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Educação Ambiental e Mudanças Climáticas

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Esta publicação é resultado de uma ação coordenada pelo Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA), realizada no segundo semestre de 2010, reunindo discussões com educadores, levantamento de dados e intercâmbio em rede virtual com outros formuladores em Educação Ambiental (EA). Diferentes áreas do conhecimento foram articuladas e sintonizadas ante o desafio de construir caminhos alternativos para o enfrentamento dos impactos das Mudanças Climáticas (MC), vistos principalmente como consequência da ação humana. O objetivo é apresentar dados, informações e análises sobre a relação entre EA e MC, contendo: (I) síntese histórica dos documentos mais expressivos sobre a temática; (II) objetivos; (III) princípios; (IV) diretrizes e (V) estratégias de ação.

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  • Parmetros e diretrizes para a Poltica Nacional de Educao Ambiental no contexto das Mudanas Climticas causadas pela ao humana

    Texto: Irineu Tamaio

    Braslia/DF, junho de 2013

    EDUCAO AMBIENTAL

    MUDANAS CLIMTICAS DILOGO NECESSRIO NUM MUNDO EM TRANSIO

    &

    Ministrio do Meio AmbienteSecretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental

    Departamento de Educao Ambiental

    Srie EducAtiva

  • Repblica Federativa do BrasilPresidenta: Dilma Rousseff

    Vice-Presidente: Michel Temer

    Ministrio do Meio AmbienteMinistra: Izabella Teixeira

    Secretrio Executivo: Francisco Gaetani

    Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania AmbientalSecretria: Mariana Meirelles

    Chefe de Gabinete: Antoniela D Vicente Borges

    Departamento de Educao AmbientalDiretor: Nilo Srgio de Melo Diniz

    Gerente de Projetos: Renata Rozendo Maranho

    Endereo do EditorMinistrio do Meio Ambiente, Departamento de Educao Ambiental

    Esplanada dos Ministrios Bloco B, sala 95370068-900 Braslia DF

    Tel: 55 61 2028.1207 Fax: 55 61 2028.1757

    Centro de Informao e Documentao Ambiental CID Ambientale-mail: [email protected]

    Texto:Irineu Tamaio

    Fotos cedidas gentilmente por:Jeff erson Rudy, Martim Garcia, Sandro Mollica, Tahin Diniz e Arquivo MMA

    Reviso:Renata Rozendo Maranho

    Jos Luis Neves XavierSolange Ferreira Alves

    Superviso:Nilo Srgio de Melo Diniz

    Diagramao e Impresso:Grfica e Editora Movimento

    As ideias e informaes apresentadas neste trabalho so de inteira responsabilidade do autor, bem como referncias bibliogrficas citados. As opinies apresentadas no expressam necessariamente posicionamentos do MMA.

  • As Conferncias da ONU sobre Mudana do Clima (COP-18 e COP/MOP-8), realizadas no fi nal de 2012, em Doha, no Qatar, trouxeram como um dos seus resultados mais relevantes a adoo, apoiada por mais de 190 pases, do segundo perodo de compromisso do Protocolo de Quioto, com sua extenso at 2020. Mais do que um documento, o Protocolo expressa a convico de que lidar com a mudana global do clima exige aes baseadas no multilateralismo, com uma abordagem fundamentada em regras e na defesa da integridade ambiental como princpio do regime internacional sobre mudana do clima.

    O Brasil exerceu importante funo nesse resultado e foi, mais uma vez, elogiado por vrios pases por seu desempenho nas negociaes. Na verdade, o nosso pas est trabalhando para cumprir os compromissos nacionais voluntrios, no mbito do referido regime informados Conveno sobre Mudana do Clima aps a Conferncia de Copenhague, especialmente reduzindo o desmatamento na Amaznia e em outros biomas.

    Atualmente, o Protocolo de Quioto a expresso mais prtica da convico de que lidar com a Mudana do Clima, seja em aes de mitigao ou de adaptao, requer uma mobilizao da sociedade alm dos esforos de governos que, se atuarem de maneira isolada, tero suas iniciativas fadadas ao fracasso. Esse esforo exige o compromisso mtuo de todos os pases. Em Doha, reafi rmarmos, portanto, o compromisso de continuar participando ativamente na Conveno Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima, conscientes de que o multilateralismo a ferramenta mais adequada para lidar com o aquecimento global.

    Mas queremos mais. necessrio mais. Alguns pases signatrios do Protocolo de Quioto esto gradualmente se afastando das obrigaes estabelecidas pela Conveno e pelo Protocolo. So pases que no esto empenhando esforos sufi cientes para mitigar a mudana do clima, nem se dispondo a apoiar os pases em desenvolvimento para que cresam com base em baixa intensidade de carbono, e promovam aes de mitigao e adaptao.

    Nesse contexto, fundamental a informao, a mobilizao social e a educao ambiental em escala local, nacional e internacional. A sociedade precisa acompanhar de perto a evoluo dos acontecimentos e das negociaes em curso, porque so, afi nal, seus representantes, em todos os nveis, que esto enfrentando, com maior ou menor responsabilidade, esse grande desafi o do nosso tempo. Muito mais do que responsabilidade de governos, as polticas pblicas relativas mudana do clima em nosso pas e no mundo exigem conhecimento, participao e iniciativa de todos e de todas. Se a ao humana, conforme afi rma o Painel Intergovernamental sobre Mudana Climtica (IPCC), rgo criado pela Organizao das Naes Unidas (ONU), responde por grande parte das alteraes recentes observadas no clima do nosso planeta, ser tambm pela ao, participao e, portanto, pela educao que esta gerao poder fazer a diferena positiva no presente e no futuro.

    PREFCIO Izabella Mnica Vieira TeixeiraMinistra de Estado do Meio Ambiente

  • Mudana do Clima e aEducao Ambiental Carlos Augusto Klink

    Secretrio de Mudanas Climticas e Qualidade Ambiente

    O enfrentamento aos desafios apresentados pela mudana do clima tem se tornado um dos mais relevantes de nosso tempo. A partir do alerta dado por cientistas, o tema alcanou as agendas dos governos e da sociedade civil, necessitando, doravante, consolidar-se nas preocupaes das populaes mais vulnerveis aos seus efeitos.

    Mesmo com as mudanas naturais do clima, ocorridas ao longo da histria da terra, cada vez mais so detectadas alteraes recentes em funo das atividades humanas. Estudos do IPCC Painel Intergovernamental sobre Mudana Climtica, rgo criado pela Organizao das Naes Unidas ONU, projetam a possibilidade de um aquecimento global variando entre 2 C a 5,8 C em um futuro prximo.

    O aquecimento do planeta pode intensificar eventos climticos, como secas, furaces, enchentes e tempestades, elevar os nveis dos oceanos, alterar o regime de chuvas e, assim, impactar a agricultura, as ocupaes urbanas, o uso dos recursos hdricos, a matriz energtica, causando incomensurveis prejuzos econmicos e sociais. Sob esse aspecto, so urgentes as aes para mitigar a mudana do clima por meio da reduo da emisso de carbono e outros gases de efeito estufa, bem como proporcionar os meios para que a sociedade se adapte aos efeitos dessas mudanas, sobretudo as parcelas mais vulnerveis a eventos extremos.

    Entre as polticas pblicas para lidar com esse desafio, assumem relevncia mpar as aes de educao ambiental, preparando as geraes atuais e futuras para conviver com essa nova realidade. Torna-se essencial mostrar que os fenmenos climticos originados nesse novo contexto no so eventos distantes e episdicos, mas que afetam, e afetaro cada vez mais, o dia a dia das pessoas. A Secretaria de Mudanas Climticas e Qualidade Ambiental do Ministrio do Meio Ambiente, responsvel por orientar as aes relativas mudana do clima e apoiar a implementao das diretrizes da Poltica Nacional sobre Mudana do Clima, sada a presente publicao e faz votos de sucesso para as solues ora propostas.

  • NDICE

    1. Apresentao .......................................................................................................................................................................................9

    2. Olhares educativos para o enfrentamento das Mudanas Climticas ...............................................................................11

    3 Antecedentes .....................................................................................................................................................................................15 3.1 Compreenso do fenmeno Mudanas Climticas .......................................................................................................15 3.2 Mudanas Climticas no Brasil ............................................................................................................................................24 3.2.1 Como o Brasil estar em 2100: projees insustentveis ................................................................................25

    4. Caminhos em busca de uma soluo ..........................................................................................................................................29 4.1 Grandes solues: um exemplo da crena tecnolgica ...............................................................................................29 4.2 Em busca do reconhecimento: IPCC x Cticos na controvrsia da cincia do clima ............................................30

    5. Os interesses geopolticos se revelam: as negociaes globais ..........................................................................................33 5.1 Cenrio Ps-Copenhague .....................................................................................................................................................36

    6. Mudanas Climticas como um campo em institucionalizao: trajetrias na sociedade e nas polticas de Estado ....................................................................................................................................................................39

    7. O processo de emergncia da poltica pblica de Educao Ambiental para uma sociedade de baixo carbono .........................................................................................................................................................45 7.1 Mapeando e construindo as diretrizes de EA no contexto das Mudanas Climticas.........................................46 7.2 Sentir e fazer Educao Ambiental frente ao risco do colapso civilizacional ........................................................48 7.3 As ressonncias da cincia do clima na EA ......................................................................................................................50 7.4 (Re) pensar os conceitos e suas significaes .................................................................................................................51

    8. Desafios para a construo da poltica pblica de EA nesse contexto ..............................................................................53 8.1 Mapeamento de algumas iniciativas .................................................................................................................................54

    9. Propondo referncias: onde, como e quando fazer EA diante dessa situao de crise? ..............................................59 9.1 Princpios ...................................................................................................................................................................................59 9.2 Diretrizes ...................................................................................................................................................................................61 9.3 Objetivos ...................................................................................................................................................................................61 9.3.1 Poltica pblica para EA e Mudanas Climticas ................................................................................................61 9.3.2 Processos formativos .................................................................................................................................................62 9.3.3 Mobilizao e engajamento ....................................................................................................................................63 9.4 Estratgias de ao .................................................................................................................................................................64

    9.4.1 Aes do rgo Gestor da Poltica Nacional de Educao Ambiental (MMA e MEC) .............................64

    9.4.2 Governos (federal, estadual e municipal), Universidades, mdia e sociedade civil promoo e participao nos processos de mobilizao e engejamento .................................................65

    9.4.3 Abordagens terico-metodolgicas recomendadas para as aes de EA e Mudanas Climticas .................................................................................................................................................67

    10 Algumas sugestes para o desenvolvimento de aes .........................................................................................................71

    11 Dicas de como contribuir para enfrentar as Mudanas Climticas.....................................................................................75

