Edu Lobo - O Terceiro Vértice

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    Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil Programa de Ps-Graduao em Histria, Poltica e Bens CulturaisMestrado Profissionalizante em Bens Culturais e Projetos Sociais

    Villa-Lobos

    Edu Lobo: o Terceiro Vrtice

    Tom Job im

    Mestranda: Mnica Chateaubriand Diniz Pires e AlbuquerqueOrientador: Prof. Dr. Celso Castro

    Co-orientador: Profa. Dra. Santuza Cambraia Naves

    Rio de Janeirofevereiro de 2006

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    Edu Lobo estabeleceua sntese em movimento.

    Carioca filho de pernambucano, tevea diversidade ao alcance das mos.

    Outros tambm a tiveram.Seu gnio permitiu-lhe aproveit-la

    melhor do que qualquer outrode sua poca e compor uma traduo

    musical de sua gentecomo a que haviam logrado

    Villa-Lobos e Jobim.Edu a terceira ponta da trindade

    da msica brasileira contempornea.

    Mauro Dias( Edu Lobo Songbook)

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    AGRADECIMENTOS

    Ao CPDOC, na pessoa de meus professores Eduardo Sarmento, Celso Castro, DulcePandolfi, Fernando Weltman, Mnica Kornis e em especial professora Angela de

    Castro Gomes. PUC, pela oportunidade em cursar uma disciplina para o mestrado.Aos entrevistados, que carinhosamente colaboraram com a proposta deste trabalho. professora Marieta de Moraes Ferreira, por aceitar o convite para fazer parte daminha banca.Ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro na pessoa do conselheiro presidente Jos Gomes Graciosa, por proporcionar condies para que este mestrado

    se tornasse realidade. Ana Maria Soares Skowronski, por acreditar em mim.s minhas colegas de TCE: Gogia Garcia, Slvia Leonardo Pereira, Lucinha Saio,Lcia Reis, Diva Lcia Shotz, Mercedes Lins e Luciana Saldanha, por, juntas,formarem minha torcida organizada. Marta Simonsen Leal, por estimular-me a me inscrever no curso de mestrado. Adriana Diniz de Almeida, por me ajudar na lida com esse bicho de sete cabeas:o computador.Ao Joo Henrique Cesrio Alvim, por ser meu amigo a ponto de superar seuconstrangimento e conseguir uma entrevista com o Chico Buarque para mim. Joana Parente Cesrio Alvim, pela disposio em colaborar. Amanda Duque Horta Nogueira, pela reviso das entrevistas. Mariana Pires e Albuquerque, pela ajuda com o PowerPoint. Ins Blanchart, pela arte-final do CD.Ao professor Leonardo Teixeira, por me dar segurana em saber que estetrabalho passaria por sua reviso cuidadosa. Gracia Saragossi, por ajudar-me a ser uma pessoa mais equipada para enfrentar asdificuldades que encontrei nesta trajetria de mestranda.Ao maestro Zeca Rodrigues, meu amigo, que tantas dicas me deu na parte musical.

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    Ao maestro Mrio Ferraro, pelos arranjos feitos com tanto cuidado, pela exaustivadedicao e por todo o carinho.A todos os meus colegas de mestrado que tanto me enriqueceram com seu convvio,em especial a Sheila S, pelas observaes generosas na sala de aula, e a ElianaGranado Craesmeyer, pelas parcerias nos momentos difceis e tambm por partilhar comigo momentos de inesquecveis alegrias.

    Agradeo em especial ao meu cunhado Lus Antnio pela ateno em me mandar tudo o que estava a seu alcance sobre Edu Lobo. Glucia Henriques, que me ensinou a arte de cantar, o que aumentou as minhas

    possibilidades em fazer uma das coisas de que mais gosto na vida. Nlida Ferraz, minha professora e amiga por toda a ajuda e incentivo a estetrabalho.Aos filhos que tive Andr e Eduardo e aos que conquistei Beto e Antnio , pelo interesse e estmulo a este curso de mestrado.Ao meu orientador professor Celso Castro, pelas indicaes bibliogrficas, ascorrees, e principalmente as aulas de Antropologia, em que pude assimilar

    conhecimentos que foram fundamentais para a construo deste trabalho. Santuza Cambraia Naves, minha co-orientadora, pelas dicas preciosasque enriqueceram o trabalho e deram a ele o rumo que tomou. Agradeo o interessee o carinho especial para com esta mestranda, que, depois de tantos anos, voltou vida acadmica.

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    RESUMO

    Este trabalho pretende situar a trajetria de Edu Lobo no cenrioda msica popular brasileira. Partindo de uma possvelgenealogia que se inicia com Heitor Villa-Lobos, passa por TomJobim e alcana Edu Lobo, estabelecemos uma trade seguindo aatitude modernista de cultivo e resgate de tradies,universalizando-as e recriando-as, no que veio a ser a modernamsica popular brasileira do sculo XX. Por meio dametodologia de histria oral, colhendo depoimentos decompositores, msicos, crticos, cantores, em sua maioria

    indicados pelo prprio Edu Lobo, tecemos o cenrio em que sedesenvolveu sua obra.

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    ABSTRACT

    The very purpose of this paper is to describe Edu Lobostrajectory within the Brazilian popular music scenario. From a possible genealogy commenced with Heitor Villa-Lobos, passingthrough Tom Jobim and finishing with Edu Lobo, this paper willstress the commingled influence of these three composers inadopting a vanguard attitude of rescuing and cultivatingtraditions. The universalization and development of thesetraditions resulted in the modern Brazilian Popular music of theXX century. Through the methodology of oral history and based

    on declarations of renowned composers, musicians, critics andsingers, most of them appointed by Edu Lobo himself, this paper analyze the context in which Edu Lobos work has beendeveloped.

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    SUMRIO

    INTRODUO (PRELDIO)................................................................................ 11. PRIMEIRO MOVIMENTO............................................................................... 151.1 Conceitos e aspectos relevantes da MPB....................................................... 151.2 O Modernismo brasileiro e seu legado musical ............................................. 25

    1.2.1 Mrio de Andrade e os princpios modernistas.............................................. 251.2.2 Villa-Lobos, o primeiro vrtice..................................................................... 361.2.3 Antnio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim: o segundo vrtice................... 42

    2. SEGUNDO MOVIMENTO............................................................................... 472.1 Eduardo de Ges Lobo: o terceiro vrtice...................................................... 472.2 Edu Lobo e o violo...................................................................................... 622.3 Edu Lobo e os festivais ................................................................................. 662.4 Edu Lobo e o teatro....................................................................................... 692.5 Edu Lobo em Los Angeles............................................................................ 762.6 Edu Lobo e o processo criativo ..................................................................... 832.7 Edu Lobo em parceria................................................................................... 862.8 O menino e o Recife...................................................................................... 933. TERCEIRO MOVIMENTO .............................................................................. 993.1 Heitor Villa-Lobos, um carioca ..................................................................... 993.2 Tom Jobim, um carioca............................................................................... 1023.3 Edu Lobo, um carioca ................................................................................. 105CONSIDERAES FINAIS (POSLDIO)........................................................ 109Referncias Bibliogrficas ................................................................................... 114

    ANEXO I DISCOGRAFIA DE EDU LOBO.................................................... 118ANEXO II ANLISE MUSICAL E PARTITURAS ........................................ 132ANEXO III ENTREVISTAS COM EDU LOBO.............................................. 148ENTREVISTA 1 COM EDU LOBO ................................................................... 148ENTREVISTA 2 COM EDU LOBO ................................................................... 173ANEXO IV DEMAIS ENTREVISTAS:........................................................... 202A) Carlos Lyra..................................................................................................... 228B) Chico Buarque ................................................................................................ 249C) Dori Caymmi .................................................................................................. 264D) Lenine ............................................................................................................ 283E) Luiz Paulo Horta............................................................................................. 291F) Maria Bethnia................................................................................................ 306G) Miguel Farias.................................................................................................. 311H) Paulo Jobim.................................................................................................... 331I) Zuza Homem de Mello..................................................................................... 337ANEXO V CD com gravao das msicas........................................................ 355

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    INTRODUO (PRELDIO)

    A msica tem sido tratada, nos ltimos sculos da cultura ocidental, como

    uma das mais importantes manifestaes culturais de uma nao. Certamente, no

    Brasil, a msica adquire valor mpar como elemento constitutivo da tradio

    cultural, considerada, desde os romnticos aos modernistas como elemento ativo nas

    razes de qualquer povo. No Brasil, a msica reveste-se de relevncia incontestvel

    na formao da cultura pela fora poderosa com que faz emergir a alma brasileira.

    Por alma brasileira entendemos o conjunto de afinidades, tradies e experincias

    comuns vividas pelo povo brasileiro. Em suma, entendemos ser a representao dos

    valores e smbolos que formam a nossa cultura, conforme nos demonstra Peter

    Burke (1989).

    Seu poder inaugural reparte-se no dilogo entre as trs etnias formadoras do

    povo brasileiro, que teve na msica sua forma mais espontnea de expresso. Na

    msica, como supunha Mrio de Andrade, o encontro entre essas tradies tnicas se

    dava de forma mais intensa e dinmica, como afirma Lus Rodolfo Vilhena (s/i:22).

    Por meio desse dilogo, surgiu o brasileiro numa exploso de ritmo e msica,

    tornando-se, assim, visvel como cultura em definio e em oposio herana

    lusitana. Se a vida cotidiana colonial dispersava, a msica a todos aproximava. A

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    coeso, que ainda no existia em outras linguagens, modelava-se no campo da

    msica. (Kaz, 2003/2004:20)

    Como primeiro aporte de entrelaamento das etnias, a msica no s foi um

    dos principais caminhos para a solidificao da noo de brasilidade, mas

    representava, igualmente, uma via de expresso de uma individualidade em meio a

    tanta diversidade. Foi assim que o elemento lusitano manifestou a saudade de sua

    terra. O fado, originalmente criado no Brasil, e desenvolvido como permanncia emPortugal, guarda, semelhana das nossas modinhas, um lirismo de individualidade,

    assim como, ao som da msica, atenuava-se o banzo. A paisagem coloriu-se de

    ritmos novos, cuja argamassa j eram os sons da natureza to implcitos nas

    manifestaes indgenas. A cor brasileira molda a lngua de herana, o portugus,

    dando-lhe musicalidade e fluncia distintas da antiga metrpole. Um processo de

    vocalizao da lngua que a tornou especial, brasileira, cujo trao distintivo de

    identidade se revelou na alma brasileira. Assim, interessante notar que, sendo a

    lngua um dos maiores patrimnios culturais de um povo, ela tenha recebido

    mormente na msica seu elemento diferenciador.

