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Edição nº 20 setembro/dezembro de 2015

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Edição nº 20 setembro/dezembro de 2015

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO

CONTO

CADEIA DE PAPEL

EXPEDIENTE

Edição nº 20 setembro/dezembro de 2015

ARTIGOS

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DIREITOS HUMANOS

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ESCOLAS PENAIS

PARECER

Sumário

EXPEDIENTE4

APRESENTAÇÃO6

ENTREVISTA1-) Maria Gorete Marques de Jesus entrevista Paulo Sérgio Pinheiro

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ARTIGOS1-) Por uma Outra Criminologia do Terceiro Mundo: perspectivas da Criminologia Crítica no SulRodrigo Codino, traduzido por Salo de Carvalho

2-) Provando a tortura: reflexões a partir da análise de acórdãos dos Tribunais de Justiça brasileirosMayara Gomes, Nathércia Cristina Manzano Magnani, Paula Ramos e Vivian Calderoni

2-) Garantismo e facções criminosas: correlação da teoria Garantista com o surgimento e existência do Primeiro Comando da CapitalJulia Rosa Latuf

2-) Maíra Zapater entrevista Danilo Cymrot

3-) Os crimes preterdolosos e a cooperação dolosamente distinta no Código Penal BrasileiroRafael Santos Soares

4-) Os aspectos da extradição entre Brasil e Portugal sob a ótica da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua PortuguesaSaulo Ramos Furquim

22

ESCOLAS PENAIS1-) A (re)interpretação do papel da progressão de regime de cumprimento de pena à luz do pensamento de ALESSANDRO BARATTA

Thalita A. Sanção Tozi

85

134 DIREITOS HUMANOS1-) Era das Chacinas: breve discussão sobre a prática de chacinamento na era democráticaCamila de Lima Vedovello

2-) Substituição da prisão preventiva por domiciliar para mulheres gestantes acima do sétimo mês ou em risco, em Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de São PauloFernanda Peron Geraldini

3-) Militarização policial e constitucionalidade: compatibilidade do modelo policial militar com um estado democrático de direitoGabriela Sutti Ferreira

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ENTREVISTA

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INFÂNCIA

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DIREITOS HUMANOS

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Sumário

188 INFÂNCIA1-) A regra de tratamento de inocência antes do trânsito em julgado de sentença condenatória na seara da infância e juventude e a execução provisória da medida socioeducativaGiancarlo Silkunas Vay

2-) Remissão e prescrição: Um diálogo necessário entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a sistemática penalBruno César da Silva e Naiara Volpato Prado

PARECERParecer técnico ao PLS n.º 508/2013 e seu substitutivoRogério Fernando Taffarello

220

CONTOO mensageiro de DeusGustavo Samuel

232

CADEIA DE PAPELNome de horrorDebora Diniz

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Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais4

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Diretoria Executiva

Presidente:Andre Pires de Andrade Kehdi

1º Vice-Presidente:Alberto Silva Franco

2º Vice-Presidente:Cristiano Avila Maronna

1º Secretário:Fábio Tofic Simantob

2ª Secretária:Eleonora Rangel Nacif

1ª Tesoureira:Fernanda Regina Vilares

2ª Tesoureira:Cecília de Souza Santos

Diretor Nacional das Coordenadorias Regionais e Estaduais:Carlos Isa

Ouvidor

Yuri Felix

Colégio de Antigos Presidentes e Diretores

Alberto Silva Franco Alberto Zacharias Toron Carlos Vico MañasLuiz Flávio GomesMariângela Gama de Magalhães GomesMarco Antonio R. NahumMarta SaadMaurício Zanoide de Moraes Roberto PodvalSérgio Mazina MartinsSérgio Salomão Shecaira

Conselho Consultivo

Carlos Vico MañasIvan Martins MottaMariângela Gama de Magalhães GomesMarta SaadSérgio Mazina Martins

Publicação do Instituto Brasileirode Ciências CriminaisExpediente

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Coordenador-ChefeRoberto Luiz Corcioli Filho

Coordenadores-Adjuntos

Alexandre de Sá Domingues

Giancarlo Silkunas Vay

João Paulo Orsini Martinelli

Maíra Zapater

Maria Gorete Marques de JesusThiago Pedro Pagliuca Santos

Conselho Editorial

Alexandre Morais da Rosa

Alexis Couto de Brito

Amélia Emy Rebouças Imasaki

Ana Carolina Carlos de Oliveira

Ana Carolina Schwan

Ana Paula Motta Costa

Anderson Bezerra Lopes

André Adriano do Nascimento Silva

André Vaz Porto Silva

Antonio Baptista Gonçalves

Bruna Angotti

Bruna Rachel Diniz

Bruno Salles Pereira Ribeiro

Camila Garcia

Carlos Henrique da Silva Ayres

Christiany Pegorari Conte

Coordenação daRevista Liberdades

Cleunice Valentim Bastos Pitombo

Dalmir Franklin de Oliveira Júnior

Daniel Pacheco Pontes

Danilo Dias Ticami

Davi Rodney Silva

David Leal da Silva

Décio Franco David

Eduardo Henrique Balbino Pasqua

Fábio Lobosco

Fábio Suardi D’ Elia

Francisco Pereira de Queiroz

Fernanda Carolina de Araujo Ifan-ger

Gabriel de Freitas Queiroz

Gabriela Prioli Della Vedova

Gerivaldo Neiva

Giancarlo Silkunas Vay

Giovani Agostini Saavedra

Gustavo de Carvalho Marin

Humberto Barrionuevo Fabretti

Janaina Soares Gallo

João Marcos Buch

João Victor Esteves Meirelles

Jorge Luiz Souto Maior

José Danilo Tavares Lobato

Karyna Sposato

Leonardo Smitt de Bem

Luciano Anderson de Souza

Luis Carlos Valois

Marcel Figueiredo Gonçalves

Marcela Venturini Diorio

Marcelo Feller

Maria Claudia Girotto do Couto

Matheus Silveira Pupo

Maurício Stegemann Dieter

Milene Maurício

Nidival Bittencourt

Peter Schweikert

Rafael Serra Oliveira

Renato Watanabe de Morais

Ricardo Batista Capelli

Rodrigo Dall’Acqua

Ryanna Pala Veras

Vitor Burgo

Yuri Felix

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6APRESENTAÇÃO

6Publicação do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

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ApresentaçãoÉ indiscutível que vivemos um período de intensas transformações políticas e sociais que exigem reflexões em vários níveis.

Pensando na atualidade dessas e de outras questões, a presente edição apresenta uma entrevista com Paulo Sérgio Pinheiro, que fala sobre o cenário político atual no Brasil e os riscos de prováveis retrocessos de direitos conquistados ao longo desses anos pós ditadura civil militar. A presença ainda forte do racismo e do autoritarismo revela que ainda não superamos nossas mazelas culturais, ainda tão latentes em nossa história. “O racismo não se extinguiu no Brasil. E, na verdade, ainda que isso não seja colocado publicamente, quem irá preso caso a redução da maioridade penal passe serão os adolescentes não brancos, afrodescendentes, negros”. Acrescentou que a onda conservadora não é um fenômeno apenas nacional, mas está presente em diversas partes do mundo, especialmente em países da Europa, que estão construindo muros com objetivo de conter a entrada de refugiados.

Nesta edição também apresentamos a entrevista com Danilo Cymrot, músico e autor de uma pesquisa sobre a criminalização do funk. Da criminalização dos MC’s, quando são enquadrados por tipos penais como o de apologia ao crime, à elaboração de legislações administrativas que proíbem os bailes funk, o entrevistado narra os processos criminalizadores do funk. Também descreve a variedade de gêneros de funks, do “Funk Consciente” ao “Funk Neurótico”. “O funk vive fases bastante diferentes, dependendo do momento, inclusive, político em que vive a cidade”.