    Referncias Bibliogrficas .......................................................................................................................................................................81

    Endereos eletrnicos recomendados ................................................................................................................................................87

    Blogs e portais ............................................................................................................................................................................................93

    Glossrio de abreviaturas e siglas ........................................................................................................................................................95

  • 9Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    1. Apresentao

    Esta publicao resultado de uma ao coordenada pelo Departamento de Educao Ambiental do Ministrio do Meio Ambiente (DEA/MMA), realizada no segundo semestre de 2010, reunindo discusses com educadores, levantamento de dados e intercmbio em rede virtual com outros formuladores em Educao Ambiental (EA). Diferentes reas do conhecimento foram articuladas e sintonizadas ante o desafio de construir caminhos alternativos para o enfrentamento dos impactos das Mudanas Climticas (MC), vistos principalmente como consequncia da ao humana. O objetivo apresentar dados, informaes e anlises sobre a relao entre EA e MC, contendo: (I) sntese histrica dos documentos mais expressivos sobre a temtica; (II) objetivos; (III) princpios; (IV) diretrizes e (V) estratgias de ao.

    importante destacar que esta publicao no visa apresentar ao debate, de forma aprofundada, os aspectos cientficos que envolvem a grave crise das alteraes do clima, o que seria pertinente a especialistas e tcnicos da rea, alguns dos quais reunidos na Secretaria de Mudanas Climticas e Qualidade Ambiental do MMA. O que se busca aqui estimular a reflexo, a ao e a elaborao de polticas pblicas que tenham foco na relao do fenmeno climtico com a EA. Ou por outra, como a ao educativa pode contribuir para esse grande enfrentamento, tendo como referncia os preceitos poltico pedaggicos do Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis1, as diretrizes e princpios da Poltica Nacional de Educao Ambiental (Lei 9795/99) e do Programa Nacional de Educao Ambiental (ProNEA, 2005).

    Nesse sentido, o relato e a anlise aqui apresentados buscam indagar ao campo da EA as seguintes questes: qual o papel da EA frente a esse grave problema socioambiental global conhecido como Mudanas Climticas? O que vem sendo feito e como est sendo realizado? A EA brasileira tem contribudo para enfrentar esse fenmeno? Como? H repertrio suficiente? O que existe de relevante? Como educadores ambientais e organizaes no governamentais (ONGs) vem enfrentando o desafio de trabalhar o tema fora da escola? Como deve ser a poltica pblica nessa esfera?

    Esta publicao reconhece o lugar e a relevncia da EA diante do problema climtico, especialmente no que concerne a seu processo de formulao e insero em dilogo com polticas

    1 O Tratado foi um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho das organizaes no governamentais (ONGs), reunido no Frum Global da ECO-92, no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992.

  • 10 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    pblicas vinculadas s causas, ocorrncias e efeitos das Mudanas Climticas. Reconhece, ainda, que a busca por solues vai muito alm do desenvolvimento da cincia, das negociaes multilaterais ou da geopoltica. Envolve tambm a informao, a mobilizao e a participao de todos, estratgia para a qual a EA tem muito a contribuir.

    A partir dessa publicao, na esfera das questes climticas, o Departamento de Educao Ambiental (DEA) acredita contribuir para que as aes e os projetos de EA no Brasil aprimorem a sua postura ao questionar e propor alternativas viso ainda hegemnica de um modelo de desenvolvimento que aposta no crescimento desenfreado, na infinitude dos recursos naturais, nas solues tecnicistas e na superutilizao do ambiente.

    Assim, pode-se pensar em uma poltica pblica de EA para o enfrentamento desse fenmeno que proponha a construo de alternativas viveis para a reduo de gases de efeito estufa (GEE), colaborando para o fortalecimento de uma cultura de paz que trabalhe pela construo de uma sociedade cada vez mais democrtica, de baixo carbono, responsabilidade no apenas de governos, mas de todos os cidados e cidads, florestos e florests e, em especial, de educadores e educadoras ambientais.

    Nilo Srgio de Melo DinizDiretor do Departamento de Educao Ambiental do MMA

    Irineu TamaioProfessor da Universidade de Braslia

  • 11Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    O ano de 2007 representou um marco histrico para o campo conceitual das mudanas do clima. Nesse ano, o quarto relatrio do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC2) foi divulgado trazendo dados cientfi cos que apontavam e validavam, em nome da cincia, a ao humana como a grande responsvel pelo avano brusco das alteraes climticas e, a partir da, tivemos uma ampla discusso, com debates, encontros, documentrios e informaes na mdia, conferncias, tratados, planos e programas voltados temtica Mudana Climtica.

    No entanto, nunca ficaram to evidentes a inrcia e a dificuldade de negociao para reverter esse processo acelerado de mudana do clima. Mesmo diante das poucas iniciativas prticas de enfrentamento do problema, notamos que as vises tendem para uma abordagem tecnicista, distante de uma ao cidad, desprezando a atuao das pessoas, seu modo de vida, seu envolvimento poltico/social e o seu papel no aumento da emisso de GEE.

    As Mudanas Climticas causadas pela ao humana so um fenmeno comprovado pela cincia, ou seja, existem, so emergenciais e irreversveis para a atual gerao. Trata-se de um fenmeno complexo, multidisciplinar e abrangente e, de uma forma ou de outra, em maior ou menor escala, suas consequncias afetaro a todos, em todos os lugares.

    Grande parte da vida na Terra est ameaada, na medida em que constatamos a forma acelerada de destruio e degradao dos ecossistemas, devido ao agravamento do aquecimento global, que o principal responsvel pelas mudanas do clima. Segundo estudos cientficos divulgados pela Organizao das Naes Unidas (ONU), 63% dos servios ambientais oferecidos pelos ecossistemas esto seriamente afetados, os recursos naturais consumidos pela populao global superam em 30%

    2 O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, na sigla em ingls, ou Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas, em portugus) foi criado pela ONU, em 1988, com o objetivo de reunir, sistematizar e publicar grande parte do conhecimento cientfi co em processo de construo que seja relevante para o entendimento das mudanas do clima. At hoje foram produzidos quatro relatrios. O primeiro, em 1990, apontava evidncias do aumento dos gases de efeito estufa, fornecendo assim dados para a formulao da Conveno das Mudanas Climticas, elaborada pelos pases participantes da Conferncia Eco-92 e ratifi cada em 1994. Os segundo e terceiro relatrios, publicados, respectivamente, em 1995 e 2001, tratavam de fundamentar as negociaes do Protocolo de Quioto, que regulamentou a Conveno que entrou em vigor em 2005. J o quarto relatrio, lanado em 2007, reconhece e adverte que as atividades promovidas pela ao humana tm acelerado a mudana global do clima.

    2. Olhares educativos para o enfrentamento das Mudanas Climticas

  • 12 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    a capacidade de oferta e regenerao espontnea da natureza e, pior ainda, essa pegada ecolgica3

    muito desigual entre os grupos sociais e entre os pases. A questo central so as consequncias resultantes da mudana do clima que afetam, de forma mais direta, os grupos sociais e as comunidades mais vulnerveis.

    A Cincia do Clima adverte que, se queremos evitar eventos extremos que provocam catstrofes e danos a todas as formas de vida, principalmente a humana, deveremos adotar princpios de precauo e no deixarmos a temperatura mdia do planeta ultrapassar o limite de 1,5 a 2C (graus Celsius) at 2100, nvel considerado relativamente seguro por especialistas, mas que j implica em consequncias severas.

    O problema que os gases de efeito estufa (GEE)4, emitidos de forma mais acelerada a partir do sculo 19, j representam um aquecimento real de 0,76C. E ainda temos os gases que esto sendo e sero emitidos pela ao humana e que continuaro por muitos anos na atmosfera, contribuindo para que o aquecimento global provoque mais mudanas do clima.

    Pesquisas realizadas em 2009 pela Universidade de East Anglia (Inglaterra), a partir de novos dados sobre as emisses mundiais de CO2 (dixido de carbono, principal gs causador do efeito estufa), indicam que o planeta est a caminho de esquentar 6C neste sculo se no houver um esforo concentrado para diminuir a queima de combustveis fsseis. Essa possibilidade vista como a mais pessimista, considerada o pior cenrio pelos especialistas.

    A maioria dos resultados das pesquisas cientficas relacionadas ao tema mostram que nos aproximamos rapidamente de um ponto de no retorno. Podemos chegar a uma situao em que no ser mais possvel restabelecer e reequilibrar o sistema climtico no qual a vida terrestre se adaptou e evoluiu. Os desafios so dramticos. Nesses ltimos 150 anos, a humanidade adotou um modelo de estilo de vida que est levando a uma situao em que os mais pobres, mais fracos e menos protegidos

    3 A Pegada Ecolgica surgiu em 1996, criada pelos cientistas canadenses William Rees e Mathis Wackernagel, da Universidade de Columbia Britnica, como um indicador de sustentabilidade. Foi criada para ajudar a perceber o quanto de recursos da Natureza utilizamos para sustentar o nosso estilo de vida, o que inclui a cidade e a casa onde moramos, os mveis que temos, as roupas que usamos, o transporte que utilizamos, aquilo que comemos e assim por diante. Ela nos mostra at que ponto a nossa forma de viver est de acordo com a capacidade do planeta de oferecer e renovar seus recursos naturais, e absorver os resduos que geramos por muitos e muitos anos. Segundo o relatrio Planeta Vivo de 2008, publicado pela ONG WWF, estamos utilizando 30% a mais do que temos disponvel em recursos naturais, ou seja, a cada ano precisamos de um planeta e mais um quarto dele para sustentar o nosso estilo de vida atual.

    4 Efeito Estufa um fenmeno natural de reteno do calor (radiao infravermelha) emitido pela Terra, que, por sua vez, resultado do aquecimento da superfcie terrestre pela radiao solar. Sem o efeito estufa, a temperatura mdia do planeta seria 33C menor, o que no permitiria a existncia do tipo de vida que conhecemos. O efeito estufa possvel graas aos gases de efeito estufa.

  • 13Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    so os que mais sofrem e os que menos tm condies para agir. Por outro lado, embora parea paradoxal, podemos constatar que muitos cientistas e lderes tambm afirmam que ainda d tempo de reverter esse processo de destruio. Significa que h esperana.

    Dessa forma, o cenrio climtico atual exige a adoo de novas escolhas no estilo de vida de nossa sociedade, mudanas de atitudes individuais e coletivas na relao com o meio natural, rupturas paradigmticas, mudanas de valores no uso e na apropriao dos recursos e fontes energticas e na experimentao de diferentes alternativas de postura em relao a manuteno da vida na Terra.

