramento após instituição de terapêutica dialíticamais adequada às suas necessidades.

S u m m a r y

Patients in end-stage renal disease have a highfrequency of hemorrhagic complications. These areprobably due to several factors. The tendency tobleeding may occur as equimosis, epistaxis, mucosalbleeding, specially from the upper gastrointestinaltract (GIT). The compromise of the lower GIT isuncommon. The authors relates a case of a child inuremia with hemorrhagic colitis, which resolved aftertreatment with peritoneal dialysis. They also discussthe main abnormalities in uremia that contribute forthe bleeding tendency.

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J. Cruz et al - Hipouricemia persistente

Três casos de hipouricemia persistente em pacientes comhipertensão arterial

I n t ro d u ç ã o

Hipouricemia é uma entidade clínica rara, definidacomo a presença de níveis séricos de ácido úrico infe-riores a 2 mg/dl. 1 Ela pode ser primária ou persistentee adquirida ou temporária. Entre as causas adquiridasestá a utilização de drogas. Ambas, persistente ou tem-porária, dividem-se ao menos em dois tipos.

No primeiro tipo de hipouricemia, o ácido úricoestá baixo no soro por estar sendo eliminado em quan-tidades elevadas pela urina, como ocorre após a admi-nistração de agentes uricosúricos (probenecid, ben-ziodarona, benzobromarona, sulfinpirazona, etc.). 2

Jenner Cruz, Joel Cláudio Heimann, Helga Maria Mazzarolo Cruz, Marcello Marcondes

Descrevem-se três pacientes com hipouricemia primária ou persistente (nível sérico de ácido

úrico inferior a 2 mg/dl), e hipertensão arterial tratada. Os dois primeiros casos são de um

casal de irmãos, de origem japonesa, com 72 e 57 anos de idade, ácido úrico sérico variando

de 0,6 a 1,5 mg/dl, com aumento da excreção fracional de ácido úrico, apesar do uso diário

de diidroclorotiazida. Provavelmente são portadores de hipouricemia renal hereditária (sem

hipercalciúria do tipo hiperabsortivo associada), um erro inato do transporte de membrana,

na reabsorção de urato, ao nível do túbulo proximal, de transmissão recessiva autossômica.

Nessa família composta de oito irmãos, quatro tiveram aneurisma da aorta abdominal, ausente

nos casos 1 e 2. O terceiro, homem caucasiano de 55 anos, ácido úrico sérico sempre inferior

a l mg/dl, com reduzida excreção urinária de ácido úrico (inferior a 10 mg/dia), dislipidemia de

fenotipo I e xantinúria de 433 mg/dia (valores normais de 4,1 a 8,6 mg/dia), deve ser portador

de xantinúria clássica hereditária assintomática causada por deficiência isolada da enzima

xantino-oxidase. A hipertensão deste paciente, ao contrário dos anteriores, apresentou piora

progressiva das lesões arteriolares, aparentemente sem relação com a xantinúria. Não se

encontrou relação entre hipouricemia e aneurisma da aorta ou hipertensão de qualquer

etiologia.

hipouricemia persistente, hipertensão arterial, xantinúria, depu-ração de ácido úricoPersistent hypouricemia, arterial hypertension, xanthinuria, uricacid clearance

Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade de SãoPaulo.

Endereço para correspondência: Prof. Dr. Jenner Cruz, Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Av. Dr. Enéas deCarvalho Aguiar, 255, Instituto Central, sala 711-F, CEP 05403-900, São Paulo,SP, Telefone (011)853-5079, Fax (011)883-7683.

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J. Cruz et al - Hipouricemia persistente

No segundo tipo, o ácido úrico está baixo no soroe na urina, como ocorre com a administração dealopurinol ou de seu metabolito primário, a aloxan-tina ou oxipurinol, que agem inibindo a xantino-oxidase, que catalisa a oxidação de hipoxantina e dexantina em ácido úrico. 2

Apresentam-se três casos de hipouricemia primá-ria ou persistente: os dois primeiros com excreçãofracional de ácido úrico alta e o último com ácidoúrico muito baixo na urina, juntamente com referên-cias da literatura.

A p re s e n t a ç ã o d e c a s o s

Caso l: SH, 72 anos, sexo feminino, solteira, amarela,brasileira, de origem japonesa, natural e residente emSão Paulo, portadora de hipertensão arterial essencialbenigna moderada para leve, há cerca de 30 anos,seguida no Ambulatório de Nefrologia do Hospitaldas Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-de de São Paulo (HC-FMUSP) desde 05-06-86.