Iniciamos a seção de artigos com o excelente texto de Rodrigo Codino, traduzido por Salo de Carvalho: Por uma outra criminologia do terceiro mundo: perspectivas da Criminologia Crítica no Sul. “O artigo refaz o percurso da criminologia crítica na América Latina, enfatizando a construção de um saber teórico autóctone direcionado à denúncia das violências estrutural e institucional. Na sequência, relaciona a criminologia crítica latino-americana com a criminologia africana, problematizando, a partir do relato da tensão entre direito europeu (colonizador) e direito comunitário, seus conceitos, objetos, métodos e, sobretudo, os desafios comuns para resistir às distintas formas de violência e de dominação.”

Na sequência, Provando a tortura: reflexões a partir da análise de acórdãos dos Tribunais de Justiça brasileiros, de Mayara Gomes, Nathércia Cristina Manzano Magnani, Paula Ramos e Vivian Calderoni, reflete como os operadores do direito avaliam o valor da palavra da vítima e do acusado, as provas periciais e os obstáculos envolvidos na comprovação da tortura. Esta reflexão faz parte da pesquisa Julgando a tortura, disponível no site: http://www.conectas.org/arquivos/editor/files/Julgando%20a%20tortura.pdf.

Rafael Santos Soares, autor de Os crimes preterdolosos e a cooperação dolosamente distinta no Código Penal brasileiro, faz uma discussão sobre o conceito e a conformação histórica do instituto da cooperação dolosamente distinta a partir da disciplina legal do concurso de pessoas no Código Penal do Brasil, com destaque para a Reforma Penal de 1984, e salienta a importância de tal instituto para a concretização da responsabilidade penal subjetiva no ordenamento jurídico. Há, ainda, uma interessante análise crítica da jurisprudência no que diz respeito à aplicação da norma do art. 29, §2º do Código Penal aos partícipes de roubo que não desejaram e tampouco assumiram o risco de produzir a morte da vítima e, portanto, não devem responder por latrocínio.

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Ainda na seção Artigos encontraremos Os aspectos da extradição entre Brasil e Portugal sob a ótica da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de Saulo Ramos Furquim, que descreve as possibilidades de extradição entre Brasil e Portugal bem como as pertinentes restrições constitucionais.

Na seção Escolas Penais, apresentaremos os trabalhos de Thalita A. Sanção Tozi, com o texto A (re)interpretação do papel da progressão de regime de cumprimento de pena à luz do pensamento de ALESSANDRO BARATTA, e de Julia Rosa Latuf, autora do artigo Garantismo e facções criminosas – Correlação da teoria garantista com o surgimento e a existência do Primeiro Comando da Capital. O primeiro artigo, de claro viés marxista, visto que inspirado na obra do criminólogo italiano Baratta, desconstrói o mito da ressocialização e analisa de forma crítica a jurisprudência relacionada à progressão de regime de estrangeiros, concluindo que “não há justificativas para a negação ao estrangeiro de seu direito de progressão de regime de cumprimento de pena. Além de afrontar a legislação nacional e internacional, não se vislumbra objetivo além de constranger esses seres humanos a sofrimento excessivo”. O segundo artigo analisa como “a mitigação de direitos dos encarcerados por parte do Estado, mas também do Judiciário, dá ensejo (ou fomento) à necessidade de a comunidade carcerária se organizar em busca da efetivação de seus direitos essenciais”.

Na seção de Direitos Humanos, Era das Chacinas – breve discussão sobre a prática de chacinamento na era democrática, de Camila de Lima Vedovelho, descreve como a lógica desse tipo de execução atinge determinados sujeitos. Na mesma seção, o artigo Substituição da prisão preventiva por domiciliar para mulheres gestantes acima do sétimo mês ou em risco, em Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, de Fernanda Peron Geraldini, analisa como o Tribunal de Justiça paulista tem aplicado o art. 138, IV, do CPP, que “permite às mulheres presas provisoriamente que cumpram essa custódia em casa após o sétimo mês ou em caso de risco”. Militarização policial e constitucionalidade: compatibilidade do modelo policial militar com um estado democrático de direito, de Gabriela Sutti Ferreira, encerra a seção Direitos Humanos. Neste artigo, a autora analisa brevemente a construção do espaço público brasileiro e faz uma reflexão “sobre sua implicação a formação normativa policial até 1988 e a compatibilidade desta com o modelo democrático de direito”.

Na seção Infância apresentamos os artigos A regra de tratamento de inocência antes do trânsito em julgado de sentença condenatória na seara da infância e juventude e a execução provisória da medida socioeducativa, de Giancarlo Silkunas Vay, e Remissão e prescrição: Um diálogo necessário entre o Estatuto da Criança e do Adolescente e a sistemática penal, de Bruno César da Silva e Naiara Volpato Prado. O primeiro traça “o estado da arte na Jurisprudência acerca da execução provisória das medidas socioeducativas no âmbito dos processos socioeducativos”, buscando “refutar os argumentos centrais para tal proceder, apontando sua incompatibilidade para com o sistema de garantias dos adolescentes, sobre quem recai a regra de tratamento de inocência até o advento de sentença condenatória transitada em julgado”. O segundo analisa “os institutos da remissão e da prescrição na sistemática do direito da criança e do adolescente e como se dá a aplicação de ambos em conjunto, em especial respondendo a questões práticas, como o marco inicial de contagem do lapso prescricional e o prazo em si nos casos das medidas aplicadas em sede de remissão, buscando solucionar a omissão legislativa com a realização de um diálogo com o sistema penal”.

Na sequência apresentamos o Parecer técnico ao PLS n.º 508/2013 e seu substitutivo, de Rogério Fernando Taffarello. Este Parecer trata do PLS que “tipifica como crime de vandalismo a promoção de atos coletivos de destruição,

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dano ou incêndio em imóveis públicos ou particulares, equipamentos urbanos, instalações de meios de transporte de passageiros, veículos e monumentos”.

Na seção de Contos, Gustavo Samuel apresenta O mensageiro de Deus. De acordo com o autor: “A ideia era de que o conto denunciasse como uma hipérbole a realidade, mas ao que parece, os absurdos têm se compatibilizado com o cotidiano brasileiro”. Um instigante e provocativo conto, que não está nada distante do real.

Por fim, apresentamos a seção de crônicas da antropóloga Debora Diniz (UnB e Anis), na Cadeia de Papel. “É no conjunto das meninas mais pobres e escuras, da periferia e com pouca escola que se conformam as meninas da cadeia de papel. (...) O gênero conforma o feminino a uma ordem patriarcal de poder; porém, é no cruzamento com outras formas de precarização da vida que surgem as meninas da cadeia de papel (Diniz, 2015b)”.

Boa leitura!

Coordenadores da gestão 2015/2016.

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Os crimes preterdolosos e a cooperação dolosamente distinta no Código Penal brasileiro

Rafael Santos SoaresMestre em Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.

Resumo: Este trabalho foi desenvolvido a partir dos estudos para a elaboração da monografia de conclusão do curso de graduação do autor, sob orientação da Prof. Dra. Daniela de Freitas Marques, apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, tendo sido avaliada com nota máxima por todos os membros da Banca Examinadora. Ao longo deste artigo, serão estudados o conceito e a conformação histórica do instituto da cooperação dolosamente distinta a partir da disciplina legal do concurso de pessoas no Código Penal do Brasil. Essas reflexões contribuirão para solucionar algumas controvérsias existentes na aplicação da cooperação dolosamente distinta aos crimes preterdolosos.

Palavras-chave: Código Penal brasileiro; concurso de pessoas; elementos; cooperação dolosamente distinta; crimes preterdolosos.

Abstract: This work was developed from the studies that the author did for his undergraduate course’s monograph, under the guidance of Dr. Daniela de Freitas Marques, presented at the “Universidade Federal de Minas Gerais”, having received maximum grade of all the members of the Examining Board. Throughout this article, it will be studied the concept and the historical conformation of the institute of “different perpetrators’ intents” by the legal discipline of the criminal conspiracy in Brazilian Penal Code. These reflections will help to solve some controversies in the implementation of the institute in the crimes “of deliberate action with negligent results”.

