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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO E CULTURA: LEITURA DO CEMITÉRIO DE SÃO JOÃO BATISTA MANAUS/AM Maria Terezinha da Rosa Cupper MANAUS-AM 2009

EDUCAÇÃO E CULTURA: LEITURA DO CEMITÉRIO DE SÃO JOÃO ... · na Geografia e se destina ao ensino de Geografia para ser aplicado mediante Estudo do Meio de caráter interdisciplinar

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EDUCAÇÃO E CULTURA: LEITURA DO CEMITÉRIO DE

SÃO JOÃO BATISTA – MANAUS/AM

Maria Terezinha da Rosa Cupper

MANAUS-AM

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARIA TEREZINHA DA ROSA CUPPER

EDUCAÇÃO E CULTURA: LEITURA DO CEMITÉRIO DE

SÃO JOÃO BATISTA – MANAUS/AM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal do Amazonas, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Educação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Amélia

Regina Batista Nogueira.

MANAUS-AM

2009

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Ficha Catalográfica

(Catalogação na fonte realizada pela Biblioteca Central – UFAM)

L557f

Cupper, Maria Terezinha da Rosa.

Educação e Cultura: Leitura do Cemitério de São João Batista –

Manaus/Am. - Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2009.

152 f.; il.

Dissertação (Mestrado em Educação) –– Universidade Federal do

Amazonas, 2009.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Amélia Regina Batista Nogueira.

1. Educação 2. Cultura 3. Cemitério de São João Batista.

I. Título

CDU 371.13056.262 CDD 371.12

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MARIA TEREZINHA DA ROSA CUPPER

EDUCAÇÃO E CULTURA: LEITURA DO CEMITÉRIO DE

SÃO JOÃO BATISTA – MANAUS/AM

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade

Federal do Amazonas, como requisito parcial

para a obtenção do título de Mestre em

Educação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Amélia

Regina Batista Nogueira.

Aprovado em 20/01/2009.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.ª Amélia Regina Batista Nogueira – Presidente

Universidade Federal do Amazonas/ICHL – UFAM

Prof.ª Dr.ª Antonia Silva de Lima – Membro

Universidade Federal do Amazonas/FACED – UFAM

Prof. Dr. Benhur Pinõs Costa – Membro

Universidade Federal do Amazonas/ICHL – UFAM

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DEDICATÓRIA

Ao Princípio Criador. A meus antepassados in memória aos quais homenageio na memória de meus pais: Maria de Lourdes Severo da Rosa e Manoel José Cupper. Ao mestre Irineu Raimundo Serra e Pad. Sebastião Mota e a todos os que “repousam” no Cemitério de São João Baptista e Cemitério Comunal Judaico em especial ao Ribbi Salon Moyal.

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AGRADECIMENTOS

Aos professores da banca que entenderam meus esforços no sentido de enfrentar minhas próprias limitações.

Ao grupo de jovens que me acompanharam nesta jornada. Ao olhar sob as lentes de

Victória, Randiza e Lorena.

A Jean, Jucélia, Silvia .Lorena Duarte, Randiza Santis, Victória Cupper Orlandini.

Aos funcionários do Cemitério de São João Batista.

Aos alunos da Fametro Curso de Serviço Social turma 3º período/2º semestre ano 2007.

Aos alunos do curso de Geografia/UFAM, 2º semestre 2004/2007. Aos quais

agradeço a todos destacando Francisco Bessa por colaboração.

Fernando Ramos grande incentivador deste trabalho e William Kashimura que prestimosamente participou de visitas e dos questionários.

Aos professores do Departamento de Geografia da UFAM, aos quais presto

agradecimentos nas pessoas dos professores Evandro Aguiar e Maria Angélica Bizari Cavicchioli.

Ao professor Dr. Otoni Mesquita pela gentil interlocução no projeto inicial.

Ao professor Dr. Benhur Pinõs pela co-orientação.

A orientadora professora Drª Amélia Regina por sua participação e apoio.

E a FAPEAM por ter concedido a Bolsa RH AMAZÔNIA através da qual pude realizar os estudos e, novamente a FAPEAM pelo Programa PAPE que me

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concedeu passagens para participar de eventos, sem dúvida me proporcionaram alargar meus horizontes e o universo da pesquisa em si.

A todos sincero agradecimento.

Se algum nome foi esquecido não foi por ingratidão. Por isso, reitero meus

agradecimentos a todos os seres... com a certeza de que “Todos as flores são Divinas Todos os sonhos contêm amor

Todas as formas de viver a vida neste mundo Abençoa Senhor [...]” (VICTÓRIA CUPPER ORLANDINI, 2007).

POR TUDO ISSO.., Muito Obrigada!

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RESUMO

Este trabalho buscou identificar o Cemitério de São João Batista, Manaus, como paisagem e

lugar que educa. Primeiramente identificando-o como paisagem cultural de /na cidade de

Manaus pela porção histórica contida em seus artefatos, pela história do próprio cemitério e

sua gente. Depois buscou-se identificá-lo como lugar vivido para os funcionários que ali

trabalham e outros que por ali deambulam fazendo parte do cotidiano do lugar. Através da

observação empírica, de conversas informais e formais, foram criados os roteiros para as

paisagens que foram identificadas mediante a percepção do pesquisador e de acadêmicos de

formação variada, professora de Língua Portuguesa, grupo de alunos do Ensino Fundamental

aos quais aplicamos questionário e funcionários do cemitério. O trabalho está fundamentado

na Geografia e se destina ao ensino de Geografia para ser aplicado mediante Estudo do Meio

de caráter interdisciplinar. Aspectos históricos, éticos, estéticos, ambientais e sociais são

contemplados, assim como alguns Temas Transversais.

Palavras-Chave: Educação. Cultura. Cemitério de São João Batista.

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ABSTRACT

Ce travail a cherché identifier au Cimetière de Sain João Batista, Manaus, mange paysage et

place laquelle il instruit. Premièrement idenficando le je mange du paysage culturel de /na

ville de Manaus par la portion historique contenue dans leurs dispositifs, par l'histoire du

cimetière lui-même et ses gens. Il s'est ensuite cherché l'identifier mange place vive pour les

fonctionnaires qui là travaillent et autres qui par là déambulent en faisant partie du quotidien

de la place. À travers le commentaire empirique, de conversations informelles et formelles,

ont été créés les manuscrits pour les paysages qui ont été identifiés moyennant la perception

du chercheuse et des académiciens de formation variée, enseignante de Langue Portugaise,

groupe d'élèves de Ensino Fondamental auquel nous appliquons questionnaire et

fonctionnaires du cimetière. Le travail est basé dans la Géographie et il se destine à

l'enseignement de Géographie pour que appliquent moyennant Étude du Moyen de caractère

interdisciplinaire. Des aspects historiques, moraux, esthétiques, environnementaux et sociaux

sont envisagés, ainsi que quelques Sujets Transversaux.

writers, enabling them to appropriate of reading and writing in their social practices.

Key-Words: Language. Textual genres. Didactical sequence. Text reading. And writing.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Os símbolos cristãos como a cruz.........................................................................

Figura 2 – Cemitério Comunal Judeu, uma visão dos túmulos (Keburot).............................

Figura 3 – Algumas representações encontradas no Cemitério de São João Batista.............

Figura 4 – Algumas representações encontradas no Cemitério de São João Batista.............

Figura 5 – Algumas representações encontradas no Cemitério de São João Batista.............

Figura 6 – Uma pessoa é sua biologia, seu meio ambiente, seu passado, suas influências

acidentais, a maneira como vê o mundo e a maneira pela qual deliberadamente

prepara a imagem pública.....................................................................................

Figura 7 – Capela da Irmandade Santíssimo Sacramento......................................................

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Figura 8 – Túmulo da Maçonaria. Loja 28 de Julho.............................................................. 37

Figura 9 – Algumas das formas Simbólicas encontradas no C.S.J.B.....................................

Figura 10 – Algumas das formas Simbólicas encontradas no C.S.J.B...................................

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Figura 11 – Cemitério de São João Batista............................................................................. 39

Figura 12 – A terra e o céu.....................................................................................................

Figura 13 – Artefato construído pela marmoraria Italo-amazonense. Ano de 1927..............

Figura 14 – Flores em pedra & Flores Naturais.....................................................................

Figura 15 – Retratos em porcelana.........................................................................................

