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Trabalho e educao no movimento campons
Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009 423
Introduo1
Abordando o tema Trabalho, movimentos sociais
e educao, o artigo tem por objetivo trazer elementos
para identicar os princpios de liberdade e emancipa-o incluindo, em alguns casos, a autonomia que
sustentam as experincias de trabalho-educao em
sistema de alternncia realizadas pelos movimentos
sociais populares rurais/do campo. Tais movimentos
compreendem organizaes sociais, comunitrias e
sindicais que so responsveis pelas Casas Familiares
Rurais (CFRs) e pelas Escolas Famlias Agrcolas
(EFAs), tendo por referncia, no caso deste estudo, a
Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Rio
Grande do Sul (FETAG/RS). Os movimentos sociais a
* Artigo decorrente dos estudos relacionados aos projetos
Liberdade, autonomia, emancipao na relao trabalho agrcola
e educao escolar: conceitos em questo, do qual resulta a obra
Movimento campons, trabalho e educao, encaminhada para
publicao, e Experincias pedaggicas dos movimentos sociais
populares e polticas de educao rural/do campo: confronto de
concepes (2008-2011), ambos com apoio do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Cientco e Tecnolgico (CNPq).
que nos referimos incluem ainda os integrantes da Via
Campesina, que, no Brasil, congrega o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dasMulheres Camponesas (MMC), a Pastoral da Juven-
tude Rural (PJR), a Comisso Pastoral da Terra (CPT)
e a Federao dos Estudantes de Agronomia do Brasil
(Guzmn & Molina, 2005, p. 7).
Dentro da Via Campesina, sob a liderana do
MST e do MPA, feita a formao em regime de
alternncia de trabalho-educao na Fundao de
Ensino e Pesquisa da Regio Celeiro (FUNDEP) e
no Instituto de Capacitao e Pesquisa da Reforma
Agrria (ITERRA), ambos no Rio Grande do Sul.Do mesmo modo, a pedagogia em que se alternam
tempo-escola e tempo-comunidade o mtodo adota-
do pela Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF),
criada em 2005, no municpio de Guararema, estado
de So Paulo. Mas nosso estudo aborda somente as
experincias realizadas no Rio Grande do Sul. Apesar
da diversidade de sujeitos, projetos sociais e formas
de organizao, todos esses movimentos sociais po-
pulares tm em comum uma luta histrica pela terra
Trabalho e educao no movimento campons:liberdade ou emancipao?*
Marlene RibeiroUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educao
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de trabalho, pela democracia e por uma vida digna
para todos, o que nos permite sintetiz-los na unidade
movimento campons.
Considerados tanto por teorias revolucionrias
quanto conservadoras ignorantes e com formas de
organizao da produo vistas como arcaicas, osagricultores familiares organizam-se em movimen-
tos sociais populares segundo suas caractersticas
e demandas, constituindo, como sujeito histrico,
o movimento campons. Este ocupa a cena pblica
com demandas de reforma agrria, poltica agrcola e
educao do campo e, mais do que isso, cria e admi-
nistra uma modalidade de educao voltada aos seus
interesses, alternando tempos/espaos de trabalho na
agricultura, na pecuria e na pesca, com educao naescola. Esse sujeito uno/diverso em construo que ao
mesmo tempo se mostra e surpreende, mobilizando
rgos pblicos, escolas e universidades para dar res-
postas s suas demandas, tambm desperta o interesse
dos pesquisadores pelo aprofundamento das questes
que emergem de sua caminhada histrica. Eis a im-
portncia do estudo, no qual se destaca a necessidade
de atentar para o novo contido nas experincias de
trabalho-educao dos movimentos sociais populares
produzidas revelia do processo de reproduo e acu-mulao do capital e do controle do Estado.
A origem e a trajetria das CFRs e das EFAs em
vrios pases da Europa, no Canad e no Brasil, bem
como da FUNDEP e do ITERRA, gerados a partir do
MST, no Brasil, tm sido registradas por inmeros
autores, bem como a denio da pedagogia da alter-
nncia (Chartier, 1986; Silva; 2003; Estevam, 2003;
Bachelard, 1994; Chartier et al., 1997; MST, 2001).
O mtodo em que se alternam tempo-comunidade e
tempo-escola, adotado pelos cursos oferecidos aos
movimentos sociais populares organizados na Via
Campesina, no tem o mesmo sentido e histria da
pedagogia da alternncia (ITERRA, 2004).
Neste artigo buscamos captar a liberdade e a
emancipao, presentes nas experincias de trabalho-
educao do movimento campons, como princpios/
ns incorporados nas concepes que sustentam te-
rica e metodologicamente aquelas experincias. Isso
posto, vamos explicitar o entendimento das ideias de
liberdade e emancipao em alguns autores clssicos
que as formularam. Na sequncia, analisaremos as
concepes de educao para o trabalho nos autores
que orientam as experincias das CFRs e das EFAs,
identicadas com as ideias de liberdade seguidas das
concepes de trabalho-educao que orientam as
experincias da FUNDEP e do ITERRA, identicadas
com a perspectiva utpica de emancipao humana.
Liberdade e emancipao: uma leitura
dos autores clssicos
A concepo de liberdade produzida dentro das
prticas que revolucionam o regime feudal no processode construo do modo capitalista de produo. Nesse
processo destaca-se a luta pela liberdade de desenhar
e produzir a mercadoria fora dos padres impostos
pelas corporaes e de coloc-la venda em mercados
situados para alm dos espaos sagrados dos burgos
(Polanyi, 2000). Tem como ponto de referncia a
guerra civil inglesa, ou Revoluo Gloriosa de 1688,
e entre seus tericos destacam-se Locke (1973) e
Stuart Mill (1998). Para o primeiro, a liberdade do
estado de natureza deve ser substituda pela liberdadepactuada que garanta a propriedade da terra baseada
no trabalho. Contraditando com essa informao re-
gistrada em sua obra, na prtica Locke era acionista
de uma empresa que comerciava escravos negros
(Losurdo, 2006). O segundo, Stuart Mill, reete sobre
a liberdade dirigindo-se s camadas mais civilizadas
da populao inglesa e apontando para a possibilidade
de uma repblica democrtica, com um governo eleito.