Keywords: Brazilian Penal Code; conspiracy; requirements; “different perpetrators’ intents”; “crimes of deliberate actions with negligent result”.

Sumário: 1. Introdução – 2. Requisitos do concurso de pessoas na teoria unitária – 3. A cooperação dolosamente distinta: 3.1 Conceito; 3.2 As críticas doutrinárias à solução que a regra da cooperação dolosamente distinta oferece aos crimes preterdolosos. 3.3 Cooperação dolosamente distinta no crime de latrocínio: o critério da especialidade da norma como forma de solução de uma antinomia aparente – 4. Conclusões – 5. Referências bibliográficas.

1. Introdução

É indiscutível que a reforma legislativa promovida em 1984, na parte geral do Código Penal, contribuiu para a mitigação da responsabilização penal objetiva que, até então, se verificava no tratamento da cooperação dolosamente distinta no Brasil.

O antigo parágrafo único do art. 48 do Código Penal de 1940, disciplinava a punição daquele que “quis praticar crime menos grave” impingindo-lhe a sanção do delito de maior gravidade, contudo, atenuada em razão do elemento subjetivo do agente.

Dentre os que elogiaram as alterações na lei está René Ariel Dotti, um dos membros da comissão elaboradora do anteprojeto, para quem a “necessidade em se ajustar a pena à medida da culpa foi, inegavelmente, o ponto de

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arranque para a proscrição dos vestígios da responsabilidade objetiva em matéria de concurso de pessoas”.1

Entretanto, a nova regulamentação do instituto da cooperação dolosamente distinta, introduzida pela Lei 7.209/1984, também recebeu severos questionamentos de parcela da doutrina.

O renomado Damásio Evangelista de Jesus, resignado por acreditar que o art. 29, § 2.º, segunda parte, acabou por beneficiar, injustificadamente, o concorrente que desejou cometer crime de menor gravidade, nos crimes cujo resultado mais grave advém da culpa de seu executor (preterdolosos), chegou a afirmar que: “creio que esse § 2.º foi feito às pressas e vai causar problemas terríveis de interpretação”.2

E essa previsão de Damásio, feita em 1985, se consuma até os dias atuais, sendo comprovada a partir de uma simples consulta aleatória ao repertório doutrinário e jurisprudencial nacional. Neles se encontram discursos e acórdãos que parecem confundir conceitos basilares, resultando em uma hermenêutica errônea acerca da aplicabilidade do aludido dispositivo legal aos crimes puníveis a título de preterdolo, como por exemplo, a lesão corporal seguida de morte e o latrocínio.

Neste trabalho serão elencadas algumas dessas controvérsias que os operadores do direito enfrentam ao tratarem da cooperação dolosamente distinta, quando confrontada com um delito preterintencional.

A partir da delimitação do conceito do instituto, demonstrar-se-ão que algumas das críticas são, data venia, infundadas.

Ademais, esta pesquisa também possui o objetivo de contribuir para o esclarecimento dos equívocos de interpretação nos quais incorrem alguns magistrados ao se depararem com essas questões, porquanto podem resultar em majoração indevida da pena do agente, sobretudo quando se opta por aplicar a regra geral do art. 19 do CP em detrimento da norma especial contida na parte final do § 2.º do art. 29 do CP.

A conclusão daí extraída aplicar-se-á a qualquer crime preterdoloso, não se restringindo aos exemplos colhidos a título de ilustração.

A metodologia empregada no estudo é predominantemente hermenêutica, lançando-se mão dos critérios de interpretação de normas jurídicas (gramatical e sistemático) e de solução de antinomias aparentes (especialidade), formulados para o Direito, além da pesquisa teórica.

Delimitado o tema e expostas, sucintamente, as questões que se pretende abordar no presente estudo, bem como as conclusões a que se chega com a pesquisa, passa-se à imediata verificação dos requisitos do concurso de agentes (segundo a teoria unitária), com a consequente extração do conceito de cooperação dolosamente distinta, esclarecimentos fundamentais para o juízo que se pretende com o estudo.

2. Requisitos do concurso de pessoas na teoria monista

A mais relevante modificação no tema da codelinquência, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro em 1940, e mantida na reforma da parte geral de 1984, refere-se à adoção da teoria unitária – ou monista – do injusto, que tem

1 DOTTI, René Ariel. Reforma penal brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1988. p. 94.

2 JESUS, Damásio Evangelista de (Coord.). Curso sobre a reforma penal. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 93.

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suas raízes no Código Penal norueguês de 1902.

Foi a primeira vez na história do Brasil que se aboliu o critério de distinção entre autoria e cumplicidade, extirpando-se a teoria dualista consagrada nos Códigos Criminais do Império (1830) e no Código Penal de 1890.

Na Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 justificou-se a opção pelo monismo fundamentando-o em uma concepção causal de autoria. Na época, o Ministro da Justiça Francisco Campos enunciou a novidade da teoria unitária ressaltando que:

“Quem emprega qualquer atividade para a realização do evento criminoso é considerado responsável pela totalidade dele, no pressuposto de que também as outras forças concorrentes entraram no âmbito da sua consciência e vontade. Não há nesse critério de decisão do projeto senão um corolário da teoria da equivalência das causas, adotada no art. 11.”3

Passou a vigorar, portanto, desde o Decreto-lei 2.848/1940, uma disciplina legal do concurso de agentes que equipara, em princípio, todos os concorrentes da infração penal, sejam eles autores ou partícipes. Dessa forma, o conceito extensivo de autor do então art. 25 nada mais era que um corolário da teoria da equivalência dos antecedentes causais, expressa na regra do art. 11 do CP de 1940, segundo a qual as diversas intervenções na cadeia causal, dirigidas ao mesmo fim, tipificam um só delito. Assim, inexiste distinção, a priori, entre autores e partícipes.

Narra o eminente Nelson Hungria que esse modelo escandinavo de regulação da codelinquência acabou se tornando tendência no Direito Penal moderno e inspirando os Códigos italiano e dinamarquês, ambos de 1930. Tal fato reforça as declarações que sugerem que o Código Penal de 1940 tenha se espelhado no Codice Rocco, elaborado na época de ascensão do fascismo na Itália.4

Em 1984, como visto, foi sancionada a Lei 7.209, que instituiu a reforma na parte geral do Código Penal, alterando alguns dispositivos, dentre eles, o que regulamentava a cooperação dolosamente distinta. Contudo, a teoria monista permaneceu íntegra, já que a norma do art. 25 do Código Penal de 1940 foi repetida em sua literalidade no art. 29 da atual legislação.

Da teoria unitária, em vigor atualmente, é possível deduzir os requisitos para o concurso de pessoas. De um modo geral, a doutrina aponta que eles consistem em quatro pressupostos fáticos:

a) Pluralidade de agentes e de condutas: para ocorrência do fenômeno do concurso de pessoas é imprescindível haver pluralidade de agentes e de condutas. A ação de cada consorte poderá ser comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa (para os que admitem a coautoria em crime culposo). Tratando-se de conduta omissiva faz-se indispensável que o agente tenha o dever jurídico de impedir o resultado. Caso contrário, estará desvinculado da coautoria ou participação na infração penal. A sua conivência, ainda que evidenciada, não se pune.5 Entretanto, não é qualquer comportamento humano que ensejará o aperfeiçoamento do concurso de pessoas. Entra em cena, então, o segundo

3 CAMPOS, Francisco. Exposição de Motivos do Código Penal, 1940.

4 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1949. vol. I, t. I, p. 551.

5 “O mero conhecimento de que alguém está prestes a cometer um crime, ou a não-denúncia, às autoridades, de um delito que vai ser praticado, não configura co-participação, salvo se tinha o dever jurídico de impedir o crime” (STF, RT 603/447).

