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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF CORRESPONDÊNCIA COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão Fone: : (0xx98) 3218-9924 As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não comprometendo a CMF. BOLETIM DA CMF Nº 36 DIRETORIA Presidente: Maria Michol P. de Carvalho Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti Secretária: Roza Maria Santos Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira CONSELHO EDITORIAL: Carlos Orlando de Lima Maria Michol Pinho de Carvalho Mundicarmo Maria Rocha Ferretti Roza Maria Santos Sérgio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro de Lima SUMÁRIO EDIÇÃO: Maria Michol P. de Carvalho Mundicarmo M. R. Ferretti Roza Maria Santos REVISÃO DE TEXTO: Antonio Regino de Carvalho Neto VERSÃO PARA A INTERNET: www. cmfolclore.u fma.br ISSN: 1516-1781 DEZEMBRO 2006 Editorial ....................................................................................................................................................... 2 Projeto Natal 2006 ....................................................................................................................................... 2 Michol Carvalho Promoção oficial: folclore, parafolclore e turismo ......................................................................................... 3 Maria do Socorro Araújo Turismo e religiosidade popular .................................................................................................................... 6 Mundicarmo Ferretti Tambor de Borá: representação do índio em terreiros de mina do Maranhão ................................................ 9 Jacira Pavão da Silva A Festa do Divino de São Luís e Alcântara - Danças de reverência ............................................................. 13 Roza Maria Santos Pastor, Pastoral: impressões dos séculos XIX e XX ...................................................................................... 15 Roza Maria Santos Janela do Tempo – Folclore da diamba ........................................................................................................ 17 Domingos Vieira Filho Resumos e resenhas: Monografias sobre Cultura Popular do Maranhão .............................................................. 18 Maria do Socorro Araújo Notícias ............................................................................................................................................................................ 19 Roza Maria Santos Perfil Popular – Maria Castelo ..................................................................................................................................... 20 Zelinda Machado de Catro e Lima CNPJ 00.140.658/0001-07

Editorial 2 SUMÁRIO - Comissão Maranhense de Folclore · Comissão Maranhense de Folclore e da Associação Comercial do Maranhão e traz um artigo sobre o Pastor, de Roza Santos,

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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

CORRESPONDÊNCIACOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho

Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão

Fone: : (0xx98) 3218-9924

As opiniões publicadas em artigosassinados são de inteira

responsabilidade de seus autores,não comprometendo a CMF.

BOLETIM DA CMF Nº 36

DIRETORIA

Presidente: Maria Michol P. de Carvalho

Vice-presidente: Mundicarmo M. R. Ferretti

Secretária: Roza Maria Santos

Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira

CONSELHO EDITORIAL:

Carlos Orlando de Lima

Maria Michol Pinho de Carvalho

Mundicarmo Maria Rocha Ferretti

Roza Maria Santos

Sérgio Figueiredo Ferretti

Zelinda de Castro de Lima

SU

RIO

EDIÇÃO:Maria Michol P. de CarvalhoMundicarmo M. R. FerrettiRoza Maria Santos

REVISÃO DE TEXTO:Antonio Regino de Carvalho Neto

VERSÃO PARA A INTERNET:www.cmfolclore.ufma.br

ISSN: 1516-1781DEZEMBRO 2006

Editorial ....................................................................................................................................................... 2

Projeto Natal 2006 ....................................................................................................................................... 2Michol Carvalho

Promoção oficial: folclore, parafolclore e turismo ......................................................................................... 3Maria do Socorro Araújo

Turismo e religiosidade popular .................................................................................................................... 6Mundicarmo Ferretti

Tambor de Borá: representação do índio em terreiros de mina do Maranhão ................................................ 9Jacira Pavão da Silva

A Festa do Divino de São Luís e Alcântara - Danças de reverência .............................................................13Roza Maria Santos

Pastor, Pastoral: impressões dos séculos XIX e XX ......................................................................................15Roza Maria Santos

Janela do Tempo – Folclore da diamba ........................................................................................................17Domingos Vieira Filho

Resumos e resenhas: Monografias sobre Cultura Popular do Maranhão .............................................................. 18Maria do Socorro Araújo

Notícias ............................................................................................................................................................................ 19Roza Maria Santos

Perfil Popular – Maria Castelo ..................................................................................................................................... 20Zelinda Machado de Catro e Lima

CNPJ 00.140.658/0001-07

Boletim 36 / dezembro 20062222222222

EditorialO Boletim CMF nº 36 divulga, em Pro-

jeto Natal 2006, de Michol Carvalho, a pro-gramação natalina da Secretaria de Esta-do da Cultura, através da Superintendên-cia de Cultura Popular, com parceria daComissão Maranhense de Folclore e daAssociação Comercial do Maranhão e trazum artigo sobre o Pastor, de Roza Santos,peça do teatro popular que narra a histó-ria do nascimento de Cristo, que é ence-nada em vários bairros, por mestres da cul-tura popular e em diversos terreiros deMina de São Luís.

Disponibiliza três trabalhos apresenta-dos por membros da CMF no 12º Congres-so Brasileiro de Folclore, realizado emNatal (RN), de 29/8 a 1º/9 do ano em cur-so: Socorro Araújo, Mundicarmo Ferrettie Roza Santos. Em consonância com atemática geral do evento, esses trabalhosgiram em torno da relação entre folclore eturismo como forma de inserção social evalorização da cultura popular. Um delesversa sobre a Festa do Divino, enfatizan-do o seu aspecto devocional, outro discutea relação entre turismo e religiosidadepopular, tomando também como referên-cia a Festa do Espírito Santo, e o terceiroaborda a questão das promoções oficiaisem folclore e parafolclore.

Esse número traz também um traba-lho de Jacira Pavão sobre o Tambor deBorá, ritual realizado na capital, no mêsde setembro, em vários terreiros de reli-gião de matriz africana, conhecido em al-guns deles por Tambor de Índio. Reedita,em Janela do Tempo, um trabalho de Do-mingos Vieira Filho, publicado em SãoLuís no ano de 1966, sobre o folclore dadiamba ou maconha e o seu polêmico uso,onde o autor faz referência a contextossociais em que a referida erva é largamen-te usada ou foi socialmente aceita noMaranhão – comunidades de pescadorese grupos de trabalhadores do mar, porexemplo. E, em Resumos de Monografiassobre Cultura Popular Maranhense, aCMF divulga, com a colaboração da pro-fessora Socorro Araújo, mais alguns traba-lhos acadêmicos realizados em Cursos deTurismo de universidades maranhenses.

Na seção Notícias, Roza Santos regis-tra e comenta alguns eventos realizadosno 2º semestre de 2006 de grande desta-que na área de cultura popular e, em Per-fil Popular Zelinda Lima chama a aten-ção para a contribuição de Maria Casteloà cultura popular maranhense, notada-mente no campo da culinária.

Esperando contar em 2007 com o apoiodos nossos leitores e colaboradores, dese-jamos a todos Boas Festas e Feliz AnoNovo!

Michol Carvalho1

Felizes, felizes, todos nós estamos!Chegou o Natal, sim, vamos celebrar!Estamos alegres e maravilhados,Porque em menino Deus se transformou!

Quatrocentas e cinqüenta (450) vozesde crianças e adolescentes abriram no dia1º de dezembro a programação natalina doGoverno do Maranhão, às 18:00 horas, nassacadas, janelas e portas do Palácio do Co-mércio, antigo Hotel Central, no centrohistórico da capital, com o IV Concerto parao Menino, que contou com a participaçãode 11 corais infanto-juvenis: Angellu’s Vox,Amor e Vida, São Joãozinho/Bom Pastor,Luis Rego, Quiálttera, Canto dos Rouxi-nóis, Paz e Bem, Kid’s Voice in Harmony,Encantando com as Mãos, Recriando oLúdico e Descobrindo o Saber, formadosem sua maioria por alunos de escolas públi-cas de bairros de São Luís.

As crianças e adolescentes marcaramtambém presença na Oficina de Presépios,realizada de 27 de novembro a 02 de dezem-bro, no prédio administrativo do Centrode Cultura Popular Domingos Vieira Fi-lho, que oportunizou um contato teórico-prático dos seus participantes com a histó-ria do nascimento do Menino Jesus.

No dia 07 de dezembro deu-se a aber-tura da exposição Arvoredo IX: o Jardimde Natal, com árvores de Natal alternati-vas concorrentes do concurso do mesmonome. E, às 18:00 horas desse dia, na Casada Festa/CCPDVF, as vozes dos corais SãoJoãozinho e Kid’s Voices in Harmony abri-ram, com um mini-cortejo e um concerto,a exposição e a visitação pública dos presé-pios montados nos Paços da Quaresma, doBeco da Pacotilha e da Rua Afonso Pena.

Lapinha IV: o Presépio de Nossos So-nhos foi a exposição aberta no dia 12 dedezembro, às 18:00 horas, na Casa de Nho-zinho, com uma mostra de 10 diferentes ecriativas concepções de presépios feitospelos artesãos e artistas plásticos: AdriannaKarlem, Ana Borges, Ana Maria Rabelo, Flá-vio Veiga, Gilson César, Jene Ribeiro, Mar-garida Emília Marilda Mascarenhas, Neli-ce Moraes e Sebastião Cardoso. Dessa vez,foram as personagens do Presépio Vivo e asvozes do coral infantil Amor e Vida quederam o tom festivo a esse evento.

O público maranhense foi brindadono sábado, dia 16 de dezembro, com a VIIICantata Natalina, que, a partir das 16:30horas, apresentou Concertos de Coraisem 09 igrejas do centro histórico de SãoLuís – Sé, Rosário, Santo Antônio, SãoPantaleão, Remédios, São João, Santana,Carmo e Desterro – e também na RuaGrande e na Praia Grande. No trajeto

Projeto Natal 2006

entre as igrejas ocorreu um cortejo emque personagens da cena natalina, Bandado Bom Menino e os corais percorreramanimadamente as ruas.

O encerramento deu-se na escadariada Praça Nauro Machado, com um gran-de concerto coletivo das 500 vozes dos 13corais: Madrigal da EMEM, AntônioRayol, Madrigal Som das Águas, Arte-Can-to, ICBEU, UFMA/Colun Vox, MadrigalSanta Cecília, Maranatha, Villa-Lobos,São João, Encantando com as Mãos, Kid’sVoices in Harmony e São Joãozinho.

Os tradicionais grupos natalinos dePastor, Pastoral, Reis e Reisados tiveram des-taque na programação, com apresentaçõesde 09 a 30 de dezembro em: igrejas, entida-des sociais, hospitais, penitenciária e co-munidades de São Luís, contabilizando ototal de 16 grupos, havendo no dia 19 dedezembro uma representação de seis. Des-tes, três são de Pastor (Caminho de Belém- Iguaíba, Estrela do Oriente – Sacavém eEstrela Guia – Anil) e três são de Reis (dasFlores - Porto Grande, das Flores - Tajaçoa-ba e Sempre Viva - Maracanã), participan-do de um cortejo, com saída às 17:00 horasdo Largo da Igreja do Desterro, rumo àPraia Grande, onde se apresentam nas Pra-ças Valdelino Cécio, Nauro Machado e naPraia Grande. Na Casa do Maranhão, nodia 21 de dezembro, 02 desses grupos (Pas-tor Y Bacanga - Anjo da Guarda e Reis Pas-torado - São José de Ribamar) mostramigualmente o seu saber ao público.

Chegando 2007, é a hora de concluiro ciclo natalino maranhense com a Quei-mação de Palhinhas, cerimônia de caráterreligioso e festivo que homenageia o Me-nino Jesus, a partir do dia de Reis. Nessadata – 06 de janeiro – o Museu Históricoe Artístico do Maranhão realiza, com la-dainha cantada, às 19:00 horas, a suaQueimação de Palhinhas. Nos dias 11 e12 de janeiro a Superintendência de Cul-tura Popular deverá fazer esse importan-te ritual com apresentações de gruposnatalinos no dia 11 e no dia 12 com mini-procissão do Menino Jesus pelas ruas, se-guida de ladainha cantada por DonaTetée Rosa Reis, com acompanhamento demúsicos populares, e concerto de reper-tório de músicas infantis.

Essa programação 2006 dá continui-dade a uma experiência de mais de dezanos de atividades, sob a coordenação daSecretaria de Estado da Cultura, atravésda atual Superintendência de CulturaPopular, com a parceria da Comissão Ma-ranhense de Folclore e da Associação Co-mercial do Maranhão.

1 Maria Michol P. de Carvalho - Superintendente de Cultura Popular/SECMA; Presidente da ComissãoMaranhense de Folclore.

Boletim 36 / dezembro 2006 3333333333

Discutir as relações entre promoção,turismo e parafolclore é ressaltar a cen-tralidade que o denominado patrimônioimaterial ou intangível adquire no âm-bito da gestão pública. Assistimos nasúltimas décadas do século XX um au-mento das preocupações em torno daproblemática da preservação e susten-tabilidade dos fatos folclóricos, e o ad-vento de iniciativas destinadas ao resga-te, registro e difusão das manifestaçõespopulares tradicionais, as quais refletemna ampliação do próprio conceito defolclore e de sua importância para a for-mação e reconstrução das identidadeslocais e/ou nacionais.

Um fator condicionante dessas preo-cupações é a estreita relação que se es-tabelece entre folclore e turismo. O Tu-rismo Cultural consiste no segmento daatividade turística, cujo caráter motiva-cional dos visitantes reside na possibili-dade de estabelecer um contato com asdiferentes interfaces presentes nas prá-ticas sócio - culturais vivenciadas pelosdiversos grupos humanos, delineadas emseus elementos tangíveis - monumentoshistóricos, prédios, museus, arquiteturacivil e religiosa, e intangíveis, resultantedas manifestações populares tradicio-nais, tais como festas sagradas e profa-nas, danças, ritos, rituais e demais fatosfolclóricos:

O Turismo Cultural, assim, pressupõe umpúblico educado e informado que com-partilhe com os órgãos de patrimônio umadefinição sobre o que constitui lugares,eventos e coleções corretas. Por outro lado,o Turismo Cultural deve ser visto pelosórgãos de preservação como um meio dearrecadar recursos para a manutenção delugares e manifestações, bem como uminstrumento de informação ao público vi-sitante (GOODEY, 2002, p. 135).

Dessa forma, o turismo pode contri-buir para o revigoramento das manifes-tações populares, para a valorização dopatrimônio cultural, fortalecendo o ca-ráter identitário além de possibilitar adinamização das economias locais. Oturismo emerge como um dos mecanis-mos de promoção e divulgação do fol-

PROMOÇÃO OFICIAL: FOLCLOREPARAFOLCLORE E TURISMO2

Maria do Socorro Araújo3

clore, estimulando o setor produtivo dacultura e promovendo a democratizaçãode informações sobre os fatos culturais.Nesse ínterim, o Estado desempenhapapel fundamental para a reproduçãodos fatos folclóricos, sobretudo para aque-las localidades que vêem no turismo pers-pectivas de elevação dos patamares dedesenvolvimento social e econômico.

A promoção do folclore em suas vari-ações associa-se geralmente à vincula-ção dos fatos culturais nas propagandasturísticas oficiais, na mídia impressa eaudiovisual, e mais recentemente no es-paço virtual (sites institucionais, de agên-cias de viagens e especializados na di-vulgação de destinos turísticos), na me-dida em que

“a busca pelos elementos característicose diferenciais de cada cultura aparececomo uma necessidade de mercado, acultura autóctone é a matéria-prima paraa criação de um produto comercializávele competitivo internacionalmente” (BAR-RETO, 2002, p.48).

Nas localidades vocacionadas para oturismo, observa-se a articulação de gru-pos empresariais e instituições públicasna idealização de eventos turístico-cul-turais: espetáculos, shows de música po-pular, apresentação de grupos folclóri-cos, bandas e cantores nativos – no in-tuito de conferir visibilidade aos produ-tores culturais e aumentar o nível deatratividade dos destinos turísticos, so-bretudo em períodos de baixa estação.

A inserção de elementos do folcloreno mercado publicitário e a sua utiliza-ção para fins turísticos contribuem paraa descaracterização e espetacularizaçãoda cultura. Em virtude do turismo seconfigurar em um bem simbólico, as ins-tituições públicas e privadas elegem de-terminados símbolos como matrizes dacultura popular no processo de forma-ção da imagem turística de um desti-no. Assim, decorre, por exemplo, a as-sociação entre o Carnaval e o produtoturístico Rio de Janeiro, o Maracatu ea cidade de Recife - PE, o São João eSão Luís - MA.

A mídia, de um modo geral e com rarasexceções, tem a disposição de tutelar ainformação, selecionando, com critérios,às vezes, simplistas e simplificadores oque informa. Quando assim procede, criasimulacros que tendem a se transformarem produtos que destroem a dimensãocultural do fenômeno social apresentado,alterando o contexto em que o patrimôniose constrói ou não informando sobre ele,seguindo a orientação das audiências econveniências. Quando se segue essa ge-ral tendência midiática, limita-se a capaci-dade problematizadora e educadora dainformação, diminuindo, da mesma forma,a percepção da oferta informativa por par-te do turista, visitante ou habitante da lo-calidade (MENESES, 2004, p.60-61).

