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Educação ambiental

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL SÓCIO-HISTÓRICACOMO PERSPECTIVA PARA A REFLEXÃO-AÇÃO SOBRE O TRABALHO PEDAGÓGICO NOS

PRIMEIROS ANOS DA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL Jorge Sobral da Silva Maia

Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP. Centro de Ciências Humanas e da Educação [email protected]. Professor Adjunto Doutor LEPEC UENP - CNPq Pesquisador do Grupo de

Pesquisa em Educação Ambiental GPEA UNESP CNPq Pesquisa Financiada pela Fundação Araucária Desenvolvimento Científico e tecnológico Paraná

Resumo Objetivando desenvolver na escola pública uma proposta coletiva de educação ambiental sócio-histórica, entendida como o processo pedagógico que tematiza o ambiente compreendido em toda sua complexidade e levando à apropriação da cultura e das produções do gênero humano e permitindo o enfrentamento da crise societária por que passa a humanidade, organizou-se um grupo de professores pesquisadores da Educação Básica em uma escola pública estadual em um município no interior do Estado de São Paulo. Tendo como referência a metodologia da pesquisação participativa iniciou-se um processo de educação ambiental que implicou em três fases distintas e articuladas entre si: inicial, intermediária e de aplicação e avaliação. Nestas etapas realizou-se o diagnóstico socioambiental, a problematização da realidade socioambiental – incluindo a realidade escolar - e as ações para o enfrentamento de questões socioambientais no entorno da escola consideradas, pelo grupo de professores pesquisadores, relevantes para o processo pedagógico onde se insere a educação ambiental. Os resultados mostraram-se efetivos do ponto de vista do desenvolvimento de estratégias que permitam a inserção da educação ambiental na escola de forma crítica e participativa. Entretanto algumas diretrizes para a continuidade do trabalho foram reveladas: necessidade de aprimoramento da formação dos professores de forma permanente; reorganização do trabalho pedagógico; aprofundamento de concepções e busca de novas abordagens para a consolidação da educação ambiental emancipatória. Para isso o professor necessita da reflexão filosófica sobre sua prática para ações consistentes no seu trabalho pedagógico de forma a enfrentar a fragmentação dos saberes que inviabiliza a compreensão dos problemas humanos, sociais. Ainda considera-se que a escola, e sua organização, encobrem ideologias como à da neutralidade política, do compromisso da educação com mercado inviabilizando a percepção, compreensão e enfrentamento dos conflitos no espaço escolar que são gerenciados de forma a favorecer alguns em prejuízo de muitos, reproduzindo a sociedade de classes. Palavras chave: Educação ambiental sócio-histórica; Escola Pública; formação de professores; pesquisação; produção coletiva.

Introdução

No contexto atual as questões ecológicas assumem papel significativo nas

principais discussões, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. Isto ocorre em função

da urgência em lidar com a situação de exaustão dos elementos fundamentais para a

manutenção da qualidade de vida, não somente humana, mas de todas as outras formas

de vida no planeta. Os processos humanos, no atual modo de produção interferem

diretamente na regulação biológica natural. Isso se deve a que o ser humano para existir

precisa modificar o ambiente a sua volta, em outras palavras, ele vale-se de seu

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potencial para modificar as condições do meio de forma a possibilitar seu acesso aos

bens naturais transformando-os, por meio do seu trabalho, em produtos importantes para

a sociedade.

Sempre ao longo de sua historia o ser humano, em função do modo de produção

adotado, seja comunal, escravista, feudal ou capitalista, interferiu nos ciclos naturais. À

medida que aprimorava seus instrumentos e potencializava sua capacidade de

intervenção no meio, mais se apropriava da natureza e mais a transformava em prol de

si. Quando os grupos humanos superaram o modo comunal de produção, iniciou-se um

processo que continua vigoroso nos dias de hoje na forma mais intensa de ação do modo

produção capitalista, a exploração do trabalho alheio que produz riqueza. Tem-se então

a divisão da sociedade em classes e o advento da propriedade privada: de um lado os

donos dos meios de produção e de outro os trabalhadores. Estes últimos vendem sua

mão de obra em troca de salários que lhes garantirão sua sobrevivência e de seus

familiares, em contrapartida o produto de seu trabalho não lhes pertence, mas ao dono

dos meios de produção.

