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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LUIZ GOMES DA SILVA FILHO EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE: UM OLHAR SOBRE O CURRÍCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN Orientadora: Professora Drª Rita de Cassia Cavalcanti Porto JOÃO PESSOA PB ABRIL-2014

EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

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Page 1: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIacuteBA

CENTRO DE EDUCACcedilAtildeO

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM EDUCACcedilAtildeO

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO

FREIRE NA ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O

CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN

Orientadora Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto

JOAtildeO PESSOA ndash PB

ABRIL-2014

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA

ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO

PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da

Paraiacuteba como cumprimento de requisito para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de MESTRE em Educaccedilatildeo na

linha de pesquisa em Poliacuteticas Educacionais

ORIENTADORA Professora Doutora

Rita de Cassia Cavalcanti Porto

JOAtildeO PESSOA ndash PB

ABRIL-2014

S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade

um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014

90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo

Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)

4

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE

UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN

Aprovado em ________2014

Banca examinadora

______________________________________________________

Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo

caminho do certo ao lado dos oprimidos

Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva

(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo

simples fato de existirem e colorirem o mundo

Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua

famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes

Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser

antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma

profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas

orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e

aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor

Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo

Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade

Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e

pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer

de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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92

ANEXOS

93

94

Page 2: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA

ATUALIDADE UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO

PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da

Paraiacuteba como cumprimento de requisito para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de MESTRE em Educaccedilatildeo na

linha de pesquisa em Poliacuteticas Educacionais

ORIENTADORA Professora Doutora

Rita de Cassia Cavalcanti Porto

JOAtildeO PESSOA ndash PB

ABRIL-2014

S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade

um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014

90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo

Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)

4

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE

UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN

Aprovado em ________2014

Banca examinadora

______________________________________________________

Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo

caminho do certo ao lado dos oprimidos

Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva

(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo

simples fato de existirem e colorirem o mundo

Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua

famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes

Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser

antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma

profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas

orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e

aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor

Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo

Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade

Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e

pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer

de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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COMPERVE Comissatildeo Permanente do Vestibular Processo Seletivo para o Curso de

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httpwwwcomperveufrnbrconteudoconcursospedagogia_mstrn20071documentosEdital

pdf Acesso em 22 de out 2013

CONAE 2014 Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo documento referecircncia Disponiacutevel em

httpconae2014mecgovbrimagespdfdoc_referenciapdf Acesso em 10 de set 2013

IBGE Siacutentese de informaccedilatildeo Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrxtrastemasphplang=ampcodmun=240650ampidtema=16ampsearch=rio-

grande-do-norte|lagoa-nova|sintese-das-informacoes Acesso em 25 abril 2012

91

IPEA PNAD 2009 - Primeiras anaacutelises Situaccedilatildeo da educaccedilatildeo brasileira - avanccedilos e

problemas Disponiacutevel em httparquivocampanhaeducacaoorgbrDocumentosIPEA20-

20educacao202010pdf Acesso em 05 fev 2013

MEC Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional ndash LDB nordm 9394 de 20 de novembro

de 1996 Brasiacutelia 21 dez 1996 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrarquivospdfldbpdf

Acesso em 09 de outubro de 2013

PRONERA Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria Manual de operaccedilotildees

Disponiacutevel em httpwwwincragovbr Acesso em 15 jan 2013

TCU Tribunal de Contas da Uniatildeo Acoacuterdatildeo 26532008 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrTCU Acesso em 22 marccedilo de 2013

92

ANEXOS

93

94

Page 3: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

S586e Silva Filho Luiz Gomes da Educaccedilatildeo do campo e pedagogia Paulo Freire na atualidade

um olhar sobre o curriacuteculo do curso de Pedagogia da Terra da UFRN Luiz Gomes da Silva Filho-- Joatildeo Pessoa 2014

90f il Orientadora Rita de Cassia Cavalcanti Porto Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - UFPBCE 1 Educaccedilatildeo 3 Educaccedilatildeo do campo 4 Pedagogia Paulo

Freire 5 Pedagogia da Terra 5 Curriacuteculo UFPBBC CDU 37(043)

4

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE

UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN

Aprovado em ________2014

Banca examinadora

______________________________________________________

Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo

caminho do certo ao lado dos oprimidos

Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva

(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo

simples fato de existirem e colorirem o mundo

Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua

famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes

Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser

antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma

profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas

orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e

aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor

Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo

Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade

Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e

pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer

de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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92

ANEXOS

93

94

Page 4: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

4

LUIZ GOMES DA SILVA FILHO

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA ATUALIDADE

UM OLHAR SOBRE O CURRIacuteCULO DO CURSO PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN

Aprovado em ________2014

Banca examinadora

______________________________________________________

Professora Drordf Rita de Cassia Cavalcanti Porto ndash Orientadora (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professor Dr Severino Bezerra da Silva (PPGEUFPB)

______________________________________________________

Professora Drordf Gloacuteria das Neves Dutra Escariatildeo ndash Examinadora externa (PPG-CRUFPE)

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo

caminho do certo ao lado dos oprimidos

Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva

(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo

simples fato de existirem e colorirem o mundo

Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua

famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes

Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser

antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma

profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas

orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e

aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor

Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo

Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade

Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e

pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer

de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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Disponiacutevel em httpwwwincragovbr Acesso em 15 jan 2013

TCU Tribunal de Contas da Uniatildeo Acoacuterdatildeo 26532008 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrTCU Acesso em 22 marccedilo de 2013

92

ANEXOS

93

94

Page 5: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

5

AGRADECIMENTOS

Agradeccedilo a Deus pelo dom da vida por guiar meus passos e me conduzir pelo

caminho do certo ao lado dos oprimidos

Agrave minha matildee Francisca Maria Terto (Dona Tecirc) e ao meu pai Luiz Gomes da Silva

(Seu Lucas) pelo incentivo constante e ajuda frequente Aos meus irmatildeos e irmatildes pelo

simples fato de existirem e colorirem o mundo

Agrave minha companheira Linda Carter pela presenccedila constante ao meu lado e sua

famiacutelia por me fazerem sentir-se em casa mesmo longe dos meus parentes

Agrave minha orientadora Professora Doutora Rita de Cassia Cavalcanti Porto por ser

antes de tudo humana tatildeo raro hoje em dia por acreditar neste trabalho orientar de forma

profiacutecua eacutetica com rigorosidade mas sobretudo com amorosidade Serei sempre grato

Ao Grupo de Estudos da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) pelas conversas

orientaccedilotildees e sobretudo pelo humanismo

Ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Educaccedilatildeo da Universidade Federal da Paraiacuteba e

aos professores que em muito contribuiacuteram com minha formaccedilatildeo em especial ao Professor

Doutor Severino Bezerra Silva que deteacutem meu respeito e grande admiraccedilatildeo

Agrave banca examinadora como um todo pelas contribuiccedilotildees ao trabalho e seriedade

Agrave Universidade Federal da Paraiacuteba pelo acolhimento em um momento tatildeo adverso e

pela oportunidade de realizaccedilatildeo do curso de Mestrado

Aos educandos e educandas do Curso de Pedagogia da UFRN com quem tive o prazer

de conviver dialogar e que de forma direta ou indireta contribuiacuteram com este trabalho

A todos os meus amigos e amigas que de forma sempre positiva me apoiaram

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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92

ANEXOS

93

94

Page 6: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

6

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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92

ANEXOS

93

94

Page 7: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo tem como objetivo geral compreender as contribuiccedilotildees da Pedagogia

Paulo Freire no atual debate da Educaccedilatildeo do Campo como recorte analiacutetico temos o

Curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte Analisa assim as aproximaccedilotildees que se tem hoje entre o Movimento Por Uma

Educaccedilatildeo do Campo e a Pedagogia Paulo Freire Entre as teacutecnicas de pesquisa optamos por

uma aprofundada revisatildeo bibliograacutefica e anaacutelise documental cujo objetivo reside na busca

pelo entendimento amplo de questotildees complexas e abrangentes de nossa eacutepoca Como

resultado alcanccedilado apresentamos algumas reflexotildees sobre a formulaccedilatildeo da Estrutura

curricular do curso supracitado e a presenccedila de princiacutepios da Pedagogia Paulo Freire nesse

curriacuteculo A temaacutetica pesquisada se insere nos objetivos do Grupo de Pesquisa da Pedagogia

Paulo Freire da Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPFUFPB) que busca dialogar sobre

as contribuiccedilotildees da pedagogia freireana em diversos espaccedilos

Palavras-chaves Educaccedilatildeo do Campo Pedagogia Paulo Freire Pedagogia da Terra

Curriacuteculo

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

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ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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formaccedilatildeo dos profissionais da educaccedilatildeo na UFPB (Tese de doutorado apresentada ao

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Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Natal RN CONSEPE 2013

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de 1996 Brasiacutelia 21 dez 1996 Disponiacutevel em httpportalmecgovbrarquivospdfldbpdf

Acesso em 09 de outubro de 2013

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Disponiacutevel em httpwwwincragovbr Acesso em 15 jan 2013

TCU Tribunal de Contas da Uniatildeo Acoacuterdatildeo 26532008 Disponiacutevel em

httpportal2tcugovbrTCU Acesso em 22 marccedilo de 2013

92

ANEXOS

93

94

Page 8: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

4

RESUMEN

Esta disertacioacuten tiene como objetivo general comprender las contribuciones de la

Pedagogiacutea de Paulo Freire en el actual debate de la Educacioacuten del Campo Como guiacutea

analiacutetico tenemos el curriacuteculo del Curso de Pedagogiacutea de la Tierra de la Universidade

Federal do Rio Grande do Norte Se analiza asiacute los acercamientos que se tiene hoy entre el

Movimiento Por Una Educacioacuten del Campo y la pedagogiacutea Paulo Freire De las teacutecnicas de

pesquisa optamos por una profundizada revisioacuten bibliograacutefica y anaacutelisis documental cuyo

objetivo reside en la buacutesqueda por el amplio entendimiento de cuestiones complejas y

extensivas de nuestra eacutepoca Como resultado alcanzado presentamos algunas reflexiones

acerca de la formulacioacuten de la Estructura Curricular del curso anteriormente citado y la

presencia de principios de la Pedagogiacutea Paulo Freire en ese curriacuteculo La temaacutetica

pesquisada se inserta en los objetivos del Grupo de Pesquisa de la Pedagogiacutea Paulo Freire de

la Universidade Federal da Paraiacuteba (GEPPUFPB) que busca dialogar sobre las

contribuciones de la Pedagogiacutea freireana en diversos espacios

PALABRAS CLAVE Educacioacuten del Campo Pedagogiacutea Paulo Freire Pedagogiacutea de la

Tierra curriacuteculo

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

16

(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

17

Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

81

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

82

Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

83

dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

84

defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

REFEREcircNCIAS

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92

ANEXOS

93

94

Page 9: EDUCAÇÃO DO CAMPO E PEDAGOGIA PAULO FREIRE NA … · RESUMO Esta dissertação tem como objetivo geral compreender as contribuições da Pedagogia ... Currículo do Curso de Pedagogia

5

QUADRO DE ILUSTRACcedilOtildeES

Figura I Regiatildeo do SeridoacuteRN

8

Figura II Lagoa NovaRN

9

Figura III Entrelaccedilamento entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

59

Figura IV Angicos nos dias de hoje (2014)

62

Figura V AngicosRN

64

Figura VI Experiecircncia de AngicosRN

65

Figura IIV Turma Florestan Fernandes ndash PedagogiaUFRN

85

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE - Associaccedilatildeo Nacional pela Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo

COMPERVE ndash Comissatildeo Permanente de Vestibular

CONAE - Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo

CONSEPE ndash Conselho Superior de Ensino Pesquisa e Extensatildeo

CNBB - Conferecircncia Nacional dos Bispos do Brasil

CPT - Comissatildeo Pastoral da Terra

DCE - Diretoacuterio Central dos Estudantes

DCN ndash Diretrizes Curriculares Nacionais

ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras na Reforma Agraacuteria

GEPPC - Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

GEPPF - Grupo de Estudos e Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica

INCRA - Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

IPEA - Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada

MEPF - Ministeacuterio Extraordinaacuterio da Poliacutetica Fundiaacuteria

MSC ndash Movimentos Sociais do Campo

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra

PNE - Plano Nacional de Educaccedilatildeo

PROBAacuteSICA - Programa de Qualificaccedilatildeo Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica

PRONERA - Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileiro

PT - Partido dos Trabalhadores

SUDENE - Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste

SUPRA - Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

TRAMSE - Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo

4

UFC ndash Universidade Federal do Cearaacute

UFG ndash Universidade Federal de Goiaacutes

UFMG ndash Universidade Federal de Minas Gerais

UFPB - Universidade Federal da Paraiacuteba

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UNB - Universidade de Brasiacutelia

UNE - Uniatildeo Nacional dos Estudantes

UNESCO - Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Educaccedilatildeo a Ciecircncia e a Cultura

UNICEF - Fundo das Naccedilotildees Unidas para a Infacircncia

SUMAacuteRIO

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO 7

11 O LUGAR DE ONDE FALO 7

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES 11

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR 16

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO COMO

SUPORTE PARA ESSE ESTUDO E A PRAacuteXIS FREIREANA 18

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO PRA

PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER 24

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO EDUCACIONAL 24

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA 29

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO 37

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO 43

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO 47

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

51

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA FREIREANA AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM 53

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO

NORTE58

4

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIEcircNCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UFRN64

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO CURSO

DE PEDAGOGIA DA TERRA DA

UFRN70

5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO81

6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS85

7 ANEXOS 92

7

1 O QUE ME MOVE MINHAS RAIacuteZES MEU PERCURSO UMA VEREDA O

ENCONTRO COM O OBJETO DE ESTUDO

Eacute preciso por outro lado salientar a situaccedilatildeo incocircmoda em

que se encontram intelectuais do Terceiro Mundo que

contemporacircneos de seus colegas do Primeiro Mundo com

eles discutem a poacutes-modernidade ao mesmo tempo em que

convivem em seus paiacuteses com a espoliaccedilatildeo desenfreada de um

capitalismo dependente perverso e atrasado

(FREIRE 2012 p 68)

11 O LUGAR DE ONDE FALO

A vontade e a necessidade de transgredir eacute sem duacutevida um dos maiores motivos que

me leva a formular estes escritos A busca pela construccedilatildeo de um pensamento autecircntico ainda

que reconhecendo todos os riscos de o fazer eacute parte do que nos move Nesse sentido duas

questotildees fundamentais nos orientam quais sejam primeiro qual a contribuiccedilatildeo da

Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo Segundo eacute possiacutevel

evidenciar no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte ldquorecorte e retalhosrdquo da Pedagogia de Paulo Freire

Partindo desses pressupostos inquietadores e sabendo que a educaccedilatildeo deve ser tratada

com extrema seriedade nos debruccedilamos nesse artesanato intelectual (MILLS 2009) com o

objetivo de colaborar com o Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo sobretudo naquilo

que se refere agrave contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire a esse movimento Conseguindo

avanccedilar o pouco que seja nesse debate tatildeo salutar e tatildeo caro estaremos em boa medida

contemplados Nesse primeiro momento trago algumas experiecircncias que me foram tanto

singulares como significativas Por isso mesmo escrevo em primeira pessoa do singular

Nessas primeiras palavras busco a boniteza da expressatildeo de Paulo Freire (2012 p 25)

para iniciar a tessitura desta autobiografia ―de uma geraccedilatildeo que cresceu em quintais nasci

na cidade de Lagoa Nova Regiatildeo do Seridoacute no Estado do Rio Grande do Norte no mecircs de

outubro do ano de 1986

8

Figura I ndash Regiatildeo do SeridoacuteRN

Lagoa Nova eacute uma cidade com caracteriacutesticas tipicamente de interior onde as ―esferas

da existecircncia humana1 se inter-relacionam de forma mais segregada Com uma populaccedilatildeo de

13983 habitantes de acordo com o uacuteltimo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatiacutesticas (IBGE 2010) essa populaccedilatildeo divide-se quase que simetricamente entre zona

rural e zona urbana Isso tanto tem influecircncia na identidade da Cidade como representa um

fenocircmeno social que por si jaacute merece uma reflexatildeo entretanto natildeo eacute nessa temaacutetica que

reside nosso foco

Figura II ndash Lagoa NovaRN

1 As esferas da existecircncia humana eacute um esquema pensado por Antocircnio Joaquim Severino (1994) em sua obra

―Filosofiardquo em que ele apresenta a Praacutetica Social a Praacutetica Simbolizadora e a Praacutetica Produtiva como uma

engrenagem que gira na frequumlecircncia diretamente proporcional a dinamicidade da sociedade ou grupo social

9

Com um clima extremamente agradaacutevel a cidade tem como base econocircmica a

Agricultura Familiar2 que por sua vez aquece um importante mercado interno sobretudo no

periacuteodo de novembro a marccedilo periacuteodo em que se evidencia a colheita do caju e da castanha

ou simplesmente ―safra do caju Aleacutem da agricultura e do comeacutercio o emprego puacuteblico

garante a complementaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da economia dessa cidade Embora haja outros

modos de complementaccedilatildeo agrave economia a agricultura desempenha papel iacutempar no que diz

respeito ao desenvolvimento da cidade O clima propiacutecio e a terra feacutertil satildeo propulsores de

uma agricultura baseada na pequena propriedade e na diversidade de culturas

Com o lema ―se plantando tudo daacute a regiatildeo serrana apresenta uma prova mais que

concreta de que o desenvolvimento de uma regiatildeo e o bem estar da populaccedilatildeo camponesa

passa diretamente por uma distribuiccedilatildeo de terras para os trabalhadores e trabalhadoras a

rotatividade de culturas e a preservaccedilatildeo do meio ambiente3 princiacutepios que claramente se

aproximam da economia solidaacuteria francamente enfatizada por Singer (2002) assim como

pelos movimentos sociais uma vez que esse caminho eacute uma alternativa para o atual modelo

predatoacuterio de produccedilatildeo agriacutecola tradicional

A possibilidade de cultivar vasta diversidade de sementes e frutos que o solo orgacircnico

rico em huacutemus permite eacute admiraacutevel feijatildeo fava milho encabeccedilam os cereais caju pinha

jaca maracujaacute manga fazem parte do grupo das frutas aleacutem da mandioca que eacute mateacuteria

prima na fabricaccedilatildeo da farinha e outros derivados Outra abrangecircncia de gecircneros alimentiacutecios

como as hortaliccedilas irrigadas e a pecuaacuteria complementam a economia de Lagoa Nova

Quanto agraves questotildees poliacuteticas essa cidade goza dos viacutecios e vicissitudes que a grande

maioria da populaccedilatildeo brasileira enfrenta Aqui natildeo tenho interesse em detalhar passa a passo

essa questatildeo pois isso seria uma tarefa demasiadamente enfadonha e desnecessaacuteria ao nosso

objetivo Ainda assim eacute salutar ressaltar a grande heranccedila oligaacuterquica que eacute flagrante quando

remeto aos nossos representantes poliacuteticos Pequenos grupos se revezam agrave frente da

2 De acordo com Neves (2012) no Dicionaacuterio da Educaccedilatildeo do Campo esse eacute um termo de muacuteltiplas

conotaccedilotildees aqui ficamos com a definiccedilatildeo de um forma de se fazer agricultura diferenciando-se da agricultura

patronal Ou seja uma forma mais poliacutetica e solidaacuteria de se trabalhar a terra

3 Nos uacuteltimos anos um fenocircmeno vem contrariando essa afirmativa a derrubada dos cajueiros tem ocasionado

preocupaccedilotildees quanto ao equiliacutebrio do ambiente

10

administraccedilatildeo puacuteblica como se aquela lhes fosse inerente Como se aquele fosse um direito

advindo do berccedilo Entretanto aos poucos grupos de pessoas ainda que de forma muito

incipiente comeccedilam a se organizar no sentido de propor uma alternativa que fuja agrave diacuteade

partidaacuteria dantesca a qual parece natildeo haver saiacuteda

Satildeo os sabores e dissabores de se gostar de um lugar esse lugar me compotildee eacute siacutentese

de muitas e complexas relaccedilotildees Quando penso na minha cidade resgato Paulo Freire (2012)

quando falava do Recife e sua relaccedilatildeo de saudade para com esta cidade quando estivera no

exiacutelio Faccedilo minhas tais palavras

Quando penso nela penso quanto ainda temos de caminhar lutando para

ultrapassar estruturas perversas de espoliaccedilatildeo Por isso quando longe dela

estive dela a minha saudade jamais se reduziu a um choro triste a uma

lamentaccedilatildeo desesperada Pensava nela e nela penso como um espaccedilo

histoacuterico contraditoacuterio que me exige como a qualquer outro ou outra

decisatildeo tomada de posiccedilatildeo ruptura opccedilatildeo (FREIRE 2012 p34)

Essa breve descriccedilatildeo acerca do meu lugar tem como propoacutesito trazer agrave pesquisa o

cenaacuterio que me foi familiar durante meus primeiros 20 anos (1986-2007) e como essa

vivecircncia implica na minha formaccedilatildeo enquanto pesquisador Como bem estudou Vygotsky ndash

durante sua curta poreacutem brilhante carreira como pesquisador dos processos de

desenvolvimento humano ndash o meio eacute um fator preponderante para a formaccedilatildeo do sujeito

Portanto eacute inegaacutevel que essa cidade eacute parte importante daquilo ―que me move algo que me

constituiu e ainda me constitui Muito do que hoje penso sou ou quero ser tem ligaccedilatildeo direta

com esse periacuteodo com as experiecircncias e vivecircncias que me foram comuns agravequela eacutepoca Isso

alude ao pensamento marxista ao qual nos filiamos em entender o sujeito como sendo ele o

resultado de muacuteltiplos e complexos processos histoacutericos e sociais

Paulo Freire ao trazer agrave tona a importacircncia do lugar das pessoas suas vivecircncias e

experiecircncias como parte integrante da formaccedilatildeo humana do sujeito assim como apontar para

o lugar como produtor de conhecimentos e conteuacutedos me eacute fulcro de compactuaccedilatildeo e

arcabouccedilo teoacuterico e metodoloacutegico Ao me referir ao termo lugar gostaria que o entendimento

fosse aquele trabalhado pelo movimento da Educaccedilatildeo do Campo na contemporaneidade ou

seja como postula (CALDART Et Al 2012) o lugar como sendo constituinte do sujeito e de

sua historicidade natildeo como lugar de moradia tatildeo somente

11

12 OS SUJEITOS COM QUEM FALO MINHA FAMIacuteLIA MINHAS RAIacuteZES

De uma famiacutelia composta por oito pessoas pai matildee trecircs filhos e trecircs filhas certa vez

li em uma dessas revistas que o filho mais novo chamado caccedilula tem mais probabilidade de

se destacar e vir a ser um grande sujeito socialmente falando e ainda trazia algumas provas de

grandes nomes sobretudo da ciecircncia que se tornaram pessoas conhecidas mundialmente pelas

suas faccedilanhas e descobertas Entretanto sigo outra linha de raciociacutenio coloco-me numa

posiccedilatildeo mais racional e frontalmente de encontro a uma visatildeo platocircnica determinista e

meritocraacutetica de sucesso ―A igualdade de oportunidadelsquo eacute ponto importante da ideologia

capitalista pois garantiria aos mais capazes aos mais esforccedilados aos que trabalham durolsquo o

acesso agraves melhores posiccedilotildees (ROSSI 1980 p 71) Ora no meu caso ser o mais novo me

eximiu de uma eacutepoca natildeo muito remota na qual a condiccedilatildeo social da populaccedilatildeo brasileira era

bastante precaacuteria e o Ensino Superior privileacutegio restrito agrave classe dominante

Depois do esgotamento da Ditadura Militar inicia o periacuteodo chamado Nova Repuacuteblica

ou Transiccedilatildeo democraacutetica poreacutem Saviani (2008) chamou ―transiccedilatildeo conservadorardquo pois o

periacuteodo resguardou a velha formaccedilatildeo social advinda da classe dominante do periacuteodo

ditatorial

A transiccedilatildeo que se operou no Brasil se iniciou com a ―distensatildeo lenta

gradual e segura formulada em 1974 no Governo Geisel e prosseguiu com

a ―abertura democraacutetica a partir de 1979 no Governo Figueiredo

desembocando na Nova Repuacuteblica em 1985 que guindou a posiccedilatildeo de

presidente da Repuacuteblica o ex-presidente do partido de sustentaccedilatildeo do regime

militar (SAVIANI 2008 p 414)

Assim o periacuteodo esperanccediloso que se desenhara com o fim da Ditadura acabou

mantendo grande parte de sua formaccedilatildeo anterior uma vez que continuou a relaccedilatildeo opressor e

oprimido e a interminaacutevel exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo dos trabalhadores ainda que numa

relaccedilatildeo mais decantada e disfarccedilada com outras formas de dominaccedilatildeo e violecircncia Esse

cenaacuterio explica em boa medida as grandes dificuldades econocircmicas perpassadas no cotidiano

da populaccedilatildeo brasileira no periacuteodo de redemocratizaccedilatildeo

Voltando agraves minhas experiecircncias entendo que se durante minha infacircncia natildeo enfrentei

grandes dificuldades devo isso agrave batalha de um agricultor que ―trabalhava alugado ou ―de

meia e a uma ―dona de casa lavadeira que depois passa a funcionaacuteria puacuteblica ou seja meu

pai e minha matildee Se fui o primeiro da minha famiacutelia a adentrar os altos e quase impenetraacuteveis

12

muros da universidade puacuteblica brasileira natildeo eacute porque sou o melhor dos meus irmatildeos sou na

verdade parte de uma estatiacutestica que aponta para a sensibilidade de um governo cujo foco

principal foi a aacuterea social e a educaccedilatildeo Uma vez coadunada essas duas aacutereas eu fui um dos

muitos jovens negros advindo da classe trabalhadora que foi contemplado por uma

importante poliacutetica soacutecio-educacional do entatildeo Governo Luiacutes Inaacutecio Lula da Silva (2002-2006

e 2006-2010) que tem como uma de suas bases a abertura e expansatildeo das universidades

puacuteblicas

Obviamente que a forccedila de vontade e os esforccedilos pessoais foram reais mas nunca fui

partidaacuterio do discurso meritocraacutetico e do Estado democraacutetico de direito que prega a igualdade

de oportunidade para todos transferindo agraves pessoas o ocircnus pelo seu fracasso social como se a

ascensatildeo dependesse exclusivamente da vontade individual do sujeito O pensamento liberal

afirma que a escola eacute igual para todos e que portanto cada um chega onde suas capacidades e

seu trabalho pessoal lhes permite (SACRISTAacuteN GOacuteMEZ 1998)