A projeção de determinados ícones cul-turais no mercado publicitário implica naanálise de Dias (2003), no efeito demons-tração, que consiste na adaptação demodelos consolidados no âmbito da ati-vidade turística a outros contextos sócio-culturais; em conseqüência, ocorre o sur-gimento de grupos culturais cujas mani-festações diferem substancialmente daspráticas ritualísticas culturalmente enrai-zadas na comunidade. A Carta do Fol-clore Brasileiro, consentida durante a re-alização do VIII Congresso Brasileiro deFolclore na cidade de Salvador – BA,apresenta-nos uma definição consensuala respeito dos grupos parafolclóricos:

São assim chamados os grupos que apre-sentam folguedos e danças folclóricas,cujos integrantes, em sua maioria, não sãoportadores das tradições representadas,se organizam formalmente, e aprendemas danças e folguedos através do estudoregular, em alguns casos exclusivamentebibliográfico e de modo não espontâneo.

Nota-se a distinção entre folclore eparafolclore, uma vez que este últimofere as características de anonimato, es-pontaneidade e de aceitação coletivainerentes às tradições populares. Seguin-do a tendência de serialização cultural,os grupos parafolclóricos não resultamda criatividade e inventividade popula-res ou das relações intergrupais, não sãoportadores de referências culturais e, por-tando, são destituídos de historicidadee memória social.

2 Apresentado em mesa redonda no XII Congresso Brasileiro de Folclore (RN) – Natal-RN, 29/08-1/9/2006.3 Mestre em Serviço Social (PUC- SP) e professora do Curso de Turismo da UFMA. Membro da CMF.

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Nessa concepção, os grupos parafol-clóricos são assemelhados aos não-luga-res, denominação dada pelo antropólo-go Marc Augé (1994) aos produtos origi-nários da supermodernidade. Autorescomo Haesbaert (2002) empregam o ter-mo desterritorialização culturalista aoindicar a perda dos laços culturais dosgrupos sociais e a emergência de identi-dades interpenetrantes, resultado do ní-vel de complexificação verificado nastrocas simbólicas entre os diferentes sis-temas culturais nas quais torna-se impos-sível distinguir a reciprocidade da rela-ção global/local.

No tocante à promoção turística, emvirtude do caráter político, os grupos pa-rafolclóricos possuem um nível maior deaceitabilidade nas estratégias de marke-ting cultural e de apoio/ financiamentodos órgãos públicos e privados para o re-gistros visuais, acesso a matérias-primas eindumentárias, pois estes são mais susce-tíveis às veleidades do mercado turístico.Nos eventos turísticos institucionalizados,os grupos parafolclóricos adequam-se per-feitamente ao calendário das apresenta-ções; nesse caso, a preocupação incide-semenos nas significações do fato folclóricodo que na performance do espetáculo, naestética e no fetiche turístico.

Torna-se interessante retomar o con-ceito de autenticidade encenada utili-zado por MacCannell (apud Getz, 2001)para compreendermos a dimensão dofenômeno parafolclórico e de suas reper-cussões no âmbito da atividade turísti-ca. Nos eventos turísticos patrocinadospelo Estado, tais grupos constituem, nãoraro, abreviações das manifestações po-pulares, verdadeiros simulacros que des-contextualizam tradições. É o que nosafirma Swarbrooke (2000, p.43):

As necessidades presentes na indústria doTurismo e as preferências dos turistas po-dem levar à trivialização da cultura e à per-da da autenticidade. Danças tradicionaispodem ser abreviadas para se adequar àsprogramações de grupos de turistas (...) Damesma forma, canções folclóricas são apre-sentadas como mero entretenimento musi-cal, e não como parte de quebra-cabeçasde uma complexa cultura tradicional.

Como exemplos de grupos parafolcló-ricos temos o bumba-meu- boi de Pari-tins na Amazônia, e o boizinho Barricae Pirilampo em São Luís do Maranhão.Neste último, o bumba-meu-boi nãoapenas sofreu impactações em virtudedo turismo, mas também assumiu novossignificados, em que se entrelaçam acelebração ritualística e a espetaculari-zação para o turismo.

O BUMBA-TURISMO EM SÃO LUÍS - MA

Auto popular introduzido por negrosafricanos, o bumba-meu-boi teve seusprimeiros registros entre os séculos XVIIIe XIX. Nesse período caracterizou-se porser uma manifestação restrita a deter-minados setores populares, sofrendo umasérie de sanções e perseguições pelosaparelhos repressivos das elites ludovi-censes, sendo proibida a livre manifes-tação desta brincadeira no ano de 1861.

No decurso do século XX, o bumba-meu-boi passou a figurar nas propostasdo turismo cultural empreendidas pelosórgãos de preservação da cultura e depromoção turística, a exemplo da extin-ta empresa Maranhense de Turismo –MARATUR, o que gerou expectativasem relação ao revide econômico e soci-al decorrente de seu aproveitamentoenquanto atrativo turístico de São Luís.

A transformação desta brincadeiraem um bem de consumo cultural foiacompanhada por mudanças adaptati-vas por parte dos grupos folclóricos, naredução do auto, na supressão de algunspersonagens, na introdução de novos ins-trumentos de percussão, no discurso dastoadas, no figurino e coreografia, numaevidente estetização do bumba-meu-boie sua veiculação a um caráter estritamen-te econômico.

A dessacralização do auto e a cres-cente profissionalização de alguns gru-pos de bumba-meu-boi resultam do ape-lo publicitário e do apoio financeiro quecompõem as ações de incentivo e pro-moção dessa brincadeira por parte dosórgãos oficiais de turismo na cidade deSão Luís. O evento Vale Festejar, patro-cinado pelo Governo do Estado do Ma-ranhão em parceria com uma empresaprivada consiste num São João fora deépoca, no qual os grupos folclóricos apre-sentam-se no mês de outubro, períodoque não obedece ao ciclo tradicional dabrincadeira.

Outra impactação que concorreupara a crescente mercadorização dobumba-meu-boi refere-se ao surgimen-to de grupos parafolclóricos em São Luísa partir da década de 1980, os quais con-quistaram um espaço significativo naspeças de divulgação do produto turísti-co São Luís. Grupos como o Pirilampo eo Boizinho Barrica difundem a manifes-tação do bumba-meu-boi em nível naci-onal e internacional, recebendo apoioinstitucional para a realização de apre-sentações em eventos de cunho turísti-co-cultural.

A respeito do fenômeno parafolclóri-co em São Luís, destacamos a afirma-ção de Lima (2002, p.15):

Aos grupos folclóricos moderninhos queinsistem em se autodenominar bumba-meu-boi, apropriaram-se na brincadeirajunina tradicional e transformaram-na emum show de tv, espetáculo colorido e es-fuziante, agravável aos olhos, senão imi-tação pelo menos inspirados nos gruposde ‘tchan’ ou nas escolas de samba (...). Oantigo rebanho agora se chama quadrade ensaio. Os cordões são alas. A dançaprimitiva e espontânea obedece a umacoreografia ensaiada por experts de bal-lets. O amo passou a mestre-sala. Os ade-reços têm grifes de renomados artistasplásticos. Enfim, o boi sofisticou-se”. (...)“Aliás, realçado pelas reduzidas indumen-tárias das brincantes que põem em desta-que as formas esculturais de verdadeirasmodelos. Mas, por que chamá-lo bumba-meu-boi? Por que não classificá-los, comtoda a propriedade e justiça como grupoda dança folclórica, teatro de rua ou coisaequivalente?

De acordo com análise de Benjamim(2004) a utilização do parafolclore comfinalidades turísticas não se traduz ne-cessariamente numa dinamização daseconomias locais ou contribui significa-tivamente para a elevação da qualidadede vida da comunidade. Em São Luís,muitos grupos folclóricos estão sofrendoum processo de desaparição, em virtu-de de não se beneficiarem do desenvol-vimento do turismo cultural.

Nesse sentido, a promoção turísticaoficial do folclore deve contemplar adimensão social, com o estabelecimen-to de uma rede intricada de ações afir-mativas que intervenham na gênese dasmanifestações populares tradicionais, epromovam uma crescente equalizaçãosocial integrando todos os segmentos so-ciais que reproduzem e reinventam osfatos folclóricos.

PROMOÇÃO OFICIAL X PROMOÇÃO

SOCIAL: A BUSCA PELA SUSTENTABILI-DADE DO FOLCLORE.

Reconhecemos a importância que osgrupos parafolclóricos adquirem nas pro-postas de desenvolvimento turístico, ten-do em vista a sua flexibilidade em rela-ção às manifestações tradicionais, emque o ciclo de um determinado folgue-do popular obedece a uma dinâmica e aum tempo social específicos.

O parafolclore como instrumento depromoção oficial pode contribuir parasalvaguardar as tradições populares dos

CONTINUAÇÃO

Boletim 36 / dezembro 2006 5555555555

efeitos negativos oriundos da atividadeturística e da globalização, no entantonão se deve incorrer na tentativa de secristalizar o folclore, o que inviabiliza-ria a sua dinamicidade. Na visão de Dias(2003, p.113),

essa mudança funcional coloca-se perfei-tamente no processo dinâmico em que seinsere o fato folclórico. Perante novos ato-res – os turistas -, estes provocam mudan-ças geradas pelas interações recíprocas,que podem provocar modificações no fatofolclórico, o qual, quando bem conduzido,será a continuidade, em outro tempo, dofato original determinado historicamente,porém transformado e com novas funções.

As modificações ocorrem, com omaior ou menor grau de interferênciado turismo. O folclore revisitado apre-senta uma nova configuração em que seinterpõe tradição e modernidade, noqual a injunção de novos elementos nãoimplica num distanciamento do substra-to que lhe é inerente. Mesmo nos gru-pos de bumba-meu-boi parafolclóricos,o significado ritualístico e as simbologi-as são reconhecidos pela comunidade,nos autos, nos personagens, nas referên-cias das toadas, ou na homenagem à ar-tista genuíno/autóctone, a tradição épermanentemente atualizada.

Porém, conforme disposto na Cartado Folclore Brasileiro,

“recomenda-se que tais grupos não con-corram em nenhuma circunstância comos grupos populares e que em suas apre-sentações, seja esclarecido aos especta-dores que seus espetáculos constituemrecriações e aproveitamento das manifes-tações folclóricas”.

É importante informar ao público asespecificidades dos grupos parafolclóri-cos de forma crítica, imparcial, e evi-tando-se esteriótipos, problematizandoos conteúdos culturais e sensibilizandoo olhar do turista (URRY,1996) para osaspectos representativos do folclore dacomunidade visitada.

Deve-se resgatar e revitalizar as cria-ções populares tradicionais, inserindo-asnos roteiros histórico-culturais, buscan-do a sua devida interpretação para opúblico visitante, a fim de que o mes-mo, embora num espaço abreviado detempo, possa compreender a importân-cia do folclore para a população residen-te. Entendemos que as políticas públi-cas direcionadas à promoção do Turis-mo Cultural devem considerar a susten-tabilidade social, econômica, ambientale cultural.

A promoção do folclore deve abran-ger um apoio mais direcionado no senti-do de assegurar as condições técnicas dereprodução dos fatos folclóricos pelasclasses populares, propiciando a repro-dução criativa das tradições culturais.

“Muitas das manifestações da cultura per-tencem a grupos sociais de baixa renda,que não dispõem de indumentárias e ins-trumentos musicais, por exemplo. Depen-dem, assim, do apoio da sociedade paraobter esses materiais” (FARIAS, 2002, p.60).

As instituições de fomento ao turis-mo devem atuar em parceria com os de-mais órgãos públicos e privados no sen-tido de promover melhoria nas condiçõesobjetivas de vida das classes popularesem amplos setores, tais como saúde, edu-cação, infra-estrutura básica e de supor-te para o desenvolvimento turístico.

É primordial a criação de espaços paraa disseminação das manifestações folcló-ricas: oficinas e ateliês, centros culturais,além de promover ações de educação pa-trimonial para turistas e comunidade, nointuito de valorizar o saber-fazer dos mes-tres populares, estimulando a integraçãodos atores culturais, estabelecendo ain-da mecanismos eficientes de controle eavaliação dos fatos folclóricos. Tais inici-ativas, envolvendo a participação do po-der público, empresariado e das institui-

ções não governamentais, tendem a contri-buir para a responsabilidade social e paraa geração de benefícios sociais e econô-micos através do turismo, estimulandoo desenvolvimento endógeno.

A essência do planejamento turístico lo-cal exige que a comunidade, em todos osseus segmentos, tenha consciência de seupatrimônio material e imaterial e que de-cida sobre o que compartilhar e o que pre-servar para a sua guarda e proveito pró-prio, e também como e onde deseja queessa troca se efetue ( BENI, 2002, p.19).

A comunidade local deve estar cons-ciente do processo de transformação dasculturas e de hibridização das identida-des, participando efetivamente no pla-nejamento turístico, incorporando assuas reais necessidade e expectativas,primando pelo desenvolvimento emamplos aspectos da realidade social.Como afirma Meneses (2004, p.101),

“entender, informar, respeitar e alegrar-seem conhecer, de forma simplificada, é osegredo da promoção turística sustentá-vel, com base no patrimônio cultural”.

Cabe aos setores ligados ao turismo oentendimento da relação entre folcloree parafolclore e o compromisso com areal significação que estes possuem paraa comunidade em termos de alcance dodesenvolvimento sustentável.

CONTINUAÇÃO

AUGÉ, Marc. Não-lugares. Introdução à umaantropologia da supermodernidade. São Pau-lo: Papirus, 1994.

BENI, Mário. Um outro Turismo é possível? Arecriação de uma nova ética. In: GASTAL,Susana; MOESCH, Marutschka (org). Umoutro Turismo é possível. São Paulo: Contex-to, 2004.

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INTRODUÇÃO

Falar em religiosidade popular é fa-lar em crenças e rituais de uma popula-ção e na relação dessa população com osagrado. Mas é preciso lembrar que,quando a população é mais ou menoshomogênea, sua cultura popular se con-funde com cultura nacional e não hágrandes diferenças em sua religiosidade,mas, quando existem na população di-ferenças sócio-culturais expressivas, suacultura e sua religiosidade (um dos seusprincipais elementos) apresentam gran-de variedade.

No Brasil, até a abolição da escravi-dão (1888), a cultura das camadas domi-nantes (da elite) procurava seguir o pa-drão da nobreza portuguesa, principal-mente nas áreas mais próximas à sededo poder (cidades, vilas) e, apesar de naépoca não se pretender criar uma socie-dade igualitária, alguns elementos des-sa cultura de elite foram impostos aossegmentos populares (negros, índios, ca-boclos, degredados), como ocorreu coma língua portuguesa e com o catolicis-mo, que foi a religião oficial até a Pro-clamação da República (1889). Mas ossegmentos populares das cidades e dasáreas rurais (de origem indígena, africa-na e outros), excluídos ou quase excluí-dos das escolas e às vezes marginaliza-dos nas igrejas, tinham seus própriosmodelos e tradições culturais.

A religiosidade popular nem sempreé vista de forma adequada pelas elitessócio - econômicas. As diferenças por elaapresentada em relação à das camadasdominantes é freqüentemente interpre-tada como decorrentes de arcaísmos (so-brevivências de um passado longínquo)ou de ignorância (baixa escolaridade), e,não raramente, a religião popular é re-ferida na literatura acadêmica como:fetichismo, magia, feitiçaria etc. É cu-rioso que nem sempre as pessoas consi-deradas avançadas - que têm uma histó-

Mundicarmo Ferrretti5

ria de luta pela valorização da culturapopular -, conseguem escapar dessa vi-são preconceituosa. Nina Rodrigues, pi-oneiro dos estudos sobre o negro no Bra-sil, apesar de ter valorizado as religiõesafro-brasileiras, referiu-se a elas como“fetichismo” (RODRIGUES, 1935)6.

CULTURA POPULAR E DIFERENÇAS

REGIONAIS

Quando se comparam as produçõese modos de vida de populações de regi-ões geográficas diferentes as suas dife-renças culturais costumam aparecer demodo bastante visível e essas diferençaspodem ser facilmente detectadas, tantona rua e em outros locais públicos (comofeiras; mercados; largos de igrejas, du-rante festejos religiosos etc.), como emlocais privados (terreiros de religião afro-brasileira e outros ). Mas é ilusório pen-sar que a cultura de elite é homogênea.Apesar da ação uniformizadora do siste-ma escolar, grandes são também as dife-renças por ela apresentadas7.

Embora as diferenças culturais te-nham sempre despertado a curiosidadedos povos8, na sociedade moderna elasse transformaram em atração turística etem estimulado várias atividades econô-micas orientadas para o lazer. Os “paco-tes turísticos” costumam incluir, além deatividades voltadas à apreciação das be-lezas naturais, programas direcionadosao conhecimento das riquezas culturaisdas populações locais, com ênfase noartesanato, na culinária e nas festas po-pulares.

