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Boletim 51 / dezembro 2011 1 COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF SUMÁRIO BOLETIM DA CMF Nº 51 DEZEMBRO/ 2011 ISSN: 1516-1781 CNPJ 00.140.658/0001-07 DIRETORIA 2011/2013 Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti Vice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira 1ª Secretário: Roza Maria dos Santos 2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti 1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira 2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL CONSELHO EDITORIAL Lenir P enir P enir P enir P enir Pereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S ereira dos S. Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira . Oliveira Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P Maria Michol P. de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho . de Carvalho Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Mundinha Araújo Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Sergio Figueiredo Ferretti Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO EDIÇÃO Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Mundicarmo M.R. Ferretti Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Roza Maria dos Santos Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima Zelinda de Castro Lima REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: REVISÃO DE TEXTO: Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez Joelma Baldez DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: DIAGRAMAÇÃO: Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva Riba Silva VERSÃO VERSÃO VERSÃO VERSÃO VERSÃO INTERNET INTERNET INTERNET INTERNET INTERNET:www ww ww ww ww.cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br .cmfolclore.ufma.br Correspondência Correspondência Correspondência Correspondência Correspondência COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO CASA DE NHOZINHO Rua P Rua P Rua P Rua P Rua Portugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – P ortugal, 185 – Praia Grande raia Grande raia Grande raia Grande raia Grande CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão CEP 65010-480 – São Luís-Maranhão Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951 As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em As opiniões publicadas em artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de artigos assinados são de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de inteira responsabilidade de seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- seus autores, não comprome- tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF tendo a CMF Editorial ...................................................................................................................................................... 2 Maranhão de Todos os Santos ....................................................................................................................... 2 Sebastião Cardoso Junior/SECMA Presépio e queimação de palhinhas ................................................................................................................ 3 Sergio Ferretti O Terecô de Imperatriz é uma sagrada brincadeira de gente grande? .............................................................. 3 Maria da Glória F. Freitas Depois da obrigação: Carimbó, Bambae de Caixa e Cacuriá no Maranhão ..................................................... 8 Mundicarmo Ferretti Chegança no Maranhão (cont.) .................................................................................................................................... 10 Pedro Mendengo Filho Mascaras e Bailes no Canaval ....................................................................................................................... 14 Josimar Mendes Silva Observando e Anotando: Onde morreu Jesuíno Brilhante ............................................................................ 15 Raimundo Rocha JANELA DO TEMPO: Uma luz vermelha anuncia tainha-frita ................................................................................. 16 Astolfo Serra As festas juninas: O Bumba-boi ................................................................................................................... 17 Aymoré de Castro Alvin Cantiga de amor e de saudade à Praia Grande .............................................................................................. 18 João Mouchrek RESUMOS E RESENHAS ........................................................................................................................................... 19 GP Mina NOTÍCIAS ................................................................................................................................................. 19 PERFIL DE CULTURA POPULAR: Mariinha, um modelo na umbanda maranhense ................................ 20 Mundicarmo Ferretti

Editorial “Maranhão de Todos os Santos” · festa de São Sebastião, a 19 de janeiro. A ladainha foi cantada na varanda de danças, diante do presépio, e acompanhada por um

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Page 1: Editorial “Maranhão de Todos os Santos” · festa de São Sebastião, a 19 de janeiro. A ladainha foi cantada na varanda de danças, diante do presépio, e acompanhada por um

Boletim 51 / dezembro 2011 1

COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF

SUMÁR

IO

BOLETIM DA CMF Nº 51 DEZEMBRO/ 2011 ISSN: 1516-1781

CNPJ 00.140.658/0001-07

DIRETORIA 2011/2013Presidente: Sérgio Figueiredo FerrettiVice-Presidente: Keila Cristina Santana Pereira1ª Secretário: Roza Maria dos Santos2ª Secretário: Mundicarmo M. R. Ferretti1º Tesoureira: Lenir Pereira dos S. Oliveira2º Tesoureiro: Eliane Gaspar Leite

CONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALCONSELHO EDITORIALLLLLLenir Penir Penir Penir Penir Pereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos Sereira dos S. Oliveira. Oliveira. Oliveira. Oliveira. OliveiraMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol PMaria Michol P. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de Carvalho. de CarvalhoMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundicarmo M.R. FerrettiMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoMundinha AraújoRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiSergio Figueiredo FerrettiZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro Lima

ED IÇÃOEDIÇÃOEDIÇÃOEDIÇÃOEDIÇÃOMundicarmo M.R. Ferrett iMundicarmo M.R. Ferrett iMundicarmo M.R. Ferrett iMundicarmo M.R. Ferrett iMundicarmo M.R. Ferrett iRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosRoza Maria dos SantosZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaZelinda de Castro LimaREVISÃO DE TEXTO:REVISÃO DE TEXTO:REVISÃO DE TEXTO:REVISÃO DE TEXTO:REVISÃO DE TEXTO:Joelma BaldezJoelma BaldezJoelma BaldezJoelma BaldezJoelma BaldezDIAGRAMAÇÃO:DIAGRAMAÇÃO:DIAGRAMAÇÃO:DIAGRAMAÇÃO:DIAGRAMAÇÃO:Riba SilvaRiba SilvaRiba SilvaRiba SilvaRiba SilvaVERSÃOVERSÃOVERSÃOVERSÃOVERSÃO INTERNETINTERNETINTERNETINTERNETINTERNET:::::wwwwwwwwwwwwwww.cmfolclore.ufma.br.cmfolclore.ufma.br.cmfolclore.ufma.br.cmfolclore.ufma.br.cmfolclore.ufma.br

CorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCorrespondênciaCOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORECOMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE

CASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHOCASA DE NHOZINHORua PRua PRua PRua PRua Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Portugal, 185 – Praia Granderaia Granderaia Granderaia Granderaia Grande

CEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoCEP 65010-480 – São Luís-MaranhãoFone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951Fone: (0xx98) 3218-9952; (0xx98) 3218-9951

As opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emAs opiniões publicadas emartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são deartigos assinados são de

inteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deinteira responsabilidade deseus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-seus autores, não comprome-

tendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMFtendo a CMF

Editorial ...................................................................................................................................................... 2

Maranhão de Todos os Santos ....................................................................................................................... 2Sebastião Cardoso Junior/SECMA

Presépio e queimação de palhinhas ................................................................................................................ 3Sergio Ferretti

O Terecô de Imperatriz é uma sagrada brincadeira de gente grande? .............................................................. 3Maria da Glória F. Freitas

Depois da obrigação: Carimbó, Bambae de Caixa e Cacuriá no Maranhão ..................................................... 8Mundicarmo Ferretti

Chegança no Maranhão (cont.) .................................................................................................................................... 10Pedro Mendengo Filho

Mascaras e Bailes no Canaval ....................................................................................................................... 14Josimar Mendes Silva

Observando e Anotando: Onde morreu Jesuíno Brilhante ............................................................................ 15Raimundo Rocha

JANELA DO TEMPO: Uma luz vermelha anuncia tainha-frita ................................................................................. 16Astolfo Serra

As festas juninas: O Bumba-boi ................................................................................................................... 17Aymoré de Castro Alvin

Cantiga de amor e de saudade à Praia Grande .............................................................................................. 18João Mouchrek

RESUMOS E RESENHAS ........................................................................................................................................... 19GP Mina

NOTÍCIAS ................................................................................................................................................. 19

PERFIL DE CULTURA POPULAR: Mariinha, um modelo na umbanda maranhense ................................ 20Mundicarmo Ferretti

Page 2: Editorial “Maranhão de Todos os Santos” · festa de São Sebastião, a 19 de janeiro. A ladainha foi cantada na varanda de danças, diante do presépio, e acompanhada por um

2 Boletim 51 / dezembro 2011

EditorialOOOOO Boletim 51 encerra o ano de 2011 trazendo artigos

sobre variados temas da cultura popular e do fol-clore maranhense. Começa com a Semana de CulturaPopular, realizada este ano no mês de setembro peloCentro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho des-tacando a influencia do catolicismo popular e do cultoaos santos, em particular. Prossegue falando de brinca-deiras tradicionais maranhenses - Carimbo de Velha,Bambaê de Caixa, Cacuriá, Terecô e Chegança -, algumasdelas mais religiosas e outras mais profanas, umas pro-movidas atualmente por diversos grupos e outras quasedesaparecidas, umas atreladas à temporada junina, outrasao Carnaval e outras ao festejo do Divino Espírito Santo.

Traz também um artigo sobre ritos natalinosrealizados em terreiros, residências e repartições publicasda capital maranhense que atuam na área de cultura – aqueimação de palhinhas do presépio. Mas esse númerodo Boletim dá também destaque às brincadeirasrealizadas no Maranhão nas temporadas junina ecarnavalesca com um artigo sobre Bumba-boi na cidadede Pinheiro, na Baixada, e outra sobre os controvertidosbailes de mascara que já foram famosos no Carnavalmaranhense.

Um dos artigos incluídos nesse numero do Boletimnos transporta a um tempo em que, em São Luís, umaluz vermelha na frente de uma casa anunciava a vendade peixe frito. Outro nos permite penetrar naslembranças de um migrante do Rio Grande do Nortesobre o cangaço e outro nas lembranças de umdescendente de libanês sobre a antiga Praia Grande, nacapital maranhense, que deverá ser também cantada emprosa e em versos no próximo ano, quando serãocomemorados os 400 anos de São Luís.

Continuando a divulgação de trabalhos de conclusãode cursos de graduação e de pós-graduação e depublicação sobre cultura popular maranhense e suadifusão em outros estados brasileiros, o Boletim 51 forneceo resumo de uma tese de Doutorado em Políticas Publicassobre a Praia Grande, e um livro sobre o Mestre Irineu eo Santo Daime, baseado em dissertação de CiênciasSociais, publicado com apoio da UFMA, e umamonografia de Especialização em História do Maranhãosobre festa de santo padroeiro em povoado negro daBaixada maranhense.

Em notícias foi dado destaque a eventos realizadosem São Luís ou previstos para o primeiro semestre de2012: o lançamento de um livro sobre o cômico no bumbameu boi da Fé em Deus, destacando a historia de umseus palhaceiros principais – Seu Betinho. Anunciatambém a realização em São Luís do XIII SimpósioNacional da ABHR, que deverá reunir pesquisadores dediversas instituições e de diversos estados para discutiresse fenômeno social fundamental para quem desejacompreender o Brasil.

O Boletim 51 da CMF termina com o perfil popularde Mariinha, mãe de santo da Tenda Santa Terezinha,sediada no bairro do Angelim, em São Luís, ondeencantados do tambor de mina, da cura/pajelança e doterecô, juntamente com as entidades espirituais daumbanda são reverenciados e invocados na solução deproblemas diversos e onde cultura popular maranhensee religiões de matriz africanas se entremeiam e sereforçam mutuamente.

“Maranhão de Todos os Santos”1

Semana da Cultura PSemana da Cultura PSemana da Cultura PSemana da Cultura PSemana da Cultura Popularopularopularopularopular2011 - SECMA2011 - SECMA2011 - SECMA2011 - SECMA2011 - SECMA

Beirando os quatrocentos anos de colonização católica emterras maranhenses, o governo do estado, através da Secreta-

ria de Estado da Cultura, e de sua Superintendência de CulturaPopular promovem a Semana da Cultura Popular 2011, com otema “Maranhão de Todos os Santos”, com exposição, palestras,oficinas e programação cultural.

Desde a fundação de nossa capital, com a presença dos capu-chinhos franceses, e depois com a intensa catequese dos jesuítas,a cultura maranhense ficou marcada com ricas características docatolicismo popular, sendo refletida em quase todas as manifesta-ções da nossa cultura. A Festa do Divino, tradição da corte portu-guesa que é difundida de todas as formas e cores em todo o terri-tório maranhense. O Tambor de Crioula, louvor a São Beneditoe lamentos dos nossos antepassados nas senzalas. O Bumba-Meu-Boi que celebra o mês de junho através dos santos juninos: SantoAntonio, São João, São Pedro e São Marçal. As Danças e Jornadasde São Gonçalo, as Romarias de Ribamar, os vaqueiros de SãoRaimundo dos Mulundus, as ladainhas das famílias e dos terrei-ros em louvor aos santos, voduns e encantados. Todas essas ex-pressões estão repletas de religiosidade popular, da fé de um povoque nunca deixa de festejar seus Santos e que traz no rosto amarca dessa tradição.

O Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho realizavasta programação para destacar este aspecto importante de nos-sa Cultura Popular:

HOMENAGEM a mestres e pesquisadores da Cultura PopularEXPOSIÇÃO “Santos e Santeiros”OFICINAS

Oficina de escultura sacraOficina de ladainhasPALESTRAS:São Benedito e os Tambores do Maranhão – Prof. Dr. SergioFerrettiBumba-Meu-Boi – Patrimônio do Brasil – Prof. IzaurinaNunesOs santos no Tambor de Mina – Profa. Dra. MundicarmoFerrettiAspectos simbólicos da Festa do Divino – Beatriz PimentelO Ciclo Natalino no Maranhão – Profa. Ester Sá Marques.PROGRAMAÇÃO CULTURAL

Dia 12 – Ladainha de São Benedito; Tambor de Crioula deMaracujá; Tambor de Mina – Terreiro de Iemanjá; Tamborde Crioula de Mestre ApolônioDia 13 – Ladainha de São João; Teatro: Lendas do Mara-nhão; Bumba-Meu-Boi do Mestra Dionísio; Bumba-Meu-Boide AxixáDia 14 - Ladainha de Santo Antonio; Show: Doutrinas –Roberto Ricci; Tambor de Mina – Terreiro Mãe Oxum; Blo-co Afro “Abiéié MailôDia 15 – Império e Caixeiras de São Luís de França; Impérioe Caixeiras de de São Cosme e Damião; Baile de Caixa – Féem Deus; Tambor de Crioula de TamatatiuaDia 16 - Ladainha no Presépio; Reis do Maracanã; Pastor deDona Elzita; Jornadas de São Gonçalo de Humberto de Campos.

1 Transcrito do folder distribuído durante a Semana da Cultura Popular,realizada de 12 a 16 de Setembro de 2011, em São Luis, na Casa deNnhozinho e no CCPDVF – Auditório Rosa Mochel, Galeria ZelindaLima, Pátio da Superintendência de Cultura Popular.

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Boletim 51 / dezembro 2011 3

RefrãoAdeus meu menino...Adeus meu meninoJosé e MariaAté para o anoNeste mesmo dia

RefrãoAdeus meu menino...

Adeus meu meninoQueira abençoarAté para anoDia de Natal

RefrãoAdeus meu menino...

É com grande saudadeQue nos retiramosDe junto daqueleA quem tanto amamos

RefrãoAdeus meu menino...

Viva o padrinhoViva a madrinhaViva o meninoNa sua lapinha

Adeus meu meninoNascido em BelémAté para o anoPara sempre amém

No Maranhão, a época do Natal, em diversas residências particulares, em

igrejas, em praças e nos terreiros de mina, éassinalada pela montagem de um presépio.

Na Casa das minas, o presépio é arma-do na varanda de danças ou guma, atrás dolugar onde se sentam os tocadores de tam-bor. Fica exposto da véspera do Natal atémeados de janeiro. (...)

No dia de se desmanchar o presépio, éfeita a festa de queimação das palhinhas,também realizada em terreiros de mina eem casas de família de São Luís.

Em 1982, a queimação das palhinhasda Casa das Minas foi feita na véspera dafesta de São Sebastião, a 19 de janeiro. Aladainha foi cantada na varanda de danças,diante do presépio, e acompanhada por umconjunto de quatro ou cinco músicos quetocam em quase todas as festas. Acenderamvelas no presépio, que foi também incensa-do, vieram alguns voduns e, ao fim da ladai-nha, queimaram as palhinhas, ou folhas demurta e unha-de-gato que o enfeitavam. Osvoduns foram retirando as imagens e as en-tregaram a um casal que as recebeu sobreuma toalha branca. Este haveris de ser o ca-sal de padrinhos do presépio do ano seguin-te, e contribuiria para pagar as despesas comfogos, músicos, doces etc. Os voduns tam-bém escolhem aqueles que, entre eles, será opadrinho do presépio no ano seguinte. De-pois foram oferecidos aos presentes doces er4efrigerantes. A mesa estava enfeitada comum bolo grande em armação de isopor, re-presentando uma igreja, oferecido pelamadrinha desse ano. Durante a queimação,os músicos tocaram músicas apropriadas,acompanhadas pelos presentes (...).

Sergio Ferreti3

PRESÉPIO E QUEIMAÇÃO DE PALHINHAS2

Queimamos, queimamosAs nossas palhinhasCom cravos e rosasE flor da lapinha

RefrãoAdeus meu meninoAdeus meu amorAté para o anoSe nós viva for

As nossas palhinhasJá estão se queimandoE as pastorinhasFicaram chorando

RefrãoAdeus meu menino...

