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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 149, agosto 2006. EDITORIAL O seminário “O ato psicanalítico”, que Lacan ministrou no ano letivo de 1967/68, foi um ensino difícil, além de conturbado pelas ques- tões políticas daquela época: às vésperas da ruptura de Lacan com a ENS (Escola Normal Superiora), ele foi interrompido pela greve geral dos estudantes e dos trabalhadores na França. Neste seminário, Lacan insistia sobre a importância do conceito de Ato na teoria psicanalítica. Para ele, um ato tem sempre a ver com a palavra e com o corte. Como palavra – significante – ele é representante do sujeito. Como corte, ele é uma função, uma operação no sentido matemático do termo. Sua topologia é precisa: ela envolve um vazio. O psicanalista, por sua vez, também é colocado em um lugar vazio – lugar de desejo para o analisando. A transferên- cia seria uma forma de atuação e de atualização do inconsciente. Assim, o ato psicanalítico pode ser considerado como criador do sujeito do desejo. Por sua estrutura estar marcada pelo corte, o ato psicanalítico tam- bém é falho e, sempre, incompleto. Ao contrário do “ato médico”, que prome- te ser a voz da verdade absoluta, o ato psicanalítico é declaradamente porta- dor da falta! Alguma coisa, nele, necessariamente abre, questiona, e essa “coisa” é da ordem do inconsciente. Obedecendo a uma lógica outra, a lógi- ca do inconsciente, o ato psicanalítico é sempre um ato da palavra falada, mesmo que tenha efeitos visíveis e conseqüências no imaginário do corpo e no real da estrutura do sujeito. Precisar a estrutura do ato psicanalítico nos permite formular ques- tões fundamentais para a compreensão do andamento de cada psicanálise. Esta seção temática foi realizada pelo Seminário de topologia da APPOA. Durante todo o ano de 2005 e o primeiro semestre de 2006, estive- mos estudando “O ato psicanalítico”, de Lacan, e os textos por ele mencio- nados no mesmo. Todos os participantes do Seminário se envolveram em pesquisas, apresentações e revisão dos textos aqui publicados. A eles, nos- so agradecimento, e em nome deles, nossos votos de uma boa leitura! 1 1 Este editorial constitui a apresentação da seção temática escrito por Ligia Gomes Víctora, organizadora dessa edição.

EDITORIAL O3 Observação: no lugar de cima à direita, o desenho supostamente de Lacan deixa todos os campos em branco, como se fosse um OU simples da lógica de De Morgan, o que

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Page 1: EDITORIAL O3 Observação: no lugar de cima à direita, o desenho supostamente de Lacan deixa todos os campos em branco, como se fosse um OU simples da lógica de De Morgan, o que

1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 149, agosto 2006.

EDITORIAL

Oseminário “O ato psicanalítico”, que Lacan ministrou no ano letivode 1967/68, foi um ensino difícil, além de conturbado pelas ques-tões políticas daquela época: às vésperas da ruptura de Lacan com

a ENS (Escola Normal Superiora), ele foi interrompido pela greve geral dosestudantes e dos trabalhadores na França.

Neste seminário, Lacan insistia sobre a importância do conceito de Atona teoria psicanalítica. Para ele, um ato tem sempre a ver com a palavra e como corte. Como palavra – significante – ele é representante do sujeito. Comocorte, ele é uma função, uma operação no sentido matemático do termo. Suatopologia é precisa: ela envolve um vazio. O psicanalista, por sua vez, tambémé colocado em um lugar vazio – lugar de desejo para o analisando. A transferên-cia seria uma forma de atuação e de atualização do inconsciente. Assim, o atopsicanalítico pode ser considerado como criador do sujeito do desejo.

Por sua estrutura estar marcada pelo corte, o ato psicanalítico tam-bém é falho e, sempre, incompleto. Ao contrário do “ato médico”, que prome-te ser a voz da verdade absoluta, o ato psicanalítico é declaradamente porta-dor da falta! Alguma coisa, nele, necessariamente abre, questiona, e essa“coisa” é da ordem do inconsciente. Obedecendo a uma lógica outra, a lógi-ca do inconsciente, o ato psicanalítico é sempre um ato da palavra falada,mesmo que tenha efeitos visíveis e conseqüências no imaginário do corpo eno real da estrutura do sujeito.

Precisar a estrutura do ato psicanalítico nos permite formular ques-tões fundamentais para a compreensão do andamento de cada psicanálise.

Esta seção temática foi realizada pelo Seminário de topologia daAPPOA. Durante todo o ano de 2005 e o primeiro semestre de 2006, estive-mos estudando “O ato psicanalítico”, de Lacan, e os textos por ele mencio-nados no mesmo. Todos os participantes do Seminário se envolveram empesquisas, apresentações e revisão dos textos aqui publicados. A eles, nos-so agradecimento, e em nome deles, nossos votos de uma boa leitura!1

1 Este editorial constitui a apresentação da seção temática escrito por Ligia Gomes Víctora,organizadora dessa edição.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

JORNADA DE CONVERGENCIA EM BUENOS AIRES:INCONSCIENTE E PULSÃO

A Comissão Organizadora de Buenos Aires enviou-nos mensageminformando que todos os associados da Associação Psicanalítica de PortoAlegre – bem como os colegas das demais instituições convocantes – queviajarem na qualidade de expositores ou como participantes da Jornada es-tão isentos do pagamento da inscrição.

Lembramos que a Jornada acontece nos dias 4 a 6 de agosto próxi-mo, em Buenos Aires, e é organizada por oito instituições participantes deConvergencia, quatro argentinas e quatro brasileiras, conforme segue:

Escuela Freudiana de Buenos AiresEscuela Freudiana de la Argentina

Mayeutica Institución PsicoanaliticaInstitución Psicoanalitica de Buenos Aires

Laço Analítico Escola de PsicanáliseMaiêutica de Florianópolis Instituição Psicanalítica,

Práxis Lacaniana/Formação em EscolaAssociação Psicanalítica de Porto Alegre

 Esta Jornada é a primeira de uma proposição de trabalho conjunto aser continuado entre as oito instituições, a realizar-se no modo de jornadasanuais em diferentes localidades.

Trata-se de uma aposta nos laços que vêm se articulando e intensifi-cando ao longo dos últimos anos. Laços estes que têm a marca de umdesejo por preservar o movimento lacaniano internacional, reconhecendo adiversidade das posições associativas dentro de Convergencia. É nesta dis-posição, de promover o avanço em questões cruciais à psicanálise discutin-do os fundamentos de sua prática com colegas de outras localidades, queconvidamos os associados a participarem do evento.

Marta Pedóp/ Comissão de Relações Interinstitucionais

OFICINA DE TOPOLOGIA

Será que uma psicanálise desfaz o nó do sujeito? Ou este seria como o nóGórdio, impossível de ser desfeito, a não ser cortando-se um, ou todos, os elos?

A análise não desfaz o nó borromeano entre Real, Simbólico e Imagi-nário. No seu seminário “O Sinthoma”, Lacan introduziu o quarto elo, parasegurar o nó, quando ele se abria. Contudo, em “Televisão”, ele falava em“desatar” o sintoma, considerado como nó de significantes, esclarecendoque “atar” e “desatar” não deveriam ser tomados como metáforas, mas simcomo o Real da cadeia significante.

Se o nó borromeano se mantém como tal até o final de uma análise, oque seria desatar o sintoma?

Continuando nosso trabalho sobre os nós, convidamos para mais umaOficina de Topologia da APPOA:Atividade: Oficina de Topologia – o nó borromeuResponsável: Ligia VíctoraData: 19/08/2006Horário: das 10h às 12h.Material: trazer cordões, lãs ou fios coloridos.

Atividade gratuita e aberta aos interessados. Favor inscrever-se nasecretaria. Bibliografia: Marc Darmon. “O nó que desata”, Correio da APPOA103. Junho/ 2002.

TESOURARIAA Associação Psicanalítica de Porto Alegre informa que, a partir do mês

de agosto, haverá um acréscimo nas mensalidades de membros, participantes,Percurso de Escola, Grupos e Seminário em função da inflação acumulada noúltimo ano. Seguem, abaixo, os novos valores:CATEGORIA VALOR R$Membros 175,00Membros Correspondentes 250,00 (valor anual)Participantes 130,00Percurso de Escola 200,00Percurso Psicicanálise de Crianças 155,00Grupos 18,00 (associados) e 36,00 (não associado)Seminários 18,00 (associados) e 36,00 (não associado)

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SEÇÃO TEMÁTICA VÍCTORA, L. G. A lógica do ato psicanalítico.

A LÓGICA DO ATO PSICANALÍTICO

Ligia Gomes Víctora

Alógica de Lacan, criticada por muitos como sendo uma “lógica elás-tica”, foi definida por ele mesmo como sendo algo que tinha por fun-ção “resolver o problema do sujeito suposto saber” (cf. Seminário O

ato psicanalítico, lição de 21/02/68).1 Lacan não estava em nada de acordocom esta “elasticidade”. Procurava fundamentar seus conceitos em lingua-gem matemática, como exigiam os preceitos do estruturalismo, e, emboramuitas vezes cometesse erros, buscava sempre este rigor. Dentro desteespírito, o seminário de 1967/68 traria um termo inédito: ato psicanalítico.

Um ato psicanalítico não é um agir, no sentido comum de “ação físi-ca”. Ele é sustentado pela transferência, e se efetua somente pela lingua-gem. A dimensão do Outro está sempre presente na linguagem, mesmo quese fale sozinho... Para a Psicanálise, tomar como objeto um ato desta espé-cie tem suas complicações, já que seu sujeito ou “falasser”, por sua vez,também é feito, e efeito, de linguagem. Neste caso, sujeito e objeto teriam amesma estrutura!

Assim, o ato psicanalítico depende da transmissão de sentimentos,expectativas e projeções de saber de parte do analisando, sobre a figura doanalista. Do lado do psicanalista, efetuar este ato implica em suportar estatransferência, e responder a ela somente por meio da linguagem. Para isso,ele deve emprestar seu próprio corpo como tela em branco para as projeçõesdo analisando. No final de uma psicanálise, haveria a “ejeção” do analistadaquele lugar inicial de supostamente tudo saber.

Lacan tentou demonstrar esta passagem através do grafo da aliena-ção (nas lições de 10/01/1968; 17/01/1968 e 24/01/1968).

Nesta estrutura quadrangular (grupo de Klein)2, gerada a partir da pro-jeção de um tetraedro, temos quatro lugares (nos vértices) e três operaçõesdesignadas: transferência, alienação e verdade. As operações culminam nosvértices apontados pelos vetores.

FIG. 1 – GRAFO COMPLETO3

A alienação, de Lacan, foi emprestada da operação de disjunção, dasleis de De Morgan: ou A ou B (ØA ÙØB). No caso: ou não penso, ou não sou– negação do Cogito ergo sum de Descartes, para quem a prova de que o serexistia, era o fato de que ele pensava. Duvidar, questionar, deduzir – ativida-des do pensamento – eram, para Descartes, a única garantia da existênciahumana. Ora, a partir de Freud, se existe um pensamento inconsciente, o “eu”já não sabe mais o que pensa, e menos certeza ele tem do que ele é! “Eu nãosou onde Isso é”, mas, Freud advoga: lá onde havia Isso, Eu devo advir.

1 Todas as referências a datas neste artigo referem-se a lições do Seminário O ato psicana-lítico, de Lacan.

2 Sobre os grupos de Klein, ver artigo da autora no Correio da APPOA 138, “A topologia e alógica do fantasma”. Agosto 2005.3 Observação: no lugar de cima à direita, o desenho supostamente de Lacan deixa todos oscampos em branco, como se fosse um OU simples da lógica de De Morgan, o que significaUnião ou soma lógica (não penso OU não sou). Sombreei os campos disjuntos (cf. lógica deBoole), que faz mais sentido com a explicação dele. Lembrando, como sempre, que tenhodeixado sombreados os campos que contêm elementos, como Lacan adotou em seusesquemas. (LGV)

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SEÇÃO TEMÁTICA

Então, segundo Lacan, o ponto de partida de toda psicanálise seria osujeito cartesiano revisitado pela lógica da alienação – partido ao meio, divi-dido entre o ser e o pensar – “ou eu não penso, ou eu não sou”. “Cogito”subvertido a partir da descoberta do Inconsciente.

O ponto de chegada seria o lugar de “eclipse”, o vazio central que dálugar ao desejo (a) como resto da operação da transferência. Só aí o sujeitose afirmaria como sujeito do desejo. Note-se que Lacan acrescentoutambém neste lugar do objeto (menos fi), ao que tudo indicarepresentando a castração simbólica. Em outros seminários, a castraçãosimbólica seria representada pelo (fi maiúsculo) – o Phallus, que seria oorganizador da rede lingüística para o sujeito da neurose; sendo que o(menos fi, minúsculo) seria reservado à castração imaginária, que busca serpreenchida pelas chamadas “insígnias fálicas” do poder, aparência, etc. Estaseparação será trabalhada mais adiante, como conseqüência de umfinal de análise.

Retomando a figura 1, as três operações principais representadas nestegrafo são:

- transferência – que possibilita o ato psicanalítico – vetor que conduzo sujeito do seu lugar original ao lugar do resto;

- alienação do sujeito na neurose, com o reconhecimento do Issocomo agente;

- verdade, com a interpretação do Inconsciente.Estas três operações foram exaustivamente trabalhadas no Seminá-

rio O Ato Psicanalítico. Outras trajetórias possíveis foram apenas apontadaspor Lacan, e tentaremos desenvolver a seguir 4:

- o lugar do analista;- a interpretação;- a resistência;- a cura ou final da análise.

O QUE É SER PSICANALISTA? (FIG.2)

Com esta indagação, Lacan inicia sua aula de 13 de março de 1968.O lugar do analista seria um lugar instável. Assim como o analisando partiriado lugar superior direito, $, o analista também faria a mesma trajetória. Par-tindo de um lugar de sujeito que supostamente tudo sabe, lugar este que lheé imposto pelo analisando através da transferência, o analista visaria a “des-ser” (désêtre, no original em francês), perdendo o lugar de sujeito para setornar objeto. Para suportar ser “ejetado”, ele próprio deve ter transposto todoeste percurso em sua própria análise (lição de 17/01/68). É pelo mesmoescorregador dos significantes do analisando, que o analista, sujeito quesupostamente sabia tudo, cai para o lugar de resto. Novamente, aqui: sujeitoe objeto têm a mesma estrutura.

Esta queda, à qual Lacan se referiu como sendo equivalente àsuprassunção – Aufhebung, de Freud (17/01/68) – seria comparável à do paisimbólico: o sujeito deverá poder ultrapassá-lo, para servir-se dele.