Ainda com o objetivo de entender ―o que me move e ―o que me constitui gostaria de

voltar ao relato da minha infacircncia Ainda pequeno moramos no Siacutetio4 Humaitaacute proacuteximo agrave

zona urbana espaccedilo que foi tomado pelo raacutepido crescimento que a cidade adquiriu Na eacutepoca

em que moramos no Humaitaacute que remete aos idos de 1987 devido a fase de vida ainda muito

incipiente poucas satildeo as lembranccedilas desse periacuteodo salvo raras imagens esmaecidas pelos

anos que passaram Desse periacuteodo restou-me muito mais histoacuterias relatadas por meus pais e

irmatildeos mais velhos do que lembranccedilas propriamente minhas No entanto dois fatores fazem

com que essa estadia tenha curta duraccedilatildeo fazendo a famiacutelia retornar agrave cidade a saber os

terremotos5 que foram frequentes nesse periacuteodo e o medo de um bandido chamado Joatildeo

Barauna que oprimia a populaccedilatildeo local

4 O siacutetio eacute o lugar do trabalho por excelecircncia Mas ele eacute igualmente o resultado do trabalho pois eacute um espaccedilo

construiacutedo melhor dizendo um conjunto de espaccedilos articulados entre si que lhe permite organizar-se como um

sistema de insumos e produtos Esse espaccedilo eacute o resultado tambeacutem de um processo histoacuterico secular em que o

ambiente foi alterado com a gradativa eliminaccedilatildeo da cobertura vegetal original e de todo o ecossistema que lhe

era associado (WOORTMANN 1997 p 27)

5 No ano de 1986 grandes abalos siacutesmicos apavoraram moradores do Rio Grande do Norte o epicentro era Joatildeo

Cacircmara no entanto todo o Estado fora atingido com maior ou menor intensidade por falta de informaccedilotildees e

explicaccedilotildees muitas pessoas entraram em pacircnico e deixaram suas casas (Arquivo Tribuna do Norte)

13

Meu pai sempre repete que ―naquela eacutepoca tinha que votar e vir pra casa natildeo podia

ficar em turminhas na rua depois da votaccedilatildeo isso nos mostra que embora estiveacutessemos no

processo de redemocratizaccedilatildeo do Paiacutes ainda havia a sombra dos ―anos de chumbo que por

mais de vinte anos garantiu a perpetuaccedilatildeo de um regime autoritaacuterio e ditatorial em nosso paiacutes

que causou feridas cujas cicatrizes ainda satildeo visiacuteveis

Em 1987 voltamos para a rua6 Minha matildee Francisca Maria (Dona Tecirc) dividia seu

tempo entre lavagens de roupa ―de ganho tarefas do lar aleacutem de assumir emprego de

funcionaacuteria puacuteblica do municiacutepio na funccedilatildeo de zeladora da igreja catoacutelica da cidade Meu pai

Luiz Gomes (Seu Lucas) trabalhava nas atividades da agricultura e desempenhava a arte da

caccedila como poucos Como natildeo detinha posses de terras ele ―alugava sua forccedila de trabalho em

sucessivas ―diaacuterias em terras alheias Quando natildeo era alugado ele trabalhava em terras de

outros natildeo por dinheiro mas numa relaccedilatildeo que em muito lembra as relaccedilotildees feudais do

periacuteodo Medieval na Europa ou seja a troca de trabalho por trabalho

Erik Wolf trabalha o termo ―aluguel como um processo no qual ―esse camponecircs

estava sujeito agrave relaccedilatildeo assimeacutetrica de poder o que lhe acarretava um ocircnus permanente em

sua produccedilatildeo (WOLF 1976 p 22) Assim em um modelo bastante parecido com o

desenhado por Wolf meu pai trabalhava a terra de um grande proprietaacuterio a troco de uma

porcentagem que girava em torno de 30 a 50 (terccedila e meia respectivamente) do que era

produzido isso acarreta uma relaccedilatildeo de exploraccedilatildeo contiacutenua e demasiadamente nociva para o

trabalhador

Em meio a essa batalha que meus pais travavam diariamente para manter a famiacutelia

inicio minha trajetoacuteria escolar No meu percurso natildeo frequentei creches ou preacute-escolas

Ingressei na antiga 1ordf Seacuterie do Ensino Fundamental jaacute com algumas habilidades na leitura e na

escrita isso devido agrave dedicaccedilatildeo da minha irmatilde Ana de Faacutetima (Aninha) que sempre reservara

um tempo para ensinar aos irmatildeos mais novos Mesmo sendo reprovado na 2ordf Seacuterie do Ensino

Fundamental natildeo tive grandes dificuldades nas seacuteries seguintes Salvo uma ou outra aula de

reforccedilo que muito mais constrangia do que auxiliava no processo de aquisiccedilatildeo da liacutengua

escrita

6 Rua eacute termo francamente usado por populaccedilotildees do campo para designar cidade

14

Eacute importante refletirmos sobre o quatildeo marcante pode ser a escola na vida de uma

crianccedila Varela e Alvarez-Uria (1996) no texto ―a maquinaria escolar afirmam que embora

seja uma instituiccedilatildeo recente a escola deteacutem grande influecircncia sobre a sociedade Assim foi

comigo as marcas e as lembranccedilas do processo educacional escolar que ainda hoje satildeo

evidentes

Jaacute no Ensino Meacutedio o desempenho foi mais consciente comecei a desenvolver um

gosto muito grande pelas ciecircncias humanas e Histoacuteria Geografia e Portuguecircs eram as

disciplinas as quais eu dedicava grande parte do meu tempo Nesse momento estaacutevamos

morando no Siacutetio Figueira o ano eacute 2003 ano que passei a trabalhar tanto nas atividades da

roccedila com o meu pai ndash a condiccedilatildeo jaacute natildeo era mais de tamanha exploraccedilatildeo como outrora a

terra ainda era arrendada no entanto esse tratado agora se passava atraveacutes de laccedilos de

parentesco ndash como nas atividades da construccedilatildeo civil com meu irmatildeo mais velho Ary Gomes

Apesar da grande quantidade de pessoas que imigram do campo agrave cidade natildeo haacute nenhuma

profissatildeo segundo os estudos comparados nas quais maior porcentagem de filhos siga a

profissatildeo dos pais do que entre agricultores (MARTINS apud SOLARI 1986) Minha

caminhada mostra que fugi a regra entretanto hoje resguardo grande admiraccedilatildeo e respeito

agravequeles e aquelas que labutam e vivem nada terra

Mesmo em atividades bastante adversas sempre reservara um horaacuterio do dia agraves

atividades de leitura e redaccedilatildeo Em 2004 prestes a terminar o Ensino Meacutedio simplesmente

natildeo sabia o que significava fazer vestibular Hoje a situaccedilatildeo tem mudando mas isso era

recorrente nas classes mais pobres da populaccedilatildeo uma vez que a universidade natildeo eacute um desejo

almejado pela classe trabalhadora natildeo por desinteresse mas pela falta de informaccedilatildeo e

visualizaccedilatildeo dessa possibilidade que parece distante aos filhos das classes populares Pelo

contraacuterio se propaga o discurso que ao teacutermino do 3ordm ano do Ensino Meacutedio o sujeito

―terminou os estudos Aleacutem disso historicamente se praticou uma educaccedilatildeo cujo foco estaacute

diretamente relacionado agrave classe social a qual o sujeito pertence ou seja agraves classes

trabalhadoras uma educaccedilatildeo elementar uma vez que essa basta agravequeles que iratildeo desempenhar

funccedilotildees manuais ao passo que agraves classes ricas desenhou-se uma educaccedilatildeo para o Ensino

Superior Essa loacutegica eacute facilmente evidenciada no Governo de Fernando Henrique Cardoso

quando ―prioriza o Ensino Fundamental em detrimento do Meacutedio teacutecnico e superior

15

Entre 2005 e o iniacutecio de 2007 trabalhei incessantemente na construccedilatildeo civil ainda

assim continuei a reservar pequenos horaacuterios para me dedicar agraves leituras Ao realizar o

vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte ndash UFRN natildeo tive dificuldade em

ingressar no Curso de Pedagogia daquela instituiccedilatildeo o que atribuo principalmente agrave praacutetica

dessas leituras O motivo da escolha do curso ateacute hoje me eacute uma incoacutegnita poreacutem uma

hipoacutetese consideraacutevel pode ter ligaccedilatildeo com a baixa concorrecircncia

No mesmo ano 2007 fui morar em Natal para dar iniacutecio ao Curso Morador de

Residecircncia Universitaacuteria me dediquei logo na chegada agraves atividade de militacircncia estudantil

em prol dos estudantes de origem popular que moradores do interior do Estado necessitavam

da Residecircncia em Natal Assim durante toda a minha estadia na Residecircncia Universitaacuteria me

dediquei agrave organizaccedilatildeo dos estudantes na busca por mais vagas nas Residecircncias e melhorias

estruturais naquelas existentes

Devido a essa atuaccedilatildeo concorri agrave gestatildeo do Diretoacuterio Central dos Estudantes (DCE)

da UFRN e logramos ecircxito Uma responsabilidade que resolvi encarar enquanto possibilidade

de fazer algo mais A experiecircncia indubitavelmente me foi rica durante um ano estive a frente

do DCE buscando mais uma vez organizar os estudantes coletivamente

Os cinco anos de graduaccedilatildeo passados na Residecircncia me foram de grande importacircncia

primeiramente do ponto de vista econocircmico jaacute que eu natildeo possuiacutea condiccedilotildees financeiras de

me manter fora dela Outro ponto importante foi a convivecircncia com a complexidade das

diversas aacutereas dos conhecimentos isso me garantiu uma formaccedilatildeo que em muito me ajudou

na vida apoacutes minha saiacuteda daquele recinto

Com a aproximaccedilatildeo do teacutermino da graduaccedilatildeo logo veio o desejo de continuar

galgando os degraus do conhecimento buscando aprofundar-me atraveacutes do Mestrado Tal

propoacutesito confirmou-se com a abertura do processo seletivo da Universidade Federal da

Paraiacuteba No mestrado da UFPB encontrei na figura da Professora Doutora Rita de Cassia

Cavalcanti Porto incentivo e orientaccedilatildeo pra continuar os estudos na aacuterea da Educaccedilatildeo do

Campo poreacutem enfatizando nessa reflexatildeo o pensamento e a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire

Ainda eacute de grande importacircncia destacar a atuaccedilatildeo no estaacutegio docente junto a turma de

Pedagogia da UFPB participaccedilatildeo no Grupo de Estudos e Pesquisas em Poliacuteticas Curriculares

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(GEPPC) desta mesma universidade e a vitoacuteria de vivenciar a criaccedilatildeo do Grupo de Estudos e

Pesquisas da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF)7

13 ENCONTROS COM O OBJETO DE ESTUDO A FORMACcedilAtildeO DO PESQUISADOR

Imbuiacutedo de relativa consciecircncia poliacutetico-social no ano de 2008 me aproximei da

militacircncia do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do

Norte

Segundo Miguel Carter (2010) o surgimento do MST pode ser dividido em diferentes

momentos para ele

O primeiro periacuteodo eacute a gestaccedilatildeo do MST (1979-1984) Esse periacuteodo que

precede a fundaccedilatildeo oficial do Movimento eacute fundamental para compreender

as bases de seu processo de formaccedilatildeo O segundo periacuteodo eacute o de

consolidaccedilatildeo (1985-1989) que se caracteriza pela ampliaccedilatildeo das accedilotildees do

movimento em escala nacional por meio de seu estabelecimento em todas as

regiotildees do paiacutes e a configuraccedilatildeo de sua estrutura organizativa O terceiro

periacuteodo eacute de institucionalizaccedilatildeo (1990 ateacute o presente) Nesse tempo o MST

se torna o principal interlocutor do governo federal a respeito da reforma

agraacuteria e eacute reconhecido internacionalmente (CARTER 2010 p 163)

Quando conheci o Movimento no RN fiquei muito animado Conhecer o Centro de

Capacitaccedilatildeo Patativa do Assareacute em Cearaacute - MirimRN e contribuir em algumas atividades

teve significativa importacircncia para minha formaccedilatildeo Entre 2010-2011 ingressei no Grupo de

Estudo Trabalho Reforma Agraacuteria Movimentos Sociais e Educaccedilatildeo do Campo (TRAMSE)

Esse grupo coordenado pelo Professor Alessandro Augusto de Azevedo desenvolveu a

organizaccedilatildeo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte em parceria com o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (PRONERA

DECRETO Nordm 7352 de 2010) O curso se destina a formaccedilatildeo de assentados da Reforma

7 O Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) Coordenado pela Professora Drordf Rita de

Cassia Cavalcanti Porto procura identificar e analisar a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire na

perspectiva da reinvenccedilatildeo nas poliacuteticas e praacuteticas emancipadoras curriculares de formaccedilatildeo de professores nos

sistemas puacuteblicos de ensino bem como socializar com gestores pesquisadores e educadores o legado freireano

para a educaccedilatildeo

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Agraacuteria Minha atuaccedilatildeo no grupo compreendia a monitoria da turma durante as aulas e

estudos teoacutericos nos intervalos do curso

O MST surge no Rio Grande do Norte em decorrecircncia do 5ordm Encontro Nacional do

Movimento realizado em 1989 que definiu a continuidade de sua expansatildeo pelo Brasil em

pressionar o governo pela realizaccedilatildeo da reforma agraacuteria A primeira ocupaccedilatildeo do MST no Rio

Grande do Norte ocorreu no Vale do Assu com 20 famiacutelias na Fazenda Bom Futuro que fica

localizada no Municiacutepio de JanduiacutesRN (RIBEIRO 2002) Desde aquela eacutepoca ateacute hoje

muita coisa aconteceu e muita coisa mudou O Movimento se tornou fundamental no

enfrentamento das grandes questotildees acerca da terra no Rio Grande do Norte

O interesse pela temaacutetica da Educaccedilatildeo do Campo tornou-se evidente devido a

aproximaccedilatildeo com o MST e com a monitoria do curso de Pedagogia da Terra No MST

percebi que muitos dos termos da educaccedilatildeo e das praacuteticas educativas eram ressignificadas

pelo Movimento e que este tinha forte influecircncia da Pedagogia Freireana o que

indubitavelmente tornou-se porta de entrada para aprofundar meus estudos e interesses sobre

a temaacutetica a Educaccedilatildeo do Campo

Investigar a relaccedilatildeo entre os sujeitos do campo e a universidade passou a ser meu

principal interesse e por conseguinte tema da minha monografia ―Veredas da Pedagogia da

Terra anaacutelise reflexiva de um percurso (SILVA FILHO 2011) Nesse trabalho procurei

refletir sobre o Curso de Pedagogia da Terra enquanto uma educaccedilatildeo voltada agraves populaccedilotildees

do campo e sua relaccedilatildeo com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Esses relatos de experiecircncias e autobiografia como entende Antocircnio Chizzotti (2006)

representam em boa medida um caminho trilhado as relaccedilotildees afetivas os desejos a histoacuteria

satildeo partes que nos atravessam e que nos constitui tambeacutem A academia costuma nos dissecar

tornar o pesquisador mais pesquisador do que gente quando a relaccedilatildeo eacute justamente o

contraacuterio Os sujeitos aparecem como a-histoacutericos natildeo tecircm famiacutelia natildeo tecircm amores natildeo tecircm

lugares Esses escritos iniciais tecircm justamente essa finalidade situar o pesquisador antes de

tudo como gente como sujeito que como escrevera Freire (2012) estaacute no mundo mas

tambeacutem com o mundo e com os outros

18

14 VEREDAS DA METODOLOGIA O MATERIALISMO HISTOacuteRICO DIALEacuteTICO A

PRAacuteXIS FREIREANA COMO SUPORTE PARA ESSE ESTUDO

Para garantirmos a consubstancialidade deste estudo a contextualizaccedilatildeo dos fatos

tanto no tempo histoacuterico como no espaccedilo foi ponto de constante atenccedilatildeo Natildeo queremos

jamais cair no equiacutevoco de excluir essas categorias da nossa pesquisa sobretudo preocupamo-

nos em natildeo perder o homem como inventor da histoacuteria como produto e produtor dessa

narrativa

Nesse mesmo sentido Ball (2011 p38) critica a pesquisa cujo sentido esteja

desvinculado dos fenocircmenos sociais e histoacutericos de que eacute resultado ―Haacute eacute claro aspectos

temporais adicionais nos processos poliacuteticos e nas anaacutelises desses processos mas na praacutetica

muitas pesquisas sobre poliacuteticas educacionais natildeo tem nenhum sentido de tempo O aspecto

negligenciado mais oacutebvio eacute um extravagante a-historicismo

Gatti (2007 p11) afirma que a pesquisa em educaccedilatildeo no Brasil vem se configurando

como um campo em consolidaccedilatildeo ―Nos uacuteltimos anos pode-se observar um aumento

significativo de pesquisas publicaccedilotildees grupos de pesquisa linhas de pesquisa em programas

de poacutes-graduaccedilatildeo e eventos especiacuteficos sobre poliacuteticas sociais e educacionais

No seacuteculo XIV Agriacutecola havia aconselhado aos seus contemporacircneos que

―Considerem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ateacute entatildeo e o

mesmo aconselhava jaacute no seacuteculo XVI Bacon Descartes e Pascal ―O

primeiro afirmara que a verdade muda com o tempo o segundo que soacute a

evidecircncia poderia convencer algueacutem ao passo que o terceiro insistia em que

a experimentaccedilatildeo era o uacutenico criteacuterio seguro no campo cientiacutefico (PONCE

2010 p126 grifo do autor)

As pesquisas e suas configuraccedilotildees variaram muito ateacute os tempos de hoje alguns

pesquisadores se filiam agraves novas tendecircncias outros permanecem crentes da consistecircncia da

corrente teoacuterica a qual satildeo simpaacuteticos e acreditam que essa linha de pensamento ainda daacute

conta de forma satisfatoacuteria do entendimento e da criacutetica necessaacuteria agraves questotildees que a realidade

enseja

19

Desse modo continuamos nos filiando agrave corrente histoacuterico-criacutetico de analisar a

realidade com base no materialismo histoacuterico-dialeacutetico e na praacutexis educativa de Paulo Freire

uma vez que nessa perspectiva ―o estudo ontoloacutegico do ser social natildeo prescinde o estudo da

gecircnese histoacuterica da especificidade da sociedade (SAVIANI DUARTE 2012 p 37) ―A

pesquisa natildeo eacute de modo algum na praacutetica uma reproduccedilatildeo fria das regras que vemos em

alguns manuais O proacuteprio comportamento do pesquisador em seu trabalho eacute-lhe peculiar e

caracteriacutestico (GATTI 2007 p 11) Isso se deve indubitavelmente a um complexo de

muacuteltiplos condicionamentos que constituem o pesquisador enquanto ser histoacuterico Enquanto

gente

Este conhecimento como objeto de dado alheio a qualquer traccedilo de

subjetividade elimina qualquer perspectiva de colocar a busca cientiacutefica ao

serviccedilo das necessidades humanas para resolver problemas praacuteticos O

investigador estuda os fatos pela proacutepria ciecircncia pelo propoacutesito superior da

alma humana de saber Natildeo estaacute interessando em conhecer as consequumlecircncias

de seus achados Este propoacutesito de espiacuterito positivo engendrou uma

dimensatildeo que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje em alguns

meios se levanta como bandeira verdadeira a da neutralidade da ciecircncia

(TRIVINtildeOS 1987 p 37)

Para noacutes a busca pelo conhecimento eacute ponto nevraacutelgico para contribuir com o atual

debate da Educaccedilatildeo do Campo e com a Pedagogia Paulo Freire Nessa perspectiva estudar

esse fenocircmeno sem fim nem finalidade seria ignomiacutenia da nossa parte

Pensando numa perspectiva teoacuterica que atenda aos interesses almejados e tendo em

vista a realidade social e concreta na qual estamos imersos assim como as disputas inerentes

ao tecircnue e conflitante tecido social temos como metodologia o materialismo histoacuterico

dialeacutetico e a praacutexis educativa de Paulo Freire pois esta perspectiva vincula de forma

satisfatoacuteria as questotildees abordadas nesse estudo agrave dinacircmica da realidade material dos sujeitos

envolvidos e reflete a construccedilatildeo histoacuterica dos fenocircmenos com destaque para as

transformaccedilotildees sociais que esta construccedilatildeo enseja

A compreensatildeo da praacutexis educativa em Paulo Freire se encontra diluiacuteda em toda a sua

pedagogia como essa pedagogia eacute bastante ampla abordaremos os principais elementos que

se encontram ligados ao materialismo histoacuterico dialeacutetico procurando dialogar as interfaces

dessas teorias e como elas contribuem para o entendimento da realidade Na praacutexis educativa

de Freire assim como no materialismo histoacuterico dialeacutetico a mera especulaccedilatildeo filosoacutefica natildeo

20

garante subsiacutedio natildeo basta apenas interpretar o mundo eacute preciso tratar de transformaacute-lo

(FREIRE 1983)

A histoacuteria da dialeacutetica eacute demasiadamente longa por isso natildeo pretendemos aprofundar

essa temaacutetica esclarecemos apenas que nesse trabalho adotamos aquela cujo vieacutes eacute marxista

em que pese haver uma vasta gama de outras possiacuteveis compreensotildees da dialeacutetica A

concepccedilatildeo marxista encontra suporte no materialismo e na histoacuteria para a explicaccedilatildeo dos

fenocircmenos

Na produccedilatildeo social da sua existecircncia os homens estabelecem relaccedilotildees

determinadas necessaacuterias independente da sua vontade relaccedilotildees de

produccedilatildeo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das

forccedilas produtivas materiais O conjunto destas relaccedilotildees de produccedilatildeo constitui

a estrutura econocircmica da sociedade a base concreta sobre a qual se eleva

uma superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qual correspondem determinadas

formas de consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida material

condiciona o desenvolvimento da vida social poliacutetica e intelectual em geral

Natildeo eacute a consciecircncia dos homens que determina o seu ser eacute o seu ser social

que inversamente determina a sua consciecircncia (MARX 1973 p 28-28)

Esforccedilamo-nos em compreender como a histoacuteria da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

Pedagogia Paulo Freire onde se intercalam e como dialeticamente se aproximam Cheptulin

(1982) aponta para dialeacutetica como sendo formas gerais de estudar o ser os aspectos e os laccedilos

gerais da realidade as leis do reflexo desta uacuteltima na consciecircncia dos homens pensamento

fortemente presente na pedagogia freireana em que o ponto de partida da histoacuteria e da

realidade satildeo os sujeitos reais (FREIRE 2011)

Gadotti (1983) nos ajuda a situar a dialeacutetica materialista dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica

Natildeo se trata de pensar toda a histoacuteria da educaccedilatildeo pois o que teriacuteamos seria

o ponto de vista da dialeacutetica ou melhor uma leitura dialeacutetica do que foi a

educaccedilatildeo ateacute hoje Eacute o que jaacute fez por exemplo o grande filoacutesofo e

historiador argentino Anibal Ponce mostrando como a educaccedilatildeo enquanto

fenocircmeno social ligado a superestrutura soacute pode ser compreendida atraveacutes

da anaacutelise soacutecio-econocircmica da sociedade que a matem [] O meacuterito de

Anibal Ponce estaacute justamente em colocar em evidecircncia o princiacutepio da

dialeacutetica da relaccedilatildeo entre a consciecircncia e a estrutura econocircmica mostrando

como a luta pelo direito a educaccedilatildeo e agrave cultura acompanhou a luta pelos

demais direitos enfim a educaccedilatildeo natildeo estaacute separada da luta de classe

(GADOTTI 1983 p 39-40)

21

O Materialismo histoacuterico-dialeacutetico eacute a ciecircncia filosoacutefica do marxismo que estuda as

leis socioloacutegicas que caracterizam a vida da sociedade de sua evoluccedilatildeo histoacuterica e da praacutetica

social dos homens no desenvolvimento da humanidade O Materialismo histoacuterico significou

uma mudanccedila fundamental na interpretaccedilatildeo dos fenocircmenos sociais que ateacute o nascimento do

marxismo se apoiava na concepccedilatildeo idealista de sociedade humana (TRIVINtildeOS 1987)

Quando eacute adotada a perspectiva materialista histoacuterico-dialeacutetica o

desenvolvimento da humanidade eacute analisado como um processo histoacuterico

contraditoacuterio heterogecircneo que se realiza por meio das concretas relaccedilotildees

sociais de dominaccedilatildeo que tem caracterizado a histoacuteria da humanidade ateacute

aqui (SAVIANI DUARTE 2012 p 39)

Karel Kosik autor da ―Dialeacutetica do concreto publicado em 1963 um dos mais

eminentes expoentes do marxismo trabalha a realidade em sua totalidade natildeo se limita as

anaacutelises das partes mas procura estabelecer o caraacuteter dialeacutetico entre as partes e o todo Ele

analisa a ―realidade como um todo estruturado dialeacutetico no qual ou do qual um fator

qualquer (classes de fatos conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido

(KOSIK 2010 p 44) o que configura uma compreensatildeo bastante satisfatoacuteria para nossa

anaacutelise cujo objetivo eacute entender como as diferentes partes de uma realidade formam o

fenocircmeno abordado

Na pedagogia freireana cujo assento eacute a praacutexis educativa a compreensatildeo da realidade

eacute ponto chave para a tomada de conscientizaccedilatildeo dos sujeitos Para Freire (1987) a realidade eacute

construiacuteda historicamente sendo passiva de mudanccedila nega-se assim o determinismo de uma

realidade estaacutetica pronta imutaacutevel Para ele a superaccedilatildeo do estado de opressatildeo eacute uma tarefa

ontoloacutegica do homem

Esta superaccedilatildeo natildeo pode dar-se poreacutem em termos puramente idealistas Se

faz indispensaacutevel aos oprimidos para a luta por sua libertaccedilatildeo que a

realidade concreta de opressatildeo jaacute natildeo seja para eles uma espeacutecie de ―mundo

fechado (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual natildeo pudessem

sair mas uma situaccedilatildeo que apenas os limita e que eles podem transformar eacute

fundamental entatildeo que ao reconhecerem o limite que a realidade opressora

lhes impotildee tenham neste reconhecimento o motor de sua accedilatildeo libertadora

(FREIRE 1987 p 19)

Nesse sentido nos aproximamos de um materialismo praacutetico cujo princiacutepio natildeo se

pretende a captar a realidade sob forma de objeto ou como mera contemplaccedilatildeo Isso rompe

com a oposiccedilatildeo estanque sujeitoobjeto e concebe alternativamente a atividade humana como

22

uma atividade objetiva e transformadora ao mesmo tempo Desse modo o homem eacute

simultaneamente fruto das circunstacircncias histoacutericas e agente de mudanccedila das mesmas

