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De volta às ruas ABRIL/MAIO 2013 NÚMERO 10 FAMECOS/PUCRS WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIALJ Júlia Crasoves (4º sem.) CENTRAL Conectados com o mundo pelas redes sociais, estudantes da Capital levantam-se contra preço da passagem de ônibus e assumem vanguarda política Vida e estudo em outro país Três alunas da Famecos contam suas experiências em salas de aula fora do Brasil PÁGINAS 10 E 11 Uma espera de quatro décadas Chinês recupera cidadania brasileira, subtraída pela ditadura militar PÁGINA 3 Ciro Mota (5º sem.) O legado político de Chávez A Venezuela depois da morte de seu líder e as visões sobre o personagem PÁGINAS 4 E 5

Editorial J - número 10 - abril/maio de 2013

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Edição impressa do Editorial J, o laboratório curricular de jornalismo da Famecos/PUCRS.

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Page 1: Editorial J - número 10 - abril/maio de 2013

De volta às ruasABRIL/MAIO 2013 • NÚMERO 10 • FAMECOS/PUCRS • WWW.PUCRS.BR/FAMECOS/EDITORIALJ

Júlia Crasoves (4º sem.)

CENTRAL

Conectados com o mundo pelas redes sociais, estudantes da Capital levantam-se contra preço da passagem de ônibus e assumem vanguarda política

Vida e estudo em outro paísTrês alunas da Famecos contam suas experiências em salas de aula fora do Brasil

PÁGINAS 10 E 11

Uma espera de quatro décadasChinês recupera cidadania brasileira, subtraída pela ditadura militar

PÁGINA 3

Ciro M

ota (5º sem.)

O legado político de ChávezA Venezuela depois da morte de seu líder e as visões sobre o personagem

PÁGINAS 4 E 5

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Editorial J de cara nova

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 2

papo de redação

POR Daniele Souza (5º sem.) e Bárbara Nóbrega (1º sem.)

O Editorial J começou o semestre com inova-ções. A primeira delas é que a nossa equipe

mudou. Dez professores coorde-nam alunos editores, voluntários e matriculados, que integram o La-boratório Convergente da Famecos. Continuamos publicando notícias online diariamente, produzindo programas de rádio e televisão e, é claro, o jornal impresso, que está reformulado, com um projeto gráfico modernizado pelo núcleo de Desgin Editorial do Espaço Ex-periência. Agora, o jornal é escrito em apenas duas fontes. Além disso, inovamos na disposição dos ele-mentos na página, que dinamizam a leitura. Outra novidade é que a partir de agora o Instagram passará a fazer parte das nossas coberturas jornalísticas. Qualquer um pode colaborar, enviando fotos com a palavra-chave #jotagram.

Também comemoramos a en-trada no ar da radioweb Fame-cosCast, com duas horas diárias de programação ao vivo, sempre entre as 16h e 18h. Por enquanto, são veiculados quatro programas: Resumo Esportivo, Bombou na Timeline, Correspondente J e Enfoca. Em vídeo, temos, agora, o programa 60 Segundos, que resu-me as notícias dos fatos do dia.

E por falar em coberturas jorna-lísticas, vale lembrar a que fizemos dos protestos contra o aumento da passagem de ônibus em Porto Alegre, que movimentaram a nova turma do Editorial J. Foi uma

Jornal mensal da Faculdade de Comunicação Social (Famecos)

da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Avenida Ipiranga, 6681 Porto Alegre/RS

PUCRSReitor

Ir. Joaquim ClotetVice-reitor

Ir. Evilázio TeixeiraPró-reitora AcadêmicaSolange Medina Ketzer

FAMECOSDiretor

João Guilherme BaroneCoordenador do curso

de JornalismoFábian Chelkanoff Thier

Coordenadora do Espaço Experiência

Denise AvanciniCoordenador do Editorial J

Fabio CanattaCoordenadora de produção

Ivone CassolProjeto gráfico

Luiz Adolfo Lino de Souza e Núcleo de Design Editorial/

Espaço ExperiênciaProfessores responsáveis

Alexandre Elmi, Fabio Canatta, Flávia Quadros, Geórgia Santos, Ivone Cassol, Marcelo Träsel,

Marco Villalobos, Paula Puhl, Rogério Fraga e Tércio Saccol

Alunos editoresBruna Lopes, Caio Venâncio,

Daniele Souza, Douglas Roehrs, Gabriela Cavalheiro e

Lorenço OliveiraAlunos repórteres

Anna Cláudia Fernandes, Augusto Lerner, Bárbara Moreira Pacheco, Bárbara

Nobrega, Bibiana Borba, Bibiana Saldanha, Bruna Lodi, Carolina

Guterres, Caroline Ferraz, Edison Caap, Eduarda Amorim Fraga, Flávia Carboni, Fernanda

Ponciano, Flávio Tavares, Gonçalo Valduga, Greta Paz,

Huanza Aidos, Jéssica Mazzola, João Carlos Dienstmann, João Arroque Lopes, Kátia Almeida, Laísa Mendes, Laís Auler, Lívia

Auler, Leonel Frey Chaves, Lucas Etchenique, Luiza Muttoni

Rodrigues, Marcelo Coelho, Marcelo Chinazzo, Marcelo Frey, Maria Helena Viegas, Mariana Mascarenhas, Marina Teixeira, Matheus D´Avila, Matheus de Jesus, Matheus Wink, Nathália

Carapeços, Nathália Pádua, Nathália Rech, Paulo Guilherme Alves, Pedro Corazza, Paula Cé Martins, Rafael Macedo, Rafael Silva, Raissa Guagliardo, Renata Ramos, Ricardo Miorelli, Suzy Scarton, Thamíris Mondini,

Tyssiani Vidaletti, Victor Rypl, Vinícius Fernandes, Vítor Rosa.Impressão: Apoio Zero Hora

Editora Jornalística

Laboratório convergente da Famecos

www.pucrs.br/famecos/editorialj

oportunidade para refletir sobre direitos individuais. Os manifes-tantes têm direito de protestar, o motorista de seguir em frente no trânsito e o repórter de registrar o que acontece em local público. Durante os protestos, jornalistas sofreram restrições, algumas vezes de manifestantes que escondiam o rosto em camisetas e outros disfar-ces. A equipe do Editorial J não escapou das ameaças.

O repórter fotográfico Gui-lherme Testa envolveu-se em um incidente, quando registrava um ataque de fúria de um cida-dão nos protestos na Avenida Ipiranga, no final de março. Testa notou uma movimentação estranha perto de uma parada de ônibus e viu um homem sair do seu carro para discutir com uma manifestante, porque não conse-guia chegar à sua casa devido ao bloqueio da pista. “Em questão

de segundos, ele deu um tapa na cara da guria. Eu foquei no rosto dele e ele deu outro na minha câmera. Só consegui registrar vultos”, conta Guilherme.