A RESISTÊNCIA (FIG. 3)

VÍCTORA, L. G. A lógica do ato psicanalítico.

4 Nas versões deste seminário a que tive acesso (versão em francês, a partir de notasmanuscritas de integrantes do curso e versão em espanhol em CDR), os grafos não sãoprecisos, às vezes não coincidem nas duas versões, ou faltam os vetores. Os desenhos aseguir são a minha interpretação, a partir da leitura do texto. (LGV)

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SEÇÃO TEMÁTICA

No sentido inverso ao da transferência, este grafo mostra a trajetóriada resistência, fixando-se no lugar da alienação: este ponto acima à esquer-da, da escolha forçada, já trabalhada por Lacan como “a bolsa ou a vida”.Seria uma posição desvalorizada, de “paciente”: no rigor do que esse termosignifica – “padecente” de um pathos – emoção ou sofrimento.

O silêncio, o acting out, as faltas, a interrupção da análise tambémsão considerados como resistência ao trabalho psicanalítico. O que resistenão é o sujeito, o que resiste é o discurso analítico como um todo (lição de24/01/1968). Refugiar-se no sintoma do silêncio do pensamento (no “não pen-so”) seria um lugar reservado apenas ao analisando? Como seria a resistênciado psicanalista? Para alguém que se ocupa dos pensamentos de outrem,resistir não seria pensar como sujeito? Isto é: impor os seus pensamentosao analisando?

A REPETIÇÃO (FIG. 4)

O retorno à alienação (não penso), após ter alcançado a posição deverdade do Inconsciente (não sou), representaria a repetição: o sujeito, arti-culado em seus termos deslizantes, mas sempre pronto para escapar, deum salto, a um dos vértices do tetraedro (lição de 17/01/1968). Um trabalhopsicanalítico seria, assim, comparável ao desenvolvimento de uma tragédia.Com suas idas e vindas, entre sereias, feiticeiras e monstros, o sujeito-heróitentando voltar para casa. Onde fica o analista nesta aventura? Muitas ve-zes, assume a “posição de tapete”... (24/01/1968).

A CASTRAÇÃO SIMBÓLICA (FIG. 5)

As concepções de mundo e de homem em Descartes se baseiam nadivisão da natureza em dois domínios opostos: o do espírito – mente ou“coisa pensante” (res cogitans) – e o do corpo – realidade ou matéria (resextensa). Desde esta divisão, considerada como inaugural do sujeito moder-no, o sujeito racional ou sujeito das ciências, subvertido pela lógica do in-consciente, teria um longo caminho a percorrer até a assunção do seu dese-jo. Este trajeto, no curso de uma psicanálise, equivaleria ao da transferência.

Por que a transferência seria comparável à castração simbólica? Asubmissão às leis da linguagem, vigentes em uma psicanálise, pressupõe omesmo percurso mítico realizado por Édipo em sua busca por si mesmo (20/03/1968). Em uma psicanálise, o romance familiar se descortina para o ana-lista ao mesmo tempo que para o analisando. O analista às vezes é posto nolugar do coro (chorus), outras vezes, chamado a participar como protagonis-ta da aventura épica.

Os limites entre o imaginário e o real são apagados pela fala – daí asensação de Unheimlich, estranhamento e familiaridade, muitas vezes rela-tados pelo analisando. Delírio ou realidade? Indecidível...

VÍCTORA, L. G. A lógica do ato psicanalítico.

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SEÇÃO TEMÁTICA

A CURA

Assim representou Lacan na lição de 21 de fevereiro de 1968, o resul-tado ou efeito de uma psicanálise. [A meu ver, há um erro de notação, pois,se se tratava de uma disjunção, como ele se referiu, deveria estar grafada:

que significa que são excludentes: ou um, ou o outro]. Duasfaltas que se recobrem – o desejo e a castração – uma como resto da ope-ração da alienação, outra como perda – o “efeito verdade” conseqüente dainterpretação. 5

O Sujeito do suposto saber, ejetado no final de uma análise, se trans-formaria em quê? Já que ele não era, como já vimos, um sujeito, mas sim“um lugar”?

O resultado do “des-ser” do analista, descendo para algum lugardeserdado do glamour de tudo saber, abriria lugar para a falta. Ele deixou umlugar vago, o que provocou desejo no analisando. Em seu lugar, surge oobjeto a (17/01/1968).

Lacan explica, dentro da multiplicidade de sentidos que podem serlidos neste esquema, o momento em que o analisando passa a ocupar olugar de analista, no final da sua análise. Ao assumir-se como sujeito dodesejo, após ter encarado a alienação e o chamado “efeito verdade” do seuinconsciente, o psicanalisando, feito um peregrino, “toma seu bastão, carre-ga seu fardo, para ir ao encontro do sujeito suposto saber” (24/01/1968).

É por isso que somente ao concluir sua análise, um “analisando” po-derá se tornar um “analisante”, isto é, um analista de ou para outrem. Resul-tante da transferência, a castração simbólica permanecerá aberta, e seráchamada, simplesmente, de passe (21/01/1968). O sujeito do desejo, mar-cado por essa hiância constitutiva, trilhou em seu caminho o deserto do ser,que chamamos em algum lugar de “desconhessência”, ou seja, o desconhe-cimento da própria essência do inconsciente. Encarou o des-ser de seuanalista/pai/sujeito do suposto saber, para se tornar não-todo, e conquistouseu inconsciente, verdade incurável, conquistada não sem saber.

Não-sem (pas-sans, pas sense, passant) 6, não-todo (pas-tout, pathos),ou não-penso... ou não-sou – essas novas negações introduzidas por Lacandesafiam a lógica não-elástica...

VÍCTORA, L. G. A lógica do ato psicanalítico.

5 A função da interpretação é tratada por Lacan como uma função matemática. Se osvalores verdadeiro ou falso (da lógica de Frege) podem ser atribuídos aos significantes, ainterpretação gera um “efeito verdade” do inconsciente, uma verdade que é não-toda. 6 Não-sem, não senso, de passagem, ou passante, em francês, têm pronúncia semelhante.

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SEÇÃO TEMÁTICA

ATO ANALÍTICO, ATO RELIGIOSOE ATO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICA

Jaime Betts

Oque diferencia o ato de criação artística, o ato religioso e ato psica-nalítico?Para responder essa questão, iniciaremos caracterizando o que en-

tendemos por ato, tomando como referência o Seminário do Ato Psicanalíti-co (1967-68) de Lacan.1

O conceito de ato tem um lugar importante na obra de Freud e napsicanálise, desdobrando-se em ato falho, ato sintomático, ato casual, acting-out, passagem ao ato, colocação em ato, horror ao ato, horror do ato, inter-venção em ato e ato analítico.

Cabe lembrar inicialmente que todo ato é falho. A exceção é na passa-gem ao ato do suicídio, mas o preço do ato ser completo é a vida do sujeito. Ouseja, o real se faz presente no ato bem sucedido do suicídio através da morte.

O ato é uma ação significante, no sentido de que representa o sujeitopara outro significante. Todo ato é falho porque o significante nunca dá contade eliminar a presença do real inominável, deixando-nos órfãos da palavrafinal de uma verdade absoluta. O ato falha, pois nunca se obtém com um atoaquilo que é buscado, restando sempre uma defasagem. Todo ato falha nabusca do re-encontro com a condição originária, inaugural, da vivênciaalucinatória de satisfação.

Isso nos remete a pensar que o ato não é uma ação qualquer, umfazer comum conforme seus fins práticos ou pragmáticos, como o tomar umcopo de água para matar a sede. Segundo Lacan, na diferença entre o mes-tre e o escravo, “trata-se de nada além da diferença entre o ato e o fazer” eque “há os que se ocupam do ato e os que se ocupam do fazer”.2

1 Lacan, Jacques. O Ato Psicanalítico – Seminário XV (1967-1968). Não publicado.2 Op. Cit. Lição de 24-1-1968.

Se Freud pôs as histéricas a falar, e depois se pôs a escutar o queelas diziam, Lacan desenvolveu, para dar conta desta escuta, uma lógica: ado ato psicanalítico. A partir do sujeito bífido da ciência, de Descartes (Eupenso, Eu sou), e do sujeito identificado com o inconsciente, de Freud (láonde Isso era Eu devo ser), o sujeito do ato psicanalítico se impõe comosujeito de linguagem, feito e efeito de palavras.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LACAN, J.M. L’acte psychanalytique. Seminário 1967-68. Edição em francês:Escola Freudiana de Paris (1985). Edição em espanhol: CDR da EscuelaFreudiana de Buenos Aires. Argentina (1995).

LACAN, J.M. Conferência O ato psicanalítico. In: Boletim da APPOA no. 2. Agosto1990.

BETTS, J. A. Ato analítico, ato religioso...

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SEÇÃO TEMÁTICA

nesse sentido consiste em suportar fazer semblante do objeto a do analisante.Isto quer dizer que o “psicanalista não é todo o objeto a, (mas que) ele operacomo objeto a.”6

Lacan argumenta que “a partir do momento em que se revela que atransferência é o sujeito suposto saber, o psicanalista é também o único apoder colocar isso em questão”, no sentido de que o “analista sabe mesmoque tudo de que se trata na psicanálise a partir da existência do inconscien-te consiste justamente em riscar do mapa essa função do sujeito supostosaber”.7

Em outras palavras, no ato analítico, cabe ao analista ficar como dejeto,como resto da operação analítica de destituição do sujeito suposto saber, deevacuação das figuras do Outro.

Com o atravessamento do fantasma, que figura uma forma de relaçãoimaginada como possível entre o sujeito e o objeto a, o sujeito se confrontacom o sem sentido do significante mestre (S1) que o representa, abrindo-seassim para o real. Esta abertura ao real torna-se possível com a destituiçãodo sujeito suposto saber, em que o sujeito pode dispensar o pai e, servindo-se dele, fazer algo de mais interessante com seu sintoma.

O produto do ato analítico é o significante S1 em nova posição (ou umnovo S1). O ato analítico, nesse sentido, constitui “um verdadeiro começo,um ato criador que estabelece que esteja lá o começo”.8 Um começo onde osignificante do mestre (S1) não faz figura do amo que estabelece as certe-zas às quais o sujeito pode se agarrar sintomaticamente, como é o caso nodiscurso religioso.

No ato de criação de uma obra de arte, por sua vez, o artista cria deum lugar de enunciação renovado, desde que não caia na repetição do mes-mo, situação na qual esgota o processo de criação. Na arte, o ato re-cria aomesmo tempo a morte simbólica inaugural do sujeito que se aliena nos

6 Op. Cit. Lição de 7-2-1968.7 Idem.8 Op. Cit. Lição de 10-1-1968.

Quando o analista enuncia a regra fundamental, pedindo ao pacienteque fale tudo que lhe vier à mente, sem omitir nada, o analista autoriza atarefa psicanalisante de fazer associações livres, sustentando a transferên-cia enquanto “profissão de fé no sujeito suposto saber”.3

Aqui podemos começar a traçar a diferença entre o ato religioso e oato analítico. Com a contribuição de Lacan, elaborando o conceito de sujeitosuposto saber como pivô da transferência, torna-se possível diferenciar me-lhor um ato do outro. A transferência no ato religioso se baseia na fé e crençano sujeito suposto saber como “um dom do céu”.4 A divindade invocada é afigura do Outro suposto saber o bem do sujeito, mediado de alguma formapelo representante do discurso religioso. No ato religioso, não há, nem sebusca, a resolução da transferência: a fé e crença no sujeito suposto saberé incentivada e renovada, no sentido de que a figura divina do Outro, na suaonisciência, é quem sabe o que é melhor. Reitera-se assim a alienação dosujeito à demanda do Outro, em que o sujeito renuncia a seus desejos e seoferece como objeto/instrumento nas mãos de deus. Nessa posição, de atri-buição de onisciência ao Outro, se re-afirma o conhecido adágio de que“deus escreve certo por linhas tortas”, em que as adversidades são interpre-tadas – forma de consolo – como sendo expressão da vontade divina. Emsua dimensão imaginária, o ato religioso supõe a existência de uma verdadeabsoluta sustentada pela palavra final de deus. O ato religioso, enquantoação significante, fecha-se no registro imaginário das certezas nas quais osujeito se aliena.

No ato analítico, trata-se, inicialmente, de sustentar a transferência eo sujeito suposto saber, sabendo fazer com a transferência o “elogio dababaquice”5, ou seja, o sujeito é instado na regra fundamental a dizer qual-quer coisa que lhe ocorra, e dizendo a bobagem que disser, sem se preocu-par em selecionar o que considera importante, abrem-se as vias associativasque permitem que o ato analítico seja processado. Sustentar a transferência

3 Op. Cit. Lição de 7-2-1968.4 Idem.5 Op. Cit. Lição de 22-11-1967.

BETTS, J. A. Ato analítico, ato religioso...

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SEÇÃO TEMÁTICA

EPISTEMOLOGIA E TOPOLOGIA LACANIANA

Almerindo A. Boff1

Freud sempre defendeu a idéia do pertencimento da psicanálise aocampo epistemológico das ciências naturais, naturwissenshaften, nãocogitando sua inclusão entre as então denominadas ciências do espí-

rito, geisteswissenschaften. (Boff, 1996) Com exceção da vertente lacaniana,as grandes correntes teóricas da psicanálise do século XX (a Psicologia doego e os desenvolvimentos teóricos de Klein, Bion, Winnicott e Kohut) nãose ocuparam de maneira significativa em assentar a teoria psicanalítica so-bre outros supostos epistemológicos. Lacan julgou importante esta tarefa. Opresente texto indaga a respeito de algumas de suas razões para isto eaponta a pertinência atual desta discussão bem como algumas de suasimplicações para a clínica psicanalítica.

O ESTRUTURALISMO FRANCÊS E APSICANÁLISE ESTRUTURALISTA LACANIANA

O estruturalismo francês se edifica sobre as lingüísticas de Saussuree Jakobson, recebendo a seguir impulso especial a partir da antropologia deLévi-Strauss. Em 1945, este declara que “[No] conjunto das ciências sociaisao qual pertence indiscutivelmente, a lingüística ocupa, entretanto, um lugarexcepcional: ela não é uma ciência social como as outras, mas a que, de hámuito, realizou os maiores progressos: a única, sem dúvida, que pode reivin-dicar o nome de ciência e que chegou, ao mesmo tempo, a formular ummétodo positivo e a conhecer a natureza dos fatos submetidos à sua análi-se.” (Lévi-Strauss, 1945: 45)

Roudinesco conta que, em 1951, “Lacan, Lévi-Strauss, Guilbaud eBenveniste reúnem-se para trabalhar sobre as estruturas e estabelecer pon-

1 Psiquiatra e Psicanalista. Mestre em Psicologia (UFRGS). Membro Titular do Núcleo deEstudos Sigmund Freud

significantes do Outro diante do vazio incurável do real, mas que alivia osujeito de se confrontar de forma direta com esse vazio insuportável atravésda tela que a obra interpõe.