Na contribuiccedilatildeo deste estudo optamos por uma investigaccedilatildeo no campo da pesquisa

qualitativa realizando um levantamento bibliograacutefico e uma anaacutelise documental Segundo Gil

(2002 p46)

O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da

pesquisa bibliograacutefica Apenas cabe considerar que enquanto na pesquisa

bibliograacutefica as fontes satildeo constituiacutedas sobretudo por material impresso

localizados nas bibliotecas na pesquisa documental as fontes satildeo muito

mais diversificadas e dispersas

A par disso realizamos uma busca em documentos da Universidade do Curso de

Pedagogia e tambeacutem da Comissatildeo Permanente de Vestibular (COMPERVE) e nos ocupamos

em analisar os documentos norteadores do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte uma vez que este constitui nosso recorte analiacutetico

Devido agrave dificuldade de realizarmos uma pesquisa com todos os estudantes do Curso

espalhados por todo o Estado do Rio Grande do Norte concordamos com Gil (2002 p46)

quando afirma que ―Outra vantagem da pesquisa documental eacute natildeo exigir contato com os

sujeitos da pesquisa Eacute sabido que em muitos casos o contato com os sujeitos eacute difiacutecil ou ateacute

mesmo impossiacutevel Em outros a informaccedilatildeo proporcionada pelos sujeitos eacute prejudicada pelas

circunstacircncias que envolvem o contato

Para dialogar com essa perspectiva metodoloacutegica trabalhamos com autores cujo

assento eacute tanto a resistecircncia como na transformaccedilatildeo do status quo social como a

organizaccedilatildeo coletiva na busca por direitos historicamente negados Nesse sentido Aroyo

(2011 2009) Caldart (2012 2010) Freire (1983 1991 2011 2012) Gadotti (1983 1996

2000) Ribeiro (2010) Saviani (2008) Apple (2012) Giroux (1986) entre outros Aleacutem disso

a anaacutelise dos marcos legais que norteiam a Educaccedilatildeo do Campo tambeacutem foi de grande

importacircncia para a formulaccedilatildeo da nossa base de sustentaccedilatildeo

Por fim entendemos que na pesquisa social haacute uma relaccedilatildeo definitiva entre o

pesquisador e o seu campo de estudo ―A visatildeo do mundo de ambos estaacute implicada em todo

23

processo de conhecimento desde a concepccedilatildeo do sujeito aos resultados do trabalho e agrave sua

aplicaccedilatildeo (DESLANDES et al 1994 p 14) Seguindo essa linha percebemos o quatildeo

proacuteximos estamos de todas essas questotildees trabalhadas e na verdade que nossas escolhas

nosso objetivo nossa metodologia natildeo eacute nem poderia ser obra do acaso eacute na verdade fruto

da nossa formaccedilatildeo social enquanto o sujeito mas sobretudo enquanto gente

24

2 DA EDUCACcedilAtildeO RURAL Agrave EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO UM NOVO TEMPO

PRA PLANTAR PRA SONHAR E PRA COLHER

Natildeo quero dizer poreacutem que porque esperanccediloso

atribuo a minha esperanccedila o poder de transformar a

realidade e assim convencido parto para o embate sem

levar em consideraccedilatildeo os dados concretos materiais

afirmando que minha esperanccedila basta Minha esperanccedila

eacute necessaacuteria mas natildeo eacute suficiente Ela soacute natildeo ganha a

luta mas sem ela a luta fraqueja e titubeia Precisamos

da esperanccedila criacutetica como o peixe necessita da aacutegua

despoluiacuteda

Paulo Freire Pedagogia da Esperanccedila 1992

21 A REFORMA DO ESTADO E SUAS IMPLICACcedilOtildeES NO CENAacuteRIO

EDUCACIONAL

A Reforma do Estado e a reestruturaccedilatildeo produtiva das deacutecadas de 1980 e 1990 assim

como a consolidaccedilatildeo das poliacuteticas neoliberais no campo econocircmico e social representam um

divisor quando nos referimos agrave atuaccedilatildeo do Estado frente agrave garantia de poliacuteticas (SADER

GENTILI 1995) Essas transformaccedilotildees tecircm significativa influecircncia no campo educacional e

eacute disso que trataremos agora

Luiz Fernandes Dourado em palestra no X Encontro Estadual da ANFOPE-PB e IX

Encontro Regional - NE ANFOPE realizado em Campina Grande ndash PB em 2012 afirma que

natildeo se pode compreender as poliacuteticas educacionais se natildeo fizer isso de maneira

contextualizada quais sejam as condiccedilotildees objetivas em que elas satildeo produzidas Obviamente

a economia tem papel de destaque na determinaccedilatildeo dessas condiccedilotildees Silva (2011) tratando a

questatildeo agrave luz do pensamento de Michael Apple afirma que as caracteriacutesticas da organizaccedilatildeo

da economia na sociedade capitalista afeta tudo aquilo que ocorre em outras esferas sociais

como a educaccedilatildeo e a cultura por exemplo

Para tanto antes de adentrarmos a reforma do estado e suas implicaccedilotildees na educaccedilatildeo eacute

salutar voltarmos ao entendimento do principal pilar de sustentaccedilatildeo dessa reforma o

25

neoliberalismo Sader e Gentili (1995) e Neves (2005) afirmam que o neoliberalismo nasceu

logo depois da II Guerra Mundial na regiatildeo da Europa e da Ameacuterica do Norte onde imperava

o capitalismo Foi uma reaccedilatildeo teoacuterica e poliacutetica veemente contra o Estado intervencionista de

bem-estar O pensamento neoliberal foi difundido inicialmente no Reino Unido no trabalho

do economista austriacuteaco Frederich Hayek (BALL 2011 SADER GENTILI 1995)

O surgimento do neoliberalismo apoacutes a Segunda Guerra e sua posterior

consolidaccedilatildeo a partir da deacutecada de 1980 trazem consigo um formidaacutevel

ataque contra o igualitarismo e a solidariedade coletivistalsquo em quaisquer de

suas formas desde a aparentemente mais benigna o Ministeacuterio do Bem-

estarlsquo das sociais-democracias europeacuteias ateacute a mais virulenta (a juiacutezo dos

ideoacutelogos neoliberais) corporificada no modelo sovieacuteticolsquo vigente na Uniatildeo

Sovieacutetica e nos paiacuteses do Leste Europeu Ambas as variantes nas palavras

de Hayek se movimentavam em prol de um mesmo objetivo a construccedilatildeo

de uma sociedade de iguais Eram por isso mesmo rotas alternativas que

desembocavam em um mesmo desastre civilizatoacuterio a servidatildeo moderna

(BORON 2000 p55)

Ainda para Sader e Gentili (na mesma obra) a chegada da grande crise do modelo

econocircmico do poacutes-guerra em 1973 quando todo o mundo capitalista avanccedilado caiu numa

longa e profunda recessatildeo combinando pela primeira vez baixas taxas de crescimento com

altas taxas de inflaccedilatildeo mudou tudo ―A rigidez do fordismo tornou-se um obstaacuteculo para o

crescimento do capitalismo A crise da deacutecada de 1970 foi a expressatildeo do esgotamento de um

modelo baseado na produccedilatildeo em massa de um lado e no chamado Estado de Bem-Estar

social de outro (DEL PINO 2011 p 67) A partir daiacute as ideias neoliberais passaram a

ganhar terreno

Expoente fundamental na difusatildeo do neoliberalismo Margaret Thatcher8 encontra-se

natildeo tanto na negativa da existecircncia de sociedade mas em sua radical e desoladora

reimaginaccedilatildeo da sociedade civil Ela se apoia em um renascimento do individualismo

competitivo e em um novo tipo de cidadatildeo-consumidor (BALL 2011)

As reformas econocircmicas de ―Ajuste estrutural implementadas na Ameacuterica Latina

estatildeo baseadas no que ficou conhecido como ―Consenso de Washington (NASCIMENTO

QUAIOTTI et al1997) Satildeo medidas que visam agrave abertura de economias nacionais

8 13 de outubro de 1925 mdash 8 de abril de 2013

26

desregulaccedilatildeo dos mercados cortes nos gastos sociais flexibilizaccedilatildeo dos direitos trabalhistas

privatizaccedilatildeo das empresas puacuteblicas e o controle do deacuteficit fiscal No Brasil apoacutes a

constituiccedilatildeo de 1988 vaacuterias emendas constitucionais vecircm sendo aprovadas com o objetivo de

desregulamentar a relaccedilatildeo capitaltrabalho (DEL PINO 2011)

Ball (2011p 23) explica que ―durante os uacuteltimos quinze anos temos testemunhado no

Reino Unido e tambeacutem na maioria das outras sociedades do mundo ocidental e das

sociedades desenvolvidas uma profunda transformaccedilatildeo nos princiacutepios de organizaccedilatildeo da

provisatildeo social especialmente no setor puacuteblico Del Pino (2011) citando Boroacuten e

Hobsbawm afirma que essas transformaccedilotildees tambeacutem chegaram a paiacuteses do hemisfeacuterio norte

e sul em especial na Ameacuterica Latina Afirma ainda que o seacuteculo XX que iniciou como o

seacuteculo das massas se despede ―como seacuteculo do desemprego em massa (DEL PINO 2011

p65)

Essa breve cronologia tem como objetivo mostrar de onde vem a discussatildeo A reforma

tem iniacutecio na deacutecada de 80 mas como vimos tem sua gecircnese bem antes ―Na verdade haacute uma

tendecircncia notaacutevel a um ―poacutes-1988 (BALL 2011 p 38) Isso significa que muitos

pesquisadores utilizam a reforma de 1988 como ponto zero excluindo em boa medida o que

a antecedeu

Essa introduccedilatildeo tambeacutem tem como objetivo mostrar as implicaccedilotildees da reestruturaccedilatildeo

produtiva no campo educacional Quais as consequecircncias da reforma pra noacutes pesquisadores

estudantes professores e trabalhadores na educaccedilatildeo em geral De iniacutecio vale salientar que a

reestruturaccedilatildeo tem como uma de suas finalidades a adequaccedilatildeo dos modelos produtivos ao

novo modelo econocircmico insurgente chamado por Ball (2011) ―poacutes-fordismo que

―caracteriza-se pelo aparecimento de setores produtivos inteiramente novos Isso jaacute nos

remete agrave implicaccedilatildeo de que a educaccedilatildeo passa a ser vislumbrada como um campo feacutertil e rico

em potencial a ser explorado pelo mercado capitalista em sua faceta neoliberal

Essas mudanccedilas natildeo se restringem ao campo produtivo mas de forma muito concisa

ao campo da individualidade dos sujeitos das subjetividades ―De este modo no soacutelo nos

encontramos en un momento de imposicioacuten de un determinado modelo de produccioacuten y

distribucioacuten de la riqueza sino ademaacutes en un proceso de resocializacioacuten de reorganizacioacuten

de los sentidos con los cuales conviviacuteamos (ALMANACID ARROYO 2011 p 264) Essa

27

posiccedilatildeo eacute ratificada por Ball (2011 p 32) quando afirma que ―outro aspecto da reestruturaccedilatildeo

eacute a formaccedilatildeo de novas subjetividades profissionaislsquo Natildeo simplesmente o que fazemos

mudou quem noacutes somos as possibilidades de quem deveriacuteamos nos tornar tambeacutem

mudaram

Nesse momento assistimos a educaccedilatildeo brasileira experimentar as consequecircncias

danosas dessa nova dinacircmica advinda do capitalismo em uma fase neoliberal como por

exemplo a ecircnfase na supervalorizaccedilatildeo de iacutendices de qualidade e eficiecircncia Essa construccedilatildeo

teve como assento o pensamento hegemocircnico de que esse seria natildeo somente o melhor

caminho mas tambeacutem o uacutenico para fugir da falecircncia estatal

Sob a ideologia da globalizaccedilatildeo os governos dos paiacuteses dependentes entre

eles o Brasil acenam com a necessidade de integraccedilatildeo agrave economia mundial

dentro dos padrotildees propostos por esta integraccedilatildeo como uacutenico meio de afastar

a degradaccedilatildeo social e o aprofundamento da condiccedilatildeo de pobreza destes paiacuteses

Todavia essa hipoacutetese eacute falsa A integraccedilatildeo atraveacutes do atual padratildeo de

desenvolvimento eacute impossiacutevel (DEL PINO 2011 p66)

A ideologia neoliberal ganha ecircnfase sobretudo com a derrocada dos governos

socialista principalmente com o fim da Uniatildeo Sovieacutetica e do comunismo na Europa Oriental

(SADER GENTILI 1995) Na contramatildeo desse processo emerge uma criacutetica tanta ao novo

modelo de sociedade como ao paradigma vigente de educaccedilatildeo

Com o esgotamento da Ditadura Civil Militar os movimentos sociais emergem e

desempenham papel fundamental na busca de uma pedagogia alternativa e de um modelo de

sociedade no qual o fatalismo ou o discurso poacutes-moderno de ―[] obstaacuteculos insuperaacuteveis

(FREIRE 2012 p 48) natildeo predomine A pedagogia histoacuterico-criacutetica e contra-hegemocircnica

fruto tanto de uma opccedilatildeo ideoloacutegica de sociedade como do periacuteodo de reabertura poliacutetica de

meados da deacutecada de 1980 desempenha papel central nesse momento histoacuterico

Eacute importante destacarmos a colocaccedilatildeo da expressatildeo ―contra-hegemocircnica pois ela

costura este texto por vaacuterios momentos Ainda que Gramsci natildeo tenha trabalhado o conceito

de contra-hegemonia sendo esse uma formulaccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho9 estamos

9 Carlos Nelson Coutinho eacute um dos maiores tradutores da obra de Gramsci no Brasil

28

amparados no inverso desse termo ou seja a hegemonia termo exaustivamente pensado por

Gramsci

A hegemonia seria a capacidade de um grupo social unificar em torno de seu projeto

poliacutetico um bloco mais amplo natildeo homogecircneo marcado por contradiccedilotildees de classe Desse

modo hegemonia eacute algo que se conquista por meio da direccedilatildeo poliacutetica e do consenso e natildeo

mediante a coerccedilatildeo Pressupotildee aleacutem da accedilatildeo poliacutetica a constituiccedilatildeo de uma determinada

moral de uma concepccedilatildeo de mundo numa accedilatildeo que envolve questotildees de ordem cultural na

intenccedilatildeo de que seja instaurado um ―acordo coletivo (GRAMSCI 1991) Para Coutinho

(1999) eacute a busca de uma classe particular para impor seus interesses comuns como interesse

geral da sociedade Nesse sentido a colocaccedilatildeo da expressatildeo contra-hegemonia estaacute

intrinsecamente ligada ao conceito de resistecircncia de luta

Dourado (2012) afirma que se a tradiccedilatildeo do estado brasileiro eacute ainda marcada por um

estado patrimonial em que pese ser este paiacutes a sexta economia do mundo para Fernandes

(1995) eacute um estado ―desigual e combinado Noacutes temos desde o maior avanccedilo tecnoloacutegico a

condiccedilotildees de miserabilidade eacute nesse tensionamento eacute nesse caldeiratildeo cultural social poliacutetico

e racial que vatildeo se traduzindo o horizonte das poliacuteticas puacuteblicas

Dourado (2011) nos mostra que a histoacuteria da educaccedilatildeo brasileira eacute marcada por

disputas entre diferentes projetos de educaccedilatildeo e sociedade O atual debate acerca do Plano

Nacional de Educaccedilatildeo (PNE) apesar de parecer recente data da deacutecada de 1930 quando os

Pioneiros elaboraram o primeiro esboccedilo de Plano arquivado logo em seguida pelo Estado

Novo e totalmente negligenciado pelo Regime Militar

Ainda conforme Dourado (2011 p 23) ―A Constituiccedilatildeo Federal de 1988 resultante de

amplo processo constituinte avanccedila consideravelmente no campo dos direitos sociais A

Constituiccedilatildeo determina que o Senado crie planos e programas nacionais O primeiro PNE (Lei

nordm 10172 de 09 de janeiro de 2001) foi aprovado no governo Itamar Franco e teria duraccedilatildeo

no Governo Fernando Henrique Cardoso no entanto o Governo do PSDB natildeo considerou o

plano como referencial para suas accedilotildees

Em 2010 com o prazo de vigecircncia do PNE prestes a expirar a sociedade civil

organizada pelo Foacuterum Nacional de Educaccedilatildeo (FNE) realiza a I Conferecircncia Nacional de

29

Educaccedilatildeo (2010) com o objetivo de intervir propositivamente no novo Plano a ser lanccedilado

pelo Congresso Nacional em 2011 O novo Plano Nacional de Educaccedilatildeo (PL 8035) se

configura dentro de um complexo campo de disputas de forccedilas Nesse sentido a sociedade

civil estaacute mais uma vez realizando conferecircncias de educaccedilatildeo municipais intermunicipais

distrital e estadual que culminaratildeo na Conferecircncia Nacional de Educaccedilatildeo de 2014 cuja

finalidade eacute garantir a aprovaccedilatildeo de um plano articulado nacionalmente democraacutetico e

popular (CONAE 2014)

Nesse contexto de efervescecircncia eacute de fundamental importacircncia a atuaccedilatildeo dos

movimentos de resistecircncia do campo na luta por educaccedilatildeo Esse movimento contra

hegemocircnico eacute importante para fazer frente agraves poliacuteticas neoliberais que avanccedilam na

contemporaneidade Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo passa a ser vista enquanto

propositiva de uma educaccedilatildeo que escapa tanto agrave pedagogia da hegemonia como ao modelo

rural de educaccedilatildeo que vem sendo destinado aos sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

(ARROYO 2009) Mesmo com todas as contradiccedilotildees e ressalvas que satildeo necessaacuterias

estamos pois vendo emergir um contraponto fundamental uma pedagogia politizada

assentada em princiacutepios criacuteticos que tem como foco o sujeito

Feita essa breve retrospectiva histoacuterica iniciamos nesse momento o debate sobre a

Educaccedilatildeo Rural e como a superaccedilatildeo desse paradigma eacute essencial para alcanccedilar a Educaccedilatildeo do

Campo cujos princiacutepios tecircm forte afinidade com a Pedagogia Paulo Freire e questotildees que

reclamam mudanccedilas estruturais no seio da sociedade brasileira

22 EDUCACcedilAtildeO RURAL PONTOS DE UMA EDUCACcedilAtildeO PAUPERIZADA

Apesar de evidenciarmos avanccedilos importantes no campo educacional o analfabetismo

ainda eacute um empecilho para a construccedilatildeo de uma sociedade mais autocircnoma tanto do ponto de

vista do desenvolvimento econocircmico do paiacutes como da emancipaccedilatildeo humana dos seus

cidadatildeos Ainda haacute uma barreira demasiadamente alta que impede os sujeitos de construiacuterem

melhores condiccedilotildees sociais de vida Esse problema se intensifica quando tomamos como foco

de investigaccedilatildeo a zona rural brasileira Segundo dados do uacuteltimo estudo do Instituto de

Pesquisa Econocircmica Aplicada (IPEA 2009) os iacutendices referentes ao analfabetismo das

populaccedilotildees do campo por exemplo satildeo sempre superiores quando comparados com as

populaccedilotildees residentes na zona urbana

30

Ainda segundo o estudo no meio rural haacute uma grande desigualdade de renda entre os

ricos e pobres uma vez que os primeiros satildeo os ―donos das terras e os segundos satildeo sempre

aqueles que trabalham nela Sabe-se que em sociedade como a nossa a posse da terra eacute

condiccedilatildeo primaacuteria para ascensatildeo social poliacutetica e econocircmica de um povo

Nas sociedades predominantemente agriacutecolas a propriedade da terra eacute a

principal fonte de poder econocircmico poliacutetico e social Como uma regra

simples podemos afirmar que quanto maior for a quantidade de terra

possuiacuteda maior seraacute o poder de seu proprietaacuterio (FEDER apud SHALIN

1976 p 73 traduccedilatildeo nossa)

A citaccedilatildeo acima nos ajuda a entender por um lado a posiccedilatildeo social privilegiada que as

classes detentoras de terras ocupam ateacute os dias de hoje A concentraccedilatildeo da terra tem causado

ao longo da histoacuteria grandes prejuiacutezos agraves populaccedilotildees do campo a falta de escolas e o

consequente analfabetismo eacute uma marca desse fenocircmeno de privaccedilatildeo Nesse momento eacute

necessaacuterio resgatar a urgecircncia de uma Reforma Agraacuteria popular no Brasil como forma de

atenuar esse grande deacuteficit histoacuterico Freire (2012 p 65) mostra que a natildeo realizaccedilatildeo de uma

reforma agraacuteria seacuteria eacute mais uma forma de manutenccedilatildeo de privileacutegios da classe dominante

[] Ao mesmo tempo contudo arquivam a realizaccedilatildeo de reforma agraacuteria

sem a qual se estrangula qualquer transformaccedilatildeo seacuteria nesse paiacutes Nenhuma

sociedade capitalista moderna deixou de fazer sua reforma agraacuteria

absolutamente indispensaacutevel agrave criaccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de um mercado

interno Eacute por isso que jaacute natildeo falam em Reforma Agraacuteria e natildeo porque seja o

seu processo uma velharia e sua realizaccedilatildeo um desrespeito agrave propriedade

privada como afirmam os donos do mundo e das gentes ( FREIRE 2012 p

65)

O monopoacutelio da terra causou feridas profundas cujas cicatrizes ainda estatildeo abertas no

seio da sociedade brasileira e que portanto ainda satildeo condicionantes que a sociedade precisa

enfrentar para alcanccedilar a melhoria de vida das classes trabalhadoras da cidade e do campo

Tomando o analfabetismo como exemplo ―Para a categoria localizaccedilatildeo observa-se

que na populaccedilatildeo rural a taxa de analfabetismo eacute de quase 228 Jaacute para a populaccedilatildeo

urbanametropolitana esse iacutendice eacute de 44 (IPEA 2009 p 10) Esses dados nos auxiliam

na explicitaccedilatildeo de uma realidade extremamente desigual marcada por preconceitos e

esquecimento Natildeo eacute um dado estatiacutestico tatildeo somente mas antes de tudo eacute um flagrante uma

prova da exclusatildeo secular que os sujeitos do campo brasileiro vecircm passando Freire (2011)

31

aponta para esse processo como a negaccedilatildeo da humanizaccedilatildeo negaccedilatildeo das vocaccedilotildees dos

homens vocaccedilatildeo negada na injusticcedila na exploraccedilatildeo na opressatildeo e na violecircncia dos

opressores

Desse modo o paradigma educacional no qual se assenta a Educaccedilatildeo Rural reside no

bojo do pensamento utilitarista e dominador de uma classe sobre a outra Ribeiro (2012 p

293) afirma que ―[] para definir educaccedilatildeo rural eacute preciso comeccedilar pela identificaccedilatildeo do

sujeito a que ela se destina Isso significa que as pessoas que estatildeo vinculadas a educaccedilatildeo

rural satildeo sujeitos cuja marca do trabalho nas atividades da agricultura lhes eacute fator

determinante Para Erick Wolf haacute uma relaccedilatildeo direta de exploraccedilatildeo que caracteriza o

camponecircs ―eacute somente quando um cultivador esta integrado em uma sociedade com um estado

ndash isto eacute somente quando o cultivador passa a estar sujeito a exigecircncias e sanccedilotildees de

detentores do poder exterior ao seu estrato social ndash que podemos falar propriamente em um

campesinato (WOLF 1976 p 26) Percebe-se assim uma aproximaccedilatildeo histoacuterica entre o

camponecircs e a exploraccedilatildeo do seu trabalho

Arroyo (2009) aponta para o descaso no qual a educaccedilatildeo das populaccedilotildees do campo

esteve submetida historicamente cuja finalidade natildeo ai aleacutem do ensino de teacutecnicas de plantio

e colheita no manuseio da terra Essa visatildeo utilitarista e preconceituosa legitimou os baixos

investimentos as escolas em condiccedilotildees precaacuterias e a pouca formaccedilatildeo dos profissionais

(ARAUacuteJO SILVA 2011) aleacutem disso acirrou a disparidade da escola rural em relaccedilatildeo agrave

escola urbana quando se pensa na qualidade O ensino dos sujeitos do campo foi marcado por

uma condiccedilatildeo humana assentada no pauperismo na exploraccedilatildeo e expropriaccedilatildeo da matildeo-de-

obra de forma mais ampla na negaccedilatildeo dos direitos baacutesicos como eacute a educaccedilatildeo

Poreacutem Freire (2012 p 59) os convida a refletir sobre a problemaacutetica e expotildee que

Jaacute deixo claro que nenhuma sociedade se livraraacute desses horrores por decreto

nem tampouco porque um de seus sujeitos fundamentais os dominantes num

gesto amoroso regale uma nova forma de viver aos ―condenados da terra A

superaccedilatildeo desses horrores implica decisatildeo poliacutetica mobilizaccedilatildeo popular

organizaccedilatildeo intervenccedilatildeo poliacutetica lideranccedila luacutecida democraacutetica esperanccedilosa

coerente tolerante

Paulo Freire um dos mais assiacuteduos defensores da Educaccedilatildeo Como Praacutetica da

Liberdade deixa claro que a superaccedilatildeo desse modelo de educaccedilatildeo que aqui podemos associar

a ―educaccedilatildeo bancaacuteria tem como pressuposto intriacutenseco a organizaccedilatildeo da classe trabalhadora

32

dos oprimidos essa libertaccedilatildeo jamais decorreraacute da ―falsa generosidade dos dominadores

(FREIRE 2011)

Esse modelo de educaccedilatildeo representou para escolas rurais grande atraso em relaccedilatildeo ao

processo educativo dos filhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo ainda sendo

comum visualizarmos escolas na zona rural em extrema precarizaccedilatildeo O esvaziamento dos

conteuacutedos a distacircncia entre a vida cotidiana dos alunos e o curriacuteculo da escola contribuiu de

forma direta e indiretamente para o abandono da escola pelas crianccedilas seja para ajudarem

seus pais na lida da agricultura ou nas tarefas domeacutesticas Certamente um ―curriacuteculo oculto

(SILVA 2011) contribui para esse processo de pauperismo

A despreocupaccedilatildeo com o trabalho dos sujeitos do campo eacute parte central que

caracteriza a Educaccedilatildeo Rural Haacute uma disparidade uma incongruecircncia muito significativa

entre o dia-a-dia e o que a escola mostra O cotidiano do estudante da escola do campo eacute rico

em diversidades naturais animais relacionais trabalho e no entanto esse cenaacuterio desaparece

no momento em que ele adentra a escola

Destinadas a oferecer conhecimentos elementares de leitura escrita e

operaccedilotildees matemaacuteticas simples mesmo a escola rural multisseriada natildeo tem

cumprido esta funccedilatildeo o que explica as altas taxas de analfabetismo e os

baixos iacutendices de escolarizaccedilatildeo nas aacutereas rurais (RIBEIRO 2012 p 193

apud CALDART et al 2012)

