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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE LETRAS - FALE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS - PPGL
CENTRO DE REFERÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM - CELIN
EDITAL PIBIC/CNPq
2010/2011
ENSINO DA LEITURA NA INTERFACE LINGUÍSTICA E LITERATURA:
OBJETOS DE APRENDIZAGEM COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
Profª. Dr. MARIA TEREZA AMODEO Orientadora
Porto Alegre, junho de 2010
2
SUMÁRIO
1 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO.......................................................................03
1.1 DA ENTIDADE................................................................................04
1.2 DO PROJETO.................................................................................04
2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA.........................................................05
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................................09
3.1 LEITURA: UMA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA ......................09
3.1.1 Leitura como Processo Cognitivo ........................................09
3.1.2 Compreensão da Leitura e Planos Constitutivos da Língua11
3.1.3 Leitura em Ambiente Virtual .................................................12
3.2 A LEITURA DA LITERATURA .......................................................13
3.3 A LEITURA NA INTERFACE DOS CAMPOS DA LINGUÍSTICA E
DA LITERATURA ...........................................................................19
3.4 UM ESPAÇO PARA OBJETOS DE APRENDIZAGEM EM
AMBIENTE VIRTUAL NO ENSINO DA LEITURA..........................22
4 OBJETIVOS..................................................................................................23
4.1 GERAL ...........................................................................................23
4.2 ESPECÍFICOS ...............................................................................23
5 QUESTÕES DE PESQUISA.........................................................................23
6 METODOLOGIA............................................................................................24
7 RESULTADOS ESPERADOS......................................................................24
8 REFERÊNCIAS ...........................................................................................25
9 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO ..............................................................28
10 PLANO DE ATIVIDADES DO BOLSISTA .................................................39
3
1 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1.1 DA ENTIDADE
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Nome e cargo do dirigente:
Prof. Ir. Joaquim Clotet – Reitor
Unidade Acadêmica Responsável pelo Projeto:
Faculdade de Letras – PUCRS
Diretora da Unidade Acadêmica:
Profª. Dr. Maria Eunice Moreira
Setores Executores do Projeto:
Programa de Pós-Graduação em Letras
Coordenadora: Profª. Dr. Ana Maria Lisboa de Mello
Centro de Referência para o Desenvolvimento da Linguagem/ CELIN
Coordenadora: Profª Dr. Vera Wannmacher Pereira
Grupos de pesquisa no CNPq:
Literatura e Estudos Culturais
Aquisição, aprendizado e processamento cognitivo da linguagem:
instrumentos, procedimentos e tecnologias
Linha de Pesquisa do PPGL: Fundamentos Linguístico-literários da
Linguagem
Núcleo de Pesquisa em Tecnologias para Aprendizagem de Língua e
Literatura
Pró-Reitorias envolvidas:
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação:
Prof. Dr. Jorge Luis Nicolas Audy
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação:
Profª. Dr. Solange Medina Ketzer
4
1.2 DO PROJETO
Título:
Nome e endereço da Coordenadora do Projeto:
Profª. Dr. Maria Tereza Amodeo
Rua Edgar Luiz Schneider, 550 – casa 109 CEP 90880370 –
Porto Alegre/RS
Fone: 32428760
E-mail: [email protected]
Equipe responsável pelo Projeto:
Dr. Maria Tereza Amodeo – Coordenadora
Dr. Solange Medina Ketzer - Pesquisadora
Dr Vera Wannmacher Pereira – Pesquisadora
Dr. Jocelyne da Cunha Bocchese – Pesquisadora
5
2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
A escola de ensino básico tende a sistematicamente repetir um modelo
de aula em que a língua, vista de forma totalmente descontextualizada dos
seus possíveis usos, é abordada por meio de segmentos que devem ser
identificados, categorizados, nomeados de acordo com a nomenclatura
gramatical vigente.
No entanto, é somente a partir do texto1, em que frases e palavras estão
articuladas de forma a produzir significado, que se pode abordar a língua de
forma lúcida e inteligível. Assim, o ensino de Língua Portuguesa deve
considerar a linguagem na sua complexidade e, também, nas suas
especificidades, de acordo com os diferentes registros. Para o domínio da
língua, é importante que o indivíduo tenha acesso às formas textuais, tanto por
meio da leitura como por meio da produção escrita. Tais experiências com a
linguagem contribuem para a formação de cidadãos críticos e culturalmente
bem preparados.
Nessa perspectiva, deve ser abordada a Literatura, considerando-se as
suas particularidades, já que se constitui como uma espécie de gramática ou
de sintaxe com relações próprias relativamente estáveis: a conjugação de
gêneros, modos de expressão, estilos e figuras retóricas.. A esse domínio de
estabilidade opõe-se o domínio de uma semântica, muito mais sujeito à
variação: temas literários, arquétipos, símbolos e metáforas. (JAUSS, 1993, p.
101)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino fundamental
preconizam a utilização do texto como unidade essencial do ensino de Língua
Portuguesa neste nível, de tal forma que “não é possível tomar como unidades
básicas do processo de ensino as que decorrem de uma análise de estratos -
letras/fonemas, sílabas, palavras, sintagmas, frases - que,
descontextualizados, são normalmente tomados como exemplos de estudo
gramatical e pouco têm a ver com a competência discursiva. Dentro desse
marco, a unidade básica do ensino só pode ser o texto” (p. 23). Por isso, faz-se
1 Aqui a noção de texto deve ser entendida de forma ampla, incluindo toda a forma de produção de
linguagem que possui uma lógica interna de organização, quer seja na linguagem oral, como na escrita.
6
necessário que a leitura não seja trabalhada somente nos quatro primeiros
anos do nível fundamental, mas que seja uma atividade contínua e crescente.
De acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
(Conhecimentos de Literatura), o ensino de Literatura no Nível Fundamental,
no período de 5ª a 8ª série, deve ser organizado de maneira menos sistemática
e mais aberta, no que tange à escolha das obras a serem trabalhadas,
mesclando livros de Literatura infanto-juvenil a outros considerados como
Literatura dita “canônica” (7ª e 8ª séries).