Entretanto, esse lugar está inscrito sob a forma de um enigma visualem que o artista sabe que criou sem saber o que se inscreveu de inconscien-te na obra. Tal como no sonho, o ato de criação corresponde ao ato desonhar e a obra criada ao relato do sonho. Entre ambos há uma defasagem.O umbigo real do sonho resta indecifrável, inominável, e, inscrito na obra, fazcom que a mesma remeta o observador a renovadas leituras, em que o pró-prio sujeito se re-significa em suas enunciações.

Em seu ato, o artista cria uma imagem ou figura do Outro, mas comuma diferença importante em relação ao ato religioso. Essa imagem do Ou-tro presentificada na obra desdobra-se em dois aspectos, nos quais se con-jugam a imagem que fascina e o significante que interroga. A imagem podefascinar pela beleza com que reflete o eu familiar de quem a vê, bem comopelo horror com que o eu se vê privado do reflexo de sua identidade. O estra-nho íntimo (Unheimlich)9 se inscreve na obra sob a forma da presença/au-sência dos significantes do olhar desejante do Outro que interrogam ao obser-vador, convocando-o a responder de um lugar estranho à familiaridade do eu.

A experiência estética pode produzir esse efeito de modificar o lugarde enunciação do sujeito? A história da arte indica que sim. Entretanto, seuefeito encontra a limitação de que a angústia que uma obra de arte podedespertar não encontra em alguém a sustentação e manejo na transferênciado sujeito suposto saber, operação que pode dar lugar a um novo lugar deenunciação para o sujeito na medida em que esse sujeito suposto saberseja destituído. Na arte, esse sujeito suposto saber da transferência se relançamodificado, mas sem se dissolver. Em se tratando da experiência estética,ainda bem, pois precisamos ver obras que nos renovem pelo seu olhar.

9 Freud, Sigmund. O Estranho (1919). In: Obras Completas, Vol. XVII. ESB, 1976.

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categoricamente, a estabelecer uma dimensão da experiência cujos fatosobjetivados possam ser considerados como variáveis”. (Lacan, 1948: 104)

Portanto, ao dar início aos seus seminários públicos, na década de50, Lacan já faz uso, desde a década precedente, de modelos matemáticosem seu ensino. No Seminário I, nas sessões de junho de 1954, supõe queuma certa quantidade de dados numéricos é necessária para qualquer defini-ção possível de um campo de intersubjetividade (09/06/1954) e ao final da-quele mês desenha no quadro-negro “este pequeno diamante que é um diedrode seis faces”, usando esta figura geométrica para ilustrar a forma como searticulam o real, o simbólico e o imaginário (30/061954). (Lacan, 1954)

Apesar do uso de modelos matemáticos estar presente, portanto, emseu ensino há bastante tempo, é na sessão de 02 de fevereiro de 1955 que épossível identificar com clareza a inauguração da sua proposta original quan-to à forma de transmitir os conceitos fundamentais da psicanálise. Nestasessão, desenha, além dos esquemas óticos utilizados por Freud no capítu-lo VII de “A interpretação de sonhos” e daqueles utilizados por ele mesmo emsessões anteriores de seu Seminário, o seu famoso Esquema L. (Lacan, 1955)

O que importa destacar neste momento é o alcance da ruptura queeste ato provoca em relação à tradição psicanalítica. Não apenas em relaçãoàs formalidades de transmissão da psicanálise pela IPA, mas, o que maisimporta, em relação à própria sustentação epistemológica do saber psicana-lítico, o que irá se tornar cada vez mais evidente ao longo do seu ensino.

Podemos destacar alguns pontos importantes desta ruptura. O Es-quema L introduz no seu ensino os matemas lacanianos, os quais passarãocrescentemente a identificar tanto seu estilo quanto sua proposta teórica.Trata-se de uma estrutura de quatro termos que articula Real, Simbólico eImaginário, passando a ocupar, na psicanálise lacaniana, o lugar da segundatópica em Freud. Com a formulação dos matemas será construída a álgebralacaniana, destinada a representar o Inconsciente como uma estrutura for-mal, abstrata, onde os elementos provindos das percepções sensoriais sãosubstituídos por símbolos matemáticos, segundo o modelo das operaçõesalgébricas.

tes entre as ciências humanas e a matemática. Cada qual utiliza a seumodo os ensinamentos do outro, à maneira de uma figura topológica”.(Roudinesco, 1986: 608)

A aproximação entre os conceitos psicanalíticos fundamentais e osmodelos matemáticos foi a maneira como Lacan, seguindo Freud, inscre-veu, à sua própria maneira, a psicanálise como herdeira do iluminismo,reformulando sua lógica e situando-a na rota iniciada por Cantor e continua-da por Frege, Russel e Gödel, tratando-se, portanto, de ciência inscrita natradição racionalista, tributária da razão e da experiência. (Barreto, 1999: 163)

A importância dos desenvolvimentos teóricos de Lacan no cenáriofrancês chegou a ponto de levá-lo a ser reconhecido, em certo momento,juntamente com Lévi-Strauss, Foucault e Althusser, como um dos quatromosqueteiros do estruturalismo. (Mafra, 2000: 193)

O fascínio do pensamento estruturalista teve seu apogeu em 1966,marchando o movimento, a partir daí, para o seu “canto do cisne”. (Dosse,1991) Procurarei, a seguir, marcar alguns pontos de contato entre a evoluçãodo pensamento lacaniano nas décadas de 40 a 70 e as vicissitudes parale-las do movimento estruturalista.

OS MODELOS MATEMÁTICOS NO ENSINODE JACQUES LACAN

Já em 1945 Lacan lança mão da teoria dos jogos e de um exercício delógica para formular a estruturação do tempo lógico como apresentação su-cessiva de três tempos: o instante de olhar, o tempo para compreender e omomento de concluir. (Lacan, 1945a) Ainda no mesmo ano, um problemaaritmético proposto por Queneau é utilizado por ele em seu estudo de uma“lógica coletiva” na qual se estruturam “formas lógicas em que se devemdefinir as relações do indivíduo com a coleção antes que se constitua aclasse, ou seja, antes que o indivíduo seja especificado”. (Lacan, 1945b) Em1948, a respeito da noção de agressividade, ele discute “…se é possívelformar dela um conceito tal que ela possa aspirar a um uso científico, isto é,apropriado a objetivar fatos de uma ordem comparável na realidade, ou, mais

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ensino na década de 60, quando ele volta sua atenção para as figuras dotoro, da fita de Möebius, da garrafa de Klein e do cross-cap. Será nos anos70 que ele centrará sua atenção na figura que o fascinará até o fim dos seusdias, o nó borromeu, levando-o ao estudo das complexidades maiores dateoria dos nós. (Evans, 1996: 207-8)

LACAN E A CRÍTICA PÓS-ESTRUTURALISTAÀ SUA PSICANÁLISE

Dosse localiza no ano de 1966 o apogeu do movimento estruturalista.É neste ano que Derrida apresenta as primeiras críticas ao estruturalismo deLévi-Strauss, o que o levará às posições teóricas que serão identificadascomo pós-estruturalistas. (Dosse, 1991) Além de Derrida, também Foucault,Lyotard e Deleuze, para citar apenas alguns nomes de maior destaque, en-grossarão progressivamente as fileiras da crítica pós-estruturalista, que aca-bará incluindo entre seus alvos a psicanálise estruturalista de Jacques Lacan.(Peters, 2000: 34)

O pós-estruturalismo questiona o cientificismo das ciências huma-nas, especialmente a pretensão estruturalista de identificar as estruturasuniversais que seriam comuns a todas as culturas e à mente humana emgeral. (Peters, 2000: 39) Rejeita a idéia de que um sistema de pensamentopossa ter qualquer fundamentação lógica (em sua coerência interna, porexemplo). Para os pós-estruturalistas, não existe nenhuma fundação, dequalquer tipo, que possa garantir a validade ou a estabilidade de qualquersistema de pensamento. (Gutting, 1998: 597)

O estudo da resposta de Lacan às críticas pós-estruturalistas exigiriauma investigação especifica. Para os objetivos deste texto, é suficiente ape-nas apresentar, a título de instigação a tal estudo, a impressão de Dosse arespeito: “Após ter apoiado seu retorno a Freud na lingüística saussuriana,nos anos 50, Lacan acompanhou o refluxo do estruturalismo ao se distanciardesse ponto de sutura a fim de se orientar cada vez mais na direção datopologia, dos nós, dos toros...”. (Dosse, 1991: 421) Fica aqui a provocaçãoaos interessados em levar adiante esta indagação.

Ocorre neste momento o abandono do recurso freudiano à evocaçãode analogias, às vezes até bastante forçadas, entre elementos da teoriapsicanalítica e noções importadas das ciências naturais. Ao substituir estasnoções, sustentadas em observações empíricas, por elementos simbólicosextraídos da matemática, Lacan está ao abrigo da pretensão estruturalistade dar, por esta via, uma fundamentação científica às chamadas ciênciashumanas, candidatando-se, assim, a psicanálise, ao reconhecimento desemelhante fundamentação epistemológica. A álgebra se presta especial-mente a esta pretensão teórica por ser o ramo da matemática que reduz asolução de problemas à manipulação de expressões simbólicas nas quaisdiferentes elementos abstratos mantêm entre si uma relação necessáriadefinida pela estrutura a que pertencem. No caso de Lacan, esta estrutura éo Inconsciente, pensado como estruturado como uma linguagem. Ele estápropondo uma formalização da psicanálise, endereçada a reformular sua fun-damentação epistemológica, semelhante à que Lévi-Strauss propõe na suaantropologia estrutural. (Evans, 1996: 7)

O Esquema lacaniano consiste num número de pontos conectados porum número de vetores. Cada ponto num Esquema é designado por um dossímbolos da álgebra lacaniana, enquanto os vetores mostram a relação estrutu-ral entre estes símbolos. Os Esquemas podem ser vistos como uma primeiraincursão consistente de Lacan no campo da Topologia. (Evans, 1966: 168-9)

A Topologia foi originalmente chamada analysis situs por Leibniz, cons-tituindo um ramo da matemática que formaliza as propriedades das figurasno espaço (continuidade, contigüidade e delimitação) que são preservadassob qualquer deformação contínua. Ela utiliza a noção de espaço topológico,que não se limita ao espaço euclidiano clássico, de duas ou três dimensões(superfície ou volume, respectivamente). Desta maneira, a definição de umespaço topológico dispensa qualquer referência a distância, tamanho, áreaou ângulo, baseando-se apenas sobre um conceito de proximidade ou vizi-nhança. Enquanto o Esquema L e os demais produzidos na década de 50podem ser vistos como uma primeira incursão lacaniana na Topologia, asformas topológicas propriamente ditas só se tornam proeminentes em seu

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e nas artes plásticas, onde diferentes estilos e padrões estéticos convivemna mesma obra, para imaginar uma “clínica pós-moderna” na qual não hácontradição a priori entre o emprego simultâneo, por alguém em busca dealívio do seu mal-estar, de medicação de acordo com os preceitos da psiqui-atria baseada em evidências, de uma terapia familiar de orientação sistêmica,de uma terapia cognitivo-comportamental individual e de uma psicanáliselacaniana. Para sustentar indignação racional perante esta proposta devería-mos poder articular uma resposta consistente, a partir da filosofia pós-mo-derna, à antiga indagação ingênua: – “E por que não?”.

CONCLUSÃONo percurso deste texto procurei traçar alguns pontos de referência

para uma interrogação a respeito da prática clínica contemporânea entendi-da a partir do referencial teórico lacaniano, indagando especialmente a res-peito das implicações dos modelos topológicos lacanianos para uma pers-pectiva epistemológica da teoria e da prática clínica pensadas à luz da filoso-fia dita pós-moderna. Embora se possa dizer, com Latour, que “nunca fomosmodernos” (Latour, 1991), também podemos dizer hoje que nunca fomos tãopós-modernos. Considero esta reflexão imprescindível para uma prática clí-nica em dia com sua época.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENETI, A. (1991) “Psiquiatria lacaniana”? In: Quinet, A. (org) Jacques Lacan: apsicanálise e suas conexões. Rio de Janeiro: Imago; 1993. pp. 26-7.

BOFF, AA. Da interpretação à interpretação psicanalítica: introdução a uma pers-pectiva histórica do intricado epistemologia – hermenêutica – psicanálise.Projecto – Revista de Psicanálise 5(6): 153-75, 1996.

DOSSE, F. (1991) História do estruturalismo. Vol. 2. São Paulo: Ensaio; 1994. pp.32, 51, 91.

EVANS, D. (1996) An introductory dictionary of lacanian psychoanalysis. NewYork: Brunner-Routledge; 2003.

GUTTING, G. “Post-Structuralism.” In: Craig, E. (org) Routledge encyclopedia of

A PSICANÁLISE ESTRUTURALISTA NO CENÁRIO DAEPISTEMOLOGIA PÓS-MODERNA: CONSEQÜÊNCIAS PARA A CLÍNICA

Podemos dizer que Lacan não teve medo de pensar e de dizer o quepensava mesmo quando as conseqüências deste dizer fossem as piores.Também nos exige o mesmo exercício de coragem poder pensar a clínica doséculo XXI tentando levar a todas as suas conseqüências as reflexões dafilosofia pós-moderna, já uma quarentona parisiense. Isto me diz que nãopodemos argumentar, sob esta ótica, pela superioridade a priori de qualquerdos discursos que se apresentam hoje na clínica, seja ele o discurso dapsicologia cognitiva, das terapias sistêmicas, da psiquiatria baseada em evi-dências ou da psicanálise lacaniana.

Da mesma forma, é possível pensar, a partir de Lacan e do discursoda filosofia pós-moderna, não só uma psicanálise lacaniana como tambémuma psiquiatria de orientação lacaniana. Tratar-se-ia de “reinventar a clínicapsiquiátrica” levando em conta “…não somente os ensinamentos da psica-nálise, mas sobretudo uma orientação e uma posição diante do doentemental: uma clínica psiquiátrica que não desconheça o sujeito e que o toqueali no ser doente (…) Trata-se de uma posição oposta à do psiquiatra bioló-gico que, inserido no discurso universitário, a partir do seu saber toma opsicótico (e o neurótico) enquanto objeto (doença = doente). Uma clínicacom psicóticos que leve em conta, mais além do fenomenológico, o aspectoestrutural, o diagnóstico estrutural e as ‘saídas possíveis’ para o sujeito nosentido de suas ‘estabilizações’ (metáfora delirante / obra / e passagem aoato), sem desconhecer a importância da ‘prótese química’ (uso depsicofármacos) nessas situações, ou seja, uma clínica que maneje decidi-damente, sempre considerando o sujeito aí em questão, impasses como‘internamento hospitalar’, ‘uso de medicamento’, ‘altas hospitalares’, ‘cria-ção da demanda de análise’, etc”. (Beneti, 1991)

Ainda podemos tomar inspiração no sincretismo religioso do brasilei-ro, no seu cotidiano recurso simultâneo a crenças religiosas racionalmenteincompatíveis entre si, ou na tendência estética pós-moderna na arquitetura

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A ESPERTEZA DO INCONSCIENTE

Silvia Carcuchinski Teixeira

No ano em que escreveu o Seminário ”O ato psicanalítico”, Lacanescreveu também algumas conferências, entre elas “O engano dosujeito suposto saber”1, a qual servirá como pano de fundo para abor-

dar algumas questões sobre as formações do inconsciente, mais propria-mente sobre o witz ou a tirada espirituosa.