    Essas mudanas significam um imenso desafio. notria a constatao de um distanciamento entre a compreenso do fenmeno Mudanas Climticas e a relao com o dia a dia das pessoas.

    No mbito das polticas pblicas federais, o Plano Nacional de Mudanas Climticas (PNMC) carece de mais aes que envolvam as pessoas em iniciativas concretas de disseminao e refl exo do conhecimento sobre o fenmeno do aquecimento global e suas relaes com as prticas e atitudes cotidianas.

    Existe uma gama imensa de projetos de Educao Ambiental que pontuam a questo climtica, sobretudo de forma mitigadora. No entanto, essas iniciativas nem sempre estabelecem uma relao aprofundada entre as aes cotidianas (locomoo, excesso de consumo, habitao, alimentao, processos de ocupao da terra, desmatamento, assoreamento dos rios etc) e o aumento da emisso de GEE.

    Reverter esse quadro de percepo de tais questes e proporcionar a mobilizao necessria para a ao prtica configuram um grande desafio para a sociedade brasileira. Diante desse cenrio, fazem-se necessrias a formulao e a implementao de polticas pblicas de EA que possam contribuir para abordar esse tema de forma crtica e transformadora.

    Assim, a EA pode proporcionar condies de inserir as pessoas no cerne da questo, potencializando o senso de urgncia e a necessidade de transformao imediata, de modo que os impactos resultantes das Mudanas Climticas possam ser minimizados. Para isso, essencial uma ao de poltica pblica que aponte princpios e diretrizes a fim de qualificar, fortalecer e instrumentalizar no s os educadores ambientais, mas tambm as lideranas comunitrias, os gestores pblicos e empresariais, de forma que estejam atentos para a complexidade das Mudanas Climticas globais, criando condies concretas para a busca de diferentes caminhos ticos, sociais, polticos e de transformao individual e coletiva, requisitos essenciais ao enfrentamento desse complexo desafio.

    E, para tanto, fundamental promover debates, orientaes, movimentos e indues de processos de capilarizao de polticas, que instrumentalizem as pessoas e disseminem a questo junto a todos os programas institucionais de EA e aos movimentos da sociedade civil.

  • 14 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    O contedo aqui descrito tem como premissa que a Mudana Climtica um fato, um processo acelerado pela ao humana. uma situao que exige medidas emergenciais, pois seus efeitos atingiro a todas as pessoas, de forma direta ou indireta, e da responsabilidade da gerao atual agir e proteger as geraes futuras.

    Diante disso, o Departamento de Educao Ambiental da Secretaria de Articulao Institucional e Cidadania Ambiental do Ministrio do Meio Ambiente (DEA/SAIC/MMA) que possui a responsabilidade de apresentar, debater com a sociedade, sistematizar e implementar, como componente do rgo Gestor5

    da Poltica Nacional de Educao Ambiental, aes e proposies de polticas pblicas de EA procura contribuir com a discusso sobre a elaborao de parmetros e diretrizes da EA no contexto das Mudanas Climticas.

    Essa iniciativa visa pensar e formular polticas pblicas que atendam aos anseios e demandas da sociedade brasileira, no sentido da tomada de conscincia, das mudanas de posies socioambientais equivocadas para viabilizar a transio para uma sociedade de baixo carbono6, uma sociedade mais sustentvel.

    5 O rgo Gestor foi criado com a regulamentao da Lei n 9.795, de 27 de abril de 1999, por intermdio do Decreto n 4.281, de 25 de junho de 2002, dirigido pelo Ministrio do Meio Ambiente e pelo Ministrio da Educao, com apoio de seu Comit Assessor, e tem a responsabilidade de coordenar a Poltica Nacional de Educao Ambiental.

    6 um termo usado para designar um modelo de sociedade que emite menos GEE em suas atividades. So vrios GEE, como o metano (CH4) e o xido nitroso (N20), mas a nfase dada ao dixido de carbono (CO2), por representar o gs que tem maior contribuio para o aquecimento global, representando 55% do total das emisses de GEE. O tempo de sua permanncia na atmosfera , no mnimo, de cem anos.

  • 15Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    H vrias leituras e compreenses sociais do conceito de Mudana Climtica e muitas dessas compreenses se constroem a partir de referenciais adquiridos na mdia ou em filmes, que muitas vezes descrevem as causas e consequncias das alteraes climticas de forma dramtica e catastrfica. No que tange s aes de Educao Ambiental, fundamental disponibilizar, para a reflexo crtica, informaes corretas sob o ponto de vista cientfico, de forma simples, para que as pessoas possam fazer as suas interpretaes e dar relevncia ao tema.

    A maioria das pessoas at sabem que as Mudanas Climticas representam um problema relevante, mas consideram algo de difcil compreenso. Elas desconhecem o que isso significa e como poder afetar diretamente suas vidas. As pessoas dispem de poucas informaes sobre a forma como devem atuar para mitigar ou evitar mais emisses ou mesmo sobre a urgncia de fazer aes que contribuam para a soluo. Esse desconhecimento e a sensao de algo distante do cotidiano podem ser motivos para uma relativa inrcia da sociedade frente questo das Mudanas Climticas.

    Dessa forma, um dos requisitos essenciais para o enfrentamento de um dos grandes desafios do nosso tempo compreender minimamente este fenmeno, conforme descrito pela cincia.

    3.1 Compreenso do fenmeno Mudanas Climticas Com a Revoluo Industrial, no final do sculo XVIII e, sobretudo, no sculo XX, aps a II

    Guerra Mundial, ocorreu um aumento significativo da produo industrial e da agricultura e, consequentemente, um aumento dos gases de efeito estufa na atmosfera.

    Essa nova fase na histria da humanidade, o perodo industrial, trouxe um modelo de desenvolvimento e de padres de consumo que se sustenta no uso excessivo de combustveis no renovveis e assim contribue para a elevao dos nveis de dixido de carbono (CO2) e de outros gases causadores do efeito estufa, que provocam as Mudanas Climticas.

    Essas alteraes representam um problema para a humanidade no sculo XXI, na medida em que seus efeitos sobre a vida, a sociedade, a agricultura e o desenvolvimento urbano conduzem a uma necessria reestruturao de novas relaes socioambientais e novas formas de orientar as polticas pblicas.

    Existe um consenso no mundo cientfi co de que estamos frente a uma tragdia anunciada. Tambm h uma perplexidade ante a incapacidade de conter a mudana do clima, enquanto os pases mais

    3. Antecedentes

  • 16 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    desenvolvidos e que, historicamente, so os que mais poluem o planeta, como o caso dos Estados Unidos, no assumem abertamente compromissos para reduzir as emisses mesmo em longo prazo.

    O conceito Mudanas Climticas est em constante processo de construo e interpretao, debate e negociao, ancorado nos marcos cientficos do IPCC e de todas as negociaes diplomticas no mbito das convenes da ONU.

    No ano de 2010, constatou-se a presena de catstrofes naturais em todo o mundo - secas prolongadas, inundaes, queimadas e forte calor que parecem confirmar as perspectivas sombrias dos pesquisadores sobre os impactos das Mudanas Climticas.

    Observaram-se eventos extremos como o ocorrido na Rssia, com uma prolongada onda de calor e incndios, que arrasou florestas e campos de cultivo agrcolas. No Paquisto, 15 milhes de pessoas foram afetadas por inundaes sem precedentes. ndia, China e Europa Central lutaram tambm contra os efeitos das chuvas torrenciais, que deixaram centenas de vtimas fatais.

    As catstrofes que castigaram esses pases no foram vinculadas diretamente s mudanas do clima, mas, segundo os climatologistas, esto coerentes com as previses e cenrios descritos em todos os relatrios do IPCC dos ltimos vinte anos.

    Na viso de Jean-Pascal Van Ypersele, vice-presidente do IPCC, so acontecimentos que devem se repetir ou intensificar em um clima perturbado pela contaminao de GEE. Para ele, os eventos extremos que vem ocorrendo com mais frequncia e intensidade, batendo nveis recorde, so uma das formas com que as Mudanas Climticas se fazem dramaticamente perceptveis.

    Modelos climticos referenciados pelo IPCC projetam que as temperaturas globais de superfcie aumentaro no intervalo entre 1,1 e 6,4 C, entre 1990 e 2100, se no ocorrerem mudanas globais de reduo das emisses. O relatrio tambm demonstra que o aumento da concentrao de gases causadores do efeito estufa na atmosfera impe graves ameaas ao meio ambiente global. Alguns desses impactos j esto em curso, como o derretimento das calotas polares, a elevao do nvel do mar, as secas e as estiagens mais prolongadas, a desertificao, as tempestades, as enchentes, o empobrecimento da biodiversidade, a alterao no regime de chuvas e outras consequncias nas mudanas dos padres climticos do mundo.

    Frente a todas essas incertezas em relao ao futuro, inmeros estudos cientficos tm produzido dados e informaes que justificam as Mudanas Climticas e seus impactos mais visveis.

    Um dos mais respeitados pela comunidade cientfica o Estado do Clima. Em julho de 2010, foi lanado o importante relatrio que registra dados coletados at 2009, por isso denominado como Estado do Clima 2009, coordenado pela Administrao Nacional Ocenica e Atmosfrica dos Estados

  • 17Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Unidos (NOAA), cujos autores, cientistas renomados, no entraram na polmica se as Mudanas Climticas so fruto da ao humana ou no, mas foram enfticos ao dizer que no h mais dvidas de que o fenmeno est acontecendo e em ritmo acelerado.

    As evidncias neste relatrio demonstram claramente que a Terra est aquecendo e que no h mais espao ou tempo para desconfianas, afirmou Tom Karl, diretor da NOAA. O relatrio faz uma comparao entre as medidas atuais de temperatura com os dados observados desde 1870, onde os pesquisadores visualizaram uma tendncia constante na subida das temperaturas mdias do planeta, aumento que teve ainda seu ritmo acelerado nas ltimas dcadas.

    A dcada de 1980 era considerada a mais quente, mas ficou pouco tempo em primeira no ranking, pois foi ultrapassada pela dcada de 1990. E agora, segundo a Organizao Meteorolgica Mundial (OMM), a dcada de 2001-2010 foi a mais quente desde 1880, ou seja, os dez primeiros anos do sculo XXI estabelecerem um novo recorde. Ainda segundo a OMM, a temperatura mdia nessa ltima dcada na superfcie do globo, incluindo parte terrestre e martima, foi de 14,46C, contra 14,25C em 1991-2000 e 14,12C em 1981-1990.

    Ainda de acordo com a OMM, o ano de 2010 considerado o mais quente desde 1880, quando comeou a ter medidas de temperatura mais precisas, em razo das instalaes de equipamentos cada vez mais sofisticados, 2010 ultrapassou o ano de 2005 (14,51C), com uma temperatura mdia de 14,53C.