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requisito.

b) Relevância causal da conduta na produção do resultado delituoso: a conduta dos indivíduos deverá contribuir de alguma forma para a produção do fato típico. Deve haver, assim, nexo causal entre a ação de cada concorrente e o resultado delituoso por eles provocado. Com isso não se quer dizer que todos devam praticar atos executórios. Há nexo causal na conduta do partícipe que empresta a arma para outrem efetuar disparos letais provocando homicídio. A ação de cada interveniente poderá, inclusive, ser, por si só, atípica. É o caso de alguém que estimula outrem a delinquir. Não há tipo penal que incrimine a conduta de aconselhar outro indivíduo a cometer um crime. Isso só se torna um ilícito em razão da norma de extensão do concurso. Se o crime chegou a ser tentado, indubitável que o instigador prestou sua contribuição para a infração e por ela deverá ser responsabilizado em concurso com o autor, a não ser que se prove que o instigado já estava determinado a delinquir. Nesse caso, vale ressaltar as lições de Hungria:

“É bem de ver, outrossim, que a determinação, a instigação ou o auxílio devem ser causalmente eficazes. Se o indivíduo a quem é dirigida a determinação ou a instigação já está firmemente decidido à prática do crime (omnimodo facturus), não há participação, pois, em tal caso, aquelas não são mais que a “abertura de uma porta aberta.”6

Não é suficiente, porém, a mera contribuição objetiva para o resultado para que se dê o concurso de pessoas. Não se pode olvidar a situação daquele que coopera no crime de outrem sem saber que isso está acontecendo. É a chamada autoria colateral. Seria ela uma modalidade de concurso de agentes? E a própria cooperação dolosamente distinta? Para responder essas indagações, impõe-se a análise do terceiro e quarto requisitos.

c) Vínculo subjetivo entre os participantes: os agentes do crime devem estar ligados subjetivamente, isto é, devem ter conhecimento de atuar para um fim comum. Nos crimes dolosos a vontade comum refere-se ao próprio injusto. Nos delitos culposos, a consumação do resultado pela coatuação livre e consciente, violando-se um dever objetivo de cuidado, mesmo que voltada a uma finalidade lícita, qualifica, para alguns, o concurso de agentes.7 Com estas considerações é possível afirmar que a autoria colateral não é espécie de concurso de pessoas. Nesta modalidade de autoria, dois ou mais agentes, conquanto munidos do ânimo de atingir a mesma finalidade, não apresentam a necessária vinculação psicológica, e acabam concorrendo objetivamente, mas sem saber que o fazem em conjunto, para o crime. Para que haja concurso, pelo menos um dos indivíduos deve saber que coopera para prática da mesma infração penal à qual concorre o outro, mesmo que este não saiba que está sendo ajudado. No exemplo de Damásio:

“A, sabendo que B vai matar C e desejando a morte deste, furta-lhe o revólver com o qual poderia se defender. A é partícipe do homicídio. Não obstante B desconhecesse a sua cooperação.”8

Portanto, no exemplo supra A atua em concurso, mas não B. Em hipóteses semelhantes, não seria lícito imputar agravante, majorante de pena ou mesmo qualificar crime de concurso necessário se o segundo não tinha conhecimento de que estava sendo auxiliado. Isso quer dizer que, em um caso como o de roubo majorado pelo concurso de pessoas, B responderia por roubo simples, cabendo aumento de pena somente para A, sob pena de responsabilizar-se B

6 HUNGRIA, Nelson. Op. cit., p. 332.

7 Entre os que admitem o concurso de pessoas na modalidade culposa, Beatriz Vargas, Fernando Galvão, Rogério Greco, Esther Figueiredo, Cezar Bitencourt, Francisco de Assis Toledo. Contrários a este entendimento: Juarez Tavares, José Cerezo Mir e Luiz Flávio Gomes.

8 JESUS, Damásio Evangelista de. Da co-delinquência em face do novo código penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 51.

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objetivamente, já que não possuía consciência do concurso.

Da mesma forma, na cooperação dolosamente distinta, se alguém deseja participar de crime menos grave, não há liame subjetivo que una os concorrentes. Um deseja cometer infração diversa da que pratica outro. Na divergência do elemento subjetivo, também inexiste concurso de agentes. Convém destacar, ainda, que não se exige pactum sceleris ou prévio ajuste para que se identifique o concurso, bastando o conhecimento de integrar a empreitada delitiva comum ou, no mínimo, de saber agir conjuntamente concausando o fato punível.

d) Unidade de infração(ões) ou de finalidade: a doutrina costuma relegar este último requisito sustentando que ele constitui, na verdade, uma consequência do reconhecimento do concurso de pessoas. Não obstante, deve-se dar outra interpretação para exigência de identidade de infração. É ela fundamental para qualificar o concurso de agentes, pois, ocorrendo diversidade, cada qual irá responder por um delito. Portanto, quando se diz que deve haver vinculação psicológica entre os participantes, não é para produção de qualquer resultado, mas sim para a prática do mesmo resultado, da mesma infração penal quando se trata de crime doloso, ou da mesma finalidade, para os que admitem coautoria culposa. Nesse sentido Roberto Lyra afirmava que: “o princípio geral, em matéria de concurso de agentes, é de que a atividade física e moral dos partícipes deve convergir para a produção do mesmo evento”.9

Essa consideração, entretanto, é antecipada por quase todos os manuais quando se trata do requisito subjetivo do concurso de pessoas, o que causa um esvaziamento do seu conteúdo e torna irrelevante a discussão acerca deste quarto elemento, imprescindível ao concursus delinquentium. Melhor seria, então, denominar o terceiro requisito de “identidade de vínculo subjetivo” ou “convergência de elemento subjetivo”, o que afastaria o problema.

Caso contrário, poderá até existir alguma ligação subjetiva entre os concorrentes, manifestada na decisão conjunta de optar pelo cometimento de um fato punível, na escolha dos meios e do local da infração, etc. Contudo, se esse vínculo não for idêntico, finalisticamente voltado para a prática da mesma infração penal, não existirá concurso. Daí a importância desse quarto elemento. Na clássica obra de Manzini, a lição sobre o art. 110 do Código Penal italiano de 1930 defendia expressamente o requisito de identidade do delito para o concurso de pessoas:

“O art. 110 exige, para a noção de co-participação delituosa, que várias pessoas concorram no mesmo delito. Requisito essencial do concurso de várias pessoas é, portanto, que a vontade e a atividade desses concorrentes tenha por objeto um delito idêntico”.10

Assim, na cooperação dolosamente diversa, a partir do momento em que um dos participantes decide cometer crime mais grave, pode-se dizer que não mais estão presentes os requisitos necessários para qualificar um concurso de agentes em matéria criminal: não há vinculação subjetiva para cometimento da mesma infração, sem o que não pode haver concurso.

A importância das colocações acima se justifica exatamente pela necessidade de se identificar quais seriam os elementos ausentes quando se fala de cooperação dolosamente distinta, imprescindível, também, para a correta delimitação de seu conceito, o que se fará a seguir.

9 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955. vol. II, p. 388.

10 MANZINI, Vicenzo. Tratado de derecho penal. Traduzido por Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Ediar Soc. Anón. Editores, 1949. t. III, vol. III, p. 289.

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3. A cooperação dolosamente distinta

Pressuposto, pois, para a existência da cooperação dolosamente distinta, é o desvio doloso no momento da realização da conduta proibida, gerando punição diferenciada para o partícipe “dissidente” ou, valendo-se da terminologia empregada por Hungria,11 dissensiente.

Inexistindo a quebra da identidade do elemento volitivo-psicológico (dolo) e da unidade de infração penal, subsistirá o concurso de agentes.

Destaca-se que a teoria unitária admite essas exceções. Luiz Flávio Gomes as chama de “exceções pluralísticas à teoria monista”12 e Fernando Galvão assevera a quebra da regra da unidade delitiva pelo legislador, quando regulamentou a cooperação dolosamente distinta.13

De fato, impossível reconhecer a existência de concurso de pessoas e, por consequência, aplicar a teoria monista, se na conduta dos concorrentes inexiste convergência de vontades voltadas para uma idêntica finalidade, o cometimento da mesma infração penal, ausentes, pois, o terceiro e o quarto requisitos mencionados.