A estudante Caroline Ferraz, também fotógrafa, registrava um dos protestos, quando um rapaz de aproxi-madamente 20 anos, com o rosto desco-berto, aproximou-se e perguntou se ela o estava fotografan-do, pois não queria sua foto em nenhum jornal. “Fui me des-locando. Repeti duas, três vezes que eu era do Editorial J, estu-dante da PUC, de nenhum grande jornal, mas ele continuou sem en-tender. Em seguida, vieram ami-gos dele, mascarados, mais altos,

e ficaram na minha volta apon-tando para câmera, intimidando. Mostrei a foto e, apenas quando a apaguei, eles me deixaram ir”, relembra.

Caroline diz que se afastou e outros fotógrafos passaram a alertá-la sobre os riscos que estava correndo na cobertura. Era a se-gunda vez que foto-grafava um evento grande e se sentiu acuada pela ame-aça. A intimidação também atingiu os grandes veículos de comunicação e dei-xou uma inquietan-te interrogação so-

bre o exercício da livre expressão e os direitos de cada um, inclusive o de documentar atos ocorridos em locais públicos.

Alunos e professores reiniciaram em março as atividades do laboratório

Homem tenta impedir trabalho fotográfico de alunos durante protesto contra aumento da passagem

Cassiana Martins (4º sem.)

Guilherme Testa (5º sem.)

+Acesse o conteúdo da FamecosCast

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Brasileiro de novo, 40 anos depois

NASCIDO EM HONG KONG, ENGENHEIRO RECUPERA SUA IDENTIDADE, CASSADA PELO REGIME MILITAR QUANDO ERA ESTUDANTE EM 1973

POR João Pedro Arroque Lopes (5º sem.)

Após 40 anos, uma in-justiça foi desfeita em Porto Alegre. Peter Ho Peng, chinês natural

de Hong Kong, naturalizado brasileiro nos anos 1960, teve a cidadania cassada pelo governo militar, em 1973. A identidade nacional foi restituída, em 10 de abril, em cerimônia no Institu-to-Geral de Perícas do Estado, graças à persistência de Peter e à ajuda do presidente do Movimen-to de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke.

A caminhada do engenheiro químico Peter Ho Peng em busca da reparação do erro começou há 10 anos, quando se cansou de ser tratado como estrangeiro pelo governo, o que lhe trazia descon-fortos principalmente quando ingressava no país via aeroportos. Enquanto os brasileiros levavam cinco minutos nos postos de fiscalização de passageiros, ele ficava quase uma hora dando ex-plicações.

No início da sua batalha pela correção da injustiça, Peter não conseguia ajuda. Ele contatou até mesmo a Comissão de Direitos

Em 1971, o aluno do curso de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Peter Ho Peng foi preso, no Rio de Janeiro. Ele participava de reunião dos centros acadêmicos de Engenharia, que promoviam protestos contra o Ato Institucional Nº 5 (AI-5). Publicado em dezembro de 1968, o ato consolidou a ditadura.

Detido no Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do Rio, Peter sofreu torturas com choque elétrico, espancamentos e no pau-de-arara. Sessenta dias depois, foi mandado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo. Posteriormente, por pressão de sua família, que teve ajuda ex-companheiros de cela

e de advogado para descobrir seu paradeiro, ele conseguiu ser transferido para o Presídio Central de Porto Alegre.

Ficou no presídio até ser expulso do país em 1973. Nascido em Hong Kong, em 1949, quando a cidade estava sob domínio inglês, Peter é também cidadão da Inglaterra e, nesta condição, foi viver nos Estados Unidos.

Seis meses depois de sua

partida do Brasil, conseguiu emprego no Instituto de Tecnologia da Georgia. Fez mestrado e doutorado naquele país, só visitando o Brasil, no governo José Sarney (1985-1990). Na condição de estrangeiro, sempre ficou no máximo três meses no país, retornando aos Estados Unidos, onde residia com sua família.

Mesmo quando impedido de voltar, ele não perdeu

contato com o Brasil. Através de amigos, recebia publicações do Brasil, como algumas de oposição à ditadura, caso do extinto jornal Movimento, que circulou entre 1975 e 1981.

Quanto ao futuro, agora que recuperou a cidadania e os direitos elementares, Peter está ansioso com a próxima vinda ao país. Quer passar pela alfândega como sempre quis, como um cidadão brasileiro.

Uma vida na ditadura insana

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 3

história

Gabriela Cavalheiro (5º sem.)Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mas não obtinha retorno. Em 2009, conheceu o MJDH por meio de um amigo e, graças à força de pressão de Krischke e de outros integrantes do movimento que são ouvidos na Comissão de Anistia, sua causa começou a andar.

O u t r o n o m e que o engenheiro destaca na sua con-quista da cidada-nia é do deputado f e d e r a l N e w t o n Lima (PT-SP). Ao colocar os olhos no processo, o depu-tado viu que havia algo muito errado ali. Com este refor-ço, Peter foi rece-bido no Ministério da Justiça e pelo presidente da Comissão de Anis-tia, Paulo Abrão, que passou a dar prioridade ao seu problema.

A estratégia adotada foi incluir o caso na Caravana da Anistia, que julga processos de persegui-dos políticos durante a ditadura militar. Quando a situação de Peter passou pela avaliação da Comissão de Anistia, em sessão realizada em abril de 2012, em

Porto Alegre, todos os integrantes aceitaram o parecer do relator, que recomendava a restituição da cidadania. “Foi um momento muito pessoal e importante para mim”, comentou o engenheiro.

O roteiro de emoções de Peter se completou um ano depois, em

abril, quando ocorreu a cerimônia de en-trega da carteira de identidade, no Ins-tituto-Geral de Perí-cias, em Porto Alegre. O ato contou com a presença do ex-preso político, de militantes dos direitos humanos, como Jair Krischke, de amigos e professo-res da época em que

Peter estudou na Uni-versidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS). No evento, engenheiro salien-

tou o quanto é difícil a reconstru-ção da democracia quando ela é destruída, como ocorreu no Brasil e em outros países do Cone Sul, que sofreram com regimes auto-ritários entre as décadas de 1960 e 1980. Krischke explicou que era uma questão de honra: “Fizemos o Estado reconhecer a vilania que cometeu”. Peter Ho Peng obteve sua documentação de volta

“Foi um momento muito importante para mim”Peter Ho Peng

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O chavismo depois de Hugo Chávez

poder

CERCADO POR POLÊMICAS, PRESIDENTE DA VENEZUELA MORRE E DEIXA LEGADODE DÚVIDAS E CONQUISTAS PARA O FUTURO DO PAÍS LATINO-AMERICANO

Ciro Mota (5º sem.)POR Daniele Souza (5º sem.)