Chama a ateno para o medo que desperta a tirania
da maioria, concebida como um coletivo que exerce,
ela mesma, o governo (Mill, 1998).
Na Frana a discusso sobre a liberdade assume
uma dimenso poltica no interior da Revoluo
Francesa de 1789. Rousseau o pensador mais ex-
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indivduo proprietrio de terras e de bens, formulada
por Locke e Mill, a preocupao de Rousseau (1973)
desloca-se para a sociedade, de modo que a liberdade
de cada um possa preservar o direito de todos a essa
mesma liberdade.
Por m, e tendo conscincia dos limites desta
sntese, passamos Alemanha, onde no houve uma
revoluo propriamente dita, mas o pas foi sede da
produo do pensamento losco mais elaborado de
liberdade relacionada cidadania e ao Estado, repre-
sentado por Kant e Hegel. Tendo a burguesia a classe
emergente na Alemanha como o sujeito a quem diri-
ge seu discurso losco, Kant (1998a, 1998b) associa
a liberdade ao uso da razo esclarecida para o exerccio
do livre pensar. Quanto ao, pensa que os sditosdevam submeter-se s leis do Estado. Por sua vez, em
Hegel (1990) a liberdade a do esprito que capaz
de reetir sobre si mesmo. Assim, para este lsofo
no podem exercer a liberdade os que, para satisfazer
suas necessidades de sobrevivncia ou decorrentes do
estado de natureza, necessitem trabalhar, o que dene
o privilgio da classe que pensa e que, portanto, tem
a liberdade de decidir e agir.
Todavia, esse discurso da losoa que acabamos
de resumir, sendo divorciado da economia e da poltica,oculta a ao histrica dos camponeses e de trabalhado-
res urbanos na construo das prticas/concepes de
liberdade. Do sculo XI ao sculo XVIII, camponeses,
religiosos e trabalhadores urbanos promoveram revoltas
em pases como Inglaterra, Frana, Alemanha, Rssia,
ustria, Hungria e Sua. A liberdade de interpretar
a Bblia, pregada por Lutero, compreendida pelos
camponeses como possibilidade de instituir-se a justia
social. A histria da liberdade mostra que esse conceito
tem uma base emprica nos movimentos sociais popu-
lares de luta pela terra de trabalho; portanto, tem sua
raiz no movimento campons. Do mesmo modo, todas
as revolues sociais no sculo XX (mexicana, russa,
chinesa, vietnamita, boliviana, cubana, nicaraguense)
foram, no total ou em grande parte, camponesas (Mar-
tins, 1989, p. 17; Ianni, 1985, p. 16).
Se a liberdade tem sua base em revolues que
ocorreram e efetuaram transformaes, a emanci-
pao, embora tenha sido tentada nas revolues j
ocorridas, ainda um processo inconcluso; ela ainda
um horizonte no apenas contemplado, mas busca-
do. Para compreend-la pesquisamos elementos nos
escritos polticos de Marx (1979, 1985, 1986) e nos de
Marx e Engels (1984), os quais partem da liberdade acaminho da emancipao. A liberdade transpassada
dialeticamente pela contradio que ope, do lado
positivo, a conscincia e, do negativo, as necessida-
des bsicas determinadas pelas condies materiais
de existncia que ampliam ou limitam o exerccio da
liberdade. Como autodeterminao, a liberdade supe,
vista por um ngulo, a eliminao dos obstculos
que impedem a emancipao, ou seja, a realizao
de todo o potencial presente na pessoa humana. Poroutro ngulo, a organizao social precisa abarcar a
tridimensionalidade do humano, que indivduo,
natureza e sociedade, de maneira articulada (Frigotto,
2002). Assim, em Marx e Engels a emancipao hu-
mana incorpora a liberdade, porm a supera ao incluir
a dimenso natural e a social para alm do indivduo
abstrato, no qual uma suposta razo, que seria superior,
subordinaria as dimenses corporais e sociais.
A liberdade o m projetado pelo capitalismo;
por isso, princpio da ao, com destaque para a li-berdade de mercado que a crise iniciada em setembro
de 2008, com a falncia de bancos privados e bolsas de
valores, mostra no ter sustentao material concreta.
A falncia do livre mercado condena, assim, milhes
de seres humanos ao estado de no-liberdade, por
estarem excludos das condies objetivas/subjetivas
mnimas de existncia. A emancipao, por sua vez,
um projeto do socialismo, mas as poucas e recentes
experincias, que datam do sculo XX, evidenciam a
necessidade de aperfeioar esse projeto, para incor-
porar, na unidade social, a diversidade dos processos
de organizao e manifestao humanas.