Assim, o fundamento para a teoria da cooperação dolosamente distinta é a divergência de vontades, manifestada pelo desvio doloso na realização do injusto. Não há identidade de infração: um quer cometer um crime e seu concorrente outro, ensejando a aplicação da norma contida no art. 29, § 2.º, do Código Penal brasileiro, in verbis:

“Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

(...)

§ 2.º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste”.

Em matéria de técnica de redação legislativa, esta é exatamente a função de um parágrafo: excepcionar a regra contida no caput do dispositivo, conforme impõe o art. 11, III, c, da Lei Complementar 95/1998, in verbis:

“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

(...)

III – para a obtenção de ordem lógica:

(...)

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as

11 HUNGRIA, Nelson. Op. cit.

12 GOMES, Luiz Flávio (coord); GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antônio. Direito penal: Parte geral. 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. vol. 2, p. 510.

13 ROCHA, Fernando A. N. Galvão da. Direito penal. Curso completo. Parte geral. 2. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 412.

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exceções à regra por este estabelecida.”

Demonstrados os pressupostos para a existência da cooperação dolosamente distinta, cumpre delimitar seu conceito.

3.1 O conceito

A associação de pessoas no cometimento do fato punível pode se dar dos mais variados modos: na elaboração do plano criminoso, na prática de atos executórios, na indução, estímulo ou prestação de auxílio a outrem. Enfim, os exemplos são inúmeros.

Múltiplas também são, pois, as formas de cooperação dolosamente distinta, sendo equivocada a denominação utilizada por alguns autores quando se referem a ela restringindo-a aos casos de “mandato criminoso”.14 Porém, não é somente na nomenclatura que reside o problema: ao tratar do tema, parte dos manuais brasileiros traz, exclusivamente, exemplos que envolvem esse desajuste de vontade expressada na ordem para cometimento de um crime e sua execução (mandato).

Talvez isso se deva a uma questão didática, ou porque a hipótese mais comum de ocorrência do desvio subjetivo de conduta esteja no excesso de mandato, mas o certo é que não se pode balizar a discussão a esta única hipótese, sobretudo quando a própria lei não fez essa restrição.

Para delimitação do aspecto de abrangência da cooperação dolosamente distinta é necessário registrar que a norma contida no art. 29, § 2.º, do CP vai muito além do mandato criminoso.

Por outro lado, também pecam pela simplicidade aqueles que definem a cooperação dolosamente distinta como sendo toda e qualquer situação em que há cooperação objetiva sem convergência de vontades. Este conceito não a distingue da autoria colateral, caso em que podem haver condutas voltadas para uma mesma finalidade sem, contudo, apresentarem motivação que interligue seus autores. Como ensina Rogério Greco: “fala-se em autoria colateral quando dois agentes, embora convergindo as suas condutas para a prática de determinado fato criminoso, não atuam unidos pelo liame subjetivo”.15

Por fim, cumpre destacar a acertada opinião de Fernando Galvão, segundo o qual na cooperação dolosamente distinta rompe-se o concurso de agentes, caso em que a causa de aumento pode ser aplicada não somente àquele que inicialmente era partícipe, mas também ao que era, de início, autor.16

Enunciados os pressupostos de sua existência e feitas estas considerações, podemos definir a cooperação dolosamente distinta, também chamada pela doutrina de cooperação dolosamente diversa, desvio subjetivo de conduta ou desvio doloso, como sendo: uma situação de exceção à regra monista do concurso de pessoas, pela qual um ou mais agentes, desviando-se dolosamente e passando a atuar sem vinculação psicológica com os outros concorrentes, consuma(m) infração mais grave do que a desejada pelos demais.

14 Na obra de Basileu Garcia, Instituições de direito penal,7. ed., v. I, t. I, a cooperação dolosamente diversa é chamada de “falta de coincidência entre mandato e execução”.

15 GRECO, Rogério. Código Penal comentado. Niterói, RJ: Impetus, 2008. p. 130.

16 GALVÃO, Fernando. Direito penal: Parte geral. Curso completo. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 415.

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Nesse conceito estão contempladas todas as observações que até agora se fez: (1) trata-se de uma exceção à regra do monismo no concurso de pessoas; (2) na cooperação dolosamente distinta há um desvio do elemento subjetivo (dolo) que resulta na diversidade de infração idealizada pelos concorrentes, fossem eles mandantes ou executores, partícipes ou autores; (3) o instituto não se resume às hipóteses de mandato criminoso; (4) o resultado causado é mais grave que o desejado pelos demais.

Feitas essas considerações pode-se avançar no estudo, demonstrando que vários problemas apontados pela doutrina no enfrentamento do instituto nos crimes preterdolosos podem ser resolvidos com base nessa conceituação.

3.2 As críticas doutrinárias à solução que a regra da cooperação dolosamente distinta oferece aos crimes preterdolosos

A doutrina brasileira insurgiu-se, de um modo geral, contra a solução jurídica que a regra contida no § 2.º do art. 29 do CP proporciona ao partícipe dos crimes preterdolosos.

Inconformados com as consequências que a aplicação do referido dispositivo traz, Damásio Evangelista de Jesus, Beatriz Vargas Ramos e Cezar Roberto Bitencourt, entre outros inúmeros autores notórios, apontam que, nos crimes preterdolosos como a lesão corporal seguida de morte, o participante que desejou crime menos grave receberá a pena deste (isto é, lesão corporal leve – art. 129, caput) e, se previsível a morte, esta pena (a da lesão leve) é aumentada até a metade, totalizando, no máximo, quatro meses e quinze dias de detenção, nos termos do § 2.º do art. 29 do CP. Haveria, pois, manifesta desproporcionalidade com a pena do executor (art. 129, § 3.º, pena de quatro a doze anos). Segundo eles, justo seria se fosse o partícipe incurso na mesma infração penal do executor, em concurso de pessoas, caso lhe fosse previsível o evento mais grave. Vejamos os esclarecimentos do Prof. Damásio:

“E o exemplo que se apresenta é o do sujeito que determina a outrem uma agressão física. Está agindo com dolo de dano do crime de lesão corporal. O autor, agredindo a vítima, vem a matá-la. O executor vai responder conforme o seu elemento subjetivo, por lesão corporal seguida de morte ou por homicídio. Nos termos do Código Penal vigente (sic) o mandante responde também por lesão corporal seguida de morte ou homicídio, embora com pena diminuída. E o legislador de 1984 diz que o mandante sofrerá a pena do delito de menor gravidade, embora acrescida”.17

Por acreditarem que tal norma beneficia injustificadamente o agente que deseja participar de delito de menor gravidade nos crimes cujo resultado mais gravoso também deriva de sua culpa, os célebres doutrinadores tecem severas críticas aos efeitos da incidência da regra da cooperação dolosamente distinta nos crimes preterdolosos.