Exame físico normal desde a admissão, pressãoarterial controlada, variando de 110 x 80 a 160 x 100mmHg, tratada com diidroclorotiazida, no início 50 eatualmente 25 mg/dia. Peso variando entre 54,4 a 59kg, altura l,57 m, IMC de 22,0 a 23,9. Níveis séricosde ácido úrico entre 0,6 e 1,5 mg/dl (10 dosagens em9 anos, normal 2,4 a 5,7). Outros exames revelaramuréia, creatinina, glicose, Na, Ca, P, pH, bicarbonato,hemograma completo, eletroforese de proteínas,enzimas cardíacos e hepáticos, fator reumatóide eproteína C reativa normais no sangue. Exame de urinae parasitológico de fezes normais. Ultra-sonografiaabdominal e pélvica, e raios-X de esôfago, estômagoe duodeno também normais. O eletrocardiograma re-velou síndrome do PR curto e alterações da repola-rização ventricular. A concentração sérica de potássiovariou de 3,1 a 3,6 mEq/l, colesterol total de 212 a303 mg/dl, com aumento da fração LDL (155 a 240mg/dl), fração HDL de 43 a 46 mg/dl, relação LDL/HDL de 3,6 a 5,2, triglicérides de 125 a 189 mg/dl,velocidade de hemossedimentação sempre modera-damente elevada 20 a 22 mm na lª hora (normal até12), bem como as mucoproteínas séricas 3,7 a 4,7 mgde tirosina na mucoproteína de 100 ml de soro (nor-mal até 3,6). Excreção urinária de Na 138,6 mEq/dia,K 67,1 mEq/dia, Ca 164 mg/dia, P 590 mg/dia,creatinina 96,4 mg/dl, normais. Aminoácidos urináriosmoderadamente elevados 466 mg/dia. Açúcares nega-tivos na urina. Ácido úrico urinário 440 mg/dia (nor-

mal 500 a 800 mg/dia). 3 �Clearance� de ácido úrico20,9 ml/min (normal de 6 a l2). 3 �Clearance� decreatinina 107,l ml/min.

Teve 7 irmãos, sendo 4 vivos, todos não obesos,nem tabagistas. Quatro tiveram aneurisma da aorta,três dos quais operados. Entre os que morreram, umfaleceu de cardiopatia, ignorando-se se era portadortambém de aneurisma, outro de câncer da face eaneurisma e o terceiro por rotura da prótese doaneurisma, aos 75 anos de idade. Dos 4 vivos, um éo caso 2, dois não foram examinados e o quarto foioperado de aneurisma, apresentando hipertensãoleve, normolipemia e ácido úrico normal no sangue ena urina.

Caso 2 : MH, 57 anos, sexo masculino, brasileiro, deorigem japonesa, natural e residente em São Paulo,portador de hipertensão arterial essencial benignamoderada há cerca de dez anos, seguido no Ambula-tório de Nefrologia do HC-FMUSP, desde 07-07-94.Portador de Diabetes mellitus tipo II há um ano emeio.

Exame físico normal, pressão arterial controladavariando de 120 x 80 a 160 x 100 mmHg, tratada comdiidroclorotiazida, clorpropamida e captopril. Pesovariando de 74,4 a 78 kg, altura l,72 m, IMC de 25,1a 26,4. Por apresentar dores precordiais e temer serportador de aneurisma, fez cateterismo cardíaco noinício de l994 que não mostrou alterações da aorta,nem de importância, das coronárias. Normolipêmico.Glicemia 166 a 269 mg/dl, hemoglobina glicosilada10,8 %, antes de ser tratado, demais exames normaisexceto por alterações primárias da repolarizaçãoventricular ao eletrocardiograma, aumento do ven-trículo esquerdo ao ecocardiograma, calculose renaldireita à ultra-sonografia abdominal e velocidade dehemossedimentação 35 e 36 mm na lª hora (normalaté 6). Ácido úrico no soro 0,6 a l,2 mg/dl (normal 3,4a 7), ácido úrico na urina l.l50 mg/dia (normal 500 a800), 3 �clearance� de ácido úrico 68,7 ml/min (nor-mal 6 a l2). 3 �Clearance� de creatinina 98,6 ml/min.Excreção urinária de Ca l82 mg/dia, P 778 g/dia e deaçúcares negativa.