Educao para o trabalho
na pedagogia da alternncia
As ideias de liberdade e de emancipao, forjadas
em acontecimentos histricos e retomadas numa bre-
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ve sntese, assumem novos formatos discursivos nas
obras de autores que reetem sobre a relao entre a
educao escolar e o trabalho, tendo por referncia a
produo industrial. Conserva, porm, a sua essncia
vinculad. ConseraservservsREpaservraservoinnd. nd. nas
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pitalista de produo. A formulao e a aplicao de
polticas pblicas de bem-estar (entre elas a educao)
por parte do Estado, associadas ao padro taylorista-
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tura. Publicado em 1935, observa-se a preocupao
do autor em trazer discusso o sentido da liberdade
no perodo de interregno entre as duas guerras mun-
diais, considerando que j havia ocorrido, em 1917,
a Revoluo Russa e estava se iniciando, em 1934, o
processo revolucionrio na China.Dewey associa a sua compreenso da liberdade
ideologia expressa na Declarao da Independncia
dos Estados Unidos da Amrica. Para o autor, essa
expresso clssica da liberdade americana incorpora
a ideia de que ela tanto uma conquista quanto uma
meta histrica, uma vez que autogoverno o direi-
to inerente dos homens livres e que isso, uma vez
obtido, o que os homens prezam acima de tudo o
mais (Dewey, 1970, p. 98). A esse seu entendimentoda liberdade contrape a situao de pases em que,
na sua percepo, os homens e as instituies esto
deixando de ser livres em alguns casos, at com
certo entusiasmo. O autor sustenta sua concepo de
liberdaderelacionando-a com a teoria que interpreta
o homem como um ser de natureza, sujeito s leis
e aos direitos naturais, prprios de uma sociedade
tambm natural. A essa concepo do homem e da
sociedade, Dewey relaciona as leis psicolgicas e as
teorias polticas que orientaram as lutas para garantir aindependncia norte-americana. Assim, pensa que, se
essas concepes sobre a natureza humana e sobre os
ns morais orientadores das aes forem deixadas de
lado e, em consequncia, tambm o direito liberdade
historicamente conquistada pelos Estados Unidos,
poderia existir alguma coisa que lhes possa tomar
o lugar, alguma que d o suporte e o apoio que elas
antes deram? (idem, ibidem, p. 99).
O movimento da Escola Nova situa-se em um
processo mais amplo de mudanas que ocorriam na
sociedade que se urbanizava, exigindo, alm da am-
pliao do sistema escolar, um ensino que preparasse
os alunos para enfrentar mudanas. Cabia escola,
nesse contexto, a funo de corrigir as desigualdades
sociais pela oferta de uma formao que possibilitasse
ao indivduo obter um emprego e ascender socialmen-
te. Nessa perspectiva que o escolanovismo pode ser
entendido como uma pedagogia liberal.
Dewey posiciona-se contrrio importncia
conferida losoa nos Estados Unidos, denindo
a educao como lugar e prtica da reexo, apoiada
pela psicologia, para a criao de um mtodo cons-
ciente de ensino (Luedemann, 2002, p. 14), o que
pode explicar a relao que se estabelece entre a EscolaNova e a psicologia gentica de Piaget. Embora sendo
produto da realidade europeia, a teoria de Piaget, tam-
bm conhecida como construtivismo, aproxima-se do
escolanovismo de Dewey, o que explica a indicao
de ambos como autores que sustentam a pedagogia da
alternncia nas CFRs e EFAs.
O aprender um tornar-se, para Piaget. Ele
ressalta o dinamismo do conhecimento atravs da
anlise, contrapondo-se a uma concepo armada emuma essncia imutvel, cujo ser idntico a si mesmo
s pode ser explicado numa sntese. Ressaltando a
ao espontnea do sujeito, o construtivismo ope-se
teoria da representao da realidade, base da escola
tradicional, no que concorda com Dewey. No preten-
de, com isso, apresentar a soluo denitiva para as
questes da escola que no se resumem aos mtodos de
ensino. No se pode deixar de enfatizar a proximidade
de Piaget com a Escola Nova, relacionando a aprendi-
zagem intelectual ao desenvolvimento da intelignciana ao de construir o conhecimento.
Em suas obras, Piaget contesta o ensino memo-
rizativo (Piaget, 1976b) e o uso do condicionamento
para reforar associaes motoras (Piaget, 1976a).
Mas questiona principalmente o ensino de losoa
ou de metafsica com mtodos em que se destacam
a erudio e o raciocnio subjetivo atravs da intros-
peco (Piaget, 1975). Ele arma que os educadores
importantes que deixaram seu nome na histria no
so pedagogos e que, no perodo de 1935 a 1965, ne-
nhum grande pedagogo apareceu na lista dos homens
eminentes que marcaram a histria da pedagogia
(Piaget, 1976b, p. 17). Apesar dessa viso negativa
dos pedagogos, no responsabiliza os professores, os
quais seriam desestimulados pela desvalorizao so-
cial e estariam presos a programas determinados pelo
Estado. Impossvel saber se, ao fazer esta armao,
Piaget tinha conhecimento da obra do pedagogo russo
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Makarenko, que escreveu o Poema pedaggico(s.d.)
num perodo de dez anos (1925-1935),2ou se, de fato,
no considerava seu trabalho pedaggico, at pelas
crticas feitas ao pedagogo russo, acusado de silenciar
diante do despotismo de Stlin.
O construtivismo uma teoria da ao; contrape-se, dessa forma, ao ensino baseado na transmisso
de conhecimentos, cujo instrumento principal a
linguagem. Com isso, o ensino est centrado nas
aes dos alunos, organizadas como esquemas de
assimilao que permitam classicar, relacionar etc.
Piaget contesta modelos fechados de aprendizagem,
buscando reconstituir as situaes nas quais se produ-
ziram os conhecimentos. Desenvolve um trabalho de
regulao, com esquemas de ao direcionados paraobjetivos, de modo que reconstitua processos de cons-
truo dos conhecimentos; por isso sua identicao
como construtivismo. No se atm forma, uma vez
que esta tende a desvincular-se do contedo ou do
contexto em que foi gerado o conhecimento que se
pretende trabalhar.
A nfase sobre o aluno como sujeito do ato de
conhecer pode conferir menor importncia aos demais
elementos presentes numa relao pedaggica, que
so, nesse caso, o professor, os materiais de apren-dizagem e as condies histrico-sociais em que os
alunos, os professores e essas condies esto inseri-
dos. Mesmo reconhecendo a importncia da interao
entre o sujeito e o meio, a poca e o modo como
foram realizadas as experincias pelo prprio Piaget
em seu pas, a Sua, podem limitar a compreenso
dos processos cognitivos, uma vez que restringem as
condies concretas de realizao dos registros e das
observaes ao processo pedaggico.