Lacan inicia a conferência com a frase: O que é o inconsciente? Apartir daí, nos joga num emaranhado de questões que julgávamos tranqüila-mente compreendidas e nos remete a outros conceitos e textos. Vou medeter na questão do witz, ou seja, da tirada espirituosa ou chiste, pois éatravés dele e de outras formações como os sonhos, lapsos, esquecimentosque, durante a análise, a verdade aparece. No texto “A verdade surge daequivocação”2, Lacan comenta as idéias de Santo Agostinho sobre a signifi-cação da palavra e de que maneira a palavra tem relação com a significação,como o signo se relaciona ao que ele significa. Na medida em que apreende-mos a função do signo, somos remetidos sempre do signo a outro signo e aoutro e mais outro, enfim a uma ordem inteira de signos, pois “a linguagemsó é concebível como uma rede, uma teia sobre o conjunto das coisas,sobre a totalidade do real. Ela inscreve no plano do real esse outro plano aque chamamos aqui o plano do simbólico” (p.299).

Ainda de acordo com a demonstração agostiniana, a questão da ade-quação do signo ao que ele significa nos deixa diante de um enigma. Esseenigma não é nada senão o da verdade. Mais ainda, quando compreende-mos o que se exprime pelos signos da linguagem é sempre graças a algumaluz que é trazida de fora dos signos, seja por uma verdade interior que nospermite reconhecer o que é trazido, seja pela apresentação de um objeto

1 LACAN, Jacques. Outros Escritos , Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2003.2 LACAN, Jacques. Seminário 1 Os Escritos Técnicos de Freud, Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed.,1986.

philosophy. London/ New York: Routledge; 1998.LACAN, J. (1945a) “O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada.” In:

Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1998._____. (1945b) “O número treze e a forma lógica da suspeita.” In: _____. Outros

escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2003._____. (1948) “A agressividade em psicanálise”. In: _____. Escritos. Rio de Ja-

neiro: Jorge Zahar; 1998._____. (1954) O seminário. Livro 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1979. pp. 256;

308._____. (1955) O seminário. Livro 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 1985. p. 142.LATOUR, B. Nous n’avons jamais été modernes: essais d’anthropologie

symmétrique. Paris: La Découverte; 1991.LÉVI-STRAUSS, C. (1945) “A análise estrutural em lingüística e antropologia.” In:

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MAFRA, TM. A estrutura na obra lacaniana. Rio de Janeiro: Companhia de Freud;2000. p. 193.

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ROUDINESCO, E. (1986) A história da psicanálise na França. Vol 2. Rio de Janei-ro: Jorge Zahar; 1988. p. 608.

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uma certa depreciação – é leviandade, falta de seriedade, extravagância,capricho4”. O que será que Lacan quer dizer com isso? E o que acontececom o espírito? Diz que devemos nos deter diante dele, porque é convenien-te deixar com ele as suas ambigüidades. Talvez ele queira dizer que existasemelhança, que possa ser como alguém que com uma boa conversa nosvenda gato por lebre? Ou seja, podemos ser enrolados num certo sentidopela lábia, pela conversa de uma pessoa espirituosa? Ou que a mensagememitida pode provocar equívocos?

O wit da tradução inglesa é ainda mais ambíguo que o witz e até queo sprit em francês. Wit se traduz por juízo, razão, habilidade, perspicácia,imaginação, graça, humor, pessoa espirituosa.5 Wit também é a habilidadede combinar palavras, idéias para produzir um tipo de humor inteligente (theability to combine words, ideas, etc to produce a clever type of humour).6

Portanto, é uma palavra que permite muitas interpretações, ao mesmo tem-po em que insiste na questão da engenhosidade, do lado pitoresco e ambí-guo das coisas, que a tirada espirituosa sempre nos remete pensar.

Lacan nos pede para lermos o livro de Freud “Os chistes e sua relaçãocom o inconsciente”, e nos adianta que neste Freud trata da técnica dochiste, da técnica verbal, da técnica do significante e que é a partir da últimaque Freud deslinda verdadeiramente o problema.

Freud organizou o livro dos chistes em três partes: A- analítica; B-sintética; C- teórica. Na primeira parte, mais propriamente na introdução,Freud nomeou vários escritores que discutiram sobre o tema, entre eles, onovelista Jean Paul Richter e os filósofos Theodor Vischer, Kuno Fischer eTheodor Lipps, sendo a abordagem do cômico o ponto comum entre eles aotratar sobre o chiste. Outras curiosidades são algumas definições, como porexemplo: “Um chiste é um juízo lúdico”, para Fischer. “Fazer chistes é simples-

4 LACAN, Jacques. Seminário 5 As Formações do Inconsciente, Rio de Janeiro: JorgeZahar Ed., 1999.5 HOLLAENDER, Arnon. The Landmark Dictionary, São Paulo: Moderna, 1996.6 HORNBY, A.S. Oxford Advanced Learner’s Dictionary of Current English, Oxford UniversityPress, 1995.

colocado com um signo de forma repetida e insistente. Santo Agostinhoargumenta que a palavra pode ser enganadora e, como tal, afirmar-se comoverdadeira para o que escuta. Para o que diz, a coisa é diferente e para issovai servir-se da tapeação como apoio da verdade que trata de dissimular.Para sustentar a mentira é necessário o controle correlativo da verdade. “Épreciso ter boa memória quando se mentiu”. (p.300)

Nada é mais difícil de fazer do que sustentar uma mentira, mas esseainda não é o verdadeiro problema. O verdadeiro problema nesse caso é o doerro. O erro é definível em termos de verdade, ele é a encarnação habitual daverdade. Enquanto a verdade não for inteiramente revelada, será de sua natu-reza propagar-se em forma de erro. Continuando, vimos que a tapeação só ésustentável em função da verdade e que o erro é a manifestação comum daverdade. E como é que iremos detectar o erro no interior da palavra?

O erro se demonstra é no fato de que em algum momento entra emcontradição. É no discurso que a contradição estabelece a separação entrea verdade e o erro. “O discurso do sujeito se desenvolve normalmente – istoé Freud - na ordem do erro, do desconhecimento, e mesmo da denegação –não é bem a mentira, é entre o erro e a mentira”.3 Durante a análise, nessediscurso que se desenvolve no registro do erro, algo acontece por onde averdade faz irrupção, e não é a contradição. Na análise a verdade surge peloque é o representante mais manifesto da equivocação – o lapso, a ação quese chama impropriamente falhada. Nossos atos ditos falhados são atos muitosbem sucedidos, pois as palavras confessam, apesar de seus tropeços, averdade que não sabemos que sabemos. No interior do que se chamamassociações livres, imagens do sonho, sintoma, manifesta-se uma palavraque traz a verdade. Passamos agora a questão do witz, na tentativa de com-preender como se dá sua articulação ao inconsciente.

O witz se traduz por tirada espirituosa ou chiste, mas witz tambémquer dizer espírito (sprit), na acepção de graça, espirituosidade, como tam-bém de intelecto, engenho. “A tirada espirituosa é, vez por outra, objeto de

3 LACAN, Jacques. Seminário l Os Escritos Técnicos de Freud (p.302)

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É na mensagem que vem à luz o sentido, a verdade do inconsciente.Mas essa verdade não vem inteligível, declarada, no discurso do ser falante,ela vem mascarada de representações. Mas qual é o propósito disso?

Segundo Aurélio8 mascarar significa dissimular, tapar, ocultar, disfar-çar com máscara. Talvez aí resida a esperteza do inconsciente, uma vez quea tirada espirituosa é organizada segundo as mesmas leis que encontramosnos sonhos. Essas leis são a condensação, deslocamento e a necessidadede encenação, segundo Lacan9 (p. 52).

Observem as flechas do grafo, não existe tirada espirituosa entre B eB’. A tirada espirituosa ocorre quando o Outro alinha a mensagem ao código.É necessário que alguém se aperceba que a mensagem precisa ser decifra-da, que ela contém um significante, senão é apenas o efeito cômico que seproduz. A tirada espirituosa tem relação com alguma coisa que se situa nonível do sentido, que se prende à verdade que só é vista quando se olha paraoutro lugar.

Como definir esse Outro? Primeiro, é preciso que tenhamos diante denós um sujeito real. Segundo, que é na direção do sentido que a tiradaespirituosa desempenha seu papel. O sentido só pode ser concebido emrelação à interação entre o significante e uma necessidade. Terceiro, asimagens apresentam-se na economia humana num estado de desconexão,que permite todos os tipos de trocas, deslocamentos, condensações quevemos no princípio das manifestações mais diversificadas que constituemum rol de possibilidades no que se refere às inter-relações entre o homem eo seu meio. Talvez seja através da imagem do outro que o homem encontreo referencial, a unificação de seus movimentos mais elementares, e sejamessas imagens caoticamente organizadas na espécie humana que possibi-litem o manejo significante.

8 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Rio deJaneiro: Ed. Nova Fronteira, 1986.9 LACAN, Jacques. Seminário As Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEd., 1999.

mente jogar com as idéias” Jean Paul Richter. Já outro filósofo Theodor Vischerdefine o chiste como a habilidade de fundir várias idéias tanto em seu con-teúdo como no seu nexo.

Freud7 lembra também que existem outras idéias para descrever oschistes, são as seguintes: “um contraste de idéias, sentido no nonsense,desconcerto e esclarecimento”(p. 24) e desenvolve essas idéias trazendodefinições de vários autores como Kraepelin, Lipps, Kant, etc. No capítulosobre a técnica introduz o tradicional chiste de Heine “Familionário” e ilustraquestões sobre o efeito cômico e a brevidade que deve nortear um chiste,além de descrever de forma incansável, vários tipos de chistes e suas res-pectivas técnicas de condensação, múltiplo uso do mesmo material, duplosentido, deslocamento.

Ainda na parte analítica, trabalha os propósitos dos chistes, nos reve-lando que um chiste pode ter um fim em si mesmo, não servindo a nenhumobjetivo em particular; são os chistes inocentes. Outros, os tendenciosos,têm um propósito, serve a um fim, que pode ser de caráter hostil ou obsceno.A parte sintética se dedica ao mecanismo do prazer, a origem do witz nosjogos de palavras infantis e também aos motivos dos chistes, bem como deseu processo social. A terceira e última parte, aborda a relação dos chistescom o sonho e o inconsciente e as espécies do cômico.

Voltando às questões de Lacan, no Seminário sobre “As formações doinconsciente”, sobre a tirada espirituosa, ele nos demonstra um grafo onde:

7 FREUD, Sigmund. “Os chistes e sua relação com o inconsciente”, Edição Standard Brasi-leira das Obras Psicológicas Completas , Rio de Janeiro, 1977.

TEIXEIRA, S. C. A esperteza do inconsciente.

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graça nas piadas contadas em outras línguas, uma vez que não somos damesma paróquia. A maneira como se constitui esse Outro, no plano datirada espirituosa, é o que Freud chama de censura e diz respeito ao senti-do. O Outro se constitui como um filtro que cria obstáculos ou que põe emordem àquilo que pode ser aceito ou ouvido. O chiste torna audíveis coisasque não podem ser ouvidas em outro lugar.

O significante antecipa o sentido? Melhor dizendo, se antecipa aosentido – desdobrando como que adiante dele sua dimensão, pois é na ca-deia significante que o sentido insiste, apesar de nenhum dos elementosdela consistir na significação. Isso nos demonstra a noção de umdeslizamento do significado sob o significante, é o que nos dá a entenderLacan no texto A Instância da Letra no Inconsciente. A suscetibilidade degerar novos sentidos se dá por intermédio daquilo que conhecemos por figu-ras de estilo – denominadas metáfora e metonímia. A dimensão metafóricacorresponde à condensação, enquanto a dimensão metonímica ao desloca-mento.

O que está em jogo na tirada espirituosa são essas imagens acústi-cas e visuais que se tornaram elementos significantes mais ou menos usu-ais, que Lacan chamou de tesouro metonímico. Afirmou também que essetesouro metonímico o Outro o detém; supôs que o Outro conhecesse amultiplicidade das combinações significantes purificadas quanto à significa-ção. Disse tratar-se de tudo o que a linguagem traz em si, que se manifestanos momentos de criação significativa, e que já está nela em estado latente,e, portanto, trata-se de despertar no Outro, de dirigir-se a ele na medida emque se supõe já repousar nele aquilo que fazemos entrar em jogo em nossatirada espirituosa.

É importante saber que quem é o Outro se coloca entre dois pólos.Além de precisar ser real (de carne e osso) é necessário que seja quaseanônimo para se poder atingi-lo, suscitando o seu prazer ao mesmo tempoem que o nosso. O que há entre esse real e esse simbólico é a função doOutro, é o Outro como lugar do significante, desse lugar que faço surgir umadireção de sentido, um passo-do-sentido.

A tirada espirituosa faz parte da fala, da linguagem, no duplo registroda metonímia e da metáfora. Relembrando, a metáfora consiste em atribuir auma pessoa ou coisa uma qualidade que não lhe cabe logicamente. É, pois,uma transferência de significado de um termo para outro e se baseia emsemelhanças, que o emissor da mensagem encontra entre os termos com-parados. Portanto, é uma comparação de caráter subjetivo. Já a metonímia éa substituição de um termo por outro que com ele apresente relação desentido lógica e constante. Exemplo: o nome do autor substitui a obra; onome do continente substitui o conteúdo; o efeito substitui a causa, etc.

No momento da tirada espirituosa, nos diz Lacan, o que se produzentre mim e o Outro é como uma comunhão entre o pouco-sentido e o não-sentido (pas-de-sense). Ele quer dizer que se dirige ao Outro através de umaforma, que se constitui daquilo que em Freud é chamado de inibição. Dito deoutra forma, para que minha piada possa comunicar alguma coisa ao Outro,possa fazer o Outro rir, é preciso que ele entenda o sentido, pelo menos umpouco, senão a piada fica sem graça. Talvez seja por isso que não achamos

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ro, poder, saber, até pela religião. Propõe que a felicidade suprema do ho-mem está nas loucuras que comete, dessa forma exalta a loucura comolibertação, não se preocupando em patologizá-la, dando um tratamento aotema que ressalta o desbordamento da norma, do que deve ser contido,formatado, calculado, seguro, legal.