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Figura 16 – Retratos em porcelana......................................................................................... 46

Figura 17 – Retratos em porcelana.........................................................................................

Figura 18 – Contraste de tempos e práticas............................................................................

Figura 19 – Representação Imagem devocional profana: A pranteadora...............................

Figura 20 – Funcionárias da secretaria do C.S.J.B.................................................................

Figura 21 – Cemitério no Perímetro urbano de Manaus........................................................

Figura 22 – Antigos túmulos & peças escultóricas................................................................

Figura 23 – Cemitério.............................................................................................................

Figura 24 – Entrada pela avenida Boulevard Álvaro Maia....................................................

Figura 25 – Mapa de Orientação............................................................................................

Figura 26 – Capela de estilo. Inaugurada em 1906, gestão de Adolpho Lisboa....................

Figura 27 – Fundos da capela contrastando com o azul do céu.............................................

Figura 28 – Trabalhadores autônomos...................................................................................

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Figura 29 – Cuidado, zelo e saudade...................................................................................... 77

Figura 30 – Serviço de Zeladoria do jazigo............................................................................ 78

Figura 31 – Operário circulando de bicicleta......................................................................... 79

Figura 32 – Enterro sob chuva forte.......................................................................................

Figura 33 – Uma pessoa, um cão, um enterro na tarde chuvosa............................................

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Figura 34 – Túmulo deteriorado.............................................................................................

Figura 35 – Caixão carregado para capela por causa da chuva forte.....................................

Figura 36 – Morador de rua & capelinha da Irmandade & com gato no colo........................

Figura 37 – Restos mortais expostos a céu aberto..................................................................

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Figura 38 – Sr. João Batista ao lado do mausoléu mais representativo para ele....................

Figura 39 – “Como se fora brincadeira de roda, memória Jogo do trabalho na dança das

mãos...”..............................................................................................................

Figura 40 – Anjo portando características do século XX.......................................................

Figura 41 – Senhora sentada no jazigo da família com o cão de estimação...........................

Figura 42 – Animais emprestam à paisagem cores, sons, movimentos.................................

Figura 43 – Animais emprestam à paisagem cores, sons, movimentos.................................

Figura 44 – Animais emprestam à paisagem cores, sons, movimentos.................................

Figura 45 – Vestígio de “prática religiosa”............................................................................

Figura 46 – Visão de dentro & Lazer.....................................................................................

Figura 47 – Registro de trabalho de escavação na Praça Dom Pedro II.................................

Figura 48 – Sentimento patriótico. Muitos militares estão enterrados no C.S.J.B.................

Figura 49 – Sentimento patriótico. Muitos militares estão enterrados no C.S.J.B.................

Figura 50 – Movimento na tarde chuvosa. Um esquife está sendo carregado para a capela.

Figura 51 – Velhos túmulos. Novos túmulos. Tempo acumulado.........................................

Figura 52 – Velhos túmulos. Novos túmulos. Tempo acumulado.........................................

Figura 53 – Obras da administração do Intendente Adolpho Miranda Lisboa, 1895.............

Figura 54 – Obras da administração do Intendente Adolpho Miranda Lisboa, 1895.............

Figura 55 – Conjunto de Jazigos tombados pelo Patrimônio Histórico Estadual..................

Figura 56 – Conjunto de Jazigos tombados pelo Patrimônio Histórico Estadual..................

Figura 57 – Dois anjos. Dois fragmentos de tempo e ações...................................................

Figura 58 – Detalhes da capela da “santa Etelvina”...............................................................

Figura 59 – Etelvina D Alencar * 1884 + 17/03/1901...........................................................

Figura 60 – Keburah (sepultura) localizada no Cemitério secular e cristão de São João

Batista..................................................................................................................

Figura 61 – Epigrafia do Keburah de Ribbi Salon Moyal......................................................

Figura 62 – Jazigo de Tereza Cristina menina denominada de “santa”.................................

Figura 63 – Túmulo 01. Recebeu o primeiro sepultamento no C.S.J.B. em 19 de abril de

1891.....................................................................................................................

Figura 64 – Busto de Eduardo Ribeiro...................................................................................

Figura 65 – J.Jefferson C. Peres *19/03/1932 + 23/05/2008.................................................

Figura 66 – “Paisagem Singularidade”: Jazigo com escultura do cachorro...........................

Figura 67 – Capela em formato de Mesquita. Presença do Multiculturalismo......................

Figura 68 – Portão de entrada.................................................................................................

Figura 69 – Na placa situada à entrada do Cemitério Comunal Judaico................................

Figura 70 – Visão geral do cemitério.....................................................................................

Figura 71 – Adolescentes pedalando......................................................................................

Figura 72 – Visão Aérea do Cemitério S.J.B.........................................................................

Figura 73 – Arborização.........................................................................................................

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................

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CAPÍTULO 1

1 – O CEMITÉRIO ENQUANTO PAISAGEM LUGAR SUA DIMENSÃO

EDUCATIVA..................................................................................................................

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1.1 – O Cemitério enquanto Paisagem................................................................................

1.1.1 – Paisagem Cultural.......................................................................................................

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1.1.2 – Paisagem Simbólica....................................................................................................

1.1.3 – Arte Cemiterial...........................................................................................................

1.1.4 – Alguns Artefatos do C.S.J.B.......................................................................................

1.2 – O Cemitério enquanto Lugar.....................................................................................

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CAPÍTULO 2

2 – O CEMITÉRIO E A PRODUÇÃO DA CIDADE.......................................................

2.1 – Secularização dos Cemitérios no Brasil.....................................................................

2.1.1 – Antecedentes...............................................................................................................

2.2 – Secularização e Espacialização dos Cemitérios em Manaus...................................

2.3 – O Cemitério de Manaus..............................................................................................

2.4 – Caracterização Histórico-Geográfica do Cemitério de S.J.B..................................

2.4.1 – Síntese Histórica.........................................................................................................

2.4.2 – Localização.................................................................................................................

2.4.3 – A Capela.....................................................................................................................

2.5 – A Cidade e o Cemitério Hoje......................................................................................

2.6 – O Cotidiano do/no Cemitério de S.J.B.......................................................................

2.6.1 – Descrevendo o cotidiano propriamente dito...............................................................

2.6.2 – Cemitério de São João através dos atores sociais que o vivem..................................

2.6.2.1 – O Cemitério de São João Batista por seu João Batista..........................................

2.6.2.2 – Vitória, pequena menina em meio ao grande cemitério..........................................

2.6.2.3 – A família de Vitória por uma das contratantes para zelar mausoléu.....................

2.6.3 – Animais habitam a “cidade dos mortos”....................................................................

2.6.4 – Práticas Religiosas no Cemitério de S.J.B e outros Usos...........................................

2.6.5 – Fragmentos do/no cotidiano.......................................................................................

CAPÍTULO 3

3 – LEITURA DO CEMITÉRIO DE SÃO JOÃO BATISTA..........................................

3.1 – O Cemitério de S. J. Batista enquanto Espaço Educativo.......................................

3.2 – Educação e Cultura no Cemitério..............................................................................

3.3 – Cemitério: Um Espaço Educativo..............................................................................

3.4 – Cemitério de São João Batista e as Paisagens de Aprendizagem............................

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3.4.1 – Paisagens de Aprendizagem.......................................................................................

3.4.1.1 – 1ª Paisagem: Cemitério em Si.................................................................................

3.4.1.2 – 2ª Paisagem: Museu ao Ar Livre.............................................................................

3.4.1.3 – 3ª Paisagem de Aprendizagem: Santos Milagreiros...............................................

3.4.1.4 – 4ª Paisagem: Personalidades Históricas (Intelectuais, Políticos, Representantes

da esfera pública).....................................................................................................

3.4.1.5 – Paisagem Singularidade..........................................................................................

3.4.1.6 – 6ª paisagem: Pluralidade Cultural..........................................................................

3.4 – Idéias Norteadoras para Estudo no Cemitério.........................................................

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CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 143

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 146

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INTRODUÇÃO

Não confundamos os nômades que incineram seus mortos porque os confiam ao

vento, às estrelas ou ao oceano, e os sedentários que os enterram em posição fetal

para devolvê-los à mãe terra que os fará renascer. Cada civilização trata a morte à

sua maneira, motivo pelo qual são todas diferentes; e cada um tem suas formas

tumulares; mas já não seria uma civilização se deixasse de tratar da morte (e o

desaparecimento da arquitetura funerária torna nossa modernidade bastante próxima

da barbárie) (DEBRAY, 1993 p. 27).