Percebe-se portanto que a Educaccedilatildeo Rural eacute resultado de uma loacutegica opressora natildeo

podendo ser pensada como um acidente metodoloacutegico que por acaso foi de um jeito e que

poderia ter sido de outro modo Pelo contraacuterio esse modelo tinha um propoacutesito uma

finalidade natildeo era neutra assim como nenhuma outra forma de educaccedilatildeo eacute Sabidamente natildeo

era a emancipaccedilatildeo dos sujeitos do campo ou a preparaccedilatildeo para a educaccedilatildeo superior o seu

propoacutesito mas antes as tarefas manuais da agricultura cuja necessidade educacional se

resumia aos anos iniciais do Ensino Fundamental

Freire (2011 p 83) afirma que ―Natildeo eacute de se estranhar pois que nessa visatildeo bancaacuterialsquo

da educaccedilatildeo os homens sejam vistos como seres da adaptaccedilatildeo do ajustamento Essa

educaccedilatildeo que Freire chama bancaacuteria e que serve perfeitamente agrave Educaccedilatildeo Rural esteve

embrionariamente ligada aos interesses dos latifundiaacuterios brasileiros tanto como formaccedilatildeo de

matildeo-de-obra como forma de manter privileacutegios dos ruralistas ao passo que negara a vocaccedilatildeo

33

ontoloacutegica do homem ou seja a vocaccedilatildeo de ser mais ―A escola rural estaacute profundamente

distanciada da realidade do trabalho e da vida dos agricultores uma vez que a educaccedilatildeo tem

sido utilizada pelas classes dominantes para manter a classe trabalhadora rural subordinada

aos seus interesses (RIBEIRO 2010 p 176)

Nesse sentido podemos observar um ―problema no curriacuteculo da educaccedilatildeo rural Esse

problema eacute resultado de interesses a saber ao longo da histoacuteria natildeo vimos em nenhum

horizonte uma accedilatildeo governamental que tivesse a finalidade de proporcionar uma educaccedilatildeo

diferenciada positivamente para os sujeitos do campo Pelo contraacuterio as accedilotildees estiveram

sempre ligadas muito mais aos interesses dos grandes latifundiaacuterios e da classe poliacutetica do

que agraves reais necessidades das populaccedilotildees camponesas

Se olharmos por exemplo o periacuteodo que compreende a deacutecada de 1940 aos anos

1960 veremos que esse interstiacutecio eacute fortemente marcado pelas campanhas de alfabetizaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas Esse fenocircmeno tem um imperativo como podemos observar na obra

de Saviani (2008 p 316)

O direito de voto contudo estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo o que levou

os governantes a organizar programas campanhas e movimentos de

alfabetizaccedilatildeo de jovens e adultos dirigidos natildeo apenas aos crescentes

contingentes urbanos mas tambeacutem a populaccedilatildeo rural Daiacute o surgimento de

campanhas ministeriais que se estenderam da deacutecada de 1940 ateacute 1963

Vale salientar que essas campanhas tinham como objetivo a educaccedilatildeo elementar nada

que ultrapassasse a fronteira do direito ao voto um exemplo eacute a Campanha Nacional de

Educaccedilatildeo Rural (CNER) Percebemos o quatildeo alarmante era o quadro em que estavam imersas

as populaccedilotildees do campo nesse periacuteodo Nessa mesma conjuntura mas com caraacuteter

eminentemente progressista surgem diversas organizaccedilotildees populares em vaacuterias partes do

paiacutes debatendo e organizando as populaccedilotildees pobres no sentido de conscientizar esses sujeitos

para intervirem conscientemente na poliacutetica e na sociedade brasileira Wanderley (2010 p

85) aponta que

No tempo decisivo citado sobre a emergecircncia dos processos educativos

populares irromperam os movimentos de cultura popular cujo viacutenculo com

os mesmos foram impactantes MCP do Recife de Natal do MEB Meacutetodo

Paulo Freire entre outros Jaacute naquela eacutepoca eles compareciam situados

como movimentos rurais e urbanos Sua influecircncia na poliacutetica da mesma

maneira foi exponencial na linha de pressionar por mudanccedilas de fundo por

34

isso mesmo no Brasil e em outros paiacuteses latino-americanos foram

duramente reprimidos nas ditaduras implantadas

Sobre o caraacuteter educativo dessa mobilizaccedilatildeo Saviani (2008 p 317) nos expotildee o

seguinte

A mobilizaccedilatildeo que toma vulto na primeira metade dos anos 1960 assume

outra significaccedilatildeo Em seu centro emerge a preocupaccedilatildeo com a participaccedilatildeo

poliacutetica das massas a partir da tomada de consciecircncia da realidade brasileira

E a educaccedilatildeo passa a ser vista como instrumento de conscientizaccedilatildeo A

expressatildeo ―educaccedilatildeo popular assume entatildeo o sentido de uma educaccedilatildeo do

povo pelo povo e para o povo pretendendo-se superar o sentido anterior

criticada como sendo uma educaccedilatildeo das elites dos grupos dirigentes e

dominantes pra o povo visando a controlaacute-lo manipulaacute-lo ajustaacute-lo agrave

ordem existente

Nesse panorama histoacuterico eacute salutar ressaltar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire como um

autecircntico representante desse momento histoacuterico Freire esteve preocupado antes de tudo em

inserir um caraacuteter poliacutetico agrave educaccedilatildeo em educar para a conscientizaccedilatildeo e a poliacutetica Daiacute sua

forte defesa da natildeo neutralidade da educaccedilatildeo pensamento oposto agravequele presente no ideaacuterio

da Educaccedilatildeo Rural ele opocircs-se veemente ao manuseio da formaccedilatildeo atrelada aos interesses

das classes opressora

Os espaccedilos populares forjaram grandes pensadores Paulo Freire eacute um desses que

comprova a experiecircncia e a realidade da cotidianidade como geradora de conteuacutedo de

curriacuteculo e como loacutecus para o desenvolvimento de uma praacutetica popular de educaccedilatildeo baseada

na necessidade do sujeito Esse vieacutes foi estrategicamente negligenciado pela Educaccedilatildeo Rural

Esse caraacuteter de uma educaccedilatildeo transformadora e libertaacuteria eacute usado na experiecircncia de

Angicos Estado do Rio Grande do Norte em 1963 onde Paulo Freire desenvolveu seu

―meacutetodo que alfabetizou trabalhadores rurais daquele municiacutepio em um curto intervalo de

tempo Ele e sua equipe ―[] Alfabetiza 300 trabalhadores Este trabalho obteacutem grande

repercussatildeo nacional e internacional Estende a experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN)

e Joatildeo Pessoa (PB) (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012

p146) Nessa experiecircncia o contexto do sujeito assume grande relevacircncia assim como o

trabalho

A concepccedilatildeo de campo na Educaccedilatildeo Rural tambeacutem apresentara um conceito

esvaziado colocado frequentemente como o lugar onde se produzem alimentos para manter a

35

cidade somente Um lugar sem vida anocircnimo anocircmico e anecircmico Essa era e ainda eacute para

muitos o ideaacuterio de campo que predomina em nossa sociedade

Em seu livro Gritti (2003) demonstra que a escola puacuteblica rural foi um

potente instrumento para a expansatildeo do capitalismo no campo brasileiro

trazendo como consequumlecircncia a desestruturaccedilatildeo do modo de vida dos

trabalhadores rurais principalmente seu trabalho os saberes e a cultura que

lhes satildeo proacuteprios (SAVIENI 2008 p 317)

Como jaacute afirmamos na Educaccedilatildeo Rural haacute uma distacircncia muito significativa entre os

conteuacutedos trabalhados em sala de aula e a realidade dos educandos isso eacute potencializado

ainda mais pelo livro didaacutetico e pela formaccedilatildeo do professor que em boa medida natildeo mora no

campo muitas vezes natildeo tem afinidade com aquela realidade e acaba reforccedilando estereoacutetipos

e preconceitos acerca do campo e dos sujeitos (ARAUacuteJO SILVA 2011) Como consequecircncia

desse distanciamento haacute um processo de urbanizaccedilatildeo das escolas do campo ou seja um

transplante da metodologia da escola urbana para a escola rural ou como eacute comum a

deslocaccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos do campo para as escolas da cidade

Segundo Ribeiro (2010) apesar de ter seu reconhecimento no final do Segundo

Impeacuterio a Educaccedilatildeo Rural tem seu desenvolvimento na primeira metade do seacuteculo XX Os

primeiros incentivos a esse modelo de educaccedilatildeo no Brasil se deram durante o Estado Novo

na deacutecada de 1930 Nesse momento essa educaccedilatildeo se dava em boa parte por campanhas de

alfabetizaccedilatildeo Tais campanhas estavam diretamente atreladas aos interesses da incipiente

industrializaccedilatildeo que chegara ao nosso Paiacutes e aos interesses eleitoreiros uma vez que o voto

estava condicionado agrave alfabetizaccedilatildeo como exposto anteriormente Ainda segunda a autora a

Educaccedilatildeo Rural estava baseada numa concepccedilatildeo evolucionista que considerava os costumes

e a vida do homem do campo como atrasado e necessaacuterio de ser evoluiacutedo

A partir da deacutecada de 1950 alguns oacutergatildeos satildeo criados com o objetivo de desenvolver

as regiotildees brasileiras que apresentavam maiores iacutendices de pobreza assim surge a

Superintendecircncia de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) o Instituto Nacional de

Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) a Superintendecircncia da Poliacutetica da Reforma Agraacuteria

(SUPRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agraacuterio (INDA) oacutergatildeos federais que

tratariam de questotildees relativas agrave reforma agraacuteria no Brasil (NETO 2007) Esperava-se com

isso a melhoria da vida da populaccedilatildeo do campo brasileiro entretanto muitas dessas agecircncias

36

se tornaram loacutecus de corrupccedilatildeo e manutenccedilatildeo de privileacutegios dos grupos dominantes do Norte

e Nordeste

Durante a Ditadura Civil Militar brasileira a educaccedilatildeo das populaccedilotildees camponesas

seguiu a reboque da modernizaccedilatildeo agriacutecola guinando ao sabor do vento da mecanizaccedilatildeo do

campo Essa educaccedilatildeo continuou a ser objeto de manutenccedilatildeo de privileacutegios da burguesia

agraacuteria e de negaccedilatildeo de direitos e emancipaccedilatildeo das populaccedilotildees rurais Na deacutecada de 1980

Carter (2010 p 38) afirma que

Um novo ciclo de mobilizaccedilatildeo por terra irrompeu com forccedila no iniacutecio da

deacutecada de 1980 de modo especial na Regiatildeo Sul Brasil Ele surgiu com o

apoio de uma rede progressista no meio religioso e a assistecircncia de vaacuterios

sindicatos de trabalhadores rurais em um contexto de intensa modernizaccedilatildeo

agriacutecola crescentes demandas na sociedade civil pela restauraccedilatildeo da

democracia e o decliacutenio gradual do regime militar O MST foi instituiacutedo

formalmente e em niacutevel nacional em janeiro de 1984 Um ano mais tarde o

Brasil testemunhou a inauguraccedilatildeo de um movo governo civil

Haacute um pensamento que advoga que durante a Ditadura Civil Militar houve uma

calmaria nos movimentos sociais como jaacute salientamos anteriormente entendemos que houve

na verdade uma censura um silenciamento dos atores sociais dos sujeitos Os movimentos

sociais estavam em luta estavam em formaccedilatildeo o MST por exemplo tem sua gestaccedilatildeo ainda

na deacutecada de 1970 assim como a Comissatildeo Pastoral da Terra ndash CPT que foi criada para

conter a onda de assassinatos de trabalhadores rurais e acabou tendo grande importacircncia na

proteccedilatildeo daqueles sem-terra que lutavam pela redemocratizaccedilatildeo do Brasil (SCOLESE 2008)

Esses movimentos embora natildeo tivessem em sua gecircnese a educaccedilatildeo como foco central jaacute

traziam uma denuacutencia importante e uma necessidade de reversatildeo da situaccedilatildeo negligente a qual

as populaccedilotildees rurais se encontravam

A Educaccedilatildeo Rural ainda eacute um fenocircmeno existente em nossa sociedade natildeo podemos

dizer que ela foi enterrada com o advento do paradigma10

da Educaccedilatildeo do Campo Sabe-se

que os desafios ainda satildeo muitos A educaccedilatildeo das comunidades rurais tem alcanccedilado avanccedilos

10 De acordo com Kuhn (2009) o conceito de paradigma eacute entendido como sendo o conjunto das realizaccedilotildees da

ciecircncia reconhecidas universalmente ou seja o paradigma refere-se a um conjunto de crenccedilas ou premissas

sobre o que se julga verdadeiro Satildeo processos de construccedilatildeo de conhecimentos capazes de elaborar teorias que

servem como ponto de partida para a resoluccedilatildeo de problemas da comunidade e satildeo o referencial para a

elaboraccedilatildeo de novos trabalhos cientiacuteficos

37

entretanto ainda haacute muito que avanccedilar A Educaccedilatildeo do Campo eacute uma utopia utopia

necessaacuteria que nas palavras de Paulo Freire citado por Moacir Gadotti (1996 p 732) ―eacute a

dialeacutetica entre o ato de denuacutencia do mundo que se desumaniza e o anuacutencio do mundo que se

humaniza

A Educaccedilatildeo do Campo forjada no bojo dos movimentos de resistecircncia tem sido uma

ferramenta para a classe trabalhadora fazendo o contraponto necessaacuterio ao modelo da nova

pedagogia da hegemonia (NEVES 2005) cujo fulcro tem sido o ideaacuterio privatista

desumanizador e mercantil Eacute nessa concepccedilatildeo que apontamos para a Educaccedilatildeo do Campo

como anunciante de outra possibilidade de educaccedilatildeo esse paradigma vem proporcionando

esperanccedila e ressignificando o sentida da luta pelo direito agrave educaccedilatildeo e agrave vida

23 EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO NO MEIO DAS PEDRAS TINHA UM CAMINHO

Como externamos a pouco de forma breve a Educaccedilatildeo do Campo tem dado passos

importantes rumo agrave construccedilatildeo de um novo paradigma educacional para as populaccedilotildees do

campo brasileiro Tem feito um tensionamento necessaacuterio ao atual modelo da pedagogia que

tornou-se hegemocircnica que de acordo com Freire (2011) a pedagogia dominante eacute a pedagogia

da classe dominante No entanto muitos afirmam que na realidade as escolas do campo ainda

apresentam problemas estruturais e que mudar o nome dessa educaccedilatildeo natildeo resolveraacute a

questatildeo De fato as escolas do campo ainda apresentam desafios a serem superados

entretanto eacute salutar perceber que algo estaacute acontecendo

Trazer o debate da educaccedilatildeo agrave tona natildeo eacute uma tarefa faacutecil e falar em educaccedilatildeo de

populaccedilotildees historicamente excluiacutedas residentes de uma aacuterea tida como atrasada como eacute

colocado o campo eacute uma tarefa ainda mais complexa Falar de uma educaccedilatildeo ―Para aleacutem do

capital ainda mais nesse tempo eacute sem duacutevida uma tarefa das mais louvaacuteveis A educaccedilatildeo do

Campo tem conseguido essa faccedilanha tem posto em xeque a educaccedilatildeo rural e tem sobretudo

conquistado pela luta sua institucionalidade e seu reconhecimento enquanto um direito da

classe camponesa Nesse sentido a mudanccedila natildeo tem se restringido somente agrave nomenclatura

mas principalmente as conquistas reais

38

Trazemos uma indagaccedilatildeo que nos diz muito sobre a questatildeo da educaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo Arroyo Caldart e Molina na 4ordf ediccedilatildeo da obra ―Por uma Educaccedilatildeo do

Campo de 2009 questionam

Interroga-nos porque nem sequer os governos democraacuteticos nem sequer o

movimento educacional progressista conseguiram colocar em seus

horizontes o direito dos camponeses agrave educaccedilatildeo O olhar negativo

preconceituoso do campo e seu lugar no modelo de desenvolvimento seriam

responsaacuteveis A agricultura camponesa vista como sinal de atraso

inferioridade como um modelo de produccedilatildeo de vida e cultura em extinccedilatildeo

Como quebrar o fetiche que coloca o povo do campo como algo agrave parte

(ARROYO CALDART MOLINA 2009 p 11)

Essas questotildees nos ajudam a entender o terreno em que estamos pisando Ele eacute repleto

de contradiccedilotildees eacute delicado por isso mesmo eacute preciso perspicaacutecia para mover-se nesse debate

em que pese os riscos de naturalizaccedilatildeo de fenocircmenos que satildeo histoacutericos e sociais

Para tomarmos como momento histoacuterico a Ditadura Civil Militar Fernandes (2010 p

163) afirma que

O Governo militar tentou minimizar os conflitos de terra com a implantaccedilatildeo

de projetos de colonizaccedilatildeo na Amazocircnia mas essa poliacutetica de fomentar a

migraccedilatildeo camponesa natildeo diminuiu os conflitos por terra na regiatildeo Sul

Sudeste e Nordeste do Paiacutes Desde o iniacutecio o regime militar reprimiu com

violecircncia as accedilotildees dos trabalhadores que reivindicaram seus direitos como o

acesso agrave terra e melhores condiccedilotildees de trabalho

Os conflitos no campo se tornaram uma constante A contraditoacuteria relaccedilatildeo entre

trabalho e capital tornou-se insustentaacutevel (RIBEIRO 2010) a reforma agraacuteria era uma

questatildeo premente Os movimentos sociais do campo retomam a bandeira da necessidade dessa

reforma como direito e sobretudo como paracircmetro de equidade social entre as populaccedilotildees

do campo e da cidade

Com o fim do regime militar nos anos 1980 sobretudo devido agraves pressotildees advindas da

sociedade civil11

os movimentos sociais assumem o protagonismo das lutas em defesa do

11 Para Gramsci diversamente ―sociedade civil designa o conjunto das organizaccedilotildees responsaacuteveis pela

elaboraccedilatildeo eou difusatildeo das ideologias compreendendo o sistema escolar os sindicatos os meios de

comunicaccedilatildeo as instituiccedilotildees de caraacuteter cientiacutefico e artiacutestico etc (COUTINHO 2011 p 25)

39

trabalho da terra da educaccedilatildeo Eacute nesse momento que irrompe como um dos principais

protagonistas da luta por uma Educaccedilatildeo do Campo o Movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra (MST) movimento social que para Fernandes (2012 p 496)

Reuacutene em sua base diferentes categorias de camponeses pobres ndash como

parceiros meeiros posseiros minifundiaacuterios e trabalhadores assalariados

chamados de sem terra e tambeacutem diversos lutadores sociais para desenvolver

as lutas pela terra pela Reforma Agraacuteria e por mudanccedilas na agricultura

brasileira

Esse cenaacuterio de exclusatildeo negaccedilatildeo de direitos e luta dos camponeses eacute propiacutecio ao

surgimento de praacuteticas educativas autecircnticas forjadas na proacutepria luta Como nos questiona

Freire (2011 p 42-43) ―Quem melhor que os oprimidos se encontraraacute preparado para

entender o significado terriacutevel de uma sociedade opressora Quem sentiraacute melhor que eles os

efeitos da opressatildeo Quem mais que eles para ir compreendendo a necessidade da

libertaccedilatildeo Nesse processo de luta emerge uma forma alternativa de educaccedilatildeo no campo do

campo e com o campo o que viria a tomar corpo e que hoje chamamos Educaccedilatildeo do Campo

Uma das principais diferenccedilas entre Educaccedilatildeo Rural e Educaccedilatildeo do Campo estaacute na

utilizaccedilatildeo e no propoacutesito dessas duas formas de educar A primeira como vimos estaacute

fortemente atrelada a utilizaccedilatildeo da matildeo-de-obra no trabalho dos latifuacutendios em condiccedilatildeo

humana precaacuteria A Educaccedilatildeo do Campo tem como objetivo a formaccedilatildeo para o trabalho e para

a vida pensa o sujeito em sua amplitude sua autonomia e sua capacidade de decidir Pensa

modelos de desenvolvimento para agricultura que natildeo resida no agronegoacutecio e na economia

de exportaccedilatildeo tatildeo somente mas uma economia solidaacuteria e a pequena propriedade como forma

de sustentabilidade ambiental e social para as populaccedilotildees tradicionais do campo

A pedagogia do oprimido dos excluiacutedos dos tempos de barbaacuterie natildeo estaacute

em encontrar meacutetodos novos para educar os baacuterbaros civilizar os oprimidos

ou incluir os excluiacutedos nos valores e saberes dos ―civilizados mas estaacute em

apreender com o conjunto de processos que os excluiacutedos e oprimidos

reinventam para continuar humanos manter seus valores e seus saberes sua

cultura e memoacuteria coletiva sua identidade e dignidade (ARROYO 2011 p

274)

Desse modo percebe-se uma niacutetida evidecircncia de que os movimentos sociais do campo

desenvolveram uma produccedilatildeo pedagoacutegica que tem como sustento suas proacuteprias necessidades

e seu espaccedilo de luta e trabalho

40

A mobilizaccedilatildeo do MST e outros segmentos da sociedade civil tiveram como resultado

a realizaccedilatildeo do I Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agraacuteria ndash

ENERA ndash realizado em Brasiacutelia e promovido pelo Movimento em parceria com a UnB a

Unesco o Unicef e a CNBB em junho de 1997 (RIBEIRO 2010) Como fruto desse encontro

e do acuacutemulo dos movimentos sociais na defesa dos direitos agrave educaccedilatildeo vimos brotar de um

chatildeo ―aacuterido e seco o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) uma das

grandes conquistas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera foi criado em 16 de abril de 1998 num contexto de organizaccedilatildeo e

mobilizaccedilatildeo dos Sem Terra em memoacuteria dos massacres de Corumbiara em Rondocircnia em

1995 e Eldorado dos Carajaacutes no Estado do Paraacute ocorrido em 1996 (SANTOS 2012)

Podemos dizer que a primeira conquista do Movimento de Educaccedilatildeo do Campo foi a

institucionalizaccedilatildeo desse Programa

O Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera) eacute uma

poliacutetica puacuteblica do governo federal especiacutefica para a educaccedilatildeo formal de

jovens e adultos assentados da Reforma Agraacuteria e do creacutedito fundiaacuterio e para

a formaccedilatildeo de educadores que trabalham nas escolas dos assentamentos ou

do seu entorno e atendem a populaccedilatildeo assentada (SANTOS 2012 p 629)

Assim podemos afirmar que o Programa eacute na verdade uma conquista pela via da luta

e da organizaccedilatildeo da sociedade camponesa em prol de um direito que eacute a educaccedilatildeo e de uma

necessidade que eacute a formaccedilatildeo de professores para as escolas do campo Como objetivos

gerais o Pronera se pretende a

I ndash oferecer educaccedilatildeo formal aos jovens e adultos beneficiaacuterios do Programa

Nacional de Reforma Agraacuteria (PNRA) em todos os niacuteveis de ensino e aacutereas

do conhecimento

II ndash melhorar as condiccedilotildees de acesso agrave educaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e

III ndash proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais

por meio da formaccedilatildeo e qualificaccedilatildeo do puacuteblico do PNRA e dos

profissionais que desenvolvem atividades educacionais e teacutecnicas nos

assentamentos (BRASIL 2011 p 13)

De acordo com o Decreto Nordm 7352 que dispotildee sobre a poliacutetica de educaccedilatildeo do campo

e o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria ndash Pronera ndash Satildeo beneficiaacuterios do

programa

41

I - populaccedilatildeo jovem e adulta das famiacutelias beneficiaacuterias dos projetos de

assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional

de Creacutedito Fundiaacuterio ndash PNFC

II - alunos de cursos de especializaccedilatildeo promovidos pelo INCRA

III - professores e educadores que exerccedilam atividades educacionais voltadas

agraves famiacutelias beneficiaacuterias e

IV - demais famiacutelias cadastradas pelo INCRA

Devido ao seu caraacuteter eminentemente popular o Pronera tem enfrentado barreiras

significativas tanto por parte dos oacutergatildeos de controle como o Tribunal de Contas da Uniatildeo por

exemplo como por setores conservadores da Cacircmara e no Senado Federal sendo a bancada

ruralista o maior expoente dessa oposiccedilatildeo Alem disso dentro das universidades tambeacutem tem

enfrentado desafios no que se refere a permanecircncia dos estudantes

No entanto como afirma Brandatildeo (2009) a Educaccedilatildeo Popular tem como essecircncia a

resistecircncia e a oposiccedilatildeo ao status quo social Como a Educaccedilatildeo do Campo herda demasiado

caraacuteter desse paradigma educacional assim como da pedagogia freireana essas tensotildees e

conflitos representam disputas inerentes ao tecido social

O resultado do I Enera aleacutem da criaccedilatildeo do Pronera teve ainda a inserccedilatildeo definitiva da

Educaccedilatildeo do Campo no cenaacuterio nacional como afirma Roseli Caldart (2012 p 257)

O surgimento da expressatildeo ―Educaccedilatildeo do Campo pode ser datada Nasceu

primeiro como Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo no contexto de preparaccedilatildeo da I

Conferecircncia Nacional por uma Educaccedilatildeo Baacutesica do Campo realizada em

Luziacircnia Goiaacutes de 27 a 30 de julho de 1998 Passou a se chamar Educaccedilatildeo

do Campo a partir das discussotildees do Seminaacuterio Nacional realizado em

Brasiacutelia de 26 a 29 de novembro de 2002 decisatildeo posteriormente reafirmada

nos debates da II Conferecircncia Nacional realizada em julho de 2004

A Educaccedilatildeo do Campo estaacute embrionariamente ligada aos movimentos sociais eacute a

educaccedilatildeo pensada por esses movimentos e natildeo para eles Desse modo pensar essa educaccedilatildeo

dissociada das praacuteticas e das lutas desses movimentos eacute cair num grande equiacutevoco A

Educaccedilatildeo do Campo tem sido uma ferramenta de luta para a classe trabalhadora do campo

natildeo como pura e simplesmente uma modalidade de ensino mas como um fenocircmeno capaz de

devolver aos sujeitos do campo a sua integraccedilatildeo com seu lugar

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

42

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica em

que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem absolutizar-se

fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-o a julgar o seu

mundo algo sobre que apenas se acha A sua integraccedilatildeo o enraiacuteza Faz dele na

feliz expressatildeo de Marcel ―um ser situado e datado (FREIRE 1983 p 42)

Desse modo a Educaccedilatildeo do Campo se propotildee a construir coletivamente um

contraponto a um paradigma educacional desumanizado que tem como fulcro os interesses do

mercado capitalista tatildeo somente A esse respeito Jesus (2006 p 51) afirma que

