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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ CAMPUS BELÉM CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM BIOLOGIA Simone Machado da Rocha EDUCAÇÃO DA MULHER: A PERSPECTIVA DA INJUSTIÇA Belém Pará 2013

Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ

CAMPUS BELÉM

CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM BIOLOGIA

Simone Machado da Rocha

EDUCAÇÃO DA MULHER: A PERSPECTIVA DA INJUSTIÇA

Belém – Pará

2013

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO PARÁ

CAMPUS BELÉM

CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM BIOLOGIA

Simone Machado da Rocha

EDUCAÇÃO DA MULHER: A PERSPECTIVA DA INJUSTIÇA

Trabalho apresentado como requisito para obtenção

de nota parcial da disciplina Metodologia da

Pesquisa Científica II, pelo Curso de Licenciatura

Plena em Biologia, do Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia do Estado do Pará,

ministrada pelo Prof. MSc. Antônio Ferro.

Belém – Pará

2013

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 3

2 HISTÓRICO DO PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE 3

3 O PODER DA RELIGIÃO 4

3.1 O Mito de Lilith / Eva 6

3.2 O Mito da Virgem Maria 7

4 O PROCESSO DE EDUCAÇÃO 7

5 O PAPEL DA MULHER NA FAMÍLIA 8

5.1 A Questão da Maternidade 9

5.2 Direitos e Deveres 10

5.3 Moral da Família 11

5.4 Casamento: Um Bom Negócio

5.5 Violência

6 UM CAPÍTULO MASCULINO

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

8 REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

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1. INTRODUÇÃO

Estudar o feminino implica no risco de vitimizá-las ou heroicizá-las, uma vez que são atrizes

de sua história, porém não como sujeitos isolados dos acontecimentos. Sabemos que muitas

vezes tiveram seus direitos e sentimentos silenciados, mas têm as suas vozes, as suas versões

dos fatos. E fatos que podem tomar proporções diferenciadas, por terem sua história ainda em

construção.

Este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica acerca da trajetória educacional feminina

brasileira. É uma análise do acesso das mulheres à educação, tanto na esfera privada do lar,

quanto nas instituições de ensino, enfocando os primeiros passos da efetiva emancipação

feminina pelo viés da educação.

2. HISTÓRICO DO PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE

Durante os primeiros trezentos anos de colonização no Brasil, assim como outros segmentos

sociais, estiveram à disposição dos interesses de alguns grupos, que desejavam a manutenção

do sistema de submissão, opressão e desigualdade social, quanto aos gêneros, e posição social

em vigor.

Diferentemente do ocorrido nos Estados Unidos, onde o colono imigrou carregando consigo

toda sua estrutura familiar, seus instrumentos domésticos, seus costumes, religião, etc. além da

vontade de se firmar naquela terra, transformando-a em seu lar, pois que almejava que seus

filhos adquirissem acesso à educação e consequentemente ao conhecimento e a cultura. No

Brasil, o colono português veio sozinho. Trouxe com ele apenas sua religião, a qual foi

imposta aos nativos. Seu lar era em terras lusitanas e sua família permaneceria lá a sua espera

e de suas conquistas materiais. Sem interesse em fixar-se ou povoar as terras pertencentes à

Coroa Portuguesa, não havia necessidade de construir escolas ou transformar a colônia em um

lar.

No Brasil Colônia, a educação não era preocupação, pois os ensinamentos

estavam pautados na doutrina católica e na preocupação dos jesuítas com a

educação voltada para a moral, não para a alfabetização. Aprender a ler e escrever

era para homens e estudos mais avançados eram somente para homens de classe

superior. Os menos favorecidos não tinham as oportunidades que estavam na

Europa e assim, não é difícil imaginar os índices de analfabetismo da população

(VILLALTA, 1998).

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A ideia do educar era diferente da atualidade. Sendo uma colônia exclusivamente de

exploração, a população era composta por escravos, senhores e trabalhadores do campo.

Educar essas pessoas seria o mesmo que incentivar a mudança da ordem de exploração

vigente.

Conforme Ribeiro (2000, p. 81):

Mesmo as mulheres que viviam na Corte possuíam pouca leitura, destinada

apenas ao livro de rezas. Por que então oferecer educação para mulheres

„selvagens‟, em uma colônia tão distante e que só existia para o lucro português?

A mulher, até o século XVII, recebeu uma educação voltada para a formação moral e

valorização dos bons costumes da sociedade, subordinada e dependente do pai e/ou do marido.

Vista assim, como objeto sexual do homem, colonizador e proprietário. Dentro de casa

recebiam instruções de suas mães, em sua maioria ligadas ao cotidiano doméstico. A

orientação tinha como principal objetivo a formação para governar a casa, educar os filhos e

cuidar do marido. Mantendo-se, por um longo período, restritas a um espaço privado e

consequentemente afastadas de uma educação formal. Esse quadro começa a sofrer alterações

a partir do século XVIII, com o ingresso das mulheres no espaço público e a intervenção da

Igreja sobre a figura feminina.

“a ausência da educação feminina pode ser explicada pela exclusão da mulher do

processo educativo pelo menos até o final do século XVII, quase dois séculos de

diferença em relação aos homens”. (ARIES, 1981, passim)

Esses antigos modelos sociais, que favorecem a repressão do sexo feminino e que continua

presente na atualidade, nos levam a crer que esteja ligada à idéia da força física masculina em

contraposição a forma como foi interpretada a “fragilidade” física feminina e sua condição de

reprodutora da espécie humana.

Nesse sentido o determinismo biológico seria o definidor das

desigualdades entre mulheres e homens, tendo a medicina e as ciências

biológicas como importante aliada que, durante muito tempo, subsidiavam

as normas sociais quanto às relações de gênero. (VIANA & RIDENTI,

1998, p. 97).