Alinhadas às teorias contemporâneas de abordagem da linguagem, as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio recomendam a valorização da
leitura do texto literário propriamente dito - e não a metaleitura -, motivando os
estudantes por meio de atividades de finalidade imediata, que tornem
necessária a leitura, sem memorização de características de épocas, estilos,
etc. “Trata-se, prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor ainda, de
“letrar” literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito.”
(p.54). E é no ensino fundamental que isso deve acontecer.
Partindo da definição de “letramento” de Magda Soares (2004 apud
BRASIL, 2006), como “o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e
escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”, as
Orientações consideram “letramento literário como estado ou condição de
quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria
efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o” (p.55).
Hoje, os indivíduos são sistematicamente surpreendidos, envolvidos,
cercados e atraídos por imagens. A superexposição a informações, que
chegam sem medida, critério ou controle pelos diferentes meios eletrônicos,
envolve as pessoas num universo cultural que, apesar de todas as críticas que
possam ser feitas, é plural e, de certa forma, rico. Assim se configura o nosso
tempo, orientando perspectivas, definindo mentalidades, influenciando as
escolhas de toda sorte.
As informações obtidas por esses meios podem ser consideradas
superficiais, genéricas, fúteis ou inócuas, mas também remetem sistemática e
simultaneamente a outras realidades, a outras imagens, a outros textos,
estabelecendo, assim, conexões com outros constructos culturais.
7
Pais, educadores e especialistas devem perceber e considerar esse
contexto ao implementarem qualquer prática educativa. Assim, devem
considerar que, para a fruição do texto literário, é necessário conhecê-lo
profundamente - o que implica compreendê-lo, isto é, depreender os tópicos
significativos, descobrir as amarrações linguísticas que os constituem, perceber
os efeitos de sentido, fazer inferências sobre as relações do texto com mundo,
consigo mesmo e com os outros.
A ação pedagógica, voltada para a compreensão da leitura e para a
formação de leitores, exige, pois, um olhar mais abrangente para o universo
cultural a que os indivíduos em geral, e em especial os jovens, estão inseridos,
descartando-se aquela visão maniqueísta, ou apocalíptica (ECO, 1993) de
conceber a arte como algo sagrado, puro, etéreo, que está acima das
influências mundanas. A literatura, como todas as manifestações textuais,
exercem diferentes papéis sociais, todos importantes dentro dos contextos em
que são produzidos. Embora essa possa parecer uma constatação óbvia para
alguns estudiosos e professores, as práticas escolares de ensino da leitura
ainda revelam procedimentos inadequados à realidade contemporânea, no que
se refere à seleção de textos a serem incluídos, assim como as abordagens
propostas.
O processo de formação de leitores, nas séries iniciais do ensino
fundamental, conta com o impulso originado pelo interesse natural das crianças
em fase de alfabetização, quando livros e histórias são portas para um novo
mundo que se abre. Em depoimentos de professores das séries iniciais,
constata-se que as visitas sistemáticas às bibliotecas escolares e a indicação
de leituras constituem-se em práticas frequentes. Embora os docentes dessa
fase do ensino precisem também ser preparados para a indicação de leituras a
partir de critérios estéticos mais adequados, é possível afirmar que os
pequenos leem ou, pelo menos, manuseiam muito mais os livros que os
jovens.
Nas séries finais do ensino fundamental, observa-se um crescente
distanciamento entre os adolescentes e a leitura, principalmente a da literatura.
Sabe-se que neste período, por motivações pessoais ou do grupo, surgem
outros interesses e opções culturais - tais como a música, a dança, o cinema, a
internet - que concorrem com a arte literária. Diante de tantas possibilidades, é
8
natural uma diminuição do contato com a leitura, tanto a da Literatura a de
outros gêneros.
Neste contexto, em que o acesso ao texto escrito pode se dispersar com
facilidade, é tarefa do professor das disciplinas de Língua Portuguesa e de
Literatura investir na formação de leitores. As propostas de abordagem da
leitura precisam, pois, ser atualizadas às emergências do nosso tempo.
Os depoimentos e registros de estudantes de Letras da PUCRS em
estágio nas escolas de ensino fundamental de Porto Alegre2 sobre
procedimentos adotados por certos professores são surpreendentes. Embora
haja registros de boas práticas de ensino da leitura, elas não são
predominantes. Os relatos das aulas observadas antes da prática pedagógica
realizada pelos graduandos evidenciam um quadro realmente deprimente no
que se refere à forma como a leitura tem sido trabalhada neste nível de ensino.
Muitos professores focalizam seu trabalho apenas na gramática da língua;
outros sugerem leituras inapropriadas, sem qualquer preparação ou adequação
aos interesses ou nível de leitura dos alunos; e, pior, muitos, por diferentes
razões, deixaram de ser leitores (ou nunca foram), portanto são incapazes de
proceder a uma orientação legítima no que se refere à leitura; além disso,
estão desatualizados em relação à produção contemporânea.
Considerando a realidade do ensino da língua e da literatura nas escolas
de nível básico, a Faculdade de Letras da PUCRS, por meio do Centro de
Referência para o Desenvolvimento da Linguagem - CELIN -, tem percorrido,
desde 2000, uma expressiva trajetória no sentido de contribuir com iniciativas,
eventos e projetos de pesquisa3 para a melhoria do ensino da língua e da
literatura, estreitando, assim, os laços, entre a academia e a escola.