    Falar de msica no Brasil falar de todo um arsenal histrico-cultural que,

    numa espcie de sincretismo harmnico, possibilitou o que pareceria impossvel se

    pensado como estratgia de integrao. Como as vias de um rio que corre largo seu

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    curso, embrenhando-se pelas matas da prdiga terra virgem, Pindorama exaltado

    como marca de nacionalismo e identidade, os caminhos da msica no Brasil

    refletiram e refletem os passos sincopados da fuso das danas indgenas, dos

    minuetos e valsas, dos batuques, num movimento de, com os ps sentindo e fazendo

    sentir o cho, criar razes de uma genealogia plural.

    Pretendemos, com essa abordagem da msica como possibilitadora de

    dilogos vrios, focalizar um dos indcios de nossa identidade, permanncia eruptura em constante eflvio, natural ao jeito de ser brasileiro. O carter de

    formao da msica popular evoca a todo instante sua prpria busca de identidade,

    percorrendo, das vias aos trilhos, uma histria de que no podemos prescindir se o

    tema for sempre aterra brasilis.

    Como aparte, guisa de esclarecimento, vale lembrar que, neste trabalho,

    utilizaremos determinadas categorias relativas ao universo da msica, tais como

    msica de concerto, msica folclrica e Msica Popular Brasileira. Trabalharemos

    essas categorias de modo a relacion-las com a obra dos trs compositores

    abordados: Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo. neste que concentraremos nossatica de anlise. Como ressalva inicial, importante que se entenda que msica

    popular e Msica Popular Brasileira so categorias distintas. Abordaremos essa

    distino no interior do trabalho.

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    Por trilhos rurais e urbanos, a msica popular brasileira segue seu itinerrio.

    E por meio dela que pretendemos abordar a obra do compositor brasileiro Eduardo

    de Ges Lobo, mais conhecido por Edu Lobo, cuja trajetria musical e intelectual

    constitui o tema do presente trabalho. Pretendemos, nesta abordagem, compor uma

    genealogia musical de Edu Lobo. Ela comea em Villa-Lobos, que, ao mergulhar no

    folclore musical brasileiro, transpe esses elementos sonoros para a msica de

    concerto e cria uma msica brasileira universal, cuja tradio ser seguida por Tom

    Jobim e Edu Lobo.

    Por meio do Modernismo, a partir da dcada de 20, as razes de nossa

    cultura foram reintegradas a seus trilhos longnquos. Ao contrrio do movimento

    modernista europeu, que busca romper com suas prprias tradies e passa a

    importar elementos de culturas distantes, o Modernismo brasileiro caracteriza-se por

    essa via de resgate de nossa autenticidade. A partir da, a tradio europia passa a

    ser cooptada numa nova dico, ou seja, ela transforma-se em um dos elementos da

    nova arte brasileira. importante destacar que, como primeira tentativa de viso

    crtica da realidade brasileira (o Romantismo entregara-se aos idealismos que lhe

    serviram de base), o movimento modernista, mesmo com seu trao de irreverncia e

    demolio do passado dos primeiros momentos, conjugou uma releitura de Brasil,

    em que tanto forma quanto contedo mereciam ser revistos numa inteno de

    construir o trao identificador do brasileiro. Na literatura, o vis de diversidade (o

    heri sem nenhum carter) apontado por Mrio de Andrade em Macunamae o

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    trao irnico-dilemtico do Tupi or not tupi de Oswald de Andrade alaram a

    discusso esttica confluncia de culturas. Villa-Lobos, na msica, quem alia o

    esprito experimental do movimento a uma busca de expresso da sonoridade

    brasilis. Se um p machucado e a conseqente ausncia de sapatos na Semana de

    Arte Moderna deu ao acaso a Villa-Lobos a aparncia de quebrar com a aura erudita

    da orquestra e do maestro, foi de fato a unio de elementos funcionais aos

    instrumentos europeus que garantiu o alerta de que ali se forjaria um caminho

    distinto da tradio, muito embora por ela se calcasse e com ela se embalasse. Com

    o modernismo, um novo paradigma musical se instala no cenrio cultural brasileiro.

    A msica do sculo XX deita profundas razes na nossa formao colonial.

    Essas razes longnquas so a mistura dos lundus africanos, dos cnticos religiosos

    dos jesutas e dos componentes coreogrficos ou dramticos dos cnticos indgenas,

    que juntos formariam as bases da futura msica popular brasileira, entre cirandas,

    serestas, chorinho e tantos outros gneros mestios. Ou seja, no importa, so

    bonitas as canes (msica: Choro Bandido, de Chico Buarque e Edu Lobo, in:O

    Grande Circo Mstico, Dubas Music, 2004).

    O compositor Villa-Lobos deu a esses gneros mestios um carter

    universal, quando comps, em primeiro lugar, Choros, seguidos de Estudos para

    violo, "Serestas e Cirandas, conjunto de obras que, segundo Luiz Paulo Horta

    (1987: 48), constituem a espinha dorsal da sua obra, o ncleo essencial da msica

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    brasileira. Mais adiante, veremos como essa espinha dorsal sustentar a Msica

    Popular Brasileira composta por Tom Jobim e Edu Lobo.

    Os ndios incorporaram os primeiros traos da msica portuguesa aos sons

    de suas danas, bater de palmas e instrumentos, com chocalhos, varetas e outros. Foi

    nos rituais religiosos das misses jesutas que se deu esse processo de assimilao.

    Por sua vez, ao introduzirem nas comunidades indgenas instrumentos europeus

    como a flauta, o cavaquinho e o clarinete, para citar alguns, promoveram os

    primeiros cultos populares em forma de festa, como o reisado e a celebrao do boi,

    que, segundo Mrio de Andrade (2005: 26), era o nosso animal totmico nacional. A

    cultura musical africana desenvolvida nos quilombos deu origem s primeiras

    formas de msica afro-brasileira que, mais tarde, evoluram para o afox, o lundu, o

    maracatu, o maxixe e o samba. Estava feita a simbiose das culturas em sua mais

    profunda comunicao: a msica.

    Na viso modernista de Mrio de Andrade, a msica no Brasil fruto da

    expresso sonora das trs vertentes formadoras do nosso povo: o ndio, o portugus

    e o negro, que, ao estabelecerem um dilogo entre suas diferentes culturas,

    plantaram a semente da diversidade musical. nessa confluncia que surge a

    Msica Popular Brasileira. Ns nos realizamos verdadeiramente no nosso

    imaginrio na msica. e, por meio dela, seja popular ou clssica, construmos um

    processo constante e intenso de nos fazermos brasileiros. Por meio da mistura de

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    etnias nos inventamos. O compositor, ao criar suas composies, no apenas

    inventa, ele se reinventa absorvendo a tradio musical, e reinventa assim a prpria

    msica brasileira, o que permitir que os brasileiros annimos se reinventem ao

    tom-la como estmulo esttico ao pensar-se brasileiro.

    Luiz Paulo Horta acredita que, antes de Villa-Lobos, havia alguns

    segmentos de uma msica brasileira considerada menor. Ainda no existia a msica

    de reconhecido valor em densidade e originalidade que viria a conquistar seu devido

    lugar no cenrio universal da msica. Segundo Luiz Heitor,apud Luiz Paulo Horta,

    o momento em que Villa-Lobos encontrou seu prprio estilo foi o ano de 1917,

    quando o impacto, na Europa, de suas composies para ballet (Amazonas e

    Uirapuru) revela, naquele continente sedento de renovao artstica, a beleza

    selvagem dos trpicos. Tambm o crtico Andrade Muricy,apud Luiz Paulo Horta,

    considera o Uirapuru (1917) a primeira das obras-primas do Villa-Lobos

    autntico.

    Isso quer dizer que, depois dessas duas composies, como o prprio Villa-

    -Lobos declara posteriormente, ele perde qualquer inibio com relao presena

    das foras telricas brasileiras em suas composies.

    A partir dessa conscincia modernista, Villa-Lobos tornou-se o trilho que

    alou a msica popular brasileira sua consolidao. E, nesse trilho armado pelo

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    av, seguiram trajetria seu filho Tom Jobim e seu neto Edu Lobo, smbolos de

    novas geraes. Sem deixar para trs a bagagem da tradio, essas novas geraes

    bebiam das fontes que surgiam, em estaes longnquas, num trabalho de constante

    reinveno.

    Discpulo assumido de Villa-Lobos, Tom Jobim, ex-aluno do professor

    alemo de piano Hans Joachim Koellreutter e da professora Lcia Branco, embora

    no tenha criado com base nas fontes folclricas como fizera o mestre, dele se

    aproxima, quando se volta para a natureza, fonte inspiradora de muitas de suas

    criaes, como Matita-Per e Urubu. Tom Jobim seguiu a tradio legada por

    Villa-Lobos, no s ao dar continuidade s tradies de universalizar os sons

    exuberantes de nossa terra, como tambm por ter assimilado e reinventado a esttica

    de Villa-Lobos.

    Tom Jobim fez sua estria como compositor em 1953 no Rio de Janeiro,

    quando a msica brasileira de concerto j estava criada pelo pai Villa-Lobos. Sua

    importncia no cenrio musical da poca foi criar juntamente com o baiano Joo

    Gilberto e com o poeta e diplomata carioca Vincius de Moraes um novo estilo

    musical que consolidaria a Msica Popular Brasileira, elevando-a a um patamar de

    respeitvel posio no cenrio nacional e internacional. Tom Jobim tambm ajudou

    a minimizar o preconceito com relao profisso de msico popular no Brasil. Ele

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    viria a ser uma referncia to forte, que influenciaria toda uma gerao de msicos,

    entre os quais Edu Lobo.