Inúmeras são as conseqüências desta lógica na organização das relações sociais.

Para este estudo importa entender que essa relação de exploração tem por base a

obtenção do lucro e acumulação de bens a partir da expropriação do trabalhador e a

máxima exploração dos bens naturais na produção das mercadorias. Esse modelo, em

linhas gerais, causa os diversos problemas socioambientais tão propalados e que

necessitam de solução, como por exemplo, o esgotamento do patrimônio natural em

função de máxima produção de bens, a potencialização do consumo destes bens, a

grande produção de resíduos e poluentes diversos. O modelo ainda gera uma massa de

alijados, que não desfrutam das condições mínimas para uma vida digna. Os governos

que poderiam mediar essas relações entre os trabalhadores e os proprietários, não o

fazem satisfatoriamente, pois se encontram mais a serviço do grande capital do que da

maioria da população que deveriam representar. Nesse sentido, seu objetivo é

“equilibrar os seus próprios orçamentos, desregulamentar a economia (particularmente o

mercado de trabalho) e reduzir o peso dos impostos que recaem sobre os negócios de

modo a facilitar e estimular a acumulação privada de capital” (SINGER, 1998, pp. 66-

67).

É preciso explicitar em síntese que nossa sociedade está articulada no tripé

Capital, Trabalho e Estado. O trabalho é o produtor de riqueza que é apropriada pelos

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governos representantes do povo e pelos donos dos meios de produção, em geral o

grande capital, ou ainda, as corporações. Neste sentido é fundamental para a

manutenção dessa sociedade formar indivíduos que atendam as demandas impostas por

ela. Recai sobre a escola essa responsabilidade, isto é, formar para atender a lógica do

mercado e perpetuar a sociedade de classes, subordinando o Trabalho ao Capital tendo

como elo o Estado político (MÉSZÁROS, 2006).

Essa é uma questão que necessita de enfrentamento. Isto é, para superar a

concepção de escola a serviço da lógica do Capital, torna-se urgente uma mediação que

esclareça as contradições que se apresentam nesta realidade insustentável do ponto e

vista socioambiental, econômico e político. O que nos remete mais uma vez a escola em

função de que “toda relação humana com a natureza sempre foi mediada pela educação”

(MAIA, 2011, p. 17). Neste contexto atual a instituição escolar pode ser o lugar

adequado para iniciar e aprofundar esse enfrentamento. Implica salientar que, do

interior da própria escola devem partir as iniciativas de superação da ideologia da

educação para o mercado, indo além, formar para o trabalho que emancipa e não que

escraviza.

Entretanto é importante salientar que não é dever da escola resolver tais questões

de forma direta, mas levar a apropriação dos instrumentos culturais produzidos

socialmente e acumulados historicamente pelos homens aos indivíduos permitindo, em

função dessa apropriação, o enfrentamento da problemática exposta. Surge então a

questão que motiva esse estudo: Como deve ser a escola para atender a demanda dessa

realidade?

A resposta pode ser concebida buscando identificar as concepções do que quer a

sociedade centrada nesse modo de produção responsável pela exclusão social que, sob a

bandeira do neoliberalismo globalizado, busca atender a demanda do mercado e

conduzir para a formação de profissionais acríticos, técnico-utilitários em detrimento de

uma formação ético-política prontos para servir e perpetuar a sociedade de classes e as

mazelas socioambientais. Portanto, a escola volta-se para a superação do modo de

produção ou pode seguir perpetuando-o, dependerá do compromisso de sua

comunidade.