A partir de uma perspectiva religiosa, em decorrências de tantas transformações históricas, a

conotação atribuída à mulher precisava modificar-se, passando de “Eva” representada por

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inúmeras mulheres consideradas como bruxas e diabólicas, por possuírem saberes,

especialmente, saberes médicos, para “Maria” modelo de mulher cultuado com veemência

pela igreja, que denota pureza, amor materno e submissão (MELO, 2001).

Na primeira metade do século XIX, pioneiras como Nísia Floresta, discípula de Comte, e as

precursoras do feminismo no Brasil, fundaram o Colégio Augusto, propondo a ampliação do

currículo do ensino feminino nos moldes clássicos e humanísticos. Apesar disso, as mulheres

continuam lutando pela igualdade de oportunidades, pela superação da exploração capitalista,

traduzidas em inúmeras jornadas de trabalho à qual são submetidas, pela violência doméstica

ainda sofrida por muitas. Enfim, por esse estereótipo consolidado ao longo do tempo, que a

sociedade esforça-se para manter.

3. O PODER DA RELIGIÃO

3.1 O Mito de Lilith / Eva

O mito de Eva é relevante na percepção da moral imposta pela religião católica. Serve para

exemplificar perfeitamente como a moral é repassada através de sutis mitos religiosos.

"toda a história psicológica da relação homem-mulher é uma série de notas de

rodapé à história de Adão e Eva" (HILLMAN apud SICUTERI, 1990, p. 24).

O mito de Lilith é arcaico e precede o mito de Eva: é a primeira companheira de Adão. De

acordo com Cavalcanti (1987), tal mito possui grande conteúdo revolucionário, expressando a

problemática feminina em busca da sua identidade, denunciando a necessidade da sociedade

patriarcal de sujeitar e invalidar a presença da mulher. O grande mal em Lilith está em sua

desobediência ao masculino.

Feita da mesma matéria que ele, possui sensualidade e força "demoníacas" que o perturbam;

mas também é ela que lhe apresenta o prazer orgástico. O relacionamento é rompido pela não

aceitação à imposição do homem em permanecer por cima da mulher. Este mito denota, entre

outros aspectos, a instintividade feminina manifestada em sua sensualidade, bem como a

reivindicação por igualdade sexual e social contra o machismo. Desta forma, observa-se que o

mito traça um panorama de controle, submissão, repressão sexual e luta por igualdade sexual e

social femininas.

“Assim perguntava a Adão: „- Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que

abrir-me sob teu corpo?‟ Talvez aqui houvesse uma resposta feita de silêncio ou

perplexidade por parte do companheiro. Mas Lilith insiste: „- Por que ser

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dominada por você? Contudo eu também fui feita do pó e por isto sou tua igual‟.

Ela pede para inverter as posições sexuais para estabelecer uma pariedade, uma

harmonia que deve significar a igualdade entre os dois corpos e as duas almas.

Malgrado este pedido, ainda úmido de calor súplice, Adão responde com uma

recusa seca: Lilith é submetida a ele, ela deve estar simbolicamente sob ele,

suportar seu corpo. Portanto: existe um imperativo, uma ordem que não é lícito

transgredir. A mulher não aceita esta imposição e se rebela contra Adão. É a

ruptura do equilíbrio. Qual é a ordem e a regra do equilíbrio? Está escrito: „o

homem é obrigado à reprodução, não a mulher‟”.

(Sicuteri, 1998, p 35)

A feminilidade é um todo, porém este mito enfatiza um pólo de uma cisão: o lado da mulher

sensual, a prostituta, porém com a força da autonomia e dignidade, presentes na busca

feminina contemporânea por equilíbrio nas relações afetivo-eróticas.

Para satisfazer Adão, triste por ter perdido a mulher, Deus manda para o lugar de Lilith, a Eva,

mulher submissa e sutil, que usa de "persuasão" para fazer com que Adão coma do fruto

proibido, aprendendo o prazer mas cometendo o "pecado original" e, desta forma, dando

origem a todas as nossas desgraças. Desta forma, Eva e o prazer tornam-se os responsáveis por

nossas desgraças.

Este mito contrapõe a mulher progressista, com ideais de igualdade, e a mulher submissa, que

se coloca, por iniciativa própria, nesta situação. Esta era a diferença fundamental entre Lilith e

Eva. E a personalidade que foi valorizada como virtude pela religião católica é exatamente o

da mulher submissa.

3.2 O Mito da Virgem Maria

Talvez o mito de Maria seja um dos mais difundidos entre os religiosos e

fecha o ciclo iniciado com o pecado original, no qual Eva induz Adão a pecar, passando por

todas as submissas mulheres bíblicas, até chegar na mãe pura, aquela que foi mãe sem cometer

o pecado original e que seria o exemplo para todas as mulheres.

Desta forma a psicanalista Emilce Dio Bleichmar define a maternidade:

"A maternidade: esta função da feminilidade se acha ambivalentemente

considerada por nossa cultura, já que se bem Maria é a mãe de Cristo e é como

mãe que alcança a categoria de sagrada, é a custa de violentar de tal maneira a

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lógica mais elementar que poucos a acreditam de verdade. Para ser mãe sagrada,

deve sê-lo excluindo o sexo" (BLEICHMAR, 1988, p. 102).

De todos os arquétipos femininos, o de Maria é o mais cruel de todos, uma vez que interfere

diretamente na relação de prazer da mulher com o mundo. O modelo da mãe de Jesus é o da

mulher que foi mãe por uma iluminação divina, de forma assexuada. Ou seja, não pecou, não

sentiu prazer sexual.