Adeus meu meninoMaria e JoséAté para o anoSe Deus quiser

RefrãoAdeus meu menino...

Adeus meu meninoAté outra vezAté para o anoNo dia de Reis

Canto da Queimação de Palhinha de diversos presépios de São Luís4

2 Extraído de FERRETTI, Sergio. Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Minas do Maranhão. S3ª Ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2009, p. 147-148.3 Dr. Antropologia; Pesquisador de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.4 Colaboração de Onezinda de Araujo Pinheiro – São Luís-MA5 Apresentado no Congresso Luso-Afro-brasileiro - CONLAB, realizado em Salvador, de 7 a 10 de agosto de 2011.6 Maria da Glória Feitosa Freitas é Professora da UFMA/CCSST–Imperatriz; e-mail: [email protected]

Ao realizar um inicial Estudo Exploratório em uma comunidade de

afrodescendentes, de parceiros nascrenças de uma cosmologia integrantede religiões de matriz africana, é possí-vel perceber que o escutado, visto, in-dagado e concluído é o retrato de ummodo de viver em comunidade.

O TERECÔ DE IMPERATRIZ É UMA SAGRADABRINCADEIRA DE GENTE GRANDE?5

Maria da Glória F. Freitas6

Norbert Elias (1994, p. 31) afirmaque

[...] o indivíduo sempre existe, no nível maisfundamental, na relação com os outros, eessa relação tem uma estrutura particularque é específica de sua sociedade. Ele ad-quire sua marca individual a partir da histó-ria dessas relações, dessas dependências, e

assim, num contexto mais amplo, da histó-ria de toda a rede humana em que cresce evive. Essa história e essa rede humana estãopresentes nele e são representadas por ele,quer ele esteja de fato em relação com asoutras pessoas ou sozinho.

Ao observar, indagar, registrar e es-crever sobre tais vivências religiosas,

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4 Boletim 51 / dezembro 2011

CONTINUAÇÃO

submergi ao encontro dos referentesculturais desta comunidade, lideradapor Dona Cota, a Mãe de Santo destacomunidade. Geertz (1989, p. 10) de-clara que a cultura não é um poder,“algo ao qual podem ser atribuídos ca-sualmente os acontecimentos sociais, oscomportamentos, as instituições ou osprocessos; ela é um contexto, algo den-tro do qual podem ser descritos de for-ma inteligível – isto é, descritos comdensidade”.

O Terecô maranhense é uma mani-festação religiosa conhecida como tam-bor de mata, Brinquedo de Barba So-eira e ainda por Verequete. Estudiososapurados do tema afirmam que sua ori-gem rural remonta ao século XIX e aomunicípio maranhense de Codó, emuma comunidade quilombola denomi-nada São Antonio dos Pretos. Araújo(2008) afirma que o Terecô apresenta-ria elementos jeje-nagô7 e já Mundicar-mo Ferretti, prestigiosa pesquisadorado tema na cidade de Codó, consideraa existência de uma origem banto8

(2000, p. 90). Convivendo com a mani-festação do Terecô em Imperatriz, in-dagaria se a cultura indígena e o cato-licismo não entrariam como elementosassociados aos de matriz africana. PaiFlávio, Pai Pequeno da Casa de DonaCota, afirmou que o Terecô de Impera-triz veio de Codó e, narrando sua histó-ria de vida, elucida o que é o Terecô:

[...] o Terecô para mim é uma dança parafestejar, louvar os nossos orixás e os nossosencantados, nossa encantaria, eu descobridesde criança. Eu me identificava com otrabalho espiritual, com o jeito. Eu sem-pre morei perto de um terreiro da DonaJoana e Seu João de Sarah que já morre-ram, todos dois, e sempre eles me chama-vam para colocar os nomes nas velas por-que eles eram analfabetos, não sabiam es-crever nada e eles me chamavam para colo-car os nomes nas velas para ajudar a fazerafirmação para eles e eu ajudava aquilo dalie quando precisava procurar um banho,alguma coisa e eu ia lá procurar porque elesnão sabiam devido a idade e eles não sabi-am ler e nem escrever. E eu me identifi-quei. Mas um dos encantados de Dona Jo-ana, o Seu João Diúna, ele dizia que eu iriaser Zelador de Santo9. E eu dizia: Não,rapaz, eu sou só simpatizante, eu gostomuito, não tem nada a ver. Eu tinha seteanos de idade.

Minhas iniciais inserções neste uni-verso mostraram uma gama diversa dereferentes simbólicos religiosos de ori-gem africana, indígena e católica. E queconcordam com a afirmação de Lindoso(2008, p. 267):

Tambor de Mina, Terecô, Umbanda, aCura ou Pajelança e mais recentemente oCandomblé são as referências em termosde religiosidade afro no Estado do Mara-nhão, marcada muitas vezes pela diversida-de, principalmente no ‘modo de fazer reli-gioso’ ou nos modelos rituais dos contex-tos de cada terreiro.

Tratarei de apresentar a especificidadedo Terecô em Imperatriz, já que o Terecônascente na localidade codoense de SantoAntônio dos Pretos é uma

[...] religião afro-brasileira de Santo Anto-nio, também denominada ‘Barba Soeira’,mata ou terecô, tal como apresentada pe-los autores comentados, possuía no passa-do, muitas diferenças em relação à Minajeje (Daomé) e a Mina nagô da capital: pe-dras de assentamento guardadas em caixasde madeira (‘urna’); poste central no barra-cão (‘guna’); toque realizado com um sótambor, de uma só membrana (tambor damata) com maracás (cabaças sem revesti-mento de malha de contas), berimbau epífaro etc. Mas também possuía muitospontos em comum com a Mina mais tra-dicional de São Luís: o encantado era quemdava o seu nome; só se batizavam os mé-diuns, dois anos após estarem recebendoseus guias; os terreiros tinham pedra decastigo; e parece que a religião não era con-fundida com curandeirismo (‘magia cura-tiva’) nem com feitiçaria (trabalho para omal ou ‘magia negra’) (FERRETTI, M.,2001, p. 105).

Percebi, na Casa de Dona Cota, aexistência pedra do castigo ou mãe boae observei que, na abertura dos traba-lhos, na madrugada do sábado de ale-luia de 2011, cada mediúm que incor-porava um encantado passava junto àpedra e batia suas palmas da mão ali.As pessoas presentes informavam queaquela era a pedra do castigo e expli-cavam que, se o mediúm estivesse emdébito com sua entidade, ali era o lu-gar de um acerto de contas. Existe aGuna ou porte central no barracão eali o grupo encerrou, formando um cír-culo, com uma mão apoiada na Gunae rezaram prece ligada ao catolicismopara encerrar a atividade, às seis damanhã. Existem três tambozeiros, doistambores tocados de pé, denominados

de Meião e Tambor e ainda outro ins-trumento metálico tocado sentado,conhecido como tarol ou lata. E há ouso de maracás.

Os participantes, homens e mu-lheres, falam bastante da festa princi-pal do ano e que nesta casa é dedica-da a Nossa Senhora Santana. É impres-sionante o ritmo acelerado das dançasdos terecozeiros, e suas roupas contri-buem para uma impressão estéticaimpressionante deste movimento in-tenso de giros nas suas vestimentas. EPai Flávio apresenta a festa que é brin-car o terecô:

Quando alguém diz que vai ali brincar umTerecô ela está querendo dizer que vai de-votar os seus orixás. Às vezes a gente dizque vai brincar o Terecô porque se a gentedisser assim: ‘Eu vou para a macumba!’, apessoa sente um pouco de exclusão. E dizassim: ‘Não, eu vou brincar o Terecô! Ouseja ‘Eu vou dançar o Terecô e vou devotaros meus orixás, vou dá passagem na minhacorrente’! Eu vou brincar o Terecô, ou seja,que é através da dança, da incorporação, oguia vem para retirar as energias negativasdo médium. Tudo acontecendo naqueleespirito de alegria, com amor, com sua in-dumentária, com aquela alegria, tomandoos seus banhos, cultuando. Passamos novenoites baiando, rodando, baiando, brincan-do o Terecô porque para a gente ali é nor-mal, não cansa, porque não é a gente, esta-mos incorporados. É de longa duração.Começou a meia noite e foi até de manhã.

E há uma característica da intensi-dade dos movimentos e da duração dafesta. No dia 23 de abril, a festa come-çou um pouco depois da meia noite eainda tocavam no amanhecer do dia.Rodopiam em torno do salão em umadança circular animada e com umaexpressão de harmonia. Este girar in-cessantemente ao redor do salão pare-ce a produção de um bom encontroentre os médiuns e dos médiuns comos encantados. É necessário abrir asrodas, dar passagem aos devires. Deleu-ze e Guattari (2005, p. 116) comentama possibilidade de nos encontros

[...] entreabrimos o círculo, nós o abrimos,deixamos alguém entrar, chamamos al-guém, ou então nós mesmos vamos parafora, nos lançamos. Não abrimos o círculodo lado onde vêm acumular-se as antigasforças do caos, mas numa outra região, cri-ada pelo próprio círculo. Como se o pró-prio círculo tendesse a abrir-se para um fu-turo, em função das forças em obra que ele

7 Jeje-Nagô é o termo utilizado para designar a fusão das culturas Jeje, dos povos vindos do Togo, Gana e Benin (fon, ewe, mina, fanti, ashanti) e Nagô (aos queentendiam o idioma yoruba), principalmente nas religiões de matriz africana onde são cultuados tanto voduns e Orixás.

8 Castro (2001, p.169) afirma que o termo banto relaciona uma extensa família linguística africana e referente aos habitantes do lado sul da linha do Equador(Congo, Angola, Moçambique, Quênia, Zimbábue, Zâmbia, África do Sul).

9 O mesmo que Pai de Santo para os umbandistas.

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abriga. E dessa vez é para ir ao encontro deforças do futuro, forças cósmicas. Lança-mo-nos, arriscamos uma improvisação. Masimprovisar é ir ao encontro do Mundo, ouconfundir-se com ele. Saímos de casa no fiode uma cançãozinha. Nas linhas motoras,gestuais, sonoras que marcam o percursocostumeiro de uma criança, enxertam-se ouse põem a germinar ‘linhas de errância’, comvolteios, nós, velocidades, movimentos, ges-tos e sonoridades diferentes.”

Os encantados do Terecô de Impe-ratriz não são de origem africana, nãosão voduns (ligados ao Tambor de Mina)e nem orixás (ligados ao Candomblé).A encantaria maranhense é compostados seres humanos desencarnados, ouseja, mortos, e que desapareceram ouse encantaram (viraram invisíveis).

Conversei com o encantado do PaiFlávio (Pai Pequeno da Casa de DonaCota) e fui esclarecida por ele (o en-cantado conhecido como Zé Mineiro)de que ele havia se encantado em umamina, em Belo Horizonte. Ele disse ain-da que Dona Joaquina, outra entidadeincorporada por Pai Flávio, tinha sidoencantada em um engenho de cana, eera Légua Buji Buá Ferreira da Santís-sima Trindade. Essas entidades cantamas suas músicas e os demais médiunsacompanham, cantando e dançando. Eessas músicas, chamadas de pontos, fa-lam do lugar de sua encantaria. Então,ele narrou a sua ligação com o Terecôna infância:

Eu quando eu tinha sete anos e ia lá à casade Dona Joana e Seu Zé Sara não ia parabrincar, como uma criança de sete anosbrinca ao redor do terreiro, eu ia para assis-tir, era próximo, era do outro lado da mi-nha casa, às vezes ia pedir uma proteçãopara Dona Joana, ia pedir um benzimentoe ela me dava, preparava um banho e mi-nha mãe nunca interferiu nisso. Ela sem-pre dizia: ‘Parece que você vai ser tereco-zeiro?’

Visitei a casa de Dona Cota, na sa-ída de um período de parada, por todoo tempo da quaresma cristã católica,em 2011. E o Pai de Santo Pequeno daCasa, Pai Flávio, nascido em 1975, ex-plica o que são esses 40 dias para o povodo Terecô:

Paramos na quaresma para descansar e re-ver as nossas vidas, meditar, buscar nossointerior, tipo fazer uma reflexão, é umaretrospectivamente espiritual nas nossas vi-das para que no sábado de aleluia a gentepossa celebrar essa vida com os orixás deuma maneira pura, saudável, de uma ma-neira que você possa estar em sintonia como sagrado para nós que são os orixás e osnossos encantados. Nós comemoramos no

sábado de aleluia a volta dos nossos encan-tados, que estiveram suspensos buscandoforça em Aruanda. Eles vão buscar maisforça, mais energia positiva para puder tra-zer e transmitir para as pessoas que estãocom eles. Então esses 40 dias é uma prepa-ração, uma revitalização de forças para pu-der conseguir a missão. A lição que os en-cantados nos trazem é de a vida continua.Eles trazem... colaboram, trazem lições devida, trocam experiências, orientam. Quan-tos e quantos não chegam às nossas mãospessoas vítimas de suicídios, drogas, doen-ças, pessoas manifestadas por energia nega-tiva demais e então se consegue ajudar. Evocê vê que eles é gratificante, porque elesvão e agradecem através da força espiritu-al, da força espiritualista por toda essa for-ça que trazem eles, a confiança...

No Maranhão, o Tambor de Mina,religiosidade de matriz africana muitopresente em São Luís, também não fun-ciona no período de quaresma. As enti-dades religiosas do Tambor de Mina, osvoduns, não se manifestam nesta épo-ca, na Casa de Minas – localizada naRua São Pantaleão, na Madre Deus - fa-moso terreiro de tambor de Mina funda-do por africanos no século XIX e de cul-to aos voduns em São Luís, como afirmaSérgio Ferretti (1995, p. 159) – renomadopesquisador do tema no Maranhão:

Os voduns não vêm, e na Quaresma não semexe em nada deles. Se morrer alguém dacasa neste período, os rituais fúnebres fi-cam transferidos para depois. Não é conve-niente empreender longas Viagens e não sedeve chamar pelos voduns que estão ausen-tes. Indagados para onde vão na Quares-ma, os voduns dizem que nesse tempo, sãolembrados na terra os sofrimentos de Evo-vodum Jesus, com jejuns e penitências. Elesnão gostam de tristezas e sofrimentos, queé coisa dos humanos e preferem ficar des-cansando. Dizem que tiram férias, que es-tão de quarentena e que não ficam disponí-veis para qualquer coisa. Nesse período nãose coloca água nem outra coisa para eles noquarto dos santos. Só varrem e acendemluz de vela. Em São Luís, na Quaresmanão se realizam festas nas casas de mina,como até pouco tempo em toda a cidade.Alguns terreiros que adotam rituais deCandomblé eventualmente organizamuma saída de iaô, que é criticado pelo povode mina.

Já no Terecô de Imperatriz, os filhosde santo de Dona Cota ficaram recolhi-dos por todo o dia de sexta-feira da pai-xão, deitados no chão. Chegada a meia-noite e, com o acontecimento da che-gada do sábado de aleluia, levantarame rezaram um rosário, tomaram banhosde ervas preparados por a mãe de santoe a festa começou. E Pai Flávio explicao sentido da festa para a sua religião:

A festa é um momento de agradecimento.Para nós a vida baiando o Terecô, brincan-do, a vida seria eternamente uma festa por-que a nossa vida tem que ser uma festa, jáque estamos aqui, nesta passagem de pou-ca estadia aqui no plano terrestre, mas éuma festa para nós. Então o Terecô temque ser aquele momento de festa e conta-mos com a nossa festa dos nossos mento-res espirituais, sempre tem aquela festa quea gente faz.

Como esclarece Mikhail Bakhtin(1993, p. 7):

As festividades (qualquer que seja o seutipo) são forma primordial, marcante, dacivilização humana. Não é preciso conside-rá-las nem explicá-las como um produtodas condições e finalidades práticas do tra-balho coletivo nem, interpretação mais vul-gar ainda, da necessidade biológica (fisioló-gica) de descanso periódico. As festivida-des tiveram sempre um conteúdo essenci-al, um sentido profundo, exprimiram sem-pre uma concepção do mundo.

Ouvindo os participantes da festa,é recorrente uma expressão uníssona,dizem todos que vieram participar dabrincadeira de Terecô ou vieram brin-car Terecô. E dançam numa alegria comos encontros com os outros brincantes.Ao falar do Terecô, é como uma brin-cadeira que todos o reconhecem.

Os médiuns iniciantes ou experien-tes chamam de brincadeira a dança-ri-tual e giram incessantemente ao somdos tambores aquecidos temporaria-mente e fora do salão junto à fogueira.E Pai Flávio anuncia que o

Terecô é uma dança, uma brincadeira, masuma brincadeira sagrada para nós, aondevamos cultuar os nossos orixás e devotar osnossos antepassados, o nosso povo, pedindoa proteção na corrente de cura, na correntede daquilo que tiver ao nosso alcance paraaqueles que necessitam, através da prece, daoração, da descarga, dos banhos. O Terecô éfeito com alegria, com alegria. E a alegriapelo fato de sermos criados por Olorun eentão se Olurun nos criou, ele nos crioupara sermos livres e para sermos felizes.Então é uma dança sagrada, mas é uma brin-cadeira, dizemos que é uma brincadeira,brincar os nossos tambores, cultuar as nos-sas divindades, mas é sagrado para nós.