A epígrafe sintetiza a importância dos cuidados dispensados aos mortos para os

grupos, as tribos, os povos, as nações, denotando que a ausência desta preocupação levaria o

homem a agir como os animais, dos quais tem se distanciado na linha evolutiva. Estando

cientificamente comprovado que a espécie humana é a única do reino animal a ter este

comportamento diante da morte. Advém deste comportamento humano diante da morte a

importância de se estudar o cemitério para além do locus da morte.

A preocupação com a morte e com o destino dos corpos tem permeado a humanidade

desde seus primórdios. Primeiramente, as cavernas teriam servido de abrigo para os mortos,

dando origem à cidade dos vivos. Montes de pedras, os rios, os mares, as grutas, o uso do

fogo (LEWIS MUMFORD, 1963).

Historicamente, o homem tem deixado suas marcas pelo planeta, possibilitando que

através de vestígios encontrados em diversas partes do globo terrestre, se tornasse possível o

registro de sua passagem e de alguns de seus hábitos culturais. Os estudos acompanham e

reconstituem a cultura de grupos, e, a preocupação humana com os restos mortais tem sido

uma constante presença nestes estudos.

Através da arqueologia e da antropologia o uso dos materiais encontrados no local, a

presença ou ausência da utilização de ferramentas rudimentares e, posteriormente, o uso da

técnica, corrobora com a idéia de que a morte era uma das preocupações humanas e o homem

teria se utilizado, desde o uso de montes de pedras, as grutas e cavernas, uso do fogo, bem

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como dos rios e os mares, que também serviam de “última morada” até as construções

piramidais, numa sequência temporal e espacial que comprovam a preocupação com a morte e

com os cuidados dos mortos ao longo da evolução humana.

A morte tem sido uma incógnita na vida do homem, um enigma a ser decifrado. Todas

as sociedades de um modo ou de outro têm demonstrado esta preocupação com a abstração da

morte como algo que paira sobre todos, tornando-se um destino coletivo, porém, totalmente

desconhecida mesmo em tempos de inovações tecnológicas.

O destino aos mortos foi uma das primeiras preocupações abstrata dos homens,

demonstrando sentimento ou crença em algo transcendente. O que fazer com os restos

mortais? Guardá-los numa tentativa de mostrar respeito ao que eles foram em vida? Preservá-

los para uma possível nova vida como acreditava a civilização egípcia? Ou talvez cremá-los,

como os indianos e chineses? Lançá-los ao mar? Enterrá-los como outros povos?

Não importa a maneira como este ato era praticado, o que se quer ressaltar é que o

modo como os homens dão destino aos mortos têm estreita ligação com a cultura de um

grupo, de um povo, porque o cemitério /campo santo/necrópole/ pirâmide/ /mastaba/ gruta/

túmulos/ descanso na beira da estrada/ expressam espacialmente crenças, medos e mitos

primevos (CASCUDO, 2002; ELIADE, 2006).

Cemitério é, portanto, a nomeação cristã ao local destinado ao sepultamento dos

mortos. Em latim coementerium, do grego koimnterion. Nos primeiros séculos da era cristã os

cemitérios localizavam-se geralmente longe das igrejas e fora dos muros da cidade (BARSA,

1986, p. 222)

Numa época mais remota sob primórdio do cristianismo, o cemitério era o local de

práticas religiosas da guarda dos restos mortais, proporcionando o encontro da comunidade

que surgia como tal. O respeito aos mortos acompanha a sociedade humana. Os abrigos

erguidos para proteção dos mortos foram se transformando em lugares santos, muitas igrejas

surgiram de pequenos abrigos aos mortos.

Eram comuns os enterramentos dentro da própria igreja, nos adros e no entorno. Todos

queriam se beneficiar da proximidade com um lugar santo. Tanto a cerimônia como o

sepultamento era realizado nas igrejas até que uma “nova mentalidade” fosse assimilada,

segundo Costa (1999, p.237) no final do século XVIII, que resultou no afastamento dos

cemitérios e consequentemente - afastamento dos mortos -, para fora do perímetro urbano, em

nome de normas disciplinadoras que propagavam o discurso médico-higienista, idéias

oriundas da Europa, que aqui aportaram sob o poder público e aval da Maçonaria.

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O argumento que se construiu para esse afastamento foi à necessidade de normatizar

os enterramentos que eram feitos nos adros das igrejas tornando-as insalubres, bem como todo

seu entorno. Neste período, o morto era visto como sagrado, portanto, a idéia da retirada dos

mortos da igreja foi considerada uma idéia inadmissível. Apesar da manifestação popular

contrária, foi inevitável a “saída” dos mortos da igreja. Em 1855, uma lei inglesa regulamenta

a criação dos cemitérios que passando os sepultamentos a serem realizados fora do centro

urbano, dando inicio ao processo de secularização dos cemitérios na Europa; Inglaterra, e

França (COSTA, 1996; BORGES, 2001).

No Brasil, a partir da Proclamação da República, ficou nítida a separação entre os

poderes civil e religioso, - leia Igreja Católica Apostólica Romana - o tratamento aos

cadáveres até então responsabilidade da Igreja passou a ser gerenciado pelo poder público

municipal, com algumas exceções de alguns grupos isolados de religiosos (católicos,

evangélicos, judeus) e alguns grupos particulares (SOBRINHO, 2002).

Áreas maiores e em locais mais distantes da aglomeração urbana foram destinadas a

construção dos cemitérios. Ressalta-se que quando as cidades crescem este local destinado ao

cemitério deixa de ser um periférico e estes tornam a integrar-se ao centro urbano, como é o

caso em Manaus do Cemitério de São João Batista.

A priori, constatou-se grosso modo que o cemitério guarda em si através da arquitetura

de túmulos, materiais empregados, uso de cores, a diferenciação de tratamento que a

sociedade da época concedeu aos mortos, percebeu-se que este tratamento sofre modificações

ao longo do tempo.

Na questão espacial dentro do planejamento urbano, é preciso definir o local onde vai

ser instalado o cemitério- “cidade dos mortos”- que é um espaço importante dentro da cidade

além de ser necessário, estão/são impregnados de significados simbólicos.

A educação amazonense com raras exceções, não aponta este local como um objeto

significativo que possa ser lido e interpretado dentro de uma sociedade em ininterrupta

dinâmica e que não percebe a morte como consequência natural do ciclo biológico da vida.

Atribuiu-se ao seu caráter material (técnica e razão) e ao seu significado simbólico e

representativo (emoção) à vontade de identificá-lo como possível paisagem de aprendizagem.

Segundo esta visão apresentada o cemitério adquire importância e visibilidade agregando em

si mesmo caráter educativo e cultural, deixando de ser apenas classificado meramente como

aparelho urbano, tema este que será desenvolvido no decorrer do trabalho.

Aos educadores dentro de uma visão holística, oportuniza-se a sugestão de um estudo

do meio, onde através da interdisciplinaridade poderão contemplar os aspectos cognitivos,

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indo além, preparando os alunos para um mundo em mudanças, muitas da quais envolve

abstrações, mitos e interditos, como a morte (ELIADE, 1961; ARIÈS, 1977).

O equipamento cemitério desde século XIX, em várias outras capitais internacionais e

nacionais, vem despertando interesse das Ciências Sociais e Biológicas. Este interesse

concede aos cemitérios importância histórica e cultural, possibilitando assim, que alguns

sejam identificados como museu a céu aberto e/ou realçados em outros aspectos como em

Corrêa, Borges, Rezende, Costa, Almeida, Cymbalista, entre outros.

A visão holística aqui empregada não significa juntar partes. Refere-se a trabalhar um

mesmo objeto de acordo com os enfoques metodológicos de cada ciência que se une para

troca e re-elaboração de conhecimentos, ressaltando aspectos até então encoberto, saindo da

visão unilateral ampliando a percepção a cerca do mundo que nos rodeia, principalmente do

objeto de estudo numa visão ampla e contextualizada que contemple o cemitério como um

todo e não apenas como o local onde se enterram mortos.