2 Tais informações foram recolhidas pela professora da disciplina de Estágio Supervisionado de Ensino
fundamental, também coordenadora deste projeto no primeiro semestre de 2009. 3 Algumas dessas iniciativas são: sete edições da Capacitação de Contadores de Histórias para o público
interno e externo da PUCRS; palestras sobre Contos de Fadas para professores de séries iniciais; o
Projeto Integrado Universidade/Escola, com a Escola Estadual de Ensino Fundamental Professor
Leopoldo Tietböhl, de Porto Alegre; o Projeto Formação do Leitor-Professor/Aluno de Literatura, que
recebeu cerca de duzentos professores de Língua Portuguesa e de Literatura de escolas das redes pública e
privada de ensino durante as suas várias etapas; o Projeto Multiculturalismo e Ensino da Literatura, que
permitiu a constituição de consistente base teórica para a proposição de estratégias de ensino da Literatura
tanto no nível fundamental como médio; as quatros edições do Relendo a Literatura, que, desde 2006,
reúne, em vários encontros anuais, alunos e professores de ensino médio interessados em ler e analisar
obras canônicas da língua portuguesa a partir de abordagens inovadoras; o Projeto Relendo a Literatura
na Escola: o cânone na contemporaneidade, em fase de finalização da publicação de obra de apoio
9
O presente projeto pretende associar as pesquisas desenvolvidas nos
campos teóricos da Linguística e da Teoria da Literatura, com o objetivo de
desenvolver um trabalho conjunto que estimule a leitura, guardadas as
especificidades dos diferentes tipos textuais e dos substratos teóricos de
ambas as áreas.
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O projeto está fundamentado na leitura, na perspectiva da Literatura e da
Linguística em interface, e na perspectiva da Educação, no que se refere a
objetos virtuais de aprendizagem.
3.1 LEITURA: UMA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA
Sendo objeto de investigação, no presente projeto, a leitura por alunos
de ensino universitário e médio de escolas públicas e particulares, a base
teórica, no que se refere à perspectiva da Linguística, sustenta-se nos
fundamentos psicolinguísticos, considerando a leitura como processo cognitivo.
Nesse processo, são focalizados os planos constitutivos da língua, que fazem a
organização linguística do texto. Essa combinação, apoiada pela Educação,
neste projeto, funda a perspectiva da Linguística para a produção virtual de
objetos de aprendizagem, sua aplicação, sua investigação e sua
disponibilização na comunicadade acadêmica e escolar.
3.1.1 Leitura como Processo Cognitivo
Nessa acepção, ler significa realizar fundamentalmente dois
processamentos – bottom-up e top-down.
pedagógico a professores de Literatura do ensino médio, que reúne as aulas ministradas nos eventos
referidos no item “e”, consideradas como aulas-conceito, por sistematizarem a proposta teórica do projeto
a serem socializadas por meio de palestras/cursos; g) o Projeto Contando (a) História na
Contemporaneidade: uma abordagem interdisciplinar para o ensino da Literatura e da História no nível
fundamental, que associa as duas áreas; h) o Projeto Compreensão Leitora por alunos do Ensino Médio, que avaliou as condições de leitura de alunos do Ensino Médio; i) o Projeto Predição Leitora, que teve
como sujeitos alunos de séries iniciais do Ensino Fundamental e desenvolveu materiais de ensino da
leitura virtuais e não virtuais com gêneros diversos; j) o Projeto Aprendizado da leitura em ambientes
virtual e não virtual, que investigou estratégias de leitura junto a alunos de 5ª/6ª séries do Ensino
Fundamental; l) o Projeto Poesia e Alfabetização, envolvendo crianças e professores de 6 anos de escola
pública; o Projeto E-book: compreensão e satisfação, que envolveu professores do Ensino Fundamental e
gerou dois e-books a eles dirigidos.
10
O processamento bottom-up caracteriza-se como ascendente, fazendo o
movimento das partes para o todo. Constitui-se numa leitura linear, minuciosa,
vagarosa, em que todas as pistas visuais são utilizadas. É um processo de
composição, uma vez que as partes gradativamente vão formando o todo,
tendo como eventos, fixação ocular e movimento sacádico, representação
icônica do percepto-visual, identificação da letra, mapeamento das letras,
busca da entrada lexical, armazenamento na memória primária, passagem
para a memória secundária.
O processo top-down, defendido especialmente por Goodman (1991) e
por Smith (2003), caracteriza-se como um movimento não linear que faz uso de
informações não visuais. Desse modo, dirige-se da macroestrutura para a
microestrutura, da função para a forma. O modelo de Goodman baseia-se na
concepção antecipatória da leitura, segundo o qual são utilizadas
simultaneamente as informações grafo-fônicas, sintáticas (padrões sentenciais,
marcadores desses padrões e regras transformacionais) e semânticas
(vocabulário, conceitos e experiências do leitor). Ainda segundo Goodman, o
processo cognitivo de leitura se altera, a partir de algumas variáveis: objetivo
da leitura, conhecimento prévio do conteúdo, condições de produção do texto,
tipo de texto e estilo cognitivo do leitor. Tais variáveis determinam o processo
de leitura – ascendente ou descendente. Smith, que defende o processo de
leitura como a busca das pistas lingüísticas construídas pelo escritor, considera
que o caminho fonológico é incômodo e pouco confiável, não sendo funcional
na leitura fluente e interferindo na aprendizagem da leitura. A informação não
visual, por sua vez, é de grande importância, uma vez que o significado, que é
indispensável para o leitor, não está nas marcas superficiais do texto, mas nos
conhecimentos prévios sobre o assunto e sobre a linguagem que o leitor traz,
que podem fazê-lo perceber determinados aspectos visuais do texto.
As propostas de leitura como processo interativo não se constituem em
negação do modelo cognitivista. Procuram, na verdade, explicar a inter-relação
dos processos ascendente e descendente durante a leitura, considerando a
leitura como um processo construtivo.
Neste projeto de pesquisa, é evitado o estabelecimento de rótulo de um
modelo. A marca assumida é a de que os dois movimentos são utilizados pelo
leitor, dependendo da situação que se apresenta durante a leitura. Nesse
11
sentido, o sucesso do desempenho na compreensão da leitura está na escolha
do processo mais eficiente para dar conta dessa situação, em que variáveis se
inter-relacionam e influenciam as escolhas do leitor.
O processamento cognitivo da leitura ocorre através de dois grupos
básicos de estratégias: cognitivas e metacognitivas. As estratégias cognitivas
caracterizam-se pelos traços intuitivo e inconsciente, enquanto as
metacognitivas caracterizam-se pela consciência, pela intenção de
monitoramento do próprio processo. Constituem-se em exemplos de
estratégias cognitivas pressuposições intuitivas do leitor, tais como a de que o
texto é, a priori, coerente, a de que determinadas ordenações são impossíveis
e a de que a escrita, em nossa cultura, ocorre da esquerda para a direita.
