Educação Superior em Debate

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EDUCAO SUPERIOR EM DEBATEVolume 5

Docncia na Educao Superior

Coordenao-Geral de Avaliao Institucional e dos Cursos de Graduao Iara de Moraes Xavier Coordenao-Geral do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes Amir Limana Coordenao-Geral de Estatsticas da Educao Superior Jaime Giolo Coordenao-Geral do Simpsio Educao superior em debate Dilvo Ristoff Jaime Giolo Jos Dias Sobrinho Organizao do Simpsio Docncia na Educao Superior Dilvo Ristoff Palmira Sevegnani Coordenao Editorial Joo Luiz Horta Neto

Braslia-DF | Inep | 2006

Coordenadora-Geral da Linha Editorial e Publicaes Lia Scholze Coordenadora de Produo Editorial Rosa dos Anjos Oliveira Editor-Executivo Jair Santana Moraes Coordenadora de Programao Visual Mrcia Terezinha dos Reis Reviso Luiza Guimares Lima Capa Marcos Alfredo Hartwich Diagramao e arte-final Roosevelt Silveira de Castro Tiragem 1.500 exemplares Editoria Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira (Inep/MEC) Esplanada dos Ministrios, bloco L, anexo I, 4 andar, sala 418 70047-900 Braslia-DF - Brasil Fone: (61) 2104-8438 e (61) 2104-8042 Fax: (61) 2104-9812 [email protected] Distribuio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira (Inep/MEC) Esplanada dos Ministrios, bloco L, anexo I, 4 andar, sala 418 70047-900 Braslia-DF - Brasil Fone: (61) 2104-9509 [email protected] http://www.inep.gov.br/publicacoes Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Institutuo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira Docncia na educao superior : Braslia, 1 e 2 de dezembro de 2005 / Organizao: Dilvo Ristoff e Palmira Sevegnani. Braslia : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira, 2006. XX p. (Coleo Educao Superior em Debate ; v. 5) 1. Educao superior. 2. Professor de ensino superior. 3. Formao profissional. I. Ristoff, Dilvo. II. Srie. CDU 378.124

SUMRIO

Apresentao Reynaldo Fernandes ................................................................................... 7 Introduo Dilvo Ristoff ............................................................................................. 9 Parte I Contribuies Os docentes da educao superior brasileira Jaime Giolo .............................................................................................. 19 Pedagogia universitria: entre a convergncia e a divergncia na busca do alomorfismo universitrio Marlia Costa Morosini e Lcio Morosini ............................................... 47 Desafios docncia superior: pressupostos a considerar Silvia Maria de Aguiar Isaia ................................................................... 63 Docncia universitria na educao superior Ilma Passos Alencastro Veiga .................................................................. 85 Teoria e prtica na formao de professores universitrios: elementos para discusso Graziela Giusti Pachane .......................................................................... 97

Docncia na educao superior La das Graas Camargos Anastasiou ..................................................147 Algumas reflexes sobre a profissionalidade docente no contexto das polticas da educao superior Vera Lcia Bazzo .................................................................................173 Formao continuada de professores universitrios: alguns enfrentamentos necessrios Amndia Maria de Borba, Cssia Ferri e Regina Clia Linhares Hostins ..............................................................203

Parte II Debate Apresentao dos participantes ......................................................219 Debate docncia na educao superior Dia 1/12/2005. Debate manh ......................................................223 Debate docncia na educao superior Dia 1/12/2005. Debate tarde .........................................................227 Debate docncia na educao superior Dia 2/12/2005. Debate manh ......................................................275 Debate docncia na educao superior Dia 2/12/2005. Debate tarde .........................................................291

APRESENTAOReynaldo Fernandes* uma satisfao apresentar mais um volume da srie Educao Superior em Debate, uma iniciativa da Diretoria de Estatsticas e Avaliao da Educao Superior do Inep. Considero que o tema de extrema importncia. Estive h algum tempo em um encontro organizado pela Fundao Getlio Vargas, do Rio de Janeiro, que contou, entre outros, com a participao do professor Hanushek, da Universidade de Stanford (EUA), um estudioso da questo educacional. Em suas pesquisas, procura verificar quais fatores ligados escola interferem mais diretamente na aprendizagem do aluno. Esses estudos levaram-no a concluir que o elemento que explica a diferena entre uma escola eficiente daquela no eficiente o professor. Apesar de essas pesquisas estarem relacionadas educao bsica, acredito que o resultado pode ser generalizado para a educao superior. Evidentemente, na educao superior, existem fatores diferentes que na educao bsica como, por exemplo, ps-graduao e atividade do pesquisador. O mais interessante das suas descobertas que, ao analisar quais os diferenciais de um bom professor com relao aos demais, Hanushek percebeu que no eram caractersticas referentes formao do docente e nem estavam ligadas ao salrio, sua idade ou sua experincia profissional, se ele tinha ou no ps-graduao. Descobriu ainda que a questo principal para entender a diferena so os dois primeiros anos de docncia, pois nesse perodo em que o profissional mais aprende. Depois dessa fase, at o fim da sua atividade, ele mantm a mesma eficincia que tem ao trmino dos dois primeiros anos de experincia. O*

Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep/ MEC).

professor Hanushek, concluindo seu estudo, destaca a importncia da formao inicial do professor como um fator determinante no sucesso dos alunos e aponta para a necessidade de programas de formao continuada e acompanhamento profissional. Essa uma realidade que eu, como professor da Universidade de So Paulo (USP) de Ribeiro Preto, percebo tambm na minha universidade, isto , aps os professores serem contratados, no recebem formao adicional. Alm disso, existe grande dificuldade em manter esses professores na universidade. Somente este ano, estamos perdendo dez professores. No sei como o problema em outras reas, mas na economia, rea em que atuo, o mercado paga salrios muito mais atraentes que os nossos. Esses pontos que abordo servem para destacar a importncia desse simpsio, assim como realar a complexidade do tema. Em nome do Inep, agradeo a presena de cada um dos especialistas que, com certeza, com seu brilhantismo traro aportes imprescindveis para o aprimoramento das polticas pblicas direcionadas educao superior que esto sendo implementadas. Obrigado a todos e sejam bem-vindos.

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INTRODUO

Dilvo Ristoff* Este o sexto de um conjunto de dez simpsios temticos sobre a educao superior, promovidos pelo Inep. O primeiro versou a respeito da Avaliao Institucional Participativa, em que discutimos o caso das Comisses Prprias de Avaliao. O segundo tratou das diferentes leituras que estatsticos, psiclogos, pedagogos, matemticos, entre outros, fazem dos dados que so gerados pelas avaliaes. O terceiro abordou a questo da universidade e o compromisso social e tambm as diversas leituras que a comunidade acadmica faz. O quarto enfocou os diferentes modelos de educao superior. O quinto destacou a democratizao do campus. O sexto simpsio trata da questo da docncia da educao superior. Nos prximos meses, pretendemos concluir esses dez simpsios, que sero transformados em dez livros. O primeiro volume da srie est impresso, o segundo est a caminho da grfica. Os simpsios, embora despretensiosos, no seu alcance, so uma tentativa de resgatar o papel central do Inep que o de, antes da questo das avaliaes, dos cadastros e das estatsticas que ele produz, ser um instituto de estudos e pesquisas educacionais. Estamos empenhados em recuperar essa misso bsica, ou seja, a energia original do instituto. Quero agradecer a professora Palmira e tambm a toda a equipe da minha diretoria pelo trabalho de organizao do simpsio e pelo cuidado especial com os aspectos logsticos associados ao evento. Quero agradecer ainda a Joo Luiz Horta, que ter como tarefa organizar as nossas idias, devolver para cada um de ns os textos abordados, para que sejam analisados e editados e, posteriormente, transformados em uma publicao.*

Diretor da Diretoria de Estatsticas e Avaliao da Educao Superior (Deaes/Inep/MEC).

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Meu reconhecimento ao professor Jos Dias Sobrinho, por nos ter auxiliado na organizao deste e de todos os simpsios. Ele um colaborador antigo e, preciso dizer, no recebe nenhuma remunerao para fazer esses trabalhos. Quero ainda agradecer a cada um de vocs por terem aceito to prontamente participar deste sexto simpsio. H pessoas de vrios segmentos da academia e com diferentes reflexes e vises sobre a docncia na educao superior, o que deve tornar esse debate extremamente rico. A questo da docncia da educao superior preocupa todos, de diferentes maneiras. A alguns de ns, pela percepo simples de que a funo do professor na educao superior , em grande parte, uma funo usurpada. Usurpada por quem? Por profissionais de muitas reas do conhecimento. E poderia ser diferente? Na educao superior, o mdico torna-se professor de nefrologia; o advogado, de Direito Constitucional; o economista, de teoria macroeconmica do desenvolvimento; o engenheiro, enfim, torna-se professor de eletrnica. A outros, preocupam as crescentes mudanas no campus, transformando relaes uma vez quase idlicas e feudais, muito mais imaginadas do que reais, e colocando, no lugar da dedicao aos valores clssicos da busca da arte, da cincia e da Justia, ou seja, do belo, do verdadeiro e do justo, os valores clssicos da universidade, nada alm da fria relao monetria e salarial. A passagem do status para o contrato, da gemeinschaft para a geselschaft, ou do professor ao servidor, do diretor ao sndico, com certeza est tendo um impacto sobre os nossos afazeres dirios no campus. E isso precisa ser trabalhado, gostemos ou no, porque estamos diante de uma crescente e dramtica dessacralizao dos valores acadmicos tradicionais, gerando o que alguns chamam de a nova burguesia acadmica. Faz parte do anedotrio da educao superior o primeiro dia do exreitor da Columbia University estranhamente, ele era um general, o general Eisenhauer, ex-presidente dos Estados Unidos. Ele, em seu