Ouvir o relato de Pai Flávio, nar-rando sobre Terecô, leva-nos a concor-dar com Ecléa Bosi (1994, p. 90) sobreo fato de o narrador estar presente aolado do ouvinte:

Suas mãos, experimentadas no trabalho,fazem gestos que sustentam a história, quedão asas aos fatos principiados pela sua voz.Tira segredos e lições que estavam dentrodas coisas, faz uma sopa deliciosa das pe-

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dras do chão, como no conto da carochi-nha. A arte de narrar é uma relação alma,olho e mão: assim transforma o narradorsua matéria, a vida humana.

São adultos brincantes, é o que sedesprende das falas deles no decorrerdo ritual ou em conversas nos interva-los para aquecer os tambores. WalterBenjamin (2002, p. 85) reflete sobre obrincar infantil no adulto:

Não se trata de uma regressão maciça àvida infantil quando o adulto se vê tomadopor um tal ímpeto de brincar. Não há dúvi-da que brincar significa libertação. Rodea-das por um mundo de gigantes, as criançascriam para si, brincando o pequeno mun-do próprio; mas o adulto, que se vê acossa-do por uma realidade ameaçadora, semperspectivas de solução, liberta-se dos hor-rores do real mediante a sua reproduçãominiaturizada. A banalização de uma exis-tência insuportável contribuiu considera-velmente para o crescente interesse quejogos e livros infantis passaram a despertarapós o fim da guerra..

Os brincantes de Terecô, iniciadosna Religião e praticantes em Impera-triz, no Sul do Maranhão, vivem emum cenário de profunda intolerânciareligiosa, o que já é fato antigo. E PaiFlávio narra como eram os anos 1980 desua infância em Imperatriz:

Naquele tempo se dizia que Terecô era coisado demônio e eu ia para a igreja, era coro-inha, dizia que iria ser padre, foi uma épo-ca que eu passei... depois dessa época eugostava de ir, ia escondido, entrava escon-dido nas casas, tinha medo, repressão, porque diziam: ‘Ali tem um Terecô só tem oque não presta’.

Atualmente, evangélicos vão às suasportas e gritam impropérios contra acasa e seus participantes, passam umóleo ungido à porta para que o quechamam de “casa do satanás” deixar defuncionar. Essa situação é já bastantedifundida no Brasil, e é possível refle-tir sobre ela, com Mariano:

Se os evangélicos identificam as entidadesda Umbanda, os deuses do Candomblé eos espíritos do Kardecismo com os demô-nios, os neopentecostais vão bem mais longeao vê-los como responsáveis diretos poruma infinidade de males, infortúnios e so-frimentos. A partir disso, o combate àmacumba, aos exus, guias, pretos-velhos eorixás tornou-se um de seus principais pila-res doutrinários. Mas para que esse diálogocontrastivo com os adversários fosse possí-

vel, além de se basearem na dogmática pen-tecostal tradicional, aproveitaram tanto omedo da macumba, da feitiçaria, da magianegra e de certos preconceitos presentes noimaginário e na memória popular quanto aprópria expansão, visibilidade pública e in-fluência cultural dos cultos afro-brasileiros.(MARIANO, 1999, p.115-116).

Habitantes das precárias vilas peri-féricas da segunda maior cidade do em-pobrecido estado nordestino são publi-camente insultados em seus direitos demanifestação religiosa, e percebi, nes-te Estudo Exploratório inicial, que sãodesrespeitados de seus direitos de cida-dania por uma construção social quenão os admite, até por serem afrodes-cendentes e empobrecidos. JurandirFreire Costa lembra que o

[...] conjunto de interesses médico-estataisinterpôs entre a família e a criança, trans-formando a natureza e a representação dascaracterísticas físicas, morais e sociais des-ta última. As sucessivas gerações formadaspor uma pedagogia higienizada produziramo indivíduo urbano de nosso tempo. Indi-viduo física e sexualmente obcecado peloseu corpo; moral e sentimentalmente cen-trado em sua dor e seu prazer; socialmenteracista e burguês em suas crenças e condu-tas. (COSTA, 1983, p. 214)

Todas as narrações de situações pre-conceituosas passam ou são esquecidastemporariamente ao ouvir um toque detambor? Obviamente que os depoimen-tos são do amargor constante desta per-seguição religiosa nos dias de culto co-mum e nos dias de suas grandes festas.E Pai Flávio declara ser “feliz na Um-banda, pois é onde eu vejo acontecer apartilha, sinceramente nós não escon-demos o que somos, nós somos aquilo enos apresentamos na sociedade comonós somos e nós merecemos respeito poras nossas pessoas”.

Recolho agora relatos inscritos em ar-tigo publicado por João José dos Reis eque apresenta detalhadamente o cuida-do do aparato de segurança do Estadoem acompanhar os brinquedos dosafricanos no nascedouro do século XIX,na Bahia. O documento referido é umOfício do Capitão Comandante deMilícias de Santo Amaro ao Capitão-MorFrancisco Pires de Carvalho e Albuquer-que e, nesta escrita, a autoridadecomunica que foi informado acerca de

Hum ajuntamento de escravos, que houvenesta Villa, pelas oitavas do pretérito natal,descerão dos Engenhos do distrito destaVilla vários escravos de todas as naçõens, eunindo-se em três corporaçones com mui-tos desta Villa, segundo sua nação, forma-rão três diferentes ranchos, de atabaques, efizeram os seus costumados brinquedos,ou danças, a saber, os geges, no sítio Sergi-mirim, os Angolas, por detrás da Capellade Rozario, e os nagôs e Uças, na rua dedetrás, junto ao Alambique que tem ren-da, Thomé Correa de Matos, sendo esteranxo o mais luzido, vestidos em meio cor-po, com hum grande atabaque, e algunsadereçados com algumas peças de ouro, econtinuarão com suas danças não só de diamas ainda grande parte da noite, banquete-ando-se em húa caza vizinha a dita situa-ção, que se achava vazia, na mesma rua dedetrás, e ahi ouve muito que beber, a custados mesmos pretos do dito brinquedo.(REIS, 2001, p.357)

O relato policial, datado de 1809,denomina brinquedo o conjunto visívelde danças na festa das diversas naçõesobservadas. No mesmo documento,haverá uma referência de uma visitaintolerante à festa, feita por um padre,atualizando que certas versões do cris-tianismo sempre foram intolerantes àsmanifestações culturais das populaçõesafricanas no Brasil:

Hé certo que estando a corporação dosnagôs, e Uças no maior calor da sua dançana tarde de hum referidos dias, se endere-çou a eles com zello Apostolico a Revdo.Pe. Ignacio dos Santos, para impedir a ditadança, cuja diligência foi inútil, pois os di-tos pretos não atenderão respondendo-lhescom palavras menos decentes, e que afinallhe disseram que seos senhores tinhão todaa semana para se divertirem e que eles ti-nhão nella hum só dia, e que se retirasse,aliás levaria o que lhe dessem, e assim seretirou o dito Pe. apelando para Deos.(REIS, 2001, p. 357)

Walter Benjamin lembra que oadulto

[...] ao narrar uma experiência, alivia o seucoração dos horrores, goza duplamente umafelicidade. A criança volta a criar para sitodo o fato vivido, começa mais uma vezno início. Talvez resida aqui a mais profun-da raiz para o duplo sentido nos jogos ale-mães10: repetir o mesmo seria o elementoverdadeiramente comum. A essência dobrincar não é um ‘fazer como se’, mas um‘fazer sempre de novo’, transformação daexperiência mais comovente em hábito.(BENJAMIN, 2002, p. 101)

10 No alemão Spiele significa tantos jogos quanto brincadeiras. O verbo spielen agrupa os significados de brincar, jogar e representar.

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O empenho coletivo de manter aCasa de Nossa Senhora Santana con-duzida por Dona Cota (Irenilde Torres,nascida em 1961)11 em alegre funcio-namento, diante de um cenário de ex-pansão de Igrejas Evangélicas para to-dos os lados dos bairros periféricos im-peratrizenses é uma atitude política delutar por cidadania e pode ser entendi-da como um apelo de que só existe umavida comunitária suficientemente livre“de perturbações e tensões se todos osindivíduos dentro dela gozarem de sa-tisfação suficiente; e só pode haver umaexistência individual mais satisfatóriase a estrutura social pertinente for maislivre de tensão, perturbação e conflito”( ELIAS, op. cit, p.17).

Essa alegria por participar da brin-cadeira é de tanta intensidade quanto onarrar sobre as situações em que são in-comodados por intolerância religiosa dosvizinhos evangélicos. É evidente que umtrabalho tão inicial aponte só algumasconclusões prévias. Mas já os dados co-letados levam ao encontro com essa du-pla certeza: sorriem com o encontro parabrincar Terecô e sofrem com a chegadaàs suas portas de grupos de evangélicosem insultos e provocações difíceis desuportar. Tal etnografia tão incipienteconclui que o pesquisador

[...] enfrenta, de fato – a não ser quando(como deve fazer, naturalmente) está se-guindo as rotinas mais automatizadas decoletar dados – é uma multiplicidade deestruturas conceptuais complexas, muitasdelas sobrepostas ou amarradas umas àsoutras, que são simultaneamente estra-nhas, irregulares e inexplícitas, e que eletem que, de alguma forma, primeiro apre-ender e depois apresentar. E isso é verda-de em todos os níveis de atividade do seutrabalho de campo, mesmo o mais roti-neiro: entrevistar informantes, observarrituais, deduzir os termos de parentesco,traçar linhas de propriedade, fazer o cen-so doméstico... escrever seu diário. Fazeretnografia é como ler (no sentido de ‘cons-truir uma leitura de’) um manuscrito es-tranho, desbotado, cheio de elipses, inco-erências, emendas suspeitas e comentári-os tendenciosos, escritos não como os si-nais convencionais do som, mas com exem-plos de comportamento modelado.(GEERTZ, 1983, p. 7)

Lins comenta que o ato de trans-mitir comporta a capacidade de lem-brar e de esquecer:

O esquecimento, ao libertar o espaço dacriação e da renovação, pode abrir via damudança social e permitir a evolução das

mentalidades onde o representado cede lu-gar ao apresentado. No ato da apresenta-ção existe o espaço da inteligência sensível,espaço aqui compreendido como o lugaraberto à criação. Criar é da ordem da apre-sentação, cultuar – notadamente a memó-ria das feridas e das marcas – insere-se nocampo das representações. As representa-ções emergem muitas vezes como alheiasao próprio sujeito – sujeitos da memória –pois foram pensadas, arquitetadas, imagi-nadas, celebradas em nome de [...] a apre-sentação é o lugar da invenção. Inventarum outro sujeito, múltiplo, multiplicador,um sujeito que encontra sua força na apre-sentação em detrimento de uma represen-tação que só representa a si mesma. Apre-sentar é também apresentar outros espa-ços da memória: memória-acontecimen-to, acoplada ao esquecimento ativo, dissi-dente, artístico (LINS, 2000. p. 15).

Interessada na narrativa sobre o Te-recô enquanto uma brincadeira foipossível, ouvir sobre a dor por perten-cer a uma religião de origem afro-bra-sileira. Selligman-Silva, falando sobreos descaminhos dolorosos dos temposda ditadura brasileira – com prisões ar-bitrárias e repressão a qualquer ativi-dade criativa –, discute que é possívelpensar que “a memória dos exploradosé tão violentada quanto essa própriacamada da sociedade” (2003, p. 38).Então, narrar e escrever é das maissalutares tarefas aos que são excluídosdo direito a viver livremente a sua cul-tura. É o caso dos terecozeiros, queteimam em não parar de animadamen-te brincar!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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11 Em 17 de maio de 2011 acorreu o falecimento de Dona Cota. A menos de um mês dos acontecimentos aqui narrados a Comunidade de Umbanda deImperatriz ouvia o toque dos seus tambores alertar para a saída de seu corpo em direção ao sepultamento e que a casa fechava para luto por sete meses e nestemomento acontecerá o Tambor de choro, instante em que são os objetos pertencentes à Mãe de Santo falecida são despachados e a casa reabrirá.

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Foto de Sergio Ferretii

DEPOIS DA OBRIGAÇÃO:CARIMBÓ, BAMBAÊ DE CAIXA E CACURIÁ NO MARANHÃO

Mundicarmo Ferretti12

12 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.

Existe no Maranhão uma série de brincadeiras populares tradicionais, execu-

tadas depois da Festa de Espírito Santo, pe-las caixeiras (com ou sem instrumentomusical), ou que, embora sem ligação dire-ta com aquela festa, são realizados com cai-xas – instrumentos musicais típicos da Fes-ta do Espírito Santo. Entre as mais conhe-cidas, podem ser citadas:

1) o Carimbó, como o realizado atual-mente na Casa das Minas (sem cai-xa) e na Casa de Nagô (PACHECOet al., 2005);

2) o Bambaê da Caixa que, em Caja-pió e São Bento, é também conhe-cido como Farra-de-Caixa e que, as-sim como o Tambor de Crioula, temumbigada ou punga (VIEIRA FI-LHO, 1958, p.15);

3) o Caroço, de grande expressão emTutoia (RODRIGUES, 1983);

4) o Lelê de Caixa ou Forró de Caixa,encontrado em Maxixe, povoado domunicípio de Mirinzal;

5) o Cacuriá, originário de Baiacu, po-voado de Guimarães, estilizado emSão Luís por Alauriano de Almeida– o Seu Lauro (1973), por DonaTeté (1986) e, depois, apresentadopor muitos grupos folclóricos ou dedança de São Luís - como o de Tou-rinho (1987) (MEMORIA DE VE-LHO, p. 73-93) - e de outras capi-tais - como o de Dona Elisene(1992), de Brasília (DELGADO,2005) e o de Tião Carvalho, em SãoPaulo.

Em algumas regiões do estado, comoem Ingaura, na ilha de São Luís, a brinca-deira de caixeiras do Espírito Santo é de-nominada Terecô, termo mais usado na ca-pital como sinônimo de Tambor da Mata –religião de origem africana típica de Codó(FERRETTI, M. 2001).

Terecô, ô Terecô/ Terecô, mamãe TerecôQuando eu cheguei nessa casa/ Repareipros quatro cantosAi, quê, quê/ Ai, quê, quê/ Ai, quê, quê/Querequê/ Ai, quê, quêAqui mora uma devota/ Do Divino Espíri-to Santo/ Ai, quê, quê (...)(Terecô de Ingaura – CD: Brincando noArraial IV).

Essas brincadeiras, mesmo quando re-alizadas por caixeiras do Espírito Santo,costumam ser jocosas e irreverentes, talcomo ocorre frequentemente nas realiza-

das entre pessoas demesmo sexo ouentre homens emulheres, por oca-sião do “buscamen-to do mastro”.

Como na capi-tal maranhense amaioria das Festasdo Divino é realiza-da em casas de cultoafro-brasileiro ousão promovidas porpessoa ligadas a elas,algumas caixeiraspodem receber, du-rante a brincadeira,um guia espiritualda Mina, Cura, Te-recô ou Umbanda,que gosta de brinca-deira e de bebidaalcoólica. Por causada participaçãodesses encantados,vez por outrapodem ser cantadasali músicas dorepertório daquelasd e n o m i n a ç õ e sreligiosas, o quecontribui para dei-xar claro a relaçãoexistente entreaquelas brincadei-ras, o catolicismopopular e asreligiões afro-brasi-leiras. Um bomexemplo dessa inter-cessão é a música “Mas tu na sabe”, apre-sentada como Caroço no LP Musica doNorte – V.2, da Marcus Pereira (1976), e amúsica “Sou eu Rosa Menina”, classifica-do ali como “Baralho” (brincadeira do anti-go Carnaval maranhense) e como Cacuriá,no CD “Rosa Reis – Pajelança”, do LABO-RARTE (1977). “Mas tu na sabe” é cantadano Terreiro de Yemanja, do falecido JorgeItaci, e em outros de São Luís para umaencantada da família de Dom Luis, Rei deFrança.

“Mas tu não sabe – embalar neném (bis)Perguntem a Maria Antônia como se em-bala neném “(Musica do Norte – V.2, 4B)

“Sou eu Rosa Menina” é cantada fre-

quentemente em salões de curadores e emterreiros de Mina, no ritual denominado“Baião” – realizado para entidades femini-nas:

“Sou eu rosa meninada folha da juçareirada folha do juçaral”(Rosa Reis – Pajelança, 13)

Não sabemos quando o Carimbó foiintroduzido na Festa do Espírito Santo daCasa das Minas Jeje e da Casa de Nagô,ambas abertas em meados do século XIX.Mas sabe-se, pelos pedidos de licença parafazer festas de santo, apresentados pelosterreiros de São Luís aos órgãos policiais,no final do século XIX e início do século

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XX, que havia, por parte dos organizadoresdas festas, grande preocupação em garantirnessas festas “ordem e respeito a moralpública”. Por essa razão, acreditamos quenaquela época o Carimbó das Caixeiras dosterreiros da capital era uma brincadeira “bemcomportada”, bastante diferente da que sevê nos dias de hoje.