De tal forma a religião preocupou-se com a pureza de Maria que praticamente retirou das

citações bíblicas a existência dos irmãos de Jesus. Somente em alguns pequenos trechos

encontramos referências sobre a família de Jesus:

"Foi assim, em Caná da Galiléia, que Jesus começou seus sinais. Ele manifestou a

sua glória, e seus discípulos acreditaram nele. Depois disso, Jesus desceu para

Cafarnaum com sua mãe, seus irmãos e seus discípulos. E aí ficaram apenas alguns

dias" (BÍBLIA. N.T. João, II, 11-12).

Mesmo assim o estereótipo que se tenta passar do mito histórico é que a mãe de Jesus, por ser

virginal e assexuada, era destituída de pecados. Assim, as meninas educadas sob a moral

judaico-cristã encaram sua sexualidade de forma comprometida e distorcida, pois que a

realidade de seus sentimentos não corresponde ao modelo de sexualidade que lhes é oferecido.

Reprimem sua libido, desenvolvendo mecanismos de defesa para se livrarem dos "pecados da

carne".

"(...) inventou-se o culto a puríssima dama, a quem deveria dedicar-se um amor,

não um simples amor carnal, 'animalesco', mas o amor romântico pela deusa,

adorada e casta, tanto mais adorada quanto mais casta. Os trovadores cantavam

este amor e os homens que tinham ficado para trás, se convenciam dele. Isto

acabou se constituindo num cinto de castidade mais eficaz dos que os de ferro e

cadeado, mais folclóricos que realmente usados. Isto também reforçou

imensamente nos homens a tendência de pensar as mulheres ou como santas ou

como prostitutas..." ( Veiga, 1997: pag.34)

A escritora Collete Dowling, em sua obra "Complexo de Cinderela", diz que a sexualidade da

mulher é tão castrada que ela precisa da desculpa do amor para sentir prazer com o outro. Não

basta, portanto, para a mulher, o simples desejo. O prazer da mulher está intimamente

relacionado a um sentimento inexplicável como o amor.

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O que remete ao dogma do "amai-vos uns aos outros, inclusive, como um princípio muito

questionável. Para Nietzsche (1995, p. 60-61) o sentimento de amor pelo outro e o espírito

altruísta são expressões de fraqueza e negação do eu e que o nosso desejo de um amigo, numa

outra pessoa, é o nosso acusador.

De outra forma Freud diz que:

"Se amo uma pessoa, ela tem que merecer meu amor de alguma maneira. (...) Ela

merecerá meu amor, se for de tal forma semelhante a mim, em aspectos

importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo

mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu

(self)" (FREUD, 1976, p. 130-131).

O precursor da psicanálise diz ainda que:

"O mandamento 'Ama a teu próximo como a ti mesmo' constitui a defesa mais

forte contra a agressividade humana e um excelente exemplo dos procedimentos

não psicológicos do superego cultural. É impossível cumprir esse mandamento;

uma inflação tão enorme de amor só pode rebaixar o seu valor, sem se livrar da

dificuldade" (FREUD, 1976, p. 168).

Se hoje somos conscientes de que deveríamos viver, mulheres e homens, nossos desejos

baseados no amor-próprio e na alegria de viver e não em desculpas externas às nossas

necessidades, ainda assim experimentamos o conflito da moral religiosa diametralmente

oposta à intenção de viver com alegria, à qual o psicanalista neo-freudiano Wilhelm Reich

chama primordialmente, anti-vida.

Não existe para o ser humano um outro arquétipo tão nefasto quanto o mito de Maria,

contrário à maioria dos modelos masculinos povoados de heróis, homens fortes, viris, homens

de decisão e à semelhança, na terra, de Deus.

Desta forma não deve ser tão difícil para as mulheres que buscam seu prazer não conflituarem

no seu âmago psicológico o medo de se tornarem prostitutas, vagabundas, vadias, etc..

Através do mito de Maria, o prazer da mulher está sempre relacionado a adjetivos pejorativos,

enquanto que com o homem dá-se o contrário. Para os homens o sinal de dignidade masculina

é a potência de sua virilidade que é valorizado e reforçado pela própria sexualidade feminina.

Para o cientista social Luiz Mott se Maria não é virgem, resta-lhe, a partir dos padrões

machistas, ser prostituta, vindo a inventar a gravidez virginal para escapar as pedradas. Diz

ainda que:

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"Bem-aventurada para os crentes, maldita para os incrédulos, a mãe de Jesus

carregará para sempre a culpa de ser a autora de um mito que levou e continua

levando à infelicidade e à morte milhões de seres humanos culpados por um

indevido prazer: o orgasmo" (MOTT, 1988, p. 186).

Por outro lado o mito de Maria vem também sendo usado no sentido político, sendo que até

mesmo algumas feministas interpretam a virgindade de Maria como "a derradeira conquista da

mulher liberada" (MARIA, 1993, p. 44). Na Guatemala a Virgem Maria chegou a ser

censurada pelo governo, já que alguns teólogos partidários da Teologia da Libertação vinham

usando a imagem de Maria como incentivo à transformação social.

4 O PROCESSO DE EDUCAÇÃO

É notório que a educação feminina através de uma instituição escolar é um fenômeno recente

de estudo na historiografia. Pois durante séculos a mulher foi remetida, de modo geral, a uma

situação de subordinação e de dependência dos pais e/ou maridos. (Silva et al. 2011).

A escola não apenas absorve diversas representações sociais, mas configura-se como um

importante instrumento de veiculação e perpetuação de modelos androcêntricos, nos quais, o

homem se mantém no centro das discussões. A começar pela forma generalista, na linguagem

escolar, onde meninos e meninas são predominantemente tratados de “meninos”, ou seja, a

utilização de um termo masculino para tratar crianças e adolescentes de sexos biologicamente

e culturalmente opostos, evidenciando a supremacia de um sexo em detrimento de outro.

A escola é uma caricatura da sociedade. Por ela passam como não passa por

nenhum outro lugar, limitados por diminutivos, todas as idéias que uma

sociedade quer que se acredite. (MORENO, 1999, p. 80).