Essa educaccedilatildeo tem na sua origem a necessidade de reinventar as praacuteticas

sociais contra um processo perverso de uma forma hegemocircnica de

globalizaccedilatildeo econocircmica poliacutetica e cultural que impotildee aos diferentes paiacuteses

perifeacutericos e semi-perifeacutericos a reorganizaccedilatildeo das formas de poder de

produccedilatildeo do conhecimento e de desenvolvimento econocircmico e social que

aumenta assustadoramente a perda das autonomias e as desigualdades em

especial entre o povo brasileiro que vive no campo ou eacute excluiacutedo dele

Nesse sentido a Educaccedilatildeo do Campo natildeo estaacute acabada eacute pensada a partir das

demandas e necessidades mutaacuteveis que a realidade concreta apresenta Coaduna trabalho e

formaccedilatildeo como partes indissociaacuteveis para a construccedilatildeo do sujeito autocircnomo (SANTOS

2012) Essa Educaccedilatildeo natildeo estaacute paralela aos movimentos sociais ela eacute a educaccedilatildeo desses

movimentos Foi gestada nas lutas por terra nas ocupaccedilotildees nos assentamentos no

enfrentamento das desigualdades sociais Custou vidas e sonhos portanto eacute uma produccedilatildeo

pedagoacutegica autecircntica do movimento de resistecircncia que estaacute muito aleacutem do conceito esvaziado

de educaccedilatildeo dos tempos de produccedilatildeo

Eacute importante destacar que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo natildeo minimiza a

importacircncia dos conteuacutedos e dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela

humanidade Natildeo minimiza o curriacuteculo a gestatildeo o planejamento Muito pelo contraacuterio a

Educaccedilatildeo do Campo procurar encher de sentido esses instrumentos que foram esvaziados pela

loacutegica capitalista Busca explicitar o curriacuteculo oculto almeja a gestatildeo democraacutetica e

participativa busca ainda um planejamento no qual os sujeitos e suas realidades e

necessidades tambeacutem sejam parte Nesse sentido a criacutetica feita a Paulo Freire de formular

uma pedagogia sem conteuacutedos eacute hoje dirigida ao paradigma educacional em questatildeo No

entanto essas criacuteticas tecircm partido muito mais de setores burocraacuteticos da sociedade em que

pese natildeo reconheceram a importacircncia e os reais avanccedilos e conquistas dos sujeitos do campo

na contemporaneidade

43

24 PEDAGOGIA DA ALTERNAcircNCIA COMO VIDA ITINERANTE E MUacuteLTIPLOS

CONHECIMENTO

A necessidade de uma escola que respeite os saberes dos sujeitos forjados no trabalho

com a terra cujos direitos em boa medida o Estado lhes cerceou historicamente eacute

fundamental para o debate da Educaccedilatildeo do Campo Indubitavelmente a metodologia que

melhor compactua trabalho e formaccedilatildeo e cujo assento reside na relevacircncia das praacuteticas

culturais inerentes aos sujeitos do campo eacute a Pedagogia da Alternacircncia

Entendemos que a Pedagogia da Alternacircncia precisa ser situada dentro da perspectiva

do multiculturalismo12

do curriacuteculo Eacute uma proposta natildeo hegemocircnica utilizada pelos

movimentos sociais que se articulam na Via Campesina13

e que procura coadunar trabalho e

educaccedilatildeo o que sem duacutevida configura um dos maiores desafios da educaccedilatildeo na

contemporaneidade A inclusatildeo das praacuteticas dos trabalhadores nos conteuacutedos e metodologias

da escola eacute importante natildeo somente como forma de respeito mas como ferramenta de

equiparaccedilatildeo e permanecircncia desses sujeitos na escola

Segundo Ribeiro (2012) a Pedagogia da Alternacircncia tem origem com as Casas

Familiares Rurais (CFRlsquos) na Franccedila e com as Escolas Familiares Rurais (EFAlsquos) na Itaacutelia

―Pode-se dizer que eacute uma alternativa metodoloacutegica de formaccedilatildeo profissional agriacutecola para

jovens inicialmente do sexo masculino filhos de agricultores franceses (idem 2012 p 293)

Outra raiz histoacuterica ainda segundo a autora estaacute nas experiecircncias de trabalho e educaccedilatildeo

efetivadas na Ruacutessia poacutes-revolucionaacuteria de 1917 Expostas essas duas matrizes histoacutericas os

movimentos camponeses que pautam a educaccedilatildeo do campo no Brasil tendem a se filiarem

em sua maioria a essa segunda concepccedilatildeo histoacuterica

12 Multicultural eacute um termo qualificativo Descreve as caracteriacutesticas sociais e os problemas de governabilidade

apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma

vida em comum ao mesmo tempo em que reteacutem algo de sua identidade original Em contrapartida o termo

multiculturalismo e substantive Refere-se as estrateacutegias e politicas adotadas para governar ou administrar

problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais E usualmente utilizado no

singular significando a filosofia especifica ou a doutrina que sustenta as estrateacutegias multiculturais

Multicultural entretanto eacute por definiccedilatildeo plural (HALL 2009 p 52)

13 Criada em 1992 a Via Campesina eacute uma organizaccedilatildeo mundial que articula movimentos sociais que lutam pela

terra Entre seus objetivos a solidariedade eacute o mais presente A Via condena o modo predatoacuterio de produccedilatildeo

cujo objetivo se resume a exportaccedilatildeo condena a nomocultura o uso excessivo de agrotoacutexicos que satildeo

caracteriacutesticas do modelo de produccedilatildeo do agronegoacutecio (FERNANDES 2012)

44

Ela [a pedagogia da alternacircncia] brota do desejo de natildeo cortar raiacutezes Eacute uma

das pedagogias produzidas em experiecircncias de escolas do campo em que o

MST se inspirou Busca integrar a escola com a famiacutelia e a comunidade do

educando No nosso caso ela permite uma troca de conhecimento e o

fortalecimento dos laccedilos familiares e do viacutenculo dos educandos com o

assentamento ou acampamento o MST e a terra (CALDART 2009 p 104

Com grifos do autor)

Essa pedagogia natildeo foi gestada nas universidades ela natildeo envolve nem pesquisadores

nem docentes (RIBERIRO 2010) Eacute uma proposta que busca garantir interligaccedilatildeo entre dois

espaccedilos instituiccedilotildees de ensino e atividades de trabalho comum aos agricultores Esse meacutetodo

estaacute diretamente ligado agrave concepccedilatildeo de trabalho e educaccedilatildeo pautado pelos pensadores

marxistas que entendem que o trabalho tem em si um princiacutepio educativo capaz de garantir

uma formaccedilatildeo omnilateral pensamento esse tambeacutem advogado por Paulo Freire e educadores

criacuteticos do Brasil

A alternacircncia se divide em dois momentos o Tempo Escola (TE) em que os

educandos permanecem de duas semanas a dois meses dependendo do curso no espaccedilo da

escola em regime de internato e o Tempo Comunidade (TC) momento no qual os educandos

retornam agraves suas propriedades familiares ou agraves comunidades ou aos assentamentos ou ainda

aos acampamentos para colocarem em praacutetica os conhecimentos que foram objeto de estudo

no TE (RIBEIRO 2010)

Mais que uma caracteriacutestica de sucessotildees repetidas de sequumlecircncia a

alternacircncia enquanto princiacutepio pedagoacutegico visa desenvolver na formaccedilatildeo

dos jovens situaccedilotildees em que o mundo escolar se posiciona em interaccedilatildeo com

o mundo que o rodeia Buscando articular universos considerados opostos ou

insuficientemente interpenetrados ndash o mundo da escola e o mundo da vida a

teoria e a praacutetica o abstrato e o concreto ndash a alternacircncia coloca em relaccedilatildeo

diferentes parceiros com identidades preocupaccedilotildees e loacutegicas tambeacutem

diferentes (SILVA 2000 p 16)

Esse modelo de se fazer educaccedilatildeo pode ter um papel determinante no combate ao

processo nefasto que vem cerceando o direito dos povos do campo a terem acesso agrave educaccedilatildeo

de qualidade sem sair do campo em que pese agrave poliacutetica de nucleaccedilatildeo a qual temos

testemunhado na atualidade Esse processo tem a finalidade de diminuir custos com a

formaccedilatildeo dos filhos dos agricultores que satildeo deslocados para uma escola-nuacutecleo

normalmente localizada na cidade (Ribeiro 2010)

45

A Pedagogia da Alternacircncia compartilha saberes acadecircmico e aqueles advindos do

cotidiano do trabalho na agricultura na pesca nas florestas nos quilombos e em uma

infinidade de espaccedilos que o conceito de campo compreende na contemporaneidade Nesse

sentido a leitura de mundo dos sujeitos tem papel de destaque nessa pedagogia Para Freire

(1983) ―basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade Para ser capaz de

saber ainda que seja este saber meramente opinativo daiacute que natildeo haja ignoracircncia absoluta

nem sabedoria absoluta (p105) Outro fator importante eacute entender a situaccedilatildeo concreta do

sujeito no mundo como determinante para sua accedilatildeo (FREIRE 2011)

Desse modo compreendemos o curriacuteculo da Educaccedilatildeo do Campo neste trabalho

baseado na Pedagogia da Alternacircncia que uma vez partilhada entre tempo escola e tempo

comunidade significa uma possibilidade de associaccedilatildeo entre trabalho e formaccedilatildeo Essa

metodologia proporciona ainda uma maior aproximaccedilatildeo entre escola e comunidade de modo

a estreitar a dicotomia estabelecida entre teoria e praacutetica No Tempo Escola aleacutem da

aquisiccedilatildeo dos conteuacutedos eacute tambeacutem o momento de pensar sobre a loacutegica o sentido e o valor

social desses conteuacutedos No Tempo Comunidade busca-se a continuidade atraveacutes da praacutexi

dos conhecimentos adquiridos na escola Para melhor esclarecer esse processo vejamos a

seguinte citaccedilatildeo

No Tempo Escola os educandos formam um coletivo muitas vezes oriundos

de diferentes comunidades que ao trazer questotildees reflexotildees

problematizaccedilotildees das suas localidades especiacuteficas ampliam o processo de

reflexatildeo sobre as realidades do campo confrontando as muacuteltiplas situaccedilotildees

que as compotildeem No Tempo Comunidade cada educando individualmente

ou em pequenos grupos deve reafirmar seu envolvimento com sua

comunidade desenvolvendo nela as atividades de pesquisa reflexatildeo

problematizaccedilatildeo e em alguns casos intervenccedilatildeo Dessa forma cria-se um

novo coletivo de accedilatildeo (educando ndash comunidade) que permite inclusive a

participaccedilatildeo indireta do conjunto da comunidade no processo educativo

reforccedilando a relaccedilatildeo escola ndash comunidade (ANTUNES-ROCHA MARTINS

2011 p 226)

Fica evidente que haacute uma aproximaccedilatildeo entre os dois momentos e que ambos satildeo

formativos Aleacutem disso se coloca de forma expliacutecita o trabalho com as experiecircncias e

multiplicidades de culturas que os povos do campo trazem consigo com o outro e com

mundo

46

As peculiaridades da Educaccedilatildeo do Campo natildeo podem ser entendidas como adaptaccedilotildees

ou como modelo da educaccedilatildeo hegemocircnica antes deve ser entendida com autenticidade Sua

organizaccedilatildeo portanto natildeo pode se pautar na educaccedilatildeo urbana adaptada ao campo mas sim

uma educaccedilatildeo proacutepria desse campo Suas conquistas foram arrancadas do seio da educaccedilatildeo

posta historicamente uma educaccedilatildeo que jamais destinou espaccedilo em seu curriacuteculo agraves

vivecircncias agrave leitura de mundo dos sujeitos ou ao trabalho agriacutecola desempenhado pelos povos

do campo14

Verificamos portanto o surgimento desse paradigma metodoloacutegico natildeo como uma

criaccedilatildeo academicista mas como uma necessidade de um modelo ou uma metodologia que

coadune formaccedilatildeo escolar e trabalho praacutetico A Pedagogia da Alternacircncia se confunde com a

proacutepria Educaccedilatildeo do Campo visto que ela natildeo foi uma formalidade acadecircmica pensada e

pesquisada para as populaccedilotildees campesinas ainda que tenha grandes contribuiccedilotildees de

pesquisadores das universidades ela surgiu da necessidade dos proacuteprios trabalhadores e

trabalhadoras do campo

Entendendo as dimensotildees poliacuteticas e ideoloacutegicas das quais o curriacuteculo estaacute permeado

os movimentos sociais do campo foram categoacutericos em apontar para a alternacircncia como

sustentaccedilatildeo da sua praacutetica educativa Assim como eacute salutar diferenciarmos Educaccedilatildeo do

Campo de Educaccedilatildeo Rural sempre que formos chamados a refletir sobre a educaccedilatildeo destinada

agraves populaccedilotildees camponesas tambeacutem eacute importante externar a diferenccedila que haacute de forma mais

decomposta entre o curriacuteculo desses dois paradigmas de se pensar o ensino Ribeiro (2010)

fazendo uma diferenciaccedilatildeo entre os dois modelos curricular aponta

[] 3ordm) Curriacuteculo objetivos e metodologia da escola rural estatildeo direcionados

para o sistema de produccedilatildeo de mercadorias no qual o proacuteprio ser humano eacute

uma mercadoria que pode ser descartaacutevel e flexiacutevel em tempos de desemprego

estrutural e tecnoloacutegico Para a escola baacutesica do campo a memoacuteria das lutas e

das experiecircncias produtivistas constitui-se na base curricular em que se

articulam a produccedilatildeo da vida dos alimentos da sociedade e da ciecircncia Em

14 Nesse momento eacute salutar esclarecer que ao nos referimos a sujeitos do campo estamos tratando de sujeitos

concretos de assentamentos aacutereas indiacutegenas quilombolas pescadores povos que tiram sua subsistecircncia das

florestas e toda a abrangecircncia que o termo campo engloba na contemporaneidade Os sujeitos do campo satildeo

antes de tudo cidadatildeo concretos que contribuem social econocircmico e culturalmente para com as melhorias e

avanccedilos que tivemos em nosso paiacutes

47

contraposiccedilatildeo ao conhecimento cientiacutefico que expulsa e subordina os

agricultores a proposta dos movimentos sociais populares ruraisdo campo

pensa a produccedilatildeo do conhecimento a partir das experiecircncias dos agricultores

articulando tais experiecircncias com o conhecimento cientiacutefico e tecnoloacutegico

socialmente produzido (RIBEIRO 2010 p 197)

Nesse sentido o curriacuteculo da escola do campo pretendido pelos movimentos sociais eacute o

que se adeacutequa agrave vida e ao trabalho das populaccedilotildees do campo e melhor intercala formaccedilatildeo

escolar cotidiano e cultura camponesa A proposta pedagoacutegica da alternacircncia tem sido o

caminho percorrido na busca da formulaccedilatildeo de um curriacuteculo democraacutetico e que atenda de

forma satisfatoacuteria as expectativas da Educaccedilatildeo do Campo

Ainda que tenhamos apontados os pontos positivos da Pedagogia da Alternacircncia

precisamos refletir sobre aspectos que tecircm se apresentado como preocupantes dialogaremos

melhor sobre as criacuteticas a essa proposta quando estivermos analisando o curriacuteculo do curso

Pedagogia da Terra pois seraacute mais faacutecil exemplificar essas preocupaccedilotildees Adiantamos que haacute

uma grande dificuldade em estabelecer a matildeo dupla entre escolauniversidade e comunidades

Tempo Escola e Tempo Comunidade tambeacutem tecircm ocorrido de forma bastante diferente do

que se pretende mas isso veremos mais adiante

25 DAS MUITAS LUTAS VIERAM AS CONQUISTAS FUNDAMENTOS JURIacuteDICOS

DA EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO

Nesse momento eacute salutar externarmos alguns avanccedilos que o Movimento de Educaccedilatildeo

do Campo vem conseguindo nessa empreitada de lutas diaacuterias que tem travado contra o

Estado de classe que predomina em nossa sociedade Eacute importante destacar que as conquistas

ateacute aqui alcanccediladas satildeo de meacuterito da resistecircncia que os povos do campo tecircm empreendido ao

longo dos anos na busca pela garantia dos seus direitos os quais a historia nos mostra que

foram cerceados ou negados ao longo dos tempos

O trabalho precaacuterio a espoliaccedilatildeo sofrida pelos camponeses e pelas camponesas satildeo

marcas visiacuteveis de uma sociedade excludente e atrasada Sendo assim a organizaccedilatildeo dessas

populaccedilotildees tradicionais eacute antes de tudo um direito tendo em vista a legitimidade de lutar

contra a opressatildeo A sociedade tem uma diacutevida com esses grupos portanto

48

cronologicamente estaacute na hora de assumir essa responsabilidade no sentido de garantir os

direitos baacutesicos e fundamentais aos sujeitos do campo

A aprovaccedilatildeo da primeira Lei de Diretrizes e Bases da educaccedilatildeo nacional 40241961

fora norteada pela discussatildeo entre defensores da educaccedilatildeo puacuteblica e os da escola particular e

natildeo traz avanccedilos significativos agraves populaccedilotildees trabalhadoras do campo a Lei eacute uma ―meia

vitoacuteria na voz de Aniacutesio Teixeira ―mas vitoacuteria (SAVIANI 2008) A Lei 402461 ainda

apresentara em seu acircmago uma orientaccedilatildeo pela adaptaccedilatildeo do ao meio numa clara alusatildeo a

uma visatildeo civilizatoacuteria e evolucionista do sujeito do campo (MEC 2002)

A Lei nordm 4024 de dezembro de 1961 resultou de um debate que se prolongou

durante 13 anos gerando expectativas diversas a respeito do avanccedilo que o

novo texto viria a representar para a organizaccedilatildeo da educaccedilatildeo nacional O

primeiro anteprojeto e os demais substitutivos apresentados deram visibilidade

ao acirrado embate que se estabeleceu na sociedade em torno do tema O

anteprojeto elaborado pelo GT indicado sob a orientaccedilatildeo do Ministro

Clemente Marianne representou o primeiro esforccedilo de regulamentaccedilatildeo do

previsto na Carta Magna (1946) Este aleacutem de reforccedilar o dispositivo

constitucional expressa as mudanccedilas que perpassavam a sociedade em seu

conjunto Logo em seguida diversos substitutivos entre os quais os que foram

apresentados por Carlos Lacerda redirecionaram o foco da discussatildeo

Enquanto o primeiro anteprojeto se revelava afinado com as necessidades

educacionais do conjunto da sociedade dando ecircnfase ao ensino puacuteblico a

maior parte desses substitutivos em nome da liberdade representavam os

interesses das escolas privadas (MEC 2002 p 25-26)

Em 11 de agosto de 1971 eacute sancionada a Lei 5692 que fixara diretrizes e bases para

o ensino de 1ordm e 2ordm grau e de outras providecircncias (MEC 2002 p 27) Alguns entendem

como a segunda LDB e outros vecircm como a 402461 com algumas adequaccedilotildees A Lei

propotildee ajustamento agraves diferenccedilas culturais das diferentes regiotildees Tambeacutem prevecirc a

adequaccedilatildeo do periacuteodo de feacuterias agrave eacutepoca de plantio e colheita de safras No entendo em boa

medida reafirma o caraacuteter da LBD anterior apontando para a necessidade de adaptaccedilatildeo do

camponecircs agrave terra

Para Saviani (2008) e Porto (2007) a Lei nordm 569271 teve funccedilatildeo ideoloacutegica no

sentido de dar sustentaccedilatildeo ao periacuteodo de secessatildeo democraacutetica no qual o Brasil iniciara no

ano de 1964 Nesse periacuteodo o Governo autoritaacuterio buscava uma maior inserccedilatildeo nos estados

mais pobres do Brasil com ecircnfase no Norte e Nordeste Desse modo em muitos casos essa

lei teve um caraacuteter muito mais de instrumento poliacutetico do governo do que propriamente

49

educacional Segundo os autores a lei 569271 foi promulgada sob a eacutegide da estrateacutegia do

―autoritarismo triunfante

A Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496 representou um avanccedilo

significativo para a educaccedilatildeo dos povos do campo sobretudo no que se refere agrave

especificidade desses sujeitos Em seu artigo 28 podemos observar que

Na oferta da Educaccedilatildeo Baacutesica para a populaccedilatildeo rural os sistemas de Ensino

promoveratildeo as adaptaccedilotildees necessaacuterias agrave sua adequaccedilatildeo agraves peculiaridades da

vida rural e de cada regiatildeo especialmente

I- conteuacutedos curriculares e metodologias apropriadas agraves reais necessidades e

interesses dos alunos na zona rural

II- organizaccedilatildeo escolar proacutepria incluindo adequaccedilatildeo do calendaacuterio escolar agraves

fases do ciclo agriacutecola e agraves condiccedilotildees climaacuteticas

III- adequaccedilatildeo agrave natureza do trabalho na zona rural

Os avanccedilos que temos observado sobretudo a partir da primeira deacutecada do seacuteculo

XXI do ponto de vista institucional se devem em grande medida agrave organizaccedilatildeo das

populaccedilotildees do campo e agrave resistecircncia histoacuterica que tem caracterizado essa populaccedilatildeo

Fruto de um novo cenaacuterio poliacutetico social e econocircmico a primeira deacutecada do Seacuteculo

XXI apresenta avanccedilos significativos sobretudo nas aacutereas sociais e educacionais ainda que

fortemente atrelados agraves poliacuteticas neoliberais da deacutecada de 1990

A Resoluccedilatildeo CNECEB 1 de 342002 portanto institui as Diretrizes

operacionais para a educaccedilatildeo baacutesica nas escolas do campo Nessa

resoluccedilatildeo percebe-se o reconhecimento de que a escola do campo tem uma

identidade vinculada agrave realidade na qual estaacute inserida [] Ao mesmo tempo

ressalta a importacircncia da educaccedilatildeo para o exerciacutecio pleno da cidadania e para

um desenvolvimento do paiacutes que consiste na solidariedade e a justiccedila social

envolvendo as populaccedilotildees rurais e urbanas (RIBEIRO 2010 p 191)

As Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo do Campo procura englobar o

entendimento de campo isto eacute o que entes era entendido como lugar de plantar passa por

uma ampliaccedilatildeo que vai de comunidades remanescente de quilombos comunidades indiacutegenas

pescadores assentados da reforma agraacuteria aacutereas ribeirinhas comunidades sem-terra e seus

sujeitos agregados caboclos meeiros entre outras (RIBEIRO 2010)

O campo nesse sentido mais do que um periacutemetro natildeo urbano eacute um campo de

possibilidades que dinamizam as ligaccedilotildees dos seres humanos e com a proacutepria produccedilatildeo das

condiccedilotildees da existecircncia social (MEC 2002) Nesse sentido as reivindicaccedilotildees por poliacuteticas

50

puacuteblicas para esses povos assim como a valorizaccedilatildeo e reconhecimento dos seus saberes e

praacuteticas passa a ser foco subjacente desse novo periacuteodo

A aprovaccedilatildeo das Diretrizes Operacionais para a Educaccedilatildeo Baacutesica nas Escolas do

Campo eacute o resultado das reivindicaccedilotildees dos movimentos sociais que lutam por educaccedilatildeo de

qualidade e vida digna para os povos do campo com destaque para o MST A aprovaccedilatildeo das

Diretrizes tem a contribuiccedilatildeo de vaacuterias organizaccedilotildees sociais comprometidas com as

transformaccedilotildees que a contemporaneidade enseja Satildeo Movimentos Sociais Conselhos

Estaduais e Municipais de Educaccedilatildeo Uniatildeo Nacional dos Dirigentes Municipais de Educaccedilatildeo

(UNDIME) universidades e instituiccedilotildees de pesquisa o Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentaacutevel Organizaccedilotildees Natildeo Governamentais e diversos outros

setores engajados em projetos direcionados para o desenvolvimento socialmente justo no

espaccedilo diverso e multilateral do campo (MEC 2002)

Podemos observar que as Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo vieram

como subsiacutedio e reforccedilam agrave LDB 939496 que jaacute estabelecera normas especiacuteficas agrave Educaccedilatildeo

do campo como podemos ler no artigo 5ordm das Diretrizes Operacionais das Escolas do campo

As propostas pedagoacutegicas das escolas do campo respeitadas as diferenccedilas e o

direito agrave igualdade e cumprindo imediata e plenamente o estabelecido nos

artigos 23 26 e 28 da Lei 9394 de 1996 contemplaratildeo a diversidade do

campo em todos os seus aspectos sociais culturais poliacuteticos econocircmicos de

gecircnero geraccedilatildeo e etnia( LDB 1996 p 23)

O processo de normatizaccedilatildeo eacute sem duacutevida de suma importacircncia para a garantia do

direito No entanto sabe-se que esse direito eacute demasiado abstrato enquanto natildeo eacute usufruiacutedo

Sabemos ainda que como escreveu Freire (2012) natildeo seraacute por decreto que a sociedade se

livraraacute dos horrores e das grandes desigualdades que a afligem A Associaccedilatildeo Nacional pela

Formaccedilatildeo dos Profissionais da Educaccedilatildeo (ANFOPE 2010 p 90) ratifica que ―natildeo seraacute a

implementaccedilatildeo de novas leis que asseguraraacute as mudanccedilas necessaacuterias na educaccedilatildeo poreacutem a

legislaccedilatildeo reflete o campo de forccedilas que contorna as disputas pela sua criaccedilatildeo implementaccedilatildeo

e controle Sabemos ainda que esse eacute um passo de suma importacircncia para a conquista dos

objetivos ensejados

51

3 A PEDAGOGIA FREIREANA COMO CONTRIBUICcedilAtildeO Agrave EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO

ldquoOs socialistas estatildeo aqui para lembrar ao mundo que em

primeiro lugar devem vir as pessoas e natildeo a produccedilatildeo As pessoas

natildeo podem ser sacrificadas Nem tipos especiais de pessoas ndash os

espertos os fortes os ambiciosos os belos aqueles que podem um

dia vir a fazer grandes coisas ndash nem qualquer outra

Especialmente aquelas que satildeo apenas pessoas comunsrdquo

Eric Hobsbawm (1992)