A maioria das teorias que sustentam as organi-
zaes curriculares nos diferentes nveis de ensino
como suas prticas so orientadas por teorias psico-
lgicas, colocando o indivduo como centro da ao
educativa. O construtivismo piagetiano , talvez,
uma das mais inuentes, o que explica a sua indica-
2 Ver Apresentao de S. Telingater em Poema pedaggico,
v. 1 (Makarenko, s.d., p. 7).
o pelos pesquisadores ligados s CFRs e s EFAs.
No entanto, so feitas crticas a esse construtivismo
porque a sua aparente indiferena poltica lhe permite
combinar-se com reformas de cunho neoliberal, con-
tribuindo para fortalecer a ideologia do livre mercado
(Silva, 1998), apesar de proclamar-se democrtico,crtico e emancipatrio. Na mesma direo, Duarte
(2001, p. 2) identica a concepo psicolgica e
epistemolgica interacionista-construtivista de Piaget
como associada ao lema aprender a aprender, inter-
pretado pelo autor como uma expresso inequvoca
das proposies educacionais anadas com o projeto
neoliberal.
O terceiro nome que mais aparece nas indi-
caes dos educadores envolvidos com as CFRs eEFAs Edgar Morin. Suas obras inscrevem-se no
debate sobre as relaes entre as cincias, em que a
congurao disciplinar que estas adotam resulta em
enorme fragmentao, principalmente considerando o
avano do conhecimento em determinadas reas. Isso,
segundo Morin, diculta a compreenso dos desaos
colocados s sociedades contemporneas. Diante dos
problemas cada vez mais complexos que as sociedades
enfrentam, o autor prope o reencontro das cincias
com o humanismo, porque somente estudos de carterinter-poli-transdisciplinar podem contribuir para dar
respostas satisfatrias queles problemas (Morin,
2003). A metfora da complexidade, adotada pelo
autor, inspira-se no tecido, porque este se constitui
de elementos heterogneos indissociveis, prprios
da totalidade que compreende uma multiplicidade de
elementos.
Aprofundando a anlise, o autor explicita a
complexidade do que tecido pelos acontecimentos,
constitudos de aes, reaes, determinaes e aca-
sos que integram o mundo fenomnico, o qual se nos
apresenta como confuso, desordem e, por isso mes-
mo, incerteza. Assim, as cincias naturais justicam
a necessidade de colocar em ordem os fenmenos
para que se possa obter o conhecimento, retirando
dele a desordem, a dvida, a incerteza. Permanecem
apenas os elementos da ordem, da clareza, da certeza,
permitindo distinguir e hierarquizar esses elementos.
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Mas tais operaes necessrias inteligibilidade
correm o risco de torn-la cega se eliminarmos os ou-
tros caracteres do complexus;e efetivamente, como o
indiquei, elas tornam-i( )65(q) p0DC -5ej(DCM)5(s)5( )68iaue1uuepucomo19.49o
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ffaure, 1997). Enquanto possibilidade de superao
das relaes entre as classes sociais, incorporando a
liberdade articulada igualdade de condies de seu
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inspiraes do momento (Pistrak, 1981, p. 29).
Outro educador citado nos documentos que orien-
tam a formao da FUNDEP e do ITERRA (Caldart,
1995, 1997; FUNDEP, 1995, 1996; ITERRA, 2004)
Makarenko, autor do Poema pedaggico(s.d., v. I,
II, III). Sua teoria pedaggica funda-se na autoridadesocial, privilegiando as questes coletivas sobre as
individuais. Justicam-se, assim, os castigos para
obter uma disciplina que venha a beneciar o grupo.
Sua obra inspira-se nas experincias pedaggicas
por ele coordenadas na Colnia Gorki e na Comuna
Dzerjinki, em que realizou um trabalho de formao
com rfos da guerra civil. Para Makarenko, a escola
o ncleo bsico da sociedade comunista, onde se
forja o homem solidrio; por isso precisa ser umacomunidade de interesses comuns, e no um agrupa-
mento de indivduos isolados. A liberdade individual
encontra seu limite no bem maior da comunidade; por
isso no se admitem hesitaes quando se trata de usar
a autoridade da ajuda incutindo a norma naqueles
que colocam seus interesses individuais acima dos
interesses coletivos.
Na pesquisa sobre a obra e a vida de Makarenko,
Luedemann (2002) procura desfazer algumas inter-
pretaes sobre este pedagogo, que, pela nfase nocoletivo sobre o individual, tem sido criticado como
autoritrio. Makarenko no pode ser identicado seja
como restaurador da escola burguesa e autoritria, seja
como criador de uma escola contra o desenvolvimento
livre do indivduo e a forma de massicao a favor
da educao stalinista, seja como criador de uma nova
escola socialista, pensa Luedemann (2002, p. 21).
Destacam-se, na obra de Makarenko, as seguintes
ideias: a) formao para a organizao das coletivida-
des; b) pedagogia da revoluo, de modo que essa no
degenere em acomodao; c) relao entre trabalho
produtivo, instruo e autogesto; d) formao de
um trabalhador culto, que saiba comandar e obedecer
(Capriles, 1989).
O terceiro nome indicado nas experincias da
FUNDEP e do ITERRA o de Nadezhda Konstantino-
vna Krupskaya; h poucas informaes e publicaes
a respeito dela e do trabalho poltico-pedaggico que
desenvolveu. Krupskaya pensava que, nos propsitos
da Revoluo, seria preciso ampliar as possibilidades
para os trabalhadores frequentarem a escola. Ao lado
de Lunatcharski, comissrio para a Instruo Pblica,
essa educadora criou um sistema nico de ensino, ga-
rantindo o acesso universal educao pblica e gra-tuita (Luedemann, 2002, p. 16). Tambm desenvolveu
trabalhos de instruo poltica das massas, a partir de
1920; antes isso era impossvel porque a revoluo
e a participao da Rssia na I Guerra impunham a
soluo de problemas mais urgentes.