Constituem-se em exemplos de estratégias metacognitivas situações de
monitoramento do processo com o objetivo de garantir a compreensão, tais
como: a definição e o controle do objetivo da leitura, a identificação de
segmentos importantes, a distribuição da atenção, a avaliação da qualidade da
compreensão e a tomada de medidas corretivas (COLOMER; CAMPS, 2002).
O exame dessas estratégias expõe os elementos que internamente os
constituem e que estão distribuídos nos planos constitutivos da língua – fônico,
mórfico, sintático, semântico e pragmático (PEREIRA, 2009a)
3.1.2 Compreensão da Leitura e Planos Constitutivos da Língua
Trazer o trabalho de compreensão da leitura para dentro do ensino
supõe assumir como objetivo pedagógico o desenvolvimento do processo
cognitivo de leitura, o que exige dar um lugar especial à organização linguística
do texto (ADAM, 2008). Nessa dimensão, a compreensão da leitura realiza-se
através da consciência do leitor sobre a linguagem. Daí a importância de uma
ação pedagógica de uso de procedimentos eficientes, uma vez que possibilita
ao aluno saber usar novas estratégias, avaliar a eficiência dos diferentes tipos
de estratégias e decidir quando é procedente transferir uma determinada
estratégia para uma nova situação.
Estabelecido e assumido esse objetivo, introduzi-lo no ensino exige
promover recortes linguísticos que associem fonologia (rima, aliteração, ritmo,
relação fonema/grafema), morfologia (estrutura vocabular, processos flexionais
12
e derivacionais, emprego de categorias gramaticais), sintaxe (funções
gramaticais, relações de coesão gramatical), semântica (significados,
polissemia, relações de coesão lexical e coerência) e pragmática (relações
entre a linguagem e as situações de uso), recusando as usuais segmentações
dissociadoras.
Construído esse recorte, cabe, ainda, assumir conscientemente o ponto
de vista da heterogeneidade – teórica, no que se refere à ciência,
metodológica, no que se refere à ação pedagógica, e de aprendizagem, no que
se refere à ação cognitiva individual para construir a compreensão leitora.
Apropriado e instituído esse conjunto de concepções, cabe, acima de
tudo, assumir o ponto de vista de que o processo cognitivo de compreensão da
leitura não se realiza linearmente, mas em rede, do que decorre sua natureza
de jogo e consequentemente de risco que exige da parte do leitor o manejo de
processos ascendentes e descendentes e de estratégias cognitivas e
metacognitivas de leitura, especificamente de jogos de predição (KLEIMAN,
1989).
3.1.3 Leitura em Ambiente Virtual
Com frequência há, na família, na escola, na sociedade em geral, a
convicção de que o computador é um dos grandes obstáculos para que as
crianças e os jovens gostem de ler.
Estudos que vêm sendo desenvolvidos (PEREIRA In: BORTOLINI;
2003;) não confirmam esse entendimento. Salienta-se, primeiramente, a esse
respeito, que as pesquisas sobre redes cognitivas permitem o estabelecimento
de semelhanças entre o processo cognitivo de leitura e o sistema que constitui
o computador. Disso decorre principalmente a adequação desse equipamento
como caminho para a pedagogia da leitura. Além disso, a dimensão interativa
que ele possibilita, movida pela ação desenvolvida pelo aluno e pelo
professor/monitor, torna o trabalho pedagógico mais produtivo, pois é mais
eficiente e mais lúdico, mantendo esses usuários interessados no trabalho que
é proposto. Revela-se, como decorrência, o fato de que, utilizando-o como
ferramenta, o processo de aprendizado se acelera associado ao fato de que o
grau de satisfação é elevado, acentuando-se o crescimento da auto-estima.
13
Essas constatações estão provavelmente vinculadas ao processo de
interação que se estabelece entre o usuário e a máquina e às associações
possíveis entre as redes cognitivas daquele e as redes eletrônicas dessa.
Diante disso, não pode ser negada a existência de um equipamento
atraente e que traz em si a possibilidade de constituir-se em elemento
instigador do desejo de ler e, o mais importante, orientador do processo de ler.
Paralelamente, o computador, através dos softwares, dispõe de
recursos para registro do processamento da leitura, desde que delimitados e
programados para os objetivos traçados. No caso do presente projeto, o Flash
oferece um conjunto de possibilidades para isso, estando, então, previstos
esses recursos para registro dos percursos do leitor (PEREIRA; PICCINI,
2006).
É o conjunto dessas condições que garante ao computador um espaço
privilegiado neste projeto.
3 .2 A LEITURA DA LITERATURA
A leitura da Literatura é uma questão que tem sido tratada pelos mais
competentes especialistas a partir das mais variadas perspectivas teóricas. Há
uma concordância praticamente generalizada de que a escola deve assumir o
papel de formar leitores nessa realidade que oferece tantas opções, mas que
não orienta. Para isso, entretanto, o professor deve estar preparado a fim de
que seja capaz de criar estratégias de aproximação entre a obra literária e o
leitor virtual, o aluno, num mundo marcado por tanta complexidade.
O professor é, efetivamente, o mediador do processo de formação do
leitor. É ele o responsável pela criação e realização das estratégias que vão
permitir e facilitar o acesso dos alunos aos textos, independente do suporte em
que forem apresentados.
[...] o professor fica encarregado de uma das mais árduas tarefas: interiorizar o que aprendeu na universidade, mas, em vez de ensiná-lo, fazer com que esses conceitos e técnicas se transformem numa ferramenta invisível. (TODOROV, 2009, p. 41)
Dessa maneira, o professor deve preocupar-se menos em ensinar
métodos de abordagem da Literatura e focar seus esforços em aproximar o
estudante dos textos propriamente ditos. Por “ferramentas” devem ser
14
entendidas as teorias de abordagem da Literatura com seus respectivos
conceitos, a serem utilizados pelo professor como fundamento para a análise
dos textos, sem, no entanto, se tornarem o foco do trabalho.
