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EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTE Alexandre Takara Palavras-chave: Educação, Cultura e Arte Há uma crença generalizada de que o critério da verdade e da normalidade se assenta no conceito de maioria. Se a maioria das pessoas sente, acredita ou faz, está certo, é verdadeiro e normal. A maioria tem sempre razão, afirma o velho adágio, sem reflexão crítica. A maioria tem sempre razão? Vox populi, vox Dei? Não, a voz do povo nem sempre é a voz de Deus. Há alguns anos, circulou nos meios televisivos uma propaganda, não me lembro de que produto, apresentada por um famosíssimo esportista que se valia desse refrão popular. Nesse caso, duas fontes de erro. A primeira, a maioria nem sempre tem razão. Ao contrário, está muito sujeita a equívocos. A História nos revela que poucos têm razão. Que o digam Copérnico e Galileu. A segunda, dito por essa autoridade esportiva, esse refrão assume ares de verdade, como se essa autoridade sempre tivesse razão. Nem sempre. Francis Bacon, nos albores dos tempos modernos, já denunciava essas e outras fontes de erro. Se a maioria sempre tem razão, por que há tantos homens infelizes? E infelicidade não é traço de normalidade. Esquizofrênicos, perdidos em meio a muitas contradições, não sabem superá-las. E mais grave, nem todos têm consciência dessa disfunção. Inventou-se um novo conceito para nomeá-la: normose, a patologia da 1

Educação cultura e arte

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Page 1: Educação cultura e arte

EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTE

Alexandre Takara

Palavras-chave: Educação, Cultura e Arte

Há uma crença generalizada de que o critério da verdade e da normalidade se

assenta no conceito de maioria. Se a maioria das pessoas sente, acredita ou faz, está

certo, é verdadeiro e normal. A maioria tem sempre razão, afirma o velho adágio, sem

reflexão crítica. A maioria tem sempre razão? Vox populi, vox Dei? Não, a voz do povo

nem sempre é a voz de Deus.

Há alguns anos, circulou nos meios televisivos uma propaganda, não me lembro

de que produto, apresentada por um famosíssimo esportista que se valia desse refrão

popular. Nesse caso, duas fontes de erro. A primeira, a maioria nem sempre tem razão.

Ao contrário, está muito sujeita a equívocos. A História nos revela que poucos têm

razão. Que o digam Copérnico e Galileu. A segunda, dito por essa autoridade esportiva,

esse refrão assume ares de verdade, como se essa autoridade sempre tivesse razão. Nem

sempre. Francis Bacon, nos albores dos tempos modernos, já denunciava essas e outras

fontes de erro.

Se a maioria sempre tem razão, por que há tantos homens infelizes? E

infelicidade não é traço de normalidade. Esquizofrênicos, perdidos em meio a muitas

contradições, não sabem superá-las. E mais grave, nem todos têm consciência dessa

disfunção. Inventou-se um novo conceito para nomeá-la: normose, a patologia da

normalidade. Ignoram que o bem-estar fundamenta-se no humanismo existencial.

Massacrados pelo sistema de produção, eles só valem pelo que produzem e pelo que

consomem. Têm um valor utilitário. Orientados para o mercado de trabalho e consumo,

não se dedicam a práticas sociais (a política), muito menos ao mundo das representações

simbólicas. Estão escamoteados na sua totalidade como pessoas e se entregam à

servidão voluntária e, por isso, se alienam. Dedicam-se ao sistema de produção uma vez

que a empresa é a estrutura básica da sociedade. E tudo converge em torno dela – a

família, a escola e a política...

As artes, a ética e a estética da existência são tidas como perfumarias e, por isso,

desprezadas. No entanto, elas são essenciais para a construção do sentido da existência

humana, do encontro com o outro (a alteridade), do diálogo e do maravilhamento com a

vida.

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Os textos que serão divulgados, quinzenalmente, através da intranet e da

internet, têm, por objetivos, provocar reflexões e debates. Eles visam construir a

dimensão ética e estética da existência através da cultura e das artes e,

conseqüentemente, da educação. Esses textos vão resvalar, perfunctoriamente, pela

filosofia, sociologia, antropologia, psicologia e pela política. E pelo mito. Essa

abordagem interdisciplinar é fundamental para os cursos de Humanidades, agora em

módulos, conforme nova orientação da UMESP – Universidade Metodista de São

Paulo. O curso em módulos, além de ensejar a interdisciplinaridade, concentra-se na

transversalidade, na multirreferencialidade e na intertextualidade, em torno dos eixos

temáticos, não mais em disciplinas isoladas. Para isso, vale-se do pensamento complexo

segundo Edgar Morin. Aqui, reside a ousadia da UMESP que a põe na linha de

vanguarda pedagógica. Um novo paradigma em substituição ao paradigma anterior,

fragmentado em disciplinas isoladas, que impede a visão de totalidade e de

complexidade.

Dedico-me, desde 1950, à animação cultural, inicialmente como prazer, depois

como reflexão e, agora, como estilo de vida. Compus o governo de Celso Daniel, em

Santo André, barbaramente assassinado, no início, como Coordenador de Programas e,

depois, como Secretário Adjunto de Cultura. O prefeito João Avamileno, que o sucedeu,

confirmou-me no cargo. Ao mesmo tempo, continuei professor da UMESP, onde

ingressei em 1987, como docente no curso de Psicologia, depois também na Educação.

Assim, pude associar minhas experiências de animador cultural às de professor

universitário, enriquecidas, depois, com as contribuições dos professores Elydio dos

Santos Neto, Joaquim Gonçalves Barbosa e minha querida colega Maria Leila Alves

que me convidou, inúmeras vezes, a debater cinema com seus alunos de Mestrado,

particularmente sobre educação, cultura e artes.

Ao final, uma reflexão: o que existe de comum entre uma obra de arte,

particularmente literatura, teatro e cinema, de um lado, e a psicanálise, de outro? Uma

interlocução profícua na medida em que lidam com desejos, com o imaginário, com o

simbólico e se utilizam de mecanismos para escarafunchar o inconsciente. As artes e a

psicanálise visam à construção de subjetividades, segundo uma proposta de Gilles

Deleuse e Félix Guattari, em O Anti-Édipo. Sem a subjetividade, as pessoas se perdem

nos meandros da vida. É o que está acontecendo. Portanto, urge acelerar o processo de

subjetivação. A educação, a cultura e as artes se prestam a esse papel.

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Page 3: Educação cultura e arte

UMESP, primeira quinzena de setembro de 2009.

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