Nas palavras de Cezar Bitencourt, chancelando a opinião exposta anteriormente:

“A intenção da reforma é elogiável, mas apresenta alguns inconvenientes que foram inteligentemente apontados por Damásio de Jesus. Os chamados crimes preterdolosos (...) como é o caso da lesão corporal seguida de morte, apresentam uma verdadeira vexata quaestio. Pela disposição da Parte Especial, o autor que, querendo produzir lesões corporais, acaba causando a morte, mesmo não a desejando, responde pelo delito de lesões corporais seguidas de morte. O partícipe, nas mesmas circunstâncias, segundo a norma em exame, responderá pelo delito de lesões corporais. Se o crime mais grave for previsível, sua pena será aumentada até a metade. Um verdadeiro contra-senso

17 JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 92.

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(...)”.18

Dissertando sobre a responsabilização penal objetiva do Código anterior e fazendo um comparativo com as modificações na legislação de 1984, a Prof. Beatriz Vargas Ramos corrobora as lições anteriores:

“Ora, o fato de estar o resultado na linha de previsão possível do instigador, não pode fundamentar, por si só, uma punição a título de dolo, pelo delito mais grave ocorrido. Se o agente previa, mas não desejava o resultado, estamos diante da culpa strictu sensu. Não se justifica a punição com a pena mínima do crime doloso mais grave ocorrido, nem tampouco, a punição com a pena do delito menos grave aumentada até metade. As penas impostas de acordo com essas regras seriam sempre, para ‘mais’ (parágrafo único, art. 48, CP de 40), ou para ‘menos’ (parágrafo primeiro, art. 29, Parte Geral de 84), que a justa medida da culpabilidade”.19

Conforme se verifica, acreditam que a reforma de 1984 acabou criando uma iniquidade: o executor do delito responderá, caso venha a cometer crime preterdoloso, pelo resultado agravador; enquanto isso, o mandante (ou partícipe) receberia, em virtude da previsão contida no art. 29, § 2.º, segunda parte, pena de lesão corporal leve aumentada até metade.

A opinião dos insignes autores, data venia, é sem acerto.

No tópico anterior (3.1) quando se definiu o conceito de cooperação dolosamente distinta afirmou-se que: trata-se de uma situação de exceção à regra monista do concurso de pessoas, pela qual um ou mais agentes, desviando-se dolosamente e passando a atuar sem vinculação psicológica com os demais concorrentes (até então partícipes ou autores, mandantes ou executores), consuma(m) infração mais grave do que a desejada pelos outros.

A partir dessa definição, para que possa se falar em cooperação dolosamente distinta, deve haver, por óbvio, um desajuste no dolo dos concorrentes, um desvio doloso na conduta daquele que executa o resultado mais grave.

E essa interpretação não se funda apenas na nomenclatura que o instituto recebeu pela doutrina ou no conceito aqui edificado.

O próprio verbo utilizado na redação da norma do art. 29, § 2.º, do CP (“quis participar de crime menos grave”), refere-se expressamente ao elemento volitivo, à intenção do partícipe quanto ao resultado delituoso. Sua vontade seria, portanto, de cometer crime menos grave daquele que foi desejado pelo outro concorrente.

Ora, nos crimes preterdolosos a intenção do executor também não é de causar o resultado de maior gravidade. Este advém de sua culpa, excedendo sua vontade inicial. Ao tratar dessa espécie de delito, o eminente Francisco de Assis Toledo afirmava que:

“É assim que se define o crime em exame, do qual constitui exemplo a lesão corporal seguida de morte (CP – art. 129, § 3.º), como sendo uma figura híbrida de dolo e culpa: dolo no antecedente e culpa no consequente.”20

18 BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal – Parte geral. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. v. I, p. 466.

19 RAMOS, Beatriz Vargas. Do concurso de pessoas. Belo Horizonte: UFMG, 1993. p. 149. Dissertação.

20 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 308.

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No mesmo sentido, o célebre Nelson Hungria ensinava que “o agente quer determinado resultado, mas, por culpa, dá causa a outro mais grave”.21

Se o resultado que agrava a pena decorre de uma conduta culposa, não pode haver dolo distinto, desvio doloso ou tampouco cooperação dolosamente diversa entre os concorrentes nos delitos preterdolosos.

De fato, não há diferença no elemento subjetivo do mandante. Seu dolo é idêntico ao do mandatário: dolo de provocar lesões corporais, no exemplo citado. O executor, assim como o mandante, também quis (a expressão que a lei utiliza) participar do crime menos grave (lesões corporais). Entretanto, o primeiro, por negligência, imperícia ou imprudência, acaba provocando a morte do ofendido.

Nos crimes preterintencionais cujo resultado deriva de culpa do executor, portanto, não se aplica a regra do art. 29, § 2.º ao partícipe do crime menos grave, simplesmente porque são situações incompatíveis. Logo, os exemplos mencionados pelos doutrinadores acima não se enquadram entre as hipóteses de cooperação dolosamente distinta. O dolo do mandante é simétrico ao do executor: de causar lesões corporais no ofendido.

Então, como ficaria a reprovação do partícipe nesses casos?

A questão pela qual o mandante ou partícipe deva ou não responder pela morte, assim como responde o executor, é problema que deve ser resolvido à luz do art. 19 e não com a regra do § 2.º do art. 29. Este sim, só se aplica quando verificada a substituição do dolo de quem concorreu para a prática da infração penal. Ao discorrer sobre a cooperação dolosamente distinta, o Prof. Luiz Flávio Gomes ensina que:

“Cabe notar que o excesso do executor que atua distintamente revela o que se chama de substituição do dolo. Inicialmente o dolo está dirigido a um resultado. O executor excessivo substitui o dolo (por conta própria) e o orienta para outro resultado, mais grave”.22

Por consequência, conclui-se que o enquadramento jurídico para essas hipóteses de crimes preterdolosos é o que foi proposto pelo ilustre Mirabete. Contudo, sua tese apenas será válida se, e somente se, além da culpa do executor também for constatada a culpa do mandante pelo resultado mais grave:

“Em caso de mandato para um delito de lesão corporal que vem a causar a morte da vítima, havendo previsibilidade do resultado mais grave, responderão mandante e executor pelo crime de homicídio preterdoloso e não pela simples lesão corporal com pena agravada”.23

Por esse extenso juízo aqui declinado, a solução jurídica que nos parece mais acertada é a seguinte: tratando-se de crimes preterdolosos em relação à ação do executor, deve-se aferir se o partícipe dissidente atua com culpa pelo resultado mais grave causado pelo executor. Se a resposta for positiva, ambos responderam pelo resultado agravador em concurso de pessoas, nos termos do art. 29 do CP. Em caso negativo, somente ao executor é imputada a pena agravada, sob pena de a responsabilização do partícipe infringir o art. 19 do CP e o princípio da culpabilidade.

21 HUNGRIA, Nelson. Op. cit., v. 1, t. 2, p. 136.

22 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Coord. Luiz Flávio Gomes. Op. cit., p. 511.

23 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 1989. v. I, p. 237.

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Em suma, a cooperação dolosamente distinta é incompatível com a espécie dos crimes preterdolosos para o executor, já que nesses não há substituição do dolo, desvio doloso ou, cooperação dolosamente diversa entre os consortes (o dolo de ambos é de cometer o delito menos grave).

3.3 Cooperação dolosamente distinta no crime de latrocínio: o critério da especialidade da norma como forma de solução de uma

antinomia aparente

Enunciada a regra geral que nos parece a mais adequada para os crimes preterdolosos, resta, por fim, demonstrar como um singelo equívoco no tratamento do tema é capaz de causar condenações injustas. Algumas decisões judiciais têm pecado pelas situações aberrantes que criam.

Suponha-se o seguinte exemplo a título ilustrativo: A e B combinam de praticar um roubo à mão armada contra C. A fica encarregado de subtrair os pertences da vítima e intimidá-la com a arma municiada, enquanto B incumbe-se da tarefa de dirigir a motocicleta utilizada para fuga. Durante a execução do crime, C demonstra reação e A dispara contra o peito da vítima causando-lhe sua morte.

Antes de tudo, é preciso relembrar que o crime de latrocínio, tipificado no art. 157, § 3.º, in fine admite, por sua natureza, o preterdolo, segundo leciona a imensa maioria da doutrina. Assim sendo é uma espécie de crime qualificado pelo resultado que, portanto, também se perfaz quando há dolo no resultado. No exemplo narrado, a morte do ofendido se deu por conduta dolosa de A, que disparou deliberadamente contra região letal do corpo de C. Sem dúvidas, houve dolo de A tanto na subtração quanto no homicídio que, no mesmo contexto fático, subsumem-se ao tipo do roubo seguido de morte, o latrocínio.