Do processo de agitao que mobilizava as
camadas populares para a luta armada contra o ini-
migo, era preciso desenvolver uma educao poltica
sistemtica, pensava Krupskaya. Com isso seriamoportunizadas condies, aos operrios e camponeses,
para aprofundar os xitos da revoluo e formular
respostas s tarefas para a consolidao do socialismo.
Krupskaya tambm se preocupava com a formao
poltica do campesinato; pensava que o socialismo
no poderia consolidar-se sem provocar mudanas que
retirassem os camponeses pobres de seu isolamento,
criando condies de cooperao entre eles e a classe
operria (Coletivo de Autores Soviticos, 1987).
Os autores russos que orientam a formao emTC e TE na FUNDEP e no ITERRA colocam como
horizonte da educao a construo do socialismo,
por isso suas preocupaes esto direcionadas para a
emancipao humana. Com isso, deslocam-se da liber-
dade do indivduo cidado e da autonomia conquistada
atravs de um emprego assalariado objetivos aponta-
dos pelos autores do escolanovismo, do construtivismo
e da complexidade para a emancipao que garanta
a liberdade e a autonomia para todos. Entretanto,
esses esforos para ampliar direitos sociais, como a
educao para alm do indivduo, por exemplo, no
esto isentos de contradies.
Voltando s origens da pedagogia socialista e aos
autores que a propuseram e colocaram em prtica,
preciso, ao analis-las, levar em conta a pobreza do
povo russo, a revoluo concomitante participao
na I Guerra Mundial e o retorno dos soldados para re-
construir a vida, o trabalho e o pas, ou seja, o contexto
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em que foram produzidas as experincias pedaggicas
dos educadores russos. Poucas de suas obras chegaram
ao Brasil, a maioria traduzida do russo para o espanhol.
O processo revolucionrio, o retorno depois da guerra
e o enfrentamento de questes urgentes, como a fome,
desenhavam um contexto em que quase tudo estavapor ser feito e inventado. A Revoluo Russa, geradora
de uma esperana coletiva que se estendeu de 1918 a
1929, foi enterrada pela hegemonia da burocracia sob
Stlin, que veio substituir Lnin no poder sovitico
(Tragtemberg, 1981, p. 8).
Alm do boicote dos pases capitalistas, um dos
maiores desaos para a consolidao do socialismo
era a relao entre o operariado e o campesinato.
possvel que a educao como formao humana naperspectiva da emancipao social tenha sido percebi-
da como alternativa. Ou, quem sabe, as organizaes
sociais populares russas em determinadas conjunturas,
como o boicote, principalmente dos Estados Unidos
e da Europa, tenham concentrado suas preocupaes
com a formao humana efetuada atravs de uma
escola que articulasse o trabalho produtivo edu-
cao escolar. De modo semelhante, isso pode estar
ocorrendo em relao Via Campesina, no Brasil,
diante da relao do Estado com o MST e da pressodo movimento reacionrio ruralista, presente no Con-
gresso Nacional como Unio Democrtica Ruralista
(UDR), conforme ca claro na obra organizada por
Melo (2006).
preciso reconhecer, no entanto, que a formao
humanista efetuada pela FUNDEP e pelo ITERRA
associa a liberdade da pessoa emancipao social,
considerando a autonomiado/no trabalho cooperado
articulada autonomia de os movimentos sociais po-
pulares denirem suas estratgias de organizao e luta
na unidade do movimento campons. Nesse sentido,
podemos armar que suas prticas/concepes de
trabalho-educao esto dirigidas para a construo
do projeto popular de sociedade e educao ou para
a emancipao humana, cuja compreenso transcende
o indivduo. Mesmo levando em conta as contradi-
es peculiares ao modo capitalista de produo que
impregnam tambm as experincias pedaggicas do
movimento campons, e at por isso, preciso con-
siderar que a emancipao humana uma construo
histrica. Ela princpio/m educativo que pressupe
a liberdadede escolha, a autonomia do trabalho, mas
vai alm ao propor a igualdade de condies para que
liberdade e autonomia sejam acessveis a todos.
Paulo Freire: a unidade na diversidade
A relao trabalho-educao como base de uma
formao humana omnilateral comea a ser esboada
por Marx (1982), em seguida por Lnin (1977), am-
pliada por Gramsci (2001) e colocada em prtica em
experincias realizadas na Rssia, aps a revoluo,
por Pistrak, Makarenko e Krupskaya, estendendo-sepelos anos de 1920 e meados dos anos de 1930. Nessas
fontes engendram-se os princpios/ns de liberdade da
pessoa humana relacionada dialeticamente eman-
cipao social enquanto alicerces que sustentam as
experincias de trabalho-educao-cooperao no
tempo-escola e no tempo-comunidade, realizadas pela
FUNDEP e pelo ITERRA.
A Escola Nova, ou escola ativa, e o construtivismo
piagetiano so concepes que embasam a educao
para o trabalho oferecida nas escolas do ensino bsicoe prossional nos pases em que vigorava o capitalis-
mo. Por sua vez, a complexidade pensada por Morin
em um momento no qual ocorrem debates, na Europa,
nos anos de 1990, sobre uma espcie de caos em que a
cincia, por mais que esteja desenvolvida, no consegue
abarcar. Do mesmo modo, a incerteza atinge a estabili-
dade dos postos de trabalho gerados pelo capitalismo,
sinalizando para a incerteza, ao mesmo tempo, como
desao e possibilidade de serem criadas alternativas,
situando-se a teoria da complexidade nesse contexto.
Essas so as fontes que alimentam os princpios/ns
de liberdade do indivduo associada autonomia do/
no trabalho, presentes nas experincias de pedagogia da
alternncia realizadas pelas CFRs e pelas EFAs.