Erasmo diz que a loucura livra das preocupações, sendo a única ca-paz de alegrar os deuses e os mortais. Particularmente, ela não nutre ne-nhuma simpatia pelos sábios, sendo que convém à loucura ser o arauto dopróprio mérito e fazer ecoar por toda parte os seus próprios louvores. Isso secontrapõe à conduta de muitos sábios do mundo, que subornam qualqueradulador para elogiá-lo, “fazendo de uma mosca um elefante”.

“A Loucura não se define, pois não tem um justo limite, nem sedivide, pois é separar-se em várias partes. Não existe em mimsimulação alguma, mostrando-me eu por fora o que sou no co-ração. Sou sempre igual a mim mesma, sem disfarce.” (Erasmo:1508; p.16)

Não haveria na loucura o dom de iludir. A loucura poderia ser transpa-rente em todos na medida em que não tem limite, apresentando-se como umcaleidoscópio. Por vezes, parece-lhe oportuno imitar os retóricos dos nos-sos dias em que se perpetuam outras tantas divindades, que podem gabar-se de outras línguas como a sanguessuga e consideram coisa maravilhosainserir nos discursos, mesmo fora de propósito, palavrinhas gregas, a fim deformarem belíssimos mosaicos.

De sua origem, a loucura se diz filha do prazer e do amor livre. Parajustificar e perpetuar a espécie humana, a loucura se valeria do esquecimen-to, pois quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial se, antes, comocostumam fazer em geral os filósofos, refletissem bem nos incômodos queacompanham essa condição? Qual é a mulher que se submeteria ao deverconjugal, se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas doresdo parto e as penas da educação? Só mesmo pelo esquecimento o matrimô-nio pode ser um sonho a realizar pelos humanos. Por outro lado, que seriaesta vida, se é que de vida merece o nome, sem os prazeres da volúpia...

O AVESSO DO AVESSO DA LOUCURA

Sueli Souza dos Santos1

Esse escrito é uma pequena reflexão, que parte do Seminário O atopsicanalítico” de Lacan, inspirado no texto de Erasmo de Rotterdamsobre o “Elogio da loucura”. Procuro fazer alguns enlaces com Miguel

de Cervantes que, de forma brilhante, trabalha o triunfo da desrazão de D.Quixote sobre as razões do homem comum, e como podemos, desde apsicanálise, pensar as diferentes formas de falar da dor psíquica.

PORQUE A LOUCURA NOS INTERESSA, INQUIETAE POR VEZES É TÃO ESTRANHA E FAMILIAR?

A sabedoria dos loucos, dos visionários, dos lunáticos, dos aventurei-ros, dos descobridores, alargou o conhecimento do mundo. A sabedoria dasloucas, das bruxas, das encantadoras, das sereias e serpentes, das mulhe-res insurretas, rompe o sentido único da conquista dos homens pela loucurado poder e revela o mistério de que sempre, mais além do poder, está umprazer escondido que não se sabe qual é, mas há que ser buscado.

A LOUCURA É FEMININA?Erasmo de Rotterdam (1467-1536) se debruçou sobre o tema, dando

voz feminina à loucura. Religioso, ingressou no convento de Los Canônicosregulares de Emmaus e se ordenou sacerdote. Foi um dos principais repre-sentantes do humanismo renascentista de sua época. Esteve no centro demuitas das discussões filosóficas, principalmente em torno do problema dolivre arbítrio. O que pretendia era encontrar um justo meio que, ao mesmotempo em que salvasse a liberdade, confirmasse a religação do homem comDeus. Será que por isso os loucos costumam falar com Deus? Mas nãosomente os loucos, não é assim?

Erasmo, em o “Elogio da loucura” faz uma sátira mordaz, da socie-dade do século XVI. Para ele, a loucura domina o mundo; loucura por dinhei-

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1 Psicanalista; Membro do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre, CEP de PA.Diretora da Clínica Psicanalítica e do CEP de PA.

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tica com um famoso mestre Juan López de Hoyos, em Madri. Teve uma vidaboêmia e aventuras de toda espécie.

Por força de sua própria história, Cervantes, em seu anseio de aventu-ra, provocou inúmeros dramas pessoais, e deu vida a Dom Quixote. Suainsatisfação o levava sempre a um outro lugar; assim, foi para Madri, Itália,Portugal, participou de batalhas e expedições militares, foi feito prisioneirovárias vezes. Para sobreviver, trabalhou em vários cargos públicos; em 1597,como coletor de impostos, foi acusado de corrupção, sendo condenado maisuma vez à prisão. Aí começou a escrever a primeira parte de Dom Quixote,que seria publicado em 1604 pela primeira vez, sendo um sucesso, postoque neste ano foram esgotadas cinco edições.

Por seu humor, Cervantes sublima a miséria humana elevando o indi-víduo. A maioria das novelas do autor aborda os temas da generosidade, doegoísmo, da avareza, da nobreza de espírito, da liberdade e da união místi-ca e social, denunciando a dicotomia fundamental entre o elemento real eo ideal. A criação de Dom Quixote devolve ao homem a fé, a ilusão, a fanta-sia, o sonho da vontade de construir um mundo melhor.

Freud descobre em Cervantes a imaginação triunfante sobre o mundoracional. Na história, por tanto ler e imaginar, Dom Quixote foi se distancian-do da realidade, não distinguindo mais em que dimensão vivia. Ao mesmotempo em que Dom Quixote se embretava em devaneios, tinha em seu fielescudeiro, Sancho, um ancoradouro que fazia a religação com a realidadeobjetiva, reconduzindo-o ao reencontro com a dimensão da verdade subjeti-va. Teria Sancho uma função analítica?

Os personagens criados por Dom Quixote, sua amada Dulcinéia, osnobres, os monstros, os bruxos, os gigantes e tantos outros, faziam partede sua realidade e do sonho dos dois, Cervantes e Dom Quixote. Sonho dedefesa dos inocentes, dos fracos, combatendo a arrogância, a injustiça,sendo toda a obra perpassada por esta mescla entre o sonho e a realidade;ou seria uma louca realidade?

DOM QUIXOTE PRECISA FALAR A SANCHOTomar o texto de Dom Quixote para algumas articulações com a

psicanálise é um trabalho que, desde logo, nos coloca frente à castração,

A meu ver, diz Erasmo: Loucura é o mesmo que sabedoria. Por acasohá só um dia na vida que não seja triste, desagradável, fastidioso, enfado-nho, aborrecido, quando não é animado pela volúpia? Para ele, a volúpia é ocondimento da loucura?

Quanto mais o homem se afasta da loucura, menos goza dos bens davida chegando à velhice, tão insuportável para si como para os outros. Quan-do a trôpega velhice coloca os homens à beira da sepultura, a Loucura diz:“eu os faço de novo meninos. De onde o provérbio: Os velhos são duas vezescrianças.” (Erasmo: 1508; p.25)

Erasmo vai dizer que a loucura torna as mulheres amáveis. Por isso,como os homens foram nascidos para administração dos negócios, temaumentado um pouco a razão. A Loucura, consultada sobre esse inconveni-ente, aconselha a Júpiter que desse uma mulher ao homem, porque, embo-ra seja a mulher um animal inepto e estúpido, não deixa, contudo, de ser maisalegre e suave, e, vivendo familiarmente com o homem, saberia temperar comsua loucura o humor áspero e triste deste. Mas se, porventura, a mulher meterna cabeça a idéia de passar por sábia, só fará mostrar-se duplamente louca.

“EL MONO AUNQUE SE VISTA DE SEDA MONO SE QUEDA2”.Assim a mulher é sempre mulher, isto é, sempre louca, seja qual for a

máscara sob a qual se apresente. A loucura torna as mulheres mais felizesque os homens. Os homens tudo concedem às mulheres por causa da volúpia,por conseguinte, é só pela loucura que as mulheres agradam os homens.(Erasmo: 1508; p.33)

Por outras vias segue o pensamento de Cervantes, não falandodiretamente da loucura, mas a tangencia, buscando dar outros sentidosa um mundo em transformação, onde o homem deixa de ser o centro douniverso. Cria personagens que vão se movimentar entre sonho e realidade,onde se confundem novos e antigos valores, princípios, ética, delírio e verdade.

Miguel de Cervantes Saavedra nasceu na cidade de Alcalá de Henares,na Espanha, em 29 de setembro de 1547. Filho de um barbeiro endividado,ninguém sabe se fez escola ou universidade, mas estudou retórica e gramá-

2 Ditado catalão: “O macaco, mesmo vestido de seda, continua macaco.”

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e se apropriar de seu poder; quer por agradar a Deus, o Outro, purificando aterra.

É preciso falar para alguém – a Sancho Pança – para que, ao falar,dizendo de si, retorne-lhe uma resposta que o recoloque frente as suas su-postas razões; ou que possa, pela resposta do escudeiro, asseverar seulugar de destemido, fidalgo e nobre, reafirmando-se.

A própria fala aponta a castração, na medida em que o falar supõefalar para um Outro, para ser ouvido e ser respondido. Isso equivale a dizerque na fala sempre está presente uma ausência, um buraco de silêncio, poisnão há palavra justa que corresponderia a seu desejo. Por isso se diz que afala subentende o desejo e a castração. Falamos para alguém, isso revelaum corte em que o sujeito se desprende e se recobra, na tentativa de umatradução de algo que não sabe que o diz.

Falamos, escrevemos, sonhamos para um Outro. Há sempre umaoutra cena velada no interdito. Sempre um discurso metonímico entremeianossa possibilidade de dizer qualquer coisa de si, que está para além do quepode ser, para além do ser. O que é da ordem da loucura, do ideal ou do real,está para sempre marcado como impossibilidade de encontro. Isso baliza oato analítico.

Voltando a Erasmo:“O que é a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparecediferente de si mesmo cada qual representa o seu papel sem-pre mascarado. O mesmo ator aparece sob várias figuras, tudoneste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência,mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode serrepresentada de outra forma.” (1508; p.49)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CERVANTES, Miguel de. O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha. BeloHorizonte: Villa Rica Editoras Reunidas Ltda, 1991.

LACAN, J. (1955).O seminário 3 - As Psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,1985.

ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. São Paulo: Editora Escala.

tamanho leque de possibilidades de análise. O prazer de ler esta obra de perse, nos arrasta na rede dos delírios, desfrutando das delícias do contra-senso. Aos poucos somos tomados pelas tramas, dramas e sofrimentosque tanto o “Cavaleiro da triste figura” como seu fiel escudeiro padecem.Sofremos com suas desditas e tomamos suas dores contra a crueldadedaqueles pobres de espírito, que não compreendem a imensa generosidadee senso de justiça do bravo fidalgo em sua desrazão.

Para a tarefa que me proponho por hora, parto de algumas questõesconcernentes aos paradoxos no sujeito entre a fala e a linguagem na psico-se. Seguindo a experiência freudiana, pensa Lacan (1985), o ponto de parti-da do conhecimento é estruturado a partir da fala daquele que procura análi-se para contar sua história, e por aquilo que o analista fará com o que escuta.

Pensemos sobre a necessidade da fala e a linguagem, partindo de umpequeno recorte do capítulo VIII, no primeiro volume da obra, dos entreverosentre Dom Quixote, Sancho e os inimigos imaginários.

“– A ventura vai guiando nossas coisas melhor do que podería-mos desejar, porque ali vês, amigo Sancho Pança, trinta desa-forados gigantes, ou pouco mais, a quem penso combater etirar-lhes, a todos, as vidas, e com cujos despojos comecemosa enriquecer; será bom combate e grande serviço prestado aDeus o de extirpar tão má semente da face da terra.– Que gigantes? – disse Sancho Pança.” (Cervantes:1991;p.71)

Dom Quixote, em seu delírio, encontra inimigos a combater, purifi-cando a terra e louvando a Deus. Falar a Sancho põe às claras de onde vemsua fala. Há uma outra cena em ação, onde gigantes estão em posiçãotalvez de desafio, mas que, independente do que sejam em verdade, evo-cam desde o inconsciente o mundo imaginário, onde está mergulhado e deonde é convocado o fidalgo.

A possibilidade de falar, colocando para seu interlocutor, Sancho Pan-ça, o porquê de sua necessidade de combate aos inimigos imaginários, quesurgiram “de algum lugar”, parece revelar a emergência do inconsciente, doque está recalcado, ou seja, a castração; quer pela via de combater inimigos

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Antes dos cruzamentos, tínhamos os três grandes triângulos. Sabe-mos que, na psicanálise, o número três é fundamental. Nós temos a possi-bilidade de manter um diálogo – cuidem esta palavra – biunívoco. É um dois,que faz um.

Eu posso dirigir-me ao outro (o semelhante), supondo que eu sei tudoo que ele pensa. Isto acontece muitas vezes: nas relações simbióticas, nosfenômenos de massa... Está claro que quando isto acontece o sujeito seapaga. Para ele emergir é preciso que, neste remetimento ao outro, eu abrao mínimo de desconhecimento, para que algo de sua subjetividade, que sempresurpreende, apareça. Este ponto entre eu e o outro é um terceiro saber. Algoque regula nosso diálogo e serve como instância que ninguém domina, masnos remete a um outro lugar como lugar de conhecimento2. Isto pode – edeve – estar posto na fala da mãe quando ela se dirige a seu bebê3. Sobretu-do porque este lugar, como instância do saber, situa principalmente os limi-tes da subjetividade, interditando alguns gozos e, daí em diante, permitindooutros. Supomos, inicialmente, que este lugar realmente é um domínio desaber, ou melhor, na língua de Lacan, que há, no Outro, saber. Poderemos,adiante, verificar esta proposição.

Ora, a proposta atual de alguns autores no campo psicanalítico, comoMelman (2003) e Calligaris (1994), é de que, em nossa cultura, este lugarsuposto saber (o Outro em Lacan) não existe mais, de que não há maneirade encontrar um fundamento que possa reger – ao menos desta forma tradi-cional – nossa relação com o mundo4. Ou seja, não temos mais “grandes”

2 Este terceiro conduz-nos à apropriação linguageira de Lacan do Édipo, razoavelmentefenomenológico de Freud.3 Sobre a função paterna estar contida na fala da mãe, v. estudos de Bergés e Balbo,referidos no final do texto.4 Esta situação empresta às relações internacionais a mais difícil das tarefas. Dificilmente, osorganismos diplomáticos conseguem achar um fundamento ético que não seja etnocêntricopara interferir em dadas situações. Nem em um último resquício, que seria o corpo: bastaolharmos algumas situações ritualísticas localizadas que violam o corpo. Caímos, certamen-te, ou em alguma forma de imposição totalitária – a liberdade, a lógica ou a religião – ou deceticismo – que não deixa de ser menos ideológico, visto sua condição dominante.

