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SÉRIE ANTROPOLOGIA 400 O ÉDIPO BRASILEIRO: A DUPLA NEGAÇÃO DE GÊNERO E RAÇA Rita Laura Segato Brasília 2006

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Rita Segato discorre sobre a construção do negro no Brasil

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  • SRIE ANTROPOLOGIA

    400

    O DIPO BRASILEIRO: A DUPLA NEGAO DE GNERO E RAA

    Rita Laura Segato

    Braslia 2006

  • O DIPO BRASILEIRO: A DUPLA NEGAO DE GNERO E RAA1

    Rita Laura Segato

    A Marcosid Valdivia, ama negra que amamentou minha me em Uriburu, La Pampa, Argentina, em 1913.

    1. PATERNIDADES NA ETNOGRAFIA CLSSICA Um dos captulos mais profcuos da antropologia o que Bronislaw Malinowski

    fundou nos anos 20 com sua anlise das duas formas de paternidade existentes entre os habitantes das Ilhas Trobriand (mais conhecidas como Kiriwina), no arquiplago melansio do Pacfico Ocidental. Na sociedade de avunculado, matrilineal e patrilocal, dos trobriandeses, separam-se com extrema nitidez as posies do kadagu, o irmo da me - de quem a criana ir herdar a terra, o nome, o pertencimento a uma aldeia e as regras do seu clan -, do tama, o cnjuge da me - colega de jogos, figura amorosa, objeto do apego filial na vida cotidiana. Enquanto o kadagu encarna a autoridade patriarcal, o tama prodiga o afeto paterno:

    Em todas as discusses sobre relacionamentos, um pai era descrito pontualmente para mim pelos nativos como Tomakava, um estranho, ou, mais corretamente, algum de fora. Esta expresso tambm freqentemente usada em conversaes quando os nativos tocam o tema da herana, o tratam de justificar alguma linha de comportamento, o quando, numa briga, tentam diminuir a posio do pai [tama] . Uso a palavra pai para indicar a relao encontrada na sociedade dos habitantes das ilhas Trobriand, mas deve resultar claro para o leitor que esse termo no deve ser entendido nas vrias implicaes legais, morais, e biolgicas que tm para ns [...]. Seria melhor, para evitar um erro de compreenso, no ter usado a palavra pai, mas o termo nativo tama, e ter falado de uma relao de tama em lugar de paternidade. (Malinowski 1966 [1927]: 14-15. Minha traduo). Nas Trobriands, devido preeminncia do princpio genealgico matrilineal, a

    linhagem corre atravs da linha materna e, portanto, a patria potestas se encarna no tio materno, enquanto a habitao definida pelo princpio da patrilocalidade, fazendo com que a criana e a me morem na aldeia do pai. a partir da descoberta de sistemas de parentesco como este, nos quais a figura do pai se desdobra, que a Antropologia passa a incorporar e a discutir a diferena, j existente no Direito Romano, entre o pater e o genitor, que, por sua vez, deve ser advertidamente desagregada em trs diferentes tipos 1 Agradeo em especial a Carlos Henrique Siqueira, Claudia Maia, Jocelina Laura de Carvalho, Emilio Garca Mendes, Ernesto Ignacio de Carvalho, Maria Elizabeth Carneiro, Ondina Pena Pereira, Tnia Mara Campos de Almeida, Tiago Amaral e a todas aquelas pessoas que, desde que comecei a ruminar este texto em 1988, me contaram histrias de babs ou me ajudaram a compor o texto. Universidade de Braslia

  • de paternidade: a do pater ou pai jurdico; a do cnjuge da me; e a do genitor, pai biolgico, cuja coincidncia com o cnjuge da me no de fato necessria (Barnes 1964).

    Belas e extensas so as pginas da antropologia que se debruam na discusso de dois temas derivados daquela descoberta inicial. Estes temas so: a universalidade do dipo e a afirmao da ignorncia da paternidade fisiolgica, quer dizer, da participao do homem na concepo, insistentemente reiterada pelos nativos a Malinowski durante seu extenso trabalho de campo. A teoria dos trobriandeses sobre a reproduo humana, pelo menos na poca da pesquisa de Malinowski, postula que o esprito de um ancestral retorna e se encarna dentro do tero da mulher e a engravida; o smen do parceiro sexual no considerado.

    O prprio Malinowski, a partir de suas descobertas, introduziu a pergunta sobre a universalidade da forma de manifestao do complexo de dipo e afirmou, no que acredito ter sido uma antecipao do hoje aceito desacoplamento entre a estrutura edpica e suas manifestaes concretas, que na sociedade trobriandesa a triangulao passava por outras figuras do universo familiar -- sujeito - irm - irmo do me. O psicanalista Ernest Jones entendeu que se tratava de uma negao do preceito freudiano e instalou-se assim o que veio a ser conhecido como o debate Malinowski - Jones (Malinowski 1973; Jones 1925; 1953).

    A polmica estendeu-se at depois da morte do prprio Malinowski, agora conduzida pelo antroplogo Melford Spiro, que discutiu a leitura malinowskiana da manifestao do complexo de dipo nas Trobriands e debateu com Edmund Leach o que este ltimo veio a chamar de crena no nascimento virgem, quer dizer, a concepo sem interveno do cnjuge da me. Segundo Spiro, a tenso edpica no poderia existir com relao ao tio paterno porque este no tem acesso sexual me, e o dipo diz respeito mais ao monoplio sexual sobre a figura materna que tenso com a autoridade. O fato de que o pai-tama no exerce autoridade sobre o filho e, ao contrrio, seu parceiro afetuoso de brincadeiras, torna, para Spiro, o complexo de dipo do Trobriands muito mais severo e dramtico que o do ocidental, j que aquele v se completamente impedido de inscrever, deixar rastro, de seu antagonismo com o pai-camarada, j que este no exerce autoridade sobre ele. Isso estaria demonstrado pela ausncia absoluta de duplos do pai em sonhos e mitos, o que provaria a imensa dificuldade de simbolizao do antagonismo. O recalque, assim, se manifesta extremo, e todas as vias de processamento da ambivalncia edpica se encontram bloqueadas (Spiro 1982).

    A discusso posterior entre Edmund Leach e Melford Spiro a respeito da efetiva ignorncia sobre o papel do pai biolgico no processo reprodutivo por parte dos trobriandeses se encontra ainda vinculada a este debate iniciado por Malinowski. O primeiro desses autores iniciou o debate ao rebater a interpretao literal do achado malinowskiano sobre a declarada ignorncia da paternidade biolgica dos trobriandeses, que seria, no entanto, um enunciado sobre a organizao social. Em outras palavras, o no-saber expresso sobre o campo da reproduo biolgica seria, de fato, um saber metaforicamente declarado sobre o campo da reproduo social e sobre a linhagem. o social que assume o lugar do referente desta fala nativa, e no o biolgico como poderia parecer (Leach 1966;1968).