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primeiro dia como reitor, foi levado para um passeio pelo campus, apresentado ao Conselho Universitrio, cumprimentado pelos servidores tcnico-administrativos e, finalmente, encaminhado a uma reunio com o corpo docente. Eisenhauer iniciou a sua fala dizendo que era uma grande satisfao conhecer os servidores ele usou a palavra employees, o que significa empregados da Columbia University. Logo, o professor Rabi levantouse no fundo da sala. Ele era um professor catedrtico, um snior professor, de muitos anos de casa, que, at mesmo, ganhou um Prmio Nobel. Com contida irritao, mas com dignidade, Rabi retrucou: General, os membros do corpo docente no so empregados da Columbia University. O corpo docente a Columbia University. Somos os principais atores da universidade, acho que poucos duvidam, mas ser que exatamente essa a realidade do nosso dia-a-dia? Eu no sei, mas o que sei que o que somos, como docentes, muito alm das nossas virtudes, qualidades, vcios, defeitos, porque somos, tambm, as nossas aes, os nossos mtodos, as nossas tcnicas e procedimentos, somos parte do propsito que orienta a instituio e das vises e misses institucionais nas quais, conscientemente ou inconscientemente, nos inserimos. Fazemos parte do instrumental que nos rodeia, das bibliotecas, dos laboratrios, das salas de aula, das instalaes, que potencializam ou infernizam o nosso trabalho. Ns somos o contexto sociopoltico e acadmico, que valoriza ou no, com dinheiro, com carreiras, com regime de contratao ou com status, ou com reconhecimento, o nosso trabalho. Enfim, somos agentes, aes, agncias, propsitos, cenrios, para usar a linguagem de Kenneth Burke, formando um todo, difcil de partir. Nossa expectativa que a discusso de hoje possa iluminar um pouco os caminhos que deveremos trilhar como governo. Tenho a certeza de que possumos um material para muito debate, nos prximos dois dias ou dois anos, ou vrios anos.

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Queria dizer que vamos comear a discusso, com o levantamento que o Inep fez dos docentes da educao superior e que se materializou neste resumo tcnico sobre o primeiro cadastro nacional dos docentes da educao superior. Chamo a ateno para alguns aspectos desse cadastro docente, por ser a primeira vez que conseguimos fazer ntida distino entre o que a funo docente e o que docente. O cadastro permite isso e ser atualizado semestralmente pelas instituies, e assim teremos sries histricas importantes que permitiro fazer monitoramentos sobre a mobilidade dos docentes, de titulao. Apresentaremos dados relacionados a funes docentes, a titulao a o que chamamos de senioridade o tempo de casa dos docentes , termo muito usado pelos anglofalantes, que classificam como seniority, e sempre o snior professor tem um status todo especial na academia. Visamos a esse conjunto de dados, na perspectiva nacional, por regio, por categoria administrativa, por organizao acadmica e por Unidade da Federao, estado a estado. Deve-se ainda voltar a ateno, por exemplo, para o percentual mdio nacional de doutores no sistema, que de 22,7%. Usamos essa mdia, mas sabendo que no um referencial de qualidade, at porque muitas instituies, especialmente as pblicas, h muitos anos tm mais de 50% de doutores em seu quadro. E, nessas instituies pblicas, alguns departamentos apresentam at 100% de doutores. Ento, a mdia no exatamente uma referncia de qualidade, mas ela permite ver o quadro nacional e como as instituies se situam em relao a essa mdia. Graas a esse cadastro, conseguimos tambm realizar um levantamento sobre as exigncias legais estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), que, em 1996,determinou que, pelo menos, 1/3 do corpo docente das universidades deve ter a titulao acadmica de mestrado ou doutorado, e 1/3 do corpo docente deve estar contratado em regime de tempo integral.

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Chegamos a algumas concluses assustadoras: vrias instituies ainda apresentam um alto ndice de no-cumprimento desse requisito legal, ou seja, no possuem 1/3 do seu corpo docente com ps-graduao e nem 1/3 em regime de tempo integral. O mesmo vale para os centros universitrios regulados pelo Decreto n 4.914, o qual estabeleceu que esses centros deveriam ter 15% do corpo docente em tempo integral at dezembro de 2004. O cadastro mostra que muitos centros universitrios ainda no cumprem o exigido pelo decreto. Grande parte das universidades tambm no cumpre o exigido na LDB com relao contratao em tempo integral. Ento, no s um descumprimento de algumas instituies, no que se refere titulao, mas sim de muitas, na questo ligada ao regime de tempo integral. Entre as revelaes importantes desse estudo, gostaria de destacar, por exemplo, o fato de que, embora 22% dos docentes nas Instituies Federais de Ensino Superior (IFES) sejam doutores, ps-doutores, livre docentes, nas estaduais esse percentual , em mdia, o dobro. Os mestres constituem o maior grupo de docentes do pas, representando 35% o total. H 27.336 docentes com apenas o diploma de graduao atuando na educao superior. So 11,8% que tm apenas a graduao. Parece estranho, mas em alguns casos h explicaes plausveis. Lembro-me do caso de um professor de viola, isto , viola de cocho (chamam assim, no Mato Grosso), o que mais da matria, mas que no tem graduao e, mesmo assim, foi convidado a fazer parte do corpo docente de uma universidade. Outro dado interessante que o nmero de doutores nos estados da Paraba e do Rio Grande do Norte est entre os mais altos da Regio Nordeste e supera em 3% a mdia nacional, para esse nvel de titulao. S que h um detalhe curioso em tudo isso: embora tenham uma excelente relao doutor-matrcula, esto entre os estados com a menor taxa de escolarizao na educao superior do pas. Apesar de estarem preocupados com a qualidade, em termos de titulao, so pouco

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democrticos na quantidade. No parece, portanto, ser a combinao ideal, pois essa seria que fossem preocupados com a qualidade e tambm com a oportunidade de acesso. No sistema de educao superior, existe um doutor para cada 80 estudantes. Mas, a Regio Norte, por exemplo, tem um doutor para 165 estudantes, ou seja, o dobro da mdia nacional. E o Centro-Oeste, um doutor para cada 122 estudantes. Com um detalhe: Gois um estado que democratizou bastante o acesso educao superior, especialmente por meio da rede estadual. Dos docentes da educao superior, mais de 35 mil atuam em trs ou mais de trs instituies. H cem docentes que atuam em cinco ou mais de cinco instituies. Com relao senioridade, no setor privado, mais da metade dos doutores tem de zero a cinco anos de casa. No setor pblico, esse percentual chega a 35%. Ento vejam que o setor privado tambm expressa grande juventude no que diz respeito titulao. Podemos perceber que, enquanto no setor pblico 92% dos doutores so contratados em regime de tempo integral, ou de dedicao exclusiva, no setor privado, apenas 30,9% esto nesse regime de trabalho, ou seja 1/3. Ou, dito de outra forma: enquanto no setor pblico h apenas 2,5% de doutores horistas, no setor privado, 46% dos doutores so horistas. Bem, esse s um pequeno apanhado do conjunto das informaes que esto no cadastro e que formaram o cenrio inicial que pretende iluminar essas discusses. Gostaria, por fim, de dizer que infelizmente no vou poder participar deste evento conforme havia planejado. Como promotor de todos os simpsios, sempre os acompanhei do incio ao fim. E importante que todos acompanhem o simpsio do incio ao fim, porque o nosso objetivo no ficar dando passes laterais, mas ir em direo ao gol. Nosso objetivo verticalizar, aprofundar o debate sobre essas questes. mas infelizmente eu no vou poder ficar hoje, porque descobriram por a que

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eu devo ser homenageado. Devo, pois, ir a Florianpolis hoje. Espero que entendam a minha ausncia. claro que me sinto lisonjeado com a homenagem que me ser prestada pela Academia Catarinense de Letras e, por isso mesmo, no tenho como justificar a minha ausncia. Sei que seria percebida como um desrespeito a quem est prestando a homenagem. Peo, pois, desculpas pela ausncia. A coordenao desses simpsios est sob o comando do Professor Jos Dias Sobrinho, o que me deixa absolutamente tranqilo quanto ao bom andamento dos trabalhos. Agradeo mais uma vez a todos pela presena e pelo apoio ao Inep. A todos um bom um bom simpsio e at breve.

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Universidade e Mundo do Trabalho

OS DOCENTES

DA

EDUCAO SUPERIOR BRASILEIRAJaime Giolo*

Neste ano de 2005, o Inep est realizando, pela primeira vez, o cadastro docente da educao superior brasileira. Trata-se de uma coleta semestral de informaes, por instrumento eletrnico, cujos dados so fornecidos pelas instituies por meio do pesquisador institucional, que a pessoa designada pela autoridade mxima de cada instituio para prestar e validar as informaes. Os nmeros aqui apresentados so referentes primeira edio do Cadastro Nacional de Docentes (primeiro semestre de 2005), da qual participaram 1.990 instituies, 86% do total das instituies credenciadas at o incio do segundo semestre de 2005, que eram 2.314. Se levarmos em conta que as instituies que no preencheram o cadastro so, geralmente, faculdades recm-criadas e com um nmero muito reduzido de docentes, podemos considerar que os dados apresentados a seguir esto muito prximos da realidade brasileira. Apesar disso, manda a prudncia que se considere essa consolidao de informaes como um panorama geral, passvel de pequenos reparos, uma vez que, sendo a primeira coleta, sempre possvel detectar determinadas imprecises conceituais que repercutem sobre os dados fornecidos. J detectamos, por exemplo, que certas instituies deixaram de registrar os docentes que se dedicavam apenas ps-graduao, imaginando que o presente cadastro se referia exclusivamente graduao. Segundo o confronto estabelecido entre os dados do cadastro e dados da ps-graduao stricto sensu que a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes) nos forneceu, notamos que o nmero de professores no cadastrados pequeno e no distorce a realidade em propores*

Professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), doutor em Histria e Filosofia da Educao pela Universidade de So Paulo, pesquisador do Ncleo de Pesquisas em Filosofia e Educao (Nupefe), coordenador-geral de estatsticas da educao superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (Inep/MEC). E-mail: [email protected]; [email protected]

Universidade pblica, trabalho e projeto de desenvolvimento no Brasil sob o pndulo da regresso social

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considerveis, mas, mesmo assim, vale proceder cum grano salis nesse exerccio de interpretao. Este estudo divide-se em duas partes. Na primeira, focalizo os docentes, considerando-os individualmente a partir do Cadastro de Pessoa Fsica (CPF) de cada um; na segunda parte, mostr as funes docentes, de acordo com a vinculao institucioanl do profissional. Os nmeros so diferentes dependendo de qual conceito se utiliza: os docentes compem sempre um universo menor que as funes deles, visto que este ltimo conceito considera a vinculao institucional dos docentes, os quais esto ligados a duas instituies, isto , embora sendo a mesma pessoa, desempenha duas funes docentes.