Segundo Edgar Morin (2004) em A Cabeça Bem Feita a educação deve favorecer a

aptidão natural da mente para colocar e resolver os problemas e, correlativamente, estimular o

pleno emprego da inteligência geral (MORIN, 2004, p. 22). Neste sentido, um Estudo do

Meio realizado no cemitério de São João Batista evidencia uma oportunidade ímpar de

estudos extramuros envolvendo diversas disciplinas e alguns dos seus respectivos conteúdos.

A interdisciplinaridade, neste Estudo do Meio oportuniza que as disciplinas

mantenham abordagem específica dentro da óptica de cada ciência. O objeto é comum a todas

as disciplinas em consonância com o pensamento de que “A transdisciplinaridade pode ser

entendida como uma metodologia que, com base em novos níveis de realidade, trabalha no

espaço vazio entre as disciplinas e além delas” (RODRIGUES 2001, p. 29 apud PIMENTA,

2004, p. 91).

Depreende-se que o Estudo do Meio tendo como recorte temático a “Leitura” do

Cemitério de São João Batista tende a convergência de experiências interdisciplinares,

adequado a ser iniciado no ensino fundamental, (é adequado a todos os níveis) e pode

envolver várias disciplinas da grade curricular. A proposta desta pesquisa é pensar a

interdisciplinaridade a partir da Geografia.

O cemitério que será o abordado na pesquisa é o Cemitério de São João Batista, neste

encontra-se um acervo considerável de artefatos, peças escultóricas, construções de estilo

como a capela, conjunto dos portões e grades, bens materiais (contendo imaterialidade) que

por si só justificam ações educativas assim como práticas de conservação e restauro.

Os objetivos propostos

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- Perceber o cemitério, tomando como referência seus aspectos e dimensões: espacial,

histórico, ético e estético a fim de identificá-lo como um espaço educativo.

Objetivos Específicos:

a) Caracterizar histórico-geograficamente o cemitério de São João Batista como um

local de significações dentro da cidade de Manaus enquanto construção social e simbólica.

b) Descrever o que seja considerado como uma paisagem cultural dentro da cidade de

Manaus e o cotidiano deste lugar, com alguns dos diversos atores sociais envolvidos,

entendendo-o como um espaço educativo e de aprendizagem.

c) Demonstrar que o cemitério de São João Batista contém entre seus muros o que

nomeamos de paisagens de aprendizagem.

Na busca por estratégias de ensino compatíveis com a realidade e ao mesmo tempo

desafiante, optou-se pelo Estudo do Meio realizado no Cemitério de São João Batista.

Buscou-se antes de tudo contemplar o cemitério como um objeto de estudo a ser inserido no

ensino Fundamental e poderá ser trabalhado em todos os níveis de ensino, numa proposta

interdisciplinar através do ensino de geografia evidenciando aspectos históricos, espaciais,

éticos e estéticos entre outros.

Procurou-se argumentos que identificasse o Cemitério de São João Batista como um

lugar educativo, onde se aprende sobre a geografia, a história, arte e modo de vida,

especificidades de linguagens, representações de mundo, de valores, de relações interpessoais

e de criações cotidianas (PCNs, 1997).

Um Estudo do Meio com abordagem qualitativa, na coleta de dados e compreensão da

pesquisa, com enfoque fenomenológico. Estudou-se o local através das categorias: paisagem,

lugar e cotidiano, com encaminhamento metodológico plural e exploratório no tange à sua

finalidade (VERGARA, 2000).

Silva (1986) aponta que a tendência dos estudos fenomenológicos é o estudo do lugar

do ponto de vista do sujeito. Procurou-se apreender o significado do cemitério de São João

Batista não apenas um lugar que existe objetivamente na cidade, mas como um meio ambiente

que é sentido, percebido pelo pesquisador e pelos atores envolvidos.

A Pesquisa Qualitativa proporciona a possibilidade de responder a questões

particulares, segundo Minayo (1992) este tipo de pesquisa permite trabalhar com um nível de

realidade que não pode ser quantificado, realçando valores, representações, opiniões e

atitudes. Permite uma compreensão de fenômenos com alto grau de complexidade interna.

Embora com nomenclaturas diferentes há semelhanças e congruências entre: Estudo

do Meio e a Leitura da Paisagem. Escolheu-se usar no titulo do trabalho a Leitura e como

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recurso o Estudo do Meio. Na verdade é um Estudo do Meio através da Leitura da Paisagem

do Cemitério. Ambos exigem que a priori sejam feitas pesquisas sobre o local.

O Estudo do Meio caracteriza-se pela utilização de metodologia específica de trabalho,

envolvendo o grupo executor com as fontes de informação oriundas de contextos cotidianos –

social e natural. É por excelência uma atividade didática que possibilita ao educando entrar

em contato com contextos vivos e dinâmicos da realidade. Neste estudo, o educando entra em

contato com a realidade, com a paisagem cultural - neste caso - que permite observar o

presente e o passado, a parte e o todo, o particular e o geral, a diversidade e as generalizações,

as contradições e o que se pode estabelecer de comum no diferente (PCNs, 1997 p. 90).

Na leitura do cemitério de São João Batista como um lugar que também educa o

recorte temporal escolhido não foi estabelecido numa temporalidade linear porque quando se

trata do espaço destinado aos mortos e morte, fala-se de “temporalidades muito extensas e de

transformações imperceptíveis a princípio” (CYMBALISTA, 2001, p. 17). Este autor

recomenda que se atenha ao fato de que a historicidade do cemitério secular brasileiro é

diferente da secularização européia, contendo muita particularidade. Em determinados

momentos o tempo referido é o atual, quando necessário para manter um fio condutor e

elucidar fatos, utilizaremos tempo sincrônico e anacrônico.

Maria Elizia Borges1 em seus estudos da arte cemiterial adotou um modelo de ficha de

catalogação e estabeleceu as categorias a serem pesquisadas nos cemitérios; sítios

arqueológicos (cemitério); artefatos (jazigos) e os atributos dos artefatos que podem conter

signos verbais (epigrafias tumulares) e não-verbais (esculturas, pinturas e fotografias, etc.).

Mediante a ficha de catalogação de Borges, neste Estudo do Meio no Cemitério de São João

foram encontrados artefatos de vários estilos e tamanhos, do túmulo simples, ao jazigo-capela,

o mesmo se deu em relação aos atributos dos artefatos que são encontrados tanto com signos

verbais e não-verbais. Muitos possuem os atributos verbais, não-verbais como escultura e

fotografia. Escolheu-se para mostra os que possuíam evidências como paisagem de

aprendizagem. E, também serão mostrados os artefatos apontados pelos atores sociais que

convivem no Cemitério de São João Batista.

Yu Fu Tuan (2002) em Topofilia ressalta o simbolismo das formas dos lugares

sagrados, a apreciação estética e os símbolos de transcendência, e, Tania Lima (1974)

classificou artefatos cemiteriais encontrados em cemitérios do Rio de Janeiro em três períodos

temporais cada qual com características próprias. Com base nestes estudos os artefatos

1 Universidade Federal de Goiás. Referência em estudos da Arte Cemiterial. Comitê Brasileiro.

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apontados pelos atores, estudantes e pesquisador, serão interpretação no que se refere à visível

representação simbólica contida.

Ao levar para sala de aula o Estudo do Meio a partir do cemitério, abre-se espaço para

sair da rotina e dos livros didáticos, muitos dos quais por serem feitos em outra região e,

portanto, não priorizam a realidade local contribuindo deste modo para que o aluno tenha

dificuldade em abstrair conceitos fundamentados em exemplos nos quais ele não conhece e

nem se reconhece.

Em Morin (2004) a educação que fazemos/recebemos tem privilegiado a “separação

em detrimento da ligação, e a análise em detrimento da síntese.” Portanto, a ligação e a síntese

não são priorizadas porque não se faz a associação entre os conhecimentos. Neste sentido, o

Estudo do Meio no cemitério de S.J.B. pode servir como “um conhecimento particular em seu

contexto e situá-lo em seu conjunto” (MORIN, 2004, p. 24).

Estabeleceu-se desta maneira através da Leitura da Paisagem as bases de um projeto

“ecologizante”, como preconiza Morin, onde o objeto de estudo cemitério de São João Batista

é percebido numa relação inseparável entre seu meio ambiente que é: cultural, social,

econômico, político em que o professor de cada disciplina poderá ressaltar e evidenciar as

qualidades percebidas e apreendidas no local no tocante a materialidade e a imaterialidade.

Este Estudo do Meio proporciona deste modo a integração de conteúdos afins.