A partir do século XVIII, as escolas de tempo integral aparecem como uma instituição capaz de

educar as mulheres, não havendo, contudo, mudanças significativas para as educandas, já que a

“função do recolhimento é instruir as meninas nos princípios da religião e preservá-las dos

„defeitos ordinários‟ do seu sexo”.

Durante todo o século XVIII e em boa parte do século XIX, a instrução era restrita a poucas

meninas, cuja educação e introdução às primeiras letras se diferenciava de meninos. De acordo

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com Jussara Reis Prá, as meninas aprendiam a ler e escrever, nessa seqüência. Em seguida

aprendiam as quatro operações e para concluir a educação, coser e bordar.

A fundação destas instituições religiosas deu o ponto de partida para o processo de

escolarização da mulher, mesmo que tenha sido acessível a poucas e não tenha como objetivo

precípuo a formação escolar da mulher.

As moças que iam para o convento aprendiam música e Latim. As poucas de melhor posição

social podiam se dedicar a outras disciplinas. Os meninos aprendiam História, Geografia, Latim,

Poética, Filosofia, entre outras disciplinas. Dessa forma, até meados do século XIX, a educação

feminina era baseada em propósitos para o aprendizado dos afazeres do lar sem haver, contudo,

uma preocupação com a instrução profissionalizante.

Surgem, no século XIX, as primeiras manifestações críticas do movimento feminista no Brasil

em defesa dos direitos da mulher quanto à educação, profissionalização e o voto.

Constância Duarte define o feminismo como ações realizadas por mulheres que tiveram como

objetivo a ampliação de direitos civis e políticos do sexo feminino, assim como a equiparação

dos direitos entre os dois sexos. No entanto, as idéias feministas chocaram-se com o

pensamento predominante do catolicismo conservador e antifeminista.

Logo após a Proclamação da República o ensino brasileiro passou a ser laico, no entanto, só

atingiu maior expressividade no século XX, apesar de não alterar de maneira significativa a

educação feminina no país.

Paralelamente à educação oferecida pela família e também institucionalizada a partir do século

XVIII, percebe-se um outro modo informal de atingir a educação feminina no século XIX, os

jornais, que consistem em uma importante fonte para a educação a partir do século XVIII, na

Europa, através dos quais idéias iluministas se propagaram. Conforme Maria Lúcia Garcia

PALHARES-BURKE, “Aderindo ao otimismo da época, no que diz respeito às possibilidades

da educação, a imprensa periódica, no seu veio mais propriamente cultural do que noticioso,

assumiu explicitamente as funções de agente de cultura, de mobilizadora de opinião e de

propagadora de idéias”.

5 O PAPEL DA MULHER NA FAMÍLIA

5.1 A Questão da Maternidade

Apesar das diversas concepções, o estereótipo da família nuclear tem sido privilegiado

consolidado na idéia que construímos, historicamente, sobre o grupo familiar. Nesse modelo, a

mulher ocupa um lugar fundamental, através do papel da maternidade o qual se constitui como a

sua identidade principal, impulsionada, num primeiro momento, por interesses políticos e

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sociais, que se fizeram presentes, ao longo dos séculos. A mulher é colocada como um elemento

agregador imprescindível, sem o qual a unidade familiar não sobrevive (Favaro, 2007).

Essa trajetória, desde seu início, foi pautada pela formulação de regras rígidas impostas à

família e, sobretudo, à mulher, enquanto mãe.

Historicamente, o papel da maternidade sempre foi construído como o ideal máximo da mulher,

caminho da plenitude e realização da feminilidade, associado a um sentido de renúncia e

sacrifícios prazerosos. No final do século XVIII, e principalmente no século XIX, como já

mencionado, a mulher aceitou o papel da boa mãe, dedicada em tempo integral, responsável

pelo espaço privado, privilegiadamente representado pela família (Braga & Amazonas, 2005).

De acordo com Prehn (1999) a mulher é biologicamente pré-determinada a gestar e foi criada,

desde os tempos primitivos, para cuidar da prole. Enquanto a mulher possuía a função da

domesticação, cultivo da terra e cuidado dos filhos, o marido, possuía a função da caça e de

outras atividades que exigiam força e velocidade.

Como foi possível compreender, a maternidade se configurou, ao longo da história, como a

única função valorizada socialmente, desde os tempos remotos da humanidade e que se estendeu

até meados do século X, função esta que permitia à mulher ser reconhecida e valorizada. Assim,

ser mãe seria pertencer a uma classe especial, ter uma posição de aparente prestígio dentro da

sociedade.

Nos últimos trinta anos a maternidade vem passando por transformações conectadas aos

processos sociais e à globalização econômica, o que contribuiu para acelerar a difusão de novos

padrões de comportamento e consumo. Entre os quais o consumo crescente das novas

tecnologias reprodutivas tanto contraceptivas quanto conceptivas que ofereceram às mulheres,

da década de sessenta em diante, a possibilidade de escolher com maior segurança a realização

da maternidade. E mais recentemente a atenção especialmente voltada à família e às relações de

gênero, com a emergência de novos modelos de sexualidade, parentalidade e amor, tais quais os

apontados por Giddens (1993, p.73) como o “amor confluente” que “presume igualdade na

doação e no recebimento emocionais”, fruto das relações de gênero observadas, em pesquisas

analisadas por este autor, nas sociedades inglesa e americana, nas décadas de setenta e oitenta.

Decorre disto que as mudanças e implicações sociais da realização dessa experiência não

atingem da mesma forma todas as mulheres, países e culturas, apesar de existir um modelo de

maternidade preponderante nas sociedades ocidentais contemporâneas, que tem como

características gerais proles reduzidas e mães que trabalham fora. Portanto, é necessário

considerar que a inserção das mulheres no mercado de trabalho, sua presença no mundo público

e os impactos que estes fatos trouxeram à instituição familiar e, em conseqüência, à experiência

da maternidade. O pano de fundo desta discussão ressalta que a questão da maternidade em

todos seus aspectos sempre esteve presente na luta libertária das mulheres e, portanto, foi objeto

constante da reflexão teórica feminista.