TURISMO E RELIGIOSIDADE POPULAR

A participação de turistas nas festase rituais religiosos, embora costumememprestar a elas maior brilhantismo, temcausado alguns problemas. Com exce-ção dos programas caracterizados comoturismo religioso, os turistas costumam

participar de festas e rituais religiosospopulares sem conhecimento ou sempreocupação com as normas que os re-gem e, não raramente, criam certosembaraços. Quando a afluência deles émuito freqüente ou assume grandes pro-porções, tende a causar grande impactonaquelas atividades, daí a necessidadede discussão do problema entre produ-tores culturais, folcloristas, técnicos,antropólogos e outros interessados emcultura popular. O interesse turísticopelas produções culturais populares tra-dicionais, apesar de poder incentivá-las,às vezes, tem atuado negativamente so-bre elas. É sabido que as produções “paraturistas” são geralmente menos elabora-das, mal acabadas e que às vezes foramdescaracterizadas para se adaptarem àprogramação turística e a outros padrõesestéticos. Pretendemos a seguir analisara questão da interferência do turismo nofolclore tomando como referência a Fes-ta do Espírito Santo na capital mara-nhense9.

A FESTA DO ESPÍRITO SANTO

EM SÃO LUÍS-MA

A Festa do Espírito Santo, de origemeuropéia, é encontrada em vários esta-dos brasileiros, principalmente naquelesonde a população de origem açoriana éexpressiva. No Maranhão ela é realiza-da com grande esplendor no Domingode Pentecostes envolvendo “toda” a ci-dade, como ocorre em Alcântara, ou,simultaneamente várias comunidades,como ocorre em São Luís, onde é reali-zada principalmente em terreiros demina – religião afro-brasileira hegemô-nica na capital (como na Casa das Mi-nas e na de Casa de Nagô) ou sob a lide-rança de pessoas ligadas à religião afro-brasileira (como a realizada por donaNilza, no bairro Goiabal). Mas nos ter-reiros as festas para o Espírito Santo sãorealizadas durante quase todo o ano,

4 Apresentado no 12º Congresso Brasileiro de Folclore. Mesa Redonda 1. Natal, de 29/08 a 1/09/2006.5 Comissão Maranhense de Folclore; Dra. em Antropologia; pesquisadora de Religião Afro-brasileira.6 E, algumas décadas depois, Mário de Andrade referiu-se à música produzida nos terreiros como “música de feitiçaria”, apesar de ter sido um “apaixonado” por ela

(ANDRADE, 1983).7 Um exemplo dessa diversidade pode ser encontrado na diferença de sotaques observados na fala das populações das diversas regiões, apesar da costumeira imitação dos

grandes centros pelos menores.8 O relato de viajantes sobre o “Novo Mundo” despertou grande interesse dos europeus e influenciou obras de arte (pinturas, tapetes e louças passaram incluir imagens da

flora, da fauna e retratos dos nativos das terras “descobertas” pelos europeus).9 Para maior informação, ver FERRETTI, Mundicarmo (2000); FERRETTI, Sergio (1995); NUNES, Izaurina (2003).

TURISMO E RELIGIOSIDADE POPULARTradição e mudança na Festa do

Divino Espírito Santo do Maranhão4

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excluindo-se apenas o período do Carna-val, da Quaresma e algumas outras datasde grandes comemorações populares10.No Maranhão, embora as Festas do Divi-no incluam em sua programação umamissa, celebrada em igreja católica, sãocomandadas inteiramente por devotos doEspírito Santo, na maioria das vezes,como falamos anteriormente, ligados aterreiros de mina, daí a sua freqüenterelação com voduns e encantados.

As Festas do Divino dos terreiros demina são realizadas quase sempre duran-te o seu festejo grande, quando as casasde culto rendem homenagem às suas prin-cipais entidades espirituais (como VóMissa/Nanã, sincretizada com Santana– no terreiro de mãe Elzita; Dom LuísRei de França, no Terreiro de Yemanjá,do falecido Jorge Itaci) ou são em si umaobrigação para uma entidade espiritual,como ocorre com a Casa das Minas, ondeé uma obrigação para Nochê Sepazim,vodum da família real do Daomé, conhe-cida como devota do Espírito Santo.

No Maranhão a Festa do EspíritoSanto tem uma longa duração e com-preende várias etapas sendo as princi-pais: 1) abertura da tribuna (ocasião emque são armados os tronos do império edos mordomos); 2) buscamento e levan-tamento do mastro (tronco que, depoisde enfeitado, deverá ser plantado no lo-cal da festa para ser visualizado de lon-ge e anunciar a sua realização); 3) festapropriamente dita (com missa, cortejodo império, distribuição de comida, to-que de caixa etc.); 4) derrubada do mas-tro; 5) transferência das posses (quandoo império transfere ao escolhido paraatuar no ano seguinte os símbolos denobreza usados por ele: cetro, coroa etc.);6) e serração do mastro e/ou carimbó(brincadeira de caixeiras após o encer-ramento da festa). Alguns momentos dafesta, como o levantamento e a derru-bada do mastro, e o dia da festa propri-amente dita são mais solenes e atraemgrande público. Em São Luís, um certonúmero dessas festas começa Sábado deAleluia (que antecede ao domingo dePáscoa) e vão até a 2ª feira depois dePentecostes (durando, portanto, mais de50 dias). Nas festas longas, embora asatividades principais se concentrem emuma ou duas semanas, nas outras sema-nas são também realizadas algumas ati-vidades, como toque de caixa às 6h datarde, aos sábados etc.

CONTINUAÇÃO

A Festa do Espírito Santo é realiza-da no Maranhão com muito luxo, muitafartura e muito zelo para que nada saiaerrado, pois acredita-se que qualquerfalha pode atrair grandes desgraças. Éuma festa dispendiosa, cansativa, queenvolve muitos segredos, mas é tambémuma atividade que reforça a esperançaem dias melhores, a auto-estima e o pres-tígio do grupo. É também a festa ondehá maior congraçamento de pessoas dediferentes crenças e classes sociais e porser uma das principais manifestaçõesfolclóricas do Maranhão, vem há anosmerecendo o apoio do governo11.

O INTERESSE TURÍSTICO SOBRE A

FESTA DO ESPÍRITO SANTO NO

MARANHÃO

Os ritos religiosos populares e as fes-tas de santos costumam atrair não ape-nas devotos, mas também pessoas queàs vezes desconhecem ou que não co-mungam das crenças e valores a eles as-sociados. Alguns desses rituais constitu-em manifestações folclóricas expressivas(como é o caso da Festa do Divino Espíri-to Santo em São Luís e em Alcântara, noMaranhão, de que nos ocupamos anteri-ormente), daí porque são incluídos emcalendários turísticos realizados pelo se-tor público e em programações de turis-mo cultural ou religioso realizadas poralgumas empresas especializadas. Preten-demos discutir aqui alguns problemasgerados pela participação ou presença deturistas em rituais religiosos e apontar al-guns cuidados que se precisa tomar paraque ela não venha a prejudicar grande-mente aquelas atividades religiosas.

Os ritos e festas do folclore religioso,como a Festa do Espírito Santo, são reali-zados geralmente por devotos e envolvemgrupos ou comunidades que professam amesma fé. Mas, como falamos anterior-mente, muitos deles atraem grande nú-mero de pessoas para quem a religião nãotem tanta importância, que têm outrareligião ou um outro sistema de crenças.A presença desses “não devotos” nas fes-tas e rituais religiosos pode ter um efeitopositivo sobre elas, uma vez que podemreforçar a motivação para a sua realiza-ção e aumentar o desejo dos devotos derealizá-las cada vez melhor. E não rara-mente esses “não devotos” contribuemfinanceiramente para a realização da fes-ta, quer diretamente, quer indiretamen-te, participando de leilões, rifas, bailescom entrada paga, comprando comidase lembranças em barracas dos devotos etc.

Mas a participação de “não devotos”nas festas e rituais religiosos pode tam-bém acarretar problemas. Algumas ve-zes eles comparecem em grande núme-ro ao local do festejo ou de realizaçãodo ritual, passando na frente de quemtem alguma relação com o que ali estásendo realizado ou tomando o lugar dequem contribuiu para a sua realização.E, não tendo consciência do valor religi-oso da festa ou ritual, podem provocarmudanças na sua atmosfera, aumentan-do a bebedeira e a algazarra existenteem torno deles, desrespeitando regras eproibições, e desviando a atenção parao que está sendo realizado12.

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10 Ver agenda organizada pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho e publicadas no Boletim da CMF, nº 32 (2005), 34 e 35 (2006).11 O Boletim da Comissão Maranhense de Folclore, nos seus números 32 (2005) e 34 (2006), fornece uma relação de 50 Festas do Espírito Santo apoiadas financeiramente

pelo Governo do Estado no período 2005-2006.12 Na Festa do Espírito Santo de Alcântara, o desrespeito a certas proibições, como a de cruzar os braços em locais e momentos especiais, obriga o infrator a “pagar uma

prenda”. Para que não escape, ao ser flagrado, um dos fiscais da festa amarra uma fita em seu braço e só desamarra após o cumprimento da obrigação (que consiste,geralmente, em dar algum dinheiro).

Boletim 36 / dezembro 20068888888888

CONTINUAÇÃO

Nos últimos anos tem havido muitareclamação sobre o comportamento depessoas de fora e de turistas que têm idoa Alcântara por ocasião da Festa do Divi-no. Os terreiros de mina freqüentemen-te se sentem também agredidos pela pre-sença de pessoas de bermuda ou de rou-pa preta nas festas, e reclamam de pesso-as atravessando o barracão durante a rea-lização de rituais, geralmente em buscade melhor ângulo para as suas fotos oude melhor local para as suas gravações deáudio, que às vezes são até proibidas.

Um outro problema gerado por essaparticipação é o risco da introdução demudanças nas festas e rituais religiosospara satisfazer o gosto daquela clientelapassageira ou para adequá-los à sua dis-ponibilidade de tempo, o que levariafatalmente, mais cedo ou mais tarde, àtransformação da festa religiosa em puroespetáculo para turista. Os cânticos dosrituais e festas religiosas populares, porexemplo, além de longos, costumam serrepetidos muitas vezes, sem problemapara os devotos, pois costumam estar alisem nenhuma pressa, uma vez que es-tão cumprindo uma obrigação ou estãoali por devoção, daí porque costumamparticipar deles integralmente, do ini-cio ao fim. Mas constituem um grandeproblema nas programações turísticas.

Como é bastante conhecido, as fes-tas e rituais da cultura popular, além delongas, costumam ter data, hora e localdeterminados por motivos religiosos oupela tradição, razão pela qual nem sem-pre se adéquam à programação turísti-ca. Os que ocorrem à noite, por exem-plo, não costumam acabar antes do ama-nhecer, até porque durante a madruga-da os transportes coletivos são poucos emuitas pessoas são obrigadas a perma-necerem no local até de manhã. Poroutro lado, existem etapas de festas ourituais que só podem ser realizadas aoescurecer, ao raiar o dia, ou nas “horasgrandes” – 6, 12, 18 e 24 horas.

Existe mais um problema para a reli-giosidade popular, quando as festas pas-sam a despertar maior interesse turístico,o surgimento de grupos motivados apenaspela demanda mercadológica. Sem ne-nhum compromisso religioso, esses grupostêm toda liberdade para criar e recriar emcima da cultura tradicional e, às vezes,alguns terminam se destacando mais doque os tradicionais e até influenciando os

antigos que, no processo de adaptação àsdemandas turísticas, como estratégia desobrevivência, abandonam as formas tra-dicionais e passam a imitar os grupos maisjovens (o que ocorre freqüentemente apóso falecimento de seus criadores).

A INCLUSÃO DE RITUAIS RELIGIOSOS

AFRO-BRASILEIROS EM CALENDÁRIOS

TURÍSTICOS

Os rituais religiosos afro-brasileiros,há muito, vêm sendo objeto de atençõesde não devotos, atraídos pela beleza desuas danças, músicas e indumentáriasetc. Esse interesse (embora às vezes sejafruto do desconhecimento de sua verda-deira natureza ou da redução daquelesrituais a espetáculos para diversão dascamadas populares) foi e continua sen-do legitimada por vários pais-de-santo e,na maioria das vezes, parece que nãotinha um impacto muito negativo sobreas religiões afro-brasileiras. É possívelque no passado os próprios líderes religi-osos tenham procurado atrair aquela cli-entela no intuito de reduzir o precon-ceito existente nas camadas sociais maisaltas sobre aquelas religiões.

Atualmente a presença de “não de-votos” nos terreiros tem crescido graçasà integração de programação de insti-tuições que atuam na área de turismo, oque tem sido objeto de críticas e de pre-ocupações de líderes religiosos. Não ra-ramente se ouve falar em São Luís, comum tom crítico, em terreiros “de turis-tas” e em rituais “para turistas” realiza-dos naquelas casas. E, como os terreirosvinculados à programação turística cos-tumam passar por um acentuado proces-so de mudança, é também grande a re-sistência encontrada nessa área em re-lação a programas do setor publico oude empresas que visem propiciar a visi-tação de turístas àquelas casas.

Em 2002, pesquisadores do GP-Mina, realizando pesquisa de levanta-mento para a FUMTUR, encontraramem alguns terreiros grande resistênciaem relação à sua inclusão na lista dosque poderiam receber turistas, temen-do o controle dos coordenadores de pro-gramas e mudanças por eles impostas emrelação a seus calendários das festas erituais, pois, segundo eles, “nos terreirostoda mudança tem que ser solicitada ouaprovada pelas entidades espirituais”13.

Os exemplos apresentados parecemsuficientes para mostrar que a inclusãode festas e rituais religiosos em calendá-rios turísticos tem que ser feita com cau-tela, principalmente quando ocorremem locais privados (como em terreiros dereligião afro-brasileira).

CONCLUSÃO

A interação entre turismo e religiosi-dade popular é problemática e precisaser acompanhada pelos produtores cul-turais, técnicos e responsáveis pela for-mulação de políticas públicas, para queo primeiro não venha a causar danos àsegunda. A participação intensa de turis-tas em uma atividade religiosa pode le-var a substituição dos seus motivos e des-virtuá-la facilmente, se os motivos para asua realização forem substituídos por in-teresses econômicos. Mas, enquanto osdevotos conseguirem encarar com natu-ralidade a presença de turistas em suasfestas e rituais, e continuarem realizan-do essas atividades por promessa, obriga-ção, tradição ou por prazer, o turismo nãodeverá afetá-las grandemente.

O risco maior de interferência nega-tiva do turismo sobre a religiosidade po-pular surge quando os produtores cultu-rais tradicionais deslocam o foco de suaatenção para os expectadores externos(os turistas), encarando-os como motivoespecial de orgulho (já que são geralmen-te de classe social superior a deles) oucomo oportunidade de lucro.

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13 Em 2002, coordenamos um trabalho do GP-Mina (grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA), para a FUMTUR (FundaçãoMunicipal de Turismo de São Luís) o levantamento de informações gerais e o calendário de festas e rituais públicos de trinta terreiros de São Luís, com vista a fornecimentode informação a turistas interessados em religião afro-brasileira. O trabalho, solicitado pela Fundação Municipal de Turismo (FUMTUR – São Luís-MA), foi realizado portrês membros do grupo de pesquisa, com a nossa orientação, e envolveu 30 terreiros da ilha de São Luís (a maioria da capital). Pelo menos 50% desses terreiros já haviamsido pesquisados de forma sistemática por estudantes ou pesquisadores maranhenses e vários deles já eram conhecidos na literatura especializada e/ou havia sidocadastrados pelo Centro de Cultura Domingos Vieira Filho (ligado à administração estadual) como produtores de folclore, pela realização anual de Festa do Espírito Santo,Bumba-boi de encantado, Pastor etc.

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O Tambor de Mina é a principal ma-nifestação religiosa de origem africanado Maranhão. Tem nas centenárias Casadas Minas (jeje, daomeana) e Casa deNagô (iorubana) os focos de maior repre-sentatividade. Apesar do tradicionalis-mo inerente a elas, só a Casa das Minas-Jeje se mantém “pura” em relação aoculto a entidades africanas trazidas porseus fundadores, em meados do séculoXIX. Os membros daquela casa não ad-mitem cultuar outras entidades que nãosejam os voduns16, continuando assim atradição africana de suas fundadoras ereafirmando a sua identidade jeje – per-manecendo fechada à “caboclização”,tal como ocorre, na Bahia, em algunsterreiros tradicionais. Mas, apesar doTambor de Mina ter sido fundado pornegros africanos, o culto não ficou imu-ne a influências externas, tal como aameríndia, observada mais claramentena Cura/Pajelança e no Tambor deBorá, realizados em alguns terreirosmaranhenses, e a européia, demonstra-da pela presença de entidades espiritu-ais gentis17, como D. João e D. Sebasti-ão e outras. Na Casa de Nagô, apesar deter sido fundada por africanas, existetambém o culto aos caboclos (entidadesespirituais brasileiras).