Assim, percebido, o cemitério deixa de ser meramente um local na cidade com a

função de guardar os restos mortais, para se transformar em uma fonte (quase) inesgotável de

pesquisa. Sendo deste modo percebido nesta proposta de um Estudo do Meio de caráter

interdisciplinar com a inserção do cemitério de São João Batista como tema. A

fundamentação teórica da proposta que se apresenta esta ancorada na Geografia da qual se

discute algumas das categorias essenciais a Paisagem o Lugar e o Quotidiano.

Considerou-se o Cemitério de São João Batista como paisagem cultural, sob dois

enfoques geográficos, paisagem objetiva e paisagem subjetiva. A paisagem objetivamente

percebida trouxe à tona os elementos construídos que identificam-na como paisagem cultural.

Por sua vez, a paisagem subjetiva se mescla à categoria Lugar que remete ao vivido

pelos atores sociais que ali trabalham através do e no Cotidiano. A percepção - resposta dos

sentidos aos estímulos – reforça o sentido de que através do “olhar” a paisagem percebida

torna-se uma abstração que é por sua vez, influenciada pelo inventário pessoal (ambiental,

cultural) remetendo-nos novamente a suposta subjetividade desta leitura.

No entanto, na leitura que se faz a representação desta “possível percepção (sentido,

sensação, sentimento)” pode ser “mapeada” e traduzida através de imagens, palavras

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atribuindo ao pesquisador a mediação entre a subjetividade propriamente dita e a objetividade

necessária.

Ressalta-se que a verdade não é dada através de nenhuma consideração objetiva da

evidência, a verdade é subjetivamente admitida como parte da experiência e da perspectiva

global da pessoa, segundo Tuan (1980, p. 70).

Não procedemos à análise das outras disciplinas as quais se propõe

interdisciplinaridade nesta proposta de Estudo do Meio, no entanto, ao longo do trabalho

pontuam-se reflexões que permitem enfatizar aspectos relevantes a este estudo.

Nesta proposta refletimos sobre a possibilidade deste Estudo do Meio a ser planejado e

executado numa abordagem interdisciplinar, estimulando na sala de aula a pesquisa

anteriormente feita em fontes bibliográficas local, o uso de entrevista com os moradores

locais e, que possibilitem ao concluírem o Estudo do Meio, a reflexão de que houve a

valorização da cidade percebida por outro ângulo, pois a cidade possui dentre seus limites o

cemitério – ao qual na maioria das vezes tem-se “virado as costas”.

O presente trabalho está assim constituído:

- No primeiro capítulo a fundamentação teórica da dissertação que está ancorada em

três categorias principais: paisagem, lugar no cotidiano embora esta última categoria seja

abordada no segundo capítulo.

-No segundo capítulo o objeto cemitério é apresentado de modo geral, evidenciando

um pouco das mudanças ocorridas ao longo do tempo - a secularização2- numa visão geral

deste processo, dando mostras de que no Brasil historicamente temos períodos diferentes de

um mesmo processo; ou seja, o processo da secularização dos cemitérios não ocorreu ao

mesmo tempo. Apresenta-se um breve histórico da espacialização dos cemitérios em Manaus

e a caracterização histórico-geográfica do Cemitério de São João Batista, objeto da pesquisa

em si.

O quotidiano, uma das categorias de análise foi vivenciado do/no cemitério de São

João Batista e, através da observação empírica é descrito onde sujeitos artefatos e o próprio

ambiente mostram suas “cores”, as “falas” traduzidas de alguns roteiros. Nos estudos do

cotidiano no cemitério utilizou-se de pensamentos de Milton Santos, Michel de Certeau, José

Machado Pais, entre outros.

2 Ato ou efeito de secularizar (se). Fenômeno histórico dos últimos séculos. 3. Transferência de um bem clerical

a uma pessoa jurídica de direito público. Secularizar.Tornar secular ou leigo o que era eclesiástico

(FERREIRA, A.B. H. 1983, p. 1560).

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Chama-se a atenção para a falta de materiais sobre os cemitérios em Manaus, embora

tenham eles grande importância para estudos e entendimento da história, da espacialidade e

principalmente das mudanças de mentalidade.

No terceiro capítulo apresenta-se o cemitério como espaço educativo e os resultados

obtidos em forma de “paisagens de aprendizagem”. Procurou-se enfatizar os aspectos

principais a serem ressaltados no Estudo do Meio apresentando “Idéias Norteadores” para

balizar possíveis estudos nesta área. Fundamentou-se com os pensamentos de Paulo Freire,

Edgar Morin, PCNs, e outros.

Encontrou-se suporte teórico ao tema cemitério em várias disciplinas das ciências

sociais: Filosofia, Antropologia, História, Sociologia, História da Arte através dos

pensamentos de Phillipe Ariès (1977), Fustel de Coulanges (1864-2002), Luis da Câmara

Cascudo (1951-2002), Milton Santos (1994), Maria Elizia Borges (1992-1996), Renato

Cymbalista (2001), e, com respaldo da própria Geografia encontrando caminhos abertos para

o desenvolvimento do tema em Maria Clélia Lustosa Costa (1996-2003), Zeny Rosendhal

(1998), Marcelina Almeida (1998), Roberto Lobato Corrêa (2003), Ruy Moreira (2002),

Eduardo Rezende (2001).

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CAPÍTULO 1

1 – O CEMITÉRIO ENQUANTO PAISAGEM E LUGAR E SUA

DIMENSÃO EDUCATIVA

A realidade nunca é exaustivamente conhecida, não importa quantas sejam as

perspectivas humanas, embora aquele aspecto da realidade denominado recurso

possa se esgotar se um grande número de pessoas o percebem como recurso e o

exploram (TUAN, 1980 p. 285).

Vendo-se amplo campo para pesquisa sobre a dimensão espacial do sagrado no

Amazonas, escolheu-se o cemitério como objeto empírico que será percebido no cotidiano

enquanto paisagem e lugar que educa. Objetiva-se contribuir com a discussão da inserção do

cemitério de São João como uma paisagem cultural da/na cidade de Manaus e mostrar a

importância deste lugar para estudos da cultura, da religião, entre outros aspectos. Este estudo

serve para balizar alguns questionamentos dentro dos estudos da cidade tendo além de sua

importância histórica, local e regional, outros aspectos importantes a serem trabalhados, num

projeto interdisciplinar, Estudo do Meio no cemitério de São João Batista.

A dimensão espacial e sagrada percebida por Yu-Fu Tuan (1980), Mircea Eliade

(1963), Zeny Rosendahl (2003) entre outros, refere-se a espaços na cidade onde o homem sai

do tempo cronológico e entra num tempo mítico. As igrejas, os espaços dentro das áreas

verdes, os cemitérios, são locais onde a presença de elementos sagrados, elevariam a

consciência do homem, que num passe mágico, conseguiria sair do cotidiano da cidade, dos

compromissos, da “ditadura do relógio”3, para penetrar em um outro tempo (dentro do próprio

tempo histórico e pessoal).

3 A sociedade sob a ditadura do relógio. Só quando se dispõe a viver em harmonia com sua fé ou com sua

inteligência é que o homem sem dinheiro consegue deixar de ser um escravo do relógio. George Woodcock: A

rejeição da política. In: Os grandes escritos anarquistas. Porto Alegre, I & PM, 1981.

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Na dimensão educativa contemplando aspectos histórico-geográficos os trabalhos de

Cabanas (s/d) e Ricci (s/d) que desenvolvem estudo das necrópoles, no Vale do Paraíba

Paulista que entendemos sua importância para a educação. O projeto desenvolvido por eles é

destinado ao ensino fundamental, sem restrição pode ser aplicado em outros níveis. Os autores

valorizam aspectos importantes da história do lugar, ressaltando a memória e, com isso

valorizando o patrimônio material das necrópoles.

Na LDB, Lei 9.394 (1996, 34-35) encontra-se respaldo e incentivo para que o

professor seja criativo e inovador em seu trabalho educativo. Nestes moldes, a utilização do

cemitério, necrópoles, vem ao encontro do que está referendado na Lei;

[...] estimulem a iniciativa dos estudantes. Desenvolver competências e criar

caminhos para atingir os objetivos de levar aos estudantes os conhecimentos capazes

de torná-los pessoas críticas e hábeis para continuarem aprendendo e adaptando-se

às constantes transformações e exigências do mundo globalizado (LDB, 1996, p. 34-

35).