Para que a escola comprometa-se com a classe trabalhadora, no sentido de

desenvolver nos educandos a consciência filosófica (SAVIANI, 2007) e possibilite o

domínio por parte deles das produções do gênero humano é preciso uma educação

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emancipatória e uma educação ambiental de caráter sócio-histórico. Esta pode ser

caracterizada como o processo pedagógico que tematiza o ambiente, levando à

apropriação da cultura e das produções do gênero humano e que permite o

enfrentamento da crise societária por que passa a humanidade (MAIA, 2011, p. 47)

Também há a necessidade de que os professores, como intelectuais orgânicos,

partam da prática social, problematizem a realidade, instrumentalizem seus estudantes,

levando-os a catarse para retornarem prática social de forma sintética. E ainda

considerar a premissa de que precisamos de uma educação que permita a integração de

educandos e educandas à sociedade e não como indivíduos a serviço dela. A idéia

principal é pensar a escola como uma instituição, capaz de gerar processos e estratégias

que superem a abordagem utilitarista e competitiva de que somos vítimas.

Evidente que a referida abordagem (utilitarista e competitiva) tem origem na

desintegração da economia feudal pelo desenvolvimento do capital mercantil.

A partir daí e dos inúmeros avanços do ponto de vista científico e tecnológico,

elaborou-se as condições para a substituição do paradigma orgânico de natureza pelo

modelo mecânico. Essa condição teve conseqüências substanciais no desenvolvimento

do modo de produção que vigora atualmente, e que em última instância, influencia o

pensar e o fazer na sociedade em que vivemos.

A lógica cartesiana e o pensamento positivista alimentaram essa produção e

favorecerem, em última instância, a lógica do capital. Nesse sentido podemos afirmar

que a ciência esteve e ainda está a serviço desse modo de produção.

A escola cuja função é o ensino e que reproduz a divisão de classes já que desde

sua origem como instituição social promove a “distribuição” desigual do saber, precisa

se superar. Não pode mais legitimar essa divisão do saber. Entretanto, como fazê-lo

diante da fragmentação do saber, da divisão de classes e de uma ciência comprometida

com os interesses das classes dominantes? O problema maior é que o processo de

formação inicial de professores não dá conta do aprofundamento dessas questões e de

como esses elementos se manifestam no ambiente escolar e na sala aula.

A formação permanente poderia fazê-lo, mas não pode estar submetida a

concepções de pensadores que abordam os problemas da sala de aula de forma

“ahistórica”, descontextualizada da realidade de estudantes e professores.

André et al (1999) ao estudar dissertações e teses sobre o estado da arte na

formação de professores extrai delas a concepção de formação continuada de

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professores como um o processo crítico reflexivo sobre o saber docente em suas

múltiplas determinações, sendo o professor centro do processo de formação continuada,

atuante como sujeito individual e coletivo do saber docente e participante da pesquisa

sobre a própria prática. E estabelece como objetivos desenvolver novos meios do

professor realizar seu trabalho pedagógico com base na reflexão sobre a própria prática

e que deve se estender ao longo da carreira e se desenvolver, preferencialmente, na

instituição escolar.

Com essas preocupações, os objetivos do estudo que originou este artigo foram:

• Construir em parceria com um grupo de professores da educação fundamental em uma escola pública, uma proposta de inserção, planejamento e execução de ações de educação ambiental na perspectiva sócio-histórica a partir das práticas pedagógicas destes professores.

• Avaliar em conjunto com os professores componentes do grupo as ações de educação ambiental sócio-histórica com vistas ao aprimoramento das práticas docentes e da proposta desenvolvida.

Para atingir esses objetivos, este estudo realizou-se em uma escola de Pública da

Educação Básica no interior do Estado de São Paulo. Considerando a “necessidade de

formação permanente dos professores com estratégias metodológicas participativas do

planejamento, realização e avaliação do seu “que-fazer” pedagógico” (MAIA,

TOZONI-REIS; TEIXEIRA, 2010, p. 5) os procedimentos metodológicos tiveram como

referência a metodologia da pesquisação.