Atualmente, na Casa das Minas - terrei-ro jeje, o Carimbó é realizado à tarde, um diaapós o encerramento da festa, portanto apóso derrubamento do mastro e a transferênciadas posses ao novo império. As palmassubstituem o toque de caixas. A brincadeirase estrutura em torno da serração do mastro,quando de serrote na mão, as caixeiras edemais participantes da festa, cantando edançando, serram o mastro – tronco deárvore derrubado no dia anterior em tornodo qual se cantou e tocou caixa, muitas vezes,nos dias anteriores. Várias letras das músicascantadas têm duplo sentido, sendo a inter-pretação maliciosa facilitada pelos movimen-tos da dança, pelos gestos e pelas expressõesfaciais.

Eu sou Mestre Quirino – serradorSerra o pau Quirino – serradorSerra o pau no meio – serradorEu também sei serrar – serradorEu também quero pau – serrador(PACHECO et al., 2005, p.63)

A Casa das Minas permite no Carim-bó, embora de modo controlado, o uso obebida alcoólica, como registrado nessesversos recolhidos naquele terreiro:

Ô dona da casa eu sou da fuzarcase não tiver copo eu bebo na garrafa(PACHECO et. al., 2005, p.63)

Na Casa de Nagô o Carimbó é realiza-do com caixas e dura o dia todo. Num pas-sado ainda próximo tinha como atraçãoprincipal uma disputa de mulheres que, aosom da música, requebravam se abaixavampara apanhar, com a boca, um lenço coloca-do no chão ou uma garrafa de bebida. Talcomo descrito por Seu Lauro, em depoi-mento gravado pelo Centro de Cultura Po-pular, essa tradição era encontrada nos an-tigos Carimbós por ele observados em SãoJosé de Ribamar-MA, na porta da igreja(MEMORIA DE VELHO, V.5, p. 83).Transcrevemos a seguir versos de uma dasmúsicas cantadas na Casa de Nagô:

Galinha preta no tronco da jurubebase tu quer pega(PACHECO et. al., 2005, p.62)

Nos últimos anos, a jocosidade e a irre-verência, que sempre existiram nas brinca-

deiras das caixeiras do Espírito Santo e emoutras brincadeiras de caixa, assumiramproporções maiores no Cacuriá de Dona Teté,dança de pares produzida pelo LABORAR-TE e realizada como espetáculo. Essabrincadeira, embora muito aplaudida e co-nhecida fora do Maranhão, chegou a serconsiderada uma “depravação” por SeuLauro, seu primeiro estilizador, que a trouxede Guimarães-MA para o encerramento daFesta do Espírito Santo: “o Cacuriá é umafesta séria, uma brincadeira religiosa doDivino Espírito Santo” (depoimento publi-cado em MEMORIA DE VELHO, V.5, p.81).

Fui na praia pegar sirisiri me mordeu eu sacudie os peixinhos da Camboacomeçaram a rir

Ô mulata bonita, aicadê teu varão, aime pega me beija, aime bota no chão(Cacuriá de Dona Teté - Rosa Reis – Paje-lança)

Por razões históricas e geográfica, acultura do Maranhão tem mais afinidadecom a do Pará do que com os estados nor-destinos. Não temos conhecimento de es-tudos comparativos entre as estruturasmusicais dessa variedade de danças mara-nhenses ligadas à Festa do Espírito Santoou com utilização de caixas (instrumentotocado obrigatoriamente naquela festa) e oCarimbó do Pará. Será que o Carimbó dosterreiros de Mina da capital maranhense, oBambaê de Caixa e o Cacuriá de Guimarãese outras brincadeiras de caixa existentes noMaranhão são o mesmo Carimbo do Pará?Ou será que a pluralidade de nomes dadosno Maranhão às brincadeiras com caixa,ligadas ou não a Festa do Divino, correspon-de a tipos especiais de música e de dança?

Nosso conhecimento da realidade e osdados aqui analisados nos levam a afirmarque: não existe no Maranhão uma unifica-ção na denominação das brincadeiras decaixeiras do Divino ou das danças de caixa, eque existe nessas brincadeiras grande varie-dade de ritmos, danças e cantos. Comolembramos anteriormente, músicas como“Sou eu rosa menina”, classificada por unscomo Cacuriá, por outros como Baralho, écantada em salões de curadores, pajés e emterreiros de Mina, em rituais de Cura eBaião.

Embora, pelo menos em sua origem, amaioria das brincadeiras de caixa a que nosreferimos aqui seja um momento profanode uma festa religiosa ou um divertimentode devotas do Espírito Santo, hoje muitasdelas são produzidas como espetáculo, porcompanhias artísticas ou grupos folclóri-

cos, sem o vinculo religioso encontrado nasbrincadeiras populares tradicionais. Fora docontexto da Festa do Divino ou das casasde Mina mais antigas, a brincadeira de cai-xa corre mais solta, tornando-se mais sen-sual e maliciosa. Apesar do Cacuriá de DonaTeté com o LABORARTE, hoje o mais co-nhecido, ser iniciado com uma cantoria doDivino e de Dona Teté ser pessoalmentedevota do Espírito Santo, pode ser realiza-do em qualquer época, em qualquer lugar epara um público sem devoção ao EspíritoSanto.

REFERÊNCIAS

BRINCANDO NO ARRAIAL - IV.São Luís: FUNC, 2002. f.17. 1CD.

DELGADO, Ana Luiza de Menezes.Só precisa rebolar?: uma investigaçãosobre performance e dinâmica cultu-ral na tradição do Cacuriá. 169f. Dis-sertação (Mestrado em Antropologia)– UFPE/ANTROPOLOGIA –. Reci-fe, 2005.

FERRETTI, M. Encantaria de “Bar-ba Soeira”: Codó, capital da magia ne-gra?. São Paulo: Siciliano, 2001.

FERRETTI, Sergio (Org.). A dança doLelê na cidade de Rosário no Mara-nhão. São Luís: FUNC; Rio de Janei-ro: FUNARTE-DAC-MEC, 1977.

MEMÓRIA DE VELHOS: DOI-MENTOS – Uma contribuição à me-mória oral da cultura popular mara-nhense. V.5. São Luís: CCPDVF; CMF,1999.

PACHECO, Gustavo; GOUVEIA,Cláudia; ABREU, Maria Clara. Caixei-ras do Divino Espírito Santo de SãoLuís do Maranhão. Rio de Janeiro:Associação Cultural Caburé, 2005. 2CD.

REIS, Rosa: Pajelança. São Luís: LA-BORARTE, 1997. 1 CD.

RODRIGUES. Jocy. Escalas modaisda folcmúsica do Maranhão no Ca-roço de Tutoia (Subsídios). São Luís:Edições UFMA, 1983.

SANTOS, Roza Maria. A festa do divi-no de São Luís e Alcântara – danças dereverencia. Boletim da CMF. SãoLuís, n. 36, dez. 2006, p.13-14.

VIANA, José de Ribamar (Papete). Pa-jelança, danças e tambores do Mara-nhão. In: MÚSICA POPULAR DONORTE v. 2. Discos Marcus Pereira,1976. 1 LP.

VIEIRA FILHO, Domingos. A lingua-gem popular do Maranhão. 2. ed. rev.e ampl. São Luís: [s.ed], 1958.

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CHEGANÇA NO MARANHÃO

Dando continuidade a texto anterior,publicado no Boletim 50 da CMF14, ana-

lisaremos a Chegança no Maranhão, estadoonde exerceu grande influência na cultura lo-cal. A data de sua chegada é incerta pelo fatode não existir nenhum registro digno de men-ção. Nas cidades de Viana e Penalva, o que sesabe até os dias atuais, é que ainda existemcadernos escritos em português arcaico, con-tendo todas as partes dessa encenação, cuida-dosamente guardados pelos remanescentes ido-sos, grandes entusiastas desse espetáculo ro-manceado; verdadeiros guardiões desse ritual,que fora transmitido por herança familiar.

Encontramos, no artigo Danças popularesdo Maranhão, - A Marujada, escrito pela pes-quisadora Maria Michol Pinho de Carvalho(2006) – o qual nos surpreende com valiosasinformações, no que diz respeito a esta repre-sentação dramática –, redesenhadas, as lutasluso-espanholas, inseridas no solo maranhen-se pelos sertanejos:

A Dança do Marujo ou Marujada, tam-bém conhecida como Chegança do Maru-jo, Barca Fandango, os Fandangos, Nau Ca-tarineta ou apenas Chegança, é de origemportuguesa que se espalhou por todo o Brasil.Chegou ao Maranhão pelo Piauí e fixou-seem Caxias. Os brincantes são do sexo mas-culino, de idade que varia de 13 a 50 anose, geralmente, são açougueiros, magarefese feirantes.

A Dança do Marujo apresenta uma coreo-grafia simples, formada por 2 cordões departicipantes, que pouco falam ou cantam,mas respondem em forma de coro e dan-çam imitando as ondas do mar. Arrumam-se em forma de barco, ficando, em umaextremidade, o rei Mouro e seus embaixa-dores (muçulmanos) e, na outra, o chefe dedivisão e seus tripulantes (cristãos). O gru-po sai cantando do local de ensaio para ode apresentação, entoando uma músicadenominada cantiga de rua. Dependendodo local de apresentação, os brincantes fa-

continuação

Pedro Mendengo Filho13

zem saudações ao dono da casa ou a algumsanto, de preferência São Benedito, e à pla-téia. A dança é acompanhada apenas pormaracás de latas15.

Conforme revelação da autora, a repre-sentação da Marujada em Caxias é compos-ta de vários figurantes, pertencentes às vári-as classe sociais, seduzidos, decerto, peloprestígio dos uniformes que arrastam fre-quentemente nestas apresentações, algo mis-ter do exército e da marinha, para o orgulhode grande número de amantes da farda que

dá vida ao seu bailado:

A Dança do Marujo, em Caxias, é com-posta de sete partes independentes entre si,que são apresentadas com diálogos canta-dos ou falados. Essas partes são: Mora (ReiMouro), Piloto, Chiquito, Capitão-Gene-ral, Rizinga, Mestre-Patrão e Bandereiro.A dança inicia-se pela saída da nau portu-guesa do porto (Mora ou Rei Mouro). Nes-sa parte há o confronto entre o chefe dedivisão e os embaixadores, na tentativa des-tes serem convertidos ao cristianismo e fi-naliza com o batizado dos embaixadores.

Continua a autora, o espetáculo ficapor conta da coreografia:

A dança do Marujo faz parte das festasnatalinas, podendo prolongar-se até 15 dejaneiro. De acordo com informações deEnóquio Sousa, esse folguedo encontra-se,hoje, totalmente desativado e, portanto,em fase de completa extinção.

Esta falta de continuidade, ou abandonopelas festas antigas, tem três vertentes de ex-clusões. Em primeiro lugar, estão nas perdasde líderes comunitários; em segundo, a faltade incentivo por parte do Estado nessa preser-vação e a terceira são as apropriações indébitasdas terras herdadas pelas comunidades, naforça do avanço da nova agropecuária e agro-indústria; ditadas por poderosos empresários,grupos de empresas e grileiros, em suas fami-geradas migrações internas – advindas do Sule Centro-Oeste – em direção às comunidadesseculares existentes em terras férteis, por doa-ções coloniais ou imperiais. Locais onde asculturas antigas ainda se mantêm vivas e in-tactas desde que aqui chegaram. Quanto aoseu povo: é explorada uma pequena parceladessa mão de obra barata, enquanto que osdemais integrantes da comunidade são expul-sos, movidos para as periferias Urbanas/Me-tropolitana (áreas de invasão massificada – fa-

vela ou outras denominações locais), onde odestino lhe reserva a marginalização, pela fal-ta qualificação profissional.

Nessa derrocada cultural, observa-se queessas festas surgem, mais tarde, distorcidas, eo pior de tudo isso, estilizadas, quase em totalperda de seu ritual original. Isto seria inevitá-vel, pois só acontece isso pela necessidadeadaptativa desses novos migrantes, na assimi-lação das estruturas culturais e sociais da re-gião onde a manifestação floresce desbotada.Um sugestivo artigo, contido na obra FolcloreNacional de Alceu Maynard Araújo (2004)16,salienta que o auto representativo de um com-bate entre cristãos e mouros, ao cruzar o terri-tório nacional, foi se transfigurando principal-mente no Centro, Sul e Sudeste do país:

A história da colonização do Brasil nosmostra que ele é um país onde houve dis-persão demográfica. Não é de se estranhar,portanto, que o fenômeno da dispersão te-nha se dado também com a memória cole-tiva. Acreditamos que a marujada tenhasido trazida por nortistas, “nordestinos dolitoral que são uns andejos”. É bem possí-vel, pois é muito maior a mobilidade dosmoradores do litoral do que a dos outrosque moram no interior.

A distinção estabelecida entre Chegançade Marujo e Chegança Nau Catarineta, nomeu entender, é uma questão de estética, deorganização e composição de seus elementosna compreensão de quem recebeu os ensina-mentos do ritual da manifestação. Observa-seque a primeira absorve os mitos da cultura lo-cal; ou seja, por simbolismo presta homena-gens aos santos padroeiros da Terra Natal, atre-lados aos elementos da Nau Catarineta. En-quanto a segunda obedece somente à estrutu-ra do cancioneiro português, em que a lingua-gem de época lhe legitima.

Faz mister compreender o que AntônioLopes (1967, p. 119) deixou como suspeita deviolação pelas classes populares nos versos doromance Nau Catarineta, para que os futurospesquisadores e estudiosos busquem estasvariações existentes na tradição maranhense.Podemos mesmo dizer que entraram duasmodalidades de Chegança no Maranhão. Aprimeira a se estabelecer foi a Chegança NauCatarineta, uma epopeia, que contém em sium complexo de lendas e de tradições, de re-miniscências autenticamente históricas e fa-tores poéticos, místicos e trágicos essencial-mente portugueses. Vinda diretamente daProvíncia do Porto para Alcântara; chegando

13 Bacharel e Licenciado em Psicologia; Mestre em História; técnico do IBGE; membro da Academia Vianense de Letras de Viana; membro fundador epesquisador da Fundação Conceição do Maracu (Viana-MA).

14 Chegança: um dramalhão de tema náutico apresentado em diferentes manifestações. São Luís. Boletim da CMF, n.50, ago./2011. p. 9-12.15 CARVALHO, Maria Michol Pinho de. Danças populares do Maranhão, - “A Marujada”, publicado em 15 abr. 06. Disponível em: <http://

www.culturapopular.ma.gov.br/artigos2.php?.id=19>. Acesso em 12 jan. 2009.16 ARAÚJO, Alceu Maynard. Folclore Nacional I: festas, bailados, mitos e lendas. Fotografias do autor; desenhos de Oswaldo Storni, Osny Azevedo, do autor

e de outras fontes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 363 – 364. (Coleção Raízes).

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mais tarde às cidades, vilas e povoados exis-tentes nos campos baixos do Pindaré. A se-gunda foi a Chegança de Marujos, um episó-dio ornamentado de fatos de pura criação daimaginação popular, recriados no seu cotidia-no, com partes dos versos de Nau Catarineta.Esta viajante do Segundo Império, depois deandar pelos sertões do nordeste (Bahia e Piauí)se estabeleceu em Caxias, onde ainda é ence-nada timidamente, com parcos recursos de seusadeptos das Zonas Rurais.

“A Nau Catarineta é da MarinhaImperial ou é do Rei de Portugal”.

Os versos encontrados nas versões portu-guesas, descritas nas obras maranhenses des-te drama marítimo, romance novelesco ou deaventura, traduzem todos os esforços de Cel-so de Magalhães (1849), enfeixados principal-mente no Romanceiro Geral de Teófilo Bragae no Romanceiro de Almeida Garrett, entreoutros. Em 1873, foi publicado, no periódico OTrabalho, uma série de artigos subordinadosao título geral de A Poesia Popular Brasileira,trabalho este que fora produto de estudos so-bre a arte poética, que o autor encontrou napoesia popular no Maranhão, dos velhos frag-mentos poéticos de várias manifestações po-pulares como a “Chegança”.

Essa coletânea de poesias deixada por Cel-so de Magalhães sobreviveu na tradição oraldo Maranhão, cujas investigações se limita-ram à cidade de São Luís e à região dos Lagosdo Baixo Pindaré. E, foram eternizadas, a par-tir das dedicações de Antônio Lopes da Cu-nha17, com o título de “Presença do Romancei-ro” publicada, em forma de livro, pela EditoraCivilização Brasileira, em 1967.