    Edu Lobo surge no cenrio artstico musical brasileiro, em 1961, no Rio de

    Janeiro, no momento em que nossa msica popular j estava consagrada com a

    bossa nova, que surgira em fins da glamourosa dcada de 50, a Era JK. Apesar de

    sua batida inovadora, a bossa nova trazia consigo, daquelas fontes de estaes

    longnquas, elementos do samba tradicional incorporados a elementos do jazz. A

    esse respeito, contribui Chico Buarque:

    E quando apareceu o Joo cantando e tocando violo erauma coisa inteiramente nova, porque era msica brasileira, msica popular brasileira... para ns, garotos,era uma coisa moderna, dizia alguma coisa para ns,tnhamos 14, 15 anos naquela poca, (...) eu gostava... euouvia aquilo tudo, mas j nessa poca eu gostava mesmode msica americana, gostava muito de jazz. Tinha umaespcie de clube na casa de um amigo meu, a gente ficava

    l tocando, eu tentava tocar bateria acompanhando discosde John Coltrane, eu adorava aquele disco do Miles Daviscom arranjo do Bill Evans. Era fissurado por jazz,apareceu essa msica que era, vamos dizer, moderna,apesar de brasileira...1

    Na dcada de 1960, Rio de Janeiro e So Paulo eram o eixo cultural do pas.

    J consagrada como um novo estilo musical, a bossa nova contava com expoentes

    responsveis por grandes sucessos: Carlos Lyra, Roberto Menescal, Lus Carlos

    Vinhas, Ronaldo Bscoli, formando sua primeira gerao. Alm disso, ela foi

    tambm a mola propulsora da segunda gerao que surgia, naquele instante, movida

    1 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    pelo interesse em compor e participar do cenrio cultural do pas. Essa gerao

    caracterizava-se por ser formada, em sua maioria, por jovens universitrios de classe

    mdia. Esses jovens promoviam reunies musicais para tocar violo, o instrumento

    da poca, cantar e trocar suas experincias musicais baseadas nos dolos da primeira

    gerao da bossa nova.

    O perodo entre essas duas geraes caracterizou-se por uma estreita relao

    entre msica e poltica, que vai do governo de Juscelino Kubitschek, o presidente

    bossa nova, ao Ato Institucional n 5 AI-5, promulgado em 13 de dezembro de

    1968. A relao existente entre msica e poltica na poca de Juscelino constitua

    uma proximidade nova entre os jovens da classe mdia universitria e da elite

    poltica.

    Essa juventude, que ouvia jazz, Sinatra, Chet Baker, entre outros, encontrou

    em seu prprio pas uma msica nova com a qual se identificava. E gerava assim

    motivao para compor. Embora nem todos tenham seguido carreira musical, a

    vontade de participar das reunies em que se trocavam experincias musicais era

    comum a todos. Como alguns dos participantes eram diretamente relacionados

    elite poltica, as duas classes acabavam por se aproximar. Essa relao indita veio a

    trazer conseqncias significativas para a Msica Popular Brasileira.

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    Ajudava, assim, a diminuir a rejeio que at ento havia contra os msicos

    e a estimular a profisso como uma possibilidade dentro do mercado de trabalho.

    Tom Jobim e Vincius de Moraes, por exemplo, foram convidados por JK a compor

    a Sinfonia de Braslia, em homenagem nova capital.

    Da era JK ao AI-5, o pas viveu um ciclo virtuoso de brasilidade. (Kaz,

    2003/2004:32) A JK sucedeu Jnio Quadros em 1960, que, aps sete meses de

    mandato, renunciou, deixando o pas numa grave crise poltico-social. Jnio deixou

    a presidncia para seu vice Joo Goulart, que governou sob fortes presses, tanto da

    direita, que no aceitava reformas sociais, quanto da esquerda, que o apoiava e ao

    mesmo tempo cobrava com veemncia as reformas que julgava necessrias. Jango

    foi deposto pelo golpe militar de 31 de maro de 1964. O marechal Humberto de

    Alencar Castelo Branco assumiu o poder prometendo restaurar o processo

    democrtico. Em dezembro de 68, durante o governo Costa e Silva, esse ideal foi

    sepultado pela promulgao do AI-5.

    De JK ao AI-5, passaram-se 10 anos de rica euforia na produo das artes

    no Brasil. Esse perodo vai da consagrao do msico Tom Jobim, com Chega de

    Saudade s msicas de protesto e aos festivais da cano, em que Edu Lobo se

    tornou um expoente de sua gerao: a segunda gerao da bossa nova.

    Assim afirma Miguel Farias:

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    Eu quando eu comecei a fazer, quando eu ouvi pela primeira vez a msica Chega de Saudade, foi umimpacto. Porque pela primeira vez eu acho que eu ouviao garoto gostava de msica e tal, mas era mais...gostava de msica americana, Elvis Presley. E aquilo

    para mim foi um choque porque eu apenas escolhi umacoisa que falava a dico da minha gerao. Quando euera garoto, com quatorze, quinze anos, aquilo falando aminha lngua e era uma coisa que estava ao alcance damo, que era brasileira e que para mim foi assim umacoisa determinante na minha vida, eu acho.2

    O presente trabalho estuda a trajetria musical do compositor Edu Lobo a

    partir de sua afiliao com Tom Jobim e com Villa-Lobos. Pretende-se comparar

    algumas semelhanas que revelam uma afinidade no vigor da msica dos trs

    compositores e na harmonia sofisticada que resultaram na universalizao de suas

    obras. Seja nas Bachianas de Villa-Lobos, seja em Matita-Per de Tom Jobim

    ou em Casa Forte de Edu Lobo, em qualquer uma dessas obras percebe-se a

    presena marcante das formas sonoras brasileiras. Elas so um fio-terra que conduz

    o ouvinte de qualquer latitude a mergulhar no imaginrio da cultura brasileira.

    As diferenas entre os trs compositores tambm sero abordadas. Villa-

    -Lobos foi diretamente ao folclore e deu-lhe um tratamento musical acadmico para

    criar msica de concerto. Tom e Edu fizeram diferente foram ao popular, deram-

    -lhe um tratamento sofisticado para criar msica popular. Edu Lobo, como Villa-

    -Lobos e diferentemente de Tom Jobim, foi algumas vezes tambm ao folclore para

    criar msica popular.

    2 Entrevista de Miguel Farias a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    Todo esse material foi selecionado de forma a atender convenientemente aos

    objetivos da dissertao: construir de forma acadmica a trajetria artstica do

    compositor Edu Lobo, que abrange desde msicas populares de festivais at msicas

    sofisticadas, msicas especficas para teatro e bals e trilhas sonoras para cinema. E

    ainda, na medida do possvel, resgatar o lugar que devido imagem do msico,

    compositor, arranjador, orquestrador e cantor Eduardo de Ges Lobo.

    Nisso situa-se a relevncia do presente trabalho. Um compositor da ordem

    de Edu Lobo, que tanto contribuiu para a cultura musical do Brasil, merece uma

    visibilidade mais clara no conjunto da msica popular brasileira. Dessa falta nasceu

    a necessidade de levar a cabo uma pesquisa que resultasse em um trabalho que, ao

    perfazer a trajetria do compositor Edu Lobo, trouxesse tona a fora artstica

    presente em suas inmeras composies.

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    1. PRIMEIRO MOVIMENTO

    Neste captulo propomos algumas conceituaes e matizes de estilos que

    consideramos relevantes para o tema central do trabalho. Queremos ressaltar de

    antemo que separamos aqui conceitos quase sempre inseparveis nas obras

    pesquisadas, somente para us-los sem ambigidades ou equvocos. No se trata de

    conceitos rgidos, embora sejam fundamentais para pensar a msica brasileira

    focalizada em nosso trabalho.

    Em seguida, construmos a trajetria de Mrio de Andrade e das discusses

    modernistas, que serviram de base para a grande transformao musical que o sculo

    XX sofreu a partir desse movimento. Apontando musicalmente Villa-Lobos, que

    chamamos de primeiro vrtice, como o precursor da elaborao musical a partir dos

    ritmos populares, chegamos a Tom Jobim e preparamos a base para a ampla anlise

    de Edu Lobo que se seguir nos prximos movimentos.

    1.1 Conceitos e aspectos relevantes da MPB

    Em primeiro lugar, o que msica popular? No Brasil, a msica popular

    uma expresso que resulta e se beneficia do cruzamento entre matrizes diversas. A

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    compositores da msica popular egressos do movimento definitivo para a realizao

    de uma mudana de patamar da msica popular brasileira: a bossa nova. Tom Jobim

    e Edu Lobo so compositores sofisticados. O prprio Edu encarregou-se de

    conceituar o estilo sofisticado como sendo o cuidado de compor, de burilar (...)

    uma msica mais trabalhada4. De incio, hesitante em aplicar esse termo, Edu acaba

    se rendendo a ele:

    Mas a palavra essa mesma, sofisticao(grifo nosso),

    no tem sada. porque sofisticao no Brasil sinnimode coisa pedante, mas no . Sofisticar no pode ser usada de uma forma pejorativa, (...) polida mesmo, ocara t polindo ali.5

    Refinada, trabalhada, cuidada, sofisticada, enfim essa msica popular que

    surge, nos fins da dcada de 50, a partir do conhecimento e da descoberta de novas

    harmonias, o que ser a marca de Tom Jobim, Edu Lobo e de muitos compositores

    ps-bossa nova, entre os quais se destacam Dori Caymmi e Milton Nascimento.

    exatamente esse matiz sofisticado o elemento transformador da msica popular

    brasileira, naquele momento histrico, a ponto de tornar muitas composies

    verdadeiros clssicos da msica popular universal ou, pelo menos, obras-primas

    compostas aqui no Brasil. Esse novo repertrio dialoga, num certo sentido, comVilla-Lobos.

    4 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque5 Idem.

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    Portanto, dos anos 1960 em diante, a sofisticao que nasce do conhecimento

    de harmonia e ritmo mais elaborados ser passaporte para a entrada de nossos

    msicos num registro musical diferente dos anteriores. A professora Santuza

    Cambraia Naves (1998:16) considera que essas fronteiras acima definidas so

    muitas vezes tnues, acabando por haver uma interpenetrao entre elas. Ainda

    segundo Naves, h uma tenso permanente entre o popular e o clssico em certos

    compositores do sculo XX, como Bernstein, Piazzola, Tom Jobim e Edu Lobo.