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5.2 Direitos e Deveres

A evolução dos direitos da mulher foi bastante lenta e no Brasil teve marcos básicos dentre os

quais podemos citar o Estatuto da Mulher Casada, que alterou o Código Civil; a Consolidação

das Leis do Trabalho; a Consolidação das Leis da Previdência Social e as anteriores Cartas

Magnas culminando com a atual Constituição Federal.

Quando solteira, a mulher vivia sob a dominação do pai ou do irmão mais velho, ao casar-se, o

pai transmitia todos os seus direitos ao marido, submetendo a mulher à autoridade deste. A

mulher nada mais era do que um objeto. Era desprovida de capacidade jurídica. Até o

parentesco só se transmitia pelos homens.

À mulher não era permitido estudar e aprender a ler. Esta ignorância lhe era imposta de forma a

mantê-la subjugada desprovendo-a de conhecimentos que lhe permitissem pensar em igualdade

de direitos. Era educada para sentir-se feliz como "mero objeto" porquanto só conhecia

obrigações.

Com a mudança da Corte Portuguesa para o Brasil e mais tarde com a Constituição de 1824

surgiram escolas destinadas à educação da mulher, mas ainda voltadas a trabalhos manuais,

domésticos, cânticos e ensino brasileiro de instrução primária. Ainda era vedado que mulheres

freqüentassem escolas masculinas, impedindo o convívio entre homens e mulheres, como forma

de evitar relacionamentos espúrios, e também porque a instrução dada aos homens tinha nível

mais elevado. Somente no início do século XX foi permitido que homens e mulheres

estudassem juntos.

No regime das Ordenações ao marido não era imputado pena por aplicação de castigos corporais

à mulher e aos filhos, o que só foi alterado com a implantação do regime republicano brasileiro

veio o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, que manteve o domínio patriarcal de forma

mais suave quando dispôs sobre o casamento civil e retirou do marido o direito de impor tais

castigos; à mulher era vedado ser testemunha em testamento público; o pátrio poder era de

exclusividade do marido, não podendo a mulher ser tutora ou curadora sempre que contraísse

novas núpcias, as viúvas poderiam sê-lo desde que "vivessem honestamente". Não podia

praticar quase nenhum ato sem a autorização do marido. Todavia, podia promover ação para os

casos de doações por ele feitas, à concubina.

Estes e outros princípios conservadores mantiveram-se por ainda muito tempo.

Com o Código Eleitoral de 1932 surgiu um avanço nos direitos da mulher quando permitiu à

mulher exercício do voto aos vinte e um anos de idade, tendo a Constituição Federal de 1934

reduzido esta idade para dezoito anos.

Page 14: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

Trinta anos após, com o advento da Lei nº 4.121/62 - Estatuto da Mulher Casada, é retirado da

mulher o pátrio poder quando contraísse novas núpcias, teve sua redação alterada proclamando

que a mulher não mais perderia os direitos do pátrio poder quando contraísse novas núpcias.

Hoje a mulher casada tem os mesmos direitos que o marido, e somente não poderá praticar

sozinha aqueles atos que o cônjuge está impedido de realizar sem a assistência da mulher.

5.3 Moral da Família

Com a modernização e o progresso trazidos pelas ciências e pelo processo de industrialização,

se fizeram necessários mecanismos de manutenção da ordem social através da moral e da

educação.

O Positivismo fundamentava-se em um discurso conservador. Conservar Melhorando era um de

seus lemas. O caráter conservador é observado inclusive no discurso referente à mulher.

Considerando a mulher responsável pela manutenção da moral e pela realização do culto

privado, Comte impôs modelos de conduta feminina baseados na mentalidade patriarcal,

formada ao longo da História da Humanidade. A mulher deveria ser a rainha do lar e o anjo

tutelar de sua família e, para atingir esses modelos, seguiria normas preestabelecidas pelo

Catecismo Positivista, no qual Comte codificou todo o pensamento conservador em torno da

mulher.( Ismério, 2007).

A vida conflitante de Comte serviu-lhe de base para construir uma filosofia que idealizava um

modelo de mulher.

Aparentemente o Positivismo e a Igreja Católica opunham-se frontalmente. O primeiro

fundamentava-se em princípios científicos enquanto que o segundo em teológicos, mas nas

questões relacionadas à família, propriedade e moral, ambos tinham discursos semelhantes.

O ponto de maior convergência entre as duas doutrinas era a questão da organização da

sociedade baseada na moral autoritária, que se transportava à educação familiar e se completava

na escola. Em ambas, a mulher era a guardiã da moral e do culto religioso, resultante da

reprodução rotineira de seu cotidiano, onde são transmitidos os símbolos e signos de uma

cultura.

Segundo o Catolicismo, para a mulher seguir a nobre missão de difundir a fé católica deveria

possuir moral inspirada no modelo da Virgem Maria, mãe de Jesus Cristo, símbolo de mulher

sem mácula que se dispôs a seguir os desígnios de Deus, sem nunca questioná-los.

Page 15: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

5.4 Casamento: Um Bom Negócio

Os casamentos no período colonial brasileiro eram arranjados por laços econômicos. O pai

escolhia um futuro genro possuidor de terras para juntá-las ao seu patrimônio e

consequentemente aumentá-las. Se uma mulher, por exemplo, tivesse parido vinte filhos, sendo

dez meninos e dez meninas, o destino deles estava determinado. O primeiro filho daria

continuidade nos negócios do pai, dirigindo a grande propriedade de cana-de-açúcar. O

segundo, inevitavelmente, ia ser “doutor”, estudando nas escolas jesuítas e posteriormente na

Universidade de Coimbra, em Portugal. O terceiro, tendo vocação ou não, seria o padre da

família. Gilberto Freire o denominou “tio”capelão. (Cf.FREIRE: 1975) Os demais filhos do

sexo masculino iriam ajudar o irmão mais velho na administração da fazenda.