Esta obra serviu de base para Antônio Lo-pes, para quem, no seu entender, os versos daNau Catarineta marcam o início de um estudosistemático dos problemas mais interessantesda demologia·(folclore). A Presença do Roman-ceiro guarda a memória coletiva da ancestrali-dade, que alimenta essa manifestação cultu-ral, assim como procura vivenciar a luta dobem contra o mal, com as origens da cristiani-zação do Brasil colonial.

Transcrevemos da obra Presença do Ro-manceiro, o artigo 13 “A Nau Catarineta”, co-lhido em Viana, em 1912, por Antônio Lopes:18

Sete anos e um dia andou perdida no mara nau Catarineta da marinha imperial.Acabou a matalotagem, não tinha o que jantar,botaram sola de môlho para depois cozinhar.

A sola era muito dura, não puderam mastigar.Então foram tirar por sorte quem haveram de matar,mas a sorte foi cair no capitão-generalda nau Catarineta da marinha imperial.- Trepa, trepa, meu gajeiro, meu gajeirinho real,para ver terra de Espanha, (Olaré) areia de Portugal.- Não veja terra de Espanha nem areia de Portugal,vejo só espadas nuas, (Olaré) que é para te matar.- Trepa, trepa, meu gajeiro, meu gajeirinho real,vê se vês terra de Espanha, (Olaré) areia de Portugal.- Alvissas, seu capitão, seu capitão-general,não vejo terra de Espanha mas praia de Portugal.19

Vejo três moças donzelas debaixo dum laranjal,Uma com dedal de ouro, outra com agulha de prata,a mais bonita de todas, (Olaré) na sua roca a fiar.- Todas três são minhas filhas, eu faço gosto emte dar aquela que tu quiseres, para contigo casar.- Eu não quero suas filhas que lhe custou a criar.Não procuro casamento, sou casado com o mar.- Te dou de ouro e prata o que quiseres levar.- Nem com ouro nem com prataninguém me venha atentar.- Já te ofereci o que tenho e tu nada de aceitar.- Quero a nau Catarineta pra nela na vegar.- Esta nau Catarineta é do rei de Portugal,foi ele que me mandou sair nela para o mar.– Vamos, vamos companheiros, vamos já desembarcar,larga, larga a catraia, que a maré está preamar

Em Viana, onde procede esta versão dofamoso fragmento de poesia popular, cuja ori-gem tanto discutiu Teófilo Braga que, depoisde haver formulado várias hipóteses, ao finalchegou a conclusão que; o enredo prende-se aum ciclo de navegação no Atlântico, enquan-to Luís Chaves (1969) o define como narrativade ordálio marítimo20. Para Antônio Lopes(1967, op. cit.), ainda temos muito que investi-gar sobre essa origem. Em Viana realizou-seChegança até, pelo menos, 1898. Já em SãoLuís, essa brincadeira tradicional foi realizadaaté, pelo menos 1910, colhendo-lhe a letra com-pleta. Depois foi retomada. A partir desta datafoi reconstruída sem os versos originais ou par-te deles.

A Chegança do Maranhão é o que, emoutras regiões brasileiras, tem os nomes deMarujada, Chegança do Mouro, que não sedeve confundir com a folgança dos Mouros deque trata Sílvio Romero (1883)21. Entretanto,além de tudo que foi descrito, temos Os Maru-jos, auto coreografado, baseado essencialmen-te na viagem da Nau Catarineta, que tambémmerece destaque. Nesta viagem marítima deaventura, o episódio central é o que está sinte-tizado no próprio romance, em todas as suasversões completas de aquém e além-mar. Masquem tem papel expressivo nesta tumultuadaviagem é o Gajeiro. A representação da Che-

gança maranhense consiste em um ciclo derepresentação. Durante todo o tempo de exi-bição tem-se a impressão de transformação nocenário, no sentido de que cada dia entrosa noepisódio central outro episódio ou jornada re-ferente aos Mouros, ao Imediato, ao Piloto, aoMestre e a Marujada. Como não podia deixarde ser, as atitudes do Gajeiro sempre inferni-zam a viagem.

Em quase todos os Estados brasileiros,somente se conhece por Chegança algum des-ses episódios22. Em outros, dá-se o nome deChegança ao que se denomina Fandango noMaranhão; isto é, um auto coreografado acer-ca de guerra entre dois povos africanos, aopasso que a palavra fandango naqueles, desig-na simples dança.

O romance A Nau Catarineta sempre exis-tiu, na tradição maranhense, independente doauto popular, o que não acontece em outrosEstados, onde folcloristas subtraíram do autoas versões que têm publicado. No Maranhão,versos do romance reproduziram-se no auto; porexemplo, os cantos do capitão e do gajeiro. Jána versão vianense os dois versos finais são deum coro da marujada na Chegança.

Celso Magalhães23 verificou que A NauCatarineta era o romance mais sabido e repe-tido como viera de Portugal. Ele conheceu umavariante maranhense quase igual à lição doRomanceiro Geral de Teófilo Braga. Refere-seà outra, que ouvira com final semelhante aoda versão ou redação garrettiana do fragmen-to trágico-marítimo. Apesar de muitas diligên-cias que fez com sua equipe de pesquisadorese outros amigos para encontrar essas duas va-riantes do Maranhão, todos os esforços foramsem êxito.

Chegança em Viana

Em Viana, esta encenação dramática queoutrora fora atuante, hoje, para o nosso conhe-cimento, só nos restam referências em poucasbibliografias. Destacam-se, com maior credi-bilidade sobre o assunto em questão: AntonioLopes, Astolfo Serra, Ozimo de Carvalho, Tra-vassos Furtado e Sálvio Mendonça, dos quaiscitarei os seguintes registros bibliográficos:

- Astolfo Serra, Terra Encantada e Rica24.As cheganças são curiosidades, que ainda vi-vem na alma de muitas populações ribeirinhasdo Maranhão. O auto é uma representação tí-pica de época remota, em que aparecem mou-ros vingativos e prisioneiros sacrificados. Trata-se certamente de algum dramalhão antigo, que

17 LOPES, Antônio. Presença do Romanceiro. Versões Maranhenses. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.18 Op. cit., p. 115 - 119.19 Numa versão do Arquipélago da Madeira: - Avisto costa d’Espanha e costa de Portugal. V. AZEVEDO, Álvaro Rodrigues. Romanceiro do Arquipélago da

Madeira. Funchal, 1880.20 “Síntese da tragédia das navegações do Atlântico – exprime – e de sua metafísica marítima, realçando o elemento maravilhoso cristão e fatores poéticos e

trágicos essencialmente portugueses” (O Ciclo dos Descobrimentos na Poesia Popular do Brasil, Coimbra, 1943).21 ROMERO, Sílvio. Fandangos ou Folganças. In: _______________. Cantos Populares do Brasil. 2 v. Introdução e notas comparativas: Teophilo Braga. Lisboa:

Nova Livraria Internacional, 1883. p. 168-70.22 CHAVES, Luís. Gerinaldo. Lisboa: MCMXLI, p. XIII e 168 e seguintes.23 Colidido por LOPES, Antônio, (op. cit.).24 SERRA, Astolfo. “Terra Encantada e Rica”. São Luís: [s/ed], 1941. p. 68. (Cópia Xerox da obra original existente na Biblioteca Pública Benedito Leite – São

Luís/MA. Identificação: BAM, 918.121, S487t, Ex: 2).

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se tornou popular no Brasil, nos tempos de ElRei Nosso Senhor e que, com o tempo, foi sen-do, aos poucos deturpado, até se tornar essacomédia singular, que os caboclos maranhen-ses representam em dias festivos, com os seuspersonagens vistosos e o seu ritual simbólico eesquisito. A chegança é hoje apenas conheci-da em algumas cidades da baixada maranhen-se, cuja tradição está desaparecendo.

- Ozimo de Carvalho, Retrato de um Mu-nicípio25. Destaca que em franca decadên-cia, condenadas a próximo e irremediável de-saparecimento, estão muitas das antigas e tra-dicionais festas, folganças e encenações po-pulares. Extintos estão o Fandango lascivo e aChegança heroica, cuja letra e música se per-deram e as novas gerações ignoram.

- Travassos Furtado, Minha Vida MinhaLuta26. Menciona que a chegança - é umabrincadeira que vem do século XIII, trazida aoMaranhão por colonos portugueses e espa-nhóis. Como festa popular, ganhou a simpatiado povo vianense, representada, preferencial-mente, na época carnavalesca. Seu tipo dedança agradava de modo geral, conquistandoaplausos por onde passavam.

O grupo era formado de 20 figurantes, bemvestidos, com roupa de veludo e seda, borda-da com lantejoulas. Cada participante tinhaum papel importante na representação. Ospersonagens são um Rei, uma Rainha e umMordomo; este último seguindo à frente comos mouros, e atrás, a marujada. A brincadeiraterminava sempre com um combate simuladoentre mouros e cristãos. Essa espécie de brin-cadeira também já desapareceu.

- Sálvio Mendonça, Historia de um Meni-no Pobre27. A Chegança é dança lasciva do sé-culo XVIII, introduzida em todo o nordeste bra-sileiro em meados do século XIX, principalmentena Bahia e no Maranhão, talvez como reminis-cência da chegada de D. João VI ao Brasil.

Em Viana, a festa era representada naépoca do carnaval. Desde dezembro, eramfeitos os ensaios, que duravam até fevereiro.O grupo era formado geralmente de gentehumilde, que fazia grande sacrifício gastandoo que não podia, no preparo da indumentáriaconfeccionada com veludo, seda, bordados elantejoulas. Tomou parte nela umas 20 pesso-as, cada qual representando um papel típico:o rei, a rainha, o mordomo, os vassalos, os mou-ros e a marujada. Formavam em cordões, como rei, a rainha e o mordomo na frente, os vassa-los lateralmente, em filas, os mouros e a maru-jada atrás. Eu acompanhava o desfile entre oscuriosos para assistir às representações, queeram feitas nas residências das famílias porordem cronológica dos convidados. Termina-va a Chegança com batalha simulada entremouros e cristãos.

A brincadeira foi caindo em desuso, e creioque atualmente só existe no calendário das tra-dições da cidade, apresentando-se esporadica-mente, com recursos próprios dos participantes.

O que se sabe da Chegança em Viana éatravés de relatos de pessoas mais velhas, (amemória oral) que ainda guardam vivas as ima-gens das apresentações. Afirmam estes velhossaudosos que, até 1940-42, a Chegança aindase fazia representar na cidade; tanto isto é ve-rídico, como já foi citado, que ainda existe umremanescente desse tempo, o qual guarda ain-da um caderno de anotações com todo o ritualda Chegança de Viana.

•••Um fato importante e, ao mesmo tempo,

bastante curioso é que, durante as várias leitu-ras realizadas para este trabalho, não encon-trei, nas várias obras categoricamente selecio-nadas e referenciadas, uma que me desse al-guma informação, pista ou indício sobre o ritu-al que antecede a representação dos Autos daChegança ao público (O cortejo, caracteriza-do coreograficamente por peças que permi-tem a locomoção dos dançadores.). A exceçãofoi a obra Chegança – escrita pela pesquisado-ra Beatriz Góis Dantas (op. cit., p.10), num bri-lhante artigo de nome As Partes da Chegança,o qual trata da Marcha de Rua, aqui transcritona íntegra:

As marchas de rua – como são chamadasas cantigas de cortejo que permitem o deslo-camento do grupo para diferentes lugares –são constituídas, às vezes, de uma quadra-re-frão intercalada com estrofes de bravos e va-lentes guerreiros do mar, durante a vã filosofiadescrita nos cancioneiros, das quais são tira-das pelo Piloto ou outros personagem, da hie-rarquia do grupo.

Marcha de Rua(versão colhida em Lagarto)

Quando a aurora vem rompendoPor cima do OrienteOs marujos correm linhaPela direita, marcha em frenteA vida dos marinheirosQue andam de um lado a outroNão se encontram em OlindaNem na cidade do Porto.

Acrescentam-se às marchas de rua28, oscantos de louvação com que saúdam pessoase santos.

Entremos nesta nobre casa,Com estas vo-zes descansadasLouvores viemos dar,Aosenhor dono da casaEntremos nessa nobre casaCom prazer ealegriaLouvores viemos darA Jesus Filhode Maria.

Na parte dramática, o texto geralmenteregistrado através da escrita em cadernos, de-senvolve o enredo da representação. Os váriosepisódios são chamados de jornadas, das quaisas mais comuns são: “O Embarque” “O AnauPerdido”29, “A Rezinga Grande”, “O Contra-bando dos Guardas-Marinha” ou “Parte dosGuardas-Marinha Passando ContrabandoDentro da Embarcação”, “Parte da Agulha deMarear ou Rezinga do Gajeiro Grande com oPatrão e o Contramestre por Causa da Agulhade Marear” e “A Mourama ou Combate”.

Acrescentam ainda que a Chegança éantiquíssima, reportando-se aos tempos deCarlos Magno, de quem relembra os feitos,como lembra a pesquisadora Beatriz GóesDantas (1976, p. 6). Em alguns casos, têm sidoregistrados personagens do auto popular comnomes de Pares de França ou turcos que comeles lutaram. A luta denominada Ferrabrás estápresente em algumas das nossas Cheganças(BARROS, 1921, p. 48 e BRANDÃO, 1961, p.133) e são frequentes as alusões a princesasturcas. Considerando a influência desse ro-mance de cavalaria em representações popu-lares como Congadas e Cavalhadas (ANDRA-DE, 1959, p. 103), e a grande inserção que eletem no Nordeste (CASCUDO, 1969, p. 379),perguntamo-nos até que ponto a encenaçãode mouros e cristãos da nossa Chegança nãoteria sido influenciada pela gesta carolíngia(DANTAS, 1976, p. 26).

Estas representações populares, que têmcomo tema dominante a luta entre mouros ecristãos, no dizer de Brandão (1974, p. 139), sãoas próprias formas que o povo cria e reproduzpara viver o seu modo de crença, nas mensa-gens da Igreja. As origens religiosas dos autospopulares e sua eminente função catequéticainicial têm sido registradas por vários autores.Desse modo, as Cheganças, a exemplo de ou-tros folguedos que encenam mouros e cristãos,transmitiriam na atualidade não só um modode crença, mas também uma mensagem de le-gitimação social. (DANTAS, 1976, p. 28)

Um dos raros momentos da história dosbailados que foram consagrados pela Igrejaaconteceu quando São Gonçalo foi santifica-do em 155130. As suas aventuras de protetorde mulheres desamparadas, ao desembarca-rem no Brasil colonial pelo porto da Bahia -onde essa variação de Chegança se transfor-mou em um vibrante e rico canto de louvação,para serem novenados nas capelas particula-res das fazendas e dos casarões residenciaisdos centros urbanos -, fizeram dessa louvaçãoo mais glorioso ato da cristandade, passando aser aderido pelas mais tradicionais e conserva-doras Igrejas baiana. Sua veneração ganhouum conjunto de ritos, recitados-bailados-can-tados, considerados sagrados, para serviremde motivos de fé até aos lugares longínquos e

25 CARVALHO, Ozimo de. O Homem (XII Capítulo). In: ____________. Retrato de um Município. [S.l.]: [s. ed.], [s. d].26 FURTADO, Raimundo Nonato Travassos. Minha Vida, Minha Luta. 2. ed. São Luís: Gráfica Aquarela, 2005. p. 172.27 MENDONÇA, Sálvio. História de um menino pobre. 23. ed. São Luís: Aquarela, 2004. p. 71.28 A transcrição dos textos evidentemente não é integral. Foram selecionados aqueles que, de acordo com a visão da autora, melhor ilustrariam o enredo

desenvolvido. Isto no caso de entrecho dramático, pois a seleção da marcha de rua foi simplesmente aleatória. Como transcrevemos partes de Cheganças dediferentes localidades, indicamos sempre a procedência da versão transcrita.

29 O exemplo do que fora observado por Andrade (1959, p. 172); os nossos informantes dizem o anau em lugar de a nau.30 CF. MAGALHÃES, Arlindo de. São Gonçalo, História ou lenda. (s.l.): Ed. Amarante Magazine, Paróquia de São Gonçalo, 1995. p. 62.

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com pouca assistência sacerdotal. Mas a fata-lidade do ortodoxismo católico proibiu sua jor-nada na Nave-Mãe de suas Igrejas, para justi-ficar o sagrado profanado.

No entanto, não foi só em São Salvadorda Bahia que São Gonçalo do Amarante des-pontou em fervorosas louvações e extremasadorações. No Maranhão, ele foi e continuasendo até os dias atuais, entre outros Santosde devoção, o mais venerado por homens emulheres das áreas rurais, que buscam, emsuas adorações, louvações e promessas, os alí-vios para as mazelas que lhes afligem; pagan-do as benesses recebidas com o prometido“Baile de São Gonçalo”. O seu bailado comotantos outros que chegaram ao Brasil, no perí-odo colonial, perderam as suas tradições religi-oso-alegórico-educativas nas Igrejas dos cen-tros urbanos, indo se concentrar nos povoadose nas fazendas, onde a religiosidade e o folclo-re são mantidos ainda vivos. O escritor Louri-val de Jesus Serejo Sousa (2002)31, através daprática de recolhimentos de lembranças, comoforma de valorização das memórias e recorda-ções de indivíduos por meio de depoimentos,transcreveu, em sua obra O Baile de São Gon-çalo, informações inéditas, que lhes foram pas-sadas pelos entrevistados, com ajuda de re-cursos da memória oral.