    Essa tenso no autorizaria definies pontuais, uma vez que a msica um

    cruzamento do popular com o culto, o que acaba por confundir e dissolver

    hierarquias rgidas. A circulao e a troca entre ritmos e harmonias de fontes

    diversas o que se ouve e que se afirma como msica, apontando melhor sua

    qualidade, na medida em que ela expe o que se considera no s identidade

    cultural, mas tambm obra universal.

    Alm dessas diferenas fundamentais para nossa abordagem, preciso, em

    segundo lugar, nos atermos questo da msica popular brasileira como percebida

    e ouvida hoje. O que se percebe no Brasil, aps o surgimento da bossa nova, so

    compositores que conhecem a estrutura musical, no se limitando a compor

    intuitivamente, de ouvido. H uma maior elaborao nas harmonias e uma busca

    no aprimoramento da qualidade das composies. Esse processo funo direta dos

    elementos criadores dessa msica, ou seja, esses elementos so provenientes da

    cultura da classe mdia universitria. Apesar de no ter sido controvertido, o

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    nascido de uma necessidade de auto-expresso de todo um grupo de jovens

    freqentadores da praia de Copacabana.

    A esse respeito refletiu Roberto Menescal:

    Voc imagina a gente com quinze anos, com dezesseis,dezessete anos, comeando a tocar violo, e a msica quese tocava nos rdios nessa poca era o samba-cano,cujas letras no tinham nada a ver com a nossa geraoque vivia em Copacabana. (...) Ou aquela msica doAntnio Maria que dizia: Se eu morresse amanh demanh minha falta ningum sentiria... Ns ramos ocontrrio disso. Ns achvamos que todo mundo nosamava, todo mundo queria a gente. (Duarte & Naves,2003:57).

    Vendo a bossa nova por um outro ngulo, mais formal, o maestro Jlio

    Medaglia afirmou sobre a obra de Tom Jobim:

    A capacidade de reduzir os componentes musicais ao

    mnimo, num despojamento to extremado que a msica parece flutuar numa esfera onde reside apenas a mais purasensibilidade, rara na histria da msica e, talvez, scomparvel a um Satie com suas gymnopediesou aosdivertimentos para corda de Mozart. (Vogue, Edio Especial Tom Jobim. 1995: 114-115)

    Era uma nova viso da msica popular brasileira que se abria pela vontade

    de mudar, de buscar uma expresso mais dinmica, o que acabou por se traduzir na

    famosa batida do Joo. Alm desse papel fundamental do violo, a bossa nova

    recebe fortes influncias dos arranjos de jazz americano. Novas harmonias tambm

    eram assimiladas pelos musicais da Metro.

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    A respeito do violo, vale aqui ressaltar sua trajetria na msica popular

    brasileira. No sculo XIX, prximo da guitarra portuguesa que produziria o fado, o

    instrumento no era bem-visto pela elite, que se apropriara do piano como objeto de

    consumo e smbolo de status. Nas reunies ltero-musicais, o piano comandava os

    eventos de lazer na cidade do Rio de Janeiro, que desejava respirar ares de burguesia

    europia. O violo permaneceu por muito tempo como smbolo da classe popular,

    como atesta Carlinhos Lyra:

    J, j tnhamos aberto a porta, porque at ento tocar

    violo era coisa de vagabundo, de crioulo de botequim. Ens mudamos isso. No caso, eu pessoalmente, o meu tiotocava violo muito bem, n? O Menescal , quem foiensinar violo a ele fui eu. Quer dizer, o homem doviolo. O Joo Gilberto era o do violo e o Tom Jobim,do piano.7

    Por no ser um instrumento clssico de orquestra, sua identificao com as

    composies populares aponta em vrias culturas ocidentais. Seja como guitarra

    portuguesa, espanhola, banjo ou o nosso violo, o instrumento porttil de cordas

    registrou a essncia das culturas regionais. Compondo uma trajetria de

    resistncia, mesmo como base da composio do samba, s ganhar destaque

    elevado na bossa nova, alado categoria de instrumento nobre e instrumento de

    fundao do movimento com a clebre batida de Joo Gilberto. Como disse Chico

    Buarque, bossa nova foi aquilo criado por Joo Gilberto, uma maneira de tocar

    violo, de cantar... uma msica, uma estilizao do samba, vamos dizer assim.8

    7 Entrevista de Carlos Lyra a Monica C. D. Pires e Albuquerque8 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    questo de vontade de criar . Um novo ambiente musical e artstico em geral se abria,

    no Rio de Janeiro, agonizante capital federal nos idos de 50. Em meio a essa agonia,

    os jovens cariocas e outros para ali atrados resistiam, revirando nossa tradio

    musical pelo avesso, ao mesmo tempo em que criavam um imenso e enriquecedor

    repertrio. O talento das caladas de Copacabana espalhava-se pela cidade.

    Encerramos este captulo destacando a importncia dos ritmos populares

    para a msica brasileira criada no sc. XX. Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo, os

    trs compositores abordados neste trabalho, compartilham a mesma viso da

    importncia da msica folclrica na criao de cada um.

    nos ritmos populares que repousa o tesouro inesgotvel, do mais arcaico e

    milenar, em nosso caso o pr-colombiano. A msica brasileira, seja a clssica criada

    por Villa-Lobos, seja a clssica popular de Tom Jobim e de Edu Lobo, partilha a

    mesma incorporao de etnias amerndias, africanas e europias. Graas a essa

    convergncia feliz de ritmos, melodias e sons diferentes, o sculo XX veio a

    produzir esta grande arte universal que a msica brasileira. O coroamento se d

    com o movimento modernista, que, fazendo um balano da nacionalidade no

    centenrio da Independncia (1922), dialoga criticamente com o passado, por vezes

    rejeitando-o esteticamente, mas buscando-o como forma de entender as razes

    constituintes da frgil identidade ainda no especificada. na busca dos ritmos

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    correspondncia. Essa avaliao tomou substncia na conferncia O Movimento

    Modernista, pronunciada em 1942. Os princpios nela enunciados so hoje

    clssicos da crtica da arte brasileira. Esses princpios so: nacionalismo e formao

    de uma conscincia criadora nacional, o direito permanente pesquisa esttica e a

    atualizao da inteligncia artstica brasileira.

    Para a consecuo deste trabalho, parece-nos fundamental que, primeiro, se

    esclarea, ainda que resumidamente, cada um desses princpios. E o prprio Mrio

    de Andrade fornecer os meios para compreend-los, como se ver adiante. Em

    seguida, trataremos de algumas das principais modificaes introduzidas pelo

    movimento modernista no cenrio musical brasileiro. De antemo, destacamos a

    importncia da adeso de Villa-Lobos Semana de Arte Moderna. Tendo resistido

    ao convite inicial, acaba por ceder e nela se apresentar e apresentar tambm suas

    jovens obras. bom lembrar que, a partir de 1914, Villa-Lobos vinha incomodando

    os defensores da tradio clssico-romntica com suas obras renovadoras e

    revolucionrias pelo tratamento harmnico e rtmico audacioso a elas dado pelo

    jovem compositor carioca.

    Naquele momento histrico de fevereiro de 1922, havia uma preocupao

    nacionalista que, sem negar o que ela devia ao romantismo do sculo anterior, como

    projeto de uma identidade nacional, clamava, agora, por uma autenticidade, ainda

    indita, na vida intelectual brasileira. O Centenrio da Independncia, a ser

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    regionalismo do Nordeste, trazendo uma viso mais crua da realidade brasileira. A

    dcada de 1920 mostra, portanto, um nacionalismo de vrias faces que sofrer dois

    grandes abalos: a Revoluo de 1930 e a Revoluo Constitucionalista de 1932,

    quando a idia de Brasil foi repensada de modo agudo. Esse foi um perodo de

    convulso poltica, social, econmica e artstica que transformou significativamente

    o Brasil do perodo entre guerras.

    importante configurar, em linhas gerais, a concepo muito particular que

    Mrio de Andrade nutria sobre nacionalismo. Sua crtica sobre esse tema muito

    pessoal e mostra que suas idias acerca dele se transformaram com o tempo, com

    sua experincia individual e histrica. O nacionalismo de Mrio torna-se pblico em

    1917, quando pronunciou um curto discurso no Conservatrio Dramtico-Musical

    de So Paulo. Na conceituao de ptria daquele momento, nota-se um tom

    ufanista, moda de Olavo Bilac (Criana, jamais vers um pas como este). Mas,

    j em 1924, Mrio condenar esse tom grandiloqente. Da em diante, seu

    nacionalismo transforma-se, escapando a uma viso patritica estreita, recheada de

    exotismos, que tanto condenar, e de regionalismos radicais. Em meados de 20,

    Mrio quer descobrir o que a conscincia nacional que ele acredita ser ntima,

    popular e unnime. Mrio procura na poesia e na msica, no folclore e nos usos da

    lngua (falares) manifestaes dessa conscincia: a alma brasileira.

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    lugar sagrado da arte. Prefere, ento, diante de uma repblica que no educa

    ningum e sacrifica gente do povo, ser apenas um livre e ingnuo poeta no sentido

    mais virginal, mais anti-social da palavra. (Andrade, 1958:80). Mrio no foi,

    porm, contra si mesmo, um alienado. Tratou de tudo de seu tempo, de seu prprio

    jeito. Mesmo ao se retirar, lutava. Tratou da poltica, das revolues, do sentimento

    ntimo, da paulistanidade, da migrao para o Sul e, principalmente, da cultura em

    geral e da cultura popular em particular: o folclore, os mitos, as vrias linguagens

    que os expressavam. Sua obra foi a de um homem do seu tempo, obra que exprime

    vigorosamente uma dolorosa conscincia do mundo e suas contradies, dos homens

    e de si mesmo. Na verdade, Mrio proclamava (contra os idealistas sem efeito de

    uma nacionalidade falsa e ufanista) que aquilo que ele buscava ainda no existia.

    Era, portanto, urgente promover seu aparecimento. E isso s seria possvel no

    encontro dos artistas com as fontes populares e o folclore. Tratava-se, portanto, de

    procurar, agora por um caminho diferente do j traado pelos romnticos do sculo

    anterior, uma conscincia nacional. Onde encontr-la? No povo, como alma

    brasileira e inconsciente coletivo; no direito permanente pesquisa esttica, ou seja,

    no experimentalismo apoiado nos fatos do presente e no contato com as vanguardas

    europias e, finalmente, na descoberta de uma tradio pura no intelectualizada.