A pergunta que se coloca é, então, se B deve ou não responder pelo latrocínio em concurso de pessoas com A. Conquanto a jurisprudência tenha se inclinado com frequência para a adoção da tese do dolo eventual do partícipe e criado inconstitucional presunção de culpa nesses casos, abstraindo-se desse entendimento, a resposta à essa questão dependerá dos elementos da previsibilidade e aceitação do risco de produzir o resultado para B.

Se B pudesse prever o resultado e aceitou o risco de sua produção, agiu, indubitavelmente, com dolo eventual, devendo responder pelo latrocínio em concurso com A. Por outro lado, suponhamos a hipótese possível de que B supôs, levianamente, que o evento mais grave não fosse acontecer (ainda que soubesse que A estava armado), já que a escolha do instrumento para o crime, por si só, não define a finalidade do agente. Esta é manifestada, principalmente, no uso dos meios, isto é, na forma de utilização dos instrumentos selecionados.24

Assim, pode ser que B tenha concordado em participar de roubo à mão armada porque, em uma perseguição por exemplo, A poderia disparar para o alto, ou contra a viatura policial, com fins intimidatórios, ou mesmo poderia acertar a vítima ou os militares para causar-lhes lesões, sem, contudo, querer provocar-lhes a morte.

Essa é a hipótese que nos interessa: abstração do dolo eventual e suposição da culpa consciente de B em razão da previsibilidade do evento mais grave.

24 A respeito desse assunto ver WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico penal: uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 33-34; e GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pré-finalista. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 150.

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Assim sendo, dever-se-á enquadrá-lo como coautor de roubo seguido de morte (latrocínio), como manda o art. 19 do CP, já que tal crime admite o preterdolo, isto é, conduta dolosa causadora do delito antecedente (roubo) e a culpa no resultado consequente (morte)? Ou, por outro lado, deve-se reconhecer a existência de cooperação dolosamente distinta e, por consequência, aplicar-lhe a pena do roubo aumentado até metade como prescreve o art. 29, § 2.º, segunda parte, além somar-lhe das causas de aumento dos incs. I e II do § 2.º do art. 157 do Código Penal?

Nesse caso, embora a natureza do crime admita o preterdolo, as circunstâncias do caso revelam que houve substituição do dolo por parte de A, sendo o resultado mais grave, a morte do ofendido, produto de sua intenção e vontade. Sendo assim, perfeitamente possível a aplicação da regra da cooperação dolosamente distinta.

Aceitando essa tese, entretanto, cria-se um conflito aparente de normas jurídicas, isto é, existem dois artigos, em tese, aplicáveis ao mesmo caso, porque possuem o mesmo âmbito de validade, conduzindo a duas soluções possíveis: uma mais prejudicial (a primeira) e outra que trará maior benefício ao acusado (a segunda).

Se optarmos pela aplicação do art. 19 do CP, a reprovação dos consortes será idêntica: A e B sujeitar-se-ão à pena de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos de reclusão como prevê o art. 157, § 3.º, in fine, do CP.

Se, por outro lado, aplicar-se a norma do art. 29, § 2.º, do mesmo Código Penal, ainda que o resultado mais grave ocorra (morte de C), em virtude de culpa de B, sua punição ficaria, na pior das hipóteses, da seguinte forma: partir-se-ia da pena do crime de roubo (4 a 10 anos) aumentando-a até metade pelo uso de arma de fogo e concurso de pessoas (6 a 15 anos). Em seguida, faz-se incidir a causa de aumento de metade da pena do crime que desejou praticar (roubo majorado), em homenagem a regra do art. 29, § 2.º, segunda parte, pela previsibilidade do resultado mais grave. Ao final, B poderia receber uma reprimenda que poderia variar entre 9 (nove) a 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Perceba como a pena máxima desse segundo raciocínio (22 anos e 6 meses) é quase equivalente à pena mínima do primeiro raciocínio (20 anos), o que evidencia inequivocamente a maior benesse contida nesse último juízo.

Esse, aliás, é o raciocínio que deve ser utilizado e o mais correto, não somente porque consiste no mais favorável ao acusado, mas também porque encerra a utilização do critério da especialidade da norma, como forma de resolução da aparente antinomia.

Apenas para esclarecer: uma coisa é o crime ter sido praticado preterintencionalmente, isto é, o executor causou um resultado mais grave por sua culpa. Aqui não cabe falar em cooperação dolosamente distinta, conforme abordado no tópico anterior. Outra situação é a que ora se discute, consistente no fato de o resultado mais grave ter sido, efetivamente, provocado pelo dolo do executor, restando ao partícipe, caso lhe fosse previsível esse resultado, o crime preterdoloso, contudo, afastado em razão da cooperação dolosamente distinta.

O que não é válido, em hipótese alguma, é reconhecer a existência de cooperação dolosamente distinta entre os agentes e, ao mesmo tempo, punir o partícipe dissidente pelo crime mais grave, sob o fundamento de que a infração é preterdolosa. Enfim, se o resultado mais grave foi causado por conduta dolosa de outrem, não é lícito comunicá-lo a título de culpa à quem desejou participar de infração menos grave, com base no argumento de que esta espécie de crime admite punição por culpa pelo resultado mais grave. Para exemplificar o equívoco que muitas vezes é cometido, basta citar o seguinte trecho de um voto extraído de um acórdão proferido no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

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“Com efeito, embora admitindo como verdadeira a versão apresentada pelo apelante em seu interrogatório, de que apenas conduziu a vítima até o local combinado com o co-réu, direcionando sua ação à lesão patrimonial, tão somente, nesta satisfazendo o conteúdo do injusto subjetivo de sua conduta, o certo é que o delito de latrocínio admite a causação do resultado-morte a título de preterdolo (...)”.25

Citamos ainda outra decisão do Egrégio TJMG, que consagra o idêntico posicionamento:

“Ementa: Apelação criminal – Latrocínio – Concurso de pessoas – Cooperação dolosamente distinta – Participação de menor importância – Aplicação da atenuante da menoridade. Admitindo o delito de latrocínio a modalidade preterdolosa, é norma especial que prevalece sobre a norma prevista no § 2.º do art. 29 do Codex, também de caráter preterdoloso, desde que se possa reconhecer a previsibilidade do evento mais grave, ou seja, que a morte da vítima esteja na linha do desdobramento natural da ação criminosa inicial. No concurso de pessoas durante o roubo em que resulta morte da vítima, respondem por latrocínio todos os concorrentes, excetuando-se aqueles em cuja conduta não se possa vislumbrar a previsibilidade do evento mais grave. É autor ou co-autor aquele que, apesar de não realizar integralmente a conduta típica, tem contribuição relevante para a ocorrência do crime, nos moldes da denominada teoria do domínio funcional do fato, sendo incabível o reconhecimento da participação de menor importância” (TJMG, 1.0702.05.241465-4/001(1), rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, publ. 19.05.2007).26

Não é verdade que o art. 19 do CP seja norma especial em relação à norma do art. 29, § 2.º, do Codex, como sustentam os ilustres magistrados nas decisões expostas. A regra geral é a da agravação pelo resultado causado culposamente pelo agente (art. 19) e não a que determina o aumento de pena quando o resultado é previsível ao partícipe dissidente. Basta analisar o potencial de regulação de comportamentos (grau de generalidade e abstração) de cada uma dessas normas: a primeira abrangerá, indubitavelmente, uma extensa gama de situações concretas, enquanto a segunda, por sua natureza, aplica-se somente a casos muito específicos de desvios dolosos. Na essência, o próprio art. 29, § 2.º já representa uma exceção à regra geral do concurso de pessoas, como demonstrado anteriormente.