O modelo da Casa de Nagô espalhou-se rapidamente e foi adotado por mui-tas terreiros, exceto pela Casa das Mi-nas-Jeje, que continua sem receber ca-boclos em seus rituais. Nos outros terrei-ros afro-maranhenses, independente dadenominação adotada (Mina, Umban-da, Candomblé, Terecô, Encantaria ouMata de Codó) há transe mediúnico comentidades caboclas.

CASCUDO (1962, p.156), CACCIA-TORE (1988, p.73) e FERREIRA (1975,p.33) definem o caboclo como um indí-gena civilizado que se originou da mis-cigenação étnica do branco português(europeu) com o índio (nativo) e que nãoé autóctone, como sugeriu alguns auto-

TAMBOR DE BORÁrepresentação do índio em terreiros de Mina do Maranhão14

Jacira Pavão da Silva15

res. Para Cacciatore, o caboclo pode serainda um nome genérico para espíritoaperfeiçoado de ancestrais indígenasbrasileiros (CACCIATORE, 1988, p.73).Esse mestiço pode ter sido encaradocomo “personificação e divinização detribos indígenas, segundo o modelo doscultos populares de orígem africana,paramentado, porém, com trajes cerimo-niais dos antigos tupis”, segundo FER-REIRA (1975, p.33). Mas, como esclare-ceu Mundicarmo Ferretti, o caboclo damina pode ser turco ou filho de reis eu-ropeus (FERRETTI, M., 1993).

Na Umbanda18, resultante da mistu-ra de diversos elementos religiosos de ori-gem européia, africana e também indí-gena, referida por José MAGNANI (1991,p.13) como “duvidosa inspiração indíge-na”. Nela, segundo o mesmo autor, en-contramos os espíritos de antepassadosdos bantos (os pretos-velhos) e entidadesameríndias – os caboclos que estão distri-buídos em aldeias, reinos, tribos e, emvez de formarem um sistema, justapõem-se entre si (MAGNANI, 1991, p.33).

Na Umbanda a entidade africanaque se apresenta mais próxima da con-cepção de índio e dos seus traços é Oxos-si – que tem como atividade a caça; seudomínio é o mato; suas armas são arco,flecha e lança; sua planta é espada deSão Jorge. Na Umbanda Oxossi é consi-derado “Rei dos Matos” e comanda umalinha de caboclos, adornados com mui-tas penas, cocares e outras marcas con-vencionalmente atribuídas aos indígenas(MAGNANI, 1991, p.152). Como foi ditoanteriormente, na Umbanda, a represen-tação mais próxima dos índios que sãohomenageados no Borá realizados nosterreiros de São Luís, é a figura de Oxos-si, mas o próprio culto umbandista ad-mite ser mais um culto a caboclo do quea orixás nagôs. Observando algumas ca-sas de culto afro no Maranhão de influ-ência umbandista como: Terreiro de Ie-manjá (de Pai Jorge - Fé em Deus), Ten-

da Santo Antônio (Pai Tote – Cruzeirodo Anil), Tenda Cosme e Damião (MãeMaria Augusta – Lira) e Tenda Rainhade Iemanjá (Pai Bita do Barão – Codó-MA), constatamos na representação des-sas entidades traços como: pular, gritare expressão fisionômica fechada que osaproxima da imagem dos caboclos/ín-dios (dono da terra) no Candomblé deCaboclo e na Umbanda. Mas no Tam-bor de Mina o povo-de-santo e os mé-diuns incorporados durante os rituais, eaté mesmo fora deles, não aceitam aidentificação de caboclo com índio, poisali “índio, é índio” e “caboclo, é cabo-clo”. Em conversa com Dona Maria (ze-ladora do Terreiro da Portas Verdes), ob-tivemos a seguinte explicação:

“Alguns anos atrás, durante o Borá, che-gou uma senhora aqui no barracão queestava em transe com caboclo. Quandoos índios perceberam do que se tratava,imediatamente avançaram em cima docaboclo, só não aconteceu coisa pior por-que eu, os abatazeiros e outras pessoasda casa conseguimos com muito custocontrolar os índios, foi aí que retiramos omédium do barracão e conseguimos fa-zer o caboclo subir. Este dia eu nuncavou esquecer, foi muito horrível”.

Na Mina, um não se confunde como outro. O índio não é caboclo e nemsempre os caboclos têm origem indíge-na, pois alguns são turcos ou franceses,embora tenham sempre alguma relaçãocom índio, como se pode ver no relatomítico dos turcos:

“O Rei da Turquia, perdido em águasmaranhenses foi encontrado pelo índioSapequara que o levou para a sua aldeiae cuidou dele, e dali nasceu uma grandeamizade entre os dois a ponto de seremmuito confundidos, assim como seus fi-lhos, turcos = caboclos e índios” (FER-RETTI, M. 1993, p.184-185).

Além de muitos caboclos não-indíge-nas apresentarem “traços” e adotaremnomes indígenas, como Tabajara, Jagua-

14 Versão reduzida de trabalho apresentado no 10º Congresso Brasileiro de Folclore – São Luís-MA, 18-22/6/2002. Retoma monografia de conclusão do curso de graduaçãoem História (SILVA, 1999).

15 Licenciada em História; membro do Grupo de Pesquisa “Mina” /UFMA.16 O termo vodum é usado para designar as entidades da encantaria africana (jeje, como Dossu, nagô, como Xangô, cambinda, como Vandereji) e às vezes de forma genérica,

para designar as entidades mais antigas e prestigiadas recebidas no tambor de mina (FERRETTI, M. 1995, p.07).17 Entidades Gentis são entidades espirituais míticas recebidas nos terreiros maranhenses que têm origem nobre.18 Umbanda – religião formada no Brasil por um seleção de valores doutrinários e rituais, feitos a partir da fusão dos cultos africanos congo-angola, já influenciado pelo

nagô, com a pajelança (dando um primeiro tipo de candomblé de caboclo) sofrendo ainda influência dos malês islamizados, do catolicismo e espiritismo (atualmente háuma linha ritual em certos centros de Umbanda, com a mesa e recepção mediúnica de espíritos de mortos comuns, muito próximo do kardecismo) e, posteriormente, doocultismo (CACCIATORE, 1988, p. 242).

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rema e Tapindaré, alguns caboclos po-dem vir também em ‘linha de índio’,como é o caso da entidade espiritual Tom-bassé, da família do Rei da Bandeira, queconhecíamos como cabocla e que na Ten-da Santo Antônio, se apresenta como ín-dio (MENEZES, 1998). Na Cura, ritualpúblico e festivo da pajelança cabocla doNorte, realizado em muitos terreiros deSão Luís, onde o pajé (ou curador), incor-porando entidades espirituais de diversaslinhas, canta, dança, e toca maracá du-rante a noite toda (FERRETTI, M. 1993,p.343), há também “descida” de entida-des indígenas, como Índia Taquara e oÍndio Preto, recebidos no Terreiro das Por-tas Verdes, conforme nos foi informadoem entrevista.

Mas, em conversa com um médiumem transe com caboclo, a diferença en-tre índio e caboclo foi afirmada quandoele revelou não gostar dos índios porqueos mesmos não se comportam “bem”como os caboclos:

“Eu não gosto daquele urubus (índios)porque eles se deita no chão, se rola. Agente (caboclo) não faz isso não, caboclonão faz dessas coisas” (Terreiro das PortasVerdes, 08/07/1997).

Se, na hierarquia de “descida” nos ri-tuais de mina e no grau de domínio nacabeça dos médiuns os caboclos são in-feriores, embora participem de quasetodos os rituais e passem a ‘baiar’ na rodacom vodum, orixás e gentis, imagine olugar reservado na mina às entidades in-dígenas, que nos terreiros de mina doMaranhão, assumem caráter marginal.

Apesar de serem recebidos em ritu-ais especiais (Tambor de Índio) do ca-lendário de algumas casas de mina, oíndio é recebido com “linha fechada”para a Mina. Assim, quando o ritualchega ao fim, toca-se uma ou várias noi-tes para fechamento de linha ou corren-te do índio e “abre-se a corrente daMina”. Com a linha aberta para Mina,há descida dos voduns, orixás, gentis ecaboclos e pode se passar às obrigaçõesritualistas ‘mineiras’. Essa segregação dasentidades indígenas aparece de modomuito claro no Tambor de Mina do Ma-ranhão. As entidades que se apresentamincorporadas em rituais indígenas sãomantidas separadas de outras entidadesde origem africana (voduns e orixás) oude origem não africana (caboclos, ciga-nos e moças). O índio, enquanto entida-de espiritual, é separado do convívio de

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outras entidades o que, segundo o povo-de-santo, acontece devido ao fato de seapresentarem de maneira selvagem,agressiva e até malvada. E em outrasdenominações afro-brasileiras ele é des-tituído de sua individualidade e é vistocomo representante genérico de antigoshabitantes do Brasil (CACCIATORE,1988). FERREIRA (1975, p.164) defineo índio como sendo um aborígine daAmérica, definição usada de forma maiscorriqueira no meio acadêmico. Mas nosterreiros de Mina, embora os índios se-jam admitidos desse modo genérico, sãorepresentados com algumas diferençasgrupais (como tribo Urubu, Guajajara eTabajara) e, às vezes, individuais.

A deformação ideológica do índioimposta pelo colonizador europeu, numconjunto ideológico, atravessou os sécu-los até chegar aos terreiros de culto afro-brasileiro, onde às vezes o índio é trata-do como um indesejado, apesar de pos-suir um lugar no seu contexto classifica-tório e de ter seus próprios rituais. En-quanto isso, na mina, o caboclo é aque-le que está presente em quase todos ostoques, podendo ‘baiar’ na mesma rodacom outras entidades e podendo ser até‘dono da cabeça’ do médium que o re-cebe naquele momento. Apesar da dis-criminação, as entidades indígenas “des-cem” em vários terreiros maranhenses.Tivemos oportunidade de observar suapresença em rituais especiais nos seguin-tes terreiros: Terreiro das Portas Verdes -Zé João (falecido), Terreiro de Iemanjá– Jorge Itaci (falecido), Terreiro Fé emDeus – Elzita, Tenda Cosme e Damião– Maria Augusta (falecida), Tenda deSanto Antônio – Tote, Tenda de Ieman-já – Bita de Barão (Codó) e Casa Fanti-Ashanti – Euclides.

O Tambor de Borá é um ritual reali-zado anualmente em terreiros maranhen-ses, independente da dominação (Mina,Umbanda, Cura e Mata de Codó), emhomenagem ao “povo da mata” (entida-de espiritual indígena). O Tambor deÍndio, como é mais conhecido, é reali-zado tanto em terreiros abertos por ‘mi-neiros’, como em casa aberta por cura-dores/pajés para reverenciar espíritosindígenas que ali não são classificadoscomo eguns (espíritos de mortos) e simcomo encantados. Apesar de serem fes-tejados anualmente, os índios são alibastante temidos pelos participantes epelos médiuns que “carregam essa li-nha”, por se tratar de uma corrente mui-

to forte que chega com muita força eenergia, e por, na maioria das vezes, che-garem zangados. Mesmo assim, este ri-tual consegue atrair grande público du-rante sua realização.

O Tambor de Borá aparece como umaforma de reinterpretação da religião in-dígena em terreiros de Mina, mas as en-tidades indígenas são mantidas separadasdas entidades tidas como civilizadas (vo-duns e orixás) e dos nobres e caboclos,que se aproximam mais dos civilizados.

Os índios são, geralmente, represen-tados nos terreiros como selvagens ma-ranhenses, daí a existência de uma aver-são a eles por parte do povo-de-santo, oque causa muita tensão antes da incor-poração. Mas, de modo geral, as entida-des indígenas são representadas maiscomo espíritos guerreiros e feiticeiros.Guerreiros, pelo fato de sempre estaremtravando uma luta imaginária contrauma força maligna que vem a terra se-mear o mal, e feiticeiros porque têm aincumbência de limpar o terreiro oumesmo indicar remédios aos médiuns(‘cavalos’). Com respaldo em nossa pes-quisa de campo, admitimos ser a pre-sença do índio guerreiro maior do que ado feiticeiro, nos terreiros maranhenses.

Segundo Mundicarmo Ferretti, porvolta de 1945, o Borá, também conhecidocomo Tambor de Índio, Canjerê ou Festade Índio passou a ser realizado em terrei-ros de Mina de São Luís. Tudo indica quefoi introduzido pela mãe-de-santo Denira(já falecida), conforme afirma a autora:

“Há unanimidade de que o Borá come-çou a ser realizado por Denira, mãe-de-santo de Vó Miçã (Nanã) iniciada porZacarias, ex-alabê (tocador de cabaça) daCasa de Nagô, preparado no Terreiro doEgito com uma entidade da mata deno-minada Rei Surrupira” (FERRETTI, M.1991, p.03).

De acordo com Rosário SANTOS(1989), o Terreiro de Zacarias deu ori-gem ao Terreiro de Denira e também aode Ângelo, que preparou Zé João19, elhe entregou a ‘linha do índio’, confor-me Dona Maria de Jesus Sodré (sua viú-va e atual zeladora do Terreiro das Por-tas Verdes – Terreiro da Boa Fé, Espe-rança e Caridade).

A representação dos índios que sãorecebidos durante o Tambor de Borá,parece não diferir muito da encontradapor nós em fontes primárias do séculoXIX: relatórios dos Presidentes da Pro-

19 Pai-de-santo já falecido, fundador do Terreiro das Portas Verdes, que foi nosso objeto de estudo.

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víncia, mensagens dos Presidentes daProvíncia e leis (SILVA, 1999). Esses do-cumentos comprovam o caráter margi-nal que possuíam os “índios” na socieda-de brasileira da época, que na documen-tação oficial eram taxados a todo o mo-mento de selvagens e animais.

Nos terreiros de mina que possuem alinha dos índios, percebemos tambémclaramente essa discriminação. Essasentidades são recebidas somente uma vezpor ano e em toque especial, onde nãohá presença de orixás, voduns e cabo-clos. Neste particular, os índios apresen-tam-se diferentes dos caboclos e gentis,entidades também não africanas, quesão recebidas constantemente duranteos toques de tambor de mina, podendoser os donos da cabeça de seus “cavalos”.Durante o Tambor de Borá, o índio apos-sa–se do médium temporariamente, pas-sando a ser o dono da cabeça dele ape-nas durante o ritual.

No mito de origem do caboclo daMina, contado por Pai Euclides Meneses,o índio Sapequara foi integrado ao tam-bor de mina como Caboclo Velho, atravésde um processo de aculturação que lhegarantiu a possibilidade de aparecimentomais freqüente durante os toques. Mas,Caboclo Velho “deixando” de ser índio etornando-se um caboclo (índio acultura-do), sofreu uma descaracterização comoindígena. Por causa dessa origem indíge-na o caboclo tende a ser considerado ín-dio, apesar de muitos deles serem estran-geiros, como é o caso dos turcos.

Processo idêntico ocorreu no Brasilcom o índio “de carne e osso”, que eraconsiderado o oposto do ser ocidental eque começou, lentamente, a ser aproxi-mado desse ideal de humanidade, comoum órfão, um tutelado, enfim, como sefosse uma espécie de filho bastardo deum pai angustiado e culposo (GOMES,1991, p.98). Tambor de Borá é um ritualrealizado uma vez por ano para entida-des indígenas em alguns terreiros mara-nhenses da capital como: Fé em Deus,Tenda Cosme e Damião, Terreiro de Ie-manjá, Tenda Santo Antônio, Casa Fan-ti-Ashanti e Terreiro das Portas Verdes, eno município de Codó, na Tenda Espíri-ta de Umbanda Rainha de Iemanjá (PaiBita), e outros. No Terreiro das PortasVerdes, o Tambor de Borá passou a serrealizado a partir de 1959, como paga-

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mento de obrigação às entidades da mata.O Tambor de Borá sempre tem um

santo católico como padroeiro que, nasPortas Verdes é São José dos Índios20. Mas,nesse ritual são, acima de tudo, reveren-ciados os espíritos indígenas, tambémclassificados como índios brasileiros.

Tambor de Índio ou Borá noTerreiro das Portas Verdes

Nas Portas Verdes, o primeiro Tam-bor de Índio foi realizado no Sítio daConceição (Vila Maranhão). SegundoDona Maria, viúva de Zé João, seu ma-rido recebeu essa linha na Casa de SeuÂngelo. Ela não nos soube informar,entretanto, em que circunstâncias issoaconteceu. Dona Maria, nos informouainda que o Borá, que é realizado hojeno Terreiro da Boa Fé, Esperança e Ca-ridade não difere muito do que era rea-lizado anteriormente nos sítios, e quetinha a seguinte programação:

1) Sábado (1ª noite): Toque de Tam-bor de Borá (após sete dias de acampa-mento);

2) Domingo (2ª noite): Procissão deSão José dos Índios; Toque de Tamborde Borá; Cama de espinhos no barracão;

3) Segunda-feira (3ª noite): Toque deTambor de Borá; Passagem sobre o fogo;Despedida.