O último desejo mani-festado por Hugo Chá-vez foi atendido pelo povo venezuelano. O

ex-motorista de ônibus Nicolás Maduro foi eleito para sucedê-lo na presidência do país pelos pró-ximos seis anos. Mas o chavismo, concepção política que o líder bo-livariano construiu ao longo de 14 anos no comando da Venezuela, saiu agonizante do processo de sucessão e terá que superar difí-ceis obstáculos para sobreviver.

Mesmo com a máquina do governo à sua disposição e em meio a uma comoção popular pela morte recente de Chávez, Maduro obteve uma vitória aper-tada e contestada, por apenas 1,49% dos votos em relação a Henrique Capriles no dia 14 de abril. Enquanto a maioria apro-vou a continuidade do regime que promoveu a Venezuela a país de menor desigualdade social na América Latina, quase metade da população votou contra porque o chavismo não conseguiu evitar a crise econômica, a violência urba-na e ainda restringiu a liberdade de expressão de alguns meios de comunicação.

Hugo Chávez morreu no dia 5 de março. Sua doença, cerca-da de mistérios que incluíram o tratamento sigiloso em Cuba, foi o desfecho de uma vida pública polêmica. Acusado de golpista por seus opositores, o coronel do exér-cito venezuelano tornou-se um presidente carismático, com forte influência sobre a América Latina.

Em 4 de fevereiro de 1992, houve a tentativa de golpe contra o então presidente Carlos Andrés Pérez, quando o líder comandava de cinco unidades do exército.

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Hugo Chávez tentou dominar as instalações-chave dos milita-res fiéis ao governo e também os serviços de comunicação de Cara-cas. O propósito dos rebeldes era deter Pérez quando ele retornava de uma viagem ao Exterior. Nada deu certo. Apenas 10% das For-ças Armadas apoiaram Chávez. Houve muitas traições durante a revolta, e ele acabou sendo preso. Cumpriu dois anos de prisão. Quando Rafael Caldera Rodrí-guez assumiu o governo, Chávez foi anistiado. Então, abandonou a vida militar e passou a dedicar-se à política

Em 1997, Chávez fundou o Movimiento V República, partido político de esquerda, baseado nos ideais de Simón Bolívar. Apoia-do por uma coligação, foi eleito presidente pela via democrática em 1999. No governo, começou o chavismo. Ele convocou uma as-sembleia constituinte, conquistou maioria no parlamento e ampliou os poderes do Executivo. A partir daí, interferiu na economia, pas-sou a usar os recursos do petróleo para beneficiar as camadas mais pobres da população e preparou o terreno para sucessivas reelei-ções. Ficou no poder durante 14 anos.

Hugo Chávez continua atrain-do olhares contraditórios. Nesta reportagem, a colunista de Zero Hora Rosane de Oliveira, o repór-ter de Mundo do mesmo jornal, Léo Gerchmann, o colunista do Correio do Povo e professor da PUCRS Juremir Machado da Sil-va, o cientista político e professor da UFRGS Gustavo Grohmann e o cientista político e coordenador do curso de Ciências Sociais da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) Paulo Moura interpretam a figura e o legado de Hugo Chá-vez, o homem que dividiu a Vene-zuela e as opiniões dos analistas políticos de todo o mundo.

Page 5: Editorial J - número 10 - abril/maio de 2013

Luis Acosta/A

FP

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O homem controverso O líder contra a mídia

O presidente do povoNa visão do jornalista

Juremir Machado da Silva, a figura do Hugo Chávez é polêmica. Ele lembra que no tempo em que o ex-presidente da Venezuela ficou no poder fez algumas alterações na legislação para que pudesse se reeleger. Essas mudanças causaram desconfiança. Ainda assim, Juremir considera as eleições legítimas, pois “ele sempre passou pelos processos eleitorais. Só ficou no poder todo esse tempo porque venceu todas as eleições. Não pode ser um ditador quem é eleito por mérito em sucessivas eleições”.

No que diz respeito à economia do país, Juremir entende que Chávez enfrentou interesses muito poderosos. Usou o dinheiro farto proveniente do petróleo, uma das maiores riquezas locais, para favorecer a população mais pobre, que carecia de casa, comida e escola. Dados da ONU de 2012 comprovaram a eficácia da ação, colocando a Venezuela na posição de país menos desigual da América Latina. “Se esses benefícios

serão duráveis (no futuro), é outra coisa, mas que ele produziu benefícios para a maior parte da população, isso é inegável”, pondera.

Sobre a tumultuada relação do líder bolivariano com a imprensa, Juremir fala que muitos embates não aconteceram exatamente como foi noticiado em outros países. Ele não considera que Chávez tenha eliminado a liberdade de expressão na Venezuela. Pelo contrário, afirma que boa parte da mídia venezuelana é de oposição e que esse posicionamento se manifesta todos os dias.

Admite, no entanto, que o ex-presidente deixou de renovar concessões de emissoras de oposição e sempre que podia silenciar os críticos, o fazia. Além disso, aproveitou a televisão estatal em seu favor. “Chávez também foi vítima dos meios de comunicação”, alerta Juremir, destacando que os opositores construíram uma imagem negativa. “Eu acho que ele foi mais perdedor do que ganhador no jogo com a mídia”, completa.

Muitas ações de Hugo Chávez são consideradas ataques à liberdade de expressão. Para a jornalista Rosane de Oliveira, ele criou um clima de confronto com a imprensa, que passou a tratá-lo como inimigo. “E ninguém ganhou com esta guerra”, afirma. A colunista de Zero Hora diz que ele usou o poder da caneta do presidente da República para enfraquecer os meios de comunicação, que considerava adversários. Assim, prejudicou o povo da Venezuela que, durante o tempo em que Chávez esteve no poder, foi privado de informação.

Léo Gerchmann, repórter de Mundo de ZH, critica a não renovação de concessões: “Isso foi uma arbitrariedade muito grande”. Acredita que a decisão tenha interferido também nas eleições. Enquanto Henrique Capriles não tinha espaço na televisão, o líder bolivariano falava à vontade durante o processo político. “Há um desequilíbrio na democracia, que não deixa de ser uma cassação da liberdade de expressão da oposição”, alega.

Quanto à forma como a imprensa brasileira tratou o ex-presidente venezuelano, Rosane e Gerchmann têm opiniões que não coincidem. Ela acredita que Chávez recebeu a visão crítica que merecia. Mas reconhece que faltou mostrar mais o quanto era querido pela população. “Hoje é uma autocrítica que faço à imprensa brasileira”, confessa. A colunista reforçou sua convicção sobre a popularidade de Chávez depois de ver a reação do povo à morte do líder. O repórter pensa diferente. Ele acha que os jornais do Brasil buscaram a imparcialidade: “Por mais que a isenção possa ser uma utopia, é o que a nossa imprensa busca”.