    Se bem, inicialmente, Spiro entra em cena para aceitar como possvel a afirmao malinowskiana da ignorncia da paternidade biolgica no sentido de mera falta de conhecimento cientfico por parte dos nativos (Spiro 1968), mais tarde se decide por outro caminho, argumentando, em consonncia com sua interpretao do dipo nas Trobriands, no sentido de ignorncia como recalque: Ignorncia, contudo, pode

  • resultar no somente de uma ausncia de conhecimento a respeito de algum fato ou evento, mas tambm de seu banimento da percepo consciente; para usar um termo tcnico: pode resultar de uma negao[...] este significado de ignorncia sugeriria que, apesar de que os trobriandeses esto cientes do papel reprodutivo do pai, eles reprimem este conhecimento porque ameaador ou doloroso (Spiro 1982: 61). Portanto, enquanto Leach l a citada ignorncia como um enunciado sobre a sociedade, Spiro o l como um enunciado sobre a psique.

    2. AS MATERNIDADES BRASILEIRAS NO REGISTRO HISTRICO E ESTATSTICO

    Trouxe aqui uma muito sucinta notcia dessa sofisticada e extensa polmica para colocar em relevo uma lacuna importante na reflexo da antropologia brasileira sobre estrutura semelhante2, onipresente entre ns, embora do lado da me: o desdobramento da maternidade a me biolgica e jurdica, geralmente fundidas numa s, e a me que de fato toma conta; a me e a bab3.

    As prticas de longa durao histrica que Suely Gomes Costa chama maternidade transferida, presentes na vida social desde os primrdios coloniais (Gomes Costa 2002: 305) incluram, durante a Colnia e at a segunda metade do sculo XIX, os servios das amas-de-leite, que, a partir de ento, foram restringindo-se lentamente aos de amas-secas ou babs.

    [...] cabia s escravas negras o servio de ama-de-leite, criando-se assim a figura da me preta, to presente na literatura brasileira [...]. A utilizao de amas-de-leite, que originalmente era uma prtica das famlias abastadas, passa a ser uma demanda tambm da classe mdia urbana a partir do sculo XIX, o que pode ser atestado pela quantidade importante de anncios na imprensa oferecendo ou procurando o servio de amas-de-leite de aluguel, e tambm pela presena constante dessa questo no discurso mdico da poca (Sandre-Pereira: 473-474) Este deslizamento de ama de leite para a ama seca como me substituta foi

    conseqncia das presses higienistas exercidas sobre a sociedade nos consultrios mdicos e atravs da imprensa escrita da poca: Porque ela criou o recm nascido desde os primeiros precrios momentos, a pessoa da ama-de-leite tornou-se a mais terrvel e alarmante transmissora de doenas. (Lauderdale Graham: 118. Minha traduo). Contudo, fica evidente nos documentos da poca que as famlias usurias do servio no conseguiram curvar-se aos apelos da modernidade mdica e prescindir dos mesmos, e os apelos passaram ento a propor solues de compromisso entre a permanncia das criadeiras e os cuidados com sua origem e sade, especialmente no meio urbano. Portanto, To tarde como 1893, apesar do conselho aos senhores de que deveriam escolher as amas de leite entre mulheres cujas origens e vida fossem bem conhecidos, criadas pela famlia, por exemplo, as condies urbanas no permitiam 2 Um dos poucos textos que conheo sobre o assunto o de Luiz Tarlei de Arao, que desenvolve uma anlise com objetivos pouco coincidentes com os meus aqui (1990). 3 Na literatura antropolgica h exemplos de anlises do psiquismo em sociedades onde, como na Brasileira, a funo materna se distribui entre uma multiplicidade de mes, como o estudo de Kurtz (1992)

  • este detalhado escrutnio e a maioria recorria a mulheres contratadas, sejam elas escravas ou no (Ibidem)4.

    A esse perodo pertencem precisamente aqueles abolicionistas movidos pelas ms razes. Refiro-me, por exemplo, a personagens como o escritor Joaquim Manuel de Macedo, autor do Romance As Vtimas-Algozes, defensores do fim da escravido no por razes humanitrias e sim para preservar os brancos da contaminao e da corrupo moral que a presena de negros na intimidade da casa senhorial estaria a introduzir (Macedo 1969). So de uma virulncia que chama a ateno as diatribes da poca na imprensa escrita contra as humildes provedoras de maternidade que doavam seu afeto e cuidado s crianas das famlias brancas e branqueadas. Diatribes estas, impregnadas de intenso dio, escritas seguramente por homens que, na infncia, foram embalados junto a seios como os delas. A estas expresses de dio opem-se as de apreo dirigidas ao seio materno branco e limpo, o seio recomendado, agora, da me - senhora. Dessa poca data a conhecida frase que rodou nosso continente em boca dos higienistas: me tem uma s.

    Contudo, no se logra, evidentemente, nem que o estado providencie uma soluo pblica para o cuidado das crianas pretas ou brancas -, na forma de creches (Civiletti 1991), nem que as famlias - nem sempre ricas - que vo conseguindo aceder aos meios - nem muito abundantes - para alquilar o servio das babs abram mo deste privilgio. Consegue-se, sim, que de amas-de-leite estas se transformem em amas secas.

    Poucos textos acadmicos tocam no assunto da ambivalncia com relao s criadeiras do ltimo perodo colonial e escravocrata ou sua frontal condenao por parte das vozes autorizadas da sociedade (Magalhes e Giacomini 1983; Civiletti 1991). A prtica da maternidade transferida e o tipo de relaes nela certamente originadas, tanto a partir da perspectiva daqueles favorecidos pelo servio como daquelas que o prestaram ao longo de quinhentos anos de histria ininterrupta tm rastro nas Letras, mas se encontra ausente das anlises e das reflexes. A baixssima ateno a ela dispensada na literatura especializada produzida no Brasil destoa com a enorme abrangncia e profundidade histrica desta prtica e o seu foroso impacto na psique nacional.

    Essa mesma ausncia de inscrio no texto acadmico tambm dado e assunto para o que aqui pretendo tratar. No enquanto tortuoso uso e abuso do corpo submetido para extrair com frceps literrios a concluso de que se trata de relao - em - fim, na saga Gilberto Freyriana marcada por um costumbrismo hoje j enquadrado pela lei (CEDAW artigo 5, a). Mas sim como uma foracluso idiossincrtica do nome - da - me, na linha em que Judith Butler amplia o conceito lacaniano de foracluso, como argumentarei mais embaixo (Butler 1997). De outra forma esta foracluso - do - nome da me poderia ser descrita de forma mais ortodoxa e concordante com a interpretao lacaniana de psicose como foracluso (psictica) do nome do pai, em este caso numa falncia especfica da metfora paterna: sua incumbncia de nomear e gramaticalizar a me.

    , contudo, nas estatsticas, que podemos rastrear a persistncia contempornea da instituio da me-preta, j na sua funo de me-seca e polivalente criadeira dos filhos da classe meia. Com efeito, embora o censo brasileiro de 2000 revele uma crescente

    4 Esta face do processo de modernizao tem correlatos nos outros pases de Amrica Latina. Ver, por exemplo, o excelente estudo da perseguio higienista das amas-de-leite no Peru em Claudia Rosas ( ) e Margarita Zegarra ( )

  • presena das mulheres na populao economicamente ativa (PEA), esta presena concentra-se nas atividades domsticas. O encarecimento progressivo do trabalho domstico leva expressiva substituio de mulheres por meninas como forma de manter a sub-remunerao desse tipo de emprego, o que indicaria a prevalncia de continuidades histricas nesse tipo de trabalho: a evitao da alocao de investimentos no setor social graas permanncia do trabalho invisvel e barato das mulheres. (Gomes Costa 2002: 307). Essa continuidade histrica parece-me estar dada pela transposio do trabalho no pago da escrava para o trabalho no pago da menina como me substituta, no lusco fusco de uma economia reprodutiva prpria do espao domstico.

    Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas de maro de 2006, os trabalhadores domsticos representavam, nesse perodo, 8,1% da populao ocupada nas seis regies metropolitanas investigadas pela pesquisa. Diz o informe: Por razes histrico-culturais, este contingente de trabalhadores caracteriza-se pela predominncia de mulheres (94,3%) e de pretos e pardos (61,8%). (IBGE 2006: 3). Encontra-se, entre essas 94,3% de mulheres, em sua maioria preta e parda, o contingente de herdeiras das antigas amas-de-leite, hoje transformadas em babs. 5 E ocultam-se, nestes nmeros, a imensa massa de servidoras domsticas sem registro trabalhista.

    3. O ESPELHO MITOLGICO DAS DUAS MES BRASILEIRAS Em contraste com a relativa ausncia de inscrio da dupla maternidade na hermenutica acadmica, ela encontra um registro sensvel na religio afro-brasileira, o que no deixa de ser uma outra hermenutica processada com recursos de simbolizao diferentes, como so os recursos do vocabulrio mitolgico. Meu primeiro encontro com essa meno crptica do assunto foi nos bares de Recife, escutando freqentadores e filhos de santo de terreiros da cidade discutir apaixonadamente em torno de um tema cuja importncia eu no conseguia perceber. Achava at engraado tamanho investimento de energia, noite adentro, em discutir a importncia relativa das guas salgadas a gua de mar e das guas doces rios, cachoeiras e lagoas. Somente mais tarde vim a compreender que ali se falavam as duas mes: Oxum e Iemanj, seus dois papeis, seus dois direitos.

    Provavelmente deve-se ao interesse em debater a relevncia relativa de cada uma de estas mes que um dos poucos fragmentos do mito de origem Yoruba que permaneceu na memria dos membros do culto muito ortodoxo e conservador do Xang de Recife 6 precisamente o da separao das guas:

    Nenhum mito de criao invocado, exceto alguns fragmentos sobre a "separao das guas", que me foram mencionados por umas pessoas com o propsito de argumentar contra o suposto status mais alto de Iemanj (gua salgada) em relao a Oxum (gua doce). Por terem as guas doces aparecido primeiro no princpio do mundo, Oxum -nesta verso- declarada mais velha

    5 Ver tambm, para indicadores de trabalho domstico, Segato e Ordez 2006. 6 Me refiro a permanecer, em seqncia histrica, e no a mitos recuperados em tempos mais recentes, por meio de pesquisa formal ou informal.

  • que Iemanj e, portanto, de uma "patente" maior, apesar de a primeira ser comumente considerada como sua me. (Segato 2005a: 570) Na descrio mitolgica do panteo de divindades, Yemanja o que os membros

    do culto chamam de a me legtima dos orixs, fazendo aqui coincidir o aspecto de me biolgica, que deu a luz os deuses filhos que formam o panteo, com a me jurdica. Com efeito, diferentemente do caso antes referido da paternidade trobriandesa, superpem-se aqui a genetrix e a mater juridica, e o nome comum de me legtima aplicado ao papel coincidente das duas funes. Ainda uma segunda embora, em realidade terceira, por ser as outras duas, nesta perspectiva, uma s forma de maternidade existe no contexto do culto, cujos membros claramente separam esta maternidade legtima daquela exercida pelo que chamam a me de criao, representada por Oxum. A mido, neste ambiente, como j disse, a conversao ordinria toca o assunto da diferena entre criar filhos e pari-los.

    Alm da prtica muitssimo comum de dar e receber filhos para criar entre o povo do culto, onde a circulao de crianas e a prtica de criao de filhos no prprios regra (Segato 2005b), esta oposio evoca a diferena histrica e sociolgica entre a me branca da Casa Grande, e a bab negra, criadeira dos filhos brancos e legtimos. Embora respeitada e opulentamente cultuada, Yemanj no angaria muita simpatia por parte dos fieis quando estes se manifestam na intimidade das rodas do culto.

    Yemanj (Segato 2005d) descrita como uma me fria, hierrquica, distante e indiferente. Sua maternidade convencional. Embora meiga em aparncia, as pessoas dizem que sua meiguice mais conseqncia do seu autocontrole e boas maneiras que a um corao compassivo e terno - em oposio o carinho verdadeiro de Oxum, a me de criao.

    Como divindade associada ao mar, diz-se que ela compartilha as qualidades deste. Ela traioeira e falsa, como o mar. Achamos, aqui, evocada, a traio histrica do Atlntico ao trazer os escravos para o Novo Mundo e interpor definitivamente sua distncia com a frica. H, nesse sentido, uma ambivalncia com relao ao mar, que separou no passado, mas liga no presente as costas dos dois continentes.

    O elemento da falsidade atribudo explicitamente duplicidade entre a imprevisvel superfcie do mar, que esconde, embaixo, a prxima pancada das ondas: Voc v a superfcie, mas no v o fundo, como as pessoas costumam dizer. No orculo de bzios, Yemanj fala em duas posies chamadas obedi e ossatunuk. A primeira significa traio, e a segunda: vemos a superfcie mais no vemos o fundo - falsidade.

    Esta caracterstica da imprevisibilidade do carter de Yemanj se encontra espelhada tambm, como tentei demonstrar em outro lugar (Segato 1999), na cano icnica desta divindade, Okaril, onde a alternncia e a duplicidade entre quatro compasses binrios e trs ternrios no beat da toada, entre outras caractersticas, introduzem sobressaltos cclicos no ritmo que podem ser visualizados na dana do orix em possesso.

    No mito da coroao do rei dos orixs do Panten, Yemanj - e no o pai, Orixal quem deposita a coroa na cabea de um dos seus filhos. E o mito diz que, quando finalmente o dia da coroao chegou, tudo estava preparado para coroar o primognito e mas responsvel e industrioso dos filhos, Ogum. No entanto, Xang, o mais novo, e o preferido da me descrito como malcriado, sedutor e cobioso - preparou uma poo sonfera e a ofereceu a Ogum no cafezinho. Uma vez que Xang ps Ogum para dormir, vestiu-se com um pele de ovelha para se passar por seu peludo irmo mais

  • velho a pele coberta de cabelo indica o carter primognito, primitivo, de Ogum e, assim, aceder ao trono. Na semi-obscurido que o protocolo exige, a coroao comeou. O motivo do mito que o povo do santo destaca, aqui, invariavelmente, que a me percebeu, imediatamente antes de depositar a coroa, que o filho que se encontrava no trono no era Ogum e sim Xang. E so enfticos ao dizer que porque Yemanj evita a anarquia a qualquer custo, ela prosseguiu com a cerimnia da coroao e investiu como rei o filho errado.