    Num primeiro momento, o aquecimento de aproximadamente um quinto de grau por dcada pode parecer pouco, mas temos uma mdia de temperatura 1C acima de 50 anos atrs e isso j est afetando o planeta. Chuvas pesadas esto ficando mais frequentes e ondas de calor so mais comuns e intensas, explica o relatrio da NOAA.

    O Estado do Clima 2009 enftico ao mostrar que a situao do clima se desenvolveu por milhares de anos sob condies mais estveis e que agora uma nova realidade climtica est tomando forma. Esse novo panorama climtico colocar em risco as cidades costeiras, infraestrutura, suprimento de gua, sade pblica e agricultura.

    Foram envolvidos mais de 160 grupos de pesquisas de vrios pases na elaborao do Estado do Clima 2009; os cientistas estudaram alguns indicadores como o aumento dos nveis dos mares, temperaturas mais altas em terra e nos oceanos, derretimento de geleiras e menor cobertura de neve. E chegaram a seguinte concluso: o planeta est aquecendo.

    Para que pudessem chegar a essa afirmao, os pesquisadores fizeram uma anlise a partir de estudos que contm dados desde o alto da atmosfera at as profundezas dos oceanos. Esses dados

  • 18 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    informativos vieram de centros de pesquisas de vrios pases e foram obtidos atravs de imagens de satlite, navios, bales e estaes climticas.

    Todo esse trabalho buscou analisar 10 indicadores fundamentais para estudar o comportamento climtico de uma determinada regio. (Figura 1)

    FIGURA 1: Os 10 indicadores do aquecimento global Fonte: Relatrio do NOAA, julho, 2010.

    Os 10 indicadores observados (figura 1) foram: 1. Aumento do nvel dos oceanos 2. Aumento das temperaturas na superfcie dos oceanos 3. Maior calor nos oceanos 4. Aumento da umidade 5. Aumento das temperaturas sobre os oceanos 6. Aumento da temperatura na troposfera7

    7. Aumento da temperatura sobre a terra 8. Diminuio das geleiras 9. Menor cobertura de neve 10. Menos gelo flutuando nos oceanos

    7 A troposfera a poro mais baixa da atmosfera terrestre. Contm aproximadamente 75% da massa atmosfrica e 99% do seu vapor de gua e aerossis. A espessura mdia da troposfera de 14 km e est localizada aproximadamente entre 6 a 20 km de altura em relao ao nvel do mar.

  • 19Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Ao observar e analisar esses indicadores, os cientistas perceberam que os sete indicadores que deveriam subir em um mundo mais quente subiram e os trs indicadores que deveriam declinar caram.

    Dessa forma, as mudanas na atmosfera do planeta so observveis e um conjunto de dados permite constat-las. Estima-se que o aumento da temperatura mdia da Terra em 0,76 C, conforme cita o IPCC, desde o perodo pr-industrial, j est causando impactos ao clima da terra, como o derretimento de gelo no rtico e na Antrtica e o aumento de ocorrncia de eventos extremos.

    No entanto, isso no significa que todas as regies do planeta esto mais quentes. muito complexo elaborar hipteses e antecipar cenrios sobre as provveis consequncias. Os pesquisadores utilizam modelos matemticos para traar cenrios sobre o futuro do clima em cada regio, porm os resultados levam a interpretaes controversas.

    Ou seja, h evidncias de mudanas nos parmetros climticos da Terra, como j ocorreu no passado por causas naturais. As mudanas esto ocorrendo e at sendo aceleradas por uma combinao de causas naturais e humanas. No entanto, complexo determinar com preciso quais as consequncias de tais alteraes em cada localidade geogrfica.

    A cincia do clima chama ateno de que a preocupao central no com o efeito estufa propriamente dito, mas com as alteraes que vem ocorrendo nele.

    Os pases desenvolvidos geram aproximadamente 75% das emisses de gases com efeito estufa. Se levarmos em considerao o volume de gases produzidos nos ltimos dois sculos, a contribuio desses pases ultrapassa os 90%. Essa condio contribuiu para a formulao do princpio conhecido nas negociaes globais como responsabilidade histrica8 na medida em que essas naes tiveram o seu processo de industrializao bem antes que os demais pases.

    No entanto, isso no quer dizer que os pases ditos em desenvolvimento tambm no contribuam para o fenmeno. O desenvolvimento socioeconmico de naes de grande porte como China, Brasil, Mxico, frica do Sul, ndia, Coria do Sul e Indonsia, tambm conhecidos como emergentes, acompanhado pelo uso crescente de carvo mineral e petrleo e ainda por desmatamentos seguidos de queimadas, que lanam na atmosfera o carbono imobilizado nas rvores, como ocorreu no passado recente na Europa, Rssia e Amrica do Norte.

    8 Tambm conhecida como princpio da responsabilidade comum, mas diferenciada. Essa posio defendida pelos pases do G-77, grupo de pases em processo de desenvolvimento e no ditos desenvolvidos economicamente. Segundo essa viso, os pases industrializados possuem responsabilidade histrica pela concentrao de GEE (comearam a industrializao bem antes) e que os pases em desenvolvimento devem receber auxlio fi nanceiro para implementar aes de mitigao.

  • 20 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    Segundo pesquisadores dos Estados Unidos (EUA), se a Terra parasse com o seu ritmo de expanso hoje, mesmo assim, a temperatura do planeta aumentaria 1,3C at 2060, em relao ao perodo pr-industrial. Essa concluso resultado de uma pesquisa publicada na Revista Science, do ms de agosto de 2010, sobre um diagnstico das emisses de carbono oriundas da gerao de energia e da estrutura de transportes.

    Os autores desse estudo so enfticos ao relatar que as principais ameaas alterao do clima ainda esto por vir, devido ao modelo de gerao de energia e transportes que so extremamente dependentes de combustveis fsseis.

    Outra informao importante veio em setembro de 2010, da Nasa, agncia espacial dos EUA, conforme podemos visualizar na Figura 2 e interpret-la em seguida.

    FIGURA 2: Comparao entre os perodos de janeiro e agosto de 2010, 2005 e 1998 para a temperatura na

    superfcie terrestre. O perodo de 2010 foi o mais quente em 131 anos de registros sobre o clima.

    (Fonte: GISS / Nasa)

  • 21Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Os grfi cos anteriores (Figura 2) divulgados pela pesquisa mostram as temperaturas mdias anuais da superfcie do Planeta. So conhecidos como mapas de anomalias de temperaturas e so instrumentos importantes para o entendimento do papel do aquecimento global em eventos extremos.

    Podemos observar que os oito primeiros meses de 2010 (esquerda superior) foram considerados o perodo mais quente desde que as medies da Nasa comearam, h 131 anos. De acordo com esse estudo, o primeiro semestre de 2010 foi o mais quente. Os recordes de temperatura, ms a ms, coletados at setembro de 2010 (direita inferior) esto bem prximos do ano de 2005, que detm o recorde para os 12 meses do ano (direita superior), considerado o mais quente registrado at agora para o perodo.

    A cincia do clima cita que esse fenmeno de aquecimento contribui para o aumento ou no da precipitao, pois o nvel de vapor de gua varia de acordo com a temperatura.

    De acordo com o Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa (GISS, na sigla em ingls), as informaes coletadas mostram a tendncia de aquecimento na temperatura do planeta. Desde 1880, a temperatura j subiu 0,76C, sendo que nas ltimas trs dcadas, a alta foi de 0,20 graus Celsius (Figura 3).

    FIGURA 3: Variao da temperatura mdia da Terra.

    (Fonte: GISS/Nasa)

    Global LandOcean Temperature Index

    12 month Running Mean

    Tem

    pera

    ture

    Ano

    mal

    y (

    C)

    1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000

    .6

    .4

    .2

    .0

    .2

    .4

  • 22 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    Segundo relato dos cientistas, a humanidade ir enfrentar alguma intensidade de grau de Mudana Climtica, alm do que j vem ocorrendo. As anlises apontam que, se todas as emisses de GEE fossem paralisadas hoje, os gases presentes na atmosfera (que demoram em mdia um sculo para se dissipar) ainda aqueceriam a Terra em pelo menos mais 1C at 2100, alm dos 0,76 C (Figura 4) que o planeta j ganhou desde a Revoluo Industrial.

    FIGURA 4: Elevao do nvel do mar no ltimo sculo.

    (Fonte: Unep)

    De acordo com os modelos climticos apresentados nos relatrios do IPCC, para evitar os impactos graves das Mudanas Climticas, como o aumento da temperatura global do planeta (Figura 3) e a elevao do nvel do mar9 (Figura 4), seria necessrio que a temperatura mdia do planeta no atingisse 2C acima da mdia do perodo pr-industrial.

    9 De acordo com o IPCC, os dados de altimetria coletados por satlite indicam uma subida no nvel do mar em aproximadamente 3mm/ano. A subida do nvel do mar pode ser produto do aquecimento global atravs de dois processos principais: expanso da gua do mar devida ao aquecimento dos oceanos e derretimento de massas de gelo sobre terra fi rme. Prev-se que o aquecimento global possa causar uma subida signifi cativa do nvel do mar ao longo do sculo XXI

  • 23Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Contudo, para cumprir essa meta, ser preciso limitar as concentraes de dixido de carbono na

    atmosfera a menos de 450 partes por milho (ppm).

    O grande desafio que, para manter as concentraes de CO2 abaixo desse nvel, teremos que

    diminuir drasticamente as emisses de combustveis fsseis, algo que os pases industrializados

    no esto conseguindo e, por razes polticas, esto pouco dispostos a fazer. O nvel atual de

    aproximadamente 385 ppm (Figura 5). Antes da Revoluo Industrial, estava abaixo de 280 ppm.

    Esse aumento de concentrao, segundo os relatrios dos Grupos de Trabalho do IPCC, fruto

    das atividades promovidas pela ao do homem e tem contribudo muito para a mudana global

    do clima. Os impactos ambientais decorrentes dessa ao afetaro a todos. Mas para os pases em

    desenvolvimento, que contriburam muito pouco para o problema, a mudana do clima poder

    representar um grande desafio, pois no dispem de recursos para mitigao e adaptao, limitando

    ainda mais seus esforos na construo de uma sociedade sustentvel.

    FIGURA 5: Concentrao global de CO2 na atmosfera terrestre.

    (Fonte: Unep)

  • 24 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    3.2 Mudanas Climticas no Brasil Os termos Mudanas Climticas e aquecimento global j esto inseridos no cotidiano da sociedade

    brasileira. Estamos constantemente recebendo notcias e informaes sobre esses conceitos na

    mdia, escolas e outros espaos de comunicao. Muitas vezes, devido s previses sobre os efeitos

    catastrficos disseminados nos ltimos anos pelos meios de comunicao de massa, ouvimos falar

    sobre o aumento da temperatura mdia da Terra e as possveis consequncias que resultariam para

    todos ns.