Para os cientistas políticos entrevistados, Hugo Chávez foi um líder carismático e populista. Paulo Moura, da Ulbra, compara o ex-presidente venezuelano com outros personagens que se tornaram mitos, como Getúlio Vargas, no Brasil, e Evita Péron, na Argentina. “É difícil saber se isso vai acontecer com o Hugo Chávez”, afirma. Mas lembra a campanha de Nicolás Maduro e a estratégia de marketing utilizada como tentativa de transformar o líder bolivariano em uma lenda. “A maneira como os funerais foram conduzidos, lembrando aqueles cerimoniais dos regimes socialistas que aconteciam quando morria um grande líder, mostra o empenho para transformá-lo em um mito”, constata. “Agora se isso vai perdurar ao longo da história, só o tempo vai dizer”.

Gustavo Grohmann, da UFRGS, reconhece que Chávez exibia uma capacidade muito grande de relacionamento com a sociedade. Ressalta que o ex-presidente tinha princípios, valores, perspectivas e

programas voltados para a igualdade social, ainda que nunca tenha feito uma revolução. “Tudo o que ele fez foi movido no sentido de tornar o Estado venezuelano capaz de oferecer mais bem-estar para os seus cidadãos, principalmente para os pobres”, destaca. O especialista já esperava a vitória de Nicolás Maduro nas eleições. Na opinião de Grohmann, “Hugo Chávez era o grande líder”, mas acredita que apenas no período pós-eleição, com o comportamento de Maduro e a atuação da equipe do novo presidente, será possível dizer se os princípios do chavismo prevalecerão na Venezuela.

Paulo Moura não concorda com Grohmann: “Se eu tivesse que sintetizar, diria que o Hugo Chávez significa um retrocesso para a América Latina”. Ele afirma que a transformação dele em um mito, o significado que representa e o caos econômico no qual a Venezuela se encontra, mesmo com as políticas sociais implantadas, apontam para uma crise mais profunda a caminho.

Nicolás Maduro (D) venceu eleição com discurso chavista e compromisso com a continuidade

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Por que os jovens voltaram para as ruasnova política

PROTESTOS CONTRA O AUMENTO DA PASSAGEM DE ÔNIBUS EM PORTO ALEGRE RECOLOCARAM ESTUDANTES NO PALCO DA POLÍTICA, DESTA VEZ COMO PROTAGONISTAS

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 6

POR Caio Venâncio (3º sem.)

Milhares de jovens nas ruas lutando por um propósito comum. A cena, que pode ser vista

facilmente em imagens relativas ao período da ditadura militar ou na campanha Fora Collor, foi reeditada em Porto Alegre. Agora, em 2013, a luta tinha menos idealismo e uma motivação mais pontual, a tentativa de evitar o aumento das passagens de ônibus de R$ 2,85 para R$ 3,05. Outra diferença está no papel dos partidos. Há algumas décadas, as siglas lideravam a representação dos jovens, mas hoje elas perderam importância para as onipresentes redes sociais.

As novas características de artic-ulação política, porém, não são uma novidade porto-alegrense. Na atu-alidade, a Primavera Árabe, o movi-mento Occupy Wall Street e os Indigna-dos, na Espanha, são exemplos de grupos que agem de forma semelhante, sem depender de líderes carismáticos e canais tradicionais de engajamento. Para a professora de Ciência Política da PUCRS Márcia Dias, o fenômeno é uma característica dos nossos tempos. “É algo tipicamente pós-moderno. As formas tradicionais de represen-tação política caíram em descrédito. Agora, os indivíduos estão associa-dos às redes sociais”, explica.

Segundo a cientista política, a onda de manifestações também poderia ser vista como um resgate da tradição de articulação política em Porto Alegre, a cidade do Orça-mento Participativo e das disputas eleitorais acirradas nos anos 1990. “O índice de associativismo, que mede o quanto as pessoas estão integradas a entidades coletivas, é muito alto por aqui, o que cria também uma pré-disposição para a participação. Desta vez, quem deu força realmente às manifestações foi o pessoal do Facebook, que tam-bém está associado”, esclarece.

Olhando de longe, talvez os

milhares de jovens que partici-param dos protestos pudessem parecer uma massa homogênea. No entanto, percebia-se um mo-saico de indivíduos com diferentes ideologias e níveis de envolvimento político. Em um dos atos, em 1º de abril, a estudante de Direito da PUCRS Luísa Stopassola portava flores, como fora sugerido nas redes sociais no dia anterior, e se dizia favorável a gestos pacíficos. “Eles (polícia) têm armas e bombas, nós temos apenas o protesto e as flores”, afirmou. Como muitos, Luísa não tinha partido e via com restrição a participação deles. “O movimento não é partidário, é de todos os tra-balhadores e estudantes”, pondera.

Do lado oposto, o estudante de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mili-tante do PSTU Matheus Gomes dis-corda de Luísa. “Tem espaço para os

estudantes, rodoviários, partidários e não par-tidários”, salienta.

Em meio a essa diversidade de orien-tações políticas, outro s e g m e n t o d e b a s -tante destaque era o dos anarquistas, que se notabilizaram por encobrirem os rostos e, em alguns casos,

optar por ações mais combativas. Com a face

coberta por um lenço, em uma das coberturas do Editorial J, um manifestante que não quis se identificar, apenas pediu para ser chamado de Mendigo, “porque é da rua”, justificou sua opção pelo anonimato. “Não quero que vejam um rosto isolado, quero que percebam que a manifestação é coletiva. Não é um indivíduo, é a multidão, é pra unificar a causa”, argumenta.

Integrante da Frente Autônoma do Bloco de Luta pelo Transporte Público em Porto Alegre, uma estu-dante de Psicologia da PUCRS tam-bém deseja permanecer anônima. Ela justifica com o argumento de que a “polícia persegue as pessoas” e considera que as formas mais exacerbadas de manifestação foram respostas a provocações. “O que ocorreu foi resultado da raiva e da exploração, foi uma reação”, conclui.

1

Guilherm

e Testa (5º sem.)

Cenas da inquietação

Na Ipiranga, junto à PUCRS, dezenas de pessoas, sujas de tinta, protestam em 25 de março. A polícia impediu que o trânsito fosse interrompido.

2

Júlia Crasovez (4º sem

.)

Após ato em frente à prefeitura de Porto Alegre, em 27 de março, manifestantes chegaram a pichar ônibus, pedindo a redução do preço da passagem.