O ritual apresenta as seguintes carac-terísticas gerais:1) Pode ser realizado durante 1, 2 ou 3

dias;2) É um ritual realizado com “linha da

mina fechada”, ou seja, não há des-cida de outras entidades como vo-dum, orixá e caboclo;

3) O índio não tem linguagem articu-lada, alguns raramente ‘doutrinam’(puxam cânticos);

4) O toque é contínuo e acelerado (sópára durante os intervalos);

5) A dança é “frenética” e com muitospulos e gritos;

6) É precedido por acampamento, quepode ser feito no mato ou no próprioterreiro longe da guma (barracão demina);

7) Os índios têm como protetores san-tos católicos como São Miguel, SãoJosé dos Índios, São Sebastião;

8) É construída no terreiro uma tocapara cumprimento de obrigação;

9) Índio não dança de rosário (colar demina);

10) A indumentária usada durante oTambor de Borá varia, pode ser depena, tecidos finos ou palha;

11) Em algumas casas os índios reali-zam, no Borá, atos chocantes como:pisar em brasa, deitar em espinhos,comer pombos vivos;

12) Durante o ritual há um intervalopara ser servida às entidades sua co-mida de obrigação, geralmente angucom molho de pimenta e cauim;

13) As letras das doutrinas (músicas) sãocurtas (às vezes monossilábicas);

14) No Tambor de Borá existem váriascores que simbolizam uma tribo enão uma entidade;

15) O ritual também pode ser realizadoem meio a um ciclo festivo do ter-reiro;

16) Há uma grande variação de instru-mentos musicais durante o Tamborde Borá;

17) A coreografia apresentada pelas en-tidades além de ser diferente da re-alizada pelas entidades caboclas, émuito repetitiva;

18) As doutrinas (músicas) são bastanterepetitivas também, chegando a serrepetidas cerca de dez vezes ou mais;

19) As entidades indígenas não cumpri-mentam o público e são cumprimen-tadas somente dentro da toca (rara ex-ceção, quando estão se despedindo);

20) Todas as pessoas (assistência, abatazei-ros e médiuns) que participam dire-tamente do ritual fazem abstinênciasexual desde o acampamento;

21) Não usam toalhas (peças obrigatóri-as na mina tradicional, após a incor-poração).

Foto: Mundicarmo Ferretti

20 Segundo Dona Maria a imagem existente na casa, que é homenageada durante o segundo dia do Tambor de Borá, em que há procissão, não é São José dos Índios, massim São José das Laranjeiras. Alguns anos atrás, a verdadeira imagem foi quebrada e Dona Maria, para não deixar o andor sem a imagem, resolveu mandar confeccionaro santinho, só que a pessoa que fez a enganou e tudo só foi descoberto muito depois, quando uma entidade, durante o Tambor de Borá, chamou atenção para o ocorrido,ou seja, falou que a imagem não era de São José dos Índios. Mesmo assim, permanece até hoje no andor da procissão, durante o Tambor de Índio, e poucas foram aspessoas que perceberam que trata-se da imagem de São José das Laranjeiras.

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Antigamente, quando vinham paraa toca eles ficavam em pé e então co-meçavam a bater com os pés compassa-damente, de modo sincronizado. Semdemora, eles batiam com as mãos e can-tavam. Seu Aguncha e Seu Irabuã (re-cebidos pelo pai-de-santo) cantavammuito. Como nos relatou Dona Maria,eles gostavam de cantar essa doutrina:

“Marimbeiro, MarimbeiroA tua marimba não ganha dinheiroNão ganha, não ganhouA tua marimba não ganha dinheiro”

Uma outra doutrina muito cantadadurante o Tambor de Borá:

“Toca marimba - MarimbeiroToca marimba - MarimbeiroQue eu vou mostrar prá vocêQue o meu patrão mandou dizer”

No Terreiro das Portas Verdes os índi-os possuem uma linguagem própria e,na toca, os alimentos e objetos são cha-mados na “língua” deles: “meda” (mel),batatinha doce (batata doce), cocô (cer-veja), cauim (cachaça), batidara (batida),roncabaracadi (rum), ága pêta (caféamargo), bomboca (bombom)21

Uma das principais características doTambor do Borá é a grande diversidadede instrumentos musicais que são utili-zados durante a realização do ritual alina guma. São instrumentos do Tamborde Borá nas Portas Verdes: 1 búzio (bu-zina)22; 1 marimba23; 2 ou 3 cabaças; 1tambor crivador (tambor de crioula); 1tambor socador (tambor de crioula); 1tambor da mata24 1 tambor guia (aba-tá); 1 tambor contra-guia (abatá); 2 repi-repis (reco-reco); 1 gogozinho (campânu-la); 1 triângulo; 1 cuíca.

CONCLUSÃO

Apesar do tradicionalismo existentena mina-jeje e na mina-nagô, a religiãode origem africana do Maranhão nãoficou imune às influências externas,como a cultura indígena, através daCura-pajelança, e apresenta elementos,que não existiam na África, como espe-cificamente o Tambor de Borá – objetode nossa pesquisa.

As entidades indígenas ao ‘descerem’nos terreiros de culto afro-maranhensesão apresentadas geralmente como sel-vagens, embora suas características apre-

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sentem diferenças de terreiro para ter-reiro, uma vez que cada casa de cultoafro “tem sua própria “doutrinação” (sis-tema), o que conseqüentemente leva asentidades a terem um comportamentodiferenciado de terreiro para terreiro.

Os índios também se diferenciam dasdemais entidades recebidas nos terrei-ros pela falta de parentescos com asmesmas, o que já não acontece com oscaboclos que apesar de serem “margina-lizados”, tem parentescos distantes comalguns nobres (gentis) como D. João eD. Sebastião, e têm as “portas abertas”na mina pelo vodum Averequete25. Namina as entidades que têm nomes indí-genas, como é o caso de Tabajara, Ja-guarema, geralmente não são índios esim filhos de reis (como Rei da Turquia,Rei da Bandeira e outros).

As entidades indígenas possuemcomportamento muito diferenciado dasoutras entidades da mina, e são discri-minadas nos terreiros, tanto que nuncasão as ‘donas da cabeça’ dos médiuns esó incorporam uma vez por ano, poden-do às vezes vir somente de dois em doiscomo temos notícia de que está ocorren-do na Casa Fanti-Ashanti.

Mas ao mesmo tempo em que o ín-dio é descriminado na mina, ele é que-rido e os terreiros se esforçam para reali-zar sua festa da melhor maneira possí-vel. Encontramos aí uma grande dife-rença da atitude dos presidentes provin-ciais dos Séculos XVIII e XIX em rela-ção à população nativa, para aqueles osíndios eram sempre desprezíveis e nãotinham direito à liberdade e a perpetu-ar sua cultura. É nesse sentido que di-

zemos que a visão do índio nos terreirosde mina de São Luís é muito mais posi-tiva uma vez que ele é encarado como“dono da terra”, da mata brasileira.

Apesar das entidades indígenas seremassociadas à selvageria, no Terreiro dasPortas Verdes, atualmente este compor-tamento selvagem vem dando lugar aoutros mais civilizados. Ao ‘descer’ naguma durante o Tambor de Borá, as en-tidades indígenas assumem a função demensageiro e feiticeiro (curador), paraajudar aqueles que necessitam de seuspoderes espirituais, apresentando-secomo um espírito de luz (guia).

O deslocamento do terreiro de umaregião rural para uma região urbana,ocorrido em 1980 (SILVA, 1999, p. 71), oca-sionou diversas mudanças no ritual e narepresentação das entidades, que tiveramque se ‘adaptar’ a um novo contexto. Ape-sar dessas entidades terem passado por umprocesso “civilizatório”, não podemos di-zer que estão sofrendo um processo de “ca-boclização”, uma vez que continuam sen-do recebidas em rituais onde não há ‘des-cida’ de caboclos e, elas não participamdos toques de tambor de mina.

O Terreiro da Boa Fé, Esperança eCaridade – Terreiro das Portas Verdes seorgulha por ser um terreiro ‘puramente’mineiro, ou seja, de ainda não ter sofri-do a “contaminação” de outras religiõesafro-brasileira como a Umbanda e oCandomblé, o que talvez contribua paraacentuar as diferenças existentes namina, entre os índios e os caboclos, nãoencontradas nem na Umbanda e nemno Candomblé de Caboclo.

21 Essas entidades são grandes apreciadoras de bombons finos. Quem quiser fazer um agrado que dê bombons a elas. No entanto, não gostam de refrigerantes.22 Búzio –instrumento de sopro utilizado no Tambor de Borá para guiar os índios.23 Marimba - o mesmo que berimbau; instrumento musical que não existe mais no Terreiro das Portas Verdes. Atualmente ninguém na casa sabe tocá-la. Antigamente,

quando Zé João era vivo, quem a tocava era seu Agenor, padrasto de Dona Maria, que hoje é protestante, mas assiste alguns rituais de mina.24 O tambor da mata, tambor guia e contra-guia são cobertos com uma tolha listrada com as cores dos índios (verde, vermelho, azul e amarelo).25 Nos toques da Casa de Nagô e de alguns terreiros de mina considerados dos mais tradicionais, antes de se cantar para caboclo, canta-se para o vodum Averequete.

CACCIATORE, Olga Gudolle. Dicionário decultos afro-brasileiros. 3ªed. Rio de Janeiro: Fo-rence Universitária, 1988.CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário doFolclore Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: INL,1962.FERREIRA, Aurélio B. Holanda. Novo Dici-onário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1975.FERRETTI, Mundicarmo M. R. Desceu naGuma. São Luís: SIOGE, 1993.FERRETTI, Mundicarmo M. R. A Represen-tação de Entidades Espirituais não africanasna Religião Afro-brasileira: o índio em terrei-ros de São Luís - MA. ANAIS DA 47ª REU-NIÃO ANUAL DA SBPC, São Luís, v.1, p.61-67, 09 a 14 de julho de 1995.

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A religiosidade permeia a maioria dasmanifestações populares. Resulta-

do, talvez, do método jesuítico de usar “comomecanismo para evangelizar os índios, emmuitos autos, personagens alegóricas e sim-bólicas misturadas com seres do mundo real”.(NUNES, 1997, p. 69). Elementos da cultu-ra negra, branca e indígena são encontradosnas danças, nas músicas e na plasticidade -alegorias e indumentárias com muita cor,tecidos de cores vibrantes, geralmente cetim,bordados com canutilhos e paetês e o uso demuita pluma.

No Brasil, os autos surgem com o propó-sito de evangelizar os índios, trazidos pelosjesuítas portugueses de Coimbra, que aquichegaram por volta de 1550 e fundaram oteatro brasileiro. Aos negros, a conversão nãoera considerada prioritária, apesar de serembatizados antes de pisarem na terra recémdescoberta, ao contrário dos índios que eramobrigados a converterem-se e, ressalte-se quenessa época já haviam chegado negros nopaís e já deveriam estar tocando tambor paraos seus orixás e voduns, e para diversão.Manifestações que eram intercaladas de pe-ríodos de tolerância e períodos de repressãodos brancos que temiam a revolta escrava. Éprovável que essa indefinição religiosa, a fal-ta de práticas religiosas convincentes (atéporque o negro e o índio já tinham precon-cebida a sua formação religiosa), somado àreligiosidade dos portugueses, que tambémjá celebravam seus santos católicos com fes-tas, tenham resultado, diante de tantas in-formações e propostas de mudanças, em ma-nifestações populares tão diversificadas.

O Nordeste tem sido caracterizado comoo berço das festas populares, principalmen-te as do ciclo junino, que acontecem nosestados guardando cada um a sua especifici-dade quanto ao canto, a dança, a indumen-tária e os instrumentos. Nessa região temalguns folguedos que são comuns, a algunsestados, como o bumba-meu-boi, quadrilha,dança de São Gonçalo, maracatu, pastor oupastoril, reisado, e alguma dança específicade determinado estado como é o caso do fre-vo em Pernambuco.

O Maranhão tem algumas danças pecu-liares à sua diversidade cultural que tem ori-gem na religiosidade, como o Tambor deCrioula e o Cacuriá, danças profanas, e aFesta do Divino Espírito Santo, uma dançade reverência ao sagrado - o Divino.

A Festa do Divino em São Luís eAlcântara – dança de reverência26

Roza Maria Santos27

O tambor de crioula - dança criada en-tre os negros trazidos como escravos para oBrasil. Dança coletiva em forma de roda emque as mulheres dançam e respondem aocoro das toadas e os homens cantam tiran-do verso, de repente, e tocam os tambores:grande, meião e crivador ou socador. A um-bigada é o convite para entrar na roda. Asmulheres usam blusa branca e saia de chitãoestampado, bem florido, os homens blusaestampada e calça de qualquer cor. O tam-bor de crioula é uma dança de promessa aSão Benedito. Os donos de grupos geralmen-te os criam a partir de uma promessa feitaao Santo. O Tambor começa com as corei-ras, dançantes, entrando na roda, uma auma, dançando com o Santo na cabeça,numa espécie de reverência, e passando osanto a próxima dançante depois da umbiga-da. Por muito tempo foi considerada dançaimoral, indecente pela sensualidade, coisa depreto. Hoje, é divulgada e ensinada a univer-sitários, turistas, como dança exótica.

Cacuriá - outra dança particularmentemaranhense revestida de grande sensualida-de - criada a partir do carimbó de caixeiras –dança de encerramento dos festejos do Di-vino Espírito Santo, na terça-feira, após oderrubamento do mastro. É o lava-pratos dascaixeiras depois de vários dias cumprindo oritual da Festa de grande importância religi-osa para as devotas. As caixeiras todas sãodevotas do Divino, tocam por agradecimen-to a um milagre recebido e geralmente pro-metem tocar enquanto vivas forem. A prin-cípio o instrumento eram só as caixas doDivino, atualmente foram acrescidos instru-mentos de corda e de sopro. A roupa parececom a do tambor de crioula. Blusa branca derenda, saias estampada mais elaboradas, paraas mulheres, e os homens com a camisa bran-ca também de renda, justa ao corpo, e calçaestampada tipo de pescador. A brincadeira édançada aos pares.

O Cacuriá foi criado por seu Lauro quetinha Bumba-meu-boi no sotaque de zabum-ba, grupo de tambor de crioula e fazia festado Divino. Ele viu a dança do carimbó dascaixeiras no lugar chamado Baiacu, interiorde Guimarães, com o nome de carimbó achu-lado ou cacuriá. Em 1972 ele trouxe a brinca-deira para São Luis, Dona Teté já era caixei-ra da Festa do Divino de seu Lauro e brincouno grupo de Cacuriá criado por ele. (MEMÓ-RIA DE VELHOS - V.5, 1999, p. 81) Porém,

a grande divulgadora e que formatou a brin-cadeira como ela é hoje, inclusive com as le-tras, músicas e ritmo próprios para a dança,quem de fato deu vida e tornou uma mani-festação popular da cultura maranhense foiDona Teté, que inicia a apresentação da brin-cadeira com toque e canto de caixeira do Di-vino Espírito Santo.O Cacuriá, dança popu-lar maranhense, é conhecido no Brasil e nomundo como Cacuriá de Dona Teté.

Festa do Divino - para Câmara Cascudoteria sido a mais antiga manifestação oblaci-onal, a primeira manifestação grupal brasi-leira em homenagem às forças sobrenatu-rais (1979). No Maranhão os negros intro-duziram os seus batuques nas festas católi-cas, cantando para seus voduns. Ao cultua-rem seus voduns sincretizados nos santoscatólicos a festa era com muito canto acom-panhado pelo tambor, enquanto rezavampreces católicas. Nesse sincretismo de for-ças espirituais, os voduns passaram a esco-lher algum santo católico para sua devoçãocomo é o caso da nochê Sepazim, entidadeprincesa da Casa das Minas que tem devo-ção no Espírito Santo originando a maisantiga Festa do Divino realizada em Terreirode Mina – religião afro-maranhense. Umafesta que diferentemente dos outros estadosalém dos cânticos católicos, Queremos Deus,Ladainha de Nossa Senhora em latim, Ben-ditos, Salvas, tem cânticos próprios tiradospelas caixeiras para saudar o Divino na SantaC‘roa. Tanto em São Luís como em Alcânta-ra o festejo do Divino é com toques de caixa,embora naquela cidade a festa seja essencial-mente católica, sem a participação de vodunscomo acontece nas centenas de casas de cul-to afro existente no Maranhão.

O ritual que começa com abertura dastribunas e termina com o derrubamento domastro e entrega das poses para o próximofesteiro, inclui dança ritualista de reverên-cia ao Divino sempre acompanhado de cân-ticos e toque de caixas.

Os registros históricos apontam que afesta veio de Portugal para o Brasil, com oscolonizadores no século XVI, tornando-sepopular em vários estados. No Maranhãopresume-se que tenha sido trazida pelos ca-sais açorianos que aportaram nessa região.