Os avanccedilos no tocante a Educaccedilatildeo do Campo satildeo notoacuterios O movimento ganhou

corpo e a resistecircncia organizada obteve conquistas e melhorias significativas agraves populaccedilotildees

tradicionais do campo brasileiro em que pese reconhecermos o esquecimento ao qual boa

parte dos sujeitos do campo ainda estatildeo imersos Batista (2009 p 207) afirma que ―no Brasil

a educaccedilatildeo enquanto poliacutetica de estado tem sido instrumentalizada pelo projeto histoacuterico

capitalista e seus poderes hegemocircnicos para atender aos seus interesses

Em contraponto a esse modelo de desenvolvimento e de sociedade os movimentos

sociais tecircm se organizado no sentido de garantir uma agente propositiva para os setores

historicamente colonizados

No contexto atual do capitalismo mundializado em que apesar da crise

estrutural predomina a hegemonia do capital na produccedilatildeo econocircmica social

poliacutetica e nas poliacuteticas de educaccedilatildeo a educaccedilatildeo dos movimentos se afigura

como instituinte orgacircnica de um projeto de sociedade e que tem como fim a

formaccedilatildeo humana o sujeito histoacuterico que constroacutei pela luta e resistecircncia a

emancipaccedilatildeo social e dos seres humanos como um devir como uma

possibilidade de construir uma nova sociedade (BATISTA 2009 p 208)

A educaccedilatildeo pautada pelos movimentos sociais do campo tecircm se afinado em muito

com o projeto contra-hegemocircnico de sociedade Tem feito um enfretamento necessaacuterio ao

modelo neoliberal de educaccedilatildeo que tem propagado abertamente o fim das alternativas

afirmando deliberadamente que natildeo haacute opccedilatildeo fora do paradigma globalizado O papel dos

movimentos tecircm sido mostrar justamente o contraacuterio O Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

52

Campo encontra eco no seio da Pedagogia Paulo Freire cujo sentido tem sido inventado e

reinventado nos muitos exemplos e na diversidade de experiecircncias pelo Brasil

Desse modo o paradigma contra-hegemocircnico natildeo eacute uma criaccedilatildeo do imaginaacuterio de

idealistas mas eacute antes uma possibilidade concreta que nos permeia como assinala Gadotti

(1999 p 268)

A educaccedilatildeo popular e socialista natildeo eacute uma ideacuteia abstrata nem uma utopia

pedagogista Ela se encontra em desenvolvimento entre noacutes por exemplo no

proacuteprio processo de resistecircncia e de luta pela superaccedilatildeo das desigualdades

Nesse momento histoacuterico no Brasil ela constitui-se um instrumento dessa

luta

A necessidade em uma educaccedilatildeo alternativa que assuma a classe oprimida como

resultado de um processo histoacuterico vai de encontro agrave educaccedilatildeo pretendida pelo Estado Uma

educaccedilatildeo libertadora que consiga enxergar a realidade do sujeito como geradora de conteuacutedo

que entenda a situaccedilatildeo de pobreza e miseacuteria fora do determinismo religioso e que sobretudo

aponte saiacutedas e possibilidades de liberdade para o ser eacute necessaacuteria e urgente A escola tornou-

se importante instrumento de difusatildeo da pedagogia da hegemonia ou pedagogia da

conservaccedilatildeo e concomitantemente em veiacuteculo que limita e emperra a construccedilatildeo e a

veiculaccedilatildeo de uma pedagogia da contra-hegemonia (NEVES 2005)

A contemporaneidade nos mostra que o discurso de negaccedilatildeo do acesso agrave educaccedilatildeo por

parte do Estado jaacute natildeo se sustenta com tanto vigor Eacute preciso nesse momento em que haacute um

forte discurso sobre acesso e permanecircncia sobretudo de estudantes da classe trabalhadora

pensar a quem interessa esse ensino e retomar a claacutessica questatildeo a serviccedilo de que e de quem

estaacute tal ensino Tendo em vista o atual estado de vigecircncia da pedagogia da hegemonia Rossi

(1980) afirma que quanto mais educaccedilatildeo nesse sentido [da hegemonia] tanto mais

conformidade isto eacute mais a sociedade permaneceraacute conforme o modelo vigente Ou ainda

mais claramente quanto mais conformaccedilatildeo e conformidade tanto mais educaccedilatildeo

Assim partindo do pressuposto que o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo bebe da

heranccedila da Pedagogia Paulo Freire essa dialogicidade entre as concepccedilotildees tem feito um

tensionamento importante e necessaacuterio ao atual modelo que a sociedade adquiriu com o

advento do neoliberalismo A educaccedilatildeo criacutetica eacute cada vez mais urgente sobretudo em tempos

53

de massificaccedilatildeo em que se apregoa a universalizaccedilatildeo do ensino escolarizado como a meta do

seacuteculo

Por fim entendemos que a educaccedilatildeo seja pra todos e todas afinal eacute um direito

humano fundamental mas que ela natildeo cegue natildeo reduza a capacidade de pensar e agir mas

sim que tenha a capacidade de injetar acircnimo e esperanccedila no camponecircs na camponesa no

desempregado e na desempregada na crianccedila no jovem e no idoso O cerne dessa educaccedilatildeo

encontra-se na pedagogia freireana nas praacuteticas da Educaccedilatildeo do Campo no Movimento Sem

Terra e em vaacuterios outros espaccedilos que dialogam com a Educaccedilatildeo Popular

31 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO ATUAL DEBATE DA

EDUCACcedilAtildeO DO CAMPO CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Partindo do pressuposto inicial desta pesquisa em que pensaacutevamos qual a

contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Chegamos a alguns pontos centrais desta reflexatildeo A contemporaneidade do debate da

Educaccedilatildeo do Campo nos aponta para uma perspectiva dialoacutegica entre a Pedagogia Paulo

Freire e os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo Haacute uma indissociabilidade entre ambas Sendo

a primeira portadora da essecircncia que alimenta a segunda satildeo por conseguinte pedagogias

que se complementam (SILVA FILHO PORTO 2012)

Em um tempo em que a educaccedilatildeo criacutetica libertadora e preocupada com questotildees

poliacuteticas sociais e histoacutericas tornou-se ―alieniacutegena caduca e ―comunista de postura

antiquada ou idealista cabe um questionamento faz sentido insistir na divulgaccedilatildeo de ideias

contra-hegemocircnicas da Educaccedilatildeo do Campo e de Paulo Freire no atual mercado da poacutes-

modernidade Essa eacute uma pergunta que Nosela (2010) faz acerca de Gramsci na atualidade e

que nos serve de paracircmetro para o debate

Eacute importante situar a pedagogia freireana dentro de uma loacutegica de contraponto a todo

o modelo neoliberal que se tornou hegemocircnico na educaccedilatildeo de fins do seacuteculo XX e iniacutecio do

seacuteculo XXI O pensamento de Paulo Freire assim como de outros pedagogos de matriz

socialista como Pistrak e Makarenko tem contribuiacutedo grandemente com o atual Movimento

de Educaccedilatildeo do Campo

54

Tanto a pedagogia freireana como a Educaccedilatildeo do Campo se coadunam como meios

de resistecircncia a um ―capitalismo lean and mean que nas palavras de Dowbor15

estaacute impelido

pelas proacuteprias regras de eficiecircncia e que portanto deixa pouco espaccedilo para refletir sobre

valores

Uma economia que natildeo se torna capaz de programar-se em funccedilatildeo das

necessidades do ser humano e que ―convive fria e indiferentemente com a

miseacuteria e a fome de milhotildees a quem tudo eacute negado natildeo merece meu respeito

de educador mas sobretudo meu respeito de gente (FREIRE 2012 p 36)

Eacute exatamente sobre a necessidade de revitalizar palavras como valor eacutetica

solidariedade felicidade e humanizaccedilatildeo que estamos discorrendo O monopoacutelio capitalista

ressignificou todas essas palavras e lhes esvaziou seus sentidos resumindo-as basicamente ao

poder de compra o que Ball (2011) denominou de democracia do consumo Entretanto uma

pedagogia que faccedila o caminho oposto a esse que impregne sentido e identidade aos homens e

mulheres que lhes devolva o direito de optar e decidir (FREIRE 2012) e que forme o sujeito

em sua plenitude eacute o assento dessa pedagogia que estamos pautando eacute o assento portanto da

Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do campo

Natildeo cabe o fatalismo e o determinismo como norteadores do pensamento dos sujeitos

O poder de natildeo se resignar perante situaccedilotildees concretas de opressatildeo eacute uma das maiores

contribuiccedilotildees de Freire ao atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

Como vimos a historiografia mostra que no Brasil o periacuteodo que compreende os anos

1950 e 1960 eacute identificado como populismo periacuteodo que esteve voltado agrave construccedilatildeo de um

projeto de desenvolvimento econocircmico nacional (RIBEIRO 2010) A economia brasileira

ainda apresentava-se essencialmente agraacuteria e produtora de mateacuterias-primas Politicamente o

suiciacutedio de Getuacutelio Vargas em 1954 a posse de Juscelino Kubitschek em 1956 a renuacutencia de

Jacircnio Quadros em 1961 e o Golpe Militar de 1964 proporcionaram um cenaacuterio de mudanccedilas

que caracterizam uma ―sociedade em tracircnsito (FREIRE 1983) e rica em organizaccedilotildees

populares

15 Prefaacutecio ao livro ―Agrave sombra desta mangueira (Paacuteg 18)

55

Eacute nessa complexidade que a gecircnese do pensamento de Paulo Freire emerge Surge das

contradiccedilotildees da sociedade brasileira sociedade essa governada por uma elite conservadora e

detentora de privileacutegios na qual o homem simples domesticado e alienado eacute forccedilado a viver

como objeto esmagado e oprimido pela sombra da marginalizaccedilatildeo e da dependecircncia

(FREIRE 2011)

Nesse momento histoacuterico Paulo Freire identificou um modelo de ensino que servia

justamente para a manutenccedilatildeo do estado de miseacuteria e analfabetismo em que grande parte da

populaccedilatildeo do campo e da cidade se encontrava A esse ensino Freire chamou de educaccedilatildeo

bancaacuteria abordado na obra de sua autoria Pedagogia do Oprimido Esse modelo de ensino

estaacute muito aqueacutem da realidade dos sujeitos Eacute um paradigma desinteressado com as questotildees

referentes ao dia-a-dia dos sujeitos do seu trabalho dos seus sonhos da vida praacutetica

No sentido oposto a concepccedilatildeo bancaacuteria de educaccedilatildeo a Pedagogia Paulo Freire se

realiza e materializa respeitando os sujeitos simples o ―saber de experiecircncia feito desses

sujeitos Aleacutem disso busca entender a realidade como geradora de conteuacutedos de curriacuteculo A

relaccedilatildeo eacute dialeacutetica e dialoacutegica eacute uma relaccedilatildeo entre educador educando e o mundo (FREIRE

2011) Esse paradigma se assemelha de forma demasiada com a concepccedilatildeo atual da Educaccedilatildeo

do Campo que por sua vez estaacute diretamente ligada a realidade que lhe produziu ou seja a

necessidade e a luta por direitos historicamente negados e tem em sua gecircnese a resistecircncia

dos movimentos sociais camponeses (CARLDART et al 2012)

Os princiacutepios educacionais da Pedagogia Paulo Freire e da Educaccedilatildeo do Campo

coadunam para o mesmo sentido e se cruzam por diversos momentos estando inter-

relacionados como procuramos mostrar na figura a baixo

Educaccedilatildeo do Campo

Pedagogia Paulo Freire

Figura III ndash Dialogicidade entre Educaccedilatildeo do Campo e Pedagogia Paulo Freire

56

Os sentidos comungam portanto para uma mesma concepccedilatildeo de lugar sujeito

educaccedilatildeo e sociedade Eacute importante ressaltar nesse processo de compartilhamento a

anterioridade do pensamento de Paulo Freire visto que o que hoje discutimos jaacute era debatido

por ele na deacutecada de 1950 (GADOTTI 1997)

Nesse sentido o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo herdou muito do pensamento de

Paulo Freire e tem reinventado sua pedagogia Isso eacute de uma importacircncia iacutempar pois Freire

sempre afirmara que sua pedagogia devia ser reinventada (FREIRE 2012) jamais

transplantada de forma acriacutetica de uma realidade a outra A Educaccedilatildeo do Campo tem feito um

importante tensionamento e disputado opiniotildees na base da sociedade acerca do modelo

educacional que temos e a serviccedilo de quem ele estaacute

O modelo de educaccedilatildeo contra-hegemocircnico natildeo foi pensado por intelectuais

academicistas ateacute porque essa categoria pouco se envolve com as questotildees sociais

(RIBEIRO 2010) mas eacute justamente o movimento contraacuterio ela emerge das situaccedilotildees de

descaso e usura do Estado frente aos homens e mulheres do campo sem terra sem teto sem

trabalho sem perspectiva Eacute daiacute que surge a contra-hegemonia que jamais poderaacute ser criada

para indignados uma vez que jaacute foi criada por estes Eacute nesse sentido que estaacute posta a

Pedagogia Paulo Freire natildeo como uma receita a ser seguida mas como fruto como

artesanato construiacutedo paulatinamente por indignaccedilatildeo exclusatildeo e opressatildeo Essa concepccedilatildeo eacute

educativa natildeo pretende tornar-se opressora daqueles que hoje oprimem mas antes eacute a uacutenica

capaz de libertar o opressor tornando-o livre no mais autecircntico sentido que a palavra carrega

Eacute desse paradigma que a Educaccedilatildeo do Campo bebe e reinventa a pedagogia freireana a

pedagogia do oprimido a pedagogia do povo simples dos demitidos da terra

A educaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo assim como toda uma vasta produccedilatildeo

que coloca o ensino como tarefa humana e humanizadora que entende o sujeito como ator e

protagonista da sua histoacuteria que se indigna e que se revolta frente ao atual estado de coisa e

esvaziamento no qual a educaccedilatildeo mergulhou todas essas caracteriacutesticas formam pois o que

chamamos pedagogia contra-hegemocircnica e que estaacute no cerne da pedagogia freireana e na

Educaccedilatildeo do Campo

A ressignificaccedilatildeo do sujeito do campo assim como do lugar desse sujeito ou seja o

campo satildeo contribuiccedilotildees significativas do pensamento de Paulo Freire O sujeito o homem e

57

a mulher do campo eram vistos (em boa medida ainda satildeo) dentro da loacutegica produtivista como

matildeo-de-obra barata e passiva de exploraccedilatildeo e por outro lado invisibilizados dentro dos seus

direitos poliacutetico-sociais Essa circunstacircncia na qual os sujeitos do campo estavam envoltos

indubitavelmente eacute responsaacutevel pela negaccedilatildeo da condiccedilatildeo de vita activa16

A exclusatildeo da vida

participativa do paiacutes tem como heranccedila a perpetuaccedilatildeo da opressatildeo e da negaccedilatildeo fatores que

acompanham os sujeitos do campo ao longo da histoacuteria

Para Paulo Freire o sujeito eacute tanto histoacuterico quanto social resultante de um complexo

de vivecircncias reais Capaz de diferentemente do animal que apenas se adapta a realidade

integrar-se a sua realidade e nela interferir (FREIRE 2012)

Quando nos referimos ao campo eacute preciso ter o devido cuidado para natildeo cairmos no

conservadorismo de uma visatildeo homogecircnea de sujeito e lugares entendendo por exemplo o

campo como lugar passivo ao qual atribui-se um olhar negativo e preconceituoso (ARROYO

2009) Tanto Paulo Freire como o paradigma da Educaccedilatildeo do Campo recusam esse

determinismo com forte veemecircncia pois sabe-se que as relaccedilotildees satildeo complexas e que a

calmaria tiacutepica da zona rural esconde um emaranhado de relaccedilotildees sociais de trabalho e de

famiacutelia cuja dinacircmica requer perspicaacutecia e sutileza para seu entendimento

Tendo em vista a importacircncia do legado de Paulo Freire natildeo somente para a Educaccedilatildeo

do Campo mas para toda a educaccedilatildeo popular para os espaccedilos natildeo escolares em que se

desenvolvem projetos educacionais e para outra infinidade de possibilidades de reinvenccedilatildeo da

pedagogia freireana eacute que dialogaremos a partir de agora com o exemplo da Experiecircncia de

Angicos - RN como exemplo de pioneirismo e autenticidade do pensamento de Paulo Freire

16 Hannah Arendt na obra ―A condiccedilatildeo Humana 10 ed Rio de Janeiro 2007 Pode ser entendido como a

condiccedilatildeo de participaccedilatildeo ativamente na vida poliacutetica da sociedade

58

32 EXPERIEcircNCIA DE ANGICOS UM EXEMPLO DA MATERIALIZACcedilAtildeO DA

PEDAGOGIA PAULO FREIRE NO RIO GRANDE DO NORTE

Figura IV ndash Angicos nos dias de hoje (2014) Fonte o proacuteprio autor

(Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora

Paulo Freire Angicos 28 de agosto de 1993)

Os fins da deacutecada de 1950 e iniacutecio de 1960 satildeo fortemente marcados por movimentos

de cunho popular e participativo Um periacuteodo particularmente rico em organizaccedilotildees sociais e

coletivas cujos objetivos giravam em torno de reformas estruturantes na sociedade brasileira

Direitos trabalhistas educacionais Reforma Agraacuteria satildeo exemplos de temaacuteticas que vinham

sendo abertamente discutidas pelo governo e as sociedade civil coletivamente organizada No

campo essa movimentaccedilatildeo se deu de forma particularmente rica

O Movimento de Cultura Popular (MCP) do Recife a partir de maio de

1960 a Campanha ―De peacute no chatildeo tambeacutem se aprende a ler em Natal a

partir de 1960 o Movimento de Educaccedilatildeo de Base (MEB) da Conferecircncia

Nacional dos Bispos Brasileiros os Centros Populares de Cultura (CPCs) da

Uniatildeo Nacional dos Estudantes e outros movimentos de menor amplitude

satildeo testemunhas da notaacutevel efervescecircncia desse periacuteodo (BEISIEGEL 2010

p 18)

59

Uma das primeiras iniciativas no tocante a criaccedilatildeo de uma poliacutetica para atender aos

jovens e adultos analfabetos diz respeito agrave criaccedilatildeo do Serviccedilo de Educaccedilatildeo de Adultos (SEA)

em 1947 e dessa accedilatildeo a criaccedilatildeo da Campanha de Educaccedilatildeo de Adultos (BEISIEGEL 2010)

No entanto essa campanha ainda resguardava em sua metodologia a transferecircncia dos

conteuacutedos trabalhados com crianccedilas no primaacuterio aos jovens e adultos que estudavam a noite

O proacuteprio Lourenccedilo Filho que era um expoente dessa campanha escreveu textos cujo assento

residia na sua preocupaccedilatildeo com essa metodologia

Natildeo obstante as reiteradas manifestaccedilotildees de Lourenccedilo Filho sobre a

necessidade de atentar agraves particularidades e as exigecircncias especiacuteficas do

adulto pouco escolarizado na grande maioria das classes professores do

ensino infantil reproduziam agrave noite com seus alunos jovens e adultos os

trabalhos que realizavam no periacuteodo diurno com os seus alunos do ensino

primaacuterio fundamental comum (BEISIEGEL 2010 p 24)

Aos poucos percebe-se que o caraacuteter puramente de erradicar o analfabetismo fazendo

com que os sujeitos jovens e adultos lessem e escrevessem natildeo garantia uma cidadania plena

no gozo de direitos Desse modo inicia-se nesse acircmbito um paradigma que pensa a questatildeo

do analfabetismo como eminentemente de cunho social requerendo portanto uma visatildeo mais

ampla da questatildeo Em 1958 Freire escreve ―A educaccedilatildeo de adultos e as populaccedilotildees marginais

o problema dos mocambos que jaacute tratava a temaacutetica sob a oacutetica dos problemas sociais mais

abrangentes (BEISIEGEL 2010)

O trabalho que projetou Freire nacionalmente contraditoriamente foi o mesmo que o

levou agrave prisatildeo com o advento da Ditadura Militar Devido agrave experiecircncia de Angicos ele foi

considerado ―ignorante e subversivo pelo Regime Militar Segundo o livro organizado pelo

Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia (2012 p36) denominado ―Paulo Freire

anistiado poliacutetico brasileiro ―Alguns de seus alunos tambeacutem foram presos e passaram por

outras dificuldades depois da experiecircncia de Angicos (1963) considerada subversiva e mais

tarde cancelada

Vale salientar que o Regime Militar foi extremamente violento tambeacutem com os

camponeses As lutas natildeo se resumiam agrave cidade Haacute pouco a sindicalizaccedilatildeo rural havia sido

um fenocircmeno extensivo a quase todo o nordeste com ecircnfase na Paraiacuteba Rio Grande do Norte

e Pernambuco especialmente atraveacutes da Campanha de Educaccedilatildeo Popular juntamente com a

60

Juventude Universitaacuteria Catoacutelica - JUC - Juventude Agraacuteria Catoacutelica e o Movimento de

Educaccedilatildeo de Base ndash MEB (SILVA 2011 FREIRE 1983)

O caraacuteter da experiecircncia realizada em Angicos estaacute assentado nos princiacutepios da

Educaccedilatildeo Popular que para Carlos Rodrigues Brandatildeo (2009 p 09) tem um papel e um

sentido histoacuterico como resistecircncia e oposiccedilatildeo ao status quo

Figura V ndash AngicosRN

A experiecircncia de Angicos no Estado do Rio Grande do Norte em 1963 conteacutem o cerne

da pedagogia freirena ou seja Freire (1983 p 06) afirma que ―a alfabetizaccedilatildeo e a

conscientizaccedilatildeo jamais se separam Nesse momento histoacuterico o sujeito do campo imerso no

populismo por um lado e no analfabetismo por outro conforme Ribeiro (2010) enfrenta um

periacuteodo de grandes privaccedilotildees no campo social poliacutetico econocircmico e educacional Eacute nesse

ultimo principalmente que a experiecircncia de Angicos eacute significativa pois educaccedilatildeo era luxo

restrito agraves classes dominantes

Segundo documento organizado pelo Instituto Paulo Freire e Comissatildeo de Anistia

(2012) Paulo Freire e seus colaboradores Alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em poucos

dias accedilatildeo que significou um fenocircmeno revolucionaacuterio Eacute importante salientar o princiacutepio

dessa alfabetizaccedilatildeo Freire (1983 p 96) afirma que ―Toda separaccedilatildeo entre os que sabem e os

que natildeo sabem do mesmo modo que a separaccedilatildeo entre as elites e o povo eacute apenas fruto de

circunstacircncias histoacutericas que podem e devem ser transformadas Portanto muito mais do que

o simples ato de alfabetizar havia uma ideologia progressista cuja finalidade residia na

conscientizaccedilatildeo poliacutetica dos sujeitos frente a um mundo de privaccedilotildees

Esse trabalho obteacutem grande repercussatildeo nacional e internacional Estende a

experiecircncia com seu Meacutetodo para Natal (RN) e Joatildeo Pessoa (PB)

61

O trabalho da equipe do Recife foi o de ir a Natal capacitar a equipe de

Marcos que partiu depois para Angicos O primeiro trabalho dessa equipe

foi fazer o universo vocabular da regiatildeo Nunca me esqueccedilo que a primeira

palavra geradora de Angicos foi ―belota uma corruptela de borlota que eacute

exatamente esse negoacutecio de pocircr em rede em cortina Por que isso Nessa

regiatildeo se trabalhava muito com couro e eles usavam nos rebenques

exatamente uma borlota mas que o povo chama belota Essa foi a primeira

palavra geradora de uma riqueza extraordinaacuteria em ambos os aspectos

socioloacutegicos e linguiacutesticos porque ela introduzia trecircs famiacutelias silaacutebicas a do

ba-be-bi-bo-bu e do la-le-li-lo-lu e a do ta-te-ti-to-tu Ela em si abria a

possibilidade de criaccedilatildeo de novas palavras Depois dessa seleccedilatildeo feita os

meninos foram e passaram a morar laacute Um mecircs depois tinha trezentas

pessoas lendo e escrevendo (INSTITUTO PAULO FREIRE E COMISSAtildeO

DE ANISTIA 2012 p86)

As 40 horas de Angicos foi um espaccedilo de extrema riqueza Os participantes daquela

experiecircncia satildeo testemunhas da efetivaccedilatildeo de uma praacutexis Um momento em que teoria e

praacutetica dialogaram justamente como sempre defendeu Freire Eacute importante destacar que os

300 trabalhadores que se alfabetizaram eram em sua maioria trabalhadores rurais ―Silentes e

autodesvalidos os sem-terra e sem-palavra foram tocados pelo olhar predileto que Paulo lhes

dirigiu em Angicos Os jovens agricultores ainda sem terra mas que jaacute conquistaram a

palavra leem Paulo Freire para transformar seu projeto de vida (idem p 117)

Figura VI ndash Experiecircncia de AngicosRN

Nos anos 50 quando ainda se pensava na educaccedilatildeo de adultos como uma

pura reposiccedilatildeo dos conteuacutedos transmitido agraves crianccedilas e jovens Paulo Freire

propunha uma pedagogia especiacutefica associando estudos experiecircncias

vividas trabalho pedagogia e poliacutetica (GADOTTI 1996 p 70)

Desse modo percebemos um niacutetido respeito que o educador Paulo Freire tem para

com os educandos Ele desenvolve uma educaccedilatildeo totalmente contraacuteria agrave educaccedilatildeo

escolarizada cujas metodologias estatildeo intimamente ligadas por um conteuacutedo a-histoacuterico que

62

natildeo leva a uma reflexatildeo criacutetica do mundo Onde o maior objetivo eacute o depoacutesito de tudo o que

foi decorado ao longo de um periacuteodo

Essa focircrma (de formar) de educar eacute fortemente recusada por Freire (2011) Na

Pedagogia do Oprimido denominou de ―educaccedilatildeo bancaacuteria Os sujeitos envolvidos no

processo satildeo meros receptores Depoacutesitos de conteuacutedos que natildeo tecircm nenhuma relaccedilatildeo com a

realidade Freire caminha em direccedilatildeo oposta agrave educaccedilatildeo bancaacuteria entende que a realidade e a

vida concreta dos sujeitos eacute geradora de conteuacutedo e portanto a gecircnese da alfabetizaccedilatildeo

deveria comeccedilar pois daquela realidade partindo para o universalmente conhecido

(FREIRE 2011)

A leitura que Freire faz do sujeito do campo nordestino eacute sem duacutevida avanccedilada Um

momento em que o campo brasileiro padecia de grande estigma e preconceito Freire se utiliza

da realidade dos camponeses do modo de vida do trabalho das experiecircncias para partindo

desse ponto chegar agrave alfabetizaccedilatildeo e agrave conscientizaccedilatildeo desses sujeitos A educaccedilatildeo das

populaccedilotildees camponesas esteve longe de ser o ponto nevraacutelgico dos interesses das classes

dominantes afinal ―eacute mais difiacutecil explorar um camponecircs que sabe ler do que um analfabeto

17

Paulo Freire natildeo se separa da poliacutetica Paulo Freire deve ser considerado

tambeacutem como um poliacutetico Esta eacute a dimensatildeo mais importante de sua obra Ele

natildeo pensa a realidade como um socioacutelogo que procura apenas entendecirc-la []