O aluno deve primeiro desfrutar da leitura das obras e, paulatinamente,
ampliar os sentidos que aprioristicamente atribuiu, por meio da intervenção
teoricamente fundamentada do professor, evitando aquilo que tem se
configurado como prática usual, conforme aponta Todorov: “na escola, não
aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”
(2009, p. 27). Aprenderá, pois, o jovem estudante o que é Literatura pela
prática orientada de leitura, que deve se pautar nos conceitos que determinam
as especificidades do fazer literário.
Na proposição de um projeto de formação de leitores, parte-se do
fundamento dos estudos literários que estabelece a idéia de arte literária como
imitação da natureza, conforme Aristóteles, associada à função da Literatura de
agradar e instruir, conforme Horácio (1990). As relações com o mundo se
estabelecem na obra literária numa via de mão dupla - tanto a partir do autor
como do leitor -, o que deve ser considerado em qualquer trabalho pedagógico
com a Literatura.
As obras literárias se constituem como universos ficcionais autônomos,
de forte sentido imaginativo e apelo estético, através de elementos articulados
de forma coerente e altamente organizada. Em fontes dessa ordem, a
representação/expressão de questões atinentes ao homem já está trabalhada.
A Literatura oferece grandes histórias, protagonizadas por grandes
personagens, criadas através dos sentidos suscitados pelo tratamento artístico
da linguagem.
A Literatura, assim como todas as artes canônicas, tem sido objeto de
estudos que buscam verificar as suas formas de realização nestes tempos pós-
modernos, marcados por tantas possibilidades e contradições. A composição
do texto literário propriamente dito incorpora os elementos dessa
contemporaneidade controversa, através de uma intensa rede de interferências
típica da sociedade do capitalismo tardio.
Dessa forma, procede a afirmação de Néstor García Canclini que, ao
analisar as culturas híbridas, salienta a necessidade de se criarem ciências
sociais nômades, capazes de circular pelas escadas que comunicam os
15
diferentes andares de uma estrutura cultural concebida em três divisões
rígidas, que devem ser revistas: o estudo do “culto” proposto pela História da
arte e da Literatura, o do “popular”, pelo folclore e pela antropologia, e o da
cultura de massa, pela comunicação (CANCLINI, 1989, p.15)4.
A própria Literatura, nesse sentido, realiza-se como parte de uma
estética balizada por princípios caracterizadores de uma época que
dessacraliza a arte, inserindo-a na indústria cultural através de uma rede de
influências que configura uma outra sensibilidade, muito diferente daquela
proposta pelas utopias modernistas, trazendo marcas de um processo de
globalização que redimensiona os elementos determinantes das identidades
culturais.
O universo literário sugere uma simulação da realidade, através de um
sistema de modelização, conforme Iuri Lotman (1978, p.37), cujos princípios
artísticos fundamentam uma produção cultural destituída de fins imediatistas
e/ou utilitários, embora comprometidos com o projeto ideológico da obra
original.
As produções simbólicas da realidade contemporânea — marcada pelo
fenômeno da globalização — assumem uma configuração muito particular,
tendo em vista a convivência entre o “global” e o “local” — conceitos que
redimensionam significativamente a questão das identidades culturais.
Entendendo a expressão literária como uma consequência do desenvolvimento
humano, as inovações tecnológicas não podem ser vistas como um risco, mas
sim como auxiliares, que podem vir a colaborar para a democratização da
informação e da própria arte literária.
Se realmente o homem do século XXI está vivendo uma época de
transição, como foi identificado por Lévy (1999), cabe a ele perpetuar os textos
literários, adaptando-os aos novos suportes. Neste caso não se trata de uma
substituição do livro, mas de explorar novas formas de difundir a experiência
provocada pela ação da leitura.
Como bem cultural, o livro faz parte de um mecanismo de consumo que
também vem sendo alterado. Ao mesmo tempo em que os educadores afirmam
que os jovens estão se afastando da leitura, um grande número de publicações
4 Tradução da coordenadora do projeto.
16
surgem e a quantidade de exemplares vendidos aumenta a cada ano.
Fenômenos como Harry Potter têm provocado mudanças nos discursos que
previam o fim do livro.
Nessa perspectiva, em se tratando do ensino da Literatura, deve-se
partir do conceito de discurso literário como uma construção que vai além das
elaborações linguísticas usuais, porque menos pragmática, marcada
essencialmente pela transgressão, o que favorece o exercício da liberdade,
contribuindo para o amadurecimento sensível do indivíduo.
A associação da Literatura à idéia de prazer é vista, na maioria dos
casos, de forma negativa, pois se opõe ao mundo do trabalho. O conceito de
“prazer estético”, já apontado por Aristóteles, não deve ser confundido com
“palatabilidade”, ou seja, deve-se descartar a associação com leituras que
promovam apenas um lazer descompromissado, gratuito. “Prazer estético”,
nessa perspectiva, é proveniente dos sentidos e da intelectualidade. Trata-se
de uma apropriação de conhecimento de ordem diferente da racional, da
quantificável. “Ensinar Literatura” diz respeito a educar a sensibilidade, como
um direito de todos. Apesar das particularidades do texto literário, é preciso
situá-lo no contexto geral do processo de leitura, do qual, efetivamente não
prescinde.
Ao tentar definir Literatura e a sua importância, Jonathan Culler (1999)
destaca cinco enfoques que podem ser cruzados, mas que não produzem uma
síntese. A Literatura é abordada, então, como: colocação em primeiro plano da
linguagem; como integração da linguagem; como ficção; como objeto estético;
e, por último, como construção intertextual ou auto-reflexiva. Nessa perspectiva
cabe salientar a importância que exerce a simples classificação de um texto
como literário, pois desperta antecipadamente a atenção do leitor para
aspectos sonoros e outros tipos de ordem linguística, o que exige a ação
imediata da mente. Ao abordar o aspecto da ficcionalidade e seus efeitos no
leitor, Culler afirma:
A obra literária é um evento linguístico que projeta o mundo ficcional que inclui falantes, atores, acontecimentos e um público implícito (um público que toma forma através das decisões da obra sobre o que deve ser explicado e o que se supõe que o público saiba). [...] A ficcionalidade da Literatura separa a linguagem de outros contextos nos quais ela poderia
17
ser usada e deixa a relação da obra com o mundo aberta à interpretação. (1999, p. 37-39)
Ao entender a Literatura como uma manifestação linguística em que a
reflexão sobre as implicações dos meios de expressão desperta a atenção para
entender como o sentido se faz e o prazer se produz, destaca-se o grande
poder de comunicação que o texto literário possui, acrescentando ainda a
própria experiência cultural que a obra pode encerrar, independente do meio
em que ela possa se manifestar.