“Eles têm armas e bombas, nós temos as flores.”Luísa Stopassola

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Por que os jovens voltaram para as ruasPROTESTOS CONTRA O AUMENTO DA PASSAGEM DE ÔNIBUS EM PORTO ALEGRE RECOLOCARAM ESTUDANTES NO PALCO DA POLÍTICA, DESTA VEZ COMO PROTAGONISTAS

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 7

Cenas da inquietaçãoPresente nos atos com

maior número de pessoas, a grande imprensa teve sua cobertura considerada “tendenciosa” e “mentirosa” por jovens que estiveram nas ruas contra o novo valor da passagem. Os jornalistas, porém, se defendem e admitem algumas falhas nas matérias.

Repórter e editor de Região Metropolitana de Zero Hora, André Mags tem noção da antipatia de boa parte dos manifestantes em relação ao seu jornal. Mesmo assim, garante não temer qualquer hostilidade. “Não tenho medo desta aversão. No entanto, se tento pegar o depoimento de alguém e essa pessoa diz ‘não falo com Zero Hora’, bom, ok, vai haver alguém disposto a falar, ainda que de maneira menos qualificada”, afirma.

Mags também faz uma autocrítica, admitindo que o jornal de maior tiragem em Porto Alegre não realizou um trabalho de excelência nos últimos atos.”Não tínhamos noção do impacto dos protestos. No da quarta-feira, 27 de março, chegamos somente quando os vidros já tinham sido quebrados. Não acompanhamos desde o início, o que interpreto como um erro”, julga.

Outros veículos conquistaram a simpatia de quem protesta. Repórter webjornal Sul 21, Samir Oliveira vê as coberturas de protestos do veículo em que trabalha como diferenciadas em relação à imprensa de Porto Alegre. “Sempre damos atenção à pauta do protesto, não ao engarrafamento

ou a qualquer outra coisa, como fazem jornais maiores. Basicamente, é fazer aquilo que aprendemos na faculdade de Jornalismo”, explica.

Questionado se o portal não seria panfletário em determinadas ocasiões, na defesa de quem protesta, Samir nega. “Tentamos apenas fazer matérias que não sejam nem oficialescas, nem de assessoria de imprensa para os manifestantes. É, por exemplo, mencionar e contar quantos vidros foram quebrados em um protesto, como somente nossa reportagem noticiou, mas não reduzir o ato a isso”, explica.

Conquistada a suspensão do reajuste da passagem por meio de uma liminar na Justiça impetrada por dois vereadores, o movimento tenta reduzir o valor até R$ 2,60, considerado o adequado por uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE) em levantamento de 2012. Sobre a vitória momentânea, a estudante da PUCRS Luísa Stopassola garante que não será motivo para o fim dos protestos. “Lutamos por um transporte público 100% estatal e gratuito”, sublinha, depois de reconher o avanço obtido no curso prazo.

Para a cientista política Márcia Dias, as manifestações ampliaram o debate político e este seria o grande mérito delas. Embora tivessem uma

motivação “quase que mesquinha (elevação da passagem de ônibus)”, os protestos mexeram com ideologias e venceram a apatia política. “Com a discussão gerada, foi um ganho para democracia”, diz.

Cobertura da mídia foi criticada pelos jovens

+Veja toda a cobertura sobre o aumento das passagens

3

4

Júlia Crasovez (4º sem

.)C

aroline Ferraz (5º sem.)

Prédio da prefeitura se tornou ponto de convergência dos grupos que se reuni-ram em 27 de março para protestar contra o reajuste nas tarifas de ônibus.

Na entrada do Viaduto da Conceição, a mais pacífica manifestação ocorreu em 1º de abril. Quando alguém saia do controle, recebia vaia dos demais.

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Diretamente das telasANIMEXTREME REÚNE NA CAPITAL AFICIONADOS POR PERSONAGENS,

QUE PRODUZEM SUAS FANTASIAS PARA VESTIR E IMITAR SEUS HERÓIS

POR Júlia Crasoves (4º sem.)

A magia do mundo dos quadrinhos ganhou vida na pele de jovens ves-tidos como seus heróis favoritos, no AnimeXtreme dos dias 6 e 7 de

abril no Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Desde o final da década de 1970, com a franquia Star Trek e logo após com o os fil-mes de Star Wars, os fãs americanos tiveram a ideia de se reunirem e homenagearem as séries, caracterizando-se como personagens simbólicos da cultura pop, como Darth Vader e Spock. Essas convenções se popularizaram, espalhando o hobby pelo mundo e reunindo adeptos do cosplay (literalmente, brincar de se fantasiar) não só voltados para o cinema, mas também aos jogos, aos quadrinhos e à animação japonesa.

Há, porém, pessoas que vão além do inte-resse pela brincadeira e aproveitam a paixão de muitos pelo assunto para desenvolver as habilidades adquiridas na produção das fan-tasias. A paulista Daniela Takahashi, 35 anos, conhecida no meio cosplay como Witchiko, até 2006 não havia entrado em contato com a cultura cosplayer. Estudante de moda na época, decidiu seguir algumas pessoas ca-racterizadas como personagens e entrar em uma convenção. É uma figura conhecida no cenário. Suas fantasias e performances têm reconhecimento mundial.

Em quase todas suas obras, Witchiko utiliza pelúcias feitas por ela mesma. “Come-cei o curso de moda porque queria aprender a costurar, mas, no começo, eu não sentia vontade de fazer os bonecos na máquina. O pessoal gostou do meu trabalho, e então acabei tomando coragem para produzir sob encomenda”, garante. Já o casal Débora Guerra, 21, e Bruno Pagno, 24, acha que o hobby acarreta mais custos do que benefícios financeiros. Ambos de Caxias do Sul, parti-ciparam de concursos no Estado, inclusive conquistaram a vaga gaúcha e a nacional do campeonato mundial voltado para cosplay em 2012, o WCS (World Cosplay Summit).

A dupla caxiense dedica esforço no seu trabalho. “Tentamos fazer o máximo que a gente consegue, sejam asas, espadas ou ar-maduras. Normalmente, fico encarregada da customização de perucas e, agora, estou ten-tando costurar nossas roupas”, diz a jovem. No Brasil, este tipo de entretenimento ainda é visto, pela maioria, como diversão e brin-cadeira, algo mais artístico e artesanal. Em outros países, como Tailândia e Japão, o ato de ser cosplayer vai mais além do que para os brasileiros, que ainda vivem o cosplay como um divertimento associado à cultura geek, quadrinhos e animação japonesa.

Júlia Crasoves (4º sem.)

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 8

cosplay

+Leia mais e veja galeria de fotos de cosplayers

Cosplayers, como Débora e Bruno (ao lado), representam seus ídolos em evento no Colégio Júlio de Castilhos

Page 9: Editorial J - número 10 - abril/maio de 2013

Índios universitários a caminho das aldeias

COTAS ABREM PORTAS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS A ESTUDANTES INDÍGENAS, QUE SE PREPARAM PARA RESOLVER PROBLEMAS DAS SUAS ÁREAS DE ORIGEM

POR Bárbara Nóbrega(1º sem.)