    Mrio de Andrade insiste na descoberta de uma legtima conscincia criadora

    nacional de base popular e folclrica. Nessa realizao estaria a contribuio mpar

    do modernismo para a identidade nacional. O movimento lana-se, ento, pesquisa

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    porm, ao mesmo tempo, representativas daqueles grupos como uma fora que

    subia de baixo para cima. Adiante, Mrio observa como essa mesma msica

    religiosa(grifo nosso) passa de vscera a epiderme. (Andrade, 1965:22-24). A luta

    pessoal e social de Mrio que nunca permitir consider-lo alienado foi

    ressuscitar aquelas vsceras populares aterradas l no andar de baixo da lenta

    construo social de uma cultura brasileira, artificialmente erudita e nobre

    (ibidem), para torn-la mais prxima de si mesma, de seu primitivismo original

    pau-brasil.

    Sem dvida, a paixo de Mrio de Andrade pela msica conduziu grande

    parte de seu projeto cultural revolucionrio. Ele esteve no centro do pensamento

    musical de seu tempo, um tempo em que a msica brasileira comeou realmente a

    marcar sua presena no mundo. O esprito pragmtico de Mrio, associado ao

    carter didtico de sua obra, deu o selo escola nacionalista, assim como estava

    vinculado ao magistrio que Mrio exerceu ao longo de sua vida, no Conservatrio,

    frente de Departamento de Cultura, ainda em So Paulo, e, finalmente, no Rio de

    Janeiro. Entre as inmeras conferncias pronunciadas acerca da msica, destaca-se o

    Ensaio sobre a Msica Brasileira.

    Restou destacar que a luta modernista, principalmente a de Mrio e de

    Oswald de Andrade, foi sempre uma luta pela atualizao da inteligncia artstica

    brasileira, de modo a p-la em conexo consigo mesma, em primeiro lugar, e a partir

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    da com o mundo. Por intermdio das idias de ambos e de outros, instalou-se um

    conflito e uma ciso na alma brasileira recm-nascida. De um lado, um positivismo

    que teimava em persistir atravs de grande parte do sculo XX. De outro, uma nova

    viso, aberta ao popular e s razes formadoras da nacionalidade brasileira, a se

    nutrindo a autntica alma brasileira em trocas e contatos permanentes com outras

    culturas.

    Mrio de Andrade traz intelligentsiao que no estava sistematizado como

    conhecimento elaborado. Suas obras Danas Dramticas do Brasil e Msica de

    Feitiaria no Brasil revelam toda a sua dedicao em registrar, analisar e catalogar,

    at mesmo com partituras, as manifestaes dos ritmos musicais populares. Com tal

    contribuio, alm de compor um acervo inestimvel de memria, era possvel

    conhecer melhor o Brasil musicalmente, se se buscava, tambm na msica, um

    aspecto de identidade que se lhe pudesse destacar. No entanto, a identidade-

    -diversidade defendida em Macunamaconstitui o tom da pesquisa, construindo-se,

    por meio dos diversos registros, fatores de unificao nacional agregando os

    sentidos e sentimentos regionais. Mrio de Andrade revela-se, assim, como o

    fundador da pesquisa etnomusical e sua possvel valorizao pelos meios

    acadmicos. Uma fundao, ao lado de toda a sua contribuio para o movimento

    modernista, que definitivamente constituiu uma ruptura com o olhar passadista e

    europeizado. Na experincia dessa ciso, a inteligncia artstica brasileira viveu, ao

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    Posteriormente, foi aluno de Lcia Branco, que o exercitaria nos clssicos de Bach,

    Chopin, Beethoven, Ravel, Debussy e Villa-Lobos. Foi a professora Lcia quem o

    estimulou a compor. Tom Jobim viria a aprimorar seus conhecimentos de harmonia

    com o professor, regente e compositor Paulo Silva. Tambm aprendeu a tocar flauta.

    Tom Jobim chegou a cursar o primeiro ano da faculdade de arquitetura, mas

    a abandonou para seguir sua real vocao: a msica. Segundo o prprio Tom Jobim,

    sua msica era essencialmente harmnica, composta em piano, instrumento

    harmnico por excelncia. Parafraseava Villa-Lobos dizendo que quem compe

    num instrumento deve dar parceria ao instrumento.

    Admirava as pessoas que compunham msica brasileira com os sons do

    Brasil. Esses sons produzidos pelas florestas, pelos pssaros, contidos nas obras de

    msicos estrangeiros como Maurice Ravel e Claude Debussy, exerceram tambm

    influncia nas composies de Tom Jobim, contribuindo para universalizar sua obra.

    Em 1956, depois de ter tocado nas principais casas noturnas do Rio de Janeiro,

    trabalhado na gravadora Continental, fazendo arranjos e orquestraes para

    compositores que compunham de ouvido, aconteceu o encontro que seria definitivo.

    O poeta Vincius de Moraes procurava algum para compor a msica de uma pera

    negra carioca aclamada pela crtica europia:Orfeu da Conceio. Tom Jobim

    aceitou o convite. Nasceu, dessa forma, uma das maiores parcerias da Msica

    Popular Brasileira. Compuseram inmeros sucessos. O primeiro, Se todos fossem

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    A revista Down Beat , a bblia do jazz, chegou a declarar que nenhuma outra

    expresso musical externa nos ltimos 40 anos havia influenciado o jazz como a

    bossa nova.

    A personalidade criativa e pesquisadora de Tom Jobim ressaltada por Edu

    Lobo. Tom Jobim lembra Edu, gostava muito de ensinar, mas jamais perdia a

    ocasio de tambm aprender. Edu se recorda: Quando ele gostava realmente de

    uma msica, ele ia para o piano, feito criana que quer aprender o que o outro fez.19

    Mas, segundo Edu, Tom sempre deixava, na composio do outro, uma marca

    prpria. Fazia isso muito naturalmente, ao acrescentar, por exemplo, dois acordes

    numa composio alheia. Era uma forma sutil de humor e parceria implcita, o que o

    fazia dizer ao ouvir seus prprios acordes, por exemplo, numa composio do

    prprio Edu Lobo: Edu Lobo, voc um craque.20 Tom , portanto, reconhecido

    por Edu Lobo como mestre eterno, pai de muitos e lder daquele grupo, autorizado

    por sua competncia de conhecedor de msica.

    19 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.20 Idem.

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    um estilo refinado e intimista que se contrapunha ao anterior das canes dor de

    cotovelo. Foi a chamada primeira gerao da bossa nova.

    A gerao de Edu Lobo, que cresceu ouvindo msicos americanos, passou a

    encontrar, em seu prprio pas, uma msica com a qual se identificava e que

    provocou em muitos a vontade de participar desse clima, compondo inspirados por

    esse novo ritmo. Surgiram, assim, alguns compositores da gerao posterior aos da

    bossa nova, da qual fez parte Edu Lobo. Essa gerao tinha em comum o fato de

    serem classe mdia, da Zona Sul do Rio de Janeiro e de manterem um dilogo

    permanente com outros segmentos da produo cultural em consolidao como

    tradio artstica. De harmonia sofisticada, com elementos assimilados do jazz e do

    samba, a bossa nova penetrava com fora irreversvel na vida musical brasileira.

    Vrios mestres surgiam como mentores de uma nova gerao sedenta de

    compor segundo o modelo criado pela primeira gerao. Alm de Tom e Vincius, j

    citados, aparecem compositores como Carlos Lyra, que, no convvio com os jovens,

    vo disseminando o novo estilo musical. Essa convivncia tem sabor de uma escola

    pela primeira vez atuante na msica popular brasileira.

    Foi nessa poca (1961) que Edu Lobo comeou a freqentar o Beco das

    Garrafas, onde se apresentavam grandes msicos da bossa nova, entre os quais Lus

    Ea, Srgio Mendes e Roberto Menescal. Alm do Beco das Garrafas, Edu Lobo

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    trio com Marcos Valle e Dori Caymmi. Em 1962, freqentando a casa de Luiz Ea,

    onde se reuniam, entre outros msicos, Carlinhos Lyra, Tom Jobim e Vincius de

    Moraes, motivou-se a editar algumas composies.

    Nesse ambiente, assimilava a produo desses msicos e comeou a

    construir a base de sua formao musical. Tambm foi marcado por Chega de

    Saudade e pela batida do violo de Joo Gilberto, como a maioria dos msicos de

    sua gerao. Quis ser bossa-novista. Comeou no estilo Tom Jobim e Carlos Lira, e

    logo viu que sua trajetria seria outra. Queria tambm criar seu prprio estilo.

    Posterior bossa nova, a ideologia de contedo poltico toma o lugar do

    lirismo romntico. O Teatro de Arena, composto por atores ligados esquerda

    poltica, em oposio ao Teatro Brasileiro de Comdia, que tinha uma concepo de

    cultura europia, buscava um teatro baseado na realidade brasileira. Esses atores

    tambm escreviam os textos de suas peas, formando opinio sobre o mundo na

    viso do teatro. Esse estilo recebeu a adeso de pintores, msicos, arquitetos,

    jornalistas, que pareciam trabalhar em conjunto para reconstruir o pas. Nessa linha,

    Edu Lobo comeou a compor para teatro, escrevendo em 1963 as msicas para a

    peaOs Azeredos mais os Benevides, de Oduvaldo Vianna Filho, em que se destaca

    Chegana, em parceria com o prprio Oduvaldo. Outra composio levada ao

    teatro foi Borand, sem parceria, no musicalOpinioem 1964. Nesse mesmo ano

    compe msicas paraO Bero do Heri, de Dias Gomes, e recebe o convite de

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    Dessa forma, o CPC da UNE pretendia que os intelectuais levassem a

    cultura s massas, por considerar a arte poltica a nica sada para combater o

    processo de alienao. O perodo histrico dos anos 60 foi frtil nas diversas

    manifestaes artsticas, em que a busca de uma conscincia crtica nas relaes de

    poder se fazia presente. A efervescncia cultural do pas e o esprito inovador dos

    produtores de arte eram o cenrio ideal para a construo de uma histria em que o

    trabalhador se tornasse o personagem principal.