Um nome aparece em todas as experincias
efetuadas pelas CFRs e EFAs, pela FUNDEP e pelo
ITERRA, em que se alternam o trabalho agrcola e a
educao escolar. Trata-se do educador pernambucano
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Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009
Paulo Freire. Ainda que suas ideias sejam aplicadas
por enfoques diferentes, umas enfatizando o mtodo
de alfabetizao e outras a possibilidade de romper
a relao entre opressor/oprimido, seu pensamento
a sntese das propostas pedaggicas desenvolvidas
pelo movimento campons. Essa a razo pela qualdeixamos o dilogo com este autor para o nal, bus-
cando apreender em sua prxis pedaggica e polti-
ca como se exprimem os princpios de liberdade e
emancipao. Para isso, localizamos seu pensamento
no interior das tendncias filosficas e correntes
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Trabalho e educao no movimento campons
Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009 435
analfabetos como sujeitos de educao e produo
de conhecimento. Em sua abordagem, argumenta
que o processo formal de aprendizagem realizado na
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Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009
do modo de produo capitalista. Embora esse seja
um projeto vivo, em movimento, por isso atravessado
pelas contradies prprias das relaes entre capital
e trabalho, nele se redenem as concepes de liber-
dade, autonomia e emancipao. Enquanto educador
e constituidor/constituinte da classe revolucionria, omovimento campons, associado ao movimento ope-
rrio, constri-se como sujeito histrico que projeta
a emancipao humana.
O movimento campons, no Brasil, tem obtido
importantes conquistas, principalmente na educao
do campo, uma proposta de armao dos sujeitos
polticos coletivos que vivem do trabalho com/da
terra e que, historicamente, tm sido anulados na
educao rural que lhes tem sido oferecida. Dessasconquistas ressaltamos as Diretrizes Operacionais
para a Educao Bsica das Escolas do Campo e o
Programa Nacional de Educao da Reforma Agrria
(PRONERA), este vinculado ao Instituto Nacional de
Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) e no ao
Ministrio da Educao (MEC). Todavia, se de um
lado, asDiretrizese o PRONERA, conquistados em
mobilizaes, marchas e conferncias de educao
do campo, esto registrados em leis, de outro, muitos
obstculos se colocam para que sejam postos emprtica. Entre esses obstculos se incluem: as di-
culdades para a liberao dos recursos mesmo aps
a aprovao dos projetos de formao; a recusa em
aceitar a prestao de contas do uso de recursos em
atividades pedaggicas, feitas pelo ITERRA, princi-
palmente as desenvolvidas pelo MST; o encerramento
do convnio com a Universidade do Estado do Rio
Grande do Sul (UERGS) para a realizao de cursos
de graduao efetuados na FUNDEP e no ITERRA.
Contrapondo-se educao rural que no considera os
agricultores e agricultoras como produtores sociais de
vida e conhecimento, o movimento campons recria,
na pedagogia em que se alternam trabalho agrcola e
educao escolar, a formao humana integral referida
ao movimento operrio (Ribeiro, 2008, 2009).
A exposio feita at aqui permite armar que as
experincias, nas quais se alternam trabalho e educa-
o nas CFRs, nas EFAs, na FUNDEP e no ITERRA
so orientadas por concepes e princpios de liber-
dade e emancipao cujos signicados divergem. As
CFRs e as EFAs orientam a formao em pedagogia
da alternncia nas concepes da Escola Nova, for-
muladas por Dewey, no construtivismo de Piaget e na
teoria da complexidade de Morin. Nessas concepes,o aluno o centro do processo de ensinar/aprender;
a nfase recai sobre a construo do conhecimento, a
resoluo de problemas e a criatividade para enfrentar
os desaos dos atuais tempos de incerteza. Atentando
ao objetivo colocado de incio, temos que nessas ex-
perincias a liberdade est relacionada ao exerccio de
uma cidadania ativa para intervir no desenvolvimento
local e regional, orientando-se pelo modelo de poltica
representativa para atuar dentro do Estado liberal.Precisamos, entretanto, levar em conta que as contra-
dies tambm esto presentes nessas organizaes
pedaggicas e sindicais. As CFRs e EFAs lutam pela
participao ativa na comunidade, buscando ampliar
os espaos de conquista dentro do Estado; em muitos
casos, os estudantes participam de mobilizaes so-
ciais de luta por reforma agrria e polticas pblicas
voltadas aos interesses dos agricultores.
A pedagogia do TC e do TE, que caracteriza a
formao na FUNDEP e no ITERRA, sustenta-seem uma concepo/prtica de pedagogia social, re-
correndo aos registros das experincias pedaggicas
de trabalho produtivo articulado educao escolar
efetuadas na Rssia, tendo por referncia as obras de
Pistrak, Makarenko e Krupskaya. Essa pedagogia que
tem por base a trade trabalho-educao-cooperao
aponta para o horizonte da emancipao humana como
uma conquista possvel. Nessa formao a nfase
recai sobre a relao entre a educao e a realidade, a
auto-organizao, a disciplina e a organizao de uma
coletividade. Nessas experincias tambm podem ser
observadas contradies prprias do modo capitalista
de produo na qual esto mergulhadas, porque os jo-
vens, principalmente das camadas populares, precisam
de empregos para sobreviver.
Experincias histricas de educao realizadas
pelos movimentos sociais populares so constante-
mente retomadas e recriadas para responder a novos
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Trabalho e educao no movimento campons
Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009 437
desaos que emergem do contexto atual, resultando
em uma fuso de novas ideias, mantendo, no entanto,
a matriz original do popular. Apesar de apresentarem
divergncias terico-metodolgicas, as experincias
pedaggicas das CFRs, da EFAs, da FUNDEP e do
ITERRA tm um ponto em comum: a refernciaprtico-terica no educador Paulo Freire. Na sua
Pedagogia do oprimido, Freire aponta a liberdade e a
autonomia como possibilidades de escolha, de vida,
de trabalho. Elas seriam pontos de partida. Sem negar
a personalidade, prpria de cada um, parte dela para
ampliar a considerao das diferenas que, na base,
so de classe social, mas tambm so de gnero,
raa, cultura, idade... Enraizado nas suas vivncias
como educador popular, que conheceu e se envolveucom vrias experincias de educao popular, em
diferentes pases do mundo, Paulo Freire exercita
uma pedagogia emancipante como prxis que, como
movimento, incorpora, reinventa e rearma a liberdade
e a emancipao.