Primeira Parte: DocentesDocentes: Brasil e regies A tabela 1 e o grfico 1 apresentam o nmero total de docentes da educao superior brasileira e sua distribuio, absoluta e percentual, entre as regies geogrficas. Tabela 1 - Docentes da educao superior, por regio Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Docncia na Educao Superior

Grfico 1 Docentes da educao superior, por regio (%) Brasil 2005.1

A Regio Sudeste detm quase a metade de todos os docentes da educao superior atuando no Brasil. Essa presena destacada do Sudeste vai se mostrar em todas as demais variantes do estudo.

Docentes por titulao No conjunto dos docentes da educao superior brasileira, mais da metade tem ttulo mnimo de mestre. Os mestres so, percentualmente, o maior conjunto (35%), seguidos dos especialistas (29,4%) e dos doutores (22,7%, somados os doutores, livre-docentes e ps-doutores). De qualquer forma, o percentual de apenas graduados atuando na educao superior ainda muito expressivo (27.334 ou 11,8). Pode-se perceber tambm que h um nmero residual de professores que no chegaram a obter a graduao (2.465 ou 1,1%), mas que continuam trabalhando na educao superior brasileira por sua condio de notrio saber, notria especialidade tcnica ou por razes de estabilidade no emprego. A tabela 2 apresenta o quadro docente por titulao.

Os Docentes da Educao Superior Brasileira

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Tabela 2 - Docentes da educao superior, por titulao Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Destaquei na tabela os ps-doutores e livre-docentes porque, embora sabendo que esses ttulos no configuram graus de formao, importante analisar a sua presena no quadro dos docentes, uma vez que, pelo menos no que concerne ao ps-doutorado, trata-se, hoje, de um aprofundamento intelectual muito estimulado pelos programas de ps-graduao do Brasil. Infelizmente, os ps-doutores e livre-docentes esto sobremaneira concentrados em determinados estados: Apenas cinco estados (SP, RJ, MG, DF e SC) detm 1.557 ps-doutores (76,7%), enquanto o Amap no tem nenhum, e quatro estados (AC, GO, RR e SE) contam somente com um ps-doutor. Em relao aos livre-docentes, a concentrao mais radical tendo em vista que se trata de uma figura que conta com importncia acadmica em determinadas instituies, especialmente as pblicas e, fundamentalmente, as estaduais paulistas. Por isso, So Paulo concentra 1.753 livre-docentes (86,4%), em seguida, vem o Rio de Janeiro com 101 (5,0%). Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Paran, com nmeros que variam de 20 a 30, detm 5,3% ou 108 livre-docentes. Trs estados no possuem livre-docente e outros cinco estados tm um. No grfico 2, a varivel doutorado inclui o ps-doutorado e a livredocncia.

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Docncia na Educao Superior

Grfico 2 - Docentes da educao superior, por titulao (%) Brasil 2005.1

Docentes doutores e mestres por regio Comparativamente aos doutores, os mestres esto melhor distribudos pelas regies do Brasil. O Sudeste, que, no item mestres, detm 46,3% do total, sobe para 55,8% no que se refere aos doutores. As demais regies apresentam um percentual de doutores inferior ao dos mestres. o que mostram a tabela 3 e o grfico 3. Tabela 3 - Mestres e doutores por regio - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Os Docentes da Educao Superior Brasileira

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Grfico 3 - Mestres e doutores por regio (%) - Brasil 2005.1

Mestres e doutores em relao aos docentes da regio O grfico 4 mostra o percentual de doutores e mestres em relao totalidade de docentes da respectiva regio. As linhas pontilhadas apontam os percentuais mdios nacionais de mestres e doutores que de 35% e 22,7%, respectivamente, em relao totalidade dos docentes do Brasil. Note-se que, no que diz respeito aos mestres, somente a Regio Sul ultrapassa a mdia nacional; enquanto, no tocante aos doutores, cabe Regio Sudeste ultrapassar, com exclusividade, a mdia nacional.

Grfico 4 Mestres e doutores em relao aos docentes da regio (%) - Brasil 2005.1

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Docncia na Educao Superior

Relao entre doutores e matrculas A tabela 4 apresenta a relao que existe entre o nmero de doutores e as matrculas dos alunos dos cursos superiores de graduao presencial, por regio. Considere-se que o nmero de doutores baseou-se no Cadastro Nacional de Docentes de 2005.1, enquanto o nmero de matrculas tirado do Censo da Educao Superior de 2004. Tendo em vista o alto nmero de doutores que a regio sudeste concentra, previsvel que a melhor relao doutor-matrcula seja dessa regio (um doutor para cada 70 alunos matriculados). Em seguida, vem a Regio Sul com uma relao de um doutor para cada 75 estudantes matriculados. Apenas a Regio Sudeste e a Sul tm uma performance melhor que a mdia nacional que de um doutor para cada 79 alunos. A Segio Norte est quase despovoada de doutores e sua relao de um doutor para cada 164 estudantes matriculados. Tabela 4 Relao entre doutores e matrcula, por regio - Brasil 2004 e 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Os estados com a menor relao entre doutores e matrculas (melhor performance) e os que tm a relao mais alta (pior performance) esto arrolados na tabela 5. Nesta e, principalmente, na tabela 6, pode-se ver os dois plos da distribuio dos doutores no Brasil, com uma distncia intolervel entre um e outro.

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Tabela 5 - Estados com a mais baixa e a mais alta relao doutor matrcula - Brasil 2004 e 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Tabela 6 - Estados com o maior nmero de doutores e estados com o menor nmero - Brasil - 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Nacionalidade dos docentes da educao superior A maioria dos docentes que atuam no ensino superior brasileiro tem nacionalidade brasileira, isto , 227.522 sobre um total de 230.784, o que d um percentual de 98,6%. Esse nmero pode ser, entretanto, maior porque 1.128 docentes no declararam a sua nacionalidade. Else docentes tanto podem ser brasileiros quanto estrangeiros. Supondo que exista entre os docentes de nacionalidade no declarada a mesma relao que h entre os de nacionalidade declarada, teremos, mais de 99% de docentes brasileiros atuando no Brasil. Os que so de nacionalidade estrangeira declarada somam 2.134 (0,9%). Na tabela 7, mostro os dez pases de onde se originam os professores estrangeiros cujos nmeros so mais expressivos.

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Docncia na Educao Superior

Tabela 7 - Pases com maior nmero de professores atuando no Brasil - Brasil - 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Os professores estrangeiros esto situados preferencialmente na Regio Sudeste (1.058 ou 49,6%). Em seguida, vem a Sul (572 ou 26,8%). A Regio Nordeste ocupa o terceiro lugar da preferncia, com 241 professores (11,3%), depois a Regio Centro-Oeste (167 ou 7,8%) e, finalmente, a Regio Norte (96 ou 4,5%). Das dez nacionalidades elencadas na tabela 5, s a francesa e a uruguaia demonstram predileo pela Regio Sul; as demais, se radicaram preferencialmente na Regio Sudeste.

Vnculos institucionais dos docentes Dos 230.784 docentes que atuam na educao superior brasileira, 199.270 (86,3%) esto vinculados em apenas uma instituio. Os demais 31.514 (13,7%) tm dois ou mais vnculos institucionais. Esses desempenham, portanto, mais que uma funo docente. A tabela 8 mostra o quadro dos docentes com seus vnculos institucionais e as funes docentes da derivadas.

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Tabela 8 - Vinculao institucional dos docentes e funes docentes - Brasil - 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Segunda Parte: Funes DocentesFunes docentes por regio e titulao Apesar de haver entre o nmero de docentes e o nmero de funes docentes uma diferena substancial em termos absolutos, os percentuais de sua distribuio regional permanecem quase inalterados: Norte 5,2/ 5,2; Nordeste 16,8/16,7; Sudeste 48/48,8; Sul 21,1/20,5; CentroOeste 8,8/8,8). No que diz respeito titulao, nota-se um percentual ligeiramente superior das funes docentes exercidas por mestres (37,2%) em relao ao percentual de docentes mestres (35,0%); as funes docentes exercidas por doutores (21,9%) so percentualmente um pouco inferiores aos docentes doutores (22,7%). menor tambm o percentual de funes docentes exercidas por especialista (28,8%) no que se refere aos docentes especialistas (29,4%); igualmente, as funes docentes exercidas por graduados/outros (12,1) so ligeiramente inferiores ao percentual de docentes graduados/outros (12,9%). Isso mostra que os docentes que tm mais que um vnculo institucional so, preferencialmente, mestres. Ou dito de outra forma, as instituies preferem compartilhar (disputar) professores com o ttulo de mestre. Ver tabela 9 e compar-la com as tabelas 1 e 2.

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Tabela 9 - Funes docentes por regio e por titulao - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Funes docentes por categoria administrativa As funes docentes, sob o ponto de vista da categoria administrativa, apresentam-se conforme tabela 10 e grfico 5, percebe-se ento mais uma dimenso da disparidade existente no Brasil: os doutores concentramse nas instituies pblicas e todas as demais titulaes tm seu lcus preferencial de abrigo nas instituies privadas. Trata-se de um panorama gerado pela poltica educacional brasileira que incentivou a criao de pequenas instituies privadas para as quais no h exigncia legal de ndice mnimo de titulao. natural que, em um contexto de competio mercantil, as instituies privadas no universitrias contratem os profissionais menos onerosos, ou seja, sem titulao ou com baixa titulao; e as instituies privadas universitrias se contentem com mestres, pois a LDB no estabelece patamares mnimos de mestres e de doutores, mas de professores com ps-graduao stricto sensu. Quem est forando a entrada de doutores nas instituies privadas a poltica da Capes, em relao aos programas de ps-graduao, e no propriamente a LDB.