Por isso ele pensa a educaccedilatildeo ao mesmo tempo como ato poliacutetico como ato de

conhecimento e como ato criador (GADOTTI 1996 p 70)

A intervenccedilatildeo que Freire realiza em Angicos eacute uma atividade eminentemente poliacutetica

tinha como objetivo aleacutem da alfabetizaccedilatildeo a politizaccedilatildeo dos trabalhadores rurais daquele

municiacutepio isso em um periacuteodo de predomiacutenio das oligarquias rurais do voto de cabresto e de

extrema espoliaccedilatildeo da matildeo-de-obra dos agricultores Pois eacute em meio a esse cenaacuterio que

Freire juntamente com seus colaboradores desenvolve um paradigma de alfabetizaccedilatildeo cujo

principio eacute a libertaccedilatildeo do povo da condiccedilatildeo de oprimido e ―demitido da vida

Sua concepccedilatildeo de educaccedilatildeo e logicamente sua proposta educacional que

havia mostrado resultado altamente positivo na experiecircncia em Angicos

17 Resposta pela recusa da natildeo alfabetizaccedilatildeo dos camponeses proposta por Voltaire a Imperatriz Catarina da

Ruacutessia no Seacuteculo XVIII

63

(RN) consistia em afirmar que todo ato educativo eacute um ato poliacutetico assim

sendo a educaccedilatildeo conteacutem a potencialidade da transformaccedilatildeo da sociedade

por intermeacutedio de uma consciecircncia criacutetica da realidade tarefa que tanto o

educador como o educando devem assumir no ato educativo (INSTITUTO

PAULO FREIRE E COMISSAtildeO DE ANISTIA 2012 p 43)

Segundo Germano (1997) o desafio e o objetivo da experiecircncia de Angicos era tanto

alfabetizar como conscientizar politicamente os trabalhadores em 40 horas A experiecircncia que

era patrocinada pelo ―Alianccedila para o Progresso um programa de origem estadunidense e do

Governo do Rio Grande do Norte que agrave eacutepoca estava sob mandato de Aluizio Alves

experiecircncia que ganhou conhecimento nacional e internacionalmente

O que queremos apontar como novidade nesse olhar que lanccedilamos sobre a experiecircncia

de Angicos amplamente conhecida eacute evidenciar que o puacuteblico participante era de forma

majoritaacuteria trabalhadores rurais em uma cidade cujo periacuteodo histoacuterico dificulta falar-se em

urbanidade puacuteblico esse objeto de nossa reflexatildeo nesta dissertaccedilatildeo de mestrado Nesse

sentido situamos o pensamento de Paulo Freire como de grande importacircncia ao atual debate

da Educaccedilatildeo do Campo O que estamos debatendo hoje como o respeito agraves vivecircncias e

experiecircncias a importacircncia do lugar e o famigerado modismo do ―conhecimento preacutevio

Freire tratou ainda em 1963 com responsabilidade e humanismo Assim eacute salutar

percebermos a experiecircncia de Angicos como uma importante fonte histoacuterica que pode (e

certamente haveraacute de) contribuir em muito com o atual debate da Educaccedilatildeo do Campo

64

4 RECORTES E RETALHOS DE UMA EXPERIENCIA DE EDUCACcedilAtildeO DO

CAMPO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Feito o debate teoacuterico-metodoloacutegico acerca da Educaccedilatildeo do Campo e de suas raiacutezes

histoacutericas no Brasil e tambeacutem sobre a atual posiccedilatildeo que esta modalidade de ensino ocupa

entendemos ser este o momento de estreitar e externar experiecircncias que ilustram de modo

singular a inserccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo na universidade brasileira Para tanto tomamos

como recorte analiacutetico o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte Procuramos refletir sobre a contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana ao ―Projeto

do curso entendendo que o aporte do pensamento de Paulo Freire na Educaccedilatildeo do Campo eacute

de extrema relevacircncia Entendemos que a formulaccedilatildeo da proposta curricular dessa natureza

ou seja pensada para cursos cujos sujeitos tecircm viacutenculo direto com o campo carece de certo

alinhamento ideoloacutegico com a pedagogia freireana uma vez que esta canaliza a resistecircncia

histoacuterica dos povos do campo

A tomada do curso como recorte se explica pela aproximaccedilatildeo e atuaccedilatildeo que tivemos

com a turma de Pedagogia da Terra no periacuteodo de 2010 a 2011 periacuteodo no qual atuamos

como monitor Jaacute a busca pela contribuiccedilatildeo da pedagogia freireana agrave Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho se faz necessaacuterio pelo foco central deste trabalho mas

tambeacutem pela singular experiecircncia de aprender e pesquisar sobre o pensamento de Paulo Freire

no Grupo de Estudo da Pedagogia Paulo Freire (GEPPF) na Universidade Federal da

Paraiacuteba Aleacutem do mais entendermos que Educaccedilatildeo do Campo eacute uma questatildeo de grande valor

natildeo pode estar simplesmente coadunando com os paradigmas educacionais fugazes que a

contemporaneidade tem nos mostrado em outras palavras a Educaccedilatildeo do Campo natildeo pode

ser moda mas antes oportunidade para os sujeitos do campo se posicionar frente ao mundo e

aos seus pares

Na atuaccedilatildeo como monitor tivemos a oportunidade de vivenciar e compartilhar das

dificuldades alegrias avanccedilos e limitaccedilotildees que os educandos e as educandas enfrentaram no

dia a dia Esse conviacutevio foi de grande importacircncia pois humanizou as relaccedilotildees que a

universidade por vezes esvazia Satildeo pessoas com sonhos frustraccedilotildees dificuldades

financeiras limitaccedilotildees cognitivas mas sobretudo satildeo pessoas que lutam que persistem que

natildeo se envergonham de ocupar com simplicidade o espaccedilo de ―glamour que ainda eacute a

universidade brasileira

65

Aleacutem do Curso de Pedagogia da Terra da UFRN os cursos de Jornalismo da Terra da

Universidade Federal do Cearaacute (UFC) Especializaccedilatildeo Lato Sensu em Direitos Sociais do

Campo promovida pelo IncraPronera e a Universidade Federal de Goiaacutes (UFG) Licenciatura

em Pedagogia pelo Programa Estudante - ConvecircnioMovimento Sociais do Campo ndash

PECMSC (UFPB) entre outros satildeo exemplos e frutos colhidos apoacutes anos afinco na luta

cerrada e disputas dentro da superestrutura poliacutetica Por isso mesmo entendemos que essas

experiecircncias representam a inserccedilatildeo concreta de sujeitos do campo na Universidade puacuteblica

brasileira sendo por esse motivo merecedora de anaacutelise detalhada e pesquisas futuras

Para entendermos melhor a atualidade da Educaccedilatildeo do Campo como poliacutetica puacuteblica

destinada a um puacuteblico especiacutefico (do campo) eacute preciso situar a temaacutetica na historiografia A

pesquisadora da Faculdade de Educaccedilatildeo da UFMG Antunes-Rocha (2011 p125) eacute enfaacutetica

ao afirmar que sobre cursos de formaccedilatildeo de professores para o campo ―natildeo encontrei nada

antes de 1997 Natildeo por acaso essa data coincide com a conquista do Pronera programa esse

que entendemos ser portador do cerne da questatildeo da Educaccedilatildeo do Campo no Brasil enquanto

poliacutetica puacuteblica

O curso de Pedagogia da Terra eacute fruto da luta histoacuterica dos movimentos sociais do

campo no Brasil ele representa em boa medida os anseios teoacutericos e praacuteticos de inclusatildeo

social Assim como todo e qualquer espaccedilo o curso natildeo eacute um todo homogecircneo sem conflitos

mas antes espaccedilo repleto de contradiccedilotildees e disputas tanto interna como externamente

O suporte para essa reflexatildeo reside sobretudo na anaacutelise de documentos do Curso

principalmente na ―Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho que eacute o documento

principal norteador das accedilotildees do curso mas tambeacutem buscamos subsidiar esta escrita em

resoluccedilotildees principalmente na Resoluccedilatildeo nordm 1032006 CONSEPEUFRN de 1909200618

que trata do Regulamento dos Cursos de Graduaccedilatildeo da UFRN aleacutem de outras fontes que

tivemos acesso atraveacutes de colaboradores e tambeacutem de paacuteginas eletrocircnicas

18 Atualmente a Resoluccedilatildeo Nordm 1712013-CONSEPEUFRN de 5 de novembro de 2013 eacute que rege o

Regulamento dos Cursos Regulares de Graduaccedilatildeo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

66

O Edital de abertura do processo seletivo para o curso de Pedagogia ndash Licenciatura

Plena foi orientado pela Resoluccedilatildeo nordm1032006-CONSEPEUFRN de 19092006 e seguiu

todos os procedimentos normativos dos demais vestibulares A Comissatildeo Permanente de

Vestibular (COMPERVE)19

foi responsaacutevel pela realizaccedilatildeo do certame Para se candidatar ao

vestibular o estudante precisava cumprir o seguinte preacute-requisito

a) ser portador de certificado ou diploma de conclusatildeo do Ensino Meacutedio (ou

curso equivalente)

b) ser assentado pelo Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e reforma Agraacuterio

(INCRA) e vinculado ao Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra

(MST) do RN (COMPERVE 2007)

O pensamento da organizaccedilatildeo coletiva conscientizaccedilatildeo e luta tatildeo fortemente

imbuiacutedos na pedagogia freireana aqui se materializa Evidenciar um curso voltado para povos

do campo e ainda mais para membros de um movimento social tatildeo atuante quanto polecircmico

como eacute o MST eacute sem duacutevida um avanccedilo Essa conquista natildeo eacute do acaso ou natural eacute fruto de

uma conjuntura rara criada por muacuteltiplos condicionamentos sociais mas sobretudo pela

organizaccedilatildeo coletiva dos trabalhadores do campo

Poreacutem como reconhecemos que estamos imersos em um Estado de classes que horas

cede agraves reivindicaccedilotildees das massas hora cerceia essas conquistas natildeo demorou o iniacutecio dos

ataques dirigidos pela classe dominante agrave forma como o curso estava sendo gerido Em 2010

um desses ataques teve como consequecircncia a reformulaccedilatildeo dos projetos do curso A partir

desse momento os movimentos sociais foram suprimidos da parceria ateacute entatildeo existente

Sobre esse assunto detalharemos mais a diante

Retomando o processo seletivo para entrada no Curso os alunos interessados no

vestibular passaram 15 dias envolvidos numa preparaccedilatildeo para as provas Nesse momento

trabalharam mateacuterias escolares Portuguecircs Matemaacutetica Geografia Histoacuteria etc

(FERNANDES 2009) A elaboraccedilatildeo da prova ficou sob responsabilidade da Comperve e

19 Com do fim do vestibular como processo seletivo para ingressar na Universidade a Comperve passou a

chamar-se Nuacutecleo Permanente de Concursos UFRN

67

seguiu todos os procedimentos legais e normativo s dos demais vestibulares como jaacute

salientado anteriormente

Apoacutes o resultado do certame o curso teve iniacutecio no primeiro semestre de 2007

(20071) com as 60 vagas devidamente preenchidas Por deliberaccedilatildeo dos proacuteprios educandos

a turma passa a se chamar ―Florestan Fernandes em homenagem ao grande socioacutelogo

escritor e poliacutetico brasileiro

Eacute sempre importante lembrar que esse curso representou um grande avanccedilo para a

Educaccedilatildeo do Campo no Rio Grande do Norte representando tambeacutem um sinal de abertura

da Universidade Federal agraves questotildees sociais do campo Mesmo tendo havido outro curso de

pedagogia para assentados20

indubitavelmente o Pedagogia da Terra representa um marco nas

lutas tanto de oportunidade aos povos do campo como de abertura e diaacutelogo da universidade

com a sociedade potiguar

Os estudantes do Curso vieram das diferentes regiotildees do Estado do Rio Grande do

Norte desde aacutereas vizinhas de Natal como eacute o caso de Macaiacuteba e Cearaacute Mirim ateacute lugares

mais distantes da Capital como Satildeo Rafael e Triunfo Potiguar na regiatildeo Meacutedio Oeste Nesses

municiacutepios esses sujeitos residem majoritariamente em aacutereas rurais de assentamento

O Curso segue as orientaccedilotildees da Resoluccedilatildeo CNECP n1 de 15 de maio de 2006 que

institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia e confere habilitaccedilatildeo

em ―Licenciatura em Pedagogia21

conforme aponta a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano

de Trabalho

Habilitar professores por meio de curso superior para o exerciacutecio da

docecircncia em Educaccedilatildeo Infantil e nas seacuteries iniciais do Ensino Fundamental

regular para Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e para atividades de

20Entre 2002 e 2006 formaram-se em niacutevel de graduaccedilatildeo 63 alunos de nove estados nordestinos e um da

regiatildeo norte (AL BA CE MA PA PB PE PI RN e SE)

21 O diploma eacute gerado com uma observaccedilatildeo que faz alusatildeo ao Probaacutesica ndash Programa de Qualificaccedilatildeo

Profissional para Educaccedilatildeo Baacutesica ndash instituiacutedo pela Resoluccedilatildeo CONSEPEUFRN nordm1499 de 020299 que

estabelece os convecircnios entre a Universidade e seus parceiros apresentamos um exemplar em anexo

68

coordenaccedilatildeo e assessoramento pedagoacutegico em escolas instituiccedilotildees do

sistema educacional e projetos educativos existentes nas aacutereas de

assentamento (UFRN 2010 p 05)

Isso mostra que mesmo havendo particularidades o egresso do curso recebe o tiacutetulo de

licenciado em pedagogia apto a concorrer a qualquer vaga de concurso para pedagogo

Essa formaccedilatildeo visa combater o deacuteficit histoacuterico de profissionais da educaccedilatildeo

nas aacutereas rurais e segue uma diretriz do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do

Campo Aleacutem disso pretende gerar oportunidade de continuidade dos

estudos aos jovens que detinham o Ensino Meacutedio completo e que moravam

nos assentamentos e aacutereas de reforma agraacuteria Desse modo o objetivo eacute

colaborar com a constituiccedilatildeo de uma rede de educadores do campo em nosso

Estado com qualificaccedilotildees teacutecnicas e compromisso eacutetico que possibilite o

aprofundamento e ampliaccedilatildeo de experiecircncias de educaccedilatildeo do campo (UFRN

2010 p 04)

Silva Filho (2011) afirma que a entrada de um familiar na universidade eacute algo

significativo Afirma ainda que

O ensino superior ainda resguarda status de responsaacutevel pela ascensatildeo social

e garantia de melhores condiccedilotildees de vida Historicamente o assento

ideoloacutegico da universidade foi muito mais as concepccedilotildees da classe

dominante social e politicamente do que um lugar de inclusatildeo da classe

explorada (SILVA FILHO 2011 p 40)

Por esse motivo O curso tem um caraacuteter contra-hegemocircnico e diferente daquele que

nos habituamos a ver nas universidades

Poreacutem sabemos que os fatos natildeo se datildeo de forma linear ou sem disputas ocorre que o

modo de execuccedilatildeo dos anos de 2007 e 2008 cujo assento havia sido o Convecircnio

CRTRN390002006 (INCRAUFRNMST) teve seus componentes e formato questionados

por parte dos estratos juriacutedicos do INCRA (UFRN 2010) Na verdade esse momento eacute

histoacuterico para todos os cursos do Pronera que enfrentaram periacuteodo de grandes incertezas

Em que pese as mudanccedilas de formato da relaccedilatildeo institucional entre a UFRN e

o INCRA o projeto ora apresentado manteacutem a estrutura curricular original e

os seus fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos estatildeo incorporados aqui

assegurando a correspondente consonacircncia com a Resoluccedilatildeo CNECP no 1 de

15 de maio de 2006 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (UFRN 2010 p 04)

69

Mesmo natildeo tendo perdido do ponto de vista teoacuterico-metodoloacutegico as perdas poliacuteticas

satildeo evidentes principalmente com a exclusatildeo do MST da operacionalizaccedilatildeo do Curso Como

podemos observar o Acoacuterdatildeo n 26532008 eacute expliacutecito quanto as proibiccedilotildees

()

943 caso pretenda oferecer cursos a puacuteblico especiacutefico afeto a sua aacuterea de

atuaccedilatildeo a exemplo do que se verificou no acircmbito do Projeto Camosc

9431 com relaccedilatildeo ao instrumento a ser firmado com a entidade que se

encarregaraacute da execuccedilatildeo do objeto em vez de convecircnio valha-se de contrato

precedido de procedimento licitatoacuterio

9432 iniba por meio de normas claacuteusulas contratuais e fiscalizaccedilatildeo

qualquer possibilidade de que entes estranhos agrave Administraccedilatildeo Puacuteblica

especialmente movimentos sociais ligados agrave reforma agraacuteria participem do

planejamento execuccedilatildeo acompanhamento avaliaccedilatildeo ou de outra fase do

curso promovido (TCU 2008)

Nesse periacuteodo professores-coordenadores representantes do INCRA reitores das

universidades puacuteblicas procuraram de forma engenhosa retomar as atividades acadecircmicas que

apoacutes um ano reiniciou Esse momento externou de forma expliacutecita o conservadorismo e o

desejo de segregaccedilatildeo social que ainda permeia a classe poliacutetica brasileira

Sendo o Estado Capitalista um Estado de classe tende a organizar a escola

em todos os niacuteveis e modalidade de ensino conforme a concepccedilatildeo de mundo

da classe dominante e dirigente embora contraditoriamente dependendo do

grau de difusatildeo da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil a

mesma escola esteja permeaacutevel agrave influecircncia de outros projetos poliacutetico-

pedagoacutegicos (NEVES 2005 p 29)

Desse modo compreendemos os enfrentamentos deflagrados e as lutas pela

manutenccedilatildeo desse Curso como questotildees ideoloacutegicas como resistecircncia dos povos do campo

por um lado e ofensiva da classe dominante de outro Sabemos que essa disputa eacute histoacuterica e

tem altos e baixos concessotildees e restriccedilotildees Esse momento embora tenha acarretado

desconforto e prejuiacutezos para muitos foi o ponto central que evidenciou uma verdadeira luta

de correlaccedilotildees de forccedila

70

41 CONTRIBUICcedilOtildeES DA PEDAGOGIA PAULO FREIRE AO CURRIacuteCULO DO

CURSO DE PEDAGOGIA DA TERRA DA UFRN

Pensar uma proposta curricular para um curso de Educaccedilatildeo do Campo como eacute o

Curso de Pedagogia da Terra e tantos outros jaacute exemplificados que gozam de um caraacuteter

popular certamente requer posicionamento e uma reflexatildeo sobre os princiacutepios basilares do

curriacuteculo Tomaz Tadeu da Silva (2011) expotildee que ―A questatildeo central que serve de pano de

fundo para qualquer teoria do curriacuteculo eacute a de saber qual conhecimento deve ser ensinado (p

14) O autor afirma que o curriacuteculo eacute sempre resultado de uma seleccedilatildeo Desse modo quando

determinamos que conhecimento ensinar estamos deixando de fora outros conhecimentos A

questatildeo fundamental passa a ser por que ―esse conhecimento e natildeo ―aquele

O curriacuteculo nunca eacute simplesmente uma montagem neutra de conhecimentos

que de alguma forma aparece nos livros e nas salas de aula de um paiacutes

Sempre parte de uma tradiccedilatildeo seletiva da seleccedilatildeo feita por algueacutem da visatildeo

que algum grupo tem do eu seja o conhecimento legiacutetimo Ele eacute produzido

pelos conflitos tensotildees e compromissos culturais poliacuteticos e econocircmicos

que organizam e desorganizam um povo (APPLE 2000 p 53)

Objetivamente essa relaccedilatildeo de escolhas nos leva diretamente a entender que o

curriacuteculo eacute antes de tudo ideoloacutegico sendo portanto uma disputa pela hegemonia Quando

escolhemos ―esse conteuacutedo e natildeo ―aquele estamos consciente ou inconscientemente

optando por um determinado projeto educativo

Eacute essa preocupaccedilatildeo que leva Apple a recorrer aos conceitos de hegemonia

tal como formulado por Antonio Gramsci e desenvolvido por Raymond

Williams Eacute o conceito de hegemonia que permite ver o campo social como

um campo contestado como um campo onde os grupos dominantes se veem

obrigados recorrer a um esforccedilo permanente de convencimento ideoloacutegico

para manter sua dominaccedilatildeo Eacute precisamente atraveacutes desse esforccedilo de

convencimento que a dominaccedilatildeo econocircmica se transforma em hegemonia

cultural Esse convencimento atinge sua maacutexima eficaacutecia quando se

transforma em senso comum quando se naturaliza (SILVA 2011 p 46)

Para Bourdieu e Passeron (2012) a problemaacutetica reside na reproduccedilatildeo social que

ocorre palas vias da cultura ou propriamente da cultura dominante Seus valores seus gostos

seus costumes seus haacutebitos seus modos de se comportar de agir satildeo reproduzidos como ideal

e desejado para toda a sociedade Entendemos portanto que eacute justamente no curriacuteculo onde

ocorre a condensaccedilatildeo de toda essa problemaacutetica

71

Compreendemos que o curriacuteculo eacute um espaccedilo para o confronto de conhecimentos

popular e erudito Nesse sentido o papel da universidade eacute primordialmente ressignificar os

conhecimentos jaacute elaborados pelos estudantes ou nas palavras de Freire (1993) ―saber de

experiecircncia feito que satildeo pilares fundantes para a construccedilatildeo curricular Curriacuteculo com foco

na vida pela vida e para a vida Saber que natildeo eacute transposto automaticamente pois se constitui

em aprendizagens colaterais e que ao precederem a escola alicerccedilam-na e lhe datildeo suporte

Produzir novos e melhores conhecimentos e garantir um espaccedilo educativo no qual co-

existam de forma permanente a circularidade entre saberes eacute tarefa responsaacutevel da

universidade assim o grande desafio eacute construir uma matriz pedagoacutegica que natildeo se feche

numa dimensatildeo de especialidades dentro das disciplinas O curriacuteculo precisa dar conta de

especificidades por outro lado natildeo pode perder com isso a visatildeo ampla natildeo pensar apenas o

especiacutefico sob pena de fragmentar o conhecimento nem somente o geral pois isso teria

consequecircncias danosas agrave dimensatildeo particular

A educaccedilatildeo do campo tem um viacutenculo com a matriz pedagoacutegica do trabalho e da cultura

Numa concepccedilatildeo freireana haacute uma inter-relaccedilatildeo fundamental entre essas duas categorias

visto que a primeira pode-se entender como a accedilatildeo do homem na natureza ao passo que a

segunda eacute o resultado dessa accedilatildeo accedilatildeo consciente e ativa do homem em sua

realidadenatureza (FREIRE 1983) Desse modo a tarefa primordial da Proposta poliacutetico-

pedagoacutegica e Plano de Trabalho do Curso de Pedagogia da Terra eacute dialogar com essas

matrizes

Assim observamos que a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho se

aproxima e dialoga bastante com esse pensamento logo aproximando-se tambeacutemdos

princiacutepios contidos na Pedagogia Paulo Freire

A proposta curricular para este curso teraacute como ponto de partida os saberes e

praacuteticas dos alunos e a realidade dos assentamentos Por conseguinte a

singularidade seraacute realccedilada sem perder de vista os elementos universais que

compotildeem a cultura do homem e da mulher do campo na perspectiva de

mobilizar um movimento pedagoacutegico pautado na accedilatildeo-reflexatildeo-accedilatildeo (UFRN

2010 p 8)

A proposta de formaccedilatildeo de Freire eacute permeada por uma postura criacutetica poliacutetica e

consciente diante de abordagens de formaccedilatildeo que se apresentam fragmentadas natildeo

envolventes e incapazes de captar as reais necessidades e preocupaccedilotildees dos sujeitos Nesse

72

sentido a categoria realidade sem duacutevida deteacutem uma centralidade na Pedagogia Paulo

Freire isso justamente porque eacute na concretude que a vida se passa Por isso mesmo a

importacircncia da indissociabilidade entre o curriacuteculo do curso e a vida praacutetica dos educandos e

educandas

Outro ponto de fundamental importacircncia se refere agrave necessidade de afinidade criacutetico-

ideoloacutegico dos docentes com a proposta do curso Eacute importante haver aproximaccedilatildeo suficiente

para compreender as particularidades proacuteprias da turma dos sujeitos e do campo

De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho a ―estrutura

curricular do curso de Pedagogia da Terra eacute concebida em trecircs nuacutecleos articulados quais

sejam estudos baacutesicos aprofundamento e diversificaccedilatildeo de estudos e estudos integradores

cujos componentes curriculares foram ofertados em atividades presenciais a serem realizadas

preferencialmente nos periacuteodos de janeirofevereiro e junhojulho de cada ano nas

dependecircncias da UFRN e de atividades vivenciais (grupos de estudo pesquisa e exerciacutecio

profissional) apoiadas por monitores de apoio pedagoacutegico ao longo dos semestres tendo

como referecircncia a praacutetica docente e a realidade do campo no contexto da Reforma Agraacuteria

(UFRN 2010)

O ―Nuacutecleo de Estudos Baacutesicos do curso compreende a seguinte ordem

a Histoacuterico e soacutecio-cultural compreendendo os fundamentos filosoacuteficos

histoacutericos poliacuteticos econocircmicos socioloacutegicos psicoloacutegicos e

antropoloacutegicos necessaacuterios para a reflexatildeo criacutetica nos diversos setores da

educaccedilatildeo na sociedade contemporacircnea

b Da educaccedilatildeo baacutesica compreendendo

i Estudo dos conteuacutedos curriculares da educaccedilatildeo baacutesica

escolar

ii Os conhecimentos didaacuteticos as teorias pedagoacutegicas

em articulaccedilatildeo agraves metodologias tecnologias de informaccedilatildeo e

comunicaccedilatildeo e suas linguagens especiacuteficas aplicadas ao ensino

iii Estudo os processos de organizaccedilatildeo do trabalho

pedagoacutegico gestatildeo e coordenaccedilatildeo educacional

iv Estudo das relaccedilotildees entre educaccedilatildeo e a realidade

social do campo os contextos de trabalho as especificidades da regiatildeo

do Semi-Aacuterido e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees

do campo (UFRN 2010 p 10)

73

No ponto ―IV do Nuacutecleo de estudos baacutesicos observa-se um eixo bem delimitado no

que concerne a formaccedilatildeo do sujeito em consonacircncia com sua realidade Jaacute dialogamos sobre a

importacircncia dessa associaccedilatildeo entre trabalho e cultura tatildeo significativa agrave Educaccedilatildeo do Campo

e agrave Pedagogia Paulo Freire

A integraccedilatildeo ao seu contexto resultante de estar natildeo apenas nele mas com

ele e natildeo a simples adaptaccedilatildeo acomodaccedilatildeo ou ajustamento comportamento

proacuteprio da esfera dos contatos ou sintoma de sua desumanizaccedilatildeo implica

em que tanto a visatildeo de si mesmo como a do mundo natildeo podem

absolutizar-se fazendo-o sentir-se um ser desgarrado e suspenso ou levando-

o a julgar o seu mundo algo que apenas se acha (FREIRE 1983 p42)