Pelo princípio segundo o qual “lex specialis derogat generali”, a antinomia que se procura solucionar é do tipo total-parcial. Norberto Bobbio foi um dos ícones que defendeu a utilização desse critério como forma de obtenção da coerência do ordenamento jurídico:

“Isso significa que quando se aplica o critério da lex specialis não acontece a eliminação total de uma das duas normas incompatíveis mas somente daquela parte da lei geral que é incompatível com a lei especial. Por efeito da lei especial, a lei geral cai parcialmente”.27

25 TJMG – Apelação Criminal 1.0480.04.064220-3/001. “Ementa: Penal – Crime contra o patrimônio – Latrocínio – Desclassificação – Roubo majorado pelo concurso de pessoas – Participação em crime menos grave – Reconhecimento – Necessidade – Nova dosimetria da reprimenda. Para configuração do delito de latrocínio, faz-se necessária a conjugação do animus necandi com o animus furandi. No caso de concurso de pessoas, imprescindível também um desdobramento psicológico da conduta de um agente na do outro, de forma que o domínio do fato pertença aos vários intervenientes. Ausentes esses elementos, bem como a previsibilidade do resultado morte, não há que se falar em latrocínio, avaliando-se qual a conduta que o agente efetivamente acreditava participar. V.v Des. rel. Hélcio Valentim: Penal – Latrocínio – Cooperação dolosamente distinta – Inocorrência – Execução da vítima pelo co-autor – Irrelevância – Resultado morte que se atribui a título de preterdolo – Previsibilidade do resultado mais gravoso em assalto praticado por pessoa violenta, contra idoso e em local ermo – Recurso improvido” DJE 11.08.2006.

26 No mesmo sentido STF: 2.ª T., 1988, RT 633/380. TJRS (Ap 70004706230, rel. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiakm 08.11.2002) apud NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 291-292.

27 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. trad. Maria Celes C. J. Santos. Brasília: UnB, 1999. p. 96-97.

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Assim, a norma contida no art. 19 do CP aplica-se a todos os casos não regidos pela regra do art. 29, § 2.º, segunda parte, do CP brasileiro, por ser esta lei especial em face da primeira.

Conforme visto no capítulo antecedente, pelo resultado mais grave causado culposamente pelo executor, somente responderá o mandante se este foi produto também de sua culpa, nos termos do art. 19 do CP. Não há incompatibilidade na solução proposta para os crimes preterdolosos (inaplicabilidade da regra da cooperação dolosamente distinta) e na crítica que ora se faz aos julgados, porque nestes o resultado mais grave é doloso. Se este é doloso, é possível haver cooperação dolosamente distinta, aplicando-se normalmente a regra do art. 29, § 2.º, para os que assim a reconheçam no caso concreto, muito embora o crime possa ter sido preterdoloso para o partícipe dissidente. Os notáveis Damásio, Beatriz e Bitencourt reconhecem a especialidade da norma do art. 29, § 2.º, do CP em face da regra do art. 19, além de afirmarem sua menor prejudicialidade ao acusado, embora não concordem com sua incidência (ressaltado no tópico anterior).

4. Conclusões

A tarefa de finalizar um trabalho dogmático como este é de relevância capital, porque sintetiza os argumentos e raciocínios jurídicos complexos suscitados ao longo do texto, extraindo dele as conclusões à que se chegou com a pesquisa.

No primeiro tópico demonstrou-se que o Direito brasileiro adotou a teoria unitária para regulação do fenômeno do concurso de pessoas. Isso implica a consagração de determinados requisitos para a configuração do concursus delinquentium, que foram expostos no capítulo seguinte.

Posteriormente, explicitou-se, no terceiro tópico, que a cooperação dolosamente distinta constitui uma exceção à teoria monista, justamente porque sua existência pressupõe a divergência do elemento subjetivo dolo entre os concorrentes da infração penal e, ademais, em razão da desigualdade das infrações que se pretende praticar (inexiste também, pois, unidade de infração). Na cooperação dolosamente distinta, a intenção, a finalidade de um dos agentes é diferente dos demais participantes do delito: um deseja (quer, na expressão da lei), cometer crime de menor gravidade do que vem a ser efetivamente consumado.

Assim, se deve haver desvio doloso ou substituição do dolo para que se possa falar em cooperação dolosamente distinta, não se pode compatibilizá-la com os crimes preterdolosos. Isso se deve ao fato de que, nessa espécie de delito, o resultado não advém do dolo de quem o causou, mas sim de sua culpa. Se o executor age com culpa no resultado agravador, não se pode dizer que seu dolo é diferente do consorte: sua vontade é a mesma do partícipe, isto é, de realizar um fato típico de menor gravidade, descabendo falar em cooperação dolosamente diversa. Dessa forma são solucionadas muitas das falsas injustiças e dos problemas apontados pela doutrina nacional no tratamento da questão (foram expostas as opiniões de Damásio, Bitencourt e Beatriz Vargas). Em um delito de lesão corporal seguida de morte, por exemplo, que possui natureza preterdolosa (utilizado como exemplo por esses três célebres doutrinadores), tanto executor quanto mandante responderão pelo resultado que agrava especialmente a pena, se este for previsível a ambos, não sendo caso de incidência da cooperação dolosamente distinta. Entre eles inexiste divergência no elemento volitivo, o conteúdo teleológico da ação de ambos é idêntico. Acontece que o primeiro, sem desejar, acaba causando morte do ofendido, o que não é suficiente para beneficiar o partícipe a ponto de não ser

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penalizado pelo crime se pudesse prever o resultado.

Concluiu-se com este raciocínio que a regra do art. 29, § 2.º, do CP, é inaplicável aos crimes preterdolosos em que o resultado mais grave é causado culposamente pelo executor do delito.

Por fim, ainda no terceiro capítulo, trabalhou-se com algumas decisões judiciais para apontar os equívocos de interpretação de alguns magistrados ao enfrentarem o tema da cooperação dolosamente distinta no delito de latrocínio.

Exemplificou-se que em certos crimes que admitem o preterdolo, mas cujo resultado mais grave foi produto do dolo de um dos concorrentes (como dito, o exemplo do latrocínio), poderíamos estar diante de uma situação de cooperação dolosamente distinta. Não há incoerência com a conclusão anterior. Naquela, o evento mais grave deriva de culpa do executor e o crime é, ontologicamente, preterdoloso (exemplificou-se com o delito de lesão corporal seguida de morte). No segundo, o resultado mais grave (a morte, no exemplo mencionado do latrocínio) é fruto da intenção deliberada de um dos agentes, enquanto o outro apenas desejava praticar roubo. Nessa última hipótese, o fato de o delito ter sido praticado por obra do dolo do executor não retira a possibilidade de se falar em cooperação dolosamente distinta. Entretanto, aqui estar-se-ia diante de uma aparente antinomia: aplicar-se-ia a regra do art. 29, § 2.º, segunda parte (imputando-lhe pena de roubo majorado), ou a regra do art. 19 do CP, impingindo-lhe a sanção do latrocínio (art. 157, 3.º, in fine)? Viu-se a relevância dessa discussão a partir das consequências absolutamente diversas que se geram para o partícipe dissidente.

Entendeu-se que, por um critério de especialidade e do maior favorecimento ao acusado, a regra do art. 29, § 2.º, segunda parte prevalece sobre o art. 19 do CP. Portanto, é a norma jurídica que deve ser aplicada nessas situações. Concluiu-se, pois, que o art. 19 subsiste em todos os casos não regulados pelo art. 29, § 2.º, do CP. Nesses casos, quando a cooperação dolosamente distinta estiver presente, aumenta-se a pena pelo resultado mais grave previsível até metade, sendo impossível qualificar-se delito preterdoloso a conduta do partícipe.

Com isso, chega-se ao desfecho do longo raciocínio desenvolvido neste texto, na esperança de que esta pesquisa possa colaborar com o esclarecimento e a discussão do assunto, tão pouco analisado nos dias atuais.

A regra da cooperação dolosamente distinta contém um mandado de elevado potencial de justiça, ao determinar que cada agente responda criminalmente na medida de sua culpabilidade, razão pela qual seu estudo aprofundado e os cuidados na sua aplicação jamais podem ser negligenciados.

5. Referências bibliográficas

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