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Tabela 10 - Funes docentes por titulao, segundo a categoria administrativa - Brasil - 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Grfico 5 - Funes docentes por titulao, segundo a categoria administrativa (%) - Brasil 2005.1

Funes docentes por organizao acadmica Por organizao acadmica entende-se a classificao das instituies em universidades, centros universitrios, faculdades integradas, etc. A tabela 11 e o grfico 6 mostram como se distribuem as funes docentes pelas diferentes organizaes acadmicas.

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Tabela 11 - Funes Docentes por Organizao Acadmica Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Grfico 6 - Funes docentes por organizao acadmica (%) Brasil 2005.1

A distribuio das funes docentes por organizao acadmica guarda certa proporo com a distribuio das matrculas. Segundo o Censo da Educao Superior de 2004, as universidades concentram 56,9% das matrculas, os centros universitrios 14,8%, as faculdades integradas 4,8%, as faculdades, escolas e institutos superiores 21,7% e os centros de educao tecnolgica e faculdades de tecnologia 1,8%.

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Funes docentes por regime de trabalho A tabela 12 traz o quadro das funes docentes distribudas de acordo com o regime de trabalho e segundo a regio. O grfico 7 mostra a mesma distribuio em percentuais. Tabela 12: Funes docentes por regime de trabalho, segundo a regio - Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Grfico 7 Funes docentes por regime de trabalho segundo a regio (%) - Brasil 2005

Como a tabela e o grfico demonstram, a Regio Norte e a Regio Nordeste tm os maiores percentuais de professores com dedicao exclusiva, 25,1% e 26,9%, respectivamente, os quais as colocam acima

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da mdia nacional que de 16,9%; o Sudeste e o Sul apresentam os percentuais mais baixos (13,2% e 15,4%). A Regio Centro-Oeste, com 17% , est na linha da mdia nacional. Esse fenmeno explica-se por ser a dedicao exclusiva uma figura praticada predominantemente por instituies pblicas. Essas, por sua vez, ainda dominam o cenrio da educao superior no Norte e no Nordeste. No mais nas outras regies, onde a iniciativa privada se alastrou a passos largos. O percentual referente ao tempo integral basicamente o mesmo em todas a regies. A quantidade de professores horistas, o maior percentual e cada regio, com destaque para o Sudeste (51%) e Sul (44,5%), somada a de professores de tempo parcial, que o segundo maior percentual nas regies Sudeste, Sul e Centro-Oeste, indicam que o sistema de educao superior brasileiro assenta em contratos de trabalho relativamente precrios. Nada menos que 64,5% dos professores da educao superior so contratados como horistas e tempo parcial.

Funes docentes e o cumprimento da LDB A Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB), estabeleceu, no art. 52, incisos II e III, que as universidades, sendo instituies pluridisciplinares de formao dos quadros profissionais de nvel superior, de pesquisa, de extenso e de domnio e cultivo do saber humano, se caracterizam, entre outros aspectos, por ter um tero do corpo docente, pelo menos, com titulao acadmica de mestrado ou doutorado e um tero do corpo docente em regime de tempo integral. No art. 88, pargrafo 2, das disposies transitrias da mesma lei, fixa-se o prazo de oito anos para que os dispositivos supra fossem cumpridos. Desde dezembro de 2004, portanto, as universidades deveriam adotar o que determina a LDB. Pelos dados do Cadastro Nacional de Docentes 2005.1, nota-se que, no item titulao, h ainda algumas instituies que no cumprem a LDB. Mas o problema maior diz respeito ao item regime de tempo integral. Nesse aspecto, as instituies particulares apresentam um alto ndice de no cumprimento. As pblicas, com exceo de algumas instituies municipais e estaduais, seguem o dispositivo. As tabelas 13, 14, 15 e 16

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mostram a situao das universidades brasileiras em relao ao dispositivo legal supracitado.

Tabela 13 - Universidades privadas que cumprem e no cumprem o requisito de 1/3 de docentes com titulao de mestre e doutor, por Regio - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Tabela 14 - Universidades Pblicas que cumprem e que no cumprem o requisito de 1/3 de docentes com titulao de mestre e doutor, por Regio - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Tabela 15 - Universidades Privadas que cumprem e que no cumprem o requisito de 1/3 de contratao em Tempo Integral, por Regio - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

Tabela 16 - Universidades Pblicas que cumprem e que no cumprem o requisito de 1/3 de contratao em Tempo Integral, por Regio - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

O nmero de instituies pblicas e privadas que no cumprem o requisito legal correspondente titulao do seu quadro docente inexpressivo e, provavelmente, no aparecer na prxima coleta do Cadastro Nacional de Docentes, tendo em vista que se trata de um problema de fcil soluo. Algumas instituies, por certo, esto na situao de no cumprimento por algum descuido no preenchimento do cadastro. As instituies pblicas no tero dificuldade em ajustar, igualmente, o quesito tempo integral. No , entretanto, o que ocorre com as universidades privadas, pois, o universo que no cumprem chega a 75,6%. Muitas dessas instituies esto com nmeros de docentes

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contratados em tempo integral muito abaixo do exigido pela LDB, o que vai lhe demandar grande esforo para solucionar a questo. Os centros universitrios tambm tm exigncias legais em relao a um mnimo de docentes contratados em tempo integral. O Decreto n 4.914, de 11 de dezembro de 2003, determinou, no art. 2, que os centros universitrios devem, de acordo com a LDB, cumprir com a exigncia de ter um ndice de 33% dos docentes com contrato de tempo integral. Esse percentual deve ser alcanado da seguinte forma: I - quinze por cento, at dezembro de 2004; II - vinte por cento, at dezembro de 2005; III - trinta por cento, at dezembro de 2006; e IV - trinta e trs por cento, at dezembro de 2007. A tabela 17 apresenta a situao dos centros universitrios quanto ao cumprimento do disposto no inciso primeiro do artigo referido. Tabela 17 - Centros Universitrios que cumprem e que no cumprem o requisito de 15% de contratao em Tempo Integral, por Regio - Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

A mdia nacional de cumprimento do dispositivo do Decreto n 4.914 de 58,7%. O Nordeste a nica regio que cumpre integralmente a legislao; o Sul a que menos cumpre. Os centros universitrios tambm devero empenhar muito esforo para atender ao decreto, pois, at o fim de 2007, devero atingir o mnimo de 33% de docentes em tempo integral.

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Funes docentes e senioridade Senioridade o termo que designa o tempo de vinculao do docente instituio. Com vnculos estabelecidos no longo prazo, as instituies com percentuais elevados de professores costumam ter comunidades acadmicas organizadas, fortes e atuantes. Esse conceito indica tambm que h programas de pesquisa consolidados. Entretanto, instituies cujos professores tm poucos anos de casa, ou so instituies novas ou, sendo antigas, se caracterizam por alta rotatividade de pessoal. Nesse caso, estamos diante de instituies nas quais os processos propriamente acadmicos tm poucas chances de se concretizarem considerando que suas administraes se fixam mais atentamente em objetivos mercantis que nas atividades-fim da educao, que so o ensino, a pesquisa e a extenso. A tabela 18 e o grfico 8 mostram a distribuio das funes docentes do Brasil, segundo a senioridade. Tabela 18 - Funes docentes por tempo de servio, segundo a categoria administrativa - Brasil 2005.1

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Grfico 8 Funes docentes por tempo de servio, segundo, a categoria administrativa (%) - Brasil 2005

As instituies pblicas so as que tendem a fixar institucionalmente os professores por tempo mais longo. O grfico 8 mostra que 60,2% dos docentes da educao superior tm vnculo institucional recente (at cinco anos). Nas pblicas, os novos professores recentes atingem percentual de 35,9% e, nas privadas, a cifra de 72,1%. Nas pblicas, 47,4% dos professores tm vnculo de mais de dezanos; nas privadas, o ndice de 14,7%. Nas tabelas 19, 20, 21 e 22 e nos grficos 9,10,11 e 12, a distribuio do tempo de servio dos docentes est descriminada por titulao. Tabela 19 Funes docentes exercidas por doutores por tempo de servio, segundo a categoria administrativa - Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Grfico 9 Funes docentes exercidas por doutores por tempo de servio, segundo a categoria administrativa (%) - Brasil 2005

Tabela 20 Funes docentes exercidas por mestres por tempo de servio, segundo a categoria administrativa - Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Grfico 10 - Funes docentes exercidas por mestres por tempo de servio, segundo a categoria administrativa - Brasil 2005

Tabela 21 Funes docentes exercidas por especialistas por tempo de servio, segundo a categoria administrativa Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Grfico 11 Funes docentes exercidas por especialistas por tempo de servio, segundo a ategoria administrativa - Brasil 2005

Tabela 22 Funes docentes exercidas por graduados/outros por tempo de servio, segundo a categoria administrativa Brasil 2005

Fonte: MEC/Inep/Deaes.

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Grfico 12 Funes docentes exercidas por graduados/outros por tempo de servio, segundo a categoria administrativa Brasil 2005

Nas tabelas e grficos acima, pode-se ver que, enquanto no setor privado mais da metade das funes docentes exercidas por doutores, ps-doutores e livre-docentes (56,5%) tm de zero a cinco anos de atuao na instituio, no setor pblico este percentual baixa para 23%. Na faixa dos seis aos dez anos de vnculo, os percentuais entre instituies pblicas e privadas, aproximam-se de um patamar comum: 18,4%, nas pblicas, e 20,7%, nas privadas. A situao inverte-se, em relao primeira faixa, quando considerados os vnculos institucionais com mais de dez anos: no setor pblico, o percentual de 58,5% e, no setor privado, de 22,7%. As funes docentes exercidas por mestres que atuam no setor privado, da mesma forma que as dos doutores, tm majoritariamente (70,1%), no mximo, cinco anos de atuao na instituio. No setor pblico, esse percentual de 35,7. Com mais de dez de atuao, temos, no setor pblico, 43,5%, contra 14,4%, no setor privado. Mesmo entre as funes docentes exercidas por especialistas, percebese que o setor privado opera com corpo docente com pouco tempo de atuao na instituio (76,8%, tem at cinco anos de casa). Nas pblicas,

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esse percentual de 47,3%. Com mais de dez anos de casa, o setor privado tem 13,5% de seus especialistas; enquanto o setor pblico, 40,5%. Finalmente, em relao s funes docentes exercidas por professores com titulao at graduao, nas instituies pblicas, 67,2% esto na faixa de zero a cinco anos; nas instituies privadas, esse ndice de 81,1%. Nas instituies pblicas, 27,1% das funes docentes so exercidas por professores com titulao at graduao na faixa de 11 ou mais anos de vinculao; nas privadas, esse ndice de 10,9%.