Edgar Morin (2004) considera que “um dos principais objetivos da educação é ensinar

valores. E esses são incorporados pela criança desde muito cedo. É preciso mostrar a ela como

compreender a si mesma para que possa compreender os outros e a humanidade em geral.”

(Idem, 2004, p. 104). Neste sentido, é necessário que a escola trabalhe tendo em foco uma

realidade planetária e, transmitindo aos jovens as particularidades do ser humano e as

universalidades. A realidade não poderá ser ensinada como fragmentada e dissociada do todo,

como tem sido ao longo do tempo. Compreendeu-se do pensamento de Morin que é no

interior da escola que a sociodiversidade deve ser admitida, trabalhada e respeitada.

Diante do que foi posto entende-se que as transformações na sociedade encontram

ressonância no recinto da escola que neste sentido deverá ser permeável às transformações–

práticas tradicionais-incentivando e angariando a participação dos professores na elaboração e

definição do Projeto Pedagógico compreendendo as mudanças do mundo contemporâneo,

admitindo novas maneiras de pensar e ser da escola numa visão em que, as portas se abrem

para a comunidade afim de atendê-la em suas necessidades (LEITE e MININNI-

MEDINA,2001, p. 87).

Numa escola com esta visão abrangente de mundo estudos como os do cemitério como

lugar que também educa podem ser praticados, pelo teor de história e de memória que

contem. Dever-se-ia dizer que o cemitério extrapola a idéia comum de “lugar dos mortos”, ele

é também um lugar que traduz a vida, que representa sua história e que hoje faz parte de

novas histórias. Histórias de vivos que nele circulam e fazem uso deste espaço. Neste sentido,

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entende-se que o cemitério enquanto lugar que educa pode fazer parte de estratégias

educativas multidisciplinares, interdisciplinar e temas transversais, daí ser importante seu

estudo.

1.1 – O Cemitério enquanto Paisagem

Paisagem é o nome atribuído a um conjunto de formas de uma determinada

configuração territorial composto por elementos naturais e artificiais - construídos e/ou

modificados, configurando uma determinada área. A categoria paisagem é entendida na

Geografia como a porção da configuração territorial abarcada pela visão (SANTOS, 1997, p.

83), que neste sentido reduz a importância da paisagem valorando o espaço.

A paisagem vai agregar a totalidade de um “conjunto de objetos reais-concretos” e

possui o caráter transtemporal, ou seja, a paisagem guarda o passado e o presente,

constituindo-se em uma construção transversal com um conteúdo técnico específico que no

caso do cemitério deve ser considerado como equipamento urbano com determinada função4

(SANTOS, 1997, p. 87).

Considerar o cemitério como paisagem nos remete a duas possibilidades de análise.

Em primeiro lugar o cemitério enquanto paisagem objetivamente se refere a uma determinada

porção do território delimitada, cercada de muros, com medidas formas e volumes dentro da

cidade. E, em segundo, a paisagem cultural se refere à subjetividade do que esta/ é contida

entre seus muros significando a percepção que ultrapassa os limites da forma, volume e traz à

tona outros elementos muitas vezes imperceptíveis por serem subjetivos e que neste sentido

depende do “olhar” do sujeito, mediante sua apreensão. Já foi posto anteriormente que o

cemitério possui espacialidade concreta na cidade. O local onde esta localizado um cemitério

se constitui uma paisagem, entendendo que

A paisagem desempenha um papel na aquisição, por cada um, de conhecimentos,

atitudes e de reflexos dos quais temos necessidade para viver: ela constituí o quadro

em relação ao qual aprendemos a nos orientar; ela fala da sociedade na qual se vive,

e das relações que as pessoas aí estabelecem com a natureza; este cenário está

carregado de lembranças históricas cuja significação é apreendida pouco a pouco. A

paisagem é, assim, uma das matrizes da cultura. Mas ela é também, o lugar onde as

atividades humanas gravam sua marca: deste ponto de vista, ela é marca (BERQUE,

1984 apud CLAVAL, 1999, p. 92).

4 Considerou-se que no equipamento cemitério a função técnica é a de servir de repositório (para “guardar”) os

restos mortais, mediante práticas adotadas.

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Para Milton Santos (1988, p. 61) a paisagem significa tudo aquilo que a nossa visão

alcança. Definida como o domínio do visível, aquilo que nossa vista abarca. Não é formada só

de volumes, mas de cores, movimentos, odores, sons, etc. A paisagem aparece na sua forma

substantiva, ou com ênfase no seu conteúdo material. Na paisagem do cemitério visto como

um texto ela seria olhada como um manuscrito onde a sociedade escreveria suas maneiras de

viver, suas crenças, etc.

Neste sentido a paisagem deve ser entendida como produto de um contexto histórico

com seus aspectos econômicos, políticos e também culturais (SANTOS, 1988, p. 69). É

mister, apontar que a análise da paisagem cultural serve a diversos fins, neste caso aqui, tem-

se como objetivo apontar na paisagem do cemitério de São João Batista paisagem cultural e

simbólica “paisagens de aprendizagem” que possibilitem demonstrar exemplos

correlacionando temas, tópicos, com a concretude do cemitério, servindo como lugar de

ensino e de aprendizagens em aula extramuros.

Nesta ótica, a leitura do cemitério corresponde a “uma nova maneira de pensar a

paisagem da cidade” (CLAVAL, 1999, p. 94), através desta possibilidade de ver o cemitério

como lugar que também educa coloca-se à disposição dos professores um novo objeto de

estudo a ser olhado, analisado, interpretado, sentido, compreendido em alguns aspectos como

a valorização da identidade cultural, arquitetura como testemunho de um dado período,

simbolismo e a representação contida no espaço, os adornos, as obras escultóricas, como

aponta Borges (1991, p. 224-226), “atributos dos artefatos que podem conter signos verbais”,

a temporalidade, mudanças culturais e espaciais, entre outras possibilidades.

O cemitério é um espaço público e refere-se ao local onde o Estado (sentido Poder

Público) instala equipamentos (objetos sociais). Para Milton Santos (1998), “o espaço deve

ser considerado como um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo

de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e

os anima, ou seja, a sociedade em movimento” (SANTOS, 1998, p. 26).

Santos (1986, p.71) salienta ainda que o espaço deve ser visto como o conjunto

formado pelos objetos e pelas relações que se realizam sobre estes objetos, que pode não ser

entre eles especificamente, os quais muitas vezes servem apenas de intermediários. Estes

objetos ajudam a concretizar as relações. Sendo, portanto, o espaço criado através da ação dos

homens sobre o próprio espaço, com a intermediação dos objetos que podem ser naturais e

artificiais. No caso do cemitério o mesmo é artificial, pois foi criado para cumprir tarefa

dentro da cidade.

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Neste espaço – cemitério - destinado aos mortos, encontra-se resquício de tempo,

vestígios de outros tempos, tempo no sentido simbólico e dinâmico. O cemitério pode

funcionar como filtro do tempo, no dizer de Igor Moreira (2002, p. 50) e pode-se através dele

reler o passado de lugares, neste caso o de Manaus.

Na leitura empírica a grosso modo o cemitério demonstra a pujança de uma época

economicamente farta e que com certas condições foi possível “criar” a necessidade de

difundir um gosto estético de acordo com os padrões culturais europeus.

Como poderá ser feita esta leitura do passado? Através dos materiais empregados na

construção dos túmulos, artefatos simbólicos usados na ornamentação, as lápides como placas

indicativas - trazem informações de data e local de nascimento e morte –.

Muitos dos que jazem enterrados no cemitério de São João Batista, vieram para o

Amazonas tendo como origem a Europa e outros estados brasileiros – a leitura das placas e

lápides fornece informação pessoal; sendo também possível pelo material empregado na

construção e adorno da sepultura, constatar indícios que apontem a classe social a que aquele

indivíduo em vida pertenceu.

Entre outras informações possíveis de serem “levantadas” em campo aponta-se a

religiosidade atribuída a determinadas crenças religiosas, por exemplo, é uma das marcas que

as famílias costumam deixar nestes locais, e, que conduzem a uma dedução da possibilidade

da família pertencer a determinado seguimento religioso, indicada pelo símbolo cristão da

cruz, anjos ou ausência dos mesmos, como nos túmulos judaicos, conforme figuras 1 e 2.