Esta metodologia, estruturada dentro de seus princípios geradores, possibilita

uma pesquisa eminentemente pedagógica, dentro da perspectiva de ser o exercício

pedagógico, configurado como uma ação que cientificiza a prática educativa, a partir de

princípios éticos que visualizam a contínua formação e emancipação de todos os

sujeitos da prática (FRANCO, 2005).

Foram convidados os professores que se interessavam por educação ambiental

que gostariam de desenvolvê-la em suas ações pedagógicas. A partir desse momento

organizou-se um Grupo de Professores da educação fundamental e iniciamos a

elaboração de uma proposta de ação a partir a realidade dos professores do grupo e da

comunidade escolar em seus horários de trabalho pedagógico coletivo. Ocorreram 89

reuniões ao longo de três anos. As ações foram divididas em três etapas: a primeira

denominada fase inicial, caracterizou-se por um diagnóstico dos aspectos significativos

para o grupo do ponto de vista da educação ambiental, da formação dos professores e a

realidade local. Estes itens foram problematizados de forma a evidenciar os elementos

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da prática social relevantes para a estruturação da proposta de educação ambiental na

escola.

O segundo momento denominado fase intermediária evidenciou-se pelo estudo

junto ao grupo de professores dos teóricos diretamente ligados a pedagogia histórico-

crítica, educação ambiental crítica e da pesquisação. Utilizou-se como referenciais para

esse estudo: Alves (2006), Duarte (2003a e 2003b), Saviani (1991, 2001 e 2005),

Faladori (2000), Loureiro (2007, 2004), Segura (2001), Tozoni-Reis (2004, 2007 e

2008) e Thiollent (1992). Este momento possibilitou a apropriação dos instrumentos

teóricos e práticos para lidar com a problemática socioambiental local, bem como com

as questões pedagógicas e com a organização da escola. Foi um momento de forte

diretividade por parte do pesquisador. Houve leitura, produção de textos, seminários

desenvolvidos pelos professores, estudos em conjunto de forma a possibilitar o

aprofundamento teórico necessário ao desenvolvimento da proposta. Esta fase concluiu

com a elaboração de uma proposta de intervenção na escola.

A terceira fase denominada fase de aplicação e avaliação, que em si foi um

retornar à prática social de forma mais elaborada, constituiu-se pelo desenvolvimento,

aplicação e avaliação do projeto elaborado pelos professores do grupo para o

enfrentamento das questões socioambientais que se mostraram pertinentes.

O grupo constituiu-se de 3 professores de biologia, 3 de história, 2 de geografia,

2 de matemática, 1 de física, 2 de química, 2 de língua portuguesa, 2 de educação física,

1 de educação artística 1 pedagogo e 1 de ciências sociais. Esses professores atuam no

ensino fundamental e médio dentro de suas especificidades. Todavia, decidiram pela

implementação do projeto de educação ambiental junto ao ensino fundamental.

À medida que o trabalho se desenvolvia pode-se constatar significativos

elementos que se mostraram como empecilhos para o desenvolvimento das ações.

O processo de estudo

Elementos da fase inicial: Concepções de educação ambiental: os professores

entendiam a educação como estudo do ambiente, Ecologia, forma de preservar a

natureza, conscientização no sentido de informar sobre os problemas ambientais, forma

de se relacionar com a natureza, estratégia de gestão ambiental, e como

desenvolvimento sustentável para a qualidade de vida.