Funes docentes: evoluo Segundo os dados do Censo da Educao Superior de 2001 e 2003 e os do Cadastro Nacional de Docentes de 2005.1, pode-se observar crescimento, lento mas constante, do percentual das funes docentes exercidas por doutores, conforme mostra o mapa 1.

Mapa 1 Evoluo do percentual das funes docentes exercidas

por doutores - Brasil 2001-2003-2005

De forma bem mais evidente, tambm se pode observar o crescimento constante das funes docentes exercidas por mestres.

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Mapa 2 Evoluo do percentual das funes docentes exercidas

por mestres - Brasil 2001-2003-2005

Em relao s funes docentes exercidas por especialistas, a situao inversa, como mostra o mapa 3.

Mapa 3 Involuo do percentual das funes docentes exercidas

por especialistas - Brasil 2001-2003-2005

Esses ndices sinalizam claramente que o sistema est se qualificando em um ritmo perceptvel, talvez no tanto quanto seria desejvel, mas, de qualquer forma importante.

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ConclusoOs dados apresentados neste texto sugerem que a situao do docente na educao superior brasileira configura um quadro diversificado e, de certa forma, indefinido. A diversidade est na titulao, no regime de trabalho, na distribuio regional, nas vinculaes institucionais (organizao acadmica e categoria administrativa), na senioridade, e at na nacionalidade. Nesse campo, a nacionalidade brasileira ocupa o lugar de absoluta hegemonia. A diversidade pode significar muitos aspectos, at mesmo fragilidade e deficincia, que , parece-me, o que melhor qualifica o caso em anlise. Em termos de titulao, temos desde professores sem graduao at ps-doutores e livre-docentes. O elemento promissor a esse respeito que est aumentando os nmeros e os percentuais de docentes com alta titulao e diminuindo os de baixa titulao. A ampliao e descentralizao dos programas de ps-graduao stricto sensu, por um lado, e o estmulo financeiro e de reconhecimento social, por outro, fizeram com que muitos professores, em poucos anos, obtivessem ttulos de mestre e/ou doutor. No que se pode aproximar qualificao de titulao, cabe afirmar que o quadro docente brasileiro est se qualificando. Temos mais de 57% de professores com titulao mnima de mestre. Infelizmente, a distribuio dos professores qualificados, seja em termos regionais, seja em termos institucionais, marcada por grandes discrepncias. O empenho em qualificao no veio, entretanto, acompanhado do elemento mais importante de sua contrapartida, que a fixao institucional do professor e a criao de condies adequadas de trabalho acadmico. Os ndices de 64,5% de professores contratados como horistas e profissionais de tempo parcial e de 60,2% de professores com vnculo recente, menos de cinco anos, mostram que esses docentes no so inseridos em comunidades acadmicas plenas, com participao no ensino, na pesquisa, na extenso e nas decises a respeito dos destinos da instituio e da educao. Essa tese confirmada, at mesmo, pelo fato de que as instituies universitrias privadas e os centros universitrios terem demonstrado grande dificuldade em manter 33% do quadro docente

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com contrato de tempo integral, como revelou o Cadastro Nacional de Docentes. Com efeito, 75,6% das universidades privadas e 41,3% dos centros universitrios no cumprem, a esse respeito, as exigncias do inciso II do art. 52 da LDB e do art. 2 do Decreto n 4.914. provvel que o agressivo jogo do mercado educacional crie ainda outros problemas para os docentes brasileiros. Na sensvel crise financeira das instituies privadas, esto sendo emitidos sinais inequvocos de que os bons nveis salariais do setor privado, praticados, comearo a despencar de forma generalizada. Os impactos que isso ter sobre o sistema da educao superior brasileiro so difceis de prever, mas certo que no sero pequenos e nem localizados.

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PEDAGOGIA UNIVERSITRIA: ENTRE A CONVERGNCIA E A DIVERGNCIA NA BUSCA DO ALOMORFISMO UNIVERSITRIOMarlia Costa Morosini* Lcio Morosini**

O texto analisa a pedagogia universitria, compreendendo-a mais alm da relao ensino-aprendizagem institucional, como um processo que, voltado s relaes institucionais, no deixa de considerar a insero dessas no espao macrossocial. Adotando tal postura vai mais alm daquela, que nos efeitos da globalizao sobre a mudana organizacional, aposta na tese da convergncia (isomrfica), que enfatiza o processo de homogeneizao de tais efeitos e a tese da divergncia (idiossincrtica) que enfatiza o processo de respostas globalizao como diferente, pluralstico e localizado. Para atender esses objetivos, os autores, metodologicamente, apropriam-se de conceitos da obra Enciclopdia de Pedagogia Universitria EPU e conversam com os mesmos. Este estudo ainda reflete sobre o mundo transnacional, a gesto da educao superior marcada pelo controle estatal, a gesto institucional e a pedagogia universitria transformadora, na perspectiva da formao do professor e da avaliao institucional. O texto analisa algumas consideraes quanto aos desafios a serem enfrentados, ressaltando que a perspectiva do alomorfismo, alm da mudana organizacional inerente, se transformador for, no pode estar alijado de um carter de inovao com apoio sciohistrico.*

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Doutora em Educao/Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ps-doutora no Tereza Losano Long Institute of Latin America Studies (LLILAS)/Universidade do Texas, pesquisadora 1 CNPq, coordenadora da Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educao Superior (Ries), Ncleo de Excelncia em Cincia, Tecnologia e Inovao, Fapergs/CNPq, coordenadora da Rede Universitas/Anped e professora da PUCRS. E-mail: [email protected] Mestre em Administrao/UFRGS, professor da PUCRS. E-mail: [email protected]. Algumas discusses sobre a temtica foram realizadas no Seminrio Internacional de Educao/ Unisinos, 2005.

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A partir da dcada de 1990, a universidade, uma das instituies mais antigas do mundo e que perdura desde o perodo medieval, passa a sofrer fortes presses por mudanas, orquestradas por organismos internacionais. Rompem-se as fronteiras geopolticas e instauram-se estratgias de mercado, nas polticas pblicas, na gesto e na prtica pedaggica universitria (tese da convergncia). No plo oposto, surge a tese da divergncia (idiossincrtica) que enfatiza o processo de respostas globalizao como diferente, pluralstico e localizado. Nem tanto ao cu, nem tanto a terra, j afirma o bom-senso do senso comum. Diante da transnacionalizao a receitas do Banco Mundial, ao modelo de uma universidade sustentvel, heternoma e competitiva, nos questionamos sobre as potencialidades de manter viva uma instituio universitria, que seja transformadora e no redutvel a um modelo nico internacionalizado. Em ltima anlise, uma instituio em que o alomorfismo predomine. A proposio para buscar atender uma universidade com tal estatuto a fortificao do local, em todos os nveis, acirrando esse posicionamento nos espaos de maior poder do professorado: o caso da prtica profissional pedaggica. Entende-se, esclarecendo o conceito, por epistemologia da prtica profissional o conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espao de trabalho cotidiano para desempenhar as suas tarefas (TARDIF, 2000, p.10). Assim, o cerne da proposta est alocado na pedagogia universitria, compreendendo-a mais alm da relao ensinoaprendizagem institucional, como um processo que, voltado s questes institucionais, no deixa de considerar a insero dessas no espao macrossocial (VAIRA, 2004). Para atender os objetivos deste texto, metodologicamente, nos apropriamos de verbetes publicados na Enciclopdia de Pedagogia Universitria EPU1 (MOROSINI et al., 2003) e conversamos com os mesmos.1

A Enciclopdia da Pedagogia Universitria EPU congrega trabalhos de pesquisadores da Ries (http://www.pucrs.br/faced/pos/universitas), os quais esto voltados ao estudo da educao superior como rea de produo de pesquisa e de ensino. A obra, publicada pela Fapergs/Ries, em 2003, constitui-se pelos seguintes tpicos: pedagogia universitria em instituies de educao superior, pedagogia universitria num mundo global e Glossrio. Neste terceiro tpico, apresentado um conjunto

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Docncia na Educao Superior

Este estudo ainda reflete sobre o mundo transnacional, a gesto da educao superior marcada pelo controle estatal, a gesto institucional e a pedagogia universitria integradora na perspectiva da formao do professor e da avaliao institucional. O texto analisa algumas consideraes quanto aos desafios a serem enfrentados.