Liberdade e autonomia, como bases de uma
formao, podem apresentar limites, quando restri-
tas educao para o trabalho, a sobrevivncia e a
cidadania. Em um pas capitalista, como aquele no
qual vivemos e trabalhamos, estamos sujeitos a esseslimites porque o trabalho, a sobrevivncia e a cida-
dania no esto acessveis a todos. Na perspectiva da
contradio e do movimento que aponta para a supe-
rao, porm, est implcita a possibilidade de romper
com as velhas relaes sociais, para, por dentro delas,
ir gestando as novas, assentadas sobre a cooperao
em lugar da competio. A emancipao seria, nesse
sentido, princpio/m da relao entre trabalho agr-
cola e educao escolar.
Tendo o trabalho como princpio educativo, traos
de uma concepo/prtica de formao omnilateral
podem ser captados nas experincias pedaggicas
de trabalho-educao do movimento campons. Tais
experincias parecem integrar um projeto popular
que emite alguns sinais em direo a uma sociedade
diferente, em que as classes populares possam exercer
a liberdade, ter autonomia em seus processos organi-
zativos e conquistar a emancipaoverdadeiramente
humana. Isso o que podemos captar nas experincias
pedaggicas de trabalho agrcola e educao escolar,
apesar das diferentes compreenses observadas nos
princpios/ns de liberdade e emancipao que as
orientam.
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Resumos /Abstracts/Resumens
600 Revista Brasileira de Educao v. 14 n. 42 set./dez. 2009
Key words: Bologna Process; Europe;
higher education; regionalization;
globalization.
El proceso de Bolonia se vuelve
global: modelo, mercado, movilidad,
fuerza intelectual, o estrategia parala construccin del Estado?
El artculo examina la interconexin
progresiva de los espacios de la
poltica de educacin superior,
enfocando particularmente a Europa
y a su proyecto de globalizacin
de la educacin superior, as como
las implicaciones del mismo para
otras economas nacionales y
regionales. El trabajo comienza
con el Espacio Europeo deEducacin Superior, delineando
las principales caractersticas del
competitivo proyecto europeo en la
educacin superior. Presentndose
como el Proyecto Multilateral de
Bolonia, proyectado para crear una
arquitectura unicada de educacin
superior en Europa, fue remodelado
y dirigido por la estrategia Lisboa
2000 de la Unin Europea para la
competitividad y por el relanzamientode la Agenda Lisboa 2005. Esta
agenda ha permitido la utilizacin
de la educacin superior como una
plataforma para amplias estrategias
de regionalizacin y globalizacin de
la Unin Europea, para crear tanto
mentes cuanto mercados para la
economa europea de conocimiento,
llevando a la emergencia de un sistema
global ms integrado y relacional de
educacin superior. Las acciones de
Europa tambin son moldeadas por
su propio proyecto de construccin
del Estado, que tiende a favorecer a
la colaboracin con las regiones y
promover el inter regionalismo como
una plataforma para la negociacin
global.
Palabras claves: Proceso de Bolonia;
Europa; educacin superior;
regionalizacin; globalizacin.
Marlene Ribeiro
Trabalho e educao no movimento
campons: liberdade ou
emancipao?
O artigo aborda o tema trabalho,
movimentos sociais e educao. Tem
por objetivo trazer elementos para
identifcar os princpios/fns de liber-
dade e emancipao que sustentam
as experincias de trabalho-educao
em sistema de alternncia, realizadas
pelos movimentos sociais populares
do campo. Trata-se das organizaes
sindicais de trabalhadores rurais e
dos movimentos organizados da Via
Campesina. Apesar da diversidade de
sujeitos, projetos sociais e formas de
organizao, esses movimentos tm
em comum uma luta histrica pela
terra de trabalho e pela democracia, o
que permite sintetiz-los na unidade
movimento campons. Na importncia
do estudo destaca-se a necessidade de
atentarmos para o novo contido nas
experincias de trabalho-educao
do movimento campons, que so
produzidas revelia do processo de
reproduo e acumulao do capital e
do controle do Estado.
Palavras-chave: trabalho-educao;
movimentos sociais; pedagogia da al-
ternncia; liberdade e emancipao.
Work and education in the Rural
Workers Movement: freedom or
emancipation?
The article is about work, social
movements and education. Its objective
is to present elements in order to
attempt to identify the principles and
ends of freedom and emancipation
which sustain experiences of work-
education in a system of alternation,
carried out by popular social
movements in the countryside. It
deals with trade union organizations
of rural workers and the movements
organized by the Via Campesina.
Despite the diversity of subjects, social
projects and types of organization,
these movements have in common an
historical struggle for land on which to
work and for democracy, which allow
us to synthesize them in the one unit of
Rural Workers Movement. The study
is important in that it highlights the
need to pay attention to what is new
in the experiences of work-education
developed by the Rural Workers
Movement, which is produced in the
absence of the process of reproduction
and accumulation of capital and of
State control.
Key words:work-education; social
movements; pedagogy of alternation;
liberty and emancipation.
Trabajo y educacin en el
movimiento campesino: libertad o
emancipacin?
El artculo trata del tema trabajo,
movimientos sociales y educacin.