Hoje, as informações são veiculadas pelas mídias eletrônicas, o que
influencia até a linguagem da Literatura, que se adapta às formas de
comunicação contemporâneas, calcadas na audição e na visão. Nesse
contexto, a propulsão desenfreada de informações por vezes exclui a reflexão.
Incorporando-se ao ritmo atropelado da eletrônica, a Literatura não mais se
constitui como força motriz do processo cultural.
Sendo, então, o leitor encarado como o foco desse processo,
elege-se a teoria da estética da recepção como abordagem do
texto literário. A recepção deve ser entendida como a
possibilidade de “concretização pertinente à estrutura da obra,
tanto no momento da sua produção como no da sua leitura,
que pode ser estudada esteticamente, o que dá ensejo à
denominação da teoria de estética da recepção”. (BORDINI &
AGUIAR, 1988, p.82)
Tanto como produção, assim como leitura, a obra realiza-se pelo
cruzamento de vários contextos, executada através da conjunção de várias
realidades culturais e históricas:
Nesse sentido, discute-se o próprio conceito de Literatura como
um sistema de sentido fechado e definitivo, que ela
indubitavelmente é enquanto simples objeto escrito, anexando-
se-lhe a dimensão da sua leitura como parte inerente a tal
sistema, o que resulta na abertura desse para relações com o
mundo histórico extratexto. (BORDINI & AGUIAR, 1988, p.82).
A opção por essa linha teórica não exclui outras possibilidades de
abordagem do texto literário, mas se justifica exatamente porque o projeto se
organiza no sentido de desacomodar o indivíduo da sua situação estável,
18
cômoda, resignada de consumidor de modelos culturais massificados. Tendo
como base teórica os estudos de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, propõe-
se partir desse universo cultural do indivíduo e ampliá-lo:
A reconstituição do horizonte de expectativa tal como ele
existia no momento de criação e de recepção de uma obra
possibilita, para além do mais, pôr questões às quais o texto
dava uma resposta, e fazer-nos entender assim como é que o
leitor de então o via e compreendia. Esta abordagem permite
corrigir a influência, quase sempre inconsciente, das normas de
uma concepção clássica ou modernista da arte e dispensar o
recurso à noção de um espírito da época, noção que conduz a
um círculo vicioso. (JAUSS, 1993, p.78)
Apesar de conscientes da configuração do texto literário, os professores
responsáveis pela formação dos leitores evidenciam certas dificuldades em
incorporar essa concepção à sua prática pedagógica, considerando-se as
limitações das mais variadas ordens, que muitas vezes impõem e cristalizam
comportamentos padronizados.
Os jovens e as crianças de hoje têm acesso muito facilitado a diferentes
formas de informação, manifestações culturais, etc. Os professores têm uma
formação fragmentada e superficial, mas, por outro lado, também marcada por
novos códigos, novas formas de relação e de conhecimento.
Essa realidade exige dos professores uma postura renovada no que se
refere à formação de novos leitores. Estudar abordagens teóricas do texto
literário, analisar metodologias de ensino, que levem em conta o universo
cultural tão plural contemporâneo são ações que definem novos rumos de
pesquisa e de procedimentos pedagógicos.
A proposição de procedimentos pedagógicos organizados por meio de
Objetos de Aprendizagem voltados para a leitura da literatura, tendo
preservadas as especificidades desse tipo textual, na perspectiva aqui eleita,
constitui parte do grande desafio deste projeto, que se impõe pelas
emergências da contemporaneidade. A associação com o suporte teórico da
Linguística, conforme explicitado, com vistas a contribuir na construção dos
sentidos do texto literário revela uma abordagem inovadora e promissora no
que se refere à busca de novos paradigmas para o ensino da leitura.
19
3.3 A LEITURA NA INTERFACE DOS CAMPOS DA LINGUÍSTICA E DA
LITERATURA
A busca de formas de aproximação entre a Linguística e a Literatura
percorre os tempos. Em alguns momentos, esse movimento foi mais intenso,
em outros, pendularmente, mais tênue. Na medida em que os conhecimentos
científicos dessas áreas avançaram, esses desejos de aproximação deram
lugar aos de afastamento.
Atualmente, os conceitos da pós-modernidade estão a produzir no ser
humano sentimentos de, ao mesmo tempo, valorização da heterogeneidade e
de busca do acolhimento das diferenças. É desejo desse ser encontrar os fios
que tecem as diferenças e definem as convergências. Nessa condição, as
aproximações ganham relevância – de idéias, de pontos de vista, de
entendimentos...
Ressurge, então, mais uma vez o interesse pela aproximação entre a
Linguística e a Literatura. Paralelamente se colocam as questões: como
realizá-la? como estabelecer as conexões? quais os paradigmas possíveis?
como defini-los e constituí-los?
Como primeiro componente de um paradigma de interface, podemos
pensar na importância da organização linguística do texto para a construção da
literariedade. Nessa concepção, a análise dos elementos linguísticos
marcadores dos planos que constituem a língua pode ganhar um espaço
especial. Assim, explorar o plano fônico (sonoridade e ritmo), o plano mórfico
(estrutura vocabular e uso de categorias gramaticais), o plano sintático
(funções sintáticos e elementos coesivos gramaticais), o plano semântico
(significados dos vocábulos, polissemia, elementos coesivos lexicais e
coerência) e o plano pragmático (relações entre o texto e as situações de uso)
pode contribuir para a realização de inferências de elementos da literariedade
do texto (PEREIRA, 2009b).