O culto ao Divino tem sua origem noséculo XII, em Alenquer/Portugal. DonaIsabel mandou erguer a Igreja do EspíritoSanto que deu origem ao culto. No começo

26 Apresentado no XII Congresso Brasileiro de Folclore – Natal/RN – Curso de Atualização em cultura folclórica, 09/2006.27 Especialista em Museologia; Secretaria da Comissão Maranhense de Folclore.

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era um simples bodo, ou seja, distribuiçãode óbulos - esmolas aos pobres - prática atri-buída à Rainha Santa, venerada pelos por-tugueses e a quem se creditam muitos mila-gres. É provável que o caráter distributivoda festa - dar comida, bebida e lembrançasdurante o desenrolar da festa – vigente atéhoje, seja herança da prática caridosa da Ra-inha Dona Isabel.

No século XVII, sob o reinado de D. JoãoIV, é que se torna assembléia festiva. Tomaares de festa majestática, com corte organi-zada, ganhando o seu principal personagemo título de imperador, título que Carlos Vpopularizaria na Península Ibérica, comoImperador do Sacro Império Romano e Reida Espanha.

A festa parece nas ordenações de AfonsoV (período 1432-1481). Por volta de 1502-1557recebeu regulamentação de D. João III e tor-nou-se festejo suntuoso, com cortejo régio,imperador e áulicos (outras figuras palacianas),com o soberano gozando, em algumas cidadesportuguesas e depois brasileiras, da prerrogati-va de ordenar a liberação de escravos.

Esses dados são ressaltados em trabalhodo historiador maranhense Carlos de Lima,que cita como fonte Câmara Cascudo, men-cionando que o mesmo considera a Coroado Divino, símbolo de autoridade celeste,como o elemento que irá influir em diversosfolguedos brasileiros com personagens co-roados, como: Reisados, Congos, Congadas,Maracatus, etc. E que nesse sentido colocaque “Foi a imagem do “Rei coroado” dos Aviza fonte de inspiração africana”

E, situa também que o título de Impera-dor dado a D. Pedro I teve por base a populari-dade do Imperador do Divino, por estar o povomais acostumado a esse título que ao de Rei.

A homenagem festiva ao Divino chegaao século XXI assumindo grande dimensãoe vitalidade na realidade cultural do Estado,com os seus imperador, imperatriz, mordo-mo régio, mordomo mor, vassalos, mestre-sala, bandeireiro , bandeirinhas, anjos, mui-ta comida e doces especiais para a festa.

A festa do Divino evoca o episódio bíbli-co de Pentecostes quando o Espírito Santomanifestou-se aos apóstolos em forma de lín-gua de fogo. Por isso, até hoje o Domingo dePentecostes marca o ponto alto do ritual dediversas festas maranhenses.

No Maranhão são 23 municípios com150 festas registradas no cadastro Centrode Cultura Popular Domingos Vieira Filho.As Festas do Divino consideradas mais anti-gas são a da Casa das Minas - casa de cultoafro-brasileiro – e a da cidade de Alcântara.

A Festa do Divino na Casa das Minas

Presume-se que tenha sido no séculoXIX, 1887, a fundação da Casa das Minas

por africanos jeje trazidos como escravospara o Maranhão. Negros de “contrabando”pois na época já havia a primeira Lei (1831)proibindo o tráfico negreiro.

Na festa a pomba e o mastro estão entreos principais elementos simbólicos. A pom-ba representando o Espírito Santo que te-ria aparecido aos apóstolos sob essa forma,segundo o Novo Testamento; e o mastro sim-bolizaria a cruz, representaria também osfundadores da casa, ou chama a atenção paraa casa que está em festa? Em seu livro Que-rebentan de Zomadonu, o professor SérgioFerretti cita Câmara Cascudo que se repor-ta a Claude D´Abeville para lembrar que osíndios do Maranhão tinham uma tradiçãosupersticiosa, recomendada pelos pajés paraafastar os maus ares, de fincar à entrada desuas aldeias, um madeiro alto, com um peda-ço de pau atravessado por cima.

O ritual da Festa tem seis etapas: Aber-tura das Tribunas, feita num domingo apóso sábado de aleluia – são trazidos para o altaros elementos da Festa como coroa, a pomba,as caixas, a bandeira do Divino, as bandeiri-nhas e reúnem-se as crianças que represen-tam o império, as bandeiras, as caixeiras e opessoal encarregado da festa, com toque decaixa e canto;

Buscamento do mastro – feita numa tar-de de domingo duas ou três semanas antesda Ascenção. No dia marcado reunem-se oimpério, parentes amigos e um grupo dehomens para carregar o mastro que é trazi-do para a casa da festa. Levantamento domastro – realizado quarta-feira da Ascenção,a partir das 18 horas com muitos fogos. To-dos esses rituais da fase preparatória são fei-tos com cânticos e toque de caixa; Dia daFesta – Domingo de Pentecostes – missa pelamanhã. O império ricamente vestido, paren-tes, festeiros e amigos, após a missa, seguemem cortejo ao toque das caixeiras e banda demúsica, geralmente a pé, quando a casa ficaperto da Igreja. À porta da casa, o imperadore a imperatriz distribuem esmolas a 12 po-bres. Ao entrar em casa dirigem-se ao mastrotocando , cantando e dançando. Após a sau-dação vão para o trono onde são saudadaspelas caixeiras e só então vão para a mesatomar chocolate com bolo. As refeições sãosempre acompanhadas por banda de músicaque tocam valsas. Á noite tem ladainha com

acompanhamento dos músicos. Derruba-mento do mastro – segunda-feira de Pente-costes, a noite é servido o jantar do império.Em seguida começa a derrubada do mastro,ritual realizado com muito cuidado para queo mastro não caia no chão, retiram-se o mas-taréu, a bandeira e a pomba e os entrega aospadrinhos. Depois todos seguem para salaonde é cantada a ladainha. Então começa acerimônia de entrega das posses do império.O imperador e a imperatriz vão sendo des-pojados de seus símbolos imperiais que sãoentregues às crianças que os sucederão. Aterça feira é o encerramento, o lava-pratosdas caixeiras que realizam o serra toco, ca-rimbó de velha ou carimbó de caixeiras. Aosom das caixas cantam músicas de duplo sen-tido - músicas indecentes, como algumasdizem – e rebolam, mexem os quadris combastante desenvoltura, considerando que setrata de senhoras com mais de 60 anos.

O arroz de toucinho com camarão servi-do durante o carimbó tem seduzido o públi-co jovem e turistas.

Enquanto na Casa das Minas o impérioé ocupado por seis crianças: imperador, im-peratriz, mordomo régio, mordoma régio,mordomo mor e mordoma mor e a festa écomandado por Dona Celeste e dona Denilque detêm o saber do ritual da festa comoobrigação da Casa.

Em Alcântara, revezam-se a cada ano,imperador e imperatriz, mordomo-régio emordoma-régia, adolescentes que represen-tam os festeiros. Os outros 11 personagensdo império são mordomos baixos e mordo-mas baixas. Tem, ainda, a figura dos mes-tres-salas – senhores que detém a sabedoriada festa, sendo vitais para a sua preservação.

Em Alcântara é no Domingo de Pente-costes, após a procissão, que encerra o ritualda festa com a leitura do Pelouro, documen-to onde consta os nomes dos novos festeiros.

No Maranhão diz-se que tem Divino oano todo porque algumas festas acontecemda Ascenção do Senhor ao Domingo de Pen-tecostes, mas quando a comemoração estáligada a festejos de outros santos da IgrejaCatólica ou de entidades das casas de cultoafro-maranhense que são príncipes, reis, ra-inhas ou são devotos do Espírito Santo, afesta pode ocorrer em outros períodos – dejaneiro a dezembro.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário dofolclore brasileiro. 4. ed. São Paulo: Melhora-mentos, 1979.FERRETTI, Sergio Figueiredo. Querebentande Zomadonu: etnografia da Casa Minas. SãoLuís, EDUFMA, 1985.FERRETTI, Sergio Figueiredo (Org.). Tam-bor de Crioula: ritual e espetáculo. 3.ed. SãoLuís: Comissão Maranhense de Folclore, 2002.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O Pastor, Pastoril, Pastorinhas, La-pinha são alguns dos diversos no-

mes como o auto natalino é conhecido peloBrasil. Os registros mais antigos de encena-ções do nascimento do Menino Jesus sãoencontrados na Idade Média. No Brasil osautos religiosos surgem com propósitosevangelizadores trazidos pelos jesuítas por-tugueses de Coimbra, que aqui chegarampor volta de 1550. O Pastor do Maranhão ésimilar aos autos dos demais estados nordes-tinos como: Sergipe, Pernambuco e Alago-as, onde tem o nome de Pastoril, da Paraíba edo Rio Grande do Norte, onde é denomina-do de Lapinha. Nesses autos se representa aperegrinação até Belém para fazer parte dogrande e enunciado momento do nascimen-to de Jesus. No Pastoril a dança é executadaem dois cordões, um azul e outro encarna-do. No Pastor representado no Maranhão éformado um cordão de cada lado, a medidaem que vão entrando os personagens, sem adivisão rígida do Pastoril. No Pastor as corespredominantes são branco, azul e cor-de-rosa.As cores vivas aparecem em personagemcomo: fidalgo, a cigana, a espanhola, as por-tuguesas e as japonesas, que em alguns gru-pos se apresentam de vermelho.

No Maranhão o nome Pastor é conside-rado pelos que fazem o auto o nome maisapropriado, porém eles usam com muita fre-qüência o termo Pastoral, no feminino – “aPastoral”, quando se referem ao auto de na-tal. Segundo Izaurina Nunes (l997, p.83-84),o Pastor é uma festa do ciclo natalino en-contrada no Maranhão, um auto derivadodo teatro religioso medieval que consiste narepresentação do nascimento do Menino Je-sus, seguido de homenagens dos Pastores queforam visitá-lo em Belém, na Judéia. O autoreune as três formas de expressão artística: adança, a música e o teatro, tendo como panode fundo a religiosidade, como manifesta-ção do catolicismo popular.

Em Sergipe o Pastoril, como é chamadoo auto natalino, é dividido em jornadas querepresentam a caminhada à Belém e reúnemfalas, cantos e danças interligadas pelo temado nascimento de Cristo. Apresenta-se emdois cordões, como o Reisado, que disputamentre si a defesa de suas cores prediletas. ADiana, personagem que domina os dois cor-dões, não tem partido. Os instrumentos sãoo violão, a sanfona, a clarineta, o trombone,o pandeiro, o reco-reco e o bombo. (ALEN-

PASTOR, PASTORAL:impressões dos séculos XIX e XX

Roza Maria Santos28

CAR, p.141 a 145). Pastor e Pastoril, emboraapresentem diferenças significativas, reve-lam sua origem comum no enredo e na coin-cidência de algumas personagens. Para Izau-rina (NUNES, l997), o Pastoril se apresentacomo um auto mais profano, com persona-gens trazidas da mitologia grega, como Dia-na e Cupido.

O Pastor no Maranhão se apresenta àmeia-noite do dia 24 de dezembro, semprediante do presépio, e segue até o dia 6 dejaneiro, Dia de Reis, quando encerra o ciclode festas natalinas.(NUNES, 1997, p.84-86).

Impressões sobre o Pastor do finaldo século XIX e do século XX

O Pastor no Maranhão povoou as me-mórias de escritores, poetas e artistas popu-lares, como: Graça Aranha, Cecílio Sá, JoséJansen, Augusto Aranha e outros.

O escritor Graça Aranha – José Pereira daGraça Aranha – nasceu em São Luís, em 1868,e morreu, em 1931, no Rio de Janeiro. Forma-do em Direito pela Faculdade de Recife, foiprofessor, advogado, promotor e diplomata.Autor dos romances Canaã (1902) e A viagemmaravilhosa (1929); do drama Malazarte (1911);dos ensaios reunidos em A estética da vida(1921) e em Espírito Moderno (1925). A suaparticipação na Semana de Arte Moderna foitumultuada, devido à posição que lhe foi dadapelo grande público de “chefe do movimentomodernista no Brasil” (1922), veemente con-testada por Mário de Andrade.

Em seu livro O meu próprio romance,iniciado em 1928, registrou as reminiscênci-as de sua infância e fala das festas popularesprincipalmente as festas juninas com o bum-ba-meu-boi e as natalinas com a apresentaçãodo Pastor. Em “Era Natal” escreveu:

“o drama do Boi era substituído pelo mis-tério da encarnação do verbo e do nasci-mento de Cristo. Abriam-se nas casas eem plenas rua os presépios, que toda apopulação visitava familiarmente. Vi-nham as festas dos Pastores. A criançadaalvoraçava-se. Quem não tomava partenos ranchos e cordões, tomava partidopelo Pastor-mestre ou pela Pastora-mes-tra. Minhas irmãs figuravam sempre comoPastoras, eu ficava entre os partidários daPastora-mestra, que surgia radiosa, con-duzindo o seu grupo de Pastorinhas a dan-çar com arcos de flores e a cantar ao som

das rabecas, das flautas e dos violões.Música singela, fácil, com versos simplesque todo mundo sabia de cor.(...) No Ma-ranhão tudo se passava suavemente dian-te dos presépios, a manjedoura com os per-sonagens evangélicos, humanos e animais,e no alto a estrela do Oriente. Mais tardeeu vi em Recife essas mesmas representa-ções serem motivos de combates sangui-nolentos entre os partidários do cordão azule do cordão cor-de-rosa. Tal é a diversida-de do temperamento maranhense e dotemperamento pernambucano.”

Cecílio Estrela de Sá, nasceu em Alcân-tara, em1913, e morreu em São Luís, em2005. Teatrólogo popular, a paixão de Cecí-lio, em noventa anos de vida e mais de ses-senta de teatro, foi montar “O Mártir doCalvário”, “O Rei dos Judeus”, “O Rabi deNazaré”, títulos de peças que revezavam-secomo tema da Paixão de Cristo. Cecílio Sá,em “Memória de Velhos”(Volume II, páginas55-56), nos diz que o primeiro ano em que oPastor se apresentou misto foi na década de40, até então era feito só com moças. DonaZuzu era quem botava Pastoral e nesse anoinovou o auto colocando rapazes do teatrode Cecílio Sá, com texto escrito por seu fi-lho Clóvis Ramos. Conforme Cecílio Sá, hadiferença entre Pastor e Pastoral:

“ Pastoral eles fazem assim: faz a vida doCristo, representa o drama. O Cristo é oCristo mesmo.(...) E o Pastor é um arranjo,você põe música da atualidade, bota músi-ca de Roberto Carlos, bota música de Gil-berto Gil, entra galego (...) Na Pastoral é arepresentação da vida religiosa de Cristo”.

O teatrólogo, escritor e professor, pesqui-sador, José Jansen Ferreira (1904-1991), nas-ceu no Largo do Quartel, hoje Praça Deo-doro. Museólogo participou da organizaçãodo Museu Histórico e Artístico, do MuseuHistórico Nacional, do Museu do Negro, doRio de Janeiro. Teatrólogo, escreveu a bio-grafia da atriz Apolônia Pinto, uma “Histó-ria do Teatro”, a partir de 1620, e a biografiade João Nunes, artista compositor mara-nhense. Ao falar das festas natalinas emMemória de Velhos (Volume II, páginas 140-141), José Jansen, como era mais conhecido,nos fala de um Pastor da Rua da Paz, na casade Dona Laura Belo, mãe de Saturnino Belo– destacado comerciante e industrial nome-ado Interventor do Maranhão, no períodode 16-02-1946 a 10-04-1947, que foi Depu-

28 Especialista em Museologia; Secretária da CMF.

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CONTINUAÇÃO

tado Federal do PSD, de grandeinfluência no estado, devido àsua particular amizade com Vi-torino Freire Conforme JoséJansen,

“Ela usava músicas das can-ções napolitanas; na cigana,por exemplo, ela cantavacom música espanhola. Ti-nha Pastores (era um conjun-to) que faziam parte do coro,o guia, esse iniciava a festa,um casal de espanhois, umcasal de galegos, um casal deciganos. Cada um tinha suafala e o seu canto”.