    Apesar de participante dos CPCs, no se pode dizer que Edu Lobo tenha

    sido um compositor de protesto. Ele estava, sim, conectado com seu tempo, o tempo

    do Cinema Novo e do Teatro de Arena, quando as diversas formas de manifestao

    cultural dialogavam entre si como se estivessem em sintonia, para, segundo aquela

    juventude, conquistar um Brasil melhor.

    Assim reflete Miguel Farias:

    (...)hoje, eu penso o seguinte: que a bossa nova e oCinema Novo eram quase que duas faces da mesmamoeda. Porque a bossa nova cantava um Brasil assim...como seria bonito se o Brasil fosse assim. (...) Um Brasilsolar, harmnico, se o Brasil inteiro fosse comoIpanema, que bom que e tal. E o Cinema Novo falava

    exatamente ao contrrio, o horror que aquilo que agente no quer que seja. Os filmes do Cinema Novo eramesses.24

    E mais adiante, na mesma entrevista:

    24 Entrevista de Miguel Farias a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    hoje distante do grande pblico, mas sua msica se mantm atual, como a de seus

    mestres.

    Em entrevista recente ao reprter Luiz Fernando Vianna, da Folha de So

    Paulo (5/11/2004), reafirma sua influncia no perodo da bossa nova e sua opo

    pela composio:

    Aprendi muito com o Baden: esse violo para fora, percussivo. J no era mais a batida do Joo Gilberto. As

    pessoas aqui falam em bossa nova, depois Tropiclia.Baden no bossa nova nem Tropiclia. Baden Baden. um estilista, inventou uma maneira de tocar violo. Eutenho certa implicncia com nome de escola, porque parece que uma escola acabou e depois comeou outra. Jfui chamando de inventor da MPB. Eu me senti com 270anos. Se eu fui inventor da MPB, (Dorival) Caymmi oqu? Tem que inventar um nome para o que ele faz? tudo ligado. Se eu, com 19 anos, fosse tocar bossa novanaquelas casas que eu freqentava, com Tom (Jobim),Carlinhos (Lyra), Baden, eu estava frito. Isso me levou a procurar algo diferente para sobreviver.

    E em outro trecho da entrevista:

    Sempre achei que existia essa profisso: compositor. Sevoc descobrir que eu fiquei dez anos sem fazer show,no tem problema nenhum. Se descobrir que eu fiqueidez anos sem fazer msica, a srio.

    Edu Lobo d continuidade tradio, reinventando-a. Essa continuidade da

    tradio funo da possibilidade de reinvent-la. Os arranjos jazzsticos feitos por

    Edu Lobo para Memrias de Marta Sar, no Free Jazz, de 1996, demonstram o

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    Seu pai, o jornalista, radialista e compositor Fernando de Castro Lobo, autor

    de obras como Zum Zum, em parceria com Paulo Soledade, e Nega Maluca, em

    parceria com Dorival Caymmi, entre outras, depois de muita insistncia de Edu

    Lobo para que o ouvisse tocar violo, entusiasmou-se e passou a ser seu aliado e

    admirador. Interessado, divulgou o talento do filho aos seus amigos, entre eles o

    poeta Vincius de Moraes, a quem disse: L em casa tem um garoto que toca um

    violo!

    Pode parecer bvio que, por ser filho de Fernando Lobo, Edu Lobo tenha

    seguido a carreira artstica, j que seu pai fazia parte de uma elite intelectual

    brasileira. Era um homem bem relacionado no meio cultural, tendo seguido uma

    carreira de compositor com vrios sucessos, como Nasci para bailar, Chuvas de

    vero e Nega maluca. Entretanto, Edu Lobo afirma que sua escolha pela msica

    em nada teve a ver com a pessoa do pai.

    Apesar de trilharem vises musicais distintas, conviveram nos momentos de

    efervescncia musical no pas, como se pode lembrar pelo Festival da Msica

    Popular Brasileira, da TV Record, em 1967, em que Fernando Lobo classificou

    Diana Pastora e Edu Lobo saiu vitorioso com Ponteio.

    A forte ligao de Edu Lobo com a msica veio da famlia materna. At os

    dezoito anos, Edu Lobo passava frias no Recife em Pernambuco, lugar de imensa

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    riqueza de sons. Sons esses que o compositor guardaria em sua memria para

    enriquecer e personalizar sua obra. Foi tambm o violo que aproximou Edu Lobo

    da cantora e violonista Wanda S, com quem teve um perodo de aulas. Das aulas,

    passaram ao namoro e ao casamento no dia 30 de abril de 1969, na Capela Santa

    Ins, na Gvea, ao som de Reza, Canto Triste e Ave Maria, todas de autoria

    de Edu Lobo. Dessa parceria, nasceram Mariana, produtora; Bernardo, msico; e

    Isabel, atriz.

    Edu Lobo, com o cuidado constante de aperfeioamento tcnico, harmnico e

    meldico, perseguia a msica que j trazia consigo na memria longnqua do garoto

    no Recife e no se limitou a reproduzir o violo da bossa nova (a batida do Joo).

    Criou sua marca, sua assinatura, e delimitou seu espao ao tornar-se referncia e

    elemento de identidade para seus colegas de profisso e gerao.

    O que faz do Edu o mais brasileiro de minha gerao oviolo dele. Ele tem o violo extremamente criativo, pessoal, ligado s razes nordestinas em certos casos.Voc pega Moda de Viola, o violo dele (cantarola)...Ele tem um violo nico. Poucas pessoas tm umaidentidade violonstica para mim. Alm de umacomposio marcante, ele tem uma identidade com oviolo que eu acho que o instrumento do brasileiro.26

    Refletindo sobre sua assinatura musical com o violo, afirma Edu Lobo:

    Mas eu acho que foi quase como o cara que quer sobreviver, no meio de tanta fera, de tanto cobra, se eu

    26 Entrevista de Dori Caymmi a Monica C. D. Pires e Albuquerque.

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    no inventar alguma coisa... e a a partir da msicaBerimbau, eu fui ter essa conscincia dessa msicaagora fazendo um documentrio sobre Vincius doMiguel, est filmando... e eu tinha escolhido o Tom e navspera me bateu uminsight , eu falei: Mas pera, a

    msica que transformou a minha vida, que me fez tocar oviolo que eu toco, no foi Garota de Ipanema, naverdade...27

    E mais adiante, na mesma entrevista:

    (...) Chega de Saudade foi um espanto e tal. Mas o quetransformou o meu violo foi o Berimbau. Foiquando... o Baden tocando aquele violo mais batido,mais percussivo, que muito mais o que eu toco, e que

    comeou a me dar essa possibilidade de misturar com ascoisas do Norte, Nordeste, enfim, de Pernambuco, eucomecei a fazer frevo, mas com as harmonias da bossanova...28

    E de como processou a influncia de Baden:

    Agora quando eu te falo no Baden, que a eu comecei a perceber que o Baden com essa histria dos afro-sambasestava pegando as coisas da Bahia e trazendo dum jeito

    diferente do Caymmi. Caymmi outro gnero, outrahistria, outra poca e tal. Mas a o Baden j tinha asharmonias da bossa nova e os sons da Bahia. Eu te digocom toda a sinceridade, eu no fiz um projeto, eu nosentei e pensei: E agora o que eu vou fazer?. Foi umacoisa instintiva. E eu acho que de sobrevivncia mesmo.Bom, o Baden faz por aqui. Quem sabe se eu misturar ofrevo?. Sei l, Cordo da Saideira, por exemplo. Seeu misturar isso aqui com as harmonias que eu aprendi doTom? Quer dizer, era um frevo-cano, mas no do jeitodo frevo do Antnio Maria, por exemplo. Antnio Maria

    fazia... as harmonias eram mais simples, eles notocavam violo. Meu pai tambm fazia coisas assim...mas eles no tocavam instrumento nenhum. Ento eucomecei a misturar para ver o que dava. E eu acho quecom isso foi que o meu trabalho deu a partida, porque ele

    27 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.28 Idem.

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    Ficou entre as finalistas com a cano Jogo de Roda, em parceria com Ruy

    Guerra interpretado por Elis Regina no 2 Festival da Msica Popular Brasileira da

    TV Record, em 10 de outubro de 1966.

    O xito nos festivais teve como resultado o estouro nas paradas de sucesso de

    seu primeiro disco, que conseguiu excelentes resultados de vendas. Edu Lobo no se

    acomodou, dedicou-se intensamente ao trabalho de composio da pea Arena

    Conta Zumbipara entregar as msicas no prazo da estria.

    2.4 Edu Lobo e o teatro

    A primeira lembrana que tenhode querer ser alguma coisa na vida

    foi ser o cara que comps aquela trilha.

    (Edu Lobo, a respeito de Bernsteine a trilha de WestSideStory32)

    Nos anos 60, o Brasil viveu uma fase de intensa e rica movimentao

    cultural. Teatro, cinema, literatura, msica e outras manifestaes artsticas

    dialogavam entre si como que se buscassem uma alternativa para os problemas

    sociais existentes no pas.

    32 In: MPB Compositores Edu Lobo, p. 5

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    (Oduvaldo Vianna Filho) por causa dele. E a sobrou paramim uma pea do Vianna, porque o Carlinhos fazia tudocom o Vianna e eu acho que alguma coisa ele no podiafazer; assim eu fiquei sendo o segundo ali. O Viannaento me pegou para fazer a pea que estrearia o Teatro

    UNE:Os Azeredos mais Os Benevides. (Naves, 1999:23)

    Essa pea nunca chegou a ser estreada, pois o teatro foi queimado antes de

    sua primeira apresentao. Da trilha deOs Azeredos mais os Benevides, ficou a

    cano Chegana, que Edu Lobo gravou posteriormente. Apesar de a pea no ter

    acontecido, o conhecimento com Oduvaldo Vianna Filho possibilitou a Edu Lobo

    conhecer Gianfrancesco Guarnieri. Este o convidou a ir a So Paulo para fazer um

    musical.