Pode-se verificar que não houve, entre os professores pesquisadores, aqueles que

expressaram uma abordagem sócio-histórica da educação ambiental. Limitam-se, em

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geral, a relacionar a educação ambiental com natureza e com seus processos, ignorando

a participação humana na transformação do meio. Também é importante considerar que

todas essas formas de entendimento visam, em última instância, segundo os professores,

a conscientização de seus alunos. Também é possível notar que há uma percepção de

que o ambiente pode ser gerenciado como uma empresa que, se bem gerida, não terá

problema. A educação ambiental possibilitaria essa gestão. Destaca-se a ideia de que

educação ambiental se confunde com o desenvolvimento sustentável. Sabemos que o

desenvolvimento sustentável é um conceito polêmico. De forma mais geral temos que o

desenvolvimento sustentável, da maneira como tem sido divulgado no mundo, é mais

uma forma do Capital manter-se, seguindo a lógica da mudança dentro do sistema e não

a mudança do sistema.

Concepções de problema ambiental: os professores elencaram como problemas

ambientais aqueles veiculados nos grandes meios de comunicação como o aquecimento

global, destruição de áreas florestais, destruição da fauna e flora. Todavia, ao tratarem

dos problemas ambientais no entorno da escola evidenciaram a falta de arborização das

ruas, falta de conscientização e compromisso dos moradores do bairro com o ambiente

no entorno explícitos pela contaminação da água nos córregos próximos a escola,

descarte de resíduos em terrenos baldios, pichações, além do descaso do poder público

com a comunidade da periferia. Excesso de queimadas na região.

Verifica-se na abordagem dos professores a natureza como ponto de partida em

detrimento da sociedade humana, o que caracteriza uma forma de educação ambiental

que Faladori (2000) denominou ecocentrismo, em que se encontram adeptos da ecologia

profunda e os verdes que entendem como a causa da crise ambiental a ética

antropocêntrica, o desenvolvimento industrial e o crescimento populacional. O anterior

descrito apesar de apresentar potencial para o desenvolvimento da criticidade do

professor e de seus estudantes, não sendo problematizada na perspectiva social e

histórica, perde a oportunidade de uma compreensão mais profunda da questão

socioambiental. Na proposição dos professores o foco da compreensão está nos efeitos

das relações humanas com o ambiente, nas conseqüências da ação humana sobre o

ambiente, desvinculando-o dos fatores culturais, sociais e históricos que em síntese são

seus determinantes.

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Concepções de soluções para os problemas ambientais: essa terceira categoria

relacionada fase inicial do presente trabalho evidenciou que há significativas influências

das propostas de solução dos veículos de divulgação em massa, bem como das várias

instituições ligadas a grupos privados que se manifestam na escola. Estes últimos

trazem suas propostas de trabalho com concepções que, na maioria das vezes, não se

apresentam de forma crítica em relação às questões inerentes os problemas

socioambientais. Dessa forma, os elementos teóricos empobrecidos dos fundamentos

para a elaboração da consciência filosófica inviabilizam a efetivação da educação

ambiental que propomos aqui não considerando o enfretamento que necessita realizar.

Também impõem a escola determinadas responsabilidades que não são as dela de fato.

No sentido de conduzir estudantes e professores a entenderem que a situação de crise

atual apenas no plano subjetivo e não no genérico.

A segunda etapa do processo, isto é, a fase intermediária permitiu problematizar

e instrumentalizar os professores de forma a alertá-los de que é possível realizar uma

educação ambiental comprometida com atual modo de produção, ou outra que busca

superá-lo em prol de uma nova organização societária. Houve muitos embates e

conflitos, processos arraigados e procedimentos cristalizados que, por muitas vezes

inviabilizaram o aprofundamento das análises relevantes para o avanço do grupo. Esta

foi uma etapa difícil, mas a coesão do grupo permitiu avançar para a próxima etapa.

Neste momento o grupo considerou os seguintes problemas no entorno da escola para

organizar a proposta de ação: A falta de arborização das ruas; Falta de conscientização

dos moradores do bairro; Contaminação da água nos córregos próximos a escola;

Descarte de resíduos em terrenos baldios, pichações; Descaso do poder público com a

comunidade da periferia; Excesso de queimadas na região.