    Tambm somos informados de que existem vrios tratados e planos nacionais e internacionais

    sendo elaborados que buscam uma soluo para a questo climtica e sobre o papel do governo

    brasileiro nesse processo.

    No Brasil, ainda h escassez de dados consistentes sobre indicadores e impactos de mudana

    do clima. No entanto, existem estudos e pesquisadores de vrias instituies (Fiocruz, Inpe, MCT,

    UFMG, USP, Unicamp, Embrapa, UFRJ, Ipam, WWF, Agncia Nacional de guas, Ministrio do Meio

    Ambiente etc), alguns deles integrantes dos grupos de trabalho do IPCC, que prevem um aumento da

    temperatura mdia no Brasil at o final do sculo. A temperatura mdia no Brasil tambm aumentou

    em 0,76C ao longo do sculo XXI.

    Esses especialistas trabalham com uma previso de que a temperatura mdia no Brasil pode

    apresentar um aumento inferior ou igual a 4C at 2100. Essa elevao da temperatura poder afetar a

    segurana alimentar do pas e trazer prejuzos para a agricultura. A Floresta Amaznica e o semi-rido

    nordestino devero ser as regies mais afetadas.

    O aumento da temperatura mdia no planeta real. No Brasil, essa situao visvel, principalmente

    na regio Nordeste do pas. Entre 1980 e 2010, as temperaturas mximas dirias medidas em alguns

    lugares do serto, por exemplo, subiram 3C. Segundo modelos climticos, se continuarmos nesse

    ritmo, o nmero de dias ininterruptos de estiagem iro aumentar e envolver uma faixa que vai do

    norte do Nordeste do pas at o Amap, na regio Amaznica.

    Para o pesquisador Paulo Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que

    apresentou esses dados durante a 62 Reunio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

    (SBPC) em Natal, podemos concluir que a regio do Nordeste brasileiro a mais vulnervel s Mudanas

    Climticas.

  • 25Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    3.2.1 Como o Brasil estar em 2100: projees insustentveisSe de fato nada for feito e se configurar as projees de aumento da temperatura mdia da

    Terra, entre 2 e 5 graus Celsius, conforme destacam os especialistas do IPCC, o Brasil sofrer muitas mudanas, tanto no aspecto socioeconmico, como na esfera natural, nos prximos 90 anos.

    FIGURA 6: A distribuio das regies que sofrero os impactos das Mudanas Climticas.

    (Fonte: Revista poca edio n 463 de 02/04/2007 )

    Sobre os setores mais ameaados, alm das pessoas dos grupos mais vulnerveis, existe a possibilidade de prever os seguintes cenrios, conforme Figura 6: Aumento da desertificao do Nordeste (rea 2), gerando um problema de escassez de gua e

    provocando a migrao para a regio litornea do Nordeste e estados do Sudeste. A alterao no bioma Amaznico (rea 1), na medida em que a parte oriental da floresta

    encontra-se mais vulnervel s Mudanas Climticas, poder ocorrer uma diminuio drstica

  • 26 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    das chuvas e fi car seca. Isso afetaria tambm o regime de chuvas nas regies Sul e Sudeste. Ainda segundo os especialistas, entre 60% e 70% da fl oresta existente hoje podero virar uma vegetao com rvores menores e menos diversidade, como uma mata de capoeira. Ou seja, podero se transformar numa vegetao tropical de savana.

    A produo de gros da regio do Cerrado (rea 3), sobretudo a soja, poder ser prejudicada pela falta de chuva. A rea de plantio seria reduzida em 60% em relao aos dias atuais. Secas prolongadas e poucas chuvas tambm afetaro o regime hdrico do Pantanal.

    Mudanas na regio do litoral podero ser provocadas pelo aumento da acidez na gua do oceano (rea 4), ameaando espcies de peixes e crustceos. Como decorrncia do aumento do calor, a regio Sudeste ter mais chuvas e tempestades do que o habitual (rea 7), com secas mais prolongadas, prejudicando o plantio de caf. Cerca de 60% do que restou da Mata Atlntica devero desaparecer.

    As cidades brasileiras, sobretudo as metrpoles, sofrem com o rpido crescimento desordenado, ausncia de planejamento, contaminao, m administrao das guas residuais e resduos slidos e uma nova realidade se desponta: os eventos climticos extremos que podem ser resultados das Mudanas Climticas.

    Com o aumento da temperatura no Oceano Atlntico, existe a possibilidade de surgir ciclones extratropicais no litoral do Sul e Sudeste, atingindo grandes cidades, como So Paulo e Rio de Janeiro (rea 6). Furaces como o Catarina, que assolou Santa Catarina em 2004, podero se tornar comuns nessas regies. Por causa do aumento do nvel do mar, Recife e Rio de Janeiro podero ser as cidades mais afetadas.

    Alguns exemplos de tragdias recentes ainda esto presentes na memria da sociedade, principalmente dos grupos mais vulnerveis, como a seca na regio Amaznica em 2005; as enchentes de novembro de 2008, na regio da Foz da Bacia do Rio Itaja, em Santa Catarina; as fortes chuvas e enchentes em So Paulo e Rio de Janeiro, que ocorreram no perodo de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010, causando prejuzos socioambientais e econmicos e obrigando cerca de 85 mil pessoas a deixar suas casas. Os mesmos fenmenos e suas consequncias continuaram afetando, em 2010, os estados de Pernambuco e Alagoas, alm de provocarem enchentes na cidade do Rio de Janeiro e desmoronamentos de encostas em Angra dos Reis, em abril de 2010.

    Tais ameaas, consequncias diretas ou no das mudanas dos padres climticos, despertaram a participao de organizaes no governamentais brasileiras e acadmicos em fruns e instncias de discusso de polticas pblicas. O Observatrio do Clima um exemplo. Trata-se de uma rede brasileira de organizaes no governamentais em Mudanas Climticas.

  • 27Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Ainda que de forma genrica e sem especificar a EA, o documento Diretrizes para a formulao de polticas pblicas em Mudanas Climticas no Brasil, elaborado pelo Observatrio do Clima, aponta que tratar de formas e contedos de educao da populao para as questes climticas parte fundamental de qualquer poltica sobre o clima (Observatrio do Clima, 2009, p.69).

    No campo de acordos e negociaes internacionais, o Brasil tem um papel importante e nico nas Mudanas Climticas. um pas considerado como uma economia em crescimento e possui uma rica biodiversidade e uma das maiores florestas: a Amaznica. Por outro lado, essa imensa riqueza vem sendo devastada de forma acelerada, o que coloca o pas na difcil posio de quinto maior emissor de GEE do mundo. Essa posio fruto dos altos ndices de desmatamento e do uso insustentvel e no planejado de suas terras, embora nos anos recentes as aes de comando e controle e polticas do governo federal e de governos estaduais e municipais tenham propiciado uma queda significativa no ritmo do desmatamento na Amaznia. Segundo dados do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), no perodo de 2004 e 2011, houve diminuio de 77% no desmatamento na regio amaznica. Em agosto de 2012, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostrou uma reduo de 23% entre agosto de 2011 a julho de 2012 em comparao com o mesmo perodo anterior.

  • 28 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

  • 29Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    A comunidade cientfi ca adverte que, para atingir um equilbrio na concentrao de GEE na atmosfera, que evite as previses pessimistas, fundamental a reduo drstica das emisses.

    Assim, a principal soluo apontada, e que parece consenso global, a de que o mundo tem de cortar drasticamente a quantidade de gases de efeito estufa que emite diariamente na atmosfera. Para os cientistas, essa quantidade deveria ser de pelo menos 50 % de reduo global das emisses de dixido de carbono at 2050 em relao aos nveis de 1990.

    Os cientistas tambm alertam que quanto mais se adiar este momento, piores devem ser as consequncias para todos os seres vivos. E que os tomadores de deciso devem tomar medidas concretas e efetivas para o enfrentamento da gravidade do problema. O que ocorre que existe um descompasso entre a cincia e a ao poltica global.

    Por outro lado, ao abordar solues para a causa antrpica das Mudanas Climticas, predomina uma f no potencial do progresso tcnico-cientfi co, o que para muitos considerada uma percepo ingnua e mesmo ilusria.

    4.1 Grandes solues: um exemplo da crena tecnolgicaDiante da grave crise que se anuncia, surgem muitas propostas de solues, mas quase todas de

    carter tecnolgico.H muitas propostas que defendem grandes solues tecnolgicas para a reduo dos GEE, como

    retirar o gs carbono da atmosfera e injet-lo no fundo dos oceanos. Outra soluo apresentada pelos cientistas da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, foi o estudo sobre uma substncia chamada gua seca. Ela recebe esse nome porque cada partcula do produto contm uma gota de gua modifi cada por slica e a slica impede que as gotas de gua, depois de transformadas, voltem a ser lquidas. A gua seca absorve trs vezes mais dixido de carbono do que os produtos comuns sem a mistura da slica.

    Outra alternativa engenhosa foi apresentada recentemente pelos cientistas da Universidade de Columbia (EUA) que esto pesquisando rvores sintticas que poderiam captar e armazenar o dixido de carbono. De acordo com Carlos Nobre, cientista brasileiro do Centro de Previso do Tempo e Estudos Climticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a geo-engenharia de enfrentamento das Mudanas Climticas se divide em dois mtodos diferentes: o manejo de radiao solar e a remoo do dixido de carbono, sendo esta segunda vertente a que mais interessa aos cientistas brasileiros.

    4. Caminhos em busca de uma soluo

  • 30 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    De qualquer forma, so propostas que atuam na consequncia do problema, no respeitam o

    princpio da precauo, reforam a alternativa tecnolgica em vez de buscar solues para a raiz da

    causa, que o modelo de desenvolvimento civilizacional.

    As previses para o futuro no so nada otimistas. Os estudos cientficos levam em conta dois

    diferentes cenrios. Se a emisso de GEE como o CO2 continuar alta, a previso de que a temperatura

    aumente em at 6 graus Celsius at o ano de 2100. Se a emisso de gases for pequena, o que pouco

    provvel, o aumento da temperatura vai ser de, no mnimo, 2 graus Celsius.

    Esse aumento parece pouco para o cidado comum, mas os cientistas afirmam que vai exigir

    uma mudana em todas as reas. Na agricultura, por exemplo, ser necessrio desenvolver e utilizar

    sementes mais resistentes a condies climticas adversas. Tambm ser preciso mudar a matriz

    energtica, com a busca de fontes alternativas que provoquem menos impactos. Podemos ter aumento

    de catstrofes ambientais e impactos sociais, como a questo dos refugiados ambientais.