As meninas teriam um destino menos diversificado. O pai escolhia três ou quatro dentre as mais

saudáveis para os casamentos arranjados e as demais eram trancafiadas nos conventos, tendo

vocação ou não. Era assim que os pais evitavam o problema de possuírem muitos genros que

dilapidariam ou dividiriam suas terras.

Nas núpcias das meninas que se casavam ocorriam muitas vezes verdadeiros estupros. Eram

meninas de doze ou treze anos (logo após as primeiras menstruações) entregues a homens de

quarenta anos de idade, isso porque eles só tinham acesso ao patrimônio da família quando o pai

falecia.

A concepção de casamento por amor é algo que só surgiu no final do século XIX. Antes disso,

matrimônios nada mais eram do que grandes ou pequenas negociações, momento em que pais

trocavam seus filhos em busca de uma vida melhor, para si ou para os rebentos. As filhas eram

educadas toda a vida para serem boas esposas, para fazerem jus à transação. Todo o processo de

namoro e noivado envolvia dotes, promessas, fusões.

A mulher e o casamento significam uma forma de assegurar a descendência da família e,

consequentemente, uma continuação do estado. Ela simboliza a transmissão de bens de pais

para filhos, e a legitimidade institucional deste legado era consagrada pela atribuição de um

dote. A mulher passava da tutela do pai para a do marido, sem perder, contudo, o status de filha.

Esta transição era acompanhada de um dote, que tornava a esposa sua titular, mas não sua

proprietária. O dote destinava-se aos filhos do casamento, que um dia dele tomariam posse, por

morte da mãe. Ela era, pois, o veículo transmissor de um bem do avô paterno. Como podemos

verificar, embora sem direitos civis reconhecidos, a mulher constituía um elo de ligação entre as

gerações passadas e os seus bens e as gerações vindouras, símbolo vivo da importância da

tradição familiar.

O interesse político em regular a constituição e o funcionamento das famílias, através do

casamento, era porque a família era considerada em sua dimensão econômica, patrimonialista.

O maior interesse a ser protegido era a permanência dos bens para os herdeiros. A união livre,

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focalizando a relação homem – mulher na dimensão da realização afetiva, pessoal, subverteu

essa hierarquia de valores das famílias tradicionais. Daí porque teve que vencer tantas

resistências e foi tão combatida.

Constituir família por meio da união afetiva, sexual, entre um homem e uma mulher, é um fato

antropológico. A civilização humana, no curso da história, por conta de injunções culturais,

políticas e, sobretudo, religiosas, problematizou o que, a rigor, era simples.

pode-se observar que diferentemente do modelo em vigor até as primeiras

décadas do século XX, quando as decisões sobre a escolha do cônjuge ainda

se pautavam em escolhas por interesse familiar, as uniões foram sendo

substituídas pelas escolhas individuais, assim como se deu a redução no

número de filhos e demais componentes, até a constituição da família

conjugal moderna.(Dias, 2006).

Dentre os movimentos que ocorreram ao longo do tempo, o que se destacou em relação ao

casamento foi a liberação sexual devido ao uso de contraceptivos, a emancipação feminina e a

nova imagem da mulher que passou de “dona-do-lar” à “nova mulher”.

Para a autora Del Priore (2005) decorrente de toda esta fase de transição feminina, a família

deixa então para trás o patriarcalismo do século XIX e meados do século XX, para abrir

espaço à individualidade e liberdade de direitos presentes nos dias atuais.

5.5 Violência

A “violência contra a mulher” foi expressão cunhada pelo movimento social feminista há

pouco mais de vinte anos. A expressão refere-se a situações tão diversas como a violência

física, sexual e psicológica cometida por parceiros íntimos, o estupro, o abuso sexual de

meninas, o assédio sexual no local de trabalho, a violência contra a homossexualidade, o

tráfico de mulheres, o turismo sexual, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo

Estado, por ação ou omissão, a mutilação genital feminina, a violência e os assassinatos

ligados ao dote, o estupro em massa nas guerras e conflitos armados (Grossi, 1995; OEA,

1996).

Enunciada como prática da tradição nos relacionamentos amorosos em especial, a violência

cometida por pessoas íntimas, que envolve também filhos, pais, sogros e outros parentes ou

pessoas que vivam na mesma casa – a que chamaríamos de violência doméstica - está

profundamente arraigada na vida social, sendo percebida como situação normal. A noção de

violência doméstica, algumas vezes associada apenas à violência conjugal contra a mulher,

surge com força entre as feministas americanas e também do Brasil (Stark & Flitcraft, 1996;

Page 17: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

Heise, 1994; Grossi, 1995; Saffioti, 1995), tornando pública e condenável uma situação antes

corriqueira e estritamente do domínio privado.

No centro das concepções e termos usados para designar a violência contra mulheres, há que

se reconhecer a precedência da violência sexual, abrindo campo para evidenciar todas as

demais.

No Brasil, a colonização teve assento em outras bases: O colono português imigrou sozinho.