Esses elementos que compõem os planos linguísticos encontram-se
presentes nos mais diferentes textos, sendo que contribuem todos de alguma
forma para a compreensão e interpretação literária. No entanto, há que
considerar que alguns deles podem marcar mais nitidamente determinadas
20
manifestações textuais. Pesquisas sobre essa relação (PEREIRA, 2009c) têm
mostrado que a percepção desses traços pelo leitor está associada a esses
vínculos, contribuindo para a produtividade da compreensão. Desse modo,
usualmente o plano fônico marca mais nitidamente os poemas, embora os
demais planos ali estejam presentes. As fábulas, por sua vez, têm nos planos
semântico e pragmático um lugar especial.
Há que considerar também que a presença de cada plano linguístico
mais ou menos determinante está nas escolhas do autor diante dos vínculos
que deseja estabelecer com sua criação estética e com o seu leitor. Veja-se,
para uma exemplificação, o poema a seguir.
ETERNIDADE AMOR
(Artur da Távola)
É terna ida de amor
É ter na idade, amor
Eterna ida de amor
Éter na idade: amor
É ter na ida de Amor
Eterna ida de A-mór
Eternidade Amor.
Nesse poema, o plano morfológico tem presença nítida. A delimitação
dos vocábulos gera construções sintáticas e produz novos sentidos em cada
verso. A repetição da raiz “etern” e do vocábulo “amor” faz amarrações
linguísticas importantes, que, por sua vez, fazem significações novas a cada
uma delas. Propor a compreensão do plano morfológico deste texto contribui,
assim, para a configuração de sua interpretação. O leitor, ao perceber os
recursos utilizados pelo autor na constituição do texto, pode ampliar as
possibilidades de inferência, de reflexão, de associação, preenchendo as
lacunas próprias do texto literário, que não é unívoco, possíveis pelo trabalho
linguístico engendrado pelo autor. Assim, lê o texto, lê a si próprio e lê o mundo
que o rodeia, movido pela abordagem sensível da realidade construída pelo
trabalho linguístico do escritor.
21
COTIDIANO
Marô Barbieri
Da esquina já dava pra sentir o cheiro da carne cozida.
Corada com o calor do fogo, a mãe sorria. E mais sorriu ao ver a alegria
das crianças ao redor da mesa capenga encostada na parede do barraco. Os
pratos lascados, as canecas de metal, tudo apontava para um almoço de
verdade.
Agora, lavando a louça no tanque, esfregando a panela com o resto do
sabão, Laurinda imaginava como conseguir com os vizinhos um novo cachorro
para os filhos.
Nessa micronarrativa, a situação pragmática é marcada pelas
expressões “corada com o calor do fogão”, “alegria das crianças”, “mesa
capenga”, “barraco”, “no tanque”, “resto de sabão”, indicando o espaço da
história. Os campos semânticos agrupam-se, fortalecendo esses elementos
pragmáticos e mostrando três momentos – a preparação da refeição, a limpeza
da louça no tanque e a reflexão sobre como resolver a falta de um animal para
as crianças. A passagem desses momentos é apoiada morfossintaticamente
pelas expressões “da esquina”, “agora” e “imaginava”.
É possível perceber que esse conjunto de elementos linguísticos são de
grande relevância para a inferência que permite conectar “o almoço de
verdade” com “um novo cachorro para os filhos”.
Dado o exposto até aqui, é possível considerar que um trabalho
pedagógico de ensino da leitura na interface Literatura e Linguística possibilita
análises e reflexões com a consistência necessária para que o leitor perceba o
texto em sua intimidade e alcance seus traços literários fundamentais. Isso lhe
permitirá um conhecimento mais consistente do texto literário, condição para
apreciação, valorização e desenvolvimento do desejo de dele se aproximar
cada vez mais.
22
3.4 UM ESPAÇO PARA OBJETOS DE APRENDIZAGEM EM AMBIENTE
VIRTUAL NO ENSINO DA LEITURA
Em tempos de tecnologia da informação, a leitura em ambiente virtual
é uma realidade inquestionável. Aposta-se na ação pedagógica que visa a
contribuir para a melhoria da compreensão da leitura da literatura por meio de
propostas interativas que contem com os recursos da informática. É nesse
sentido que os Objetos de Aprendizagem são apresentados neste projeto.
Entende-se, aqui, por objeto de aprendizagem, “qualquer recurso que
possa ser reutilizado para dar suporte ao aprendizado. Sua principal ideia é
dividir o conteúdo educacional disciplinar em pequenos segmentos que possam
ser reutilizados em vários ambientes de aprendizagem. Qualquer material
eletrônico que ofereça informações para a construção de conhecimento pode
ser considerado um objeto de aprendizagem, seja essa informação em forma
de uma imagem, uma página HTML, PHP e ASP, uma animação ou
simulação”.
Segundo Longmire5, os objetos de aprendizagem possuem
características facilitadoras de diversos problemas relacionados ao
armazenamento e à distribuição de informação por meios digitais, entre as
quais podemos destacar: a) flexibilidade – os objetos são construídos de tal
forma que possuam unidade e coerência interna, podendo ser reutilizados em
circunstâncias diversas sem necessidade de alterações; b) facilidade para
atualização – como são utilizados em diversos momentos, a atualização dos
objetos em tempo real é relativamente simples, desde que todos os dados
estejam em um mesmo banco de informações; c) customização – como são
independentes, a idéia de utilização dos objetos de aprendizagem em qualquer
modalidade de curso torna-se viável, sendo que cada instituição educacional
pode organizá-los da maneira mais adequada aos seus propósitos. Da mesma
forma, os indivíduos que necessitarem aprendizado poderão interagir de
diferentes com os conteúdos programáticos, avançando, assim, para mais um
23
novo paradigma, o on-demand learning; d) interoperabilidade – o objeto pode
ser utilizado em qualquer plataforma de ensino em todo o mundo, podendo ser
adicionado a uma “biblioteca de objetos”; e) qualificação do conhecimento –
a partir do momento em que um objeto é reutilizado e socializado, sua
consolidação cresce de maneira espontânea, melhorando significativamente a
qualidade do ensino; f) indexação e procura – a padronização dos objetos
favorece a acessibilidade por meio da formação de um banco que ofereça
elementos facilitadores de aprendizagens mais complexas.