Essas representações seculares aparecemcom grande frequência nas regiões onde a forçalaboral dos escravos era mais volumosa; ou seja,Norte, Nordeste e do Estado de São Paulo paracima. Raramente são encontradas no Sul. Naverdade, com auxílio de especialistas, algumasmanifestações culturais parecem estar ganhan-do nova força e voltando com renovado impactoao mundo de nossa cultura. Em certos Estadoscomo Maranhão, Minas Gerais Paraná e RioGrande do Sul, diversas agremiações sociais sãoformadas com o fito de preservar e divulgar acultura local, rememorando a sua origem.

Considerações finais

É sempre difícil entender o momento atu-al e tirar dele as possíveis coerências quandose olha para o passado. Já que esse passado écomposto de diferentes momentos. Passadoeste cheio de pegadas e significados, que apon-tam as chaves ocultas da nossa formação his-tórica. Estas marcas emitem uma sonoridadeacústica diante das novas descobertas. Veja-mos, entretanto, que a música nos permiteconversar sem tradução, enquanto a dança nosleva a externar a sensualidade mais profundada expressão corporal. Neste encontro de emo-ções e sensações orientadas, o corpo aceita adramaticidade como coadjuvante de sua ex-

CONTINUAÇÃO

ternalização, a partir de memória e do contex-to atual vivenciado.

Nos momentos festivos do Brasil colonial,foram os cortejos sacros, que teatralizados, setornaram uma realidade na consolidação da fécatólica. Nessa marcha civilizatória e de evoca-ção, os bailados se inseriram na construção so-cial e religiosa de todos que aqui se encontra-vam estabelecidos, que, a depender das influ-ências étnicas, passaram a evidenciar os passosmarcantes, especialmente de índios e negros.

Isto se deve a forma como foi implantada,em princípio, a educação na Colônia, sobre amaestria da Ordem dos inacianos, rigorosamen-te militarizados, verdadeiros Soldados de Cris-to. Os rigores das disciplinas religiosas eramtão resguardados, que os alunos dos colégiosdos jesuítas contavam com raríssimas oportu-nidades de diversões. Tão rigoroso era o regi-me que a música nas primeiras escolas do Bra-sil era a promovida uma vez por mês, durantea reunião dos alunos para tirar o santo: umaespécie de patrono das turmas durante o mêsseguinte. Um importante exercício de regozijoe arte, definido como bailado escolar, em queos jovens tinham oportunidade de dançar en-tre eles. Foi assim durante muito tempo essaobrigação, um puro movimento coreográfico;eram verdadeiras escolas de artes e ritmos har-mônicos.

A originalidade da abordagem históricada Chegança no Brasil tem, nos escritos dopesquisador Antônio Osmar Gomes (1941)32,as sutilezas da grandeza teatral de um dramarepresentado a céu aberto, para que todas ascamadas sociais tenham acesso às suas ence-nações.

É comum que se tente explicar a Chegan-ça pela origem etimológica da palavra ou pelahistória do seu surgimento. Mas Oneyda Al-varenga (1950)33 explica a Chegança, não sócircunscrita aos antigos romances, mas tam-bém difusa na população que acredita nas for-ças da natureza, no poder do Santo Padroeirode sua Terra Natal e nas tradições legadas,hoje, bem preservadas no Nordeste. OneydaPaolielo de Alvarenga foi uma folclorista deaudição apurada, explicou o que ouviu e o quesentiu, quando fixou o olhar nas faces dessagente humilde, mas com o coração feliz porparticipar dessa dança.

Sabe-se, hoje, que os homens dançam porespírito lúdico, socializante, uma espécie deextravasamento de alegria, comemoração devitórias, celebração de fatos. Dança com suanova expressão estética. Mas também conti-nuam dançando de forma oblacional, ritual,homenageando seus deuses e invocando seusantepassados, assim como a dualidade huma-

na (o divino e o demoníaco). Já foi dito, pordiversas vezes, que a expressão gestual foi aprimeira forma de comunicação do homem. Ea dança, sua primeira forma de manifestaçãocorporal lúdica. Depois disso, as mudanças dasorganizações sociais em qualquer cultura nomundo, principalmente no Brasil, se diversifi-caram e enriqueceram, ou desaparecem dian-te das exigências da contemporaneidade.

A sensibilidade do século XXI nos permi-te perceber que algumas sonoridades tidascomo estranhas no século passado já estão as-similadas e, muitas vezes, até banalizadas, mastambém recriadas nos ritmos e tempos passa-dos-presentes; resgatando e fortalecendo, as-sim, a nossa diversidade cultural, frente à mas-sificação da Indústria Cultural, através dosespetáculos comerciais.

Estas mudanças nos remetem à origem daChegança, trazida de terras lusitanas e logoabsorvida com força de cultura, no seio de gru-pos indígenas, de negros e, posteriormente, node mestiços. Hoje, como um retrato empoeira-do, jogado nas lacunas vazias do espaço cultu-ral de Viana, pretendemos resgatar a memóriareferente a sua cultura, em especial a Chegan-ça. A palavra Resgatar, por si só, é muito fortepara um esquecimento coletivo, diante da pro-posta de modernidade da igualdade na dife-rença. Para isso, buscamos uma ajuda referen-cial, para explicar esse fenômeno. Encontramosessa ajuda na obra de Inês Barbosa de Oliveirae Paulo Sgarbi (2002)34 Redes Culturais – Diver-sidade e Educação, no artigo Da diversidade nósgostamos, já que toda unanimidade é burra.

Como o processo cultural é dinâmico, osvalores culturais, na pós-modernidade, passamde cultura popular à produção da indústria cul-tural (Jardim, 2005)35, no sentido que:

Vivemos num momento em que os valo-res culturais passaram a ser objeto de con-sumo e fazem parte da economia, geramempregos em diferentes níveis da socieda-de. Passam a ser administrados pela cha-mada indústria cultural36, responsável peladivulgação e consumo de valores culturaislocais e regionais. A cultura local torna-seobjeto de consumo, transforma-se numbem econômico.

O que se percebe claramente é que esteprocesso permite a expropriação do lúdico edo espontâneo daqueles que não conseguemser absorvidos por essa chamada economiacultural, que se torna cada vez mais globaliza-da, diante de um mercado em constante ebu-lição, provocada pelas mudanças culturais, enas políticas locais.

31 Cf. SOUSA, Lourival de Jesus Serejo. O Baile de São Gonçalo. São Luís: AML, 2002.32 GOMES, Antônio Osmar. A chegança, contribuição folclórica do Baixo São Francisco (texto musical). Rio de Janeiro: Liv. Civilização Brasileira, 1941.33 ALVARENGA, Oneyda. Música popular brasileira. Porto Alegre: Editora Globo, 1950.34 Cf. OLIVEIRA, Inês Barbosa de; SGARB, Paulo. (Orgs.) Redes culturais, diversidades e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.35 JARDIM, Antonio de Ponte. Palestra proferida no XI Congresso Histórico-Cultural de Viana e do Meio Ambiente do Rosário de Lagos do Maracu, de 13

a 16 de julho de 2005, no Centro de Treinamento da Diocese de Viana. Realizado pela Fundação Nezinho Soares.36 A indústria cultural é geralmente controlada pelo poder estatal e opera conjuntamente com empresas privadas nacionais e estrangeiras. Cria e recria um amplo

espaço de trabalho para intelectuais e artistas, no sentido que absorve diferentes profissionais da cultura e das artes. Tem por propósito industrializar o novo,a novidade, o devir, assim como recriar manifestações culturais existentes, com objetivo de produzir bens de consumo (mercadorias) e gerar lucros. Em geral,a indústria cultural “organiza-se e altera-se em conformidade com os interesses econômicos e políticos responsáveis pela sua formação” e organização. IANNI,Octávio. Ensaios de Sociologia da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. P 189-200.

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Máscaras e Bailes no CarnavalCONTINUAÇÃO

Ao longo da história da humanidade, as máscaras foram utilizadas

para os mais diversos fins, de acordocom a cultura e a religiosidade do povoque as utilizavam. É um acessório usa-do para cobrir o rosto com diferentespropósitos: lúdicos (bailes, carnaval), re-ligiosos, artísticos, fetiches e de natu-reza prática (servem de proteção).

Os bailes de máscaras surgiram naRenascença italiana no século XIV, in-fluenciados pela popular CommediaDell’Arte. Foram os personagens destegênero teatral, como arlequim e a Colom-bina, que serviram de inspiração para osmodelos que conhecemos atualmente.

As fantasias apareceram logo após osurgimento das máscaras, dando mais vida,charme e colorido ao carnaval, tanto nossalões quanto nas ruas. Principais figurascarnavalescas:

Pierrô – personagem sentimental, temcomo uma de suas principais característi-cas a ingenuidade.

Arlequim – rival de Pierrô pelo amorde Colombina, usava traje feito a partir deretalhos triangulares de várias cores. Repre-senta o palhaço, o farsante, o cômico.

Colombina – criada de quarto esperta,sedutora, volúvel, amante do Alerquim; àsvezes vestia-se como arlequineta, trajes decores variadas como os do seu amante. Co-lombina, como Pierrô e Arlequim, é umapersonagem da comédia italiana; uma com-panhia de atores que se instalou na Françaentre os séculos XVI a XVIII para difun-dir a Commedia Dell’Arte, forma teatral ori-ginal com tipos regionais e textos improvi-sados.

Momo – personagem que personificao carnaval brasileiro. Sua figura foi inspi-rada no Bufo, ator português que repre-sentava pequenas comédias que divertiaaos nobres.

No carnaval brasileiro, o entrudo por-tuguês e as máscaras italianas vêm do perí-odo colonial. O costume de usá-las se acen-tuou no Brasil em meados do século XIX.Somente no início dos anos 1900, foramacrescentados os elementos africanos quecontribuíram de forma definitiva para oseu desenvolvimento e originalidade.

O primeiro baile de máscaras que temnotícia no Brasil foi realizado no Hotel Itá-lia (Rio de Janeiro) em 1840, por iniciativade proprietários italianos.

Em 1907, foi realizado o primeiro bai-

Josimar Mendes Silva37

le infantil, dando início às famosas mati-nês. Começaram as festas em casas de fa-mílias, ao ar livre e até em circo.

Os concursos premiando a mais belamulher, a fantasia mais bonita e a melhordança começam em 1909. Os prêmios eramjóias valiosas, e somente os homens tinhamdireito ao voto. Nesta mesma época, a clas-se média começava a invadir as ruas comoutra novidade européia: os desfiles de car-ros alegóricos, idéia do escritor José de Alen-car. O carnaval crescia a cada ano, passan-do a fazer parte da realidade cultural do país.

Na capital maranhense, São Luís, ha-via clubes para a classe média como o Cassi-no Maranhense, na rua Grande, onde hojeé a loja Express. Na atual loja Marisa (anti-go Cine Éden) eram realizadas as vesperais,frequentadas por pessoas de diversos níveissociais. Já o SESI, na rua Grande (hoje Pro-curadoria Geral da Justiça), era o clube so-cial para as pessoas de baixa renda.

Nas festas populares, as mulheres ti-nham, obrigatoriamente, que usar as más-caras até a meia-noite. Depois daquela horaseu uso passava a ser opcional. SegundoDona Celeste Santos: “A fantasia que mais

se usava nessa época era dominó,... Agora apessoa pra não ser reconhecida ia de meia, iade luva,... marido dançava com a mulher e omarido não conhecia que era a mulher deleque estava na farra...”38.

Os bailes de máscaras espalhavam-sepor diversos pontos da cidade, usando no-mes como: O Cantareira, Furna do Satã,Inferno Verde, Rasga Sunga, Bigorrilho.

A partir de 1959, os jornais de São Luísanunciam dificuldades econômicas quetambém afetavam o período carnavalesco eprovocavam seu empobrecimento. Come-çava então uma campanha pelos meios decomunicação com o apoio da igreja e “fa-mílias decentes” contra os bailes de másca-ras, propalando a sua decadência e, ao mes-mo tempo, pedindo a modernização do car-naval.

Com o regime militar de 1964, um dostemas do governo era a moralização dosbons costumes, especialmente da mulhercom a imagem de mães ou moça de família.Neste contexto, essas casas de divertimen-to passaram a ser repreendidas pela impren-sa, até que, em 1965, o então prefeito dacidade Epitácio Cafeteira proíbe os bailesde máscaras...

37 Licenciada em História; pesquisadra de cultura popular; membro da CMF.37 Ver depoimento publicado em Memória de Velhos: uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense, vol. 1. São Luís: CMF/FAPEMA, 1977.

p. 89-162.

Foto Paulo Martins Ribeiro-RJ

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A leitura de uma carta do escritorRaimundo Nonato da Silva, da-

tada de 01/09/1967, Rio de Janeiro-RJ, contribuiu para reforçar a dúvi-da que alimentamos quanto ao localexato da morte do cangaceiro Jesuí-no Brilhante. A história de sua TerraNatal não tem segredos para o autorde Zona do Pôr do Sol, especialmenteno que diz respeito à chamada zonaOeste, campo das peripécias de ban-doleiros que infestavam em temposidos, aquela região sertaneja norteri-ograndense.

Raimundo Nonato é um sujeitoincorrigível, filho da serra do Martins,cidade pequena, hospitaleira, exce-lente pelo seu clima ameno, onde seconhece a vida de cada habitante,com todos os pormenores. O autorde Memória de um Retirante, por istomesmo, indagador, observador, nãopodia deixar de ser bisbilhoteiro. Pes-quisador de água doce, remexe gave-tas, papéis velhos empoeirados, láatirados sabe Deus quando. Não guar-da segredo, “bate logo com a línguanos dentes”, como se costuma dizer.É perigoso, engraçado e, às vezes, atéinconveniente. Permanece ainda emnossa lembrança os repentes gosto-sos que divulgou nos seus livros, so-bre a dupla impagável de irmãos Chi-cão e Justino Cocada, Vicente Praxe-des, Vitorino da Caeira e tantos ou-tros.

Vive agora a escarafunchar a vidade cangaceiros. Falou de Lampião.Lampião em Mossoró, é obra indispen-sável a quem quer que se dedique aoestudo do banditismo no nosso país,mormente sobre a vida daquele queespalhou terror em todo o Nordeste,durante longos anos, ora matandopara satisfazer o seu instinto sangui-nário e perverso, ora saqueando e

Observando e anotando:ONDE MORREU JESUÍNO BRILHANTE39

Raimundo Rocha40

deixando o mal por onde passava comsua horda de malfeitores e desalma-dos. Raimundo Nonato, desta vez, seapresenta investigando a vida do can-gaceiro Jesuíno Brilhante, filho dePatú, então município de Martins,portanto nosso conterrâneo, “o mai-or cangaceiro do século XIX,” comoclassificara o historiados GustavoBarroso41.

Raimundo Nonato, com a duplaautoridade de homem de letras e con-terrâneo de Jesuíno Brilhante, vai re-velar para o Brasil, o que não foi ditoou focalizado por Gustavo Barroso,em Heróis e Bandidos, e que perma-nece na memória do povo, em toda aárea que serviu de palco às aventurasextraordinárias e audaciosas, pratica-das por Jesuíno, entre três ou quatroEstados do Nordeste.

Escreve Gustavo Barroso, em seulivro Heróis e Bandidos, às páginas189/190:

Nos últimos dias de dezembro, uma forçaguiada pelo Preto Limão conseguiu separá-lo da Casa da Pedra. Emboscou-se, dispos-to a vender cara a sua vida e talvez mesmoa acabar com ela fatigado da tanta luta, nolugar Santo Antônio, entre Caraúbas eCampo Grande. Ao se aproximarem ossoldados, os velhos companheiros, ManoelPiry, Pagehú e João Delgado recusaram-lheobediência, repeliram-no, resolvendo dis-persar-se. Jesuíno Brilhante, cheio de amar-go desgosto, foi ao encontro dos inimigos emorreu, morte digna do vaqueiro exímio,do cangaceiro heróico que era.

Na carta a que nos reportamosacima, Raimundo Nonato confessa:“Pelópidas afirma que o Brilhantemorreu quando foi receber uma selaque encomendara.” Reconhecemos opeso da autoridade e o valor da suaafirmação. Dr. Pelópidas foi Juiz deDireito durante muitos anos em

Martins, expoente máximo e queenobrece a magistratura potiguar, ci-dadão íntegro, estudioso, inteligen-te e culto, e, por cujos atributos,sempre mereceu o respeito e sim-patia de todos os seus conterrâne-os. Nasce aí na sua afirmação a Ra-imundo Nonato, porém, um tercei-ro local atribuído à morte do herói -bandido patuense.