    4.2 Em busca do reconhecimento: IPCC x Cticos na controvrsia da cincia do clima A cincia do clima se tornou uma rea do conhecimento em permanente processo de controvrsias,

    desde que o tema Mudanas Climticas tornou-se recorrente e importante. H um mosaico de

    interpretaes, o que sempre contribui para uma das premissas da cincia, o exerccio da dvida e da

    polmica.

    Existe um grupo de pesquisadores que simplesmente no acredita que o Planeta esteja passando

    por um processo de aquecimento ou alteraes climticas. Outros at acreditam no aquecimento

    global e alteraes climticas, mas discordam que os seres humanos sejam responsveis por isso.

    J para os cticos no existe aquecimento global. Esse grupo no reconhece os dados climticos, as

    anlises dos climatologistas e as previses baseadas nos modelos computacionais.

    Os cticos quanto ao aquecimento global causado pela ao humana (antropognico) no

    desconsideram o aquecimento global em si, mas acreditam que a atividade humana no seja

    responsvel por ele. Esses pesquisadores, em sntese, questionam as concluses do IPCC que apontam

    o aumento da temperatura mdia do Planeta.

    De fato, o que ocorre que as Mudanas Climticas so um problema complexo que no tem

    uma resposta simples. A maioria das respostas existentes hegemnica e est ancorada na cincia. E a

    cincia uma construo humana, ela no absoluta, no uma crena consolidada ou um ato de f.

  • 31Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    A histria da cincia mostra que o seu desenvolvimento se d ao longo do tempo, a partir das

    permanentes dvidas, novas metodologias, novas descobertas, novos instrumentos de coleta e anlise

    e, no caso da Cincia do Clima, de novos modelos matemticos, cada vez mais precisos e complexos. Em

    funo dessa dinmica, nos ltimos 10 anos, o conhecimento cientfico sobre as Mudanas Climticas

    tem avanado muito, com dados cada vez mais consistentes.

    Os estudos, os dados e as anlises apresentados nos relatrios do IPCC so resultados da

    participao efetiva de mais de 600 cientistas e mais de 600 instituies (universidades e centros de

    pesquisa) do mundo inteiro que utilizam modelos matemticos com quase mil variveis e fatores

    de anlise. Nos ltimos cinco anos, esses pesquisadores publicaram aproximadamente 500 estudos

    cientficos, efetivamente documentados, com mtodos, com avaliao e revisados por seus pares. So

    resultados cientificamente consistentes, demonstrveis e comprovveis.

    Mais recentemente, em agosto de 2010, com o objetivo de melhorar a governana interna, a coleta, a

    sistematizao e divulgao da produo do IPCC, a ONU reuniu um grupo de 12 cientistas independentes

    da organizao InterAcademy Council (IAC) que apresentou uma srie de recomendaes no mbito da

    gesto e da coleta de informao. Eles foram unnimes em reconhecer que as produes do IPCC so

    efetivas e importantes. O lder desse grupo, ao abordar os resultados dessa auditoria no IPCC, declarou

    que nenhum desses estudos encontrou erros nas concluses cientfi cas bsicas sobre a Mudana Climtica.

    Em um consenso arrasador, a comunidade cientfi ca est de acordo que a Mudana Climtica existe.

    J o outro grupo, conhecido como cticos10 do aquecimento global, no reconhece os resultados

    do IPCC, possui poucos trabalhos publicados e, em geral, sem reviso por pares. As suas pesquisas

    recorrem a fatores isolados ou poucas variveis. Muitos dos cticos recorrem como referncia para a

    crtica a eventos ou fatores isolados e no apresentam pesquisas, estudos com densidade, volume e

    abrangncia globais relativamente proporcionais ao apresentado pela comunidade cientfica do IPCC.

    10 Termo usado para categorizar um grupo de cientistas que disputam a teoria na sua totalidade ou em parte, sobre as Mudanas Climticas, questionando se o aquecimento global est realmente acontecendo, se a atividade humana contribuiu signifi cativamente e qual a sua magnitude. Os cticos questionam a metodologia do IPCC. O mais reconhecido cientista desse grupo, considerado at agosto de 2010 como o lder do grupo, o estatstico dinamarqus Bjorn Lomborg (autor de O ambientalista ctico), que fi cou conhecido mundialmente por negar a importncia do aquecimento global, mas que recentemente surpreendeu a comunidade cientfi ca, ao declarar que mudou de ideia e no despreza mais as recomendaes do IPCC. Alm de Lomborg, os cticos mais proeminentes do aquecimento global, na sua grande maioria Climatlogos e Paleontlogos, incluem Richard Lindzen, Cristopher C. Horner, Fred Singer, Patrick Michaels, Roger Pielke, John Christy, David Douglass, Friis-Christensen, Nathan Myhrvold, Stephen McIntyre e Robert Balling.

  • 32 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    O que se tem observado no processo de institucionalizao poltica da Mudana Climtica que est ocorrendo sua transio do campo da cincia para o da economia. No Brasil, um exemplo o consrcio Economia do Clima11. Esse consrcio composto de algumas das mais importantes instituies pblicas e privadas do pas tem o objetivo de identificar as principais vulnerabilidades da economia e da sociedade brasileira em relao s Mudanas Climticas.

    11 Ver mais informaes: http://www.economiadoclima.org.br/site/

  • 33Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Desde que foi criada a Conveno-Quadro12 das Naes Unidas sobre Mudana do Clima (UNFCC, na sigla em ingls), em 1992, ocorreram vrios encontros da comunidade internacional com o objetivo de criar e implementar mecanismos e metas que promovam a reduo de emisses das concentraes de GEE na atmosfera.

    No entanto, esses encontros e acordos internacionais demonstraram no serem suficientes para solucionar o problema, pois as negociaes so lentas, os encaminhamentos no so concretizados e as tomadas de decises so muitas vezes genricas e de difcil aplicao prtica. No existe um mecanismo de regulao mundial e a falta de mecanismos de comando e controle torna esses tratados internacionais pouco eficazes.

    A ltima reunio da Conferncia das Partes13 (COP) da Conveno do Clima da ONU, foi realizada em dezembro de 2011, em Durban, na frica do Sul, a COP 17. No entanto, das trs ltimas reunies, a mais emblemtica foi a que ocorreu em dezembro de 2009, em Copenhague. Mais conhecida como COP 15, ela representou um marco nesse processo, pois gerou muita expectativa e uma considervel mobilizao da sociedade civil global.

    Essa conferncia tinha como objetivo central a formulao de um novo acordo de metas rigorosas que fossem capazes de evitar as Mudanas Climticas mais graves que esto previstas. Tambm estava previsto na agenda do encontro a defi nio do compromisso dos pases em desenvolvimento por assumir objetivos internos de reduo de suas emisses que possam ser medidos e verifi cados e de que forma os pases ricos contribuiriam no processo de transio para uma economia de baixo carbono.

    12 A Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre a Mudana do Clima UNFCCC (do original em ingls United Nations Framework Convention on Climate Change), um tratado internacional que foi resultado da Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), informalmente conhecida como a Cpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. Este tratado foi fi rmado por quase todos os pases do mundo e tem como objetivo a estabilizao da concentrao de gases do efeito estufa na atmosfera em nveis tais que evitem a interferncia perigosa com o sistema climtico

    13 Com a entrada em vigor da Conveno do Clima em 1994, representantes dos pases signatrios da UNFCCC passaram a se reunir anualmente para discutir a sua implementao. Estes encontros so chamados de Conferncias das Partes (COPs). Neste caso, Parte o mesmo que pas e a COP constitui o rgo supremo da Conveno do Clima. A primeira, a COP1, ocorreu em 1995, e a ltima, at esse momento, foi a COP 15, que ocorreu em Copenhague, em dezembro de 2009.

    5. Os interesses geopolticos se revelam: as negociaes globais

  • 34 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    No entanto, o foco das negociaes restringiu-se a formas de cooperao tecnolgica e financeira. No saiu o acordo global to esperado. E ainda continua em discusso, mesmo com duas reunies posteriores. E as discusses e decises continuam concentrando-se na elaborao ou no de polticas que estabeleam regras de comando e controle (metas e sanes pelo descumprimento das mesmas) e em polticas que estabeleam instrumentos de mercado (incentivos ou no).

    A reunio de Copenhague representou um fracasso no que se refere criao de um acordo de metas. Mais uma vez prevaleceu entre as naes os interesses econmicos e geopolticos e no a negociao de um acordo. Havia por parte da sociedade global uma grande expectativa de que os membros decidissem sobre novos rumos no regime climtico global.

    A COP 15, e as duas seguintes, mostrou a incapacidade da maioria dos governos em enfrentar as causas reais da questo climtica. Previa-se e esperava-se a elaborao de um acordo que determinasse a reduo em pelo menos 50 % das emisses at 2050. Mas sem esse acordo, o aquecimento global ter consequncias mais graves do que as previstas.

    Para o telogo Leonardo Boff, o encontro de Copenhague trouxe duas lies: A primeira a conscincia coletiva de que o aquecimento global um fato irreversvel, do qual todos so responsveis, mas principalmente os pases ricos. E que agora somos tambm responsveis, cada um em sua medida, do controle desse fenmeno para que no seja catastrfico natureza e humanidade. A conscincia da humanidade nunca mais ser a mesma depois de Copenhague.

    E a segunda lio, na viso de Leonardo Boff, foi a exposio dos interesses do sistema do capital com sua correspondente cultura consumista e centrado na concepo de progresso infinito, na insero exaustiva da idia de crescimento.

    Essas concepes da relao com o meio ambiente ficam explcitas nessas negociaes multilaterais, em que visvel o predomnio de uma ideia hegemnica na qual os recursos naturais do Planeta so vistos como ativo econmico, para atender o modelo econmico baseado na produo e no consumo infinito. Esse pensamento tornou-se anacrnico, isso j no mais possvel.

    Para outros ambientalistas, a COP 15 fracassou e j previram que os prximos encontros para a retirada de um acordo global continuariam fracassando, o que de fato ocorreu, uma vez que no se debate em profundidade o atual modelo de desenvolvimento, predatrio por definio. Portanto, temos que buscar um modelo social e cultural que coloque no centro a vida, a humanidade e a Terra e as medidas para preserv-las.

    Segundo pesquisadores, cerca de 50% das emisses de carbono de muitos pases provm de viagens privadas e do uso da energia domstica, e seus governos reconhecem a necessidade urgente de incentivar os indivduos a adotar estilos de vida com reduo nas respectivas emisses de GEE.