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESQUEMA DE LACANPROPOSTO NO DIA SEIS DE DEZEMBRO DE 1967,

NO SEMINÁRIO “O ATO ANALÍTICO”E SEUS EFEITOS ATUAIS.

Felipe Garrafiel Pimentel1

Esquema:

Este esquema é desenvolvido por Lacan a partir do triângulo centralSimbólico – Real – Imaginário. Lacan acrescenta o triângulo interior: a (oobjeto do desejo), Ez (Einziger zug, o traço unário) e (o sujeito doinconsciente), e depois o triângulo exterior: Gozo, Sintoma e Verdade.Remetemos para o seminário “O ato psicanalítico” para uma pormenorizadaanálise destes.

1 Professor de História e colaborador do Laboratório de Filosofia e Psicanálise da UNISINOS.

PIMENTEL, F. G. Considerações acerca do esquema...

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Ficamos com o seguinte esquema:

Primeira conseqüência – e que torna pertinente o esquema lacaniano:perdemos a triangulação. Restou-nos somente um paralelogramo, onde umsujeito desliza (o que já é uma segunda conseqüência: o sujeito não temponto de ancoragem).

Ponto a ponto, podemos destrinchá-lo. O sintoma perde sua relaçãocom o Ez e com o Imaginário, que normalmente referenciava – nem semprepositivamente – o sujeito numa relação especular com o sintoma (a questãodo ego é tomada aqui sob a forma de uma fragmentação e de uma multiplica-ção). A formação sintomática possui assim uma relação direta com o Realsomente, não efetuada sem uma forte dose de angústia, onde – nãoestranhamente – há uma possibilidade de gozo. O não saber – aqui disserta-do, e atualizado no niilismo imperante – não deixa de ser um gozo do Real,de gozar da proximidade da Coisa.

O Real, por sua vez, deixa de ser o lugar que “guarda” o pequeno a,para constituir uma relação com o gozo, ou pela via do sintoma, ou do ima-ginário. Falência do saber que se efetiva nos fenômenos de massa. O que opequeno a guardava do real é agora desviado para o imaginário: o encontrocom o semelhante que tende a produzir coletividade e apagamento do sujei-to (seja na xenofobia, no neonazismo, seja nos homens e mulheres “queamam demais”). Ora, uma relação especular é extremamente uma dimen-são de gozo. A relação do Imaginário com o Simbólico (este como ponto deancoragem) e do traço unário (como referência) é abandonada, deixando umasituação direta entre o Imaginário, o Gozo e o Sintoma. Que sujeito é este?

textos fundadores. Estamos sem norte. De que forma?As conseqüências para o desejo são radicais e instigantes: parece-

nos, à primeira vista, que se tornou possível desejar mais com a queda dosinterditos do gozo; mas, se seguirmos a hipótese freudiana, veremos que oorganizador dos gozos é exatamente o interdito (no caso, o sexual). Estarí-amos numa situação de mais desejo? Ou pelo contrário? Com que critériospodemos avaliar? Fica a questão.

Se pusermos o olhar sobre a atualidade, sobre o discurso que referenciaas relações em nossa cultura5, seja a dos sujeitos entre si, ou a deles comos objetos e valores, poderemos perceber que, no que diz respeito ao gozo,não temos mais limites. Não há um gozo interditado que legitima e autorizaos outros. Desta forma, podemos a partir do esquema de Lacan, investigarquais os efeitos desta transformação ora em curso.

Primeiramente, temos a queda da ordem simbólica que é anunciadapela queda da Verdade. O traço entre Sujeito, Verdade e Simbólico se perde.Como conseqüência, fatal para a estrutura lacaniana, temos o desapareci-mento do triângulo – ou do nó, posteriormente em Lacan, SIR. Mas, conjun-tamente com o Simbólico, cai o ponto de ancoragem do triângulo Ez, a e ..Eles pairariam no ar. Como segue:

5 Fica aqui a ressalva da dificuldade de falarmos de “nossa cultura”. Os atuais debates naantropologia nos colocam questões muito pertinentes. Para tal, v. Rede Abaeté de Antropo-logia Simétrica: www.wikia.com/wiki/c:abaete

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UM PEQUENO EXERCÍCIO DE HÉRÉSIE (RSI)OU, COMO DA RAIZ DE MENOS

UM CHEGAR A UM E MENOS UM

Ricardo Vianna Martins

“Criatura gente é não e questão, corda de três tentos, três tranços.”(G.Rosa)

No Seminário RSI1, Lacan refere-se à heresia, ao mesmo tempo emque joga com a homofonia: R-S-I e “hérésie” (cujas pronúnciascorresponderiam) – heresia, em francês. São as iniciais de Real,

Simbólico e Imaginário, os três elos que compõem o nó borromeu ou cadeiaborromeana, que representa a estrutura do sujeito. Como sabemos, este“nó” se sustenta por três aros livres, e tem no centro o lugar do desejo,chamado de objeto a.

Em “Las estructuras clínicas a partir de Lacan” 2 sobre a “Clínica dasestruturas ou a clínica do objeto a”, mais especificamente sobre o Significanteda falta no Outro onde numa clínica que superasse a ordenação pelo pai,lemos que “(...) a clínica do Édipo, a uma clínica mais além do pai, maisalém do Édipo, que a clínica do objeto a, não corresponderia em substituirum significante por um objeto” (p. 62), mas, de forma neurótica, outrosignificante teria de vir no lugar que seria o significante Nome-do-Pai. Esteseria, como propõe Lacan, o significante da falta no outro .

Assim, conforme Eidelsztein, “... este significante que falta pode, con-tudo ser escrito na forma de raiz quadrada de menos um

O que é P-1?É o que se corresponde como resposta quando se tenta trans-formar a incógnita em uma equação tal como:

X2 +1 = 01 J. Lacan, Seminário 1974/75, lição de 10/12/74.2 Eidelsztein, Alfredo. Las estruturas clínicas a partir de Lacan. Buenos Aires: Letra Viva,2001.

Sujeito que desliza sobre estas instâncias sem ponto de ancoragem.Neste trânsito, vemos um efeito evidente: a multiplicidade sintomática comoflexibilização – patologias mutantes, transtornos borderline (como chama apsiquiatria) e a própria adolescência. Neste deslizamento sobre as instânci-as o sujeito estaca, seja no Real – onde podemos ver o pânico; no Imaginário- na dependência que o sujeito moderno tem do olhar do outro (semelhante)para lhe situar o lugar que ocupa, nos amores que amam demais e nonarcisismo; no Gozo – caso das “manias” (sobretudo a toxicomania) generi-camente.

Estas são somente indicações.A escuta analítica não pode deixar de vislumbrar uma possível muta-

ção em curso, e verificar os esquemas lacanianos, não somente para testá-los, mas para retirar deles os efeitos subjetivos de tais transformações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BERGÉS, J. & BALBO, G. “Há um infantil da Psicose?” CMC Editora, Porto Alegre,2003.

CALLIGARIS, C. Sociedade e indivíduo. In: FLEIG, M. (org.) “Psicanálise e Sinto-ma Social”. Vol.1 Unisinos, São Leopoldo, 1994.

LACAN, Jacques. “Seminario El acto psicoanalitico”. CD-ROM da EscuelaFreudiana de Buenos Aires. Argentina (1995). (Todo seminário)

MELMAN, Charles. “Novas formas clínicas no início do terceiro milênio”. CMCEditora, Porto Alegre, 2003.

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Real: P-1 , o impossível, que não cessa de não se inscrever;

Imaginário: +1 , o Um do sentido;

Simbólico: -1, da dívida simbólica com o pai.

Contudo, só a partir de raiz de menos 1 (P-1) que podemos percor-rer este caminho, pelo menos algebricamente!

Não há nenhuma anomalia nesta última fórmula: é uma fórmula perfei-tamente ajustada às leis matemáticas. Salvo que, para que o resultado sejacorreto temos que estabelecer que:

X2 = -1O problema que se coloca é que nenhum número elevado ao quadrado

pode dar como resultado -1. Aí radica toda questão. (EIDELSZTEIN, 2001. P.62/3)

Eidelsztein, neste capítulo indica que “X = P-1” , não é um número,que possa ser a resposta de tal equação. Trata-se mais de um “programa deprocedimentos”3. Prosseguindo nestes procedimentos, ele coloca os doistermo da equação ao quadrado:

X2 = -1 ou

X2 +1 = 0Até aqui, acompanhamos Eidelsztein.A partir daí, nos ocorreu que, mesmo que nenhum número elevado ao

quadrado possa dar como resultado -1, poderíamos levar esta fórmula maisadiante e tentar extrair dela algo mais.

Se experimentamos, mais uma vez, colocar ao quadrado os dois ter-mos ao quadrado, ou seja, (X2 = -1) 2 chegamos a:

X4 =1Se tirarmos a raiz quatro (4P) dos dois termos da equação obtemos:

onde:

E ainda X= P-1 , como vimos acima.Curioso é que neste programa de procedimentos a partir de um núme-

ro imaginário (P-1) chegamos aos três elementos, os elos que compõem o nó:

3 Conforme o livro “Matemática e imaginação” de Kasner e Newman, APUD Eidelsztein(2001).

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interdita o corpo da mãe (o traço-unário ou o “não” do pai). Esta cena primá-ria permanecerá inacessível. É a falta inaugural, o recalcamento primário(urverdrängung).

E qual será o valor atribuído a “eu sou”? Poderia ser (-1)? (já que serefere a uma falta?) Porém, a falta de que se trata aqui, é a falta “absoluta” aser, se é que se pode pensar em “ser” antes mesmo de ter sido nomeado.Então, propõe-se: ( i ) = (P -1) (raiz quadrada de menos 1). Onde ( i ) nãopertence ao conjunto dos números Reais, sendo por isso considerado inici-almente pelos matemáticos como um número “irreal”, e depois “imaginário”.O ( i ) ou (P -1) pertence aos números complexos. É impossível de serencontrado entre os números naturais e por isso foi atribuído por Lacan aoReal, enquanto que o 1 corresponde à unidade imaginária.

Assim, Lacan toma o cogito em uma série matemática complexa(porque contém um número complexo), convergente (porque a cada três ter-mos retorna à unidade), onde:

1o. Termo = (i + 1)- o futuro sujeito, que, antes de ser nomeado ( i ), estava “na morte”.

Acrescenta-se o nome-próprio (+1). No exemplo de Lacan4, equivaleria aoencontro de Robinson Crusoé com a pegada de Sexta-feira na areia.

2o. Termo = i + 1 = i +1 ( i +1) 2- representa a “divisão inaugural do sujeito, ao ser nomeado”, em Eu

Imaginário / Eu Simbólico (moi / je). Corresponderia ao apagamento da pega-da na areia.

3o. Termo = i + 1 = 2 = 1 i + 1 2 ( i +1)- após a divisão inaugural, o sujeito volta a ser “Um”. Sinal de que

houve a entrada no mundo simbólico. O grande Outro já está instituído. No1 Idem acima.

A HERESIA DE LACAN1

Ligia Gomes Víctora

Várias questões me ocorrem sobre o que Ricardo apontou no seu“Teorema herético”.2

O COGITO LACANIANONo seminário “A identificação”3, Lacan apresentara o número imaginá-

rio [P-1] ou i, na série {i + [1 / i + (1 / i + 1 )]} onde o [P-1] represen-tava o “futurosujeito” anterior à nomeação, ou seja, a falta absoluta a ser.

Se o cogito cartesiano (cogito ergo sum, ou seja: penso, logo sou)representa o nascimento da ciência enquanto método, atesta também sobreo nascimento do sujeito como “coisa pensante” (res cogitans). Lacan utili-zou-se desta operação para tratar da identificação do sujeito consigo mes-mo, ao ser nomeado, ou ao pensar em si como sendo “Um”.

“Eu penso, logo eu sou”. Lacan inverte, pois ao pensar a si mesmo,“eu sou” se determina “só depois”. Então:

“Eu sou”, logo “eu penso”, logo “eu sou”............ logo “eu penso”, logo

“eu sou”......... logo “eu penso”

Como escrever isso matematicamente? Lacan propõe que se dêemvalores para as expressões:

Eu penso = 1Eu sou = ( i ) = (P -1)“Eu penso”em mim como sendo “Um”: corresponderia à nomeação.

“Eu sou Fulano de Tal”, um nome-próprio. Este “Um” é a “pegada na areia”, osinal de que alguém passou por ali. Há uma marca, do nome do pai, que

1 Discussão do texto de Ricardo Martins.2 Debate realizado durante o Seminário de Topologia, na APPOA, dia 28/04/2006.3 Lacan, “A identificação”. Lição de 10/01/62.

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SEÇÃO TEMÁTICA

“Os Fundamentos da Aritmética” iniciam assim:“A questão: o que é o número um? ou: o que significa o sinal 1?Receberá freqüentemente como resposta: ora, uma coisa.E se fazemos então notar que a proposição‘O número um é uma coisa.’”

Seguindo, agora por minha conta, o raciocínio de Frege:– Todos concordam que uma coisa é igual a si mesma?– Sim!– Logo, podemos notar: uma coisa = uma coisa– Logo: 1 = 1– Qual o número que convém ao conceito “igual a si próprio”?– Um, pois 1=1.– Neste caso, o que “não” é igual a si próprio, ou é “diferente de si

próprio”?– Nada!– Se “nada” convém ao conceito “diferente de si próprio”, 0 (zero) é o

número que convém a este conceito!– Logo, podemos notar: 0 = 0

Ora, podemos objetar, nenhum objeto cai sob esse conceito – “serdiferente de si próprio”. Esta exigência só é satisfeita por conceitos quecontenham contradição (heterodoxos).

Por exemplo: se “A” convém ao conceito “ser diferente de si pró-prio”, então A é diferente dele mesmo, ou seja, A = A. Logo, pela lógica,A = 0, pois zero é qualquer conceito sob o qual nenhum objeto cai... (Russellescreveu para Frege em 1902, apontando esta contradição em seu raciocí-nio, e Frege pôs-se a trabalhar novamente, para corrigir esta falha.)

Em “Os Fundamentos da Aritmética”, Frege fez uma crítica a to-dos os matemáticos desde Euclides, em suas teses sobre a gênese dosnúmeros, definiu os números naturais e acrescentou o zero como primei-ro da série.

exemplo de Lacan sobre o encontro entre Robinson Crusoé e Sexta-feira,corresponderia ao esquecimento do apagamento da pegada.