Voltemos às páginas 184/185, deHeróis e Bandidos e vejamos a des-crição do episódio ocorrido na casado velho Ignácio Seleiro” o qual valea pena transcrever na íntegra paraque se tenha uma idéia da coragem,da audácia desse bandoleiro, quesoube deixar um halo de admiraçãoe simpatia, na memória daquela gen-te em toda a zona Oeste potiguar:

Passando na Vársea de Antônio - diz Gus-tavo Barroso - Jesuíno encomendou umasella ao velho Ignácio Selleiro, ficando devir buscá-la em dia marcado. Chegou umaforça da polícia a Caraúbas e o selleiromanhosamente, de acordo com um filho,resolveu fazer prender o cangaceiro, de-morando a entrega da sella até que os sol-dados chegassem. No dia determinado,Jesuíno desconfiou da demora do velhoem acabar de colocar os ilhós e do seuolhar assustado. Ficou de orelha em pé. Oseu sentido auditivo apuradíssimo avisou-o de que vinha gente pela estrada e depres-sa. Saltou do cavalo, embebeu a faca nopeito do traidor e entrincheirou-se na casa.Quando a tropa surgiu correndo pelo ca-minho, derrubou um soldado com certei-ra pontaria. Os outros deram uma descar-ga. O Brilhante entricheirado continuou amatá-los um a um, ora atirando da frenteda casa, ora de traz, o que lhes fazia suporque havia mais de um inimigo. Retiraram.O cangaceiro ganhou o mato e “foi ter àsua furna (grifo nosso).

Cabe, nesta oportunidade, regis-trar uma cena que teria acontecidoem Patú, que permanece na memó-

39 Nota – Concluído em 02 out. 1967 e publicado no Jornal do Maranhão a 22 out. 1967, p. 6, e no Jornal da Cidade de Pinheiro a 22 out. 1967, p.3. A primeirametade desse artigo foi incluída por Raimundo Nonato em JESUINO BRILHANTE – O CANGACEIRO ROMANTICO (1844-1879), Rio de Janeiro,Pongetti, 1970 (p. 189-191). A obra traz a seguinte dedicatória: “A memória de RAIMUNDO ROCHA – nascido em Patú, na mesma gleba de JesuínoBrilhante – que tanto me incentivou para fazer este livro e que não chegou a ve-lo publicado porque foi alcançado pelo fim, no meio do caminho. Ahomenagem do autor”. Sobre a segunda parte do artigo comentou, em carta de 16/11/1967, seu cunhado José de Aquino: “Muito admira que fatos tãorecentes dêem margem a tamanha divergência entre os historiadores. Acredito que seu artigo tem o mérito de suscitar a questão, ao tempo em que contribuicom um fato novo – a narração de seu padrinho – onde se corrobora a versão da sobrevivência de Brilhante ao episódio da traição di Inácio Seleiro”.

40 Comerciante e escritor nascido em Patu, no Rio Grande do Norte, em 1919, e radicado em São Luís, onde faleceu em 1969. Membro Fundador daComissão Piauiense de Folclore.

41 BARROSO, Gustavo (João do Norte). Heróis e Bandidos. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1917.

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CONTINUAÇÃO

ria popular, a qual teve como prota-gonista o Brilhante. Ela nos foi trans-mitida por meu padrinho Rafael Go-deiro da Silva, aliás falecido faz pou-cos meses, prestigioso chefe políticode Patú, homem pacato e respeitávelpela sua correção moral.

Jesuíno conversava com um amigo, certodia, no fim da feira o sol já se pondo - disse-me meu padrinho Rafael - no local ondehoje se ergue a igreja Matriz, quando viupassar por suas costas, um indivíduo andra-joso, com uma criança às costas, acompa-nhado de uma mulher. O Brilhante o reco-nhecendo, quis investir contra ele dizendoque ia matá-lo. Seu amigo surpreso e com-padecido, o detém:Não mate este miserável! Basta o que eleestá sofrendo!Jesuíno Brilhante recua dois passos, escarra,e aponta uma mancha de sangue e furioso:Por causa deste traidor é que estou morto!

Era o filho do velho seleiro quepassava... Este episódio que nos foitransmitido pelo meu padrinho Ra-fael Godeiro, em nossa terra, no lo-cal das lutas de Jesuíno Brilhante, sem

nenhuma pretenção “publicatória”,como o depoimento de Gustavo Bar-roso, mostram que o célebre bando-leiro Jesuíno Brilhante não “morreuquando foi receber uma sela que en-comendara.”

O nosso mestre Câmara Cascu-do, cuja autoridade ninguém ousacontestar, assim descreve a morte deJesuíno, em sua afamada ACTADIURNA (A República Natal-RN,1942?):

Em fins de 1879, no sítio “Santo Antonio”município de Brejo do Cruz, na Paraíba,água do Riacho dos Porcos, Jesuíno, comseis fiés, caiu numa emboscada e foi feridode morte. Carregaram-no agonizante. Atropa não o perseguiu. Enterraram no lu-gar “Palha”, no meio do mato.Anos depois, um seu amigo, o médico Fran-cisco Pinheiro de Almeida Castro, exumouo esqueleto, levando a caveira para Mosso-ró. Esteve o crânio na Escola Normal lon-gamente. Por ordem do Dr. Castro, o Dr.Rafael Gurjão entregou-a ao Dr. JulianoMoreira, no Rio de Janeiro. Está possivel-mente, perdida para os efeitos da identifi-cação. “Caveira não tem letreiros.

Em 1941, vimos a fotografia deuma caveira, em exposição, em fren-te ao Foto Otávio, em Mossoró, coma seguinte inscrição: “CRÂNIO DOCANGACEIRO JESUÍNO BRI-LHANTE”.

E José Otávio era jornalista e umestudioso, apaixonado pelos proble-mas de sua Terra.

Por fim, onde morreu realmenteJesuíno Brilhante? Várzea do Antô-nio, Santo Antônio, no município deCaraúbas; ou quando foi receberuma sela que encomendara, ou nosítio Santo Antônio, município deBrejo do Cruz, na Paraíba?”. Tenha apalavra quem quiser prestar a suacontribuição para que RaimundoNonato no-la transmita no seu “AGESTA DO CANGACEIRO JESU-ÍNO BRILHANTE”, pois

Já mataram Jesuíno!Acabou-se o valentão...Morreu no campo da honra...Sem se entregar à prisão...

Janela do Tempo

Se à noite, o turista permanecer em S. Luís, não deixe de arruar pelo Ribeirão,

ou pela rua de Saavedra, onde existeum dos comércios mais típicos da ci-dade.

É a venda de peixe-frito.Nessas ruas, onde se erguem

enormes casarões de dois e até trêsséculos, há, nos baixos desses sobra-dos, toda uma população de negras emulatas, que fritam peixe à porta darua, em fogareiros de barro ou de fer-ro para vender ao público. E uma dastradições tipicamente sanluisenses.O peixe escolhido é, geralmente, atainha, que é frita em azeite de côcoou gergelim, com muito asseio e es-

“UMA LUZ VERMELHA ANUNCIA TAINHA-FRITA”42

Astolfo Serra43

42 Transcrito de Serra, Astolfo. Guia Histórico e sentimental de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965, p.195-196.43 Padre que foi ministro do Supremo Tribunal do Trabalho.

crupuloso cuidado para não desagra-dar ao freguês.

Para anunciar a venda do peixe-frito, a vendeira não faz alarde. Émuito procurado o seu mercado. Pa-chorrentamente assentada num tam-borete, aviva a brasa da sardinha, dei-xa bem frita, corada com arte e espe-cialíssimos cuidado. Mais nada. Ofreguês aparecerá inevitavelmente.Não se fará esperar tainha frita. Émuito simples descobrir o ponto devenda. Uma luz vermelha anuncia opeixe-frito. No escuro da rua a lan-terninha floresce com simplicidade,marcando no vermelho do papel deseda da velha lanterna de flandresuma das coisas mais deliciosas da ter-

ra: a tainha frita.Não tenha receio de se intoxicar,

turista amigo. O peixe é bem cuida-do. Vem bulindo da pescaria. É lim-po com muito asseio e frito em azei-te puro. As mãos daquelas negras sãohabilíssimas nesse oficio de fritar. Éuma arte singela, mas que tem o pres-tigio de alguns séculos.

Se o turista deseja uma nota tí-pica da cozinha maranhense, nãoperca essa oportunidade. Deixeanoitecer. Vá pelas ruas do Ribeirãoou da Saavedra. Há por ali uma lan-terna vermelha? É lá que se vendeme que se comem as mais deliciosasde todas as tainhas da terra sanlui-sense.

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O calendário religiosos cultural re-gistra no mês de junho quatro im-

portantes festas que são celebradas, pra-ticamente em todo país com grandeparticipação popular. Iniciam com ashomenagens a Santo Antonio, pregadoreloquente, milagreiro que dá sempreuma forcinha nas soluções dos proble-mas das moças casadouras. A partir dodia 20, vem as comemorações dos diasde São João, São Pedro e São Paulo; epor fim, São Marçal, fechando assim ociclo das festas juninas.

O dia de Santo Antonio, 13 de ju-nho, é antecedido em geral por deze-nas de orações que são realizadas emtemplos católicos ou nas residências dedevotos. Já os dias dedicados aos outrossantos são marcados por festejos estri-tamente populares com as mais varia-das expressões culturais de povos e épo-cas diferentes, dentre as quais se des-tacam, aqui no Brasil, as brincadeirasde bumba-boi, bumba-meu-boi ou boi-bumbá. Além dessas, destacam-se ou-tras, próprias da época como: as qua-drilhas, o tambor de crioula, a dançado coco, o forró e muitos outros tiposde danças, além de queima de foguei-ras e de muitos fogos de artifícios e doperigoso costume de soltar balões.

Mas, de todas essas manifestações,a que realmente sobressai pelo forteapelo popular e comercial, nas regiõesdo norte e nordeste, é o bumba-boi quemarca todo o período que antecede eprecede o dia de São João.

As origens dos festejos juninos seperdem em um passado distante.

Os Egípcios, há 3.500 anos, acendi-am fogueiras e se divertiam em muitasdanças e bebidas, em homenagem àdeusa da fertilidade para comemorar acolheita do milho. Esta ocorria no perí-odo correspondente aos nossos meses demaio e junho, ou mais precisamente nosolstício do hemisfério norte, em fins deprimavera. Essas festas se espalharampor diferentes povos e culturas.

Ao longo da Idade Média, elas fo-ram aos poucos perdendo o cunho estri-tamente pagão e passaram a ser relacio-nadas com as homenagens que a Igrejapresta a São João. Corria, nessa época,entre diferentes povos cristãos que Isa-

Aymoré de Castro Alvin45

AS FESTAS JUNINASO Bumba-boi44

bel havia acendido uma fogueira paraanunciar o nascimento do seu filho João.

Embora fragmentários, há, no en-tanto, registros de que os fogos de arti-fícios foram incorporados aos festejosjuninos, ao longo do século XVIII.

No Brasil, se a riqueza dessas ma-nifestações folclóricas foi introduzidapor negros ou brancos ou se aqui já exis-tia com os índios, pouco importa. O quesabemos é que a maior expressão cul-tural do período, o bumba-boi, tem asua origem aqui, no nordeste, fruto damiscigenação cultural dessas três raçasque assim concorreram para a forma-ção deste grande povo.

No Maranhão, a brincadeira hojese encontra espalhada por todo o seuterritório, incorporando, ao longo dotempo, variadas influências regionais eestilos; o que permitiu a Azevedo Netodividi-la em grupos, subgrupos e sota-ques, sendo estes uma característicaindividual de cada grupo.

Em Pinheiro, não há registros bemdefinidos sobre o início dos festejos de SãoJoão com as brincadeiras de bumba-boi.

Sabe-se, contudo, que na década de1860, o vigário colado da Vila de SantoInácio do Pinheiro, o padre FranciscoMariano Ferreira, já fazia certas restri-ções às manifestações populares comoas brincadeiras ao redor de fogueiras, napraça da Igreja, durante os ofícios reli-giosos comemorativos do dia de São João.

Outras referências datam de 1872,quando da proibição da queima de fo-gos, no centro urbano da vila, pelo Pre-sidente da Câmara de Vereadores, re-cém instalada, José Estanislau Lobato,

Outras proibições, por sinal, nuncacumpridas, foram feitas em 1900 peloIntendente Cel. João Albino Gomes deCastro e depois, em 1904, pelo Inten-dente José Anastácio de Araujo e Sou-za. Estas já faziam referência explícitado uso dos busca-pés pelas sérias quei-maduras que infligiam nos brincantes deboi e nas pessoas que iam se divertir.

Nas décadas de 1920 e 1930, as brin-cadeiras de bumba-boi continuavamcom as suas características estritamen-te populares. Após as primeiras apre-sentações que abriam a temporada re-alizada na casa do prefeito Josias

Abreu, Cel. José Anastácio ou do Cel.Raimundo Pimenta e depois na casa doDelegado, Tenente Francisco Castro, oChico Castro, Leocádia Maranhão oudo Sr. Lulu Soares, o bumba-boi per-corria as ruas da cidade com represen-tações de suas histórias feitas nos bair-ros da Matriz e no de Alcântara.

Pelas notícias eram muito anima-das. Segundo Graça Leite, o Ernani eo Chico Leite, Curica, Palmerio Mar-tins, Godi e Jerônimo Peixoto se diver-tiam bastante, observando o desesperoda multidão e dos brincantes com aschuvas de busca-pés que soltavam, semcontudo dar atenção à polícia local re-presentada pelo Cabo Pedro e Zacari-as, que não conseguiam reprimir a brin-cadeira, já por diversas vezes proibida.

Nessa época, destacavam os bois deDoroteu, de Epifanio Poido, de Aristides,Caetano e Côfo com seu boi de côfo.

Nas décadas de 1940 e 1950, PauloCastro deu um cunho empresarial àbrincadeira. Contratava bumba-boi deMacapá, o boi Portinho, de Guimarães,de Penalva, Cururupu, Santa Eulália,cujas apresentações eram feitas emambientes fechados para platéias sele-cionadas pela compra de ingresso.

Destes, no entanto, deixou gratalembrança da época: o boi do Portinho.As toadas muito bem produzidas, cominvejável enredo e poesia, se compara-das às muitas que se ouvem hoje, fazi-am do Sr. Rafael, o dono do boi, o ho-mem das paradas de sucesso, de vez quesuas toadas, além de cantadas o anotodo, ainda eram tocadas muitas vezesdurante o carnaval. O puxador de toa-das, o João Botão, era o “pop star” domomento, quem incendiava o coraçãodas moças que, em comissão e entrelágrimas, iam às despedidas do pessoal,quando do retorno ou da faveira ou doporte do Sr. Antenor Correia.

E assim, o tempo vai passando atra-vés das gerações que se sucedem, dei-xando uma grata lembrança dos quetestemunharam tais eventos; cumpre anós transformá-los em histórias para asgerações vindouras, para que as memó-rias da nossa terra e de nossa gente nãose percam na capacidade de esquecerque o tempo nos impõe.

44 Extraído do livro Coisas da nossa terra: subsídios para a Historia do município de Pinheiro. Coletanea de artigos publicados no Jornal Cidade de Pinheiro de1921 a 2003, organizada por Francisco José de Castro Gomes. 2004 (p.218-220).

45 Professor da UFMA e membro da Academia Maranhense de Medicina.

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Oh, Praia Grandede lindo azulejos,que tantasvezes toquei!Tenho saudades das belas donzelasnas sacadasdos teus velhos sobradões!

Para onde foramos teus bondes,em que eu passeavaquando jovem,ansioso para passar pelo meretrícioe olhar mulheres seminuas,com supostos sorrisos

pelo amor ao “pão-de-cada-dia”?

Por onde anda aquele velhoque vendia “raspado”na porta da feira,e que me perguntava:

“Quer maracujá,coco, buriti,mamão, cajaou sapoti”?

Que-é´do velho Marrhmude Chain,O libanes amigo? (esquece-lo não consigo)Os comerciantesQue. Em seu boteco, se reuniamPara bate-papos, diariamente?Eram atraídosNão so pelo bom paladarDe sua copa,Como pelo bom trato dispensado.

E que saudade de Manoel Lages,Que ti deixouImpregnada de exemplos dignos!

Oh, minha Praia Grande!Onde estão os teus estivadoresterrestres e marítimos,que eram forças vivas,estivando barcos, lanchas,batelões e as alvarengas de Booth-Line?Que destino teve asa prensa de algodãoque trabalhava o nosso algodão de fibra,em resistência sem concorrentes mundiais?Por que não mais o nosso algodão prensado

em fardos de alta densidade para exportação?

Onde estão as tuas imagens poéticas,s teus lampiões,as tuas seculares escadaris?