Tiene por objetivo traer elementos
para identicar los principios y los
nes de libertad y emancipacin
que sostienen las experiencias de
trabajo-educacin en sistema de
alternancia, realizadas por losmovimientos sociales populares del
campo. Se trata de las organizaciones
sindicales de trabajadores rurales
y de los movimientos organizados
de la Va Campesina. A pesar de
la diversidad de sujetos, proyectos
sociales y formas de organizacin
estos movimientos tienen en comn
una lucha histrica por la tierra
de trabajo y por la democracia, lo
que nos permite sintetizarlos en la
unidad movimiento campesino. En la
importancia del estudio se destaca la
necesidad de considerar acerca del
nuevo contenido en las experiencias
de trabajo-educacin del movimiento
campesino, que son producidas en
oposicin del proceso de reproduccin
y de acumulacin del capital y del
control del Estado.
Palabras claves:trabajo-educacin;
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Resumos/Abstracts/Resumens
movimientos sociales; pedagoga de la
alternancia; libertad y emancipacin.
Andr Luiz Paulilo
As estratgias de administrao das
polticas pblicas de educao na cidade
do Rio de Janeiro entre 1922 e 1935
O artigo busca explanar as estratgias
de administrao da educao pblica
desenvolvidas na cidade do Rio de
Janeiro entre 1922 e 1935. Examinan-
do as polticas pblicas de educao,
durante as administraes de Antnio
Carneiro Leo (1922-1926), Fernan-
do de Azevedo (1927-1930) e Ansio
Teixeira (1931-1935), apresenta as mu-
danas ocorridas na organizao da Di-
retoria Geral de Instruo Pblica. Na
complexa rede de instituies e sabe-
res, visando reformar a estrutura admi-
nistrativa da educao, a ampliao das
agncias de Estado e a especializao
dos servios de educao constituem
um importante recurso poltico.
Palavras-chave: polticas pblicas
de educao; reforma educacional;
escolarizao 1922-1935; histria da
educao.
The administrative strategies for public
policies of education in the city of Rio de
Janeiro between 1922 and 1935
This article seeks to explain the
administrative strategies for public
education developed in the city of Rio
de Janeiro between 1922 and 1935. A
careful look at the public policies of
education, during the administrations
of Antnio Carneiro Leo (1922-1926),
Fernando de Azevedo (1927-1930)
and Ansio Teixeira (1931-1935),
shows the changes in the organization
of the General Directorate of Public
Instruction in the Federal District. The
amplication of state agencies and the
specialization of educational services
constitute an important political resource
in the complex network of institutions
and knowledge, aimed at reforming the
administrative structure of education.
Key words: public policies of education;
educational reform; schooling 1922-
1935; history of education.
Las estrategias de administracin de
las polticas pblicas de educacin
en la ciudad de Rio de Janeiro entre1922 y 1935
El artculo busca explicar las
estrategias de administracin de la
educacin pblica desarrolladas en la
ciudad de Rio de Janeiro entre 1922
y 1935. Examinando las polticas
pblicas de educacin, durante la
administracin de Antnio Carneiro
Leo (1922-1926), Fernando de
Azevedo (1927-1930) y Ansio Teixeira
(1931-1935), presenta los cambiosocurridos en la organizacin de la
Directoria General de Instruccin
Pblica. En la compleja red de
instituciones y saber, enfocando la
reforma de la estructura administrativa
de la educacin, la ampliacin
de las agencias de Estado y la
especializacin de los servicios de
educacin constituyen un importante
recurso poltico.
Palabras claves: polticas pblicasde educacin; reforma educacional;
escolaridad 1922-1935; historia de la
educacin.
Menga Ldke, Giseli Barreto da Cruz e
Luiz Alberto Boing
A pesquisa do professor da educao
bsica em anlise
O texto discute a pesquisa do professor
com autores que veem nela alguma
possibilidade de acontecer. Dentre
os autores trabalhados, destacam-se:
Stenhouse, Elliott, Huberman, Geral-
di, Fiorentini, Cochran-Smith, Lytle,
Anderson, Herr, Andr, Ldke, Cruz,
Zeichner, Diniz-Pereira, Nofke, Tardif
e Zourhlal. Para servir de instrumento
pesquisa, foram selecionados dois tra-
balhos de professores que foram apre-
sentados no XII Encontro Nacional de
Didtica e Prtica de Ensino (ENDIPE,
2004) e dois outros no II Seminrio
Internacional de Pesquisa em Educao
Matemtica (SIPEM, 2003). Os qua-
tro textos foram enviados a 12 juzes,
escolhidos em diferentes instncias,
dentre profssionais bem preparados
em suas respectivas reas de formao,
com vasta experincia de pesquisa e
intensa produo, alm de interessados
e sensibilizados com a formao de
professores, inclusive no que se refere
sua pesquisa. A partir dos pareceres
desses avaliadores, so apresentados
alguns resultados terico-metodolgi-
cos e prticos que podem enriquecer o
debate sobre os limites e possibilidades
da pesquisa dos professores.
Palavras-chave: pesquisa educacional;
professor da educao bsica; julga-
mento.
Primary school teacher research
under appraisal
The text discusses teacher research with
writers who perceive the possibility
of this kind of research taking place.
Among these writers we highlight:
Stenhouse, Elliott, Huberman, Geraldi,
Fiorentini, Cochran-Smith, Lytle,Anderson, Herr, Andr, Ldke, Cruz,
Zeichner, Diniz-Pereira, Nofke, Tardif
e Zourhlal. As research tools, two
papers presented by teachers at the
XII Encontro Nacional de Didtica e
Prtica de Ensino (ENDIPE, 2004)
and two other papers presented at the
II Seminrio Internacional de Pesquisa
em Educao Matemtica (SIPEM,
2003) were selected. The four texts
were sent to twelve judges chosen at
different instances among well-reputed
professionals in their respective areas
of expertise, with considerable research
experience and impressive academic
production. The selected judges had
also shown interest and understanding
of teacher training, including teacher
research. Based on the written views
of these evaluators some theoretical-
methodological as well as practical
results are presented that might