Caso 3: JLG, 55 anos, sexo masculino, casado, branco,brasileiro, natural e residente em São Paulo, portadorde hipertensão arterial essencial benigna moderadapara grave, descoberta por acaso em exame médicode rotina, estando em seguimento na Liga de Hiper-tensão Arterial do HC-FMUSP, desde 28-08-80.

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J. Cruz et al - Hipouricemia persistente

mica, como ocorreu nos casos l e 2. 4 No caso l, comoa dosagem sérica de ácido úrico era baixa e a paci-ente não era obesa, alimentando-se pouco, suaexcreção urinária foi inferior ao normal, mas, apesarde ter ingerido 50 mg de diidroclorotiazida no dia daprova, em l990, seu �clearance� foi alto: 20,9 ml/minpara o normal máximo de l2. Em casos citados porSperling, 4 dois apresentavam excreção urinária deácido úrico inferiores ao nosso (286 e 355 mg/dia),sem menção de uso de diurético hiperuricêmico comoa diidroclorotiazida.

Caso a excreção urinária de ácido úrico seja muitobaixa, o paciente deve ser portador de xantinúria,uma entidade rara, autossômica recessiva, do metabo-lismo das purinas, causada por uma deficiênciamarcada da enzima xantino-oxidase, 5 provocando hi-pouricemia e hipouricosúria, como ocorreu no caso 3.

A manipulação renal de ácido úrico em humanosé muito complexa. O �clearance� fracional de urato écerca de 7 a 10 % daquele de creatinina, 6 indicandouma reabsorção muito eficiente. A filtração glomerularde urato é considerada livre, apesar de 5 a 10 % desteestar ligado a proteínas do plasma. 7 O urato filtradoé reabsorvido ativamente, ao nível do túbulo pro-ximal, juntamente com sua secreção, mas em intensi-dades diferentes, de modo que a reabsorção é maiornos segmentos S1 e S3 e a secreção mais intensa nosegmento S2. 4 Este é o mais novo conceito do mo-delo de 4 componentes, sugerido pela primeira vezpor Steele e Bonner, em l973. 8

Estudos genéticos indicam que a reabsorção deurato, pré ou pós-secretória, é controlada por genesdiferentes, 4 de modo que os defeitos no transporteativo de urato, capazes de causar hipouricemia, po-dem ser divididos teoricamente em seis tipos: 4, 9 a)defeito global, em que não há reabsorção nem secre-ção; b) ausência de reabsorção; c) distúrbios na reab-sorção pré-secretória; d) distúrbios na reabsorção pós-secretória; e) distúrbios na reabsorção pré e pós-secretória; f) aumento da secreção.

A maioria dos casos conhecidos são do tipo c, nãosendo conhecido nenhum caso dos tipos d e e. 4 Aclassificação nestes diferentes tipos pode ser obtidaatravés dos testes da pirazinamida, 10 probenecid 11 oufurosemida. 11 O primeiro é baseado na idéia de quea pirazinamida bloqueia completa e especificamente asecreção de urato, sem interferir na reabsorção, en-quanto o probenecid tem dupla ação na excreçãourinária de urato: em doses baixas ocasiona retençãoparadoxal de urato, 10 inibindo a secreção tubular e

Exame físico normal à admissão, pressão arterialvariando de l40 x 90 a 230 x l30 mmHg, peso vari-ando de 59,9 a 68 kg, altura l,65 m, ICM de 22,0 a24,9. Apresentou epistaxes em parte do seguimento.Apesar de ser mantido com hipotensores, vem apre-sentando lesão vascular progressiva. O pai erahipertenso, falecendo de causas cardiopulmonares. Amãe era normotensa, falecendo de problemas cardía-cos. Tem oito irmãos, cinco dos quais também hiper-tensos. A pressão arterial foi sempre de difícil contro-le e os níveis séricos de ácido úrico sempre inferioresa l mg/dl, sabidamente desde janeiro de l982, comeliminação renal inferior a 10 mg/dia em duas avali-ações. Toma clortalidona até 100 mg/dia, desde 1976,associada à prazosin e/ou propranolol e mais recen-temente à nifedipina. Apresentou hemograma, glice-mia, Na, K, Ca, K, creatinina e triglicérides normais.Colesterol total 300 mg/dl (frações HDL 50 mg/dl,LDL 214 mg/dl, VLDL 36 mg/dl, relação LHL/HDL4,3), gama-GT 52 U/l, Mg 2,12 mg/dl, uréia 64 mg/dl.Excreção urinária de cálcio e fósforo e prova deacidificação urinária com cloreto de amônio normaisem l990. �Clearance� de creatinina 79,8 ml/min nessadata. Urografia excretora normal em 1980. Eletrocar-diograma, raios-X de tórax e ecocardiograma, inicial-mente normais, evidenciaram aumento progressivo daárea cardíaca a custa do ventrículo esquerdo. Dosa-gem de xantina na urina de 24 horas 433 mg/dia(valores normais de 4,1 a 8,6). O exame de fundoocular, inicialmente pouco alterado, apresenta atual-mente estreitamento arteriolar e cruzamentos patoló-gicos.