Figura: 01. Os símbolos cristãos como a cruz. Muito presente no cemitério convencional secularizado.

A imagem também serve para ilustrar que a sepultura está se transformando em um vestígio.

Figura 02: Cemitério Comunal Judeu, uma visão dos túmulos (Keburot) em mármore, ao fundo a rua

movimentada em seu burburinho de cidade grande.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2005.

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Na Leitura da Paisagem há dois tipos de procedimentos: forma direta - quando a

observação da paisagem de algum lugar acontece em forma de visita. Forma indireta: uso de

fotografias, vídeos e relatos. O Estudo do Meio no Cemitério de São João Batista poderá ser

feito de ambas as formas. Na impossibilidade de levar os alunos até o local, o professor e/ou

professores poderão ir e fazer o levantamento através de fotografia, filmetos, levando o objeto

de estudo para a sala de aula, conforme experiência realizada com alunos do curso de Serviço

Social.

É fundamental para o estudante que está começando a ler o mundo humano conhecer

a diversidade de ambientes, habitações, modos de vida, estilos de arte ou formas de

organização de trabalho e o espaço em seu entorno. É por meio da leitura das

materialidades e dos discursos, do seu tempo e de outros tempos, que o aluno

aprende a ampliar sua visão de mundo, tomando consciência de que se insere

em uma época específica que é a única possível. Em um estudo do meio, o ensino

de História alcança a vida, e o aluno transporta o conhecimento adquirido para fora

da situação escolar, construindo proposta e soluções para problemas de diferentes

naturezas com os quais defronta na realidade (PCNS, 1997, p. 91) [grifo nosso].

A paisagem do cemitério não é meramente a soma de artefatos (jazigos e outros)

produzidos pelas marmorarias locais, ou vindos de fora, esta paisagem mostra concretamente

dentro de seus muros marcas da sociedade que a produziu. O próprio espaço no cemitério

mostra as contradições da sociedade amazonense que como outras sociedades urbanas, mescla

privilégios e segregações. O Cemitério de São João Batista representa a paisagem elitizada,

com a presença de grandes nomes da história, das artes, da política, do comércio e da religião.

Depreende-se deste modo que o cemitério pode ser inquirido em seu caráter revelador ou de

ocultamento das diferenças sociais, de crenças, de usos e práticas. Ao ser inserido na

educação como paisagem de aprendizagem diz mais do passado e do presente do que se

imagina.

1.1.1 – Paisagem Cultural

O Cemitério de São João Batista é entendido como uma paisagem cultural. Conforme

já supra citado diversos conceitos definem paisagem, termo polissêmico que inicialmente foi

utilizado para nomear a paisagem real, um panorama visto de um determinado ponto. Mais

tarde este conceito foi ampliado e utilizado para a representação da paisagem real através da

arte, nas modalidades pintura e fotografia (TUAN, 1980).

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A paisagem pode ser expressa pela delimitação de uma determinada porção espacial.

“É definida como sendo uma unidade visível que possui uma identidade visual caracterizada

por fatores de ordem social, cultural e natural, contendo espaços e tempos distintos; o

passado e o presente. A paisagem é o velho no novo e o novo no velho” (PCNs, 1997, p. 75)

[grifo nosso].

Levou-se neste estudo em consideração a categoria paisagem que expressa a cultura

(outra categoria de análise) já que a mesma “não é apenas socialmente construída e

geograficamente expressa, mas também espacialmente constituída” (JACKSON, 1992 p. 3).

Conclui-se daí que paisagem cultural significa o conteúdo geográfico de uma área,

independente do tamanho da mesma, onde estão manifestadas material e imaterial as escolhas

feitas pelos homens e, que provocaram de algum modo mudanças dentro de uma comunidade

cultural.

Neste sentido, a paisagem agrega em si as mudanças, transformações, alterações

ocorridas pela passagem do tempo (sincrônico), enquanto que a paisagem cultural agrega

além do componente tempo, as mudanças, que podem ser de caráter estrutural ou funcional.

Toda cultura humana (civilizada) é composta de elementos materiais e imateriais,

indispensáveis à criação, própria continuidade e re-criação.

A paisagem cultural também pode ser entendida como a expressão de um lugar da

comunidade e, ainda pode ser vista como paisagem estética que é feita mediante a percepção

ou construção mental do observador, usuário.

“A paisagem deve ser pensada paralelamente às condições políticas, econômicas e

também culturais” (SANTOS, 1988, p. 69). É mister apontar que a análise da paisagem

cultural serve a diversos fins, neste caso aqui, teve-se como objetivo buscar registros na

paisagem cultural do cemitério de São João que demonstrasse diferenças na maneira de pensar

e agir sob influência de diferentes culturas, e a partir desses indícios de comparação, apontar

evidências, no tempo e no espaço, de culturas e elementos das culturas, (WAGNER e

MIKESELL, 2003, p. 31) comprovando ser o cemitério um lugar que também educa por

conter dentro de seus muros:

a) Diferentes tipos de construções, nas quais foram utilizados material diversificado e

técnicas;

b) alguns vestígios mostrando a passagem do tempo naquele espaço;

c) adornos que expressam tipo de representação simbólica; resultantes do modo de

viver da sociedade, constituindo-se em bens materiais e imateriais; que por estarem

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ligados ao passado e ao presente da cidade, justificam a reflexão a cerca do mesmo

e a sua inserção na educação como objeto de estudo.

d) ações de agentes que constroem (passado e futuro) e vivem aquela paisagem.

Portanto, a materialidade está traduzida nas formas construídas pelos “objetos

culturais e técnicos ao mesmo tempo” (SANTOS, 1997, p. 188) e, o cemitério pode ser

entendido como local sagrado, onde se pratica o culto à memória dos mortos. Neste sentido,

“A paisagem é, assim, uma das matrizes da cultura” (CLAVAL, 1999 p. 92) e, a leitura do

cemitério corresponde ao que, o autor nomeia de “uma nova maneira de pensar a geografia”,

oportunizando uma nova maneira de fazer educação (Idem, 1999, p. 94).

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997 p.153), “conhecer uma paisagem

é reconhecer seus elementos sociais, culturais e naturais e a interação entre eles; é também

compreender como ela está em permanente processo de transformação e como contém

múltiplos espaços e tempos” (grifo nosso).

O cemitério de São João Batista se constitui uma paisagem cultural na/da cidade de

Manaus porque a construção dele guarda entremuros um pouco da historia pretérita da cidade

e do povo amazonense. Neste sitio cheio de significados, o cemitério é locus que não é apenas

localização e pode ser visto como “palco de transformações”, estas de caráter ora breves, ora

duradouras (ex: as sepulturas perpétuas5).

O cemitério insere-se na paisagem cultural da cidade de Manaus tendo uma função

prática e simbólica agregando a função técnica de guardar os restos mortais, ao mesmo tempo

este ato esta impregnado de valor mitificado e simbólico.

Estas funções também passam por mudanças que podem ser estruturais ou funcionais.

No cemitério são perceptíveis algumas mudanças funcionais em determinados períodos com

uma certa distinção em relação ao fluxo de pessoas que adentram o local. Este fluxo modifica

a paisagem do lugar. Trazendo mostras de dinamismo. Em outros momentos não.

A função prática pode ser entendida como “a produção do espaço é resultado da ação

dos homens, agindo sobre o próprio espaço, através de objetos naturais e artificiais”

(SANTOS, 1986, p. 64). Como elucida Ana F. A. Carlos (2002) em relação aos ambientes

construídos na cidade, entendidos como resultado do trabalho humano e, é humano este

espaço não por causa do homem que o habita, mas porque representa o momento histórico de

um certo período onde foi empregado o conhecimento técnico no atendimento a uma

necessidade social.

5 As sepulturas com esta denominação continuarão a pertencer à família que adquiriu. As sepulturas novas não

terão esta condição de “perpétuas” antigo critério adotado em cemitério secularizado como o S.J.B.

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A construção do cemitério reflete na paisagem da cidade a obra na qual foi utilizada

técnica da época, o estilo, até mesmo o estágio técnico-científico empregado por esta

sociedade, e, ao mesmo tempo, o cemitério reflete a cultura, os valores éticos traduzidos no

culto à memória dos que já “partiram”.