O MundoTransnacionalA ordem econmica contempornea est assentada na globalizao, com forte tendncia transnacionalizao. Esses ordenamentos internacionais afetam a relao estadouniversidade e a presena do estado avaliador faz-se presente (NEAVE, 1999). Escritos sobre essa relao so apresentados por Dale (1999), Afonso (2000), entre outros autores, na lgica da crise do Estado proposta por Boaventura dos Santos (2004). Essa perspectiva globalizada estende-se educao e, no campo do conhecimento, as teorias ps-modernas sobre a universidade passam a ser difundidas e afirmam que a sociedade de hoje transformou-se. Vivemos em uma era da informao na qual o conhecimento fragmentado por sua instrumentalizao e por sua concepo como comodities. No perodo histrico-social anterior, a essncia da universidade era a construo da narrativa totalizante, tornando-se a instituio irrelevante para as demandas polticas e culturais da condio psmoderna. reconhecido, por um lado, o declnio do monoplio do conhecimento na universidade e em suas antigas funes e, por outro lado, a existncia, hoje, de uma diversidade de modelos de universidades e tipos de conhecimento. A universidade ps-moderna (DELANTY, 2001) contesta o conhecimento global e reconhece a emergncia de conhecimentos locais. Existem muitos tipos de conhecimento e umde verbetes, em torno de 200, referente educao e pedagogia universitria. Os verbete agrupados em grandes temas, a saber: teoria e histria da educao superior; internacionalizao da educao superior; polticas pblicas da educao superior; gesto da educao superior; formao docente e educao superior; estudante do ensino superior; currculo e prtica pedaggica universitria; profisso/trabalho docente; e avaliao da educao superior. O glossrio tambm apresenta relao da legislao brasileira ligada pedagogia universitria

Pedagogia Universitria: entre a convergncia e a divergncia na busca do Alomorfismo Universitrio

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crescente ceticismo sobre a afirmao de universalismo construdo sobre valores da racionalidade cognitiva (MOROSINI, 2003). Nessa transio entre o moderno e o ps-moderno, paralelo a desreferencializao do conhecimento trazido pela ps-modernidade, os pases desenvolvidos propem como modelo, alm da universidade empreendedora,2 a universidade sustentvel, organizao que busca fortificar elementos institucionais mantenedores da transformao, paralelo a novas mudanas: diversificao da base financeira; fortificao do centro diretivo; expanso do desenvolvimento perifrico; estmulo comunidade acadmica; e integrao da cultura empreendedora.[...] as universidades podem se autotransformar para um carter altamente pr-ativo e, amplamente, sobre o seu controle. Realizam tal empreendimento construindo um estado constante de orientao para a mudana. Tal organizao est fundada nas capacidades de autoadaptao e de adaptao a uma sociedade em mudana. O desenvolvimento de capacidades para a mudana significa o cerne para uma performance de sucesso (CLARK, 2002, p. 23).

Anteriormente, em 1994, o Banco Mundial ensinava lies aos pases subdesenvolvidos, como a reduo do papel do Estado na universidade e a diversificao, privatizao e busca da qualidade universitria. Agora, a caminhada atinge um outro patamar, a universidade sustentvel.

A Gesto da Educao SuperiorA partir de dezembro de 1996, no Brasil, com a promulgao da Lei Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), uma transformao significativa na educao superior instaura-se. O sistema que at ento se caracterizava pelo forte papel do Estado na sua sustentao, seguindo os ditames internacionais, passa a ter uma expanso desordenada, uma diversificao de tipos de instituies de educao superior e de tipos2

Clark (2002), define a universidade empreendedora como aquela organizao que corre riscos, busca inovaes, enfrenta seus assuntos internos, promove mudanas sustentveis e ator de seu desenvolvimento.

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Docncia na Educao Superior

de cursos, uma reduo do papel do Estado uma privatizao e orientase por uma avaliao em todos os nveis a partir de critrios de qualidade. Nesse contexto, a gesto da educao superior, seja em nvel de sistema ou institucional, tambm altera-se. A gesto da educao superior compreendida como:formas relacionais no plano de concepes (documentos) e/ou de prticas que expressam processos de tomada de deciso e de desenvolvimento de aes institucionais reveladores da racionalidade prevalente. Tm subjacente uma concepo de universidade e sua(s) finalidade(s), englobando premissas sobre pesquisa/ensino/extenso e princpios organizativos (FRANCO, 2003).

A gesto da educao superior expressa, assim, processos decisrios e relaes em mbito local, regional, nacional e internacional entre seus elementos componentes (unidades, setores, corpo docente, discente e funcional), com a sociedade e seus interlocutores do mundo empresarial e de organismos da sociedade civil e com rgos governamentais. A gesto universitria tem sido marcada, a partir da ltima dcada, pela forte influncia do mercado e da globalizao e por tentativas frgeis de relaes com o terceiro setor. Assim, ressaltada a existncia de fortes tenses na concepo de universidade. A Enciclopdia de Pedagogia Universitria registra que a universidade brasileira apresentauma contraditria superposio de modelos universitrios, e, ao mesmo tempo, o trnsito para uma universidade pblica e privada neoprofissional, heternoma e competitiva 3 (SGUISSARDi, 2003).

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Pressupe o princpio da homogeneidade legal, da igualdade de oportunidades ao emprego pblico, concesso do estado. Cabe ao estado assumir o controle das instituies, dos currculos em sua abrangncia nacional, garantindo o conhecimento utilitrio e a homogeneidade do sistema, garantindo a competncia mnima do corpo docente e dos graus e ttulos acadmicos. O estado tem a legitimidade para, de forma centralizada, ditar as leis maiores, os decretos e a legislao complementar, implementar os servios das agncias burocrticas que fiscalizam o cumprimento das legislaes. Eventualmente pode integrar tais prioridades s polticas pblicas de educao e aos planos de governo. (Neave and Van Vught, 1994; Leite, 2002 a).

Pedagogia Universitria: entre a convergncia e a divergncia na busca do Alomorfismo Universitrio

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A GESTO EM NVEL DE SISTEMA O CONTROLE ESTATALA partir da dcada de 1990, um forte controle estatal sobre a educao superior faz-se sentir, apresentando caractersticas de modelos autoritrios, seja da avaliao como modelo de controle das universidades pelo Estado,4 ou avaliao como modelo de superviso das universidades pelo Estado.5 O aparato burocrtico existente se aprimora e se expande. Cria-se um sistema nacional de avaliao da educao superior: conjunto de processos de avaliao, integrado por: a) censo da educao superior; b) avaliao institucional; c) Exame Nacional de Cursos (ENC)/Provo; d) avaliao das condies de ensino, que so realizadas pelo Inep; e e) a avaliao da ps-graduao, feita pela Capes. O Estado, utilizando a mesma lgica j em ao em outros processos, como a avaliao da Capes, busca a legitimao do controle avaliativo com a incluso de membros da comunidade cientfica no processo. o caso da incluso da avaliao do ensino superior, que abarca a Avaliao das Condies de Ensino (ACE), por uma Comisso de Especialistas (CEE), e outros mecanismos. Com a posse do governo popular, em 2002, algumas medidas so tomadas no processo avaliativo estatal. criado o Sistema Nacional de4

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Pressupe o princpio da homogeneidade legal, da igualdade de oportunidades ao emprego pblico, concesso do Estado. Cabe ao Estado assumir o controle das instituies, dos currculos em sua abrangncia nacional, garantindo o conhecimento utilitrio e a homogeneidade do sistema, assegurando a competncia mnima do corpo docente e dos graus e ttulos acadmicos. O Estado tem a legitimidade para, de forma centralizada, ditar as leis maiores, os decretos e a legislao complementar, implementar os servios das agncias burocrticas que fiscalizam o cumprimento das legislaes. Eventualmente, pode integrar tais prioridades s polticas pblicas de educao e aos planos de governo (NEAVE; VAN VUGHT, 1994; LEITE, 2002a). Como elemento para a diversificao das instituies, obedece ao princpio da diversidade e da aceitao do mercado. Nesse modelo, o Estado tem uma participao mais distante, at certo ponto respeitando a autonomia das universidades e visando modernizao da economia. A atividade de superviso estabelece-se fundamentalmente pela capacidade de avaliao da performance das instituies. Ao Estado cabe fixar os parmetros da qualidade presumida das instituies. Essa seria a figura do Estado avaliador, mais supervisor que controlador detalhista. Um estado mais voltado para a articulao poltica, usando a avaliao de resultados, a sano, premiao como estmulo, em lugar do controle a priori (NEAVE; VAN VUGHT, 1994; LEITE, 2002a)

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Avaliao da Educao Superior (Sinaes), que tem como objetivos a melhoria da qualidade na educao superior e a orientao da expanso, respeitando a diversidade, a autonomia e a identidade das instituies. Sua coordenao realizada pela Comisso Nacional de Avaliao da Educao Superior (Conaes), cujo rgo executor o Inep. Esse sistema avaliativo est apoiado em trs pilares: avaliao das instituies, dos cursos e do desempenho dos estudantes. Paralelamente, aprova-se, em 2005, o quarto Plano Nacional de Psgraduao (PNPG), 6 inicia-se a implantao de algumas medidas de cunho social, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) 7 e instaura-se uma proposta de reforma universitria (projeto encaminhado ao Legislativo), que tem como pontos polmicos: na perspectiva da incluso social, a questo das cotas para minorias tnicas e sociais e a questo da assistncia estudantil, com a instituio do primeiro emprego acadmico, da loteria federal para carentes e da bolsa permanncia; na perspectiva da universidade como instituio nacional, a participao do capital estrangeiro na universidade privada e o financiamento das IES pblicas; na perspectiva da gesto institucional, a questo da autonomia, acompanhada pela implantao do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), a escolha do reitor, a regulao das fundaes de apoio e a instituio de um conselho comunitrio. Tambm est sendo proposto nessa reforma universitria a criao do sistema federal de educao superior.6

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Prope-se o crescimento do sistema como um todo e sugerem-se modelos alternativos e aes que atendam s necessidades regionais, considerando o planejamento estratgico do pas. So discutidos novos modelos e polticas de cooperao internacional visando ao aprimoramento do sistema. Reafirma-se que a avaliao deve ter base na qualidade e excelncia dos resultados, na especificidade das reas de conhecimento e no impacto desses resultados na comunidade acadmica e empresarial e na sociedade. Bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais (meia-bolsa) para cursos de graduao e seqncias de formao especfica, em instituies privadas de ensino superior, com ou sem fins lucrativos. Tem como critrios a participao no Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem), renda familiar per capita de at trs salrios mnimos e ter cursado o ensino mdio completo em escola pblica ou em instituio privada com bolsa integral, ou ser portador de necessidades especiais, ou atuar como professor da rede pblica de educao bsica, no efetivo exerccio do magistrio e integrando o quadro de pessoal permanente da instituio, desde que esteja buscando vaga em curso de licenciatura ou de Pedagogia. Nesse caso, a apresentao de renda familiar per capita de at trs salrios mnimos no necessria.