Seu Augusto Aranha Medei-ros, nasceu em 1907, em SãoLuís, e morreu, em 2000. Foipresidente da Irmandade BomJesus dos Navegantes, era pro-fundo conhecedor e praticantedo catolicismo popular e organi-zador das procissões da Quares-ma e das festas do ciclo natali-no. Erguia, anualmente, em suacasa, à Rua do Coqueiro, umpresépio aberto à visitação pú-blica, que encerrava na noite deSantos Reis (06 de janeiro), coma Queimação de Palhinhas, com-posta de ladainha em latim, se-guida de distribuição de doces,chocolates e mingau de milho.Seu Augusto contava que hojeos Pastores se deslocam de suascasas para dançar em praças, igre-jas, mas isso não era comum(Memória de Velhos, Volume II,páginas 158-161):

“os Pastores eram sempre fei-tos em casa. Por exemplo, ti-nha o Pastor da Roda, da casados Expostos, ali na Rua SãoPantaleão que nesse tempoera dirigido por freiras. Eramuito bonito. Tinha, tam-bém, um Pastor muito anti-go, dos primeiros eu conheci,que era o Pastor da senhoraLaura Belo, mãe de Saturni-no Belo. Esse era o Pastor da“sociedade”. Saiam todas as fi-lhas de Belo, era gente toda.Tinha, ainda, outros Pastoresmais humildes que saiam dosbairros , cantavam nos bair-ros, inclusive eu auxiliava naorganização de um Pastoralque era feito por uma família,sendo que era noivo de umadas filhas. Era o Pastoral deDona Epifania, na Camboa.Era muito bonito. De Pasto-ral mudou para Pastor. A di-

ferença de Pastoral pra Pas-tor é que o Pastoral começacom a representação desdeAnunciação do Anjo pra Nos-sa Senhora, em quadro vivo,num palco, (...) até o nasci-mento de Cristo, aí começa oPastor, é então que o Pastorcostuma dançar num salão.E aí começa o dia, o Pastor-Mestre, a Florista, os Cor-dões, os Ciganos , Holande-ses, Africanos, vão represen-tando. Depois de todos jun-tos só falta um personagem,que é a Pastora Perdida, Foiuma Pastora que ficou perdi-da pelo campo. Depois ouviuaqueles cantos e foi se apro-ximando e vem dizer que es-tava perdida, que queria ir naromaria pra Belém. Aí entãoela entra no cordão da umavolta na varanda como se es-tivesse caminhando pra Be-lém. É o tempo que o palcoabre e aí já está Nossa Senho-ra, São José, o Menino, quequase sempre é representa-do por um boneco de celuloi-de, porque criança nãoagüenta ficar deitadinho ali.Tem burrinho... Tudo aquiloque faz parte do presépio.Então elas vem e quando seencontram se ajoelham e fa-zem a oração, dão oferendasque trazem, as flores.... E de-pois se despendem, vão em-bora.(...). Quando é só Pastornão tem esse quadro daAnunciação. Quando é sóPastor se reza, oferece no pre-sépio. Na Hora que o Pastordá a volta, abre lá um pano etem o presépio armado, e en-tão oferecem. Não é quadrovivo. Os instrumentos queacompanhavam o canto erao pistom, era a rabeca, umviolão, um cavaquinho e umbanjo, não tinha muita or-questra, não; era só uns qua-tro músicos ou cinco”.

Pastor ou Pastoral, qual a di-ferença? Apesar de seu Augustofazer claramente a diferença,nas apresentações de Pastor ePastoral a que temos assistidonão notamos significativas dife-renças. O que notamos é queumas tornaram-se mais espetá-culos, mais ricas e que gruposteatrais como a Companhia Bar-rica divulgam um Pastor reela-borado. A Pastoral Filhas de Be-lém, de Dona Dorinha – Maria

das Dores Pereira – dobairro do Rio Anil,continuidade da Pasto-ral de Dona Efigênia,citada por Seu Augus-to, muito famosa nasdécadas de 1930 a 1960;o Pastor Estrela do Ori-ente, de Dona ElzitaCoelho, do bairro doSacavém, criado a par-tir do grupo de Pastordo Bairro de Fátima,antigo Cavaco; e o Pas-tor do Menino Jesus,de Dona Lili – AlieteRibeiro de Sá – do bair-ro do João Paulo, quetem suas origens nomunicípio de Guima-rães, são os grupos tra-dicionais mais conhecidos emSão Luís que apresentam o autonatalino lembrando o nascimen-to de Jesus Cristo.

Em São Luís a apresentaçãodesses autos ainda é muito bemrecebida pela população. Duran-te a época natalina que vai de 24de dezembro a 6 de janeiro, as vi-sitações aos presépios, danças dePastor, Pastoral e Reis fazem par-te dos festejos natalinos do Ma-ranhão. A queimação de palhi-nhas, ritual que exige a presençados padrinho e madrinha do pre-sépio, o canto da ladainha, as lou-vações e o hino de queimação depalhinhas, encerra o ciclo.

O Governo do Estado doMaranhão, através da Secretariade Estado da Cultura, sob a co-ordenação do Centro de Cultu-ra Popular Domingos Vieira Fi-lho e da Comissão Maranhensede Folclore vem realizando, du-

rante o mês de dezembro, esten-dendo-se até o mês de janeiro,projetos para as festas natalinasdo estado. A programação de2006, tão festiva quanto instru-tiva, começa com o Concertopara o Menino, em sua quartaversão, que reúne 400 vozes decorais infantis; a VIII Cantatanatalina – concertos com coraisadultos nas igrejas do centro deSão Luís; o IV Serenatal, con-certos de músicas natalinas comalunos e professores da escola deMúsica Lilah Lisboa; o cortejopelas ruas do centro da cidadede Pastores, Reis e outras moda-lidades de saudar o Menino Je-sus, apresentados por gruposnatalinos do interior e de SãoLuís; espetáculos teatrais e ain-da concursos e exposições de ár-vores e de lapinhas que mostramas diferentes concepções de ár-vores de Natal e presépio.

Foto: Mundicarmo Ferretti

ALENCAR, Aglaé D´Avila Fon-tes de. Danças e Folguedos; Ini-ciação do Folclore Sergipano.2.ed. Aracaju, 2003.AGRIFOGLIO, Rose Marie Reis.O folclore como patrimônio cultu-ral: o processo de construção ou otempo do folclore na era do des-cartável. ANAIS DO 12º CON-GRESSO BRASILEIRO SEFOLCLORE. São Luís; Comis-são Maranhense de Folclore, 2004.CASCUDO, Luís da Câmara. Di-cionário do folclore brasileiro. 4.ed. São Paulo: Melhoramentos,1979.GRAÇA ARANHA, José Pereirada.1868-1931. O meu próprio ro-

REFERÊNCIASmance. Introdução e Notas de Jo-mar Moraes; Depoimento de Na-zareth Prado. 4.ed. São Luís:ALUMAR. 1996.MARANHÃO, Fundação Cultu-ral. Centro de Cultura PopularDomingos Vieira Filho. Memóriade Velhos: Depoimentos. Umacontribuição à memória oral da cul-tura maranhense. Volumes II e III.São Luís: LITHOGRAF, 1997.MEIRELES, Mário M. História doMaranhão. 3.ed. Atualizada. SãoPaulo: Siciliano, 2001.NUNES, Isaurina Maria de Azeve-do. Os visitantes da hora do galo: umestudo sobre o Pastor em São Luís.São Luís: FUNC, 1997.

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JANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPOJANELA DO TEMPO

A maconha (Canabis sativa indica), é co-nhecida no Maranhão sob o nome de diam-ba, que em língua quimbunda, segundo J.Quintão, significa cânhamo. (Gramática deKimbundo, Lisboa, 1934, p. 206).

Está o termo abonado em diversos auto-res maranhenses. Em Viriato Correia, nes-te lanço de seu excelente livro de contos re-gionais Minaretes: “Depois, num domingoem tempo de colheita, quando em casa, des-cansando da semana trabalhada, pitava acabeça da diamba...” (São Luís, 1902, p. 42).E em Dunshee de Abranches, no romancehistórico A Setembrada: “É o pescador Cyri-no, disse Launé; está na sua semana de delí-rios da diamba”. (Rio, 1933, p. 344).

Há extensa sinonímia, referida em tra-balhos de Rodrigues Dória, Aquilles Lisboa,Eleyson Cardoso, Regalo Pereira e outros.Estudaram-lhe exaustivamente a origem,universalidade, idade respeitável de seu usoem cerimônias mágico-religiosas ou simples-mente para a obtenção do estado de euforia,os drs, Raul Esquivel Medina e Miguel E.Gonzáles, de Iucatan, México, em artigo es-tampado na Revista de Farmácia de Cuba edepois transcrito em La Farmácia Chilena(Ano XXVI, nº 6, junho, 1952).

A respeito de seu uso em práticas rituaisManuel Querino informa que a maconha,de mistura com outras hervas, entrava nacomposição do decocto que servia para acerimônia da “lavagem” da cabeça da “yauô”,no candomblé bahiano (Costumes africanosno Brasil, Rio, 1938).

Alem da designação africana, a diamba éconhecida aqui como maconha, herva mal-dita, herva do diabo. Diamba, porem, deemprego generalizado e há mesmo o deriva-do diambar, significando fugir, escafeder-se,cair no mundo, talvez por analogia com es-tado de fuga que a maconha possibilita aosviciados. Está em Fulgêncio Pinto, Dr. Bru-xelas, p. 140): “... aos gritos escarreiravam oBruxelas que diambava pros lados do bêcode Santo Antônio”.

Mencionemos em seguida a sinonímiade diamba: Fumo d´Angola, birra e dirijo,no Amazonas, conforme Gastão Cruls emA Amazônia que eu vi (Rio, 1945, 3ª ed, p.272), liamba, riamba, marijuana (México),gongo, rafi, malva, fumo brabo, raschich, elfokkara (Índia), apngo, Rosa Maria, D. Jua-

FOLKLORE DA DIAMBA29

Domingos Vieira Filho30

nita, herva, hemp, bang, kit, atchi e abanga,entre os índios americanos.

Fumada em forma de cigarro ou numaparelho especial que lembra o narghilehturco, a diamba é um excitante poderoso ede feitos tóxicos como o ópio.

Entre nós os pescadores não dispensamo uso da herva e fumam isoladamente ouconstituídos em espécies de clubes.

O cigarro chamam de soró e o aparelhoespecial denominam de boi ou marica, quenada mais é do que o grogoió (rogoli) descri-to pelo Dr. Rodrigues Doria em monografiaclássica. (“Os fumadores de maconha, efei-tos e males do vício” In Revista Americana,Ano VI, n. 2, nov. Rio, 1916).

Em Pernambuco o grogoió é feito de umagarrafa, “cuja rolha possui dois orifícios, pe-los quais penetram dois canudos, um dosquais mais comprido que vai até a água exis-tente no fundo da garrafa e no qual se põemas folhas e outro bem mais curto, pelo qualse aspira a fumaça” (Jarbas Pernambucano –“A maconha em Pernambuco”, In NovosEstudos Afro Brasileiros, Rio, 1937, p. 190).

Os fumantes no Maranhão, como emoutras áreas do país, se organizam em clubese seguem um verdadeiro ritual quando setrata de fumar a diamba no boi, cuja descri-ção circunstanciada pode ser lida no verbe-te BOI.

Quando marcam as sessões todos os fu-mantes devem levar ao local escolhido umaprovisão da herva. O presidente, sempre omais velho dos fumantes, inicia a sessão colo-cando a braza e a maconha no fornilho doboi, chamado de cabeça. Sentam-se em segui-da em círculo e antes de começar a aspiração,conversam a respeito de incidentes da pesca-ria. Iniciada a sessão, o presidente dá as pri-meira baforadas e passa o boi para o primeiroda direita, que por seu turno, passa ao imedi-ato até chegar ao último do círculo. Se a car-ga de herva terminar nas mãos de um dos fu-mantes este é obrigado a renová-la com a suaprovisão. A diamba começa então a surtir efei-to. Um fumante inicia a cantoria:

Ô diamba sararamba/ Filha da velhamutambaQuando pego na cabaça/ Minha pernafica bamba.

Pucha em seguida uma prolongada fumaçae passa o boi a outro companheiro que recita:

Diamba matou Jacinto/ Rapaz tão brin-cador!Sentença de mão cortada/ Pra quem di-amba plantou.

Ao que o companheiro imediato retru-ca, dando a sua tragada:

É mentira de quem disse/ Ela não tinhaesse puderJacinto já tava duente/ Quando veio es-falecer.

Um outro viciado, velho pescador enca-necido da faina no mar, recita alto:

Quem vai pró má e não leva/ Seu cigarrode diambaDo má não traz prá comê/ Panemice lhedá lamba.

Exaltando o poder maravilhoso da cana-bis, propiciadora de “paraísos artificiais”,como confessou Bodelaire, um dos seus maiscélebres apologistas, outro fumante canta:

Se não fosse esta herva/ Qui veio lá do ParáNós não tava satisfeito,/ Nós não tinhaqui fumá.

O Dr. Eleyson Cardoso recolheu no valedo Mearim, de um clube de maconheiros,estes versos antes das duas primeiras quadras:

O’ diamba sararamba/ Quando eu fumo adiambaFico com a cabeça tonta/ E com as mi-nhas pernas zamba.

Diamba matou Jacinto/ Por ser bom fu-madô;Sentença de mão cortada/ Pra quem Ja-cinto matou.

As que estampamos aqui nos foram en-viadas de Cururupu pelo saudoso tupinólo-go Liberalino de Miranda. É possível quetenham sido transplantadas por embarcadi-ços para o vale do Mearim. A viagem das tro-vas é fabulosa, inevitável e elas se perpetuame deformam pela via poderosa da oralidade.

A área do uso da diamba entre nós é ex-tensa. É no litoral, entretanto, que o vício sedisseminou de forma ponderável.

Pescadores, canoeiros, embarcadiços sãoos clientes habituais da herva do diabo. Por-

29 Jornal do Dia, São Luís, 26/06/1966. Foi respeitada a grafia da publicação original.30 Bacharel em Direito, professor universitário, pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e da Comissão Maranhense de Folclore. Dirigiu vários

órgãos de cultura no estado do Maranhão.

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que o mar deixa nesses homens marcas pro-fundas. Os riscos que correm, o desconfor-to da vida a que se sujeitam, a necessidadede um estimulante poderoso, obrigam essesbravos homens a buscar na fumaça fragran-te da maconha um meio cômodo e ilusóriode vencer as vicissitudes do quotidiano. Ede um relatório sobre a pesca no Maranhãoextraímos a seguinte passagem:

Para manter coragem e tomar tenência,para enfrentar o mar grosso, a tripulaçãofuma a diamba ou maconha, ou então mas-tiga a bregeira nas interpausas do lirismovocal que tem o poder de alentar o espíritoe confiar na sorte da pescaria (A pesca noMaranhão, São Luís, 1939, p. 16).

Daí também a afirmativa de José SarneyCosta, num trabalho sobre a ilha do Curupú:

O único divertimento que possuem é o boi.Chamam boi ao aparelho em que fumamdiamba, cabaça cheia d´água, por ondeaspiram os vapores da erva do diabo. Fu-mam em conjunto, recitando cada qualuns versinhos tirados na hora. Dizem quea diamba tem por finalidade espantar ofrio (Pesquisa sobre a pesca de curral naIlha de Curupu. S. Luís, 1953, p. 172).

Não fumam os canoeiros e pescadores porvício arraigado, para buscar sensações requin-tadas, numa superexcitação dos sentidos. Aqui-les Lisboa bem precisa o fato nestas linhas:

Parece que aqui entre nós utilizam osnossos caboclos pescadores esta excita-ção do haschich ou diamba antes paraarrostar com as dificuldades e perigos doseu ofício do que propriamente para go-

zarem as delícias dessa embriagues psí-quica. Quem sabe, com efeito, o que é apesca do camarão, arrastado a puçá, demaré enchente, pelos lavados naquelemomento percorridos pelas arraias e tu-barões, pois avaliar que só a insensatezdaquele estado eufórico, provocado peladiamba, permite aqueles homens a cora-gem de assim inermemente se oferece-rem aos ataques daqueles peixes de es-porões venenosos e dentes aguçados.(“Haschich – Diamba ou Mconha na cria-ção de paraísos artificiais”. In Diário deSão Luís, ed de 11-05-1950. São Luís).

No Maranhão a diamba sempre vicejousolta e abundante. Silvio Froes de Abreumenciona em seu livro Na terra das palmei-ras o uso da diamba entre os guajajara, quena aldeia de Bananal cultivam a canabis paragosto dos viciados.

Daqui se mandava a herva para outrosestados e em 1895 o Diário do Ceará estam-pava estas quadras jocosas troçando dosmaranhenses:

A diamba do Maranhão/ É coisa boa demaisPra assanhar bebe uma moça!/ Pra dor-mir bebe um rapaz!

Maranhense não se acaba/ Tanta farturaentre vós?

Pois mandem diamba pra nós/ Que vosmandamos .... diaba!

A Pacotilha não deixou passar em bran-co a mofina do confrade cearense. Na suaedição de 31 de janeiro desse ano, na seçãode “Salpicos” transcrevia as quadras do Diá-rio do Ceará e logo abaixo dava a respostatambém em versos assinada por um talRouis Blanc:

Os filhos do Maranhão/ Não tem diamba- mas tem/um pouco de educação./Portanto, em vez de diamba,/ Que o Ce-ará vem pedir,/Mandaremos sacudir/ Nessa terra ondenão chove,/Seiscentas e vinte nove/ Caixinhas (quenovidade!)/Com pós de civilidade!

De tempo a esta parte porém, a diambaherança possível, persistente e nociva da es-cravidão africana estendeu os seus tentácu-los a outras camadas sociais.

Além de servir para excitar os sentidos ede agente onírico formidável, a maconha éusada na medicina popular. Dizem que paracurar puchamento ou piado (asma) só há umremédio: o cigarro de maconha.