Desse modo a leitura dos processos produtivos e dos processos culturais formadores

dos sujeitos que vivem dono campo eacute entendida como tarefa fundamental no projeto poliacutetico

e pedagoacutegico da Educaccedilatildeo do Campo Esse eixo de estudos busca situar e datar os

componentes do curso na atualidade

Uma das dificuldades dos cursos que trabalham com a Pedagogia da Alternacircncia eacute a

ausecircncia em parte do corpo docente de uma maior afinidade poliacutetica ideoloacutegica com as

questotildees especiacuteficas do curso A ausecircncia dessa interaccedilatildeo acarreta comprometimentos quanto

agrave viabilizaccedilatildeo e operacionalizaccedilatildeo praacutetica da proposta pedagoacutegica escrita (RIBEIRO et al

2010) Eacute um ponto da Pedagogia da Alternacircncia que tem sido pensado e repensado uma vez

que as visitas dos professores agraves comunidades dos estudantestrabalhadores tem se

operacionalizado de forma bastante limitada Esse ponto externa uma preocupaccedilatildeo que

compromete os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo da Alternacircncia da Pedagogia Paulo Freire

e da Educaccedilatildeo Popular como um todo

A busca pelos professores e professoras para trabalhar no curso foi estrateacutegica Em

boa medida os docentes gozavam de boa experiecircncia com a extensatildeo universitaacuteria o que

significa certa capacidade de dialogar com o ementaacuterio das disciplinas

A indicaccedilatildeo dos professores seraacute assumida pela Coordenaccedilatildeo do Curso

considerando preferencialmente a vinculaccedilatildeo formal com o Departamento

de Educaccedilatildeo e demais departamentos das licenciaturas da UFRN e a atuaccedilatildeo

docente e investigativa nas aacutereas relacionadas com o ementaacuterio do referido

curso (UFRN 2010 p 26-27)

As disciplinas trabalhadas no Nuacutecleo de estudos baacutesicos podem ser vistas conforme a

tabela a baixo

74

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

46 Introduccedilatildeo ao Trabalho Cientiacutefico 2 30 25 5 -

EDU00

47

Introduccedilatildeo agrave Leitura de textos

imagens e meios eletrocircnicos 8

12

0 100 20 -

2007

2

EDU00

37 Fundamentos de Filosofia do Conhecimento 4 60 45 15 -

EDU00

96

Dimensatildeo Soacutecio-Antropoloacutegica do Ser

Humano 4 60 45 15 -

EDU00

41 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

43 Histoacuteria na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

59

Sociologia dos Movimentos Sociais e

Educaccedilatildeo 4 60 45 15 -

2008

1

EDU00

42 Histoacuteria e Poliacutetica da Educaccedilatildeo no Brasil 4 60 45 15 -

EDU00

40 Gestatildeo democraacutetica na Escola 4 60 45 15 -

EDU00

51

Organizaccedilatildeo da Educaccedilatildeo

Brasileira 4 60 45 15 --

EDU00

38 Geografia na Escola 4 60 45 15 -

2008

2

EDU00

23 Dimensatildeo Psicoloacutegica da Aprendizagem 4 60 45 15 -

EDU00

62

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo Popular

(Paulo Freire) 4 60 45 15 -

EDU00

25 Dimensatildeo Psicoloacutegica do Homem 4 60 45 15

EDU00

81

Teacutecnicas de Elaboraccedilatildeo de

Projetos Educacionais 4 60 45 15

EDU00

60 Tecnologias do Campo na Escola 4 60 45 15

2010

2

EDU00

61

Teorias e Meacutetodos de Educaccedilatildeo (outros

pedagogos) 4 60 45 15

EDU00

53

Planejamento Escolar e Projeto

Pedagoacutegico 4 60 45 15

EDU00

19

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Portuguecircs 4 60 45 15

EDU00

18

Aquisiccedilatildeo e desenvolvimento da

linguagem ndash Matemaacutetica 4 60 45 15

2011

1

EDU00

39

Gerenciamento de Atividades

Educacionais 4 60 45 15

EDU00

48 Liacutengua Portuguesa na Escola 4 60 45 15

EDU00

49 Matemaacutetica na Escola 4 60 45 15

2011

2

EDU00

35

Elaboraccedilatildeo de Material Didaacutetico

(teoria + praacutetica) 4 90 45 15

EDU00

21 Ciecircncias Naturais na Escola 4 60 45 15

Fonte UFRN (2010)

75

No segundo eixo Nuacutecleo de Aprofundamento e Diversificaccedilatildeo de Estudos se

percebe um grande enfoque naquilo que podemos chamar de ―questatildeo de nossa eacutepoca

(FREIRE 1983) ou questotildees ―transversais Satildeo temaacuteticas que nos remetem a diversidade

cultural tatildeo em pauta hoje em dia

1 Educaccedilatildeo de jovens e adultos

2 Educaccedilatildeo infantil

3 Educaccedilatildeo e os processos de organizaccedilatildeo social das populaccedilotildees do

campo

4 Educaccedilatildeo ambiental

5 Educaccedilatildeo e pluralidade cultural

6 Educaccedilatildeo para sauacutede e educaccedilatildeo sexual

7 Educaccedilatildeo especial

8 Temas especiacuteficos alternativas educacionais para o campo questatildeo

agraacuteria cooperativismo e semi-aacuterido (UFRN 2010 p 10)

A par disso eacute vaacutelido salientar o pioneirismo da Pedagogia Paulo Freire no tocante a

essas questotildees Mesmo antes de todos esses temas virem agrave tona Freire jaacute formulava a

Pedagogia do Oprimido que de forma astuta pensou uma pedagogia cujo assento eacute o grupo de

oprimidos ou seja adultos natildeo alfabetizados pessoas com deficiecircncias povos tradicionais

direitos das mulheres Direitos Humanos e outros A pedagogia do oprimido apresenta ao

mundo todos os sujeitos que vivem agrave margem da cultura erudita e hegemocircnica Paulo Freire

chama a atenccedilatildeo para a riqueza da produccedilatildeo cultural desses sujeitos Em boa medida esses

conhecimentos estatildeo hoje sintetizados no multiculturalismo

Desse modo percebemos que haacute uma evidente contribuiccedilatildeo do pensamento freireano

no tocante a organizaccedilatildeo do Pano de Trabalho do Curso Pedagogia da Terra da UFRN A

seguir apresentamos o quadro de disciplinas que compotildeem o Nuacutecleo de Aprofundamento e

Diversificaccedilatildeo de Estudos

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Viven

cial

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

56 Seminaacuterio I ndash A questatildeo Agraacuteria 4 60 40 20 -

EDU00

55

Seminaacuterio II ndash Alternativas Educacionais no

Campo 4 60 40 20 -

2008

1

EDU00

82 Seminaacuterio III ndash O Semi- Aacuterido 4 60 45 15 -

2010 EDU00 Seminaacuterio IV ndash Cooperativismo 4 60 45 15 -

76

2 57

2011

1

EDU00

29 Educaccedilatildeo Ambiental 4 60 45 15 -

2011

2

EDU00

27

Educaccedilatildeo de Jovens e Adultos e

Processo de Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

30 Educaccedilatildeo Especial 4 60 45 15 -

EDU00

20 Artes e Corporeidade na Escola 4 60 45 15 -

2012

1

EDU00

28

Educ de Jovens e Adultos e Processo de Poacutes-

Alfabetizaccedilatildeo 4 60 45 15 -

EDU00

32 Educaccedilatildeo para Sauacutede e Orientaccedilatildeo Sexual 4 60 45 15 --

EDU00

31 Educaccedilatildeo Infantil 4 60 45 15 -

EDU00

33

Educaccedilatildeo Eacutetica e Pluralidade

Cultural 4 60 45 15 -

EDU00

87

Liacutengua Brasileira de Sinais ndash

LIBRAS 4 60 45 15 -

Fonte UFRN (2010)

A uacuteltima parte dos nuacutecleos de estudos refere-se aos Estudos Integradores que satildeo

a Realizaccedilatildeo de oficinas e participaccedilatildeo em eventos culturais artiacutesticos e

cientiacuteficos

b Exerciacutecio profissional em acircmbitos escolares e natildeo-escolares articulando saber

acadecircmico pesquisa e praacutetica educativa (UFRN 2010 p10)

Periacuteo

do Coacutedigo Disciplinas

C

R

C

H

CH

Presenc

ial

CH

Vivenci

al

CH

Praacutet

ica

2007

1

EDU00

45

Introduccedilatildeo ao Estudo da Realidade

Local (teoria+praacutetica) 4 60 15 45 45

EDU00

64 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural I - 15 - 15 15

EDU00

65 Oficina de Praacuteticas Formativas I - 15 15 - 15

2007

2

EDU00

58

Sistema Educacional e

Organizaccedilatildeo Escolar (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

66 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural II - 15 - 15 15

EDU00

67 Oficina de Praacuteticas Formativas II - 15 15 - 15

2008

1

EDU00

50

Observaccedilatildeo na escola ndash sala de

aula (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

68

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

III - 15 - 15 15

EDU00 Oficina de Praacuteticas Formativas III - 15 15 - 15

77

69

2008

2

EDU00

44 Introduccedilatildeo agrave Pesquisa (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

70

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

IV - 15 - 15 15

EDU00

71 Oficina de Praacuteticas Formativas IV - 15 15 - 15

2010

2

EDU00

52 Pesquisa I (praacutetica) 3 45 5 40 45

EDU00

72 Atividade de Formaccedilatildeo Cultural V - 15 - 15 15

EDU00

73 Oficina de Praacuteticas Formativas V - 15 15 - 15

2011

1

EDU00

95 Estaacutegio Supervisionado I

10

0 15 85 85

EDU00

74

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VI - 15 - 15 15

EDU00

75 Oficina de Praacuteticas Formativas VI - 15 15 - 15

2011

2

EDU00

97 Estaacutegio Supervisionado II

20

0 - 200 200

EDU00

98

Atividade de Formaccedilatildeo Cultural

VII - 10 - 10 10

EDU00

77 Oficina de Praacuteticas Formativas VII - 15 15 - 15

2012

1

EDU00

63

Trabalho de Conclusatildeo de Curso

(praacutetica) - 90 - 90 90

EDU00

79

Oficina de Praacuteticas Formativas

VIII - 15 15 - 15

EDU00

80 Congresso de Encerramento - 45 - 45 45

Fonte UFRN (2010)

Essa ultima parte pode-se considerar como a reta final do Curso Os estudantes

trabalharam atividades voltadas agrave culminacircncia como as Oficinas Formativas os Estaacutegios

supervisionados e o Trabalho de Conclusatildeo de Curso (UFRN 2010)

Os trecircs nuacutecleos centrais do curriacuteculo dialogam em grande parte com as necessidades

da formaccedilatildeo dos sujeitos do campo mas tambeacutem com os princiacutepios da Pedagogia Paulo

Freire sobretudo o diaacutelogo tatildeo caro no mundo dos ―pacotes prontos

Eacute preciso que a educaccedilatildeo esteja ndash em seu conteuacutedo em seus programas e em

seus meacutetodos ndash adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a

ser sujeito construir-se como pessoa transformar o mundo estabelecer com

os outros homens relaccedilatildeo de reciprocidade fazer a cultura e a histoacuteria

(FREIRE 1980 p 39)

Aleacutem desses trecircs eixos norteadores destacamos a importacircncia de outras trecircs partes

fundamentais na organizaccedilatildeo da praacutetica pedagoacutegica quais sejam (I) Instrumento de

78

integraccedilatildeo e conhecimento do aluno com a realidade social econocircmica e do trabalho de sua

aacutereacurso (II) Instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao ensino (III) Instrumento de praacutetica

profissional (UFRN 2010)

Instrumento de integraccedilatildeo do estudante com a realidade social e econocircmica (I)

―se organiza principalmente no acircmbito das praacuteticas de ensino e possibilita a interlocuccedilatildeo com

os referenciais teoacutericos do curriacuteculo Seraacute iniciada nos primeiros anos do curso e

acompanhada pela coordenaccedilatildeo (UFRN 2010 p 11)

Esse nuacutecleo de disciplinas eacute de fundamental importacircncia uma vez que pretende

aproximar e contextualizar oa estudante dentro da realidade social poliacutetica e econocircmica do

paiacutes Para Freire (2011) o ser humano precisa ―ser situado e datado ou seja o ser humano

precisa conhecer e reconhecer o lugar e o momento histoacuterico no qual se encontra para ser

capaz de agir conscientemente na transformaccedilatildeo da realidade

Menezes e Santiago (2010 p 398) falando sobre a contribuiccedilatildeo do pensamento de

Paulo Freire na construccedilatildeo do curriacuteculo criacutetico apontam que

Os estudantes compreendem suas relaccedilotildees com o mundo natildeo maiscomo real

idade estaacutetica mas como uma realidade em transformaccedilatildeo em processo e de

ssa forma satildeo estimulados a um enfrentamento da realidade como seres da p

raacutexis que sendo reflexatildeo e accedilatildeo eacute verdadeiramente transformadora da realid

ade

Natildeo podemos perder de vista a dimensatildeo criacutetica do processo nem tampouco esquecer

a complexidade da sociedade a qual estamos imersos ou seja uma sociedade de economia

capitalista cuja dinacircmica capitalista gira em torno da dominaccedilatildeo de classe (SILVA 2011)

A modalidade de Praacuteticas Pedagoacutegicas com instrumento de iniciaccedilatildeo agrave pesquisa e ao

ensino (II) pretende articular a teoria com a praacutetica Considera que a formaccedilatildeo profissional

natildeo se desvincula da praacutetica de exercitar a curiosidade que reflete e problematiza a realidade

gerando a partir daiacute projetos de pesquisa capazes de propiciar a iniciaccedilatildeo agrave pesquisa

educacional (id ibid p 11)

A necessidade da intersecccedilatildeo entre a teoria e a praacutetica eacute uma premissa singular a todo

processo educativo defendido exaustivamente tanto como caminho para formaccedilatildeo

permanente de educandos (FREIRE 1991) como para a transformaccedilatildeo do mundo Para

79

pensadores criacuteticos como Marx Gramsci Paulo Freire Apple e outros ―A questatildeo da

coerecircncia entre a opccedilatildeo proclamada e a praacutetica eacute uma das exigecircncias que educadores criacuteticos

fazem a si mesmo Eacute que sabem muito bem que natildeo eacute o discurso o que ajuiacuteza a praacutetica mas a

praacutetica que ajuiacuteza o discurso (FREIRE 2005 p 25)

Associamos a esse momento a praacutexis educativa de Paulo Freire que eacute o resultado da

accedilatildeo e da reflexatildeo porem a accedilatildeo-reflexatildeo sobre o mundo como afirma Freire (2011) natildeo eacute

simples teorizaccedilatildeo e nem simples ativismo eacute a capacidade de agir criticamente sobre esse

mundo A praacutexis eacute um processo dialoacutegico onde saberes satildeo trocados conjuntamente na busca

da construccedilatildeo de um novo saber O pensar jamais poderaacute se afastar da realidade em que se

materializa natildeo bastando interpretar o mundo mas sobretudo transformaacute-lo

Assim esse quadro de disciplinas cujo foco eacute no ensino e na pesquisa contribui de

forma profiacutecua com a busca dos educandos por melhor entenderem sua realidade e sua

eventual transformaccedilatildeo

No uacuteltimo eixo de disciplinas ldquoInstrumento de praacutetica profissionalrdquo (III) observa-

se a ocorrecircncia dos estaacutegios De acordo com a Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de

Trabalho essa atividade

Deve ocorrer junto agraves escolas e unidades educacionais nas atividades de

observaccedilatildeo regecircncia ou participaccedilatildeo em projetos como um ―saber fazer

que busca orientar-se por teorias pedagoacutegicas para responder agraves demandas

colocadas pela praacutetica pedagoacutegica Estaratildeo presentes desde os primeiros

anos do curso configurando a praacutetica pedagoacutegica necessaacuteria ao exerciacutecio

profissional O exerciacutecio efetivo das atividades como professor coordenador

ou gestor de programas educacionais seraacute considerado como parte dessa

modalidade Compreende 300 horas (Estaacutegio Supervisionado I e II) em

consonacircncia com artigo 7ordm aliacutenea II da Resoluccedilatildeo 012006 ndash CNECP

(UFRN 2010 p 11)

A busca pela praacutexis educativa eacute tambeacutem a busca pela aproximaccedilatildeo do outro

procurando articular os diferentes saberes O estaacutegio possibilita um dos momentos mais ricos

em experiecircncias e troca de saberes de todo o curso pois busca diminuir a distacircncia entre os

conteuacutedos trabalhados na Universidade e as vivecircncias do cotidiano escolar (UFRN 2010)

Por fim reafirmamos a importacircncia de um curriacuteculo pensado a partir da realidade das

necessidades sociais e das transformaccedilotildees ensejadas Como monitor que fomos podemos

afirmar que o Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

80

natildeo eacute perfeito sobretudo do ponto de vista operacional muita coisa mudou no decorrer dos

anos mudanccedilas de espaccedilos mudanccedilas na coordenaccedilatildeo saiacuteda de estudantes mudanccedilas no

cronograma entre outros Os efeitos dessas ocorrecircncias apenas outras pesquisas nos diratildeo22

Tivemos como objetivo analisar a contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire ao curriacuteculo do

Curso justamente por entender que cursos dessa natureza necessitam de grande aproximaccedilatildeo

e afinidade com os princiacutepios da Educaccedilatildeo do Campo e da Pedagogia Paulo Freire ambas as

concepccedilotildees amalgamadas nos princiacutepios da Educaccedilatildeo Popular progressista

Figur

a IIV Concluintes 2012 ndash Turma Florestan FernandesPedagogia da Terra UFRN

22 Sobre os horizontes dos educandos do Curso de Pedagogia da Terra ver Hilario e Azevedo (2011)

disponiacutevel em httpwwwieppecpb2011xpgcombrconteudoGTsGT20-200710pdf

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5 ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE ESTE TRABALHO

O tema abordado nesta pesquisa emerge de um campo promissor e de grande debate

na contemporaneidade Embora seja um tema que ainda requer muita reflexatildeo e pesquisa

podemos dizer que a temaacutetica da educaccedilatildeo dos povos do campo eacute hoje uma questatildeo em pauta

nacionalmente

Reconhecendo a importacircncia da Educaccedilatildeo do Campo propusemo-nos a pensar e

refletir sobre ―qual a contribuiccedilatildeo da Pedagogia Paulo Freire para o atual debate da Educaccedilatildeo

do Campo e numa esfera mais ampla e de forma mais recortada se ―eacute possiacutevel evidenciar

no curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte ―recorte e retalhos da Pedagogia de Paulo Freire Imersos nessa problemaacutetica

buscamos analisar o pensamento de Freire dentro dos documentos oficiais que norteiam o

curso

Pensar o sujeito enquanto humano que se transforma e transformando-se transforma o

mundo ao passo que por ele eacute transformado eacute uma contribuiccedilatildeo louvaacutevel natildeo somente ao

campo da Educaccedilatildeo do Campo mas ao paradigma da formaccedilatildeo humana como um todo Freire

desloca o homem do perifeacuterico para o centro das decisotildees natildeo num sentido egoiacutesta supremo

mas num sentido de comunhatildeo com o mundo e com o outro

Comecemos por afirmar que somente o homem como um ser que trabalha

que tem um pensamento-linguagem que atua e eacute capaz de refletir sobre si

mesmo e sobre a sua proacutepria atividade que dele se separa somente ele ao

alcanccedilar tais niacuteveis se faz um ser da praacutexis Somente ele vem sendo um ser

de relaccedilotildees num mundo de relaccedilotildees [] Desprendendo-se do seu contorno

veio tornando-se um ser natildeo da adaptaccedilatildeo mas da transformaccedilatildeo do

contorno um ser de decisatildeo [] (FREIRE 1992 p 39)

Baseado nessa concepccedilatildeo iniciamos este trabalho explicitando ―o lugar de onde

falo pois entendemos que cada ser humano precisa ser entendido em seus muacuteltiplos

condicionamentos precisa ser ―situado e datado desse modo uma compreensatildeo puramente

academicista seria demasiadamente reducionista Ainda que pareccedila pouco cientiacutefico

entendemos que as experiecircncias das pessoas estatildeo diretamente ligadas a psicologia social que

tem determinantes em toda a nossa vida Por isso achamos salutar dizer um pouco do que

somos mas sobretudo dialogar tambeacutem sobre o porquecirc de sermos o que somos

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Nessa caminhada dialogamos acerca da necessidade de superaccedilatildeo do paradigma da

Educaccedilatildeo Rural e construccedilatildeo da Educaccedilatildeo do Campo como alternativa viaacutevel aos povos do

campo Trabalhamos o entendimento da Educaccedilatildeo Rural como a histoacuteria nos apresentou ou

seja um modelo calcado na exploraccedilatildeo do trabalho humano o que configura uma visatildeo

utilitarista e preconceituosa da vida e dos sujeitos do campo Ao mesmo tempo tratamos de

apresentar a Educaccedilatildeo do Campo como uma vertente que melhor se aproxima das

experiecircncias do trabalho e da vida praacutetica dos agricultores e agricultoras Todo o diaacutelogo

sobre as diferentes formas de pensar a educaccedilatildeo dos povos do campo foi atravessado pelo

pensamento de Paulo Freire que teceu toda a construccedilatildeo dessa obra

Pensar a contribuiccedilatildeo de Paulo Freire para o atual debate em torno da Educaccedilatildeo do

Campo eacute uma tarefa instigante sobretudo porque evidenciamos um grande pioneirismo do

Patrono da educaccedilatildeo brasileira quanto a algumas temaacuteticas abordadas hoje pela Educaccedilatildeo do

Campo Debater a importacircncia da realidade ou seja do trabalho e da vida praacutetica como

motor capaz de gerar conhecimentos e mais gerar um curriacuteculo eacute sem duacutevida uma bandeira

do Movimento Por Uma Educaccedilatildeo do Campo que tem origem no pensamento de Paulo Freire

Nessa mesma caminhada explicitamos algumas consideraccedilotildees acerca da Pedagogia da

Alternacircncia e seus propoacutesitos junto a Educaccedilatildeo do Campo Dentro de uma concepccedilatildeo

metodoloacutegica situamos a Alternacircncia dentro de uma vertente multicultural como uma

alternativa curricular que se aproxima das concepccedilotildees progressistas que reclamam uma

organizaccedilatildeo oacutetica mais humana e respeitosa

Continuamos nosso debate discorrendo sobre Educaccedilatildeo do Campo e buscando onde

ela se afina com a Pedagogia Paulo Freire Observamos que em muitos momentos haacute um

entrelaccedilamento entre as duas concepccedilotildees como procuramos exemplificar no desenho criado

por noacutes Nessa pesquisa encontramos uma luta histoacuterica dos povos oprimidos pela busca dos

seus direitos e no mesmo sentido encontramos tambeacutem classes dominantes que ao longo da

histoacuteria perpetuaram seus privileacutegios mantendo uma cultura elitista que estratificando a

sociedade engessa os avanccedilos necessaacuterios

Na quarta parte do trabalho buscamos refletir sobre a inserccedilatildeo do Curso de Pedagogia

da Terra da UFRN no espaccedilo acadecircmico como algo de singular importacircncia Dissertamos

sobre os momentos perpassados pelo curso durante sua realizaccedilatildeo Como se deu o dia a dia

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dentro da universidade as dificuldades os esforccedilos os preconceitos tudo isso foi canalizado

como forma de entender essa inserccedilatildeo como um ato de ―rebeldia e uma conquista do povo do

campo do Rio Grande do Norte

Eacute nesse sentido de luta e rebeldia que situamos a Pedagogia Paulo Freire dentro da

discussatildeo da Educaccedilatildeo do Campo e do Curso de Pedagogia da Terra A contribuiccedilatildeo de Freire

costura esse trabalho do iniacutecio ao fim Aponta diretrizes e caminhos para a tessitura dessa

dissertaccedilatildeo que eacute tanto teoacuterica quanto praacutetica eacute tanto a segunda quanto a primeira eacute diaacutelogo

eacute pois praacutexis educativa

Por fim buscamos analisar o curriacuteculo do Curso de Pedagogia da Terra agrave luz da

contribuiccedilatildeo do pensamento de Paulo Freire Concluiacutemos que haacute uma forte influecircncia da

concepccedilatildeo freireana na Proposta poliacutetico-pedagoacutegica e Plano de Trabalho

A Pedagogia Paulo Freire e a Educaccedilatildeo do Campo que satildeo atravessadas pela

concepccedilatildeo de educaccedilatildeo dialoacutegica e libertadora satildeo colocadas nesse trabalho como a busca

pelo diaacutelogo constante com o outro Uma educaccedilatildeo ―que se predispusesse a constantes

revisotildees A anaacutelise criacutetica de seus ―achados A uma certa rebeldia no sentido mais humano

da expressatildeo (FREIRE 1983 p 90)

Por fim esta pesquisa nos permitiu refletir sobre o pensamento de Paulo Freire na

contemporaneidade Percebemos o quatildeo atual ele continua e como nos permite compreender

de forma ampla e completa questotildees sociais que permeiam a sociedade A praacutexis educativa de

Paulo Freire assim como o Materialismo Histoacuterico-dialeacutetico continua dando conta de forma

satisfatoacuteria das anaacutelises e mudanccedilas que as questotildees de nossa eacutepoca ensejam

Por uacuteltimo reconhecemos a importacircncia dos cursos de educaccedilatildeo do campo como de

importacircncia singular pois muito mais que a possibilidade de melhoria econocircmica significa

tambeacutem um reparo social e uma conquista do ponto de vista soacutecio-histoacuterico Tivemos a

oportunidade de refletirmos sobre o Curso de Pedagogia da Terra e como a Pedagogia Paulo

Freire pode contribuir com essa formulaccedilatildeo Sabemos que hoje haacute em todo o Brasil diversos

cursos que gozam desse mesmo caraacuteter reconhecemos que satildeo fundamentais poreacutem

reconhecemos que existe uma tendecircncia em tornar essas experiecircncias em ―moda Por

entender que Educaccedilatildeo do Campo eacute um movimento histoacuterico da classe trabalhadora eacute que

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defendemos que esse paradigma precisa ter em seu acircmago os princiacutepios revolucionaacuterios da

Pedagogia Paulo Freire

85

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ANEXOS

93

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