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A Gesto Institucional SustentvelA gesto da educao superior ocorre tambm no plano das instituies de ensino superior. Essas no esto isoladas das presses nacional e internacional. Nesse contexto, os efeitos da globalizao sobre a mudana organizacional so considerados de larga extenso e ambguos e podem ser identificados segundo duas interpretaes opostas: a tese da convergncia (isomrfica), que enfatiza o processo de homogeneizao dos efeitos e a tese da divergncia (idiossincrtica), que enfatiza o processo de respostas globalizao como diferente, pluralstico e localizado. Vaira (2004) prope uma terceira possibilidade: o alomorfismo organizacional, que integra as perspectivas anteriores e interpreta a mudana como dinmica. Reconhece que apesar das organizaes adaptarem padres institucionais diante de suas estruturas formais e nveis de organizao, bem como ao seu contexto social, possvel identificar um conjunto comum de padres institucionais ou de arqutipos institucionais, que estruturam a organizao institucional e seus comportamentos. Assim, a tese da divergncia dos efeitos da globalizao sobre a organizao,8 tambm denominada de alomorfismo organizacional da educao superior, definida como a perspectiva que, situada entre a macro- estrutural (novo institucionalismo e mudana isomrfica) e a microanlise (mudana estratgica, teoria da translao e mudana polimrfica), oferece um quadro sinttico da mudana organizacional universitria que ocorre em face da presso macroestrutural e capacidades do local (nacional e organizacional) para se adaptar e ajustar aos imperativos e arqutipos do global (VAIRA, 2004).

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As polticas nacional e local, econmica e cultural traduzem e reformam as tendncias globais em face de suas culturas, histrias, necessidades, prticas e estruturas institucionais. O local caracterizado por divergncias e heterogeneidade inter e entre naes; o processo de localizao est ocorrendo tanto nos setores da educao superior como nas instituies como um todo; o papel das polticas nacionais visto ainda como relevante para a organizao e formatao dos setores da educao superior de acordo com as necessidades sociais, econmicas e da cultura nacional; tambm caracterizado por exigncias advindas da herana do passado.

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As instituies sofrem fortes presses para atingirem a sua misso ao mesmo tempo em que sejam empreendedoras e promovam a mudana inovadora que as garanta como sustentveis.

A Pedagogia Universitria IntegradoraParalelo aos ditames dos organismos multilaterais, dos quais o mais diretamente ligado educao o Banco Mundial, a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (Unesco) (1999) destaca a importncia do professor para o processo de ensinoaprendizagem e estabelece como eixos norteadores da educao no sculo XXI o aprender a conhecer (cultura geral que possibilite a insero em um universo em transformao e a ampliao de possibilidades); o aprender a fazer (desenvolvimento da formao profissional); o aprender a conviver (uma educao aberta ao dilogo e ao partilhamento de idias e vivncias comuns); e o aprender a ser (comportamento justo e responsvel). No campo da concepo integradora, a pedagogia universitria entendida em uma postura mais alm que as concepes de didtica e envolveo docente como intelectual pblico, um protagonista do ato pedaggico e formativo que coloca nas questes sociais e polticas a nfase de seu trabalho, tornando pblicos novos referenciais na perspectiva da tica e da emancipao humanas; o conhecimento social, um conceito que engloba e reconfigura saberes cientficos, da academia, com saberes do cotidiano, das pessoas, que se constri atravs de aproximaes sucessivas entre prtica e teoria, entre conhecimento vivo e conhecimento morto, resgatando o humano da relao educativa; a inovao pedaggica, uma ao criadora de rompimento com os paradigmas tradicionais vigentes no ensino e na pesquisa, ou uma ao situada no patamar da transio paradigmtica, com reconfigurao de saberes e poderes; a avaliao institucional, um organizador qualificado que permite repensar pontos fortes e fracos da instituio, mostrando a qualidade da diferena e a diferena desta qualidade para a construo de um projeto poltico-pedaggico integrador para

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o seu desenvolvimento; as novas tecnologias da comunicao e da informao, uma tcnica e uma possibilidade articuladora para a constituio de teias de conhecimento, de redes interativas que caracterizam pedagogias inovadoras presenciais e no presenciais, visveis e no visveis [...](LEITE, 2000).

Nessa concepo de pedagogia universitria, a prtica pedaggica no reduzida questo didtica ou s metodologias de estudar e de aprender, mas articulada a uma educao como prtica social e ao conhecimento como produo histrico e cultural, datado e situado, em uma relao dialtica e tensionada entre prtica-teoria-prtica, contedo-forma, sujeitos-saberes-experincias e perspectivas interdisciplinares (FERNANDES, 1999). Para auxiliar nessa prtica pedaggica democrtica, a prpria legislao prev, em mbito escolar, uma gesto compartilhada, que tem entre suas estratgias principais o Projeto Poltico-Pedaggico (PPP). Grillo (2003) conceitua o projeto poltico-pedaggico como o documento sempre provisrio que afirma publicamente aquilo em que acredita uma determinada comunidade educativa e que procura fundamentar uma prtica pedaggica concreta. Origina-se em um processo participativo de construo de significados, no esforo de definir e configurar uma nova identidade instituio. Tem implcita a utopia como impulsionadora de uma coletividade em busca do novo e do desejado, constituindo a essncia de uma prtica vivida, em um dado espao e tempo histrico-cultural. A autora ainda complementa que o PPP traduz, ao mesmo tempo, a inteno do que se pretende realizar projees, inovaes, mudanas e rupturas e, principalmente, coragem e ousadia para prop-las. Exige a construo de um processo participativo com a busca de adeso voluntria daqueles que contribuem com conhecimentos prprios e como protagonistas capazes de discutir, refletir e propor decises. Isso significa que toda a construo, a execuo e a avaliao do projeto sustentam-se na participao responsvel. Enfim, uma prtica que no fique limitada a um modelo aplicacionista do conhecimento, idealizado segundo uma lgica disciplinar, sem lgica

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profissional, em uma relao sujeitoobjeto que no executa um trabalho profundo sobre os filtros cognitivos, sociais e afetivos, pelos quais os futuros professores recebem e processam essas informaes (TARDIF, 2000). Nessa noo de pedagogia universitria transformadora, a figura docente fundamental. Um docente que realize uma prtica do dilogo entre professor e aluno. O dilogo sela o ato de aprender que nunca individual, embora tenha uma dimenso individual. O dilogo , em si, criativo e re-criativo (FREIRE; SHOR, 1987, p. 13-14). Entretanto, o exerccio do dilogo enfrenta inmeros desafios entre os quais se destaca a prpria caracterstica que a profisso docente est marcada hoje: a solido pedaggica, conceituada como o sentimento de desamparo dos professores diante da ausncia de interlocuo e de conhecimentos pedaggicos compartilhados para o enfrentamento do ato educativo. Os professores ingressam no ensino superior, passando a exercer a docncia respaldados apenas em pendores naturais, saberes advindos do senso comum da prtica educativa e na experincia passada com alunos do ensino superior. Assumem, desde o incio da carreira, inteira responsabilidade de ctedra, sem contar com o apoio de professores mais experientes e espaos institucionais voltados para a construo conjunta dos conhecimentos relativos a ser professor (ISAIA, 1992, 2002a). Autores como Tardif registram tambm como desafio a profissionalizao da educao, renovao dos fundamentos epistemolgicos do ofcio de professor, buscando conferir-lhe o estatuto de profisso, a superao da crise geral do profissionalismo. Essa crise tem como causa: crise da percia profissional, que a dos conhecimentos, das estratgias e das tcnicas profissionais por meio das quais certas profisses procuram solucionar situaes problemticas concretas. A ausncia de referncias comuns gerou a impresso de que a profisso no dispe de um repertrio de saberes estvel, codificado, consensual e portador de imputabilidade; crise da formao profissional, isto , grande insatisfao quanto formao oferecida nas faculdades e institutos profissionais, dominados por culturas disciplinares e por imperativos da

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produo de conhecimentos e no assentados na realidade do mundo do trabalho profissional; crise do poder profissional, que mostra que tanto o poltico como o poder de competncia refere-se perda de confiana que o pblico e os clientes depositam no profissional; crise da tica profissional, que a dos valores que guiam os profissionais e que no tm princpios claros, regulares e consensuais; crise do professorado, que estabelece a situao marcada pela ambigidade do trabalho docente, apresentando-se como um movimento pendular entre profissionalismo e proletarizao; falta de reconhecimento social do professor na sociedade contempornea, fonte de mal-estar entre os docentes; perda do controle de suas qualificaes; ausncia de sentimento de pertena a uma categoria profissional; e polissemia do termo formao do professor. Mas como o docente constri os seus saberes, ou seja, o conjunto de conhecimentos, habilidades, competncias e percepes que compem a capacitao do sujeito para um tipo de atividade profissional. Na afirmao de Tardif (2000), so plurais e heterogneos, constitudos processualmente na existncia das pessoas. No caso dos professores, os saberes docentes so as matrizes para o entendimento das suas capacidades de ensinar e aprender. Para Oliveira (2003), so todos os saberes construdos pelos professores nos diferentes espaos de vida e de atuao. So os saberes acionados nos espaos cotidianos de trabalho, muitos deles construdos no prprio tempo/ espao de atuao do professor. Incluem os experienciais, os acadmicos, os profissionais, os curriculares, os saberes disciplinares, entre outros, passveis de sistematizao, produtos das culturas docentes (CUNHA, 1999). Os autores do campo da formao de professores afirmam que, para a construo dos saberes, o processo de desconstruo da experincia, ou seja, o decompor a histria de vida identificando as mediaes fundamentais, para recompor uma ao educativa e profissional conseqente e fundamentada, necessrio. Os sujeitos professores s alteram suas prticas quando so capazes de refletir sobre si e sobre sua formao. Exige dos homens, como explica Freire (1987, p. 100), uma arqueologia da conscincia, por meio do esforo que eles podem, em

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certo sentido, refazer caminhos que levam a processos emancipatrios (CUNHA, 1999). Nesse contexto de aceite da concepo de saberes, de negao do processo de formao de professores, intitulado de modelo aplicacionista do conhecimento, busca-se o modelo da prtica profissional na formao de professores. Esse um modelo epistemolgico com base em uma ideologia que engloba os conhecimentos, as competncias, as habilidades (ou aptides) e as atitudes, isto , aquilo que muitas vezes chamado de saber, saber-fazer e saber-ser. Essa prtica procura revelar tais saberes, compreender como so integrados concretamente nas tarefas dos profissionais e como estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam e transformam em razo dos limites e dos recursos inerentes s suas atividades de trabalho. Compreende tambm a natureza desses saberes, assim como o papel que desempenham tanto no processo de trabalho docente quanto em relao identidade profissional dos professores (TARDIF, 2000).