O homem vindo só, sem freios da família e encontrando indígenas nuas,

bonitas, bronzeadas e destituídas do falso pudor europeu quinhentista,

iniciou, quase que de imediato, uma fecundação desenfreada. As indígenas

foram “utilizadas” pelos portugueses tanto para a sua satisfação sexual

como para a expansão do “cunhadismo”. Ou seja, quando o português

engravidava uma indígena, ele tornava-se parente dos outros indígenas da

tribo. Com isso, tinha sempre muitos braços para carregar o pau-brasil para

suas naus, aumentando rapidamente seu enriquecimento. (Cf. RIBEIRO,

1995)

Parte dos padres jesuítas, vindos para propagar a religião católica e “salvar almas” para a

Igreja Católica ficou moralmente preocupada com a rapidez com que os colonos portugueses

engravidaram as indígenas. Vale lembrar aqui apenas o exemplo de João Ramalho, na

Capitania de São Vicente, que teve 42 mulheres e mais de 80 filhos. (RIBEIRO, 1995) Não

havia afetividade na maioria dos casos. Utilizavam-se do corpo e da alma da mulher indígena

sem a preocupação de estarem-nas machucando.

A violência contra a mulher diz respeito, pois, a sofrimentos e agressões dirigidos

especificamente às mulheres pelo fato de serem mulheres.

A trajetória da ausência da educação feminina coincide também com a

história da construção social dos gêneros, das práticas da sexualidade e da

servidão no Brasil. O corpo feminino deveria servir ao português.

Miscigenar, verbo muito utilizado para explicar essa mistura, tinha o

objetivo de juntar sexualmente corpos de raças e etnias diferentes, em

condições sociais igualmente diferentes (Cf.ALGRANTI, 1993).

Se em primeiro lugar evidencia uma dada ocorrência sobre as mulheres, também quer

significar a diferença dada à sua condição feminina, diferença esta que faz parecer certas

situações de violência experimentadas pelas mulheres, em especial àquela provocada por

agressores conhecidos, próximos e de relacionamento íntimo, como práticas usuais.

Page 18: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

Muitas vezes isso aconteceu à força, sendo que os estupros eram comuns naquele tempo. Ao

homem português era dado o direito de usufruir da vida de todos os habitantes da colônia.

Esse direito ocorria devido à sua condição de “senhor” da família patriarcal. Aliás, é oportuno

explicitar aqui que família vem da palavra latina “famulus” que significa escravos domésticos

de um mesmo senhor: mulheres, filhos, crianças, escravos, terras, etc. Eram “bens”

pertencentes ao poder dito na época “naturalmente” construído ao deleite do gênero

masculino. Temos condição hoje de mencionar aqui que esse poder dado ao homem foi criado

à custa das representações que se submeteram outros grupos sociais, inclusive mulheres. (Cf.

RIBEIRO, 1997)

No Brasil, desde a década de 80, surge um ativo movimento feminista que

tem duas principais bandeiras: a violência e a saúde da mulher. Nesta

época, o assassinato de algumas mulheres de classe média por seus maridos

ou ex-maridos é acompanhada de intensa mobilização para evitar a

absolvição dos criminosos com base nos argumentos de “legítima defesa da

honra” e caráter “passional” do crime, como era comum ocorrer então

(Verardo, 1995).

Enunciado o problema da violência conjugal, o que era uma situação comum mantida em

segredo no mundo privado, passa a ganhar o espaço público e “exigir” soluções. O movimento

de mulheres inicia parcerias com o Estado no sentido da implementação de políticas públicas

para trabalhar com esse problema. Em 1983 é criado o Conselho Estadual da Condição

Feminina, em São Paulo; em 1985 é criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e a

primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).

A partir dos anos 90, além de remeter o problema à área da justiça e da polícia, que

demonstraram resistências importantes e diversos problemas na incorporação do tema, o

movimento de mulheres inicia nova estratégia.

A discussão da violência contra a mulher foi remetida estratégica e

conscientemente para três campos principais: os direitos humanos, a saúde

e o desenvolvimento social, os três já consolidados e reconhecidos

internacionalmente (Heise et al., 1996).

Apesar das DDMs, e do aumento de denúncias que elas propiciaram, a impunidade continua e

muitos processos não são instaurados, poucos chegam a julgamento e o número de condenados

é ínfimo, o que nos faz examinar a eficácia das DDMs com cuidado, porque pode iluminar

alguns aspectos importantes do tema. A retirada da queixa, procedimento muito comum,

Page 19: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

podendo atingir cerca de 70% dos registros, é um fato recorrente que vem minando a

credibilidade da estratégia, já que reforça o mito de que as mulheres não “querem” mudar a

sua situação, e “gostam de apanhar”. É interessante notar, entretanto, que o uso das DDMs

pelas mulheres parece seguir uma lógica diversa da lógica da instituição policial, e mesmo do

movimento feminista.

6 UM CAPÍTULO MASCULINO

O gênero pode ser compreendido como uma convenção social, histórica e cultural, baseada

nas diferenças sexuais. Logo, está ligado às relações sociais criadas entre os sexos. Da mesma

forma que a categoria gênero depende de um “acordo social” que delimita os papéis

desempenhados pelo gênero feminino e masculino, ela pode mudar dependendo do período

histórico e da sociedade na qual os estudos são elaborados. Portanto, Mergár destaca que, as

relações de poder entre os gêneros, da mesma forma que os significados, os valores, os

costumes e os símbolos, divergem através das culturas. A religião, a economia, as classes

sociais, as raças e os momentos históricos estabelecem significados que se consolidam e se

relacionam integradamente e agindo em todos os aspectos do dia-a-dia.

Ao longo da história, a imagem do feminino esteve ligada a ambigüidades. Os homens,

aqueles a quem cabiam os relatos à posteridade, expressavam seus sentimentos e opiniões de

forma dupla, ora demonstrando amor e admiração às mulheres, ora demonstrando ódio e

repulsa. O olhar masculino reservava às mulheres imagens diferentes, sendo em determinados

momentos um ser frágil, vitimizado e santo, e, em outros, uma mulher forte, perigosa e

pecadora. Essas características levaram a dois papéis impostos às mulheres: o de Eva, que

servia para denegrir a imagem da mulher por ele maculada; e o de Maria, santa mãe zelosa e

obediente, que deveria ser alcançado por toda mulher honrada.