    Na leitura do povo, Yemanj permitiu que Xang usurpasse a coroa de Oxum por meio de um truque - como ele sempre faz - porque colocou a ordem antes da verdade e a justia: ela no quer nada que possa perturbar a ordem na sociedade. Por isso, embora ela soubesse, ela coro o filho errado. Vemos aqui descrita a fundao do reino da injustia e do favoritismo, o reino desigual de Yemanj. Essa regra se encontra na base da histria e na base do estado. Neste mito, Yemanj representa a ordem do Estado, que deve ser preservada a qualquer custo independentemente de que ela sustente ou no princpios de justia. E a aceitao da coroao injusta representa nada mais do que o mero reconhecimento do meio em que os escravos e seus descendentes tiveram que viver. A me legtima, a mater e genetrix, em oposio me criadeira, epitomiza as mazelas desse meio falso, traioeiro e, por encima de tudo, injusto.

    Na duplicao entre Ogum e Xang h, ainda, ecos da duplicao Yemanj Oxum. Contudo, a simpatia popular no se deposita aqui no orix trabalhador e disciplinado, o legtimo primognito, mas se deposita no filho astuto, que ganha suas demandas mediante truques, o rei ilegtimo que usurpou a coroa com um golpe de astcia. com este filho que o povo se identifica: ele nos fala da nica forma de sobreviver num estado onde a lei no sustenta a justia seno a ordem. Aqui, o mito indica complexidades quase insondveis da psique nacional na perspectiva de um povo que foi incorporado fora na nao por meio da trata de escravos, para logo ser mantido na marginalidade econmica e poltica devido ausncia absoluta de polticas pblicas capazes de reparar seu modo de incluso no seio da nao. pelo lado da ilegitimidade que este povo se decide ao falar dos seus mitos. E celebra a situao sem sada que obrigou me legtima a optar, afinal, por medo da anarquia, pelo rei ilegtimo, irreverente, que subverteu a ordem de acesso coroa. Resta saber se este novo rei transformar a ordem que acaba de ingressar ou ser transformado pela proteo de Yemanj e as condies de incluso por ela impostas Yemanj protege o filho errado embaixo da sua saia, diz o povo.

    Fica assim exposto o discurso poltico do mito. Seu crptico enunciado aponta para a mentira que se encontra na prpria fundao do establishment e de suas leis. Embora se perceba um estranhamento tico latente, a inteno do comentrio mtico no formular um estatuto moral alternativo, mas produzir uma sociologia, uma hermenutica prpria do meio social. Esta sociologia pragmtica como a chamei em outro lugar (Segato 1995), constitui um manual de sobrevivncia baixo num regime alheio e arbitrrio.

    Em sntese, neste cdice 7 religioso, a figura da me legtima faz referncia a pelo menos trs temas nucleares para a tradio, em geral carregados de ambivalncia: a

    7 Tenho chamado cdice religioso afro-brasileiro (Segato 1998) ao conjunto de motivos e temas que se repetem encarnados na interao das divindades do panteo, e que podem ser tambm encontrados nos padres de interao social, nas prticas rituais, e na conversao informal entre os membros. De forma semelhante aos cdices mexicanos e apesar de que estes so registros pictricos enquanto a tradio a que me refiro predominante oral, o resultado de codificao resulta da redundncia e consistncia de um grupo de motivos. Trata-se de um cdice filosfico, no qual alguns princpios da viso de mundo so repetidos insistentemente, de maneira que resulta possvel identificar os padres bsicos e as idias

  • separao dos vnculos de parentesco dos laos biolgicos (ver, extensamente, em Segato 2005b e 2005); o papel do mar na separao da frica originria; e a indiferena e a traio do estado (Segato 1995 e 2005a).

    A descrio das duas mes na codificao do mito e nos comentrios do povo sobre o mesmo discorda em muito do discurso dos higienistas brancos mencionado anteriormente. Estamos aqui frente bifurcao - to difcil de achar pela ao eficiente do discurso hegemnico da nao brasileira - do registro simblico de uma fala branca e uma fala negra nos documentos. Por razes das mais diversas, no seria fcil encontrar esta divergncia das falas em entrevistas e enqutes a cu aberto, do tipo sociolgico, que perguntassem sobre os atributos relativos das duas mes. A ao discursiva de um movimento cujo propsito foi e criar uma ideologia assim chamada universalista e culturalista da nao cordial e englobante, a cargo do brao ideologicamente armado da Antropologia e das Cincias Sociais a partir de autores como Gilberto Freyre e Srgio Buarque de Holanda, e a capacidade hegemnica do discurso assim manufaturado, bloqueiam com impressionante eficincia a inscrio de sujeitos posicionados diferentemente e que pretendam enunciar esse posicionamento diferenciado nas suas falas. Isto, sem ainda mencionar o trabalho da hegemonia do discurso burgus em todo o espectro das sociedades capitalistas, que unifica as aspiraes, fazendo neste caso que mes dos estratos sociais menos favorecidos (como achei entre as prprias mulheres do Candombl) aspirem, por sua vez, a contratar babs como um bem prezado no universo familiar. , portanto, nas vozes codificadas do discurso higienista e do mito que encontramos a marca inconfundvel e contrastante das duas posies a falar sobre o perfil e o valor de cada uma das mes.

    4. A FORACLUSO DA ME -PRETA PELO DISCURSO BRANCO

    Esta detalhada hermenutica da duplicao das mes que a metfora do mito providencia contrasta com a ausncia, na hermenutica branca, do tema de grande profundidade histrica da bab. O carter duplo do vnculo materno, me parece, mereceria uma instalao mais contundente nas anlises da psique e da sociedade brasileiras, j que no se trata de fenmeno trivial ou sem conseqncias. Porm, o racismo acadmico estabelecido no pas no o permite e o banimento implcito deste tipo de indagao o resultado.

    Como estrangeira, um momento marcante de meu encontro com o tema aconteceu quando, anos atrs e me de um filho pequeno, visitei o palcio real de Petrpolis em companhia de um grupo de colegas professores de Antropologia8. No priplo que realizvamos, conversando sobre temas relativos ao mundo social em torno de ns - hbitat e objeto -, tomou-me por surpresa e acabou separando-me do grupo o encontro visual que tive com um pequeno quadro que se encontrava num dos sales, solitrio, encima de um piano e sem qualquer identificao. O que me impressionou, a ponto de me sobressaltar, foi a atualidade da representao, j que vi nele uma cena de hoje, uma cena nossa, a nossa casa. Dois seres de cor de pele contrastante unidos por um abrao que delatava intensa seduo amorosa: o erotismo materno-infantil de que falavam as primeiras contribuies a uma compreenso feminista da maternidade9. Bab e nen, comuns que se encontram na base da mitologia, do ritual e da vida social. Chamei isto de cdice pela fixidez e estabilidade de seus caracteres e dos padres de sentido que veicula. 8 Otvio Velho, Luiz Eduardo Soares, Rubem Csar Fernandes e Jos Jorge de Carvalho. 9 Friday 1997 (1977)

  • ontem e hoje - disse para mim. A rsea mo do beb se apoiava confiante no pequeno seio da jovem e orgulhosa me negra, que parecia mostr-lo ao mundo (certamente, ao pintor) com o orgulho de toda me, ao tempo que oferecia ao bebe sua proteo envolvente e segura. Busquei em torno da pintura qualquer placa que pudesse levar-me na direo de um passado to atual. Mas no achei.