D i s c u s s ã o

Hipouricemia é definida como presença de uratosérico inferior a 2,5 mg/dl, para o sexo masculino einferior a 2,1 mg/dl para o feminino, 4 usando-se ométodo colorimétrico, ou inferior a 2,0 mg/dl, para osdois sexos. 1

A primeira medida diagnóstica em hipouricemia éafastar o uso de drogas ou de outras patologias capa-zes de produzi-la. Constatando-se que a hipouricemiaé persistente ou primária, determina-se a excreçãourinária diária de ácido úrico e seu �clearance�. Casoeste seja alto, o paciente deve ser portador dehipouricemia renal hereditária, um erro inato damembrana de transporte tubular renal, provavelmentecomprometendo a reabsorção de urato ao nível dotúbulo proximal, de transmissão recessiva autossô-

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J. Cruz et al - Hipouricemia persistente

em doses altas (2 a 3 g), por via oral ou endovenosa,aumenta consideravelmente o �clearance� de urato,inibindo a reabsorção tubular, principalmente pós-secretória. 4 Os testes da furosemida, da prednisolonae da inosina são menos específicos. 9 No teste da fu-rosemida, duas horas após a administração endove-nosa de 40 mg do diurético, o �clearance� de urato ea relação �clearance� de urato/�clearance� de creatini-na (excreção fracional de ácido úrico), aumentam emcerca de 50%. 9 Não se conseguiu determinar o localdo defeito tubular dos casos 1 e 2, pois o teste dafurosemida foi inconclusivo e os testes da pirazinamidae do probenecid não realizados. A excreção fracionalde ácido úrico foi de 19,5 e 69,6 %, respectivamentepara os casos 1 e 2 (normal de 7 a 10 %). 6

Os pacientes dos casos 1 e 2 são de origem japo-nesa, onde esta forma de hipouricemia é mais fre-qüente, como entre os judeus não-asquenazins. 4 Têmquatro irmãos com aneurisma da aorta abdominal,dois dos quais falecidos. Um dos que estão vivos,apesar de apresentar placas de ateroma na aorta ab-dominal, não apresenta dislipidemia, nem obesidadeou hipouricemia, enquanto os pacientes dos casos 1e 2 não apresentam aneurisma, apesar do caso 1 serportador de dislipidemia e o caso 2 de diabetes levetipo II. Não encontrou-se relação entre hipouricemiae aneurisma da aorta ou hipertensão arterial de qual-quer etiologia.

Os portadores de aneurisma eram idosos e 0,9 a14,3 % dos indivíduos com mais de 60 anos possuemaneurisma das artérias do abdome, 12 sendo que ir-mãos e irmãs de pacientes com aneurisma da aortaabdominal são grupo de risco para desenvolvimentode aneurisma e devem ser encaminhados para progra-ma de rastreamento com ultra-sonografia abdominal. 13

A hipouricemia renal hereditária pode ser consi-derada um dos componentes da síndrome de Fanconihereditária, 14 do mesmo modo que a glicosúria renalhereditária. Dos componentes da síndrome de Fan-coni, o caso 1 apresenta apenas discreto aumento dosaminoácidos urinários, numa única dosagem, repetidae confirmada e o caso 2, açúcares, fosfatos e ami-noácidos normais na urina.