Até fevereiro, Cléber Vaz vivia na aldeia dos Cain-gangues, em Nonoai, a 470 quilômetros de Por-

to Alegre. Em abril, ele abre a por-ta da Casa do Estudante da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com um sorriso no rosto e mostra a nova morada. Aos 19 anos, ingressa no curso de Enfermagem por meio das cotas. Ele é um representante da geração que chega à universidade pública e uma amostra das transformações por que passa a cultura indígena no século 21.

“Acho importante as cotas para índios, porque poucos têm condições de entrar em universi-dades particulares. Antes era mais difícil concorrer no vestibular”, diz Cléber. Ele acrescenta que seus pais sempre o incentivaram. Em sua aldeia existe apenas um en-fermeiro índio, por isso, ele quer se formar e vol-tar.

Berenice da Silva, aluna vete-rana do mesmo curso que Cléber e natural da al-deia dos Cain-gangues em Iraí, divisa norte do Estado, comple-menta: “Já acompanhei diversas vezes pessoas da minha aldeia que não falam português em consul-tas médicas em Santa Maria, por exemplo, e eles são profundamen-te gratos por isso”. Ela torna pos-sível o diálogo entre índios e não índios, tarefa fundamental em si-tuações emergenciais. A estudante conta que em 1990, quando entrou na escola dos não índios, ainda so-freu um pouco de preconceito por ser indígena, mas aos poucos foi se adaptando ao local. “Hoje a situa-ção é mais igualitária”, reconhece.

É preciso cuidado ao se apontar aspectos positivos das cotas nas universidades, como considerar que os índios estariam mais integrados. O alerta é da professora Maria Cristina dos Santos, do Programa de Pós-Gra-duação em História da PUCRS, que identifica como um dos problemas desta avaliação a ideia dos não indígenas de que o índio deve se integrar à sociedade. “Eles não precisam aprender a ser brancos. O fato de um indíge-na entrar na universidade é bom para ter acesso ao conhecimento dos não índios e não para que sejam aprendizes de brancos,” sustenta.

A doutora em Antropologia exemplifica com o estudo de um

ex-aluno indígena que fez douto-rado na PUCRS, cujo problema investigado era do grupo em que vivia. Ele aplicou o conhecimento à realidade da sua origem. Para ela, a questão das cotas e da possibilidade de uma educação diferenciada nas escolas existen-tes em terras indígenas é uma iniciativa válida, mas necessita de preparação. “As autoridades defi-nem que, na escola, os indígenas têm que aprender sobre sua cul-tura e língua, mas não preveem como vão ensinar isso, não plane-jam. Abrem-se cotas para uma pseudo-igualdade, mas não se precede que terão dificuldades na redação, no idioma e na articula-ção do pensamento”, explica.

A professora adverte que

os indígenas que estudam na área da saúde irão aprender os princípios básicos da saúde e vão manter o conflito quando volta-rem aos seus grupos, já que “a questão da doença está elencada à das crenças, dos mitos, de uma forma diferente da nossa”.

As ações afirmativas no Brasil ainda são recentes. Em 2008, foi criado o projeto de lei referente à política de ação afirmativa nas instituições federais de ensino, aprovado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff em agosto de 2012. A lei estabelece a obrigatoriedade da reserva de va-gas nas universidades e institutos federais, combinando frequência à escola pública com renda e cor (etnia).

Conhecimento para melhorar a vida na comunidade

Juliana Mastrascusa (1º sem.)

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 9

educação

Cléber quer terminar o curso de Enfermagem na UFRGS e retornar à tribo

Fernanda da Silva, irmã de Berenice, aluna de Nutrição na UFRGS, observa que “alguns ín-dios acabam desistindo do curso por não se acostumarem com a vida nos centros urbanos ou devi-do à saudade da família”.

Não são apenas índios jovens que se interessam pela vida aca-dêmica. João Fortes, cujo nome indígena é Sejuja, tem 40 anos e concluirá História, na UFRGS, em 2014. Professor em sua terra indígena, João pretende voltar a Nonoai e compartilhar o que aprendeu. Sua mulher e filhos moram no município e o incen-tivaram a complementar seus conhecimentos. O professor não concorda com alguns aspectos da cultura não indígena, como a falta de solidariedade. “Ao ver um men-digo no chão, ninguém se importa em ajudar. Mas se fosse um ho-mem de terno, engravatado, todos iriam perguntar o que aconteceu,

ficariam preocupados”, comenta.

Sejuja também fala da relação com os mais velhos. Considera in-compreensível colocar as pessoas idosas em asilos, ou excluí-las do convívio familiar ao en-velhecer. “Para nós, os mais velhos, nossos pais, avós, bisavós, são como relíquias. Algo para se guardar, para manter próximo a nós o máximo

possível”, adiciona.As aulas na UFRGS transfor-

maram João. Ele acredita estar mais participativo e aprova a entrada de índios nas universi-dades pelas cotas para aumentar o conhecimento e o intercâmbio de culturas. João reclama que o povo brasileiro não se interessa pela cultura indígena, apesar do povo ter prazer em compartilhá- la. Para ele, os brasileiros “viram as costas para a própria cultura”, enquanto valorizam culturas es-trangeiras.

+Leia mais: indígena está próxima de se formar em Medicina

Page 10: Editorial J - número 10 - abril/maio de 2013

pais ou responsáveis.Depois de frequentar facul-

dades públicas e particulares nas quais a maioria dos professores instiga os universitários a deba-tes e procura dar dinamismo às aulas, os brasileiros do programa Ciência Sem Fronteiras, que re-cebem bolsas do governo federal, sentem o choque do rigor da UEL.

Sentar, prestar atenção e fazer os trabalhos são as únicas funções dos alunos.

Relembrando modelos an-tigos, os resultados são jovens despreparados para o mercado de trabalho e sem ambição. O Pri-meiro Mundo também tem defici-ências, até mesmo em educação.

Como é dito que quem faz a

faculdade é o aluno, esse cenário pode ser revertido. Com orgulho, os brasileiros se destacam entre os demais, e o corpo docente elogia o alto desempenho e nível intelec-tual dos bolsistas. O Brasil, assim, pode ser conhecido não mais pelo samba, pelo futebol ou pelos cor-pos sensuais em praias tropicais, mas também pelo seu intelecto.

Enquanto a vivência de edu-cação e cultura diferentes da nos-sa é uma experiência valiosa, é gratificante poder voltar para o lugar onde o que existe dentro das nossas mentes ainda é mais impor-tante do que a mera presença física dentro de uma sala de aula.