  • Somente uns sete anos mais tarde, em 1995, folhando livros antigos de histria brasileira na biblioteca latino-americana da Universidade de Florida, em Gainesville, viria a reencontrar-me com o surpreendente e ao mesmo tempo familiar quadro que vira aquele dia, e a obter uma identificao para o mesmo. Tratava-se, segundo li, de D. Pedro II, com ano e meio de idade, no colo de sua ama, retrato a leo de Debret (Calmon 1963: 1619). Em 1998, no livro As barbas do imperador - Dom Pedro II, um monarca nos trpicos, de Lilia Moritz Schwarcz, aparece uma reproduo do mesmo quadro, mas a legenda introduz uma dvida e diz somente que as figuras pintadas por Debret se atribuem a D. Pedro II e sua bab. Devido incerteza, seja do seu autor, seja das figuras representadas, o Museu Imperial o exibe hoje como Annimo. Mucama com criana ao colo. leo sobre tela, sem assinatura.

    Sendo que a imaginao dos que tiveram a obra ao seu cargo at recentemente a percebera como uma representao do prncipe D. Pedro de Alcntara, a tentao foi grande, ento, de recorrer a Ernst Kantorowics e sugerir que pressentimos, no leo, um velando o outro, Os Dois Corpos do Rei (1998), seu corpo privado e seu corpo pblico. Somente que, no quadro, o corpo privado se subdivide, por sua vez, em dois, um material e um transcendente, e, na verdade, o pblico e o privado aparecem aqui num estado de confuso extremamente fecunda para a imaginao da intrprete. O beb rseo e carnal agarrado em gesto fusional ao brao negro de quem completa seu mundo projeta, simultaneamente, a partir do pequeno leo, uma cena pblica, uma cena privada, e uma cena privadamente pblica.

    Vemos um beb qualquer, flagrado e incomodado na sua cena edpica cotidiana, qui fazendo lentamente o trnsito; o pintor: a Lei que o instalar no mundo no meramente como sujeito s, mas, neste caso particular, como sujeito transcendente; a bab: a me Iocasta, negra. O beb, sujeito interpelado e arrancado da sua completude, resiste-se a retirar a mo do seio da me. Ele me parece ser, simultaneamente: um beb; uma alegoria do Brasil que se apega a uma me-ptria jamais reconhecida, mas no por isso menos verdadeira - frica; e um espelhamento transcendental que outorga fora de realidade, quem sabe a rebelia, a todos aqueles bebs legtimos da nao no processo de um desprendimento foroso do colo morno, da pele sempre mais obscura, da intimidade da me - negra, fuso dos corpos, impossibilidade duradeira de dizer eu tu.

    Porm, ainda, algo mais: esse desprendimento que aqui vemos preanunciado, essa grande perda, um duplo desprendimento: nele se sacrificam ao mesmo tempo a me e a obscurido da sua pele a frica originria. E isso tem conseqncias idiossincrticas na emergncia de um sujeito que vai ter que operar uma dupla obliterao, cuja ferocidade ser nada mais e nada menos que proporcional ao apego que a estava.

    Desgarra-se a me no-branca e sonega-se a sua possibilidade de inscrio - embora codificada e crptica, como sempre ocorre no psiquismo -, ao contrabandear-se, no seu lugar, uma outra cena que bloqueia indefinidamente a possibilidade do seu resgate. Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro foi procura das amas naqueles historiadores - Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Emlia Viotti da Costa, entre outros - considerados clssicos e que so ainda hoje amplamente lidos, encontrando neles a utilizao da imagem da me preta, da ama-de-leite como elemento narrativo instrumental na composio da ideologia de suavizao da escravido no Brasil. Diz ela:

    Agora como figura, a ama negra invocada, como se incorporasse e explicitasse, nela, as experincias mltiplas talvez nem sempre to boas e ternas das escravas na atividade do cuidado maternal. Mulheres destitudas de expresso prpria ou poltica, desprovidas de seus corpos e destinos, que, tambm no discurso de vis marxista, reaparecem em imagem singular,

  • acentuando a feio amaciadora dos embates da vida de classe, raa e etnia [...]. Com cheiro de quitutes, a imagem negra de mulher me figura no palco minado pelos conflitos de classe e derrama afetividade no imaginrio, tornando mais leve e mais suave o peso e o jugo da escravido na memria social. (Ribeiro Carneiro 2001: 44-45).

    Se o contrato hoje retira da me-bab sua condio humana, a imagem da me

    preta terna e seu retrato de feio amaciadora so utilizados para minimizar a violncia da escravido. Estamos frente a um crime perfeito baudrillardiano: os aspectos exteriores da cena parecem preservar-se como uma casca ou epitlio, enquanto aspectos determinantes do seu contedo so removidos e substitudos sub-repticiamente por outros atravs de uma estratgia de verossimilitude (Beaudrillard 1996).

    A ignorncia dessa cena, o silencio que a suprime, a invisibilidade persistente do fundo trgico que a sustenta e sua diluio literria num painel de costumes afinal festivo10, contrastam, por exemplo, com a exaustiva inscrio dada pelos mexicanos, atravs das pocas, ao tema equivalente do malinchismo e a repulso da origem. permanente na historiografia mexicana, nas artes, na literatura, na crtica literria, na antropologia e no vernculo, a ateno dada tortuosa ambivalncia do povo mexicano a respeito do complexo resultante da me Malinche: a me ndia, concubina, ilegtima, de toda a nao mexicana, que fora escrava, primeiro dos astecas e mais tarde dos espanhis: a amante de Corts. Me dos hijos de la chingada, violada e frtil, la Malinche fue tradutora e traidora entre o espanhol e as vrias lnguas indgenas do Mxico pr-colombiano. Os mexicanos se percebem e se inscrevem na histria, apesar da ambivalncia e da insegurana que de isso resulta, como sendo filhos ilegtimos dessa unio e da cpula entre as duas linhagens to antagnicas ento quanto hoje (Messinger Cypess 1991). Inscrevem nas Letras esta origem como maldio fundacional: a maldio da Malinche. H, portanto, simbolizao sem mistificao e sem ocultao dos aspectos irreparveis e indesejveis deste bero da nao. O exerccio do poder e a submisso no so espectacularizados em cenas de gozo, e o elemento do estupro originrio continua a acenar desde o passado, odioso e indefensvel. A derrota e sofrimento dos vencidos no resultam festivamente escamoteados no ensaio e permanecem dramticos, ainda na verso dos escritores liberais. Correntes literrias, historiogrficas e antropolgicas da maior importncia na nao representam a coluso ancestral do pblico com o privado como uma histria em clave trgica e no como uma comedia italiana (Paz 1994; Bartra 1987, Fuentes 1992, entre outros).