Assim, quando nomeado, o sujeito recebe o (+1), representando onome próprio, e isso faz com que imediatamente se divida em dois: “je” e“moi”, ou, em português: je – o eu simbólico ou eu gramatical, atribuído porLacan ao “eu sou” cartesiano; e moi – o eu imaginário, o “eu penso que sou”cartesiano. Após a divisão inaugural, pelo próprio movimento dos termosinconscientes, retorna à unidade imaginária. Note-se que o próprio passo, ouseja, a pegada do pai no corpo da mãe, fica sempre inacessível, deduz-seque houve “só depois” (o tempo “après-coup”, de Lacan).

DO ZERO AO UM...Sobre isso, me ocorre também a questão do zero e do um, levantada

por Lacan no seminário “O saber do psicanalista”.Como formalizar este passo aparentemente intransponível que leva o

nada à alguma coisa? Como falar de um conceito cuja extensão é o vazio?Sabemos que o zero não existe “concretamente”. Intuitivamente, nós

temos esta noção: basta perceber a falta de algo para pensar uma coisanaquele lugar e preencher a falta... Mas isso foi um grande problema para osmatemáticos de todos os tempos. O zero foi formalizado por Frege5, para quemos números são conceitos, unicamente, “os quais subsumem tanto o externo,o espacial e o temporal, como o que está fora do tempo e do espaço”. Porextensão, podemos dizer que são como os nomes que são atribuídos aosobjetos – em princípio não fazem sentido, é tudo uma questão de código.6

Frege definiu o zero como “aquilo que não é idêntico a si mesmo”.Justificou sua definição do zero em referência à definição de Leibniz de iden-tidade: “o um é aquilo que é idêntico a si mesmo”. Um conceito baseadopuramente na lógica.

5 G. FREGE. “ Os Fundamentos da aritmética”. 1884. Coleção Os Pensadores, volume XXXVI.Ed. Abril, São Paulo 1974.6 Alguém disse que nomes “são iniciais gravadas numa mala”... a mala que a gente carregapela vida afora. Assim como as ditas “estruturas”.

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SEÇÃO TEMÁTICA

nos dá a estrutura do objeto do desejo como objeto sempre buscado, sem-pre perdido. O objeto a, correlato ao zero, ou à falta: assim como o zero estáimplícito à própria estrutura do número, também o objeto do desejo está naorigem de todo sujeito. O desejo do desejo da mãe (no caso, o bebê), assimcomo o zero em relação à seqüência dos números, seria deduzido “só de-pois”, mas tornaria possível a existência do sujeito do inconsciente.

OU DO UM AO ZERO?Para compreender melhor a passagem do zero ao um (que Lacan

defende no seminário “O saber do Psicanalista”), precisamos ter em mente anoção de “cardinalidade”, formulada também por Frege.

Na seqüência dos números cardinais:{0, 1, 2, 3, 4...}Observa-se que a cada número n, sucede outro número n + 1. O 1 é o

“n + 1” do zero, o 2 é o “n + 1” do 1, e assim por diante.O cardinal ( # ) de um conjunto seria o número de elementos que

compõem aquele conjunto. Por exemplo:

# { } = 1 (o cardinal de um conjunto vazio é 1, isto é, o número deelementos que compõem o conjunto é um).

Assim, o 1 é o número cardinal do zero. Corresponde ao conceito “iguala zero” na seqüência dos números naturais. Daí que, ao se afirmar o 1, afirma-se retrospectivamente o 0, ou seja, o número que o antecede imediatamente.

O interessante desta construção de Frege reside em recolocar emquestão, na época, o ponto zero como origem, como um deus criador, queabriria toda seqüência. Para Lacan, isso deu a oportunidade de uma refle-xão sobre a lógica do tempo “só depois” – que coloca a necessidade deuma ausência na origem de toda positividade. Foi neste mesmo sentido queele elaborou sua lógica do significante. A função do corte que se repete napassagem do zero ao um, por identificação ao vazio, também é operante nacadeia significante: seria o que Lacan chamou de “alteridade do significanteconsigo mesmo”. Quer dizer que um significante não poderia se significar asi mesmo.

Em outras palavras, se toda afirmação necessita de uma negaçãoprimordial que a anteceda, da mesma forma a existência de alguma coisanecessita de uma falta anterior. Traduzindo em números: para afirmar queexista um, antes existiu o zero, ou seja, o zero pode ser determinado après-coup pelo um!

Transpondo para a lógica de Lacan: esta função “não é idêntico a simesmo”, além de esclarecer o funcionamento da cadeia de significantes,

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SEÇÃO TEMÁTICA

UMA TELA PARA A INVEJA

Referência Texto Questões levantadas

SANTOAGOSTINHO(397 – 401)

AS CONFISSÕES

“EU MESMO VI E OBSERVEI DEPERTO O CIÚME NUM GAROTINHOELE AINDA NÃO FALAVA E FIXA-VA-SE PÁLIDO, COM UM OLHARAMARGURADO, SEU IRMÃO DELEITE.QUEM NÃO CONHECE ESTACENA?”

– Ciúmes– Inveja– Amargura da criança

LACAN(1938)

OS COMPLEXOS FAMILIARES

“EU VI COM MEUS PRÓPRIOSOLHOS UM GAROTINHO ATOR-MENTADO PELO CIÚME. ELE NÃOFALAVAE NÃO PODIA PARAR DE OLHARSEM EMPALIDECERAO AMARGO ESPETÁCULO DESEU IRMÃO DE LEITE.”

– “não... sem” – notar aqui aintrodução das novas nega-ções lógicas em Lacan (não-sem, não-todo, não-existe...)– onde o “sem” – introduz umamodulação TEMPORAL: umtempo de parada do olhar.– Dimensão do Espetáculo –Quem olha quem? O bebê olhaa mãe; o irmão, o bebê; Lacan,o irmão ciumento; nós, a Lacan...Quem será o maior espectador?

(1946)PROPOSTASOBRE A

CAUSALIDADEPSÍQUICA

“S. AGOSTINHO JÁ ANTEVÊ DEMANEIRA CONTUNDENTE O CIÚ-ME, ESBOÇADONO VALOR INICIAL DO ESPETÁ-CULO OFERECIDO AO ESPECTA-DOR DO CONJUNTO DA CENA.”

– Identificação – fase do espe-lho, onde se aliena o eu na ima-gem.– A ambigüidade do espetácu-lo: pela identificação e pelo des-dobramento da imagem do eu.

(1948)A AGRESSIVIDADENA PSICANÁLISE

“EU VI E CONHECI MUITO BEM UMGAROTINHO ATORMENTADOPELO CIÚME.ELE AINDA NÃO FALAVA E JÁCONTEMPLAVA PÁLIDO E COM UMOLHAR ENVENENADO SEU IRMÃODE LEITE.”

– Introdução da dimensão dotempo real (“já contemplavapálido”). Em 1936, dera à con-templação um valor de anteci-pação (“não podia parar deolhar sem empalidecer”).– O olhar “envenenado” ou en-venenando o outro com o olhar?– Ver e ser visto, etc.: induz àintrodução de um novo sujeito.

AMARO ASPECTU

Denise Gick1

“Eu mesmo vi e observei bem de perto, o ciúme (inveja?)de um garotinho. Ele ainda não falava e fixava-se pálido,

com um olhar amargurado, no seu irmão de leite.Quem não conhece essa cena?”

Santo Agostinho, em suas “Confissões”2 , no capítulo intitulado “Prog-nósticos de vícios” (cap. 7), assim descreveu a cena do olhar domenino que observa o bebê mamando ao seio da mãe.

Esta mesma cena foi tomada e retomada muitas vezes por Lacan,conforme nos apresentou Erik Porge3 em uma pesquisa, na qual ele trata deseguir, ao longo da obra de Lacan, a evolução de um sujeito do desejo desdeseu nascimento, com a criação de um fantasma fundador a partir de umafalta suposta, no caso, imposta, no Outro.

Ao todo, Erik Porge aponta oito seminários. Seguindo sua pesquisa,descobrimos os outros, citados abaixo, com o quê tentaremos apresentar,resumidamente, nesta versão do francês para o português4 , por meio dastabelas das páginas seguintes.

1 Psicanalista; Fonoaudióloga.2 Santo Agostinho, Les Confessions, Desclée de Brouwer, “Bibliothéque augustinienne”,Livre 1(7).p. 293.3 Un écran à l´envie, p.11-30. Revue Littoral.4 Traduções da autora.

GICK, D. Amaro aspectu.

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SEÇÃO TEMÁTICA

(1964)SEMINÁRIOOS QUATROCONCEITOSFUNDAMEN-

TAIS DA PSICANÁLISE

“O MENININHO OLHANDO SEU IR-MÃOPRESO AO SEIO DE SUA MÃE – amãe de quem? – AGOSTINHONÃO PRECISA SE TRATA-SE DOSEIO DA MÃE DE UM DELES.OLHA-O COM UM OLHAR AMAR-GO QUE O DECOMPÕE E PRODUZNELE UM EFEITO VENENOSO.”

– Lacan agora diz que o olhar(amargo!) o decompõe!– insiste na função do olhar, o dainveja para compreender o que éa invidia.INVEJA X CIÚMEA inveja – provocada pelo dese-jo de possuir o objeto.É o pequeno (a)margo que o des-compõe e provoca-lhe como queum veneno...O ciúme – seria em relação a ou-trem...Lacan estaria falando (cf. Porge)do caso que também era seu, vis-to que nesta época houve seudesligamento da IPA.– trabalha a transferência em fun-ção da relação fundadora do (a)ao desejo.– dá o exemplo da “tela” – umatela para a inveja – que, por estarali para se dar a ver, sacia o ape-tite do “olho gordo” (invidia!).

(1965)SEMINÁRIO

OSPROBLEMASCRUCIAIS...

“O SUJEITO, DE ONDE ELE SE VÊ,NÃO ESTÁ ONDE ELE SE OLHA.”

– Lacan trabalha com o texto doesquecimento de SIGNORELLIde Freud (que já tinha trabalha-do em “As formações do Ics”:Signor - significante recalcado,e Herr, a Morte)– observa que não é o Signorque desaparece da Cs, masSign, que remete ao nome deSigmund, lugar de sua identifi-cação ao traço unário, o pontocego, que olha e vê de maneiraclara.

(1951)ALGUMAS

REFLEXIÕESSOBRE O EGO

“A PALIDEZ DA CRIANÇA É SI-NAL DE UM MAL ORIGINÁRIODERIVADO DA LIBIDO NEGATI-VA”.... “PODE SER LIDA NO ROSTODO MENINO AFLITO PELOSTORMENTOS DO CIÚME.”

– FREUD: instinto de morte, libi-do negativa.

(1959)O DESEJO E SUA

INTERPRE-TAÇÃO

“VI COM MEUS OLHOS E CO-NHECI MUITO BEM UM GAROTI-NHO ATORMENTADO PELO CIÚ-ME, ELE AINDA NÃO FALAVA EJÁ CONTEMPLAVA PÁLIDO ECOM UM OLHAR AMARGO(Amaro aspectu - eu poderia tra-duzir por envenenado, mas nãogosto)SEU IRMÃO DE LEITE.”

– Lacan reconhece seu emba-raço para traduzir amaroaspectu.– LACAN está produzindo umanova formalização: a do fantas-ma.– Essa experiência de Agosti-nho ilustra essa formalização,pois permite que ao objeto en-trar em uma relação com o sujei-to.– Pelo “empalidecer” nasceria aprimeira apreensão do objeto,após a frustração do seio;– a apreensão é de ordem SIM-BÓLICA.– é atividade de uma METÁFO-RA.i(a) X (a)$ I

(1962)SEMINÁRIO

AIDENTI-

FICAÇÃO

“O MENINO É A MINHA IMAGEMNO SENTIDO DE QUE A IMAGEM,DA QUAL SE TRATA, É IMAGEMFUNDADORA DO MEU DESEJO.”(Lacan considera S. AGOSTI-NHO como sendo “o garotinho”na relação de FREUD com seuneto.)

– Atribui uma função ao olhar (ob-jeto faltante) no campo do visível.– “Revelação imaginária” comofunção da FRUSTRAÇÃO. Guiadopela topologia do cross-cap,LACAN confirma o caráter nãoespecular do obj. (a).

GICK, D. Amaro aspectu.

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SEÇÃO TEMÁTICA

Por outro lado, Lacan, ao propor essa abordagem, irá introduzindovárias questões, inclusive, acrescentando, para isso, termos, e até modifi-cando o texto original.

Assim foi quando deu uma modulação temporal ao texto: acrescentouum tempo de parada do olhar – sendo que o instante de ver não tinha aindasido nomeado por ele na época. Da mesma forma, criou uma simultaneida-de entre o “parar” e o “empalidecer”, uma coisa em função da outra. Ambos– parar e empalidecer – dando uma idéia de uma repetição da experiência,que não foi induzida por Santo Agostinho e que resultaria na funçãoestruturante que se constitui a partir de um trauma.

Seguindo o desdobramento da cena ao longo da obra de Lacan, oexemplo de Agostinho criança parece ser, para Lacan, destinado a esclare-cer a sua elaboração teórica do objeto do desejo e a formalizá-la.

Ao retomar esse exemplo tantas e tantas vezes, parece que Lacantenta sempre nos lembrar que o pólo destrutivo para o sujeito é inseparávelde sua possibilidade fundadora do desejo e de seu objeto.

(1966)SEMINÁRIOOS NOMES

DO PAI(interrompido)

“É QUE AQUI, O OBJETO É ES-TRANHO, O OBJETO A É ESTEOLHO QUE NO MITO DE ÉDIPO ÉO EQUIVALENTE DO ÓRGÃO ACASTRAR.. ESTÁ CAPTURADO,SE REGOZIJA, SE DIVERTE NOQUE SANTO AGOSTINHO DE-NUNCIA E DESIGNA DE UMA MA-NEIRA TÃO SUBLIME, COMO UMACONCUPESCÊNCIA DOS OLHOS.”

– O Sujeito crê desejar, por-que se vê como desejante.– “Ele não vê que o que o Ou-tro quer arrancar-lhe osolhos”...! – refere-se aounhelmlich de Freud, ao Ho-mem da areia que levava osolhos das crianças.

(1966)SEMINÁRIO

O OBJETO DAPSICANÃLISE

Análise do quadro “Las Meninas”de Velásquez.Este seminários e os seguintesvão confirmar a importância dafunção da tela na apreensão doobj. de desejo.

– a figuração do olhar deVelásquez representa a posi-ção do analista na história dosujeito. Ele se oferece à vistade gerações pelo gesto emsuspensão do pintor por uminstante, o instante de ver queno caso do quadro é o tempofinal do tempo lógico.