Essa visão provocava no homem medo pelo desconhecido levando-o a manter a mulher sob

seu controle, garantindo sua superioridade em relação a ela e alternando comportamentos em

que a imagem das mulheres ora foi diabolizada, ora santificada. Ratificando as proposições de

Souza acreditamos que poderes absolutos eram destinados ao homem, chefe e senhor da

família na sociedade patriarcal brasileira, enquanto que às mulheres era destinada a

obrigatoriedade da reclusão ao lar, com sua vida doméstica junto da criadagem escrava.

A educação era ministrada somente aos homens, e, tanto as mulheres brancas ricas e pobres,

quanto as negras, fossem elas escravas, alforriadas ou mestiças, não tinham acesso à instrução.

Ribeiro menciona que, quando as mulheres se casavam, seguiam para a lua-de-mel sem

informações sobre sexo ou mesmo sobre o que ocorreria. O sexo ocorria às escuras, sendo o

corpo feminino coberto por um lençol que permitia apenas a visão dos órgãos sexuais. O

Page 20: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

prazer sexual masculino ficava a cargo das negras escravas, e, à esposa era proibido sentir tal

prazer já que o sexo cabia somente à reprodução.

Muito se fala hoje em maternidade adolescente, não de paternidade adolescente. Os meninos

são dispensados da prevenção da gravidez, do cuidado com a jovem grávida e da

responsabilidade com o filho. Uma lógica perversa que dá a eles a única responsabilidade de

administrar sua vida social e sexual sem muitos compromissos.

O que determina essa posição masculina é a formação da masculinidade hegemônica em nossa

sociedade. Para a maioria, ser homem significa, entre outros aspectos, ter uma sexualidade

descontrolada ou, como disse o professor Luiz Paulo da Moita Lopes em uma das reuniões do

seu grupo de pesquisa, sofrer de “incontinência sexual”. As lições diárias de construção da

masculinidade hegemônica são voltadas para a onipotência e dominação masculina,

aprendizados que criarão armadilhas difíceis de serem desmontadas na vida adulta.

Mas esse padrão de masculinidade não se constrói sem a contribuição feminina. O gênero é

construído com o outro, feminino e masculino, como bem coloca Guacira Lopes Louro. O

prazer masculino é supervalorizado também pelas meninas, em detrimento do seu próprio

prazer, menos importante e intenso. Daí a disponibilidade para ceder, assumindo a lógica

hierárquica de poder e prazer.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não podemos negligenciar as diversas vitórias conquistadas pelas lutas feministas, o exemplo

disso, se faz presente nas mudanças comportamentais, anúncios de publicidade e até no

próprio livro didático. Este tem sofrido inúmeras modificações e já apresenta algumas

significativas abordagens sobre o papel da mulher na história da humanidade, apesar da

maioria evidenciar o contrário. Contudo, a escola continua refletindo todo o sexismo que

permeia a sociedade (VIANA & RIDENTI, 1998, p. 102).

Além de muitas vezes, não absorver essas mudanças.

Tolhidas por planos e programas, responsáveis por uniformes,

organizadoras de filas, a escola arrasta consigo nosso passado. Segue

mostrando imagens ultrapassadas e exaltando batalhas e defuntos,

enquanto os jornais relatam o capítulo seguinte dos objetivos

nucleares [...] (MORENO, 1999, P. 72).

Seria pertinente nos questionar que tipo de profissionais pretendemos ser: reprodutores ou

transformadores desse modelo de educação excludente, carregada de valores superados?

Page 21: Educação da Mulher - a perpetuação da injustiça

Precisamos nos concentrar nas mudanças que podemos produzir nos ambientes de produção de

conhecimento, tal como a produção de livros didáticos que contemplem a trajetória feminina

em todas as suas nuances, tais como o fato da maioria das mães representarem um grande

contingente de trabalhadoras, mas, apesar disso, recebem menores salários que os homens e

ainda acumulem inúmeras funções. Além de uma grande parte delas serem chefes de família e

de tantas outras trabalhadoras domésticas, que não gozam de nenhum benefício e sequer são

reconhecidas como tais, dentro das sociedades capitalistas.

Precisamos acreditar no potencial transformador que a educação possui. Por isso se faz

urgente e necessário que as relações escolares, pautados no universo masculino e feminino,

caminhem juntas numa única direção, de modo que torne possível conquistar no campo sócio-

político-ideológico mudanças expressivas, que superem as desigualdades de gênero.

Ações afirmativas que demonstrem seu valor histórico podem incentivar nas mulheres um

sentimento coletivo de valorização e exclua qualquer outro de inferioridade ao homem. Suas

ações possuem tanto valor histórico que não podem e não devem ser negligenciadas, pois

representaria uma enorme perda não apenas para as mulheres, mas, para a humanidade.

Mesmo vivendo em um sistema opressor, patriarcal, a mulher sempre buscou ocupar seu

espaço, inicialmente no âmbito familiar, e aos poucos através de lutas entre os gêneros.

A mulher, antes submissa, obediente, reprimida, deu lugar a uma que aos poucos conquista seu

espaço, ainda que de forma condicionada, porém decidida e em busca de um sentido a sua

vida. A educação seria uma das saídas para a igualdade de gênero

Domínios rígidos sobre a sexualidade feminina incorporaram um padrão comportamental que

sobreviveu aos séculos, resistindo até mesmo às tentativas revolucionárias de alguns

movimentos ditos feministas.

Sabe-se que, mesmo que algumas mulheres busquem hoje o que lhes é de direito, tanto

biológico quanto emocional, muitas vezes lhes será negado pelos homens, por

desconhecimento sobre a sexualidade feminina, preconceito ou medo.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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