    A supresso dessa cena no Brasil ou seu equivalente cancelamento pela via da duplicao romntica me lembram, em associao livre, uma outra cena onde se toca nesta chaga do que daqui no pode ver-se, mas sim de fora, deixando sugerido um paralelismo entre trs olhares estrangeiros convergentes, a comear por Debret. O relato de Nelson Rodrigues, que fala da visita que Sartre fez ao Brasil, em companhia da Simone de Beauvoir, em 1960. O Sartre que Nelson aqui retrata j se encontrava engajado na luta pela descolonizao de Arglia e logo prefaciaria Os condenados da Terra de Frantz Fanon (1961). Certamente os setores da lite carioca que o anfitrionaram e cujo encontro aqui descreve Nelson evocaram nele o Fanon anterior ao destelho da conscincia, aquele Fanon que, na Martinica, ainda se pensava francs:

    10 Refiro-me ao trabalho de elaborao e digesto do indigesto que Gilberto Freyre realizou para a nao.

  • Ah! Sartre! Nas suas conferncias a platia o lambia com a vista [...] Parecamos, ao ouvi-lo, uns trezentos cachorros velhos. [...] olhava para a gente, como se ns fossemos um horizontes de cretinos. [...] Uma noite, l foi ele, com a Simone de Beauvoir de namorada, ao apartamento de um colega. Era o mesmo desprezo. Olhava para os presentes como quem diz: - Que cretinos! Que imbecis! Em dado momento vem a dona da casa oferecer-lhe uma tigelinha de jabuticabas. O Sartre ps-se a com-las. Mas, coisa curiosa, ele as comia com certo tdio (no estava longe de ach-las tambm cretinas, tambm imbecis). At que, na vigsima jabuticaba, pra um momento e faz, com certa irritao, a pergunta: - E os negros? Onde esto os negros? O gnio no vira, nas suas conferncias, um msero crioulo. S louro, s olho azul e, na melhor das hipteses, moreno de praia. Eis Sartre posto diante do bvio. Repetia, depois de cuspir o caroo da jabuticaba: - Onde esto os negros?. Na janela, um brasileiro cochichou para outro brasileiro: - Esto por a assaltando algum chauffeur. Onde esto os negros? eis a pergunta que os brasileiros deviam se fazer uns aos outros, sem lhe achar a resposta. No h como responder ao francs. Em verdade, no sabemos onde esto os negros. [...] Desde garoto, porm, eu senti a solido negra. Eis aqui o que aprendi do Brasil: - aqui o branco no gosta do preto; e o preto tambm no gosta de preto. (Rodrigues 1993: 50-51)

    O onde esto os negros da exclamao sartriana, equivale-se minha pergunta

    estupefata: onde est a bab?. A busco, por exemplo, na excelente coletnea A Histria das Mulheres no Brasil, e no a encontro. Neste belo e importante livro, a palavra bab no aparece nem uma nica vez, apesar de fazer parte do lxico convencional da lngua portuguesa. A bab no est tratada nem para abordar aspectos da sua subjetividade nem da sua insero social. Muito menos se indaga sua presena a partir da perspectiva das crianas que viu crescer ou das mes legtimas que nela delegaram o exerccio de uma parcela importante da tarefa materna. No encontro nem rastro desse feixe de relaes. Como muito, acho a categoria amas-de-leite como parte de duas enumeraes de servios prestados por mulheres, uma na pgina 250: As escravas trabalharam principalmente na roa, mas tambm foram usadas por seus senhores como tecels, fiadeiras, rendeiras, carpinteiras, azeiteiras, amas-de-leite, pajens, cozinheiras, costureiras, engomadeiras, e mo-de-obra para todo e qualquer servio domstico (Knox Falci 2006); e outra na pgina 517: As estatsticas sobre o Rio grande do Sul em 1900 mostram que cerca de 42% da populao economicamente ativa era feminina [...]no faltam exemplos de trabalho feminino: lavadeira, engomadeira, ama-de-leite, cartomante (Fonseca 2006: 517). Sim encontro, nesta obra, o registro do grande tema da circulao de crianas e da importncia do parentesco no consangneo nas classes populares, que mencionei anteriormente tematizado pelo comentrio mitolgico do Xang do Recife e do qual tratei amplamente em outra parte (Segato 2005b): Para fazermos consideraes sobre a maternidade em grupos populares, temos portanto de levar em considerao tambm avs, criadeiras e mes de criao (Fonseca op. cit.: 535-539; e o tema tambm aparece em Pinto Venncio 2006: 202). Mas sempre sem qualquer anlise especfica e como parte de enumeraes.

    J no sculo XX, parece-me que a funo crucial da bab engolfada no ponto cego, num vazio intermedirio deixado pelo desdobramento das trs mulheres que entram, sim, no registro das autoras: a me privadamente pblica que Margareth Rago chama me cvica (Rago 2006: 592), a mulher fatal, e a mulher trabalhadora que

  • passa a formar parte das classes populares produtivas, das quais os negros e, em especial, as mulheres negras so excludos. O que se foraclui na bab , ao mesmo tempo, o trabalho de reproduo e a negritude. Trata-se de uma foracluso, de um desconhecimento simultneo do materno e do racial, do negro e da me.

    Um dos raros lugares onde encontro o reconhecimento desta presena e tambm a indicao do paradoxo e a aglutinao de sentidos que ela representa na descrio de um historiador de sensibilidade cultivada para o tema racial, que faz tempo mora e ensina fora do Brasil 11. Refiro-me a Luiz Felipe de Alencastro, ao comentar a fotografia, feita no Recife por volta de 1860, da capa do volume 2 da Histria da Vida privada no Brasil, por ele organizada. A pgina-Eplogo escrita por Alencastro sobre esta foto preciosa, emocionada e bela. Sinto muito no poder reproduzi-la inteiramente aqui.

    O menino veio com a sua mucama. [...], inclinou-se e apoiou-se na ama. Segurou-a com as duas mozinhas. Conhecia bem o cheiro dela, sua pele, seu calor. Fora no vulto da ama, ao lado do bero ou colado a ele nas horas diurnas e noturnas da amamentao, que seus olhos de beb haviam se fixado e comeado a enxergar o mundo. Por isso ele invadiu o espao dela: ela era coisa sua, por amor e por direito de propriedade. [...] O mistrio dessa foto feita h 130 anos chega at ns. A imagem de uma unio paradoxal mas admitida. Uma unio fundada no amor presente e na violncia pregressa. Na violncia que fendeu a alma da escrava, abrindo o espao afetivo que est sendo invadido pelo filho de seu senhor. Quase todo o Brasil cabe nessa foto (Alencastro 1998a: 439-440). O direito de propriedade que o autor indica aqui no exclusivo do senhor e do

    escravo, tambm o sentimento edpico de toda criana com relao ao territrio inteiro e indiscriminado do corpo materno-infantil. Este sentimento de propriedade territorial sobre o corpo da me como parte do prprio demora e custa em ser abandonado. Ele persistente. O sujeito se prende a ele por muito tempo at depois de que j compreendera que a unidade territorial originria no tal. Quando se perde o sentido de unidade, permanece o sentimento de propriedade. O que era um, passa a ser o pressuposto do domnio de um sobre o outro. Tudo o que trai ou limita esse domnio no bem recebido, e facilmente o sentimento amoroso transforma-se em ira perante a perda daquilo que se cr prprio. Se somarmos isto ao fato de que se , de fato, proprietrio ou locatrio, do corpo da me, por aluguel ou por salrio, a relao de apropriao se duplica, e assim tambm suas conseqncias psquicas. Finalmente, percebemos o agravamento das dificuldades ao lembrar que a me substituta, escrava ou contratada, ainda quando se invista afetivamente no vnculo contrado com a criana, permanecer dividida, fendida, como diz o nosso autor, pela conscincia de um passado - de escravido ou pobreza - que no lhe deixou escolha. Por mais amor que sinta, sempre saber que no chegou ao vnculo como conseqncia de suas prprias aes e, sim, coagida pela busca de sobrevivncia.