Estudo longe de casaintercâmbio

Em Londres, controle eletrônico das presenças

ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 10

Atravessar o oceano em busca de experiências em outro país é um indicador agradável de aventura para qualquer pessoa, principalmente ser for jovem

com sede de constante aprendizado e contato social. É preciso deixar os amigos, a família e levar na bagagem determinação, persistência e disposição para conviver

com uma nova cultura, além de conhecimento e condições para se sustentar economicamente.

As alunas da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS Caroline Medeiros, Manoela Tomasi e Verônica Damiani hoje estudam na Inglaterra, na Holanda e no Canadá, respectivamente. As três relatam para o Editorial J como é a vida no país em que se encontram.

O s cinco minutos que precedem o início das aulas na University of East London (UEL) se

resumem a auditórios lotados de estudantes oriundos das mais va-riadas nacionalidades, conversan-do entre si em diversas línguas, ao som do “beep” da leitura eletrônica de cartões. Ninguém responde à chamada nos moldes tradicionais. A partir do exato minuto em que o relógio aponta para a hora de iní-cio da aula que consta na grade de horários, o inglês marcado pelo so-taque britânico dos professores é o único barulho que se ouve na sala.

Matar aula, como se faz no Brasil com a maior facilidade e sem grandes consequências, é uma tarefa difícil para os estudan-tes londrinos. Com um sistema de controle de presença eletrônica, cada um precisa passar seu cartão da universidade para registrar o comparecimento. Além disso, nunca se sabe quando um dos professores decidirá fazer uma chamada à moda antiga e pedir para que cada um assine a lista, além de fazer uma contagem vi-sual. O número de nomes na folha de papel deve ser compatível com o número de alunos.

A palavra pontualidade define os britânicos. Isso não é mito, é le-vado muito a sério. Há um perío-do de tolerância para o registro da presença de 10 minutos antes da aula e 15 depois do início. Aqueles que chegam 16 minutos atrasados são repreendidos. Mesmo entran-do em silêncio, os retardatários não saem impunes e devem pedir desculpas em voz alta ou, por ve-zes, explicar o motivo da demora. Ao se sentir tratado como uma criança, o desejo é voltar aos tem-pos em que apenas mandavam um bilhete na agenda aos seus P O R Caroline Medeiros

Caroline Medeiros reconhece que até em Londres há deficiências na área da educação

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ABRIL/MAIO DE 2013 • PÁGINA 11

Vancouver, uma cidade para todos os gostos

E studar no sistema de intercâmbio com outro país sempre foi meu objetivo desde criança.

O Canadá é exatamente o que eu esperava. Vancouver, apesar das constantes chuvas, é mara-vilhosa e tem de tudo um pouco. Há praias, montanhas (neva o ano inteiro), incontáveis e lindos parques e, no centro da cidade, os arranha-céus se perfilam um atrás do outro. É uma cidade para todos os gostos.

Escolhi fazer um programa para estudar três meses e trabalhar nos próximos três, pois acredito que é o que mais dá experiências no aprendizado de uma língua. O Canadá está com falta de mão-de-obra, por isso há muita oferta de empregos para estrangeiros. Mas não significa que é tão fácil assim encontrar um.

A experiência de morar fora é um desafio. Só contar comigo mes-ma é complicado e novo para mim, mas a gente aprende aos poucos como superar certas dificuldades.

As aulas de inglês são muito boas e aqui se aprende mesmo. A escola (Inlingua School) tem uma única lei: falar apenas inglês. Mes-mo quando houver alguma dúvida. Se algum professor ouvir você falando outra língua, você pode até levar uma suspensão. Com o tem-po, essas pequenas coisas fazem diferença na prática da língua.

Como há muitos brasileiros na escola, é preciso se segurar para não falar português. É complicado, porque a gente pula de uma língua para a outra sem notar. No mo-mento, moro numa casa com uma canadense e uma australiana, en-tão sou obrigada a falar em inglês, não tem jeito.

Uma das melhores coisas de Vancouver é o meio de transpor-te. Os ônibus seguem os horários estipulados, em cada parada estão anotadas as linhas que circulam e a hora que chegam. Além disso, há um limite de passageiros para não ficar muito desconfortável. Os trens passam de cinco em cinco minutos e há várias linhas que circulam por quase toda a cidade. Existe ainda o SeaBus, que é literalmente o ônibus do mar, para ir do centro ao norte da cidade, e vice e versa.

Acredito ter feito uma das melhores escolhas da minha vida. Ainda há muito mais por vir, pois faltam quatro meses para terminar meu intercâmbio. Ou quem sabe minha estadia dure mais do que isso, porque não há como não se apaixonar por Vancouver.

Verônica Damiani acredita ter feito uma das melhores escolhas da sua vida

Amsterdã das ciclovias e da liberdade

Ao ser informada que iria receber uma bolsa para estudar em Ams-terdã, na Holanda, foi

como um sonho. Era o reconheci-mento do meu esforço e também da minha insistência. Eu iria para o país que é exemplo de tolerân-cia, de leis que funcionam e, o melhor de tudo, levaria comigo a grande paixão profissional que é o jornalismo. Porém, as experi-ências têm ido além das minhas expectativas. Estudar no país de ampla liberdade é observar todos os dias como uma sociedade pode dar certo, a partir de pequenos detalhes e, principalmente, pelo respeito entre os cidadãos.

Tenho aula na Hogeschool Van Amsterdam cerca de três vezes por semana durante o dia inteiro. Aprendo com as maté-rias, mas, principalmente, com o relacionamento com as pessoas. Os holandeses têm um misto de egoísmo, humildade e indepen-dência. Ao mesmo tempo em que não sabem formar uma fila e esperar a sua vez de entrar em um ônibus, por exemplo, a maioria trabalha desde os 14 anos para ter seu próprio dinheiro. São es-forçados e, apesar do orgulho da liberdade que o país oferece, que muitas vezes é lembrada por cau-sa das suas políticas sobre drogas, deixam claro que nem todo holan-dês fuma maconha. Sobre isso é preciso registrar que o interesse

dos jovens pela erva diminuiu, conforme pesquisa do Centro de Monitoramento de Drogas da União Europeia. Em 2010, 11,4% de holandeses entre 15 e 24 anos haviam consumido Cannabis contra 14,3% em 2002. Também é raro um holandês frequentar o Red Light District, bairro onde se concentra a maioria das prostitu-tas. Estes são clichês que atraem muitos turistas, mas não fazem parte do dia a dia.