Algumas formas adquiridas da síndrome deFanconi também foram descritas em associação comhipouricemia como em mieloma múltiplo, 15 intoxica-ção por metais pesados, 16 administração de tetra-ciclina vencida, 17 cistinose, 18 doença de Wilson, 19

intolerância hereditária à frutose, 20 galactosemia, 21

doença de Hartnup, 22 hiperparatireoidismo 23 e hemo-cromatose. 24

A hipouricemia renal adquirida foi descrita nadoença de Hodgkin, 25 carcinoma pulmonar, 26 doen-ças hepáticas com icterícia, 27 cirrose de Laennec, 28

cirrose biliar primária 29 e na secreção inadequada dehormônio antidiurético. 30

Diabetes mellitus em geral se associa com hipe-ruricemia, mas sua associação com hipouricemia tam-bém tem sido descrita. 31-33 Para Shichiri e cols. 33 apresença de hipouricemia em Diabetes mellitus pode-ria indicar o início de hiperfiltração glomerular e denefropatia diabética, o que não deve estar ocorrendono caso 2.

A eliminação renal elevada de ácido úrico podeestar contribuindo para a calculose renal do caso 2.Hipercalciúria idiopática foi descrita associada comhipouricemia renal hereditária, mas não com xanti-núria. 34 Os casos 1 e 2 não apresentaram hiper-calciúria em uma dosagem.

O terceiro paciente tem xantinúria, procuradaassim que se constatou ter também hipouricosúria.Esta entidade hereditária compreende dois tipos: oprimeiro tipo (xantinúria clássica), uma deficiênciaisolada da enzima xantino-oxidase, com pouco maisde meia centena de casos descritos, a maioria emhomens (3:2), assintomáticos em dois terços dos ca-sos, descobertos por acaso, como este. O terço restan-te apresenta calculose de xantina ou hipoxantinadepositados nos músculos e poliartrite, sem se conse-guir demonstrar cristais nos líquidos sinoviais ou te-cidos adjacentes. No segundo tipo, mais raro ainda,com apenas 15 casos descritos, há deficiência associ-ada da enzima sulfito-oxidase, com distúrbios dometabolismo do molibdênio e sintomas neurológicosque o caso 3 não apresenta. A deficiência de xantino-oxidase não se limita aos rins, estendendo-se, assin-tomaticamente, ao fígado, intestino e leite materno. Axantinúria clássica compreende dois sub-grupos: oprimeiro não metaboliza pirazinamida em 5-hidro-xipirazinamida, nem alopurinol em oxipurinol e osegundo metaboliza a pirazinamida e o alopurinol,mas não oxida o ácido pirazinóico em ácido 5-hidro-xipirazinóico. 35

Hipertensão arterial não faz parte da doença.Finalmente, é importante salientar que os pacien-

tes apresentaram hipouricemia persistente, apesar deestarem recebendo diuréticos tiazídicos, drogashiperuricêmicas, por inibirem cronicamente a secre-ção tubular de urato. 36

Os autores agradecem ao Laboratório Bio-Ciência/Lavoisier, responsável pela dosagem espectrofoto-métrica de xantina, na urina de 24 horas.

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J. Bras. Nefrol. 1995; 17(4): 240-245244

J. Cruz et al - Hipouricemia persistente

S u m m a r y

Three patients with primary or persistent hypou-ricemia, serum acid levels below 2 mg/dl and treatedhypertensive disease are reported. The first two cases,a Japanese couple of brothers, 72 and 57 years old,presented serum uric acid 0.6 to 1.5 mg/dl, with in-creased fractional uric acid excretion, in spite of dailyadministration of dihydrochlorotiazide. They probablyhad hereditary renal hypouricemia (without hy-perabsorptive type hypercalciuria), an inborn error ofmembrane transport, in urate reabsorption in theproximal tubule, inherited in an autosomal recessivemode. In this family, composed by eight brothers,four had aortic aneurysms, except cases 1 and 2. Thethird is a Caucasian man, 55 years old, serum uricacid always below 1mg/dl, decreased uricosuria (be-low 10 mg/day), with dyslipidaemia of phenotype Iand xanthinuria, 433 mg/day (normal values 4.1 to 8.6mg/day). He presumably has asymptomatic classichereditary xanthinuria, an isolated deficiency of xan-thine oxidase. The hypertensive disease of this pa-tient, on the contrary of the others, presents progres-sive arteriolar injuries, apparently without relation tothe xanthinuria. We have not found any relation be-tween hypouricemia and aortic aneurism orhypertensive disease of any etiology.

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