Para lidar com os problemas elencados por eles, um intenso trabalho começou.

Iniciou-se a terceira fase denominada fase de aplicação e avaliação. Houve, então,

necessidade de divisão de tarefas, estudos coletivos sobre os diversos temas para

compreender suas origens históricas, que caminhos seguir do ponto de vista da

educação, do papel da escola, da influência do Governo do Estado com sua proposta

curricular, entre outros, preocupava os participantes. Tomaram vulto, a partir desse

evento, muitas ações: os professores sentiam-se seguros de suas intenções e do que

poderiam fazer para participar. Cada etapa era discutida com disposição e idéias

surgiam para o enfrentamento dos problemas que consideravam relevantes. Para lidar

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com a falta de arborização, planejaram plantio de mudas nas margens do córrego

próximo a escola. Estudaram as peculiaridades da formação da mata ciliar e quais

plantas deveriam ser introduzidas para recuperação da área no entorno do corpo de

água.

Para enfrentar a falta de conscientização da população organizaram, no contra

turno dos períodos escolares, um conjunto de atividades com os alunos e convidaram os

familiares para que participassem. Essa atividade resultou em um grupo de estudos com

a comunidade que apresentava seus problemas que eram discutidos pelo pesquisador

que participou intensamente dessa etapa e pelos professores, mas nem sempre os

mesmos. Posteriormente um estudante de graduação em geografia assumiu essa

atividade sob supervisão das coordenadoras e produziu seu trabalho de conclusão de

curso estudando aspectos relevantes de interesse da geografia física.

Em relação à contaminação do córrego, os professores entraram em contato com

a Escola Técnica Estadual do município e em conjunto com a Professora de Química

dessa instituição realizaram várias coletas da água do córrego, procederam análises,

evidenciado problemas que chamaram atenção da vigilância sanitária, que apesar de

alertados pela escola do problemas ligados a contaminação, não admitiram

publicamente que a escola foi quem expôs a ocorrência de larvas de vermes da

esquistossomose (Schistosoma sp) no local.

Os outros aspectos, ainda que discutidos no grupo mostraram-se fora do alcance

do professores no momento. As queimadas na região devem-se a cultura de cana de

açúcar. Esse é um complexo e complicado problema ambiental que envolve muitos

fatores e, por isso, os professores pesquisadores, que perceberam a dificuldade de lidar

com essa questão, decidiram lidar com problemas mais próximos do entorno da escola.

O descaso do poder público foi encarado como um abandono geral da prefeitura

em relação ao bairro que se modificou com a participação da vigilância sanitária e

epidemiológica na região em função da denúncia da escola, em relação córrego. O

Grupo aprendeu que e como é possível chamar a atenção do poder público evidenciando

os problemas locais.

Uma iniciativa do poder público municipal que se observou foi a fiscalização de

terrenos baldios no bairro. A Prefeitura exigiu que os proprietários limpassem os

terrenos, os cercassem, estabelecendo prazos para isso que se não cumpridos,

resultariam em multas. A Ronda Escolar tornou-se mais efetiva na região, gerando certa

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tranquilidade na comunidade, fato comentado pelas mães que participavam dos

encontros no contra turno. A ação dos professores chamou de tal forma a atenção na

cidade que uma rede de televisão local realizou entrevista com o pesquisador acadêmico

para divulgar as atividades da escola.

Ocorria uma notória inversão, determinada pela forma de atuação dos

professores: os problemas externos a instituição, que geralmente “invadem” a escola se

apropriando dela e limitando sua atuação, reduziram sua força de expressão, agora era a

escola que se apropriava do entorno levando sua plena manifestação para além de seus

muros e auxiliando a comunidade.

Todavia, apesar do enorme esforço da equipe de professores pesquisadores, de

suas muitas e importantes idéias, das modificações que se processaram na instituição,

mais dificuldades surgiram. Nestes momentos o grupo buscava avaliar os resultados do

trabalho desenvolvido, a efetividade da ação.