Outro orgulho para o país são as ciclovias e ciclofaixas instaladas em todas as ruas. Andar de bicicleta é um dever, e o ciclista tem sempre prioridade no trânsito – até mais do que os pedestres – desde que respeitem, também, é claro, as sina-leiras. As ciclovias ficam congestio-nadas perto das 18h com pessoas de todas as idades. Crianças com seus pais, estudantes, idosos, todos têm seu meio de transporte. Com quase 800 mil habitantes, em Amsterdã existem pelo menos 600 mil bicicle-tas, o que comprova a popularidade das magrelas.

A maior vantagem de mergu-lhar na cultura holandesa é poder comparar com o Brasil e tirar mi-nhas conclusões. A Holanda está entre os países mais seguros do mundo. Mesmo assim, há furtos e roubos, mas sem uso de violência. No Brasil, se luta por respeito no trânsito, igualdade entre classes sociais e mais liberdade. Aqui, isso é colocado em prática.

Manoela Tomasi faz como os holandeses, usa bicicleta para se locomover

P O R Verônica Damiani

Sim, há dificuldades para es-tudantes estrangeiros. É preciso administrar os poucos recursos que chegam cada mês, resistir à vontade de comprar eletrônicos cujos preços são bem acessíveis, enfrentar o frio, lidar com o in-

glês, aprender holandês, comer alimentos diferentes, matar sau-dade pela internet. Os aspectos positivos contam mais, como fazer amizades com pessoas do mundo inteiro, dividir ideias, compartilhar cultura e aprender.

A oportunidade de estudar fora do Brasil não só agrega conteú-do à minha carreira profissional como também é uma experiência para toda a vida.

P O R Manoela Tomasi

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InstajornalismoTHE NEW YORK TIMES PUBLICA NA CAPA IMAGEM DO INSTAGRAM E ABRE DISCUSSÃO SOBRE FOTOJORNALISMO

Fotógrafo de Zero Hora Lauro Alves registrou manifestação na Capital, em abril, e editou na rede social de fotos

Fotos Lauro Alves/ZE

RO

HO

RA

POR Gabriela Cavalheiro (5º sem.)

Muitas vezes conheci-do pelo compartilha-mento excessivo de hábitos alimentares

e pelo uso de hashtags, o Insta-gram torna-se uma possibilidade profissional para fotojornalistas. Ao menos é isso o que a capa do The New York Times no dia 31 de março obriga a imaginar. A capa traz o retrato do jogador de base-ball Alex Rodrigues, do Yankees, e chamou a atenção do público e de profissionais do jornalismo o fato de a foto ter sido feita com um iPhone e editada com o aplicativo Instagram. A autoria é de Nick Laham, fotógrafo austra-liano especializado em cobertura esportiva e com estúdio em Nova York.

A publicação desta foto gera questionamentos. Se uma foto-grafia feita com um celular pode chegar à capa de um dos jornais mais influentes no mundo, será que equipamentos caros são re-almente necessários para a cons-trução das imagens que ilustram os jornais no dia a dia?

Esta foi a primeira vez que Nick Laham utilizou o celular como ferramenta de trabalho. Em entrevista ao Editorial J, ele contou que, pelo pouco tem-po que tinha com os atletas, a rapidez e a praticidade do iPhone foram os atrativos que o levaram a utilizar o celular como garantia para as fotos feitas com a câmera profissional. As fotografias – fei-tas tanto com o celular, quanto com o equipamento convencio-nal – foram repassadas para o

Getty Images, empresa que revende imagens. Um ano depois da sessão com os jogadores do Yankees, o The New York Times comprou o re-trato do esto-que da Getty I m a g e s e o publicou em sua primeira página.

S e g u n -do Renata Si-mões, gerente de marketing e conteúdo da Getty Images Brasil, existe procura por conteúdo feito com iPhone e Insta-gram. Alguns compradores buscam por coberturas fotográ-ficas feitas com um olhar alter-nativo. “Muitos clientes querem imagens menos produzidas e mais parecidas com o nosso dia a dia”, explica. A gerente comenta que os principais consumidores destes cliques incomuns são os portais de moda.

“Temos apoiado o uso do iPhone pelos fotógrafos, bem como aplicativos como o Insta-gram”, afirma Stacey Baker, as-sistente de edição de imagem do The New York Times Magazine – revista dominical do jornal The New York Times. Stacey comenta que, na revista, é comum publi-car fotos feitas com estes novos gadgets, como as fotografias da viagem do fotojornalista Ben-jamin Lowy ao Afeganistão, em 2011, além das galerias produ-zidas pelos fotógrafos do jornal juntamente com a colaboração

Capa do The New York Times inovou

enviada pelos leitores pelo Instagram.

Apesar de fre-quentes, as ima-

gens feitas com iPhones não p o s s u e m r e s o l u ç ã o suficiente para serem publicadas e m u m a p á g i n a grande da T h e N e w

York Times Magazine, mas

a editora é es-perançosa e acha

que, em breve, a tec-nologia trará melhor

resolução para as câmeras dos celulares. Para Stacey, o

iPhone é mais uma ferramenta disponível para que os fotógrafos pos-sam realizar o seu trabalho. Por cha-mar menos atenção do que uma câmera profissional, ela acre-dita que, em alguns casos, o modelo pode baixar a guarda e dei-xar a timidez de lado.

Durante os pro-testos contra o au-mento da tarifa de ônibus em Porto Ale-gre, Zero Hora divulgou uma galeria de fotos editadas no Ins-tagram da manifestação no dia 4 de abril. A autoria é do fotógrafo Lauro Alves, que decidiu utilizar o aplicativo por este ser de fácil acesso ao público e porque ele dá à pauta um “olhar popular”.

O protesto não foi a única ocasião em que o fotógrafo tra-balhou com celular, mas, pela primeira vez, a sua pauta foto-gráfica era uma galeria para o Instagram, feita especialmente para a versão online e as redes sociais da Zero Hora. Lauro con-sidera que o Instagram é apenas um plus da pauta. “Não vamos deixar de fazer uma boa foto para dar atenção ao Instagram”, explica o fotógrafo.

O editor executivo de foto-grafia da Zero Hora, Jefferson Botega, acredita que a inserção de fotografias feitas com celu-lares e editadas por meio de aplicativos é algo inevitável para o fotojornalismo. Entretanto, Jefferson acredita que o grande problema está no uso de filtros de edição. “Quando você ex-trapola nos filtros, a foto não é

verdadeira”, co-menta o fotógra-fo. Ele defende que o nome do filtro utilizado na manipulação da imagem deve ser divulgado.

Para Ricar-do Giusti, editor de fotografia do Correio do Povo, o advento da fo-tografia digital fez com que o

mundo se torne muito mais visível aos olhos do público. En-tretanto, ele acredita que fotos feitas com iPhones só são viá-veis quando flagrantes ou pela impossibilidade do profissional chegar até o local com o seu equipamento.

+Acesse o arquivo de fotos de compartilha-mento via Instagram

Arte D

aniele Souza (5º sem.)