A arquitetura encontrada nos cemitérios reflete a arquitetura da cidade porém nos

cemitérios o caráter temporal é mais longo, um jazigo ou mausoléu, uma simples tumba rente

ao chão possuem uma intemporalidade e um caráter significativo principalmente mediante a

cidade (dos vivos) que em seu dinamismo derruba prédios históricos para construir edifícios

estandartizados e comerciais.

Para Borges (1994, p. 322), início do século XX o cemitério era o local mais visitado

de uma cidade. Ele oferecia a toda comunidade a oportunidade de contato com um tipo de

obra vinculada a um ideário estético determinado e este servia de orientação para a formação

do gosto estético da população.

O cemitério desempenha importante papel dentro da cidade que pode existir sem

shopping center, mas sem o cemitério... Onde os mortos ficariam? Seria uma situação caótica

e de riscos à saúde coletiva se a administração pública não tivesse o local correto para enterrar

os mortos. Este é apenas um dos aspectos da importância que o cemitério possui dentro da

cidade.

1.1.2 – Paisagem Simbólica

Entre outras, acenou-se com a possibilidade de o cemitério ser entendido enquanto

paisagem simbólica. Enquanto paisagem registrou acontecimentos do próprio local, bem

como também do entorno, as marcas da passagem do tempo são perceptíveis, ao contrário, a

paisagem simbólica exige um maior cuidado em identificá-la porque lida com a subjetividade.

O homem desde sempre procura significados e atribui significados ao mundo.

(ARANHA; MARTINS, 1990, p. 405). Desta maneira o mundo pode ser “lido” e, esta leitura

pode ser estendida aos textos não verbais como a paisagem as quais atribuímos significados.

Neste sentido, percebemos que a paisagem simbólica e a arte contida nela se constituiu

num texto atribuído ao significado contido em sua forma de expressão, que é intrínseca e

dependendo do olhar que pousa sobre si, suscita sentimentos, sensações. Régis Debray (1993)

em Vida e Morte da Imagem, afirma que “um tenaz halo de magia banha nossas tradições de

imagens. O inconsciente psíquico, com seu desencadeamento de imagens liberadas do tempo

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– cujas épocas se apresentam misturadas – não está sujeito ao envelhecimento. Neste sentido,

a “magia da imagem” poética sempre existiu (SERRES apud DEBRAY, 1993, p. 35).

No Estudo do Meio as paisagens apontadas possuem conteúdo estético e devem ser

lidos dentro do contexto de um lugar de memória que contem em si mesmo um pouco da

história local, traduzida em artefatos que por sua vez, são expressões estéticas de vários

períodos.

Segundo Marcelina de Almeida (1998, p.1) o cemitério é um local pleno de

significações que se inserem no campo dos dogmas, superstições, lendas e verdades. Ratifica-

se com Corrêa (2003, p.16) para quem as formas espaciais criadas pela ação do homem geram

paisagens culturais impregnadas de significados.

Análogo à cidade, o cemitério pode ser interpretado como aspecto ideal ou simbólico

de uma cidade através de fontes literárias e do que conhecemos sobre a religião e a

cosmologia das pessoas refletidas freqüentemente na organização espacial e na arquitetura da

cidade (TUAN, 1980, p. 223).

Considerou-se representação como uma maneira de representar objetos, representar

pessoas, situações. Neste sentido, toda representação é sempre uma representação de alguma

coisa ou de alguém, assim, a elaboração de uma representação se dá numa relação entre

sujeito e objeto representado, mediada pelos fenômenos comunicacionais (MENDES, 2000, p.

24).

Representar é tornar presente o ausente, evocar a memória de alguém, é substituir e

não apenas evocar (SERRES apud DEBRAY, 1993, p. 35). O autor entende que uma imagem

em razão de seu arcaísmo pode permanecer moderna. Contrariando este pensamento, o autor

considerou que as imagens mais atualizadas que representam abstratamente os corpos e medo

terão mais dificuldade em permanecer.

O homem é um ser simbólico e sua relação com o mundo é sempre revestida de uma

significação, de uma valorização. O homem jamais encontra com o mundo face a face,

imediatamente. Seu encontro é sempre mediatizado pela significação, pela perspectiva

simbólica (RIOS, 1993, p. 19-20).

Através do trabalho de Borges (1991) constatou-se a seguinte divisão da representação

simbólica comumente encontrada nos cemitérios:

1) representações cristãs, que são os anjos, Coração de Jesus, Jesus Cristo, Pietá. Ver

figura 03.

2) representações alegóricas; forma representativa de “sentimentos de dor, saudade, a

desolação e a esperança dos vivos perante a perda de seus mortos.” Estão

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classificadas em cristã e profanas. As cristãs são as imagens devocionais e as

profanas as que valorizam aspectos da vida não religiosa. Ver figura 04.

3) representações celebrativas: são as que “enaltecem e celebram certos aspectos

biográficos do morto que devem ser lembrados pelos seus descendentes e

compatriotas. Podem ser: bustos; símbolos de trabalho, ideológicos e

nobiliárquicos” (BORGES, 1991, p. 167-174) Ver figura 05.

Figuras: 03, 04, 05 – Algumas representações encontradas no Cemitério de São João Batista.

A primeira ilustra a representação cristã. A segunda figura ilustra um

exemplo alegórico profano e a figura 3 o busto exemplifica a

representação celebrativa. Imagens: Victória Cupper Orlandini, 2005,

2007, 2009.

Borges (1991) aponta em seus estudos que o material encontrado nos cemitérios

brasileiros secularizados, se constituem na maior parte, em representações cristãs, reforçando

o que autora nomeia de uma aparente cristianização, no fim do século XIX e início do XX [...]

(BORGES,1991, p. 167-174). Deste modo, afirma, que os artefatos já mencionados,

evidenciam representações de valores religiosos e sócio-culturais de fácil assimilação.

[...] os túmulos no Brasil, seguem uma estrutura comum e simples, prevalecendo o

sistema de construção parietal; todavia as esculturas e os ornamentos contem uma

variedade técnica muito grande, onde encontrados modelos simples aos mais

elaborados, e inclusive alguns com interferência de seus proprietários (Idem, 1991,

p. 167-174)

No início do século XX o cemitério era o local mais visitado de uma cidade. Ele

oferecia a toda comunidade a oportunidade de contato com um tipo de obra vinculada a um

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ideário estético determinado e este servia de orientação para a formação do gosto estético da

população (BORGES, 1994, p. 322).

Tuan (1980) conceitua símbolo como uma parte que representa o todo, como exemplo

ele cita a cruz para os cristãos.

Um objeto também pode ser interpretado como um símbolo quando projeta

significados não muito claros, quando traz à mente uma sucessão de fenômenos que

estão relacionados entre si, analógica ou metaforicamente. O costume de estruturar o

mundo em substância, cores, direções, animais e traços humanos, estimula uma

visão simbólica do mundo. [...] Os significados de muitos símbolos são orientados

pela cultura (TUAN, 1980, p. 26).

Análogo a idéia de “fetichismo das mercadorias” apontado por Marx e citado por

Ferrara (1998) percebe-se no cemitério o uso de ícones “com atributos sociais e afetivos” e

atributos de representação cívica, sentimento pátrio. Embora o caráter de homogeneização

não seja pelo menos aparentemente perceptível constatou-se uma heterogeneização de

“representações” e atributos de representação cívica, sentimento pátrio.

Neste sentido encontrou-se motivos que justifiquem a observação:

a) de certo modo é senso comum que o ser humano queira homenagear o “ente

querido” que morreu e a forma encontrada é a construção de túmulos e mausoléus,

etc, onde vai ficar expresso materialmente “nesta construção” através da forma,

materiais empregados e os adornos a posse da família;

indo mais além, pensando no lado imaterial;

b) no cemitério encontram-se signos representativos da religiosidade da família onde

certas famílias preferiram enterrar seus “entes” no recinto que pertence a Igreja a

qual fizeram parte, conforme mostra a figura 06,

c) em alguns jazigos, o seguimento filosófico do homem está expresso na simbologia

utilizada no grupo a qual pertenceu, conforme pode ser visto na figura 07, que

apresenta um jazigo oficial de uma Loja Maçônica,

d) em outros, as formas apresentam remetem a signos variados que simbolizam o

casamento da terra e o céu, a matéria e o espírito, entre outras interpretações

facultativas. Ver figuras 08 e 09 que apresentam a forma de obeliscos,

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e) uma forte ligação identitária no caso dos estrangeiros, descendentes, que aqui

aportaram construíram fortunas