Luís da Câmara Cascudo – Dicionário doFolclore Brasileiro, Rio, 1954.Aquiles Lisboa – “A diamba como vícioentorpecente dos nossos caboclos e meiode combatê-lo com eficiência”, In RevistaCeará Médico, Fortaleza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASRoberval Cordeiro de Farias – “Campanhacontra o uso da maconha no Brasil” In La-boratório Clínico – 1º Trimestre de 1953,n. 229. Rio.Roque Teófilo – “A maconha” In Anhem-bi. Ano IX, n. 98, Jan. São Paulo, 1959.

Monografias sobre culturapopular do Maranhão

RESUMOS E RESENHASRESUMOS E RESENHASRESUMOS E RESENHASRESUMOS E RESENHASRESUMOS E RESENHAS

MELO, Ana Paula Rios de. Estudando obatalhão de ouro do Maracanã: A importân-cia do turismo e os ciclos ritualísticos doBumba-meu-boi do Maracanã. São Luís:UFMA, 2005. 87p. Orientadora: Profª. Ms.Maria do Socorro Araújo.

RESUMO: Estudo do Bumba-meu-boi doMaracanã, envolvendo todo o seu ciclo devida. Propõem-se ações que possibilitarão apreservação da referida manifestação cultu-ral e sua utilização como oferta turística dobairro do Maracanã, além de contribuir paramelhoria na qualidade de vida da comunida-de local. Refere-se também a outras manifes-tações culturais produzidas no bairro.

SILVA, Patrícia de Maria Coelho. A con-tribuição da educação patrimonial para oTurismo Cultural: uma análise do ProjetoTurismo Educativo- versão 2004. São Luís:

UFMA, 2005. Orientadora: Profª. Ms.Kláutenys Dellene Guedes Cutrim.

RESUMO: Analisa a Educação Patri-monial e sua prática pedagógica com ins-trumento de conscientização da popula-ção. Sensibilizando para a preservação daherança cultural através de metodologiaespecífica. Esta metodologia visa a apro-priação do objeto patrimonial reconhecen-do que é por meio da educação que o pro-cesso se realiza.

SOUSA, Thalisse Ramos de. As expec-tativas do turista em relação ao Reggae nailha de São Luís. São Luís: UFMA, 2005.85p. Orientadora: Profª. Ms. Maria do So-corro Araújo.

RESUMO: Este trabalho tem o objeti-vo de apresentar as expectativas do turistaem relação ao reggae na ilha de São Luís,abordando a relação existente entre turis-mo, cultura e globalização, aspectos histó-ricos ao reggae na Jamaica, no Brasil e emSão Luís.

FILHO, José Ribamar da Costa. Análisedo Projeto Estaleiro-escola e de sua instala-ção no Sítio Tamancão a partir de suas po-tencialidades para o desenvolvimento de ummodelo interpretativo do Turismo Culturalna cidade de São Luís. São Luís: UFMA,2006. 91p. Orientadora: Profª. Ms. LindaMaria Rodrigues.

RESUMO: Estudo sobre o potencial his-tórico-cultural do Sítio do Tamancão e doProjeto Estaleiro-escola do Maranhão. Ana-lisa-se a utilização da Interpretação Patrimo-nial e do Turismo Sustentável para o desen-volvimento e preservação das duas institui-ções. Descreve-se a forma de utilização detécnicas interpretativas, bem como suas ca-racterísticas formais e institucionais. Apre-senta-se a atual proposta para o desenvolvi-mento do Turismo local e uma nova propos-ta para a aplicação de práticas de interpreta-ção patrimonial da atividade turística domesmo.

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NOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIASNOTÍCIAS

O SESC-São Luís realizou no período de 11a 13 de dezembro a Mostra Sesc de Comunida-des Quilombolas, buscando fomentar discus-sões e contribuir para trocas sócio-culturais en-tre o público em geral e a cultura afro-descen-dente. Participaram da mostra as comunidadesdos povoados de Santarém, município de SãoLuís Gonzaga; de Santa Rosa dos Pretos, domunicípio Itapecuru-Mirim; de Maxixe, domunicípio de Mirinzal; de Boa Vista/Entrerios,município de Cururupu; e de Baiacuí, do muni-cípio de Icatu. Durante a Mostra foi realizadoum seminário abordando temas como: Quilom-bos, ontem e hoje, com Mundinha Araújo; Opedido de registro do Cuxá no IPHAN como

40 ANOS DA UFMAA Universidade Federal do Maranhão co-

memorou seus 40 anos de serviços prestados àformação de profissionais maranhenses, com aentrega de “Palmas Universitárias”, no dia 21de outubro, no Teatro Arthur Azevedo. Ao lon-go de 2006 foram realizadas atividades come-morativas como: o Guarnicê de cine-vídeo, emjunho; 10º Maracanto-Festival de Canto Lírico,em setembro, que este ano reuniu um número

recorde de cantores (10 juniors, 10 seniors e 10na categoria máster, vindos de outros estados eda Argentina); 30 Anos de FEMACO-FestivalMaranhense de Coros, um dos mais tradicio-nais eventos de canto coral do Brasil, realizadode 22 a 28 de outubro, que apresentou 30 gru-pos de canto infanto-juvenil e 30 grupos adul-tos (5 eram de outros estados brasileiros), alémdo Coral “Mon Pays”, da Suíça.

A comunidade do município de São Joséde Ribamar, cidade que fica a trinta quilôme-tros de São Luís, capital do estado do Mara-nhão, realizou mais um festejo ao seu santopadroeiro, São José de Ribamar. A festa, queacontece todos os anos no mês de setembro,este ano foi de 1º a 10. Não se sabe quandocomeçou o festejo, sabe-se apenas da devoçãodo povo para com o Santo a partir da chegadada imagem e construção da ermida, no come-ço do século dezoito. São dez dias de progra-mação cultural e religiosa em que são realiza-dos: gincanas, shows, missas, novenas, roma-ria a pé, romaria dos motoqueiros e, este ano,aconteceu a primeira carreata de taxistas. La-

FESTEJO DE SÃO JOSÉ DE RIBAMARmentavelmente o ano de 2006 foi marcado peloroubo do resplendor de ouro de São José, queainda não foi recuperado.

A igreja, transformada em santuário a partirde 1998, com a construção de um complexoarquitetônico a céu aberto, que consta do “Ca-minho de São José – conjunto de esculturas emmármore que conta a vida de São José; ConchaAcústica – arquitetura em forma de Bíblia aber-ta, que abriga o altar para celebração da santamissa e shows; e do Monumento a São José –composto de duas estátuas, a de São José, comdezesseis metros de altura, e a do Menino Je-sus, com oito metros. Embaixo dessa estruturafica o Museu de Ex-votos.

O CURSO DE CIENCIAS SOCIAISDA UFMA COMPLETA 20 ANOS

O Curso de Ciências Sociais e o CentroAcadêmico Florestan Fernandes promove-ram mesas redondas, mini-cursos e comuni-cações, no período de 18 a 22 de setembro,para comemorar duas décadas de trabalhocoletivo de professores, alunos e técnicos paraque o Curso pudesse consolidar-se como umacontribuição para a UFMA e para a socieda-de maranhense.

EXPOSIÇÃO “ANAS DEPORTO E DESERTO”

O projeto “Anas, Potes e Alguidares doPorto”, patrocinado pelo Banco do Nordestedo Brasil, que propiciou a ampliação do mer-cado de vendas de cinco louceiras de duasgerações da mesma família, em Porto do Nas-cimento e Deserto, povoados do Mirinzal, estáexpondo as louças confeccionadas pelas ar-tesãs Ana das Graças, Ana Amélia, Ana Do-mingas, Ana Raimunda e Analice, na Casado Maranhão, de 28 de novembro de 2006 a30 de janeiro de 2007.

MISSÃO DE PESQUISASFOLCLÓRICIAS EM CD

O SESC São Paulo, em parceria com aSecretaria Municipal de Cultura, lançou, emagosto de 2006, uma coletânea com seis CDscom a música popular tradicional recolhida,no Norte e Nordeste, em 1938, pela Missão dePesquisas Folclóricas. É a primeira vez que osresultados dessa pesquisa, idealizada porMário de Andrade, são divulgados para o pú-blico em geral. São sete horas de gravação re-masterizada, com um livreto informativo e umbelo projeto gráfico. A missão percorreu 28 ci-dades do Norte e Nordeste em 145 dias. Apreservação do material recolhido, deve-se aOneyda Alvarenga, diretora da DiscotecaPública Municipal de São Paulo e ex-aluna deMario, que coletou e organizou todo o materi-al. A caixa custa R$ 70,00 e pode ser compra-da pela internet: www.sescsp.org.br/sesc/loja.

SECMA E A CMF LANÇAM O SEXTOVOLUME DE MEMÓRIA DE VELHOS

O VI volume da série Memória de Velhos:depoimentos – uma contribuição à memóriaoral da cultura popular maranhense, lançadaem 27 de dezembro pela SECMA e CMF re-úne depoimentos de duas produtoras de cul-tura popular: Aliete Ribeiro de Sá Marques –Dona Lili e Terezinha de Jesus Jansen Pereira;de Zelinda de Castro Lima, que dirigiu váriosórgãos estaduais que atuaram ou atuam nasáreas de cultura e turismo; de Carlos OrlandoRodrigues de Lima e de Sérgio FigueiredoFerretti incansáveis pesquisadores, que alémde analistas perspicazes da cultura popularforam presidentes da Comissão Maranhensede Folclore. A obra, organizada por AntonioTorres Montenegro e Maria Michol Pinho deCarvalho, é uma oportunidade para que a sa-bedoria das pessoas entrevistadas possa serabsorvida por um número maior de pessoas eter eco por muitos anos.

MOSTRA DE COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO SESC-DEODOROpatrimônio cultural imaterial, com MargarethFigueiredo; Culinária maranhense e a contri-buição do negro, com Zelinda Lima; MedicinaPopular em Quilombos e Comunidades Negras,com Mundicarmo Ferretti e Ivana César, queorganizou uma exposição de plantas e ervas me-dicinais usadas no Terreiro de Mina MamãeOxum e Pai Oxalá. A Mostra incluiu ainda: ofi-cina de Cuxá tradicional; exposições fotográfi-cas; exibição de documentários em vídeo; apre-sentação de danças e de outras manifestaçõesartísticas das comunidades envolvidas. As ati-vidades foram desenvolvidas no auditório doSESC-Deodoro e Ginásio Charles Moritz.

Almerice da Silva Santos, a Dona Teté doCacuriá - Comendador; Teodoro Freire, criadordo Centro de Tradições Populares de Sobradi-nho-DF - Comendador; e Luiz Phelipe de Car-valho Castro Andrés – Comendador - Colabora-dor do IPHAN, foram homenageados em 08/11,no Palácio do Planalto, com a Ordem do Mérito

HOMENAGEADOS COM A ORDEM DO MÉRITO CULTURAL - OMCCultural. A cerimônia de condecoração é o pon-to alto das comemorações do Dia Nacional daCultura (5 de novembro), instituído em 1970. Em2006, a OMC foi entregue pelo presidente LuizInácio Lula da Silva e pelo ministro Gilberto Gila 41 pessoas e entidades que se distinguiram porsuas contribuições à cultura do país.

A “Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Ensino Superior e Desenvolvimento Tec-nológico do Maranhão” inaugurou no dia 15 de dezembro de 2006, no Sítio do Tamancão –Bacanga, o CVT-Estaleiro Escola do Maranhão. O Estaleiro-Escola é o primeiro no Brasil aagregar conhecimentos de carpintaria naval tradicional tornando possível a integração deprofissionais que ainda atuam na produção artesanal de embarcações e a difusão desseconhecimento para as novas gerações de carpinteiros, calafates, ferreiros e mecânicos.

GOVERNO DO ESTADO INAUGURA OCVT-ESTALEIRO-ESCOLA DO MARANHÃO

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Perfil Popular

Maria Castelo de Araújo Lima, ou simples-mente Maria Castelo, foi uma das mais impor-tantes quituteiras do Maranhão.

Nascida em Caxias, em 13 de novembro de1936 e falecida em São Luís, aos 9 de junho de2006, era filha de João Castelo Filho e Jacira deAzevedo Castelo, ambos caxienses. Casou-seem 8 de dezembro de 1954 com o funcionáriodo Banco do Brasil, Sérgio Bernardo Caldas deAraújo Lima, com quem teve os seguintes fi-lhos: Leonel de Araújo Lima Neto e Sônia Ma-ria Castelo de Araújo Lima.Tinha sete irmãos,quatro homens e três mulheres.

Realizou seus primeiros estudos mesmo emCaxias, transferindo-se depois para o ColégioSanta Teresa, em São Luís, onde não concluiuo curso de normalista.

Casada, foi residir com o sogro, Leonel deAraújo Lima, na avenida Gomes de Castro, 158,no centro de São Luís. Em 1961 mudou-se paraa Rua do Passeio, 421, ao lado o Hospital Portu-guês, onde começou a fazer tira-gostos para meiadúzia de colegas do marido. Mas sua inclina-ção para culinária e doçaria vinha-lhe desde aavó, D. Corina Azevedo Guapindaia, passandoàs tias, D. Luzia Castelo Branco da Cruz e D.Antonieta Castelo Ribeiro Gonçalves, exímiasnas artes da cozinha, afamadas pelos doces decaju e cajuí, mangaba, goiaba e o célebre doce-de-bacuri em calda, as requintadas línguas-de-bacuri, sem falar nos deliciosos cafés com bei-ju, cucus de milho ou arroz, os bolos, conheci-dos e celebrados em toda Caxias.

Assim, neta e sobrinha de tão habilidosasquituteiras, Maria resolveu explorar suas apti-dões e inaugurou, em 1977, na rua GenésioRego, 185, no bairro de Monte Castelo o restau-rante VARANDA, que se tornou, dentro depouco tempo, referência absoluta na cidade deSão Luís.

Local aprazível, nos fundos de sua residên-cia, ventilado, sombreado de mangueiras e ca-jueiros, logo tornou-se freqüentado por intelec-tuais, artistas e turistas, conquistados não sópela deliciadas iguarias como pela encantadorafigura da anfitriã, pequenina, dona de um sim-pático sorriso, sempre pronta a atender aos de-sejos dos fregueses, inclusive inventando pra-tos ou bebidas, como a apreciada caipirinha decaju, frutos que ela mesma colhia naquele pito-

Zelinda Machado de Castro Lima*

Maria Castelo

resco quintal. Viajantes de todas as categorias,ilustres ou não, vinham já determinados a pro-var o tempero e o ambiente familiar da Varan-da, bem ao sabor do Maranhão de outrora. Elogo de entrada eram bolinhos de bacalhau, is-cas de peixe, casquinhos de caranguejo de sa-bor inigualável, preparando a surpresa de pra-tos deliciosos, sobremesas vindas das tias deCaxias, fazendo com que almoços e jantares seprolongassem horas e horas, todos esquecidosdo tempo, e rendidos à competência e à gentile-za de Maria. Ali o tempo sempre estava a servi-ço do sabor.

Com a afluência crescente da freguesia, Ma-ria Castelo ampliou sua “base” (como eram co-nhecidos no Maranhão os pequenos restauran-tes) construindo um espaço fechado, com arcondicionado e estabeleceu quase que uma in-dústria caseira de doces. Mas o cardápio nãomudou, nem o carinho da recepção. O empre-endimento cresceu sem perder aquele ar de in-timidade residencial, o que jamais Maria per-mitiu que desaparecesse de sua Varanda.

No ano de 1980, o governo de São Paulorealizou uma grande feira que reuniu arte eculinária de todos os Estados. O Maranhão bri-lhou principalmente pelo restaurante montadopor Maria Castelo com a ambientação primoro-

sa do artista Yedo Saldanha. Não houve mãos amedir para atender a multidão de clientes quedesejavam saborear os pratos, cuja fama já cor-rera, preparados no caldeirão mágico de MariaCastelo.

Por outro lado o Bumba-meu-boi de Axixá,do mestre Naiva, que se apresentava no even-to, deixou o palco e circulou por toda a feira,arrastando dezenas de pessoas que se incorpo-ravam ao cortejo, dançando e cantando a hojefamosa toada Minha bela mocidade. O arras-tão musical terminou no estande do Maranhão,onde música, cheiros e sabores se encontraram,recriando, na distante paulicéia, um pouquinhoda alma maranhense. A fila de pessoas ansio-sas para degustar as delícias da exímia cozi-nheira se desdobrava, obrigando os maranhen-ses presentes a colaborar espontaneamentecomo garções e garçonetes, todos empolgadoscom o sucesso do estande, ao final classificadoem primeiro lugar, recebendo os prêmios demelhor ambientação, melhor atração folclóricae, claro, mais encantadores sabores.

Maria, para pesar nosso, faleceu; mas suafilha segue-lhe os passos e mantém ainda, coma mesma dedicação e simpatia o restauranteVARANDA, tradição da culinária e da recepti-vidade cordial e generosa do maranhense.

* Pesquisadora; CMF.

Foto: Arquivo da família