    Qual o musical que voc quer fazer? E ele falou:No sei. Ele era muito tmido e eu tambm, entohouve um perodo longo de silncio (risos), um perodo barra pesada de silncio. A eu comecei a pegar o violo

    para me livrar daquela situao, comecei a tocar tudo queeu sabia, o que eu no sabia tambm, e a calhou que eutinha acabado de fazer uma cano com o Vincius que sechamava Zumbi. Quando eu toquei, ele falou: Zumbi?P, isso pode ser um musical! (Naves: 1999:23)

    Surgiu, assim, o Arena conta Zumbi. Edu Lobo tentou compor a letra para a

    cano que havia feito com Vincius, mas no gostou do que fez. Pediu ao Ruy

    Guerra para fazer a letra, e ele tambm no gostou. Vincius, que nessa ocasio

    estava na Europa, voltou e foi procurado por Edu Lobo, que j tinha, alm de

    Zumbi, algumas msicas prontas. Entre essas msicas, estavam Arrasto e

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    a confirmao de uma obra mais arrojada, complexa e amadurecida, que coloca o

    compositor no patamar dos grandes expoentes da msica popular brasileira.

    O aperfeioamento da teoria musical aproximou Edu Lobo do clssico37 e

    conseqentemente distanciou-o do popular. Entretanto, tal acontecimento no se

    traduz numa perda de identidade com o Brasil. Ao contrrio. a que o compositor

    mais se aproxima de seus mestres, Heitor Villa-Lobos e Tom Jobim.

    Equivocadamente, foi apontado como elitista e acusado de perder as razes do

    Brasil.

    Um de seus defensores, Gianfrancesco Guarnieri, assim afirmava:

    No penso que Edu seja erudito, nem que ele queiraelitizar a msica que faz. Ele quer ficar na memria popular, s que acha que pode fazer msica popular sem

    se limitar ao intuitivo. Pode ser uma coisa bem elaborada.(Barros, s/i: 10)

    A respeito de sua ligao com Tom Jobim, afirma Edu Lobo:

    (...) o Tom sempre foi uma espcie de modelo pra minhagerao. Como compositor, que eu conhecia, que sabialer, sabia escrever, que conhecia orquestrao, sabia piano, enfim, que era um msico completo, pronto. Naquela poca, os compositores no eram to assim. Umtocava violo direito, outro tocava violo legal, mas uma pessoa que reunisse tantas qualidades era difcil.38

    37 Aqui se entende clssico como sinnimo de erudito.38 Entrevista 2 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    a pele dela e o desejo dele.Ento, o boxeur Rudolf que era ateu

    e era homem-fera derrubou Margarete e a violou.Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.

    Margarete pariu duas meninas que so o prodgiodo Grande Circo Knieps.Mas o maior milagre so as suas virgindades

    em que os banqueiros e os homens de monculo tm esbarrado;so as suas levitaes que a platia pensa ser truque;

    a sua pureza em que ningum acredita;so as suas mgicas que os simples dizem que h o diabo;

    mas as crianas crem nelas, so seus fiis,seus amigos, seus devotos.

    Marie e Helene se apresentam nuas,danam no arame e deslocam de tal forma os membros

    que parecem que os membros no so delas.A platia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.Marie e Helene se repartem todas,

    se distribuem pelos homens cnicos,mas ningum v as almas que elas conservam puras.

    E quando atiram os membros para a viso dos homens,atiram as almas para a viso de Deus.

    Com a verdadeira histria do Grande Circo Kniepsmuito pouco se tem ocupado a imprensa.

    Para Zuza Homem de Melo, Edu est equipado para fazer uma carreira fora

    do comum, que acaba atingindo um de seus pontos culminantes noGrande Circo

    Mstico. Esse trabalho marca o incio de algumas parcerias formadas por esse dois

    paradigmas da Msica Popular Brasileira.

    O surpreendente que Edu Lobo e Chico Buarque tenham sido rivais na

    poca dos festivais da cano, no incio dos anos 60, para quase vinte anos mais

    tarde formarem uma parceria to afinada.

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    data de entrega, as idias surgem. Essas idias so acionadas pelo prprio trabalho,

    que funciona ao mesmo tempo como presso e estmulo.

    Mas se eu pudesse escolher a maneira ideal de fazer umamsica, seria dentro de um musical, onde eu j tenho omote, como assim: a personagem se chama Beatriz; ela assim, assado, tem que ser uma cano lrica, elarepresenta isso na pea. Da eu j tenho a histria. (...) porque j tem um objetivo, tem um tema. (Naves,1999:44)

    Trata-se tambm de um compositor harmnico, e, segundo Zuza Homem de

    Mello, os compositores que conhecem harmonia comeam compondoharmonicamente atravs daquilo que eles ouvem como acorde, no atravs do queeles criam como melodia. A melodia vem como uma decorrncia.43

    No conjunto de compositores da Msica Popular Brasileira, assim apontaMaria Bethnia:

    E eu acho que o Edu, alis, est comprovado que o Edutem a compreenso total da musicalidade brasileira. (...) Eele se incorpora ao que for. Se for necessrio, (...) elecomo msico, como maestro, n... eu acho que o Edu,assim, tem umas precedncias assim, ele muito bom, eletem aceitao mundial, o Edu uma pessoa reverenciada, baixa a cabea para o Edu, porque tem que baixar mesmo. O Edu mais contido, mas no atrapalha acriao dele.44

    A respeito do seu processo criativo, afirma Edu Lobo:

    Eu imagino um personagem de uma certa maneira e voufazendo a msica pra esse personagem. Isso o que maisme fascina nesse trabalho de encomenda. Eu nunca fizuma msica to jazzstica na minha vida como a Lily

    43 Entrevista de Zuza Homem de Melo a Monica C. D. Pires e Albuquerque.44 Entrevista de Maria Bethnia a Monica C. D. Pires e Albuquerque.

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    cantada. E o Recife veio a funcionar como um diferencial na msica dos

    compositores do perodo:

    Eu convivia com pessoas de altssima categoria, que

    naquela poca, voc entrava na casa de todo mundo eficava vendo e tal. Eu acho que foi uma maneira, que oueu vou inventar um pouquinho, quer dizer, misturar umacoisa pra ter uma identidade ou eu vou morrer aqui. Se eufosse fazer o sub, a sub-bossa nova , no ia dar p. Eu iasumir ali no meio de tanta gente boa, tanta gente craque.Eu acho ento que fui misturando essas coisas de Recife. No tem nada a ver com o meu pai, que tambm umaoutra histria que aparece tantas vezes publicada e toerradamente. (...) A gente viveu separados durante muitosanos.54

    E mais adiante, na mesma entrevista:

    Eu no sei nem se estudei porque era estudioso ou se noqueria ficar aqui. Eu sou mais a favor da segunda possibilidade. Era uma espcie de sonho ir pra Recife. Euficava 3 meses, s vezes mais que 3 meses, porque euchegava 15 dias depois das aulas, porque depois eurecuperava, estudava e passava com nota boa. Ento eutinha essa paixo pela cidade, tinha mesmo. A minha vidafoi impregnada por esses sons todos do frevo, maracatu,marchas de carnaval, das msicas do Capiba, da banda do Nelson Ferreira. Isso nunca saiu da minha cabea. Masisso era a minha histria com meus tios, meus primos,com a famlia da minha me.55

    Para finalizarmos esse item, achamos interessante citar algumas definies

    dadas pelo cantor e compositor Lenine, pernambucano, em entrevista no dia

    22/09/2004, acerca dos ritmos e danas brasileiras que formam o folclore

    nordestino.

    54 Entrevista 2 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque55 Idem.

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    Tipo Entrevista Lenine Dicionrio HouaissCaboclinhoouCabocolinho

    Caboclinho indgena. Sondios. A parte rtmica s umacaixa. A marcao dada por uma flecha que no passa peloarco e tem um toque de madeira.Ento, ele estica e solta e s d osom. Toda dana indgena, noo negro.

    Grupos de bailados com temticaindgena, na poca do carnaval. (p.545)

    Ciranda A ciranda uma coisa mais presente na vida de um pescador danando na beira da praia, numagrande roda. A formao umterno, uma marac, um pombinhoe uma caixa. (...) Tem essa noodo maior e do menor datonalidade.

    Dana de roda infantil ou adulta,oriunda de Portugal, com trovascantadas que determinammovimentos figurados; cirandinha.(p. 725)

    Coco O coco aparece mais pela batida. Tocado com o tambor,caixa e pandeiro. Depende daformao.

    Msica, tipo de dana de roda, emcompasso binrio ou quaternrio,cantada em coro que responde aocoqueiro (cantor) e acompanhada por percusso; pagode.Cantiga independente que s vezes,acompanha a dana. (p. 750)

    Forr Segundo Lenine, a histria doFor All mito. O forr vemde forrobod, que existe desdeChiquinha Gonzaga e estassociado festa, brincadeira.Foi s a palavra que atrofiou. (...) Nela se toca de tudo: xaxado,

    xote, baio e samba, que so narealidade estilos rtmicos.

    Baile popular, em que se dana aos pares com msica de origemnordestina; arrasta-p. Essa msicade gneros variados (coco, baio,xote, etc).Baile popular, arrasta-p, festana.(p. 1377)

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    3. TERCEIRO MOVIMENTO

    3.1 Heitor Villa-Lobos, um carioca

    Sim, sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha msicadeixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil. Euno ponho mordaa na exuberncia tropical de nossasflorestas e dos nossos cus, que transportoinstintivamente para tudo que escrevo.56

    O carioca Heitor Villa-Lobos nasceu num momento de transio, em que o

    pas deixava de ser parte de um imprio colonial para tornar-se repblica. Tal

    mudana promoveu, ento, na formao do imaginrio popular, idias de liberdade emodernidade, que viriam a contribuir para mudanas de padres estticos

    importados da Europa.

    No campo musical, o Imperial Conservatrio de Msica passou a ser

    Instituto Nacional de Msica. Essa mudana apontava para uma necessidade de

    reestruturao nas opes estticas e apontava tambm para a necessidade em criar

    um novo posicionamento em relao forma da expresso artstica.

    A msica erudita no Brasil Imprio estava restrita s funes eclesisticas,

    compostas por mestres-capelas como Marcos Portugal e Padre Jos Mauricio. O

    elemento nacional encontrado nessas composies musicais brasileiras limitava-se

    ao idioma, j que a msica, esta apenas, cumpria o padro clssico europeu, em nada

    identificada cultura de seus habitantes.56 Villa-Lobos. In:http://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htm

    http://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htmhttp://musicaclassica.folha.com.br/cds/20/biografia-2.htm
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    Essa ambigidade do espontneo em Villa-Lobos arecriao, ou descoberta da brasilidade na msica, contrao panorama da msica europia tradicional o que hde mais caracterstico, mais interessante e mais difcil deinterpretar na obra do maior compositor do Brasil. Para

    quem v de longe, ele no s o maior, mas virtualmenteo nico compositor brasileiro de msica de concerto.57

    Heitor Villa-Lobos era filho de um msico, um bom msico, que tambm

    trabalhava na Biblioteca Nacional e era colecionador de livros. Em funo disso,

    teve uma formao culta, o que lhe possibilitou aprender as primeiras noes do que

    mais tarde viria a criar: a msica brasileira.