Dormem, certamente, o sono indolente

dos vencidos!

Tudo se foi embora,como os pássaros do poeta,“em revoada,para nunca mais voltar”!

Oh, minha Praia Grande!Quando recordo o teu passado,

João Moucherek47

CANTIGA DE AMOR E DE SAUDADE À PRAIA GRANDE46

com os teus telhados e paredes azulejadas,janelas de gradis, movimentos nos portosde embarque e desembarque,

Nos armazéns de cabotagem,transito congestionado,

fico triste!

Outrora,eras como um forte coração,a acumular riquezas do Maranhão!

Deixaram marcas de progresso, em teu chão,de capaciadae,de honestidade, os Aboud,

líderes dominadores,em muitas fases,do comércio e da indústria,como espelho aos concorrentes

Onde estão os Romão,e os Joaquim da Casa Ancora?Os Santos de Cunha Santos, Jorge Santos,os Figueiredo, de Figueiredo & Cia.?Os Farias, Moreira & Mendonça,de Lima Farias e Moreira Sobrinho?E os seus inesquecíveis pracistas,Pechincha, Benedito Lira, Ferrugem?Quantas saudades estão sentindodo teu febril aconchego!

Oh, minha triste Praia Grande!O teu por-do-sol, naquele mar bonito,refletindo o infinito,hoje sofres

a viuvez de uma imprevidência!

As embarcações que partem do teu portopara o hinterland maranhense,são naves solitárias,cumprindo seus forçados destinos,como quem perde a luz-da-razão de ser!

Depois de batalhas gloriosas,de penetração no ciclo universal,o teu cetro se quebrou tristemente,como um entardecer melancólico...E, agora,estás reduzida

a um simples projeto,retornado às origens!

Triste,diante de ti me vejo.Ajoelho-me.Beijo o teu chão,

como uma amargae triste

despedida...

Levanto-me,ando sem rumo,perdido

no teu universo encantador,e levo comigouma única certeza:

“Estás bem viva,no meu coração”!

46 Transcrito do jornal Estado do Maranhão – Caderno Alternativo. São Luís. 5/9/1984 – quarta-feira. Exemplar oferecido ao escritor Carlos de Lima com adedicatória: “Ao amigo e letrado Carlos de Lima, com abraço e velha amizade de João Mouchrek. 22/4/1989.

47 João Elias Mouchrek, piauiense de nascimento e maranhense de coração, falecido em 17/04/2010, foi um dos fundadores do Moto Club e do bloco Os Vira-Latas.

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Resumos e ResenhasResumos e ResenhasResumos e ResenhasResumos e ResenhasResumos e Resenhas4848484848

SILVA, Geórgia Patrícia da. De Volta àPraia Grande: o “velho” centro com o“novo” discurso. 199 f. Tese (Doutorado emPolíticas Públicas). – Universidade Federaldo Maranhão -, 2011. Orientador: SergioFigueiredo Ferretti.

RESUMOEstudam-se os modos pelos quais, ao

longo do processo de revitalização do bair-ro da Praia Grande em São Luís, Mara-nhão, os bens culturais foram reapropria-dos, demonstrando-se como os mecanismosutilizados pelo poder público para forjaruma identidade sobre o patrimônio edifi-cado contribuíram para mascarar os pro-blemas urbanos da região. Aprofunda-se aanálise a partir das estratégias de marketingpelas quais a cidade é vendida no mercadoglobal, que se consubstanciam em um “car-tão postal” cuja referência é uma idade deouro que na Praia Grande é identificadacom o período colonial e imperial, mas que

Livros novosLivros novosLivros novosLivros novosLivros novos

CARVALHO, Luciana Gonçalves de. Agraça de contar: um Pai Francisco no bum-ba meu boi do Maranhão. Rio de Janeiro:Aeroplano, 2011, 583 il.

O livro foi lançado pela autora em SãoLuís, na Casa de Nhozinho, com apoio daCMF, em dia 27 de outubro de 2011. Nessaoportunidade, Luciana Carvalho deu umavisão geral sobre a sua pesquisa, Seu Beti-nho falou sobre sua experiência e o Prof.Sergio Ferretti, fazendo uso da palavra,enfatizou a importância da obra e reafir-mou o que já havia declarado em texto pu-blicado na orelha do livro:

Este excelente trabalho, fruto da tesede Luciana de Carvalho, defendida noIFCS/UFRJ, analisa a trajetória do PaiFrancisco de um boi do sotaque de Zabum-ba, Herbert da Mafra Reis, Seu Betinho, edo seu modo de contar e interpretar histó-rias, no cenário do bumba-meu-boi. (...). Apesquisa foi realizada com o boi do grupoda Fé em Deus, que pertenceu aos finadosLaurentino Araujo e dona Therezinha Jan-sen. Concentrou-se no eixo entre São Luíse o Norte da Baixada, e incorporou cinco“palhaços” que encenam histórias de vári-os autores.

As histórias narradas fazem parte dorepertório do denominado “auto do boi”, emtorno do conhecido relato mítico vivido porum escravo que pretende saciar o desejo daesposa grávida. Viajando entre São Luis e ointerior, Luciana descobriu a existência de

não alcança os dias de hoje. Analisa-se tam-bém a natureza mutável do patrimônio emdecorrência do uso, desuso e reutilizaçãodo espaço urbano, condicionados pelosconflitos em que o espaço é demarcadoconsoante os interesses das classes domi-nantes. Descreve-se a configuração urba-na de classes sociais que estão envolvidasno domínio, produção e disputa do espaçono desenrolar das mudanças ocorridas pelatransformação funcional. Abordam-se osproblemas que a Praia Grande tem enfren-tado, com ênfase na ausência do poderpúblico, que aparece, sobretudo, nas estra-tégias de promoção da cidade espetáculo,enquanto ofusca o esvaziamento urbanoe a racionalidade do capital sobre o centroantigo.

RODRIGUES, Maria Albertina. RioGrande em movimento: tradição e identi-dade no festejo de Santo Antônio. 47 f.

Monografia (Especialização em Historia doMaranhão) – Universidade Federal do Ma-ranhão -, 2010. Orientadora: Dra. Antoniada Silva Mota.

RESUMODiscorre sobre as tradições das comu-

nidades da Baixada maranhense que pos-suem em seus festejo uma gama de estudosque se volta para a análise de questões comodiáspora, retorno, identidade, ressignifica-ções, fatores que contribuem para que ofestejo de Santo Antônio contribua para aformação cultural do povoado Rio Gran-de. A simbologia do festejo nos conduz aum estudo de caso da terra quilombola doRio Grande, localizada no município deBequimão-MA, uma discussão que se pau-ta em torno dos relatos orais dos comuni-tários, com o registro da memória coletiva,que objetiva a investigação dos sujeitoshistóricos buscando a construção da tradi-ção e da identidade do Povoado.

NotíciasNotíciasNotíciasNotíciasNotícias4949494949

outras histórias ou palhaçadas igualmenteimportantes e menos conhecidas, desempe-nhadas por personagens cômicos. São asmatanças, comédias, palhaçadas, doidices eoutras com que Luciana alargou os horizon-tes da pesquisa e descobriu uma multiplici-dade de formas de atualização em um reper-tório narrativo diversificado.

A autora se debruçou sobre a históriade vida de Betinho, um excelente e cativan-te narrador. Os cadernos de anotações e asconversas com Betinho integram-se numtexto composto a duas e a quatro mãos, numdesafio à construção da etnografia seme-lhante ao que ocorre nos processos de cria-ção das histórias do bumba-meu-boi mara-nhense e na perspectiva pós-moderna queconsidera o pesquisador e o nativo comoautores de representações culturais.

MOREIRA, Paulo MacRAE, Edward. Euvenho de longe. Mestre Irineu e seus com-panheiros. Salvador: EDUFBA – ABESUP;São Luís: UFMA. 2011. 590 pag. Ilust.

Publicado pela Editora da Universida-de Federal da Bahia, Editora da Universida-de Federal do Maranhão e Associação Brasi-leira de Estudos Sociais do Uso de Psicoati-vos, o livro deverá ser lançado em São Luísno 1º semestre de 2012. Trata-se de umavolumosa dissertação de mestrado elabora-da por Paulo Moreira, sob orientação do pro-fessor Dr. Edward MacRae, do Programa dePós-Graduação em Ciências Sociais daUFBA. Apresenta muitas informações so-bre a história de vida do fundador da reli-gião do Santo Daime, mestre Raimundo Iri-

neu de Matos, que nasceu em fins do séculoXIX no interior do Maranhão e aos vinteanos imigrou para o Acre, no final do cicloda borracha. O trabalho destaca as origensmaranhenses de mestre Irineu e suas raízesentre escravos e indígenas na Baixada Ma-ranhense. A obra é ilustrada com documen-tos sobre a história e depoimentos de fami-liares daquele líder religioso.

XIII Simpósio NacionalXIII Simpósio NacionalXIII Simpósio NacionalXIII Simpósio NacionalXIII Simpósio Nacionalda Abhrda Abhrda Abhrda Abhrda Abhr

A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DEHISTÓRIA DAS RELIGIÕES – ABHRrealiza em São Luis, no período de 29/05 a01/06 de 2012, na Universidade Federal doMaranhão, seu XIII Simpósio Nacionalcom a colaboração da UFMA (CCH,PPGHIS, PPGCSoc, GPMINA, GP Histo-ria e Religião, GP Estado, Cultura e TeoriaSocial), CEHILA, IFMA, CNPq, Paulinas eoutras instituições. O XIII Simpósio, quetem como tema central Religião, carisma epoder: as formas da vida religiosa no Brasil,coincide com diversos eventos em comemo-ração aos quatrocentos anos de fundaçãoda cidade de São Luís. Comemoram-se tam-bém 50 anos da realização do Concílio Vati-cano II, 50 anos do Congresso Nordestinode Evangelização e o centenário de publica-ção da obra “As Formas Elementares da VidaReligiosa” de Emile Durkheim, um dos mar-cos fundadores dos estudos de Antropolo-gia na Escola Francesa e das ciências sociaisda religião. As inscrições serão online no sitedo evento: www.simposio2012.abhr.org.br

48 e 49 Colaboração do GP MINA/UFMA.

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PERFIL POPULARMariinha, um modelo na umbanda maranhense

Mundicarmo Ferretti50

Maria José Coelho Sales, mais conhecida por Mariinha, é uma das mais

queridas e respeitadas mães de terreiro deumbanda de São Luís. Nasceu em 1942,foi preparada na umbanda pela falecidaConceição Moura, a quem esteve ligadadesde 1959, participando intensamentede atividades por ela realizadas até o seufalecimento, ocorrido em 2005. Antes deabrir, em 1982, a Tenda Santa Terezinha,no Conjunto Angelim, "por cobrança docaboclo Tombasse", Mariinha já ajudavaas pessoas com seus caboclos. Com acriação da Tenda, juntaram-se a ela "paraprestar caridade": Maria Silva, João deDeus, Onorina Moraes-Noca, seus irmãosde santo, e Antonio França-Totó (todosin memorian). A Casa nesses seus 30 anosde existência tem dado assistência espiri-tual a numerosas filhas de santo e tematendido a todos que a procuram. Orga-niza durante o ano, na Tenda Santa Tere-zinha, várias festas em louvor a santos eem homenagem a encantados recebidos porela. E realiza semanalmente, aos sábados,sessões de caboclo, atendendo aos que aprocuram em busca de conselho e de alíviopara as suas aflições. Mariinha é Licencia-da em Matemática e tem vários anos deexperiência de trabalho em instituições deensino.

As atividades festivas da Tenda SantaTerezinha são realizadas com muita dedi-cação. Tudo é feito por ela com muito es-mero, com a colaboração de seus familia-res, filhos de santo, amigos e colaborado-res. A decoração do salão, as mesas de do-ces, as lembrancinhas da festa distribuídasaos presentes primam pela beleza e criativi-dade. A ladainha, tirada por ela, e os hinosdo catolicismo oficial e popular são canta-dos com entusiasmo pela comunidade doterreiro e pelas pessoas da assistência. A girade umbanda é participada por um grupoassíduo de filhas da casa e algumas vezespor pessoas de terreiro amigo ou, comoMariinha, filho de santo de dona Concei-ção. Durante a sua realização pode se ad-mirar a afinação dos instrumentos e docanto, a riqueza do repertório, e a beleza daindumentária e da dança.

Entre as entidades espirituais recebi-das por Mariinha podem ser citadas: ReiLeão, homenageado no dia 6/1; João daMata, o mesmo Caboclo ou Rei da Bandei-ra, festejado no dia 8/2, quando ocorre nacasa o rito de queimação de palhinhas dopresépio; Preto Velho, reverenciado no dia

50 Dra. Antropologia; Pesquisadora de Religião afro-brasileira e Cultura popular; Membro da CMF.

13/5, quando costuma ser realizada na casauma brincadeira de Tambor de Crioula;Cigana Menina, festejada sem tambor nodia de Cosme e Damião; Tombassé, filhodo Rei da Bandeira, homenageado na festagrande da casa, realizada no dia 3/10, datada festa de Santa Terezinha no calendáriocatólico. A casa festeja também Nossa Se-nhora da Conceição, no dia 8/12, e realiza,no dia 31/12, uma obrigação na praia. Coma morte de dona Conceição foram acresci-das ao calendário da Casa duas festas: a deRompe Mato (15/2), a partir de 2007, e a deDom Luís (25/8), a partir de 2008. A deRompe Mato, devido à doação feita porDona Conceição, em vida, da estátua doCaboclo à Mariinha. A festa de RompeMato era realizada na Tenda São Jorge, dedona Conceição, em 28 de outubro. NaTenda Santa Terezinha, passou a ser reali-zada uma semana depois da festa do Cabo-clo da Bandeira. A festa de Dom Luís, 25de agosto, veio para a Casa porque, além deDom Luis ser "padrinho de cabeça" deMariinha, ela já tinha compromisso diretocom a sua realização na casa de dona Con-ceição com: Onozinda, Maria Matilde,Magnólia, Pureza, Santa Gorda, estas duasjá falecidas, e Ana Amélia, filha de SantaGorda. Na Tenda São Jorge a obrigaçãocomeçava ao meio dia. Na Tenda SantaTerezinha começa às 15 horas, com umacelebração eucarística seguida de tambore, às 19 horas, ocorre o corte do bolo e dis-tribuição de lembrancinhas. Como na Ten-

da Santa Terezinha os rituais de tamborsão abertos com o esposo e filhos de Marii-nha tocando os abatas e o tambor da mata,costumam ser realizados com pontualida-de e o toque tem qualidade assegurada.

Maraiinha realiza ainda, para agradara uma de suas entidades espirituais, o ca-boclo Tombassé, uma brincadeira de bum-ba-boi com batismo, no dia 27 de junho,no aniversário de Joãozinho, encantado deCélia, uma das filhas da Casa, e matança.Tombassé é grande admirador do boi daMaioba, pois, conforme nos foi por ela ex-plicado, ele é da mata e "caboclo gosta deboi de matraca". Por causa da admiração deTombassé por aquele bumba-boi, Mariinhacostuma acompanhá-lo no ensaio redondoe morte do boi da Maioba e, no dia 30/06,festa de São Marçal, no bairro do João Pau-lo - quando há grande concentração de gru-pos de bumba-boi. E, para poder participarda matança do Boi da Maioba, Mariinharealiza a morte do boi de Seu Tombassé nasegunda quinzena de julho. Apesar de nãohaver gira de umbanda nesses dias, o ritualexige longa preparação e atrai muitas pes-soas, pois tem toadas próprias e a Casa pre-para anualmente um mourão ricamentedecorado, onde sempre se encontram en-feites artesanais confeccionados por Ma-riinha, por Márcia e por outras pessoas desua família e do seu terreiro.

Como geralmente ocorre na umbandada capital maranhense, os toque de tamborda Tenda Santa Terezinha incluem doutri-nas cantadas para voduns, como Avereque-te e Badé, e para entidade gentis (nobres,associadas a orixás no tambor de mina),como Dom João e Dom Luis. Nesses to-ques são recebidas em transe mediúnicoentidades caboclas que não "nasceram"também na umbanda, originarias do Tam-bor de Mina, da Cura (Pajelança maranhen-se) ou do Terecô, como Légua Boji, que érepresentado em imagem existente na casadesde a sua fundação, como um negro ve-lho ligado a atividades rurais, que gosta debeber, dotado de poderes especiais (como acapacidade de se tornar invisível e se trans-formar em tronco de árvore - o que parecealudido na imagem existente na Casa).

A Tenda Santa Terezinha, como ocor-re geralmente com outros terreiros de um-banda de São Luís, não realiza a Festa doDivino, mas, em 2011, um neto de Marii-nha foi o Imperador da Festa do EspíritoSanto da Casa das Minas e a sua participa-ção garantiu o brilhantismo da mesa dedoces e das lembrancinhas distribuídas peloImperador daquele ano.