Desafios para o AlomorfismoO alomorfismo, alm da mudana organizacional inerente, se transformador for, no pode estar alijado de um carter inovador. Mas uma inovao no restrita a um repaginamento, palavra neologista que significa um maquiagem em velhas formas, mas uma inovao compreendida em uma perspectiva histrica social marcada por atitude epistemolgica do conhecimento para alm das regularidades propostas pela modernidade e caracterizado por experincias que so marcadas por ruptura com a forma tradicional de ensinar e aprender e/ou com os procedimentos acadmicos inspirados nos princpios positivistas da cincia moderna; gesto participativa, em que os sujeitos do processo inovador sejam os protagnicos da experincia; reconfiguraes dos saberes anulando ou diminuindo as dualidades entre saber cientficosaber popular, cinciacultura, educaotrabalho, etc.; reorganizao da relao teoriaprtica, rompendo com a dicotimizao; e perspectiva orgnica

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no processo de concepo, desenvolvimento e avaliao da experincia desenvolvida (CUNHA,1999). E, principalmente, buscar alcanar uma concepo de pedagogia universitria integradora, ou seja, aquela postura que procura aglutinar as funes acadmicas de ensino, pesquisa e extenso, respeitando os princpios de cada. Essa inovao (LUCARELLI, 2000) pretende alcanar um processo avaliativo plurirreferencial, complexo, polissmico, com mltiplas e heterogneas referncias9 e uma avaliao como modelo de ao contrahegemnica ou de responsabilidade democrtica, como prope Leite, isto , um processo de anlise, estimativa ou juzo de valor, mediante o qual se procuram qualificar as atividades universitrias de modo sistemtico e rigoroso com vistas sua transformao e autosustentabilidade.10

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No uma simples disciplina, com contedos delimitados e modelos independentes. um campo de conhecimento cujo domnio disputado por diversas disciplinas e prticas sociais de distintos lugares acadmicos, polticos e sociais. Necessita de uma pluralidade de enfoques e a cooperao ou a concorrncia de diversos ramos de conhecimentos e metodologias de vrias reas, no somente para que seja entendida ou reconhecida intelectualmente, mas tambm para poder ela prpria se exercitar concretamente de modo fundamentado. No sendo monorreferencial, expressa-se de diferentes modos e constitui distintos modelos. A avaliao deve ser entendida em seu funcionamento scio-histrico (DIAS SOBRINHO, 2002). 10 Como instrumento de responsabilidade democrtica, a avaliao tambm um instrumento poltico, que atende s necessidades endgenas da instituio e s necessidades exgenas, em que se buscam novos mecanismos de relao universidade sociedade; universidade governo setor pblico, por meio de um processo sustentado de reformas. A universidade assume uma posio antecipatria, na medida em que realiza a avaliao institucional sem a solicitao do Estado, no solicita fundos pblicos especiais para essa iniciativa e no contrai emprstimos de rgos financeiros internacionais para realiz-la (LEITE, 2002a).

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DESAFIOS

DOCNCIA SUPERIOR:

PRESSUPOSTOS A

CONSIDERAR

Silvia Maria de Aguiar Isaia*

ApresentaoEste artigo mostra que a docncia superior um processo complexo que se constri ao longo da trajetria docente e que esta envolve, de forma intrinsecamente relacionada, a dimenso pessoal, a profissional e a institucional. Na tessitura das trs, d-se a constituio do ser professor. Assim, as pressuposies que perpassam o texto partem da concepo de que o professor um ser unitrio, entretecido pelo percurso pessoal (ciclo vital), pelo profissional (os vrios caminhos construdos pela profisso) e pelo institucional (os diversos contextos em que atua ou atuou). Em razo disso, a compreenso que se tem de seu processo formativo envolve o entendimento de que ele de natureza social, pois os professores se constituem como tal em atividades interpessoais, seja em seu perodo de preparao, seja ao longo da carreira, em uma ou em diferentes IES. Os esforos que eles realizam para aquisio, desenvolvimento e aperfeioamento de competncias profissionais subentendem um grupo interagindo, centrado em interesses e necessidades comuns, em um contexto institucional concreto. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de estudos que levem em conta a trajetria vivencial dos professores e o modo como eles articulam o pessoal, o profissional e o institucional e, conseqentemente, como vo se (trans)formando, no decorrer do tempo.*

Professora doutora em Cincias Humanas pela UFRGS, professora do programa de ps-graduao em Educao da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), professora pesquisadora do Centro Universitrio Franciscano (Unifra) e pesquisadora CNPq.

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A estrutura deste texto organiza-se a partir de fios tericos e investigativos que do consistncia discusso realizada e contemplam pressupostos relativos realidade da docncia e suas conseqncias; compreenso do processo de formao docente; construo de concepes e como essas podem orientar os diferentes modos de viver a docncia e entend-la; por fim, s situaes enfrentadas pelos professores e pelas IES em que esto inseridos. Todo esses setores esto interrelacionados e, por uma questo didtica, so enunciados separadamente. Portanto, os desafios da docncia superior decorrem de sua complexidade e da multiplicidade de questes/pressupostos que a constituem.

Realidade da DocnciaQuando se busca entender a docncia superior e o papel dos docentes, necessrio, como afirma Zabalza (2004), levar em considerao as transformaes pelas quais o cenrio universitrio est passando, em razo das mudanas do mundo contemporneo. Entre as mais significativas, notam-se: de um bem cultural, a universidade passou a ser um bem econmico; de um lugar reservado a poucos, tornou-se um lugar para o maior nmero possvel de pessoas; de um bem direcionado ao aprimoramento de indivduos, tornou-se um bem cujo beneficirio o conjunto da sociedade; e, ainda, transformou-se em mais um recurso do desenvolvimento social e econmico dos pases, submetendo-se s mesmas leis polticas e econmicas; faz parte das dinmicas sociais e est sujeita aos mesmos processos e s mesmas incertezas do mbito poltico, econmico ou cultural que afetam todas as instituies sociais. A partir de ento, possvel questionar: em razo dessas transformaes, como fica o exerccio da docncia? Os professores apresentam condies formativas para enfrentar as novas demandas que a sociedade impe universidade? Esta ltima, por sua vez, em termos de organizao estrutural, de recursos humanos e financeiros est preparada para enfrentar as demandas? Como considerar de forma

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integrada as peculiaridades e as necessidades oriundas das instituies e dos professores que nela labutam? Como coordenar as polticas da educao superior e os mecanismos de controle interno e externo, vinculados principalmente s polticas de financiamento? O que prioritrio para o docente emdecorrncia de tais polticas? A produo pode se compor como acadmico-cientfica e tambm como pedaggica? Qual o novo conceito de formao que est sendo gerado? O professor est consciente de que sua funo como formador apenas uma das dimenses de uma formao que se constitui como permanente? Quanto a sua prpria formao, ela vista por ele como um processo? Por que tantos docentes confundem formao com aquela oferecida, estrito senso, nos bancos acadmicos, seja na graduao seja na ps-graduao? Como fica a relao entre conhecimento especfico e pedaggico? Essas so questes que precisam estar presentes quando se discute a realidade da docncia. Ao se levar em conta de pesquisa de Isaia, 1992 (2001, 2002, 2003a, 2003b, 2005) e de Isaia e Bolzan (2004), constata-se uma srie de aspectos que pode contextualizar a docncia superior e serve de contraponto s questes que foram expostas. Chama ateno a ausncia de compreenso de professores e de instituies sobre a necessidade de preparao especfica para exercer a docncia. Assim, os docentes, mesmo estando cientes de sua funo formativa, no consideram a necessidade de uma preparao especfica para exerc-la. Como se o conhecimento especfico desenvolvido nos anos de formao inicial e/ou ao longo da carreira e tambm o exerccio profissional bastassem para assegurar um bom desempenho docente. Essa constatao vai ao encontro de outras pesquisas como as de Zabalza (2004); Marcelo Garcia (1999); Mizukami et al. (2002); Behrens (1996). No se pode esquecer que os cursos de licenciatura direcionam-se formao de professores da educao bsica, enquanto os cursos de bacharelado, ao exerccio de diferentes profisses; neles, a tnica no o magistrio superior. Esse no contemplado nos currculos dos diversos cursos de graduao e, na ps-graduao lato ou estrito senso, apenas

Desafios Docncia Superior: pressupostos a considerar

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est presente na forma de disciplinas esparsas, quando ocorrem, ou em iniciativas mais atuais de contemplar a docncia orientada como preparao inicial para o nvel superior. Contudo, tais iniciativas no garantem a inteno de preparar efetivamente os docentes a uma das destinaes bsicas das instituies superiores, que a formao de futuros profissionais. Apesar do entendimento institucional de que os docentes so os responsveis pela formao de futuros profissionais, sua formao docente no tem sido valorizada nem pela maioria das IES nem pelas polticas voltadas para a educao superior. Essa assertiva confirmada por vrios outros pesquisadores, entre eles Morosini (2001); Zabalza (2004); Masetto (2000 e 2001). Tal descaso pode ser comprovado pelo fato de os critrios de seleo e progresso funcional, adotados, estarem centrados principalmente na titulao e na produo cientfico-acadmica, o que no garante uma educao de qualidade. Nas polticas institucionais e nos rgo reguladores e ou de fomento como o MEC, a Capes e o CNPq no se encontram dispositivo