  • 35Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Porm, os esforos desses governos, at o momento, est centrado em campanhas dispendiosas de comunicao, na tentativa de promover atitudes mais verdes na sociedade, numa estratgia que, isolada, segundo Ockwell, Whitmarsh e ONeill (2009), teria poucas chances de eficcia. O engajamento do pblico, na tica desses autores, pressupe o investimento em trs eixos considerados fundamentais para o enfrentamento do problema: a compreenso do problema (conhecimento), a emoo (interesse) e o comportamento (ao).

    Um estudo recente da entidade britnica Fundao Nova Economia (NEF, na sigla em ingls) revela que a nica sada para controlar o aquecimento global interromper o ciclo do crescimento econmico. De acordo com o estudo, o crescimento econmico incessante est consumindo a biosfera do Planeta alm dos seus limites, gerando o comprometimento da segurana alimentar global, as mudanas drsticas do clima, a instabilidade econmica e as ameaas ao bem-estar social.

    A impresso que temos que o conceito Mudanas Climticas vem ganhando cada vez mais um enfoque econmico e tecnolgico, seguindo o mesmo caminho percorrido pelo conceito meio ambiente. Em 1972, a questo ambiental foi discutida internacionalmente pela primeira vez, com foco nas questes socioambientais que emergiam pelas prticas humanas insustentveis. Passados 20 anos, a Rio-92 debate o tema meio ambiente, mas com o enfoque em desenvolvimento. Passados mais 10 anos, na Rio + 10, realizada na frica do Sul, deixou-se de lado o termo meio ambiente, passando a utilizar apenas desenvolvimento sustentvel.

    Nota-se tambm um crescimento do ceticismo pblico sobre o aquecimento global, ao mesmo tempo em que observamos estudos e pesquisas cientficas que consolidam cada vez mais a tese de que as alteraes climticas provocadas pelo homem so reais e ns continuamos a ignor-las. Mas o maior problema hoje no apenas o reconhecimento da ao humana, mas como buscar solues e como devemos proceder para a reduo das emisses de GEE.

    uma questo de posicionamento poltico. Lderes mundiais, por meio de decises polticas, rapidamente elaboraram um plano para deter o colapso do sistema financeiro mundial. Por que esses mesmos lderes demoram tanto para criar um acordo global que detenha o colapso da vida no planeta, trazido por uma conduta irresponsvel e ainda perigosa chamada de obsesso pelo crescimento? No entanto, esse cenrio no pode ser elemento de paralisia das aes de mudanas para evitar piores cenrios. preciso agir. possvel fazer algo j. Ainda d tempo. Como dizia Paulo Freire o sujeito fazedor de si mesmo.

    A Educao Ambiental, como ao mobilizatria, crtica e transformadora, pode contribuir para enfrentar os cenrios futuros que se projetam.

  • 36 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    5.1 Cenrio ps-CopenhagueDiante dos interesses econmicos e geopolticos, mostram-se mais necessrias ainda a elaborao

    e aprovao de normas de cunho vinculante de mbito nacional e estadual e fortes aes e medidas

    de controle social de combate ao efeito dos GEEs. Essa realidade foi demonstrada recentemente em

    funo dos resultados da COP 15, COP16 e COP17.

    O acordo produzido em Copenhague estabelece que os 194 pases signatrios da Conveno

    Quadro das Naes Unidas sobre Mudanas Climticas (UNFCCC) deveriam endoss-la por meio da

    formalizao de seus compromissos de reduo de GEE. Os pases membros do Anexo I14 devero

    registrar no apndice I do acordo de Copenhague seus compromissos nacionais de reduo da

    emisso de GEE para 2020. J os pases que no pertencem ao Anexo I (incluindo tambm os pases

    ditos emergentes como Brasil, China, ndia, Mxico, frica do Sul e Coria) devero inserir suas metas

    de mitigao nacionais apropriadas.

    O Brasil enviou, em janeiro de 2010, para o Secretariado da Conveno do Clima, suas aes de

    mitigao nacionalmente adequadas (Namas nationally appropriate mitigation actions, em ingls), e

    tambm se associou formalmente ao Acordo de Copenhague. As propostas que o governo brasileiro

    apresentou (AMERICANO, 2010) foram as seguintes:

    reduo de 80% do desmatamento na Amaznia (reduo estimada de 564 milhes de

    toneladas de CO2, at 2020);

    reduo de 40% do desmatamento no Cerrado (reduo estimada de 104 milhes de toneladas

    de CO2, at 2020);

    recuperao de pastos (amplitude de reduo estimada de 83 milhes de toneladas a 104

    milhes de toneladas de CO2, at 2020);

    integrao lavoura-pecuria (amplitude de reduo estimada de 18 milhes a 22 milhes de

    toneladas de CO2, at 2020);

    plantio direto (amplitude de reduo estimada de 16 milhes a 20 milhes de toneladas de

    CO2, at 2020);

    eficincia energtica (amplitude de reduo estimada de 12 milhes a 15 milhes de toneladas

    de CO2, at 2020);

    14 Esse termo foi estabelecido pelo Protocolo de Quioto e se refere s 37 naes industrializadas que se comprometeram a reduzir 5,2 % de suas emisses globais de GEE em relao aos nveis de 1990 entre o perodo de 2008 e 2012.

  • 37Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    expanso da oferta de energia por hidreltricas (amplitude de reduo estimada de 79 milhes

    a 99 milhes de toneladas de CO2, at 2020);

    fontes alternativas: pequenas centrais hidroeltricas, bioeletricidade, elica (amplitude de

    reduo estimada de 26 milhes a 33 milhes de toneladas de CO2, at 2020);

    siderurgia: substituir carvo de desmatamento por carvo de floresta plantada (amplitude de

    reduo estimada de 8 milhes a 10 milhes de toneladas de CO2, at 2020).

    O governo estima que o somatrio dessas aes leve a uma reduo de crescimento das emisses

    brasileiras at 2020 da ordem de 36,1% a 38,9% com relao s emisses projetadas para 2020. So

    metas ambiciosas que asseguram ao Brasil uma posio de destaque em relao a outras naes. No

    entanto, para que esse compromisso seja realizado, fundamental a mobilizao e o envolvimento de

    toda a sociedade civil, no apenas na execuo, mas na cobrana e no monitoramento das aes do

    Governo.

    Embora o governo Brasileiro tenha apresentado essas metas, no geral, os resultados de Copenhague

    so preocupantes na medida em que no prevem a obrigao de traduzir esta declarao poltica em

    um documento legal vinculante. No h nenhum compromisso claro sobre a continuao do Protocolo

    de Quioto, com metas assumidas pelos pases desenvolvidos para o segundo perodo de compromisso

    do protocolo, que continua incerto, pois citam a meta de reduo de 50% das emisses globais de GEE

    em 2050, mas no estabelecem em que ano as emisses globais devem atingir seu pique (o IPCC calculou

    que isso deveria ocorrer em 2020). O reconhecimento de responsabilidade histrica dos pases que se

    industrializaram primeiro tambm fi cou ausente do acordo.

    Alguns aprendizados que podemos retirar da COP 15:

    as negociaes fracassaram na construo de um tratado justo, ambicioso e legalmente

    vinculante;

    os lideres polticos mundiais com o poder de tomar deciso no tiveram a sensibilidade

    histrica e o senso de urgncia que o problema merece;

    fato que todo o movimento preparatrio, com a mobilizao de muitos setores da sociedade

    civil mundial, para a reunio de Copenhague, foi significativo. No entanto, ainda foi uma

    parcela muito pequena da populao total atual;

    a ampla mobilizao da sociedade mundial e o reconhecimento do relatrio do IPCC foram

    aspectos positivos a destacar.

  • 38 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    Em um documento resultante de reunio de anlise e avaliao do papel das organizaes da

    sociedade civil na COP-15 e seus desdobramentos em 2010, Rubens Born, um dos coordenadores

    da Campanha TicTacTicTac15, destaca que a mobilizao da sociedade brasileira para a COP15 trouxe avanos significativos para a forma como as Mudanas Climticas sero abordadas aps o evento de negociaes. Entre os avanos, est o reconhecimento de que as diversas instituies precisam alinhar esforos e compartilhar experincias para ampliar os resultados, mesmo que tenham posies diferentes.

    Nesse mesmo documento, Rubens Born chama ateno para que a mobilizao no seja apenas das organizaes ambientalistas e que a experincia da COP 15 mostrou que Mudanas Climticas podem ser incorporadas na agenda dos movimentos sociais dos trabalhadores s comunidades indgenas e quilombolas, passando pelos consumidores e defensores de direitos humanos, pois relacionam-se com dignidade e qualidade de vida e transio para o desenvolvimento sustentvel.

    Uma das concluses da experincia de mobilizao foi a necessidade de constituir uma agenda multifacetada que contribua para evidenciar as relaes, muitas vezes ainda no plenamente percebidas, entre clima, desenvolvimento e sociedade.

    Na esfera de tratado internacional com valor legal e jurdico, o Acordo de Copenhague foi um fracasso. O que observamos depois da conferncia do clima em Copenhague, quando no se retirou um acordo amplo para a elaborao do documento final com o protocolo de intenes sobre as Mudanas Climticas, foi o aprofundamento da diviso entre naes economicamente ricas e pobres.

    Agora, os movimentos socioambientais depositam suas expectativas nas prximas reunies. O que se espera a retirada de uma nova legislao global (Ps-Quioto) sobre os procedimentos para a reduo das emisses. Muitos analistas afirmam que isso s ser possvel se a sociedade civil global pressionar os lderes mundiais, em seus respectivos pases.

    15 A Campanha TicTacTicTac a iniciativa brasileira associada Campanha Global de Aes pelo Clima (GCCA), que visou sensibilizar os governos de pases-chave em todo o mundo, para que a COP15 - Conferncia do Clima, realizada em dezembro/2009 em Copenhague representasse um avano decisivo no processo de enfrentamento das Mudanas Climticas. Endereo eletrnico: www.tictactictac.org.br

  • 39Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    O Brasil possui papel fundamental nas Mudanas Climticas globais, tanto na emisso de GEE, quanto nas negociaes de governana global, por abrigar um dos mais ricos ecossistemas do planeta, a Floresta Amaznica, e estar entre as 10 maiores economias do mundo. Como uma das naes-chave, sempre defendeu a responsabilidade histrica.

    No entanto, o processo de institucionalizao de polticas pblicas de Mudanas Climticas no governo federal brasileiro s ocorreu de fato a partir da dcada de 1990, destacando-se e fortalecendo-se aps o lanamento do relatrio nmero 4 do IPCC, em 2007. A repercusso do tema junto aos movimentos sociais no Brasil tambm encontra espao de discusso nas agendas de debates ambientais a partir da dcada de 1990 e ganha mais fora e consistncia nos ltimos cinco anos.