Na fase da avaliação, ficou evidente que apesar do esforço do professores,

inúmeras foram as limitações do projeto, relacionadas aos professores pesquisadores, ao

pesquisador, a organização da escola e do trabalho pedagógico. Faltou ao projeto, além

do anterior exposto, tempo, apesar dos 3 anos de trabalho e financiamento. Alguns

pontos de carência necessitam de destaque como a necessidade de potencializar a

participação dos estudantes, adequar as ações ao Currículo do Estado de São Paulo,

exigência da Diretoria de Ensino, superar a carência dos recursos materiais e buscar

envolver mais professores nas atividades. Esse é o desfio seguinte do grupo de

professores pesquisadores.

Conclusões

Os resultados desse estudo foram considerados a partir da concepção de

ambiente, percepção de problemas ambientais e dificuldades para as práticas de

educação ambiental. Essas considerações permitiram identificar e compreender como os

professores pensam sua prática e identificar suas dificuldades em relação ao processo

pedagógico e a organização da escola, verificando sua condição como profissional da

educação e sua realidade.

Essa condição como profissional e a realidade dos professores mostraram-se

significativas e foi necessário explorá-las, já que se evidenciou determinante dos

constituintes das concepções que os professores apresentavam sobre o processo

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pedagógico, sua formação e sobre sua prática. A dura realidade desses profissionais,

submetidos à condições materiais aviltantes, torna o trabalho alienado e, dessa forma,

resulta em pouca participação na produção das objetivações humanas. Essa condição, do

ponto de vista da formação do professor, empobrecendo a apropriação e objetivações

criativas necessárias para levar o professor a um nível mais aprimorado, aproximando-o

de sua auto-realização, das possibilidades de formação humana plena e omnilateral

Some ao anterior o ímpeto dos professores para, ao lidar com as questões de

ordem socioambiental locais e regionais, buscar resolver problemas de forma imediata.

Aprender a pesquisar e a refletir sobre essas demandas no sentido de considerar que a

escola não é responsável pela resolução dessas questões, ainda que nela sejam

elaboradas as ferramentas para esse enfrentamento, foi condição para avançar o projeto

na instituição. Com o aprofundamento teórico realizado nos encontros, reuniões e

dinâmicas pudemos trabalhar essas dificuldades. Também contamos com o auxílio da

direção da escola, sem a qual não teríamos avançado na implementação da proposta.

Essa vivência trouxe ao grupo de professores pesquisadores certa confiança que

permitiu a eles entender que é possível reorganizar o trabalho pedagógico, rever

concepções e elaborar novas abordagens. Olhar para sua prática, problematizá-la e abrir

condições para aprimorar-se profissionalmente e ter condições de lidar com a realidade

difícil que os cerca diariamente.

A pesquisação permitiu partir da pratica social, problematizá-la e

instrumentalizar os professores para a compreensão de seu papel na sociedade e retornar

a prática de forma a entendê-la de maneira um pouco mais sintética. Contudo cabe

destacar que o universo escolar é complexo, estruturado em bases que dificultam e, por

vezes, inviabilizam as ações críticas. Nosso exercício atendeu a uma pesquisa, mas em

hipótese alguma deu conta dos diversos problemas da realidade escolar na instituição de

ensino que trabalhamos. Os problemas humanos e sociais associados à forma como a

escola está organizada encobrem ideologias como a da neutralidade política, o do

compromisso da educação com mercado inviabilizando a percepção, compreensão e

enfrentamento dos conflitos no espaço escolar que são gerenciados de forma a favorecer

alguns em prejuízo de muitos, reproduzindo a sociedade de classes.

Referências

ALVES, G. L. A produção da escola pública contemporânea. 4. ed., Campinas/SP: Autores associados, 2006.

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Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.005759