    tambm Alencastro que, pedindo tolerncia para com os exageros da sua fonte, nos conta que, em 1845 no havia em todo o Imprio cinco mes de classe alta, dez de classe mdia, nem vinte da classe baixa que amamentassem, sendo substitudas por 11 Luiz Felipe de Alencastro morou na Frana, onde atualmente leciona, entre os anos 1966 e 1986, e desde 1999 at o presente (Alencastro 2005)

  • mulheres escravas ou libertas alugadas para essa finalidade. A situao muda em algo a partir de 1850, quando a imigrao portuguesa da poca permite alugar amas brancas (1998b: 63). Essa substituio vai se dando no contexto, j mencionado acima, das pressiones higienistas para evitar o poder contaminador, em especial, das mes de leite de origem africano. No Brasil, essas presses no conseguem erradicar, como suceder em Europa e os Estados Unidos, as prticas da maternidade transferida, e somente introduzem algumas transformaes e limites. Entre elas, nos casos em que se conta com poder aquisitivo suficiente, a de alugar amas brancas: se uma mucama escrava era posta a alugar-se pelo seu proprietrio, a senhora livre se aluga ela prpria (Ibidem: 64).

    A objectificao do corpo materno - escravo ou livre, negro ou branco - fica aqui delineada: escravido e maternidade revelam-se prximas, confundem-se, neste gesto prprio do mercado do leite, onde o seio livre oferece-se como objeto de aluguel. Maternidade mercenria se equivale aqui sexualidade no mercado da prostituio, com um impacto definitivo na psique do infante no que respeita percepo do corpo feminino e do corpo no branco.

    A procura dos pudentes por amas de leite brancas acaba revelando tambm uma outra superposio: a da herana do leite com a herana do sangue.

    O Constitucional, jornal paulistano, explicava em 1853: O infante alimentado com o leite mercenrio de uma africana, vai, no desenvolvimento de sua primeira vida, aprendendo e imitando seus costumes e hbitos, e ei-lo j quase na puberdade qual outros habitantes da frica central, sua linguagem toda viciada, e uma terminologia a mais esquisita, servindo de linguagem (O Constitucional 7/5/1853:3, apud Alencastro 1998b: 65) O que a fonte aqui refere faz todo sentido: uma criana amamentada ou

    simplesmente cuidada, desde cedo, por uma ama de pele mais obscura, uma ama com razes na escravido, ter incorporada esta imagem como prpria. Uma criana branca, portanto, ser tambm negra, por impregnao da origem fusional com um corpo materno percebido como parte do territrio prprio, ainda no caso relativamente pouco freqente de que no tivesse rastros de uma miscigenao ocorrida nas trs ltimas geraes em sua genealogia. Nas diatribes, portanto, que opunham um leite mercenrio e contaminador ao leite gratuito e benigno da me biolgica, no somente a voz do discurso higienista se encontrava presente: a modernizao se superpunha aqui ojeriza racial voltada contra os negros (Ibidem: 66). Discurso modernizador e racismo se entrelaavam aqui num enunciado s contra um inimigo que impregnava, de dentro e a partir de sua prpria interioridade, a ontologia do branco no Brasil (Carvalho 1988; Segato 1998).

    O vnculo edpico da relao de leite, ainda quando no envolve a relao de sangue entre me e filho tematizado em diferentes culturas. Como afirma Gilza Sandre-Pereira, O leite, entre outras substncias corporais, investido de um forte aspecto simblico em diferentes culturas, e a amamentao ultrapassa, assim, de forma evidente, o quadro biolgico e nutricional. [...] Mesmo quando o aleitamento no concebido em termos da criao de uma ligao de parentesco, o que ocasionaria por si s interdies no plano sexual, a relao entre o esperma e o leite est na origem de

  • interdies sexuais em muitas sociedades (2003: 471-47212). Sandre-Pereira cita Freud para enfatizar as dimenses erticas do aleitamento: Quem j viu uma criana saciada recuar do peito e cair no sono, com as faces coradas e um sorriso beatfico, h de dizer a si mesmo que essa imagem persiste tambm como norma da expresso da satisfao sexual em pocas posteriores da vida. (Freud 1997: 60).

    O parentesco de seio, transformado mais tarde em parentesco de colo e mamadeira, e a ancestralidade negra que ele determina na pessoa negra ou branca ficam assim expostos. Os laos de leite iniciais e a intimidade do colo que lhes deu continuidade histrica conferem caractersticas particulares ao processo de emergncia do sujeito assim criado. Neste caso, a perda do corpo materno, ou castrao simblica no sentido lacaniano, vincula definitivamente a relao materna com a relao racial, a negao da me com a negao da raa e as dificuldades de sua inscrio simblica. Ocorre um comprometimento da maternidade pela racialidade, e um comprometimento da racialidade pela maternidade. H uma retroalimentao entre o signo racial e o signo feminino da me. Portanto, longe de dizer que a criao do branco pela me escura resulta numa plurirracialidade harmnica ouque se trata de um convvio inter-racial ntimo como fazem os que tentam romantizar este encontro inicial, o que afirmo , pelo contrrio, que o racismo e a misoginia, no Brasil, esto entrelaados num gesto psquico s.

    Olhando a cena a partir do pensamento crtico da ps-colonialidade, percebe-se que a entrada do discurso higienista brasileiro superpe-se e replica este gesto psquico. Na sua transferncia ao Brasil por mdicos e pedagogos, aproveita-se a externalidade da postura higienista, moderna e ocidental, para produzir aqui uma situao de externalidade com relao ao quadro percebido como de contaminao afetiva e cultural pela frica. O higienismo oferece a possibilidade de um olhar de fora, estranhado, a uma lite que est, precisamente, buscando essa sada. A foracluso da raa encarnada na me fundamentalmente isso: o acatamento da modernidade colonial como sintoma.