4 OBJETIVOS
4.1 OBJETIVO GERAL
Contribuir para os estudos sobre ensino da leitura na interface
Linguísitca e Literatura.
4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
4.2.1Construir um paradigma de ensino da leitura na interface Literatura.e
Linguística.
4.2.2 Planejar e informatizar objetos de aprendizagem da leitura na interface
Literatura e Linguística.
4.2.3 Investigar os benefícios dos objetos de aprendizagem gerados para
alunos com dificuldades no manejo da leitura.
4.2.4 Difundir o trabalho realizado junto a professores do Ensino Médio,
disponibilizando os objetos de aprendizagem para escolas da rede pública e
privada.
4.3.5 Difundir o trabalho realizado dentro da Universidade, disponibilizando os
objetos de aprendizagem para o Laboratório de Aprendizagem da PROGRAD/
PUCRS.
5 QUESTÕES DE PESQUISA
24
5.1 Quais as características teóricas e metodológicas de um paradigma de
ensino da leitura para alunos universitários e do Ensino Médio na interface e
Literatura e Linguística?
5.2 Quais os benefícios dos objetos de aprendizagem gerados para o
desenvolvimento da competência em leitura por alunos universitários e alunos
do Ensino Médio?
6 METODOLOGIA
6.1 SUJEITOS: 30 alunos universitários de diferentes cursos e 30 alunos do
Ensino Médio
6.2 ETAPAS
6.2.1 Estudos Teóricos sobre Objetos de Aprendizagem
6.2.2Atividades de Ensino:
6.2.2.1 Construção e programação no MX Flash, de 20 Objetos de
Aprendizagem, explorando a organização linguística e a literariedade de 10
narrativas literárias e 10 poemas.
6.2.2.2 Aplicação em laboratório dos Objetos de Aprendizagem programados
no MX Flash.
6.2.3 Atividades de Pesquisa
6.2.3.1 Elaboração e aplicação, nos sujeitos, de pré e pós-teste de leitura de
textos literários (contos, crônicas e poemas), focalizando a organização
linguística e a literariedade.
6.2.3.2 Análise comparativa dos dados obtidos através da aplicação dos
instrumentos de pesquisa.
6.2.4 Atividades de Extensão
Realização de seminário com 50 professores de Língua Portuguesa de
Ensino Médio para disponibilização dos materiais construídos e divulgação dos
resultados da pesquisa.
7 RESULTADOS ESPERADOS
Esperam-se como resultados:
25
7.1 Construção de um paradigma de ensino da leitura sob a perspectiva de
interface entre Literatura e Linguística;
7.2 Constituição de uma acervo com 20 Objetos de Aprendizagem para
desenvolvimento da competência em leitura, apoiados na perspectiva de
interface entre Literatura e Linguística;
7.3 Conjunto de dados obtidos sobre a aplicação dos Objetos de
Aprendizagem em situação de laboratório;
7.4 Desenvolvimento da competência em leitura de universitários e alunos do
Ensino Médio;
7.5 Capacitação de 50 docentes para um ensino de leitura na interface entre
Literatura e Linguística.
8 REFERÊNCIAS
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discursos. São Paulo: Cortez, 2008.
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Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
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médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria da
Educação Básica, 2006. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/publicações
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Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria da
Educação Básica, 2000. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf
26
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Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino fundamental: língua portuguesa.
Brasília: Secretaria da Educação Fundamental, 1998. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf
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la modernidad. México: Grijalbo, 1989.
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Alegre: Artes Médicas, 2002.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Beca, 1999.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1993.
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Letras de Hoje, n. 86, p. 9-43. Porto Alegre: EDIPUCRS, dez. 1991.
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Alegre: Sagra, 1996.
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& Development. Virginia. USA. 2001
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BORTOLINI, A.; SOUZA, V. Mediação tecnológica: construindo e inovando.
p. 419-40. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.
27
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Psicolinguística e pela Informática. In: Letras de hoje, n.144, p.305-24. Porto
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28
9 CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
Atividades/Meses6 A S O N D J F M A M J J
1. Revisão Bibliográfica
2. Análise dos dados obtidos na revisão bibliográfica
3. Proposição de modalidades de objetos de aprendizagem
4. Definição dos aspectos, conceitos, conteúdos
5. Construção e programação no MX Flash, de 20 Objetos de Aprendizagem
6. Aplicação em laboratório dos Objetos de Aprendizagem programados
7. Elaboração e aplicação, nos sujeitos, de pré e pós-teste de leitura de textos literários
8. Análise comparativa dos dados obtidos
9. Realização de seminário 10. Elaboração de relatório.
6 Os meses são referidos apenas com a primeira letra de cada palavra.
29
10 PLANO DE ATIVIDADES DO BOLSISTA
No quadro abaixo segue detalhamento das atividades de pesquisa a serem
realizadas pelo bolsista de Iniciação Científica durante o período previsto de vigência
do projeto, de acordo com o cronograma proposto.
1. Participar de reuniões semanais com a equipe de
trabalho para discussões teórico-metodológicas e
orientações sobre procedimentos científicos a serem
realizados.
De 08/2010 a 07/2011
2. Efetuar leituras e estudos sobre os aspectos teóricos
referidos na Metodologia.
De O8/2010 a 09/2010
3. Apresentar as leituras teóricas realizadas nas reuniões. De O8/2010 a 09/2010
4. Pesquisar e analisar experiências exitosas de uso de
Objetos de Aprendizagem.
De O8/2010 a 09/2010
5. Construir e programar no MX Flash, 20 Objetos de
Aprendizagem, explorando a organização linguística e a
literariedade de 10 textos narrativos literários e 10 poemas.
De 11/2010 a 05/2011
6. Aplicar em laboratório os Objetos de Aprendizagem
programados no MX Flash.
De O4/2011 a 05/2011
7. Realizar análise comparativa dos dados obtidos através
da aplicação dos instrumentos de pesquisa.
O3/2011 e 06/2011
8. Participar da organização do seminário para
professores, contribuindo com ações de divulgação e
organização.
06/2011
9. Elaborar relatório de pesquisa. 07/2011