    Teve a vivncia de um Rio de Janeiro onde os chores estavam em plena

    atividade. Nessa poca, em todo o Brasil e principalmente em sua capital, o Rio de

    Janeiro, havia uma enorme diviso entre arte culta e a arte popular, ambas

    caminhavam separadas.

    Coube a Heitor Villa-Lobos uni-las. Coube a ele derrubar as barreiras que

    separavam esses dois estilos que juntos formariam a alma da msica brasileira de

    concerto, at ento inexistente.

    O compositor Alberto Nepomuceno j teria tentado antes de Villa-Lobos

    somar aos elementos da msica de concerto as msicas de nosso folclore. Mas

    faltou-lhe a alma, esse mistrio que Villa-Lobos soube decifrar to bem.

    57 Arthur Nestrovski. In:http://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htm

    http://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htmhttp://almanaque.folha.uol.com.br/villa2.htm
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    popular. claro que arte culta uma coisa, arte popular outra coisa, no para misturar tudo. Mas no tinha mais barreira, voc ouve certas coisas do Villa-Lobos e voccai sentado. Bom, finalmente temos a o Brasil brasileiro.61

    3.2 Tom Jobim, um carioca

    Voc, Cludio, que gosta de fazer canes,tome cuidado, porque agora tem o Tom Jobim,

    que anda por a fazendo coisas formidveis.62

    Ao iniciarmos este item, achamos pertinente esclarecer que no se pretende

    negar nenhuma outra influncia musical sofrida pelo maestro Tom Jobim.

    conhecido o respeito pela obra do maestro Radams Gnatalli, que, tambm com

    formao musical erudita, recriou o popular. E, ainda, as possveis influncias de Ari

    Barroso na obra do maestro Tom Jobim tambm so reconhecidas. Contudo, nosso

    foco a influncia que sofreu do maestro Villa-Lobos, em virtude de semelhanas

    que consideramos mais representativas e que se mostram presentes neste trabalho.

    61 Entrevista de Luiz Paulo Horta a Monica C. D. Pires e Albuquerque62 Villa-Lobos ao maestro Cludio Santoro. In:http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htm

    http://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htmhttp://www.brasileirinho.mus.br/artigos/villalobos.htm
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    Tom Jobim assumiu a influncia de seu maestro soberano no apenas

    declarando-a publicamente, mas citando-a em suas composies. Uma das peas de

    Tom Jobim em que mais se percebe a presena do maestro Villa-Lobos

    Modinha, em parceria com Vincius de Moraes. Essa composio consta do CD

    anexo.

    A respeito da obra de Tom Jobim, reflete Luiz Paulo Horta:

    A msica vai se tornar popular independentemente da suagnese. Voc no vai chamar uma msica como Luza,(...) Por toda a minha vida, no uma msica decmara. Tem gente que conhece... Tem ali a marca doVilla-Lobos, mas a inteno do Tom no era fazer msicade cmara, seno no chamaria poetas populares, comoVincius se tornou a partir da parceria com Tom, parafazer letras. Porque no prescindiria de letras ou ento pegaria uma cantora lrica. msica popular. Popular

    pode se tornar popular de verdade dependendo do veculoque ela utiliza. Eu lembro duma msica de Tom que eraabertura de uma novela. Se no me engano, era umanovela das oito. Foi Luza. Ento todo mundo cantavaLuza.64

    Como a de Villa-Lobos, a obra de Tom Jobim vasta e constri uma

    trajetria diversificada, que se transforma ao longo dos anos, como atesta o prprio

    Edu Lobo:

    64 Entrevista de Chico Buarque a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    ...se voc analisar a obra do Tom, por exemplo, voc v atransformao do Tom de 1958 para os anos 80 e 90. Amsica foi se transformando o tempo inteiro. Matita--Per no tem nada a ver com Desafinado. Voc vque o mesmo compositor, mas que tem um

    desenvolvimento a, tem um caminho longo, imenso, queele foi indo cada vez mais para a coisa do Villa-Lobos, damsica mais ampla, mais brasileirona. (Naves, 1999:36)

    Sem pretenses de realizar uma anlise musical profunda, possvel, com

    grande intensidade, observar a diversidade de culturas formadoras do Brasil na obra

    de Tom Jobim e Villa-Lobos, elemento que ressalta aos ouvidos de todos. A

    elaborao musical, as modulaes, as harmonias sofisticadas, guardando-se as

    devidas propores relativas ao msico erudito e ao popular, no escondem o

    sentimento de apreo e pertencimento sua terra. Como afirma Edu Lobo:

    O som do Brasil o Tom Jobim, o Villa-Lobos, quer

    dizer... Villa-Lobos o som do Brasil da floresta at...quando voc ouve parece que a terra t mexendo, algumacoisa que s podia ser feita por um brasileiro e o Tomtem isso com o Brasil, mas mais especificamente com oRio de Janeiro. A trilha do Rio de Janeiro do Tom.Voc anda pelas ruas, voc ouve as msicas, como emSalvador voc ouve o Caymmi.65

    3.3 Edu Lobo, um carioca

    Eu vos sadoem nome de Heitor Villa-Lobos,teu av e meu pai.

    Um Antnio Brasileiro.66

    65 Entrevista 1 de Edu Lobo a Monica C. D. Pires e Albuquerque66 Tom Jobim. In:Songbook Edu Lobo, p.5

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    diversificado e transformado ao longo dos anos. Entretanto, percebe-se no jovem

    compositor de Canto triste com modulao e intervalos sofisticados a vontade

    de ousar em suas composies. Mais tarde, j depois de um aperfeioamento tcnico

    adquirido em sua estada em Los Angeles, percebe-se um formato de msica clssica

    infiltrada por contextos sofisticados na msica popular de Edu Lobo, alm de uma

    possibilidade de vos mais altos, longe dos padres tradicionais de uma composio

    popular. Confirmando o afastamento dessa linha de composio, em Choro

    bandido, percebe-se uma linha meldica sinuosa.

    Edu Lobo, ao compor, entre algumas outras, a jobiniana Valsa brasileira, ao

    mesmo tempo rende uma homenagem ao mestre e aponta para um caminho mais

    ousado.

    Isso muito caracterstico dessa msica mais moderna doEdu, por exemplo, uma sofisticao harmnica. Voc temmodulaes bastante sofisticadas. Para um msico popular tradicional, seria uma coisa complicada de tocar.Porque o msico popular tradicional est acostumadocom aquela modulao-padro.68

    Qual seria o motivo que fez Tom Jobim fazer aquela dedicatria noSongbook

    de Edu Lobo, j que outros contemporneos do compositor Edu Lobo tambm beberam dessa fonte ligada por Villa-Lobos e Tom Jobim? Nossa interpretao

    que o compositor em questo assemelha-se na fora e na pujana com que

    68 Entrevista de Luiz Paulo Horta a Monica C. D. Pires e Albuquerque

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    universaliza essa cultura diversificada que vem da alma brasileira, valendo ser

    identificado como um pilar dessa trade. Assemelha-se ainda no cuidado com a

    orquestrao, na elaborao das harmonias e no compromisso de buscar uma

    linguagem esttica sofisticada, mas sem jamais perder o fio-terra com o Brasil. Edu

    Lobo , assim, um msico brasileiro.

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    CONSIDERAES FINAIS (POSLDIO)

    Trs compositores brasileiros, trs compositores cariocas. Gostaramos de

    ilustrar com uma histria narrada pelo compositor Tho de Barros69:

    Um grupo de artistas foi fazer um show em Juiz deFora. Na volta, quando o carro estava descendo a serra,um msico disse:

    Ah... Estamos chegando ao Rio.Um amigo paulista que estava junto perguntou: Como que voc sabe? porque o verde diferente!Parece conversa de cachorro doido, mas a verdade

    que o verde diferente mesmo. Qualquer paisagista irme chamar de blasfemo, mas por detrs da Botnica, pode ser que os duendes zeladores das matas confiramum matiz todo especial ao verde do Rio. Ou talvez sejamos olhos do amor que realizem esse milagre. O fato queh algo de estranho no reino da Guanabara. O Rio temalma.

    E mais adiante:

    ...na msica dos grandes compositores cariocas, eureencontro essa sensao de no sei qu, que diferencia amsica do Rio das demais. No me perguntem o que .Devem ser os duendes. At hoje eu nunca ouvi falar emcorporativismo espiritual. Ser que isso?

    Essa mesma interrogao serviria para os trs compositores em questo. Ao

    desenvolverem toda uma tcnica de tratamento do material folclrico, fizeram-na a

    partir de uma viso urbana carioca.

    69 A narrativa, ainda no publicada, me foi enviada por Tho de Barros via fax em 9/12/2005.

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    A busca pela reinveno torna-se um trao comum entre os trs, cada um em

    sua poca, com seus estilos marcantes e suas assinaturas singulares, que passam

    adiante indefinidamente como crculos num movimento constante de recriao da

    tradio cultural. O que podemos criar, como metfora deste trabalho, a imagem

    de um movimento espiral dos trs compositores, colocando-os num patamar de

    contemporaneidade, em que os laos desse parentesco metafrico se dissolvem na

    medida em que cada um possui, dentro das suas semelhanas, uma assinatura

    singular. Ao mesmo tempo, os trs compositores tiveram a percepo da riqueza

    musical existente no pas e continuam como referenciais de contribuio a elas.

    Muito embora o presente trabalho tenha se dedicado a buscar as intersees

    entre Villa-Lobos, Tom Jobim e Edu Lobo, ntido que no reduzimos aos trs a

    responsabilidade pela construo da trajetria musical brasileira. Ao traarmos uma

    genealogia na Msica Popular Brasileira, no gostaramos de incorrer no erro de

    ignorar atores histricos que tambm contriburam para sua universalidade. Dentre

    vrios