(1973)SEMINÁRIO

AINDA

“O PEQUENO OBSERVA E EM-PALIDECE AO VER OCONLACTANEUM SUSPENSONA TETA.”

ÓDIO X GOZO– ódio “ciumento”, entremea-do pelo desejo (a); o que tor-na mais suportável. Surge doolhar que suscita o ciúme.– Ciúme de quê? Do gozo doOutro, um gozo do ciúme, dociúme do outro...

QUEM CONTA UM CONTO...AUMENTA UM PONTO.

Desde aquela primeira cena, do menino Santo Agostinho, Lacan tentaintroduzir a questão do nascimento do desejo, mediatizada pelo registroimáginário, do olhar que paira – e pára – sobre o bebê que está mamando. Éna plenitude ou saciedade do outro, o bebê, seu duplo, que ele se imagina.Nada podendo fazer sobre isso, seu desejo se alça.

GICK, D. Amaro aspectu.

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SEÇÃO DEBATES

Se o corte fosse completo = Cinta de Mœbius bipartida e retorcida,bilátera (2 lados) e com 2 bordas. Para transformá-la em uma superfície deSeifert (Figura 1) bilátera e com 1 borda, é necessário não efetuar o corte atéo fim.

Por suas características – assimetria, maleabilidade, passagem en-tre dimensões (bi/uni-lateralidade) – penso que as superfícies de Seifert pos-sam nos servir para formalizar diferentes momentos de uma psicanálise.

Gostaria de saber a tua opinião sobre isso.Obrigada desde já, um abraço,Ligia

Paris, 10/3/06 (carta recebida pelo correio, com estruturas recortadasem papel dos modelos sugeridos na mensagem acima).

Figura 3. Cinta de Mœbius parcialmente cortada pelo meio (semseparar completamente) = superfície unilátera com 2 bordas.

CORRESPONDÊNCIA COM MARC DARMON

Aseguir, a tradução do diálogo com Marc Darmon1, a propósito dassuperfícies de Seifert – trabalhadas na Oficina de Topologia da APPOAem 2005.

Porto Alegre, dezembro/2005.Caro MarcBom dia!Tenho trabalhado as superfícies de Seifert na Oficina de Topologia da

Associação Psicanalítica de Porto Alegre, e gostaria de trocar umas idéiascontigo a respeito delas.

Como sabes, Lacan referiu-se a essas superfícies em diferentes mo-mentos de seu ensino. No seminário A identificação (classe de 11/04/62),por exemplo, Lacan efetuou um corte no toro. Trata-se de um corte em oito-interior, reunindo o desejo inconsciente – contido no buraco longitudinal dotoro – e a demanda consciente – que estaria na alça menor do toro represen-tante da estrutura do sujeito.

Em O objeto da psicanálise, sem falar que se tratava de uma superfí-cie de Seifert, Lacan sugeriu que este mesmo corte pudesse conter a estru-tura do orgasmo. Seria o ponto terminal, “o instante em que se realiza umsomatório privilegiado” entre desejo e demanda, “em que toda demanda sereduz a zero” (classe de 27/04/66).

Em L’étourdit (1972), ele propôs esse mesmo corte para dar suporte àinterpretação e em A topologia e o tempo (1974) ele apresentou outra versãodesta banda retorcida, mas não desenvolveu esta idéia.

Apresento a seguir algumas superfícies de Seifert, simplificando eesquematizando para fins didáticos, a partir dos respectivos cortes do toro eda cinta de Mœbius.

1 Marc Darmon é psicanalista, membro da Association Lacanienne Internationale. Autor de“Ensaios sobre a topologia lacaniana”

DARMON, M. Correspondência com...

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SEÇÃO DEBATES

Já o objeto “acuado” (“coinçé”) no centro da cadeia borromeana écomo o desejo no coração do sujeito, sustentando sua existência. Sãoduas maneiras ou momentos de se abordar o objeto.

2) ‘Os recortes não fechados que tu praticas sobre o toro permitemrefletir sobre a necessidade dos cortes fechados em Lacan. Qual é a signi-ficação clínica do corte não fechado e a do corte que retorna sobre si mes-mo?’ (M.D)

Talvez o corte não fechado possa ser tomado como momentos deuma análise. Uma pontuação, por exemplo, que “abre” caminho para o in-consciente, mas não é um corte “definitivo”, isto é, ele poderá, ou não, sefechar.

Mesmo um corte simples cria uma borda, e as bordas, tanto no corpohumano como na topologia, representam mudanças irredutíveis nas superfí-cies. As bordas separam pontos anteriormente vizinhos, e elas servem desuporte às pulsões, por exemplo.

Da mesma forma que o corte em oito-interior dá a estrutura do sujeitobarrado pelo significante. A fórmula ($ <> a), do fantasma, por exemplo, nosdá a estrutura da relação entre o sujeito e seu objeto de desejo.

3) ‘A psicanálise não é justamente o que permite ao corte se fechar?’(M.D.)

Lacan, no seminário O ato psicanalítico, insistia que o ato psicanalí-tico, tanto quanto o ato falho ou uma passagem ao ato, é algo radical edefinitivo. Penso que seja mesmo algo “definitório”: um ponto de não-retorno– depois dele nada será como antes. O nascimento do sujeito do desejoatesta sobre este ato como um segundo parto. Penso que a psicanáliselevada a termo ou uma interpretação bem sucedida permitem ao corte sereencontrar com seu começo.

Muito obrigada, e até breve,Ligia

Cara LigiaEu imprimi teu texto e o mostrei a Claude Harder, que trabalhou muito

sobre as superfícies de Seifert, e te mando de volta o texto com os comentá-rios e o endereço dele, pois ele gostaria de trocar idéias contigo. Ele fabricouinclusive modelos em papel que eu envio junto. Claude Harder faz referêncianelas ao livro de J.M. Vappereau: “Étoffe”.

Eu penso que tu tens razão em trabalhar com as superfícies de Seifert,elas permitem em particular fazer o laço entre a topologia das superfícies apartir da Identificação, e a dos nós. Por exemplo: existe uma relação entre oobjeto a, recortado sobre o cross-cap e aquele que fica “acuado” no centrodo nó borromeu?

Os recortes não fechados que tu praticas sobre o toro permitem refle-tir sobre a necessidade dos cortes fechados em Lacan. Qual é a significaçãoclínica do corte não fechado e a do corte que retorna sobre si mesmo?

A psicanálise não é justamente o que permite ao corte se fechar?Poderias desenvolver estas questões e me pôr a par de tuas reflexões?Com minha amizade,MarcPorto Alegre, abril de 06

Caro MarcGostei muito dos apartes que tu e Claude Harder fizeram e estou

refletindo sobre tuas questões. Em resposta a elas, por enquanto, te digoque:

1) Se ‘existe uma relação entre o objeto a, recortado sobre o cross-cap e aquele que fica “acuado” no centro do nó borromeu?’ (M.D)

Sim, eu penso que são o mesmo objeto, visto de diferentes ângu-los. O objeto a no centro do cross-cap, do Seminário A Identificação,mostra como o desejo é introduzido pelo significante phallus, através dafala, no Outro. Penso que Lacan tratava, na época, de estabelecer asorigens do desejo. Nisto os diferentes cortes no toro serviriam debase.

DARMON, M. Correspondência com...

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RESENHA RESENHA

estabelecidas como “normais”. (Como seria bom se todos conseguissemmanter este dom...).

Em 1932, fez uma adaptação do “Atreu e Trieste”, de Sêneca, queintitulou “O suplício de Tântalo”. Seria esta, segundo ele mesmo, a primeiratentativa teatral de uma ordem nova e revolucionária.

É emocionante a clareza que tinha Artaud sobre a questão do podermédico e a relação médico-paciente nas instituições psiquiátricas. O artigode Artaud sobre os tratamentos que sofreu continuada e infrutiferamente échocante. Neste, ele relata como foi submetido a dezenas de eletro-choquese como foi esquecido durante os anos da segunda grande guerra mundial:“No hospital de Rodez eu vivia sob o terror de escutar uma frase: – O senhorArtaud não comerá hoje, vai para o eletro-choque”. Sei que existem torturasmais abomináveis... O que é atroz é que em pleno século XX um médicopossa se apoderar de um homem e, com o pretexto de que está louco oudébil, fazer com ele o que lhe apraz. Eu padeci cinqüenta eletro-choques, querdizer, cinqüenta estados de coma. Durante muito tempo, estive amnésico. Ti-nha esquecido inclusive de meus amigos... Já não reconhecia nem Jean LouisBarrault... Estou com asco da psicanálise, deste freudismo que sabe tudo!”.

Daniel Lins conta-nos, também, que Artaud previu sua morte comexatidão. “Sei que tenho câncer. O que quero dizer antes de morrer é queodeio os psiquiatras.”

Antes de morrer, de câncer, segundo consta em sua biografia, ingeriaCloral (hipnótico) para encontrar alívio das dores do corpo e da alma.

Sobre sua morte, escreveu Jean Marabini1: “Habitava um quarto isola-do, no que fora o antigo pavilhão de caça de algum Orleães. Estava estendi-do ao pé de uma imensa lareira sobre um xergão. Na parede, uns desenhosfulgurantes seus, que recordavam os esboços de Van Gogh, lia-se: “Até quetom de sangue iremos juntos?”

“O tom de sangue irá até o negro”, ele mesmo respondeu.

Ligia Gomes Victora

1 Marabini, J. Artaud. In : http://www.lamaquinadeltiempo.com/Artaud/artacron.htm

ANTONIN ARTAUD: O ARTESÃO DO CORPO SEM ÓRGÃOS

LINS, Daniel. Antonin Artaud: O artesão do Corpo SemÓrgãos . Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1999.

Daniel Lins conta a vida de Antonin Artaude reproduz também, neste livro, algumaspassagens preciosas dos escritos de

Artaud, como o famoso “Suicidado pela socieda-de”, em que descreve a morte de Van Gogh.

“GULOSEIMAS ENVENENADAS”Sobrevivente de uma grave meningite na

infância, Antonin Artaud (1896 Marselha, 1948 Ivry) lembra que, para queaceitasse os remédios, estes eram administrados com açúcar. Doces dro-gas... Talvez por causa dessa enfermidade precoce, ou talvez por causa damorte de duas irmãs ainda bebês (“tive três filhas, um dia estranguladas”...),sua relação com a mãe foi muito importante, tanto de amor quanto de ódio.Crises de cólera, autoritarismo, agressões mútuas, fazem parte de sua bio-grafia em uma infância entremeada por convulsões, dor e sonambulismo.

Sobre o pai, Antonio-Rey, Artaud disse: “Vivi até os vinte e sete anoscom ódio obscuro do Pai, do Meu pai particular. Até o dia em que o vi fale-cer. Então esse rigor desumano, com que eu o acusava, me oprimia, cedeu.Deste corpo saiu outro ser. E, pela primeira vez na vida, esse pai meestendeu os braços. E eu, que estou atormentado por meu corpo, com-preendi que ele havia estado toda vida atormentado por seu corpo e quehá uma mentira do ser contra a qual nascemos para protestar”. Édipoacorrentado...

Inventor do Teatro da Crueldade, Artaud era poeta e artista surrealista.Muitas vezes adorado, aplaudido, outras tantas odiado, vaiado. Via o mundocom olhos de E.T. Este distanciamento que permite estranhar as coisas já

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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 149, agosto 2006.

AGENDA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Gerson Smiech Pinho e Marcia Helena de Menezes Ribeiro

Integrantes: Ana Laura Giongo, Ana Paula Stahlschimidt, Fernanda Breda, HenrieteKaram, Liz Nunes Ramos, Márcio Mariath Belloc, Maria Cristina Poli, Marta Pedó,

Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior, Robson de Freitas Pereira,Rosane Palacci Santos e Tatiana Guimarães Jacques

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2005/2006

Presidência: Lucia Serrano Pereira1a Vice-Presidência: Ana Maria Medeiros da Costa

2a Vice-Presidência: Lúcia Alves Mees1a Secretária: Marieta Madeira Rodrigues

2a Secretária: Ana Laura Giongo e Lucy Fontoura1a Tesoureira: Maria Lúcia Müller Stein

2a Tesoureira: Ester TrevisanMESA DIRETIVA

Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ângela Lângaro Becker, Carmen Backes,Edson Luiz André de Sousa, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Maria Ângela Cardaci Brasil,Maria Beatriz de Alencastro Kallfelz, Maria Cristina Poli, Nilson Sibemberg,

Otávio Augusto Winck Nunes, Robson de Freitas Pereira e Siloé Rey

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

Data Hora Local Evento

AGOSTO – 2006

PRÓXIMO NÚMERO

04, 05 e 06 - - Argentina Jornada da Convergencia Lacaina

Reunião da Comissão de Eventos

Dia Hora Local Atividade

24 Reunião da Mesa Diretiva aberta aosMembros e Participantes da APPOA

11, 18 e 25 Reunião da Comissão de Aperiódicos

11 e 25Sede da APPOA

Reunião da Comissão da Revista

PSICOSE E CINEMA

14 e 28 Reunião da Comissão do Correio

03,10,17,24 e 3110

19h30min

15h15min

Sede da APPOA

Sede da APPOA

Reunião da Mesa DiretivaSede da APPOASede da APPOA

21h8h30min20h30min

21h Sede da APPOA

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O ATO PSICANALÍTICO

N° 149 – ANO XIII AGOSTO – 2006

S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 2

SEÇÃO TEMÁTICA 4A LÓGICA DO ATO PSICANALÍTICOLigia Gomes Víctora 4ATO ANALÍTICO, ATO RELIGIOSOE ATO DE CRIAÇÃO ARTÍSTICAJaime Betts 13EPISTEMOLOGIA ETOPOLOGIA LACANIANAAlmerindo A. Boff 17A ESPERTEZA DO INCONSCIENTESilvia Carcuchinski Teixeira 25O AVESSO DO AVESSO DA LOUCURASueli Souza dos Santos 32CONSIDERAÇÕES ACERCADO ESQUEMA DE LACAN PROPOSTONO DIA SEIS DE DEZEMBRO DE 1967, NO SEMINÁRIO “O ATO ANALÍTICO”E SEUS EFEITOS ATUAISFelipe Garrafiel Pimentel 38UM PEQUENO EXERCÍCIO DE HÉRÉSIE(RSI) OU, COMO DA RAIZ DE MENOSUM CHEGAR A UM MENOS UMRicardo Vianna Martins 43A HERESIA DE LACANLigia Gomes Víctora 46AMARO ASPECTUDenise Gick 52

SEÇÃO DEBATES 58CORRESPONDÊNCIACOM MARC DARMON 58

RESENHA 62ANTONIN ARTAUD: O ARTESÃODO CORPO SEM ÓRGÃOS 62AGENDA 64