    Encontro nas mudanas histricas da forma de retratar as crianas de boas famlias uma alegoria perfeita do processo que culmina com a imposio absoluta do olhar higienista e racista prprio da modernidade perifrica e o conseqente apagamento da figura da me no branca. Rafaela de Andrade Deiab analisou a transformao paulatina do tratamento fotogrfico das crianas com suas babs nas fotografias tomadas por Milito de Azevedo em seus dois estdios de So Paulo entre 1862 e 1885. At aproximadamente 1880, as fotos captavam as crianas em composies na moda internacional da poca; somente que, no Brasil, o tpico quadro europeu da me segurando a criana junto ao rosto era substitudo pela bab negra ocupando esse lugar. A autora explica o fato lembrando que a baixa sensibilidade do negativo exigia um tempo de exposio prolongado durante o qual a criana devia permanecer imvel: Estando mais habituados com elas, diminua-se o risco de que os bebs ficassem inquietos durante a feitura do retrato. A substituio da me pela bab revelava, portanto, que a intimidade e confiana eram maiores com esta ltima, nica capaz de manter a criana tranqila durante o tempo necessrio para tomar a fotografia. Contudo, em torno de 1880, diz a autora, as composies revelam a progressiva inteno de

    12 surpreendente que, neste artigo, a autora acata com absoluta tranqilidade o uso da expresso desabonadora mes de leite mercenrias, vocabulrio dos higienistas misginos, e a reproduz vrias vezes no seu texto sem qualquer comentrio ou crtica.

  • ocultar a figura da ama negra que, ainda assim, necessariamente, continua a sustentar o beb no seu colo para este poder ser fotografado, e as amas negras passam a existir nas fotografias como rastros: uma mo, um punho, at serem completamente banidas das imagens; a princpio mostrada com orgulho, de rosto inteiro, depois escondida, em segundo plano, desfocada e retocada, at ser completamente retirada do quadro nacional. No entanto, mesmo encoberta, ela persistia nos hbitos consolidados durante trs sculos (Andrade Deiab 2005: 40). Impressiona, no artigo citado, a fotografia de um beb loiro apoiado encima do que parece ser um cobertor escuro, por baixo do qual se adivinha uma mo prendendo o pequeno corpo e a outra apertando a mozinha da criana como para lhe dar conforto frente ameaa da lente intrusa. Porm, nada se enxerga debaixo do pano, e o contorno da bab oculta somente se deduz pelo relevo da fazenda. Eis aqui o grafismo perfeito para essa ausncia na memria nacional: um manto de esquecimento recobre a me e sua raa. Raa e maternidade encobertas, emerge no seu lugar o vazio da foracluso que substitui a realidade intolervel.

    Jurandir Freire Costa, como eu, aponta para o silncio que paira, na psicanlise,

    sobre o tipo de violncia que chamamos racismo: Pensar que a psicanlise brasileira, para falar do que nos compete, conviveu tanto tempo com estes crimes de paz, adotando uma atitude cmplice ou complacente, ou, no melhor dos casos, indiferente, deve conduzir-nos a uma outra questo: que psicanlise esta? Que psicanalistas somos ns? (1984: 116).

    E se aproxima do problema que venho esboando, porm sem nomear a bab. Para este autor, racismo violncia, e uma violncia exercida sobre o corpo e

    sobre o papel do corpo como suporte da identidade: ideologia de cor , na verdade, a superfcie de uma ideologia mais daninha, a ideologia de corpo; o sujeito negro, ao repudiar a cor repudia radicalmente o corpo; A relao persecutria com o corpo expe o sujeito a uma tenso mental cujo desfecho, como seria previsvel, a tentativa de eliminar o epicentro do conflito. O sujeito negro, possudo pelo ideal de embranquecimento, forado a querer destruir os sinais de cor do seu corpo e da sua prole (1984: 107- 108).

    Contudo, parece-me que Jurandir Freire Costa fica aqum das possibilidades da sua anlise quando coloca no centro da mesma o sujeito negro como nico portador do sintoma. Esse sintoma pertence a muitos sujeitos branqueados, considerados no negros, na sociedade brasileira. evidente que, em sua emergncia, o sujeito, qualquer que seja sua cor, deve deixar para traz, num movimento nico, a me com sua negritude. Seja esta negritude a atual, ou a da genealogia de escravido que ainda ecoa por trs do colo alugado do presente. O fato de que a me se encontra impregnada por esta genealogia que vai do seio escravo do passado ao colo alugado de hoje, faz com que essa perda no possa ser somente rasurada no discurso como recalque. A supresso deve ser nada mais e nada menos que desconhecimento. A ausncia mesma de conhecimento do destino terrvel que a marca da me a tctica de alienao e o refgio do sujeito frente possibilidade de tornar-se herdeiro dessa histria.

    A repetio traumtica do que fora foracluido da vida presente ameaa o eu, diz Judith Butler (1997: 9). Butler, usando o termo de forma um tanto idiossincrtica e abrangente, diferencia a negao ou recalque de um desejo que existiu, por um lado, da foracluso ou banimento preemptivo da possibilidade de um desejo, quer dizer, antecipado e preventivo, anterior experincia desse apego (Ibidem: 23). O mecanismo

  • da foracluso , portanto, para ela, o que garante a antecipao e a preveno com relao a determinados investimentos afetivos. A negao efetuada pelo mecanismo de foracluso mais radical que a efetuada pelo mecanismo do recalque. Se esta ltima a rasura de algo dito, aquela a ausncia de inscrio. Uma ausncia que, contudo, determina uma entrada defeituosa no simblico ou, dito em outras palavras, a lealdade a um simblico inadequado que vir certamente falncia com a irrupo do real, quer dizer, de tudo aquilo que no capaz de conter e organizar.

    Contendas do presente, no Brasil, mostram a resistncia de alguns setores da lite ilustrada a reconhecer um sujeito diferentemente posicionado, um sujeito negro que quer falar da sua negritude e da sua insero diferencial na sociedade brasileira. Ao negar essa demanda, ao barr-la, esses setores da lite parecem-me aparentados com a impossibilidade fundante de instalar a negritude da me no discurso. O racista certamente amou e - porque no? - ainda ama, a sua bab escura. Somente no pode reconhec-la na sua racialidade, e nas conseqncias que essa racialidade lhe impe enquanto sujeito. Se sua racialidade repentinamente fizesse a sua apario na cena e reclamasse o parentesco a ela devido, ele reagiria com virulncia incontrolvel. Estamos falando do que no se pode nomear, nem como prprio nem como alheio.

    Se isto o que se enxerga faltante a partir do ngulo de viso da criana, do lado da me outra, a me legtima na terminologia do Candombl, h tambm algo que necessita ser dito. Esta me cvica, isto , a me educadora que descreve Margareth Rago, hegemonizada pelo pensamento burgus e as prdicas da modernidade, ter que encarnar pelo menos em parte a funo paterna, no sentido de incorporar a lei e barrar a intimidade entre a bab e a criana. Esta entrada paterna da me na cena familiar condiz tambm com o fato de que, ao negar o investimento materno por parte da bab substituindo a clave do afeto pela clave do contrato, a me legtima fica igualmente aprisionada numa lgica masculina e misgina, que retira da me-bab sua condio humana e a transforma em objeto de compra e venda13.

    Cada sociedade tem sua forma prpria de racismo. Como afirmei em outras ocasies, acredito que no Brasil esta operao cognitiva e afetiva de excluso e violncia no se exerce sobre outro povo, mas emana de uma estrutura alojada no interior do sujeito, plantada a na origem mesma de sua trajetria de emergncia.

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