    Dessa forma, a criao e a implementao de polticas pblicas para a reduo de emisses de GEE ainda so muito recentes. No entanto, o governo brasileiro d mostras concretas de avanar em polticas pblicas na busca por um modelo de governabilidade que permita lidar com os complexos desafios que envolvem a questo. Como exemplo, a meta apresentada e assumida pelos negociadores brasileiros na reunio de Copenhague de reduzir as emisses de gases do efeito estufa no intervalo de 36,1 a 38,9%, at 2020.

    Esse movimento de formulao de polticas pblicas no mbito do Estado vem sendo construdo com o envolvimento, a articulao e a reivindicao de setores organizados da sociedade civil, que j possuem trajetria e repertrio de luta e debate sobre a questo.

    Na dcada de 1980, foi instituda a Poltica Nacional de Meio Ambiente (Lei no 6.938/1981) que cria vrios instrumentos legais e normativos, sem citar a questo climtica de forma direta. Em 21 de novembro de 2007, por meio do decreto 6.263, criado o Plano Nacional sobre Mudana do Clima (PNMC), que prope, entre outros objetivos, debater e formular a Poltica Nacional sobre Mudana do Clima. Em 29 de dezembro de 2009, atravs da lei n 12.187, instituda a Poltica Nacional de Mudanas Climticas, e em 2010 tem incio a primeira reviso do PNMC. Outras importantes referncias deste esforo podem ser traduzidas tambm na realizao de duas Conferncias Nacionais.

    6. Mudanas Climticas como um campo em institucionalizao: trajetrias na sociedade e nas polticas de Estado

  • 40 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    Em 2008, foi realizada a III Conferncia Nacional de Meio Ambiente16, cujo tema central foi discutir as Mudanas Climticas, e teve como resultados a promoo, o debate e a retirada de propostas da sociedade civil por meio de deliberaes (ver no stio eletrnico: www.mma.gov.br) para subsidiar a formulao do PNMC. Entre as deliberaes se destaca aquela que se tornou lei (12.305/2010) determinando o encerramento dos lixes at 2014.

    Ainda em 2008, foi realizada a III Conferncia Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente, promovido pelo Ministrio da Educao e pelo Ministrio do Meio Ambiente, e teve como eixo de estudo e debate as Mudanas Ambientais Globais. Como produto final, foi proposto um conjunto de deliberaes para o enfrentamento das Mudanas Climticas, com foco no ensino formal (Anexo 5). Contou com a participao de 700 delegados representantes de escolas de todo o territrio nacional, contribuiu para debater a Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, instituda pela Unesco, e promoveu o debate sobre as Oito Metas do Milnio17, do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, iniciativas das Naes Unidas.

    Na III Conferncia Nacional Infanto-Juvenil pelo Meio Ambiente foi produzido um material didtico pedaggico para reflexes, desafios e atividades dos educadores nas escolas, categorizados pelos eixos temticos (gua, ar, terra e fogo) e suas respectivas relaes com o fenmeno das Mudanas Climticas. Esse material ajudou no processo de formao de professores sobre a temtica climtica.

    Essas duas Conferncias tiveram espaos e grupos de trabalho voltados para a discusso do papel da EA diante da questo climtica, revelando um conjunto genrico de reivindicaes e sugestes de diretrizes e princpios importantes para a elaborao de uma poltica especfi ca sobre a relao EA/Mudanas Climticas.

    O Departamento de Educao Ambiental (DEA) do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), em parceria com a Secretaria do Audiovisual do Ministrio da Cultura, lanou, em 2010, um edital nacional para a produo de fi lmes de animao de 1 minuto, denominado Edital de Curtas de Animao Ambiental, sobre o tema: Aquecimento Global e Mudanas Climticas. O objetivo consistia em despertar na sociedade um olhar crtico, estimulando a busca de solues e novos comportamentos sobre a questo socioambiental, contribuindo tambm para a produo de campanhas televisivas sobre o tema.

    16 As deliberaes da III CNMA foram resultados do debate e problematizaro do tema em 570 conferncias municipais, 152 regionais e 26 estaduais, envolvendo cerca de 120 mil pessoas.

    17 Os Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) so uma srie de oito compromissos aprovados entre lderes de 191 pases membros das Naes Unidas, na Cpula do Milnio, realizada em Nova York em setembro de 2000. Os oito compromissos, mais conhecidos como oito metas do Milnio so: acabar com a fome e a misria; educao de qualidade para todos; igualdade entre sexos e valorizao da mulher; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a sade das gestantes; combater a Aids, a malria e outras doenas; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente e todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.

  • 41Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    Os vdeos foram e ainda so exibidos em canais pblicos de televiso e em espaos exibidores de todo o pas e esto disponveis a todas as emissoras interessadas.

    O Departamento de Educao Ambiental, com o apoio do Frum Brasileiro de Organizaes No Governamentais e Movimentos Sociais (FBOMS), promoveu, em 2009, uma oficina que teve como objetivo discutir e formular diretrizes de Educao Ambiental no contexto das Mudanas Climticas, visando discutir pressupostos bsicos para a elaborao de diretrizes e estratgias de Educao Ambiental na implementao do Plano Nacional sobre Mudana do Clima, ao estabelecer prioridades de contedos e abordagens para aes de comunicao, ensino formal (profissionalizante e extenso universitria) e ensino no formal, e tambm, prioridades, metas e indicadores de processo.

    A Poltica Nacional de Educao Ambiental (PNEA), por meio da lei n 9795/99, prope que a EA deve promover aes e prticas educativas voltadas sensibilizao da coletividade sobre as questes ambientais e sua organizao e participao na defesa da qualidade do meio ambiente.

    Mesmo com esse arcabouo terico e legal, as diretrizes at aqui elaboradas e implementadas pela poltica pblica de EA no possuem um referencial de diretrizes em mbito nacional especificas para o enfrentamento da mudana do clima. Dessa forma, necessria e importante a formulao de polticas pblicas que espelhem as aspiraes e os problemas da realidade brasileira.

    Alm dessas aes na esfera do Estado, tambm surgem instncias coletivas e representativas da sociedade com o papel de debater e articular a sociedade civil para o enfrentamento do fenmeno.

    O Frum Brasileiro de Mudanas Climticas (FBMC), criado em junho de 2000, pelo Decreto n 3.515, resultado de uma parceria entre a sociedade, o governo, a universidade e o setor privado, cujo objetivo so conscientizar e mobilizar a sociedade para a discusso e tomada de posio sobre os problemas decorrentes da mudana do clima por GEE, bem como sobre o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) definido no Artigo 12 do Protocolo de Quioto Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana do Clima. O FBMC deve auxiliar o governo na incorporao das questes sobre Mudanas Climticas nas diversas etapas das polticas pblicas.

    Outra instncia importante o Observatrio do Clima, criado em 2002, por organizaes no governamentais socioambientalistas. O Observatrio do Clima uma rede brasileira de articulao sobre o tema das Mudanas Climticas globais. Alm de discusses com especialistas sobre as Mudanas Climticas, o Observatrio promove a articulao de entidades da sociedade civil para acompanhar as iniciativas e pressionar o governo por aes contundentes pela mitigao e adaptao do Brasil em relao mudana do clima.

  • 42 Educao Ambiental & Mudanas Climticas

    Dentre vrios trabalhos que o Observatrio do Clima tem realizado, destaca-se o documento

    Diretrizes para Formulao de Polticas Pblicas em Mudanas Climticas no Brasil18.

    Assim, o debate ganha repercusso em espaos e instncias relacionadas rea da mudana do

    clima, mas ainda restrito a eles, sem grande impacto na sociedade brasileira. No entanto, graas

    a essa mobilizao que a chama da questo continua acesa. Pesquisas, debates e articulaes

    continuam existindo e consolidando um campo de reflexo e ao.

    Em 2008, o Instituto de Estudos da Religio (Iser) desenvolveu uma pesquisa sobre o que as

    lideranas brasileiras pensam sobre Mudanas Climticas e o engajamento do Brasil, que trouxe

    vrios dados em seu relatrio de divulgao. Uma das concluses do estudo a de que o tema das

    Mudanas Climticas est presente na agenda dos atores sociais e governamentais. Dos sete setores

    selecionados (cientistas, empresrios, sociedade civil, ONGs, mdia, governo e parlamentares), todos

    reconheceram a relevncia do tema ou avaliaram que o fenmeno das Mudanas Climticas deve

    ser tratado como mais uma das questes importantes e estratgicas do nosso tempo.

    De acordo com o relatrio publicado pelo Iser, a insero do tema na agenda poltica nacional

    comeou com a Rio-92, que pautou o Brasil, signatrio da Conveno do Clima e do Protocolo de

    Quioto, desde o incio. Entretanto, os entrevistados reconheceram que o tema repercute de forma

    mais abrangente e ganha relevncia, dotando a sociedade para a formao de opinies mais

    consistentes, a partir de trs acontecimentos muito divulgados pela mdia. So eles: a publicao do

    relatrio Stern19 (2006), do ltimo relatrio do IPCC (2007) e do filme documentrio Uma verdade

    inconveniente, de Al Gore, amplamente divulgado no Brasil.

    Ainda de acordo com o relatrio, a maneira como cada segmento da sociedade brasileira lida

    com o tema est relacionada a vrios fatores, dentre eles a natureza do prprio segmento (mais

    ou menos informado), sua proximidade em relao aos temas e assuntos pertinentes (mais ou

    menos orgnico), a formao e insero do prprio entrevistado (mais ou menos especializado) e a

    importncia atribuda ao tema.

    18 Ver a publicao em http://www.empresaspeloclima.com.br/cms/arquivos/livro_laranja.pdf. Acesso em 09/09/10.

    19 O Relatrio Stern (do nome do seu coordenador, Sir Nicholas Stern, economista britnico do Banco Mundial) um estudo encomendado pelo governo Britnico sobre os efeitos na economia mundial das alteraes climticas nos prximos 50 anos. Uma das principais concluses que o relatrio constata que com um investimento de apenas 1% do Produto Interno Bruto Mundial (PIB) se pode evitar a perda de 20% do mesmo PIB num prazo de simulao de 50 anos.

  • 43Dilogo Necessrio num Mundo em Transio

    A maioria absoluta dos entrevistados concorda com a viso cientfica de que o impacto das

    Mudanas Climticas ser grande e afetar a todos, especialmente a populao pobre. As lideranas

    consideram que ainda conhecem pouco o tema das Mudanas Climticas e a maioria se considera

    altamente motivada a aprender mais sobre a problemtica.

    A pesquisa revela ainda que, para todos os setores, o maior responsvel pelo agravamento das

    Mudanas Climticas so as relaes desmatamento/queimadas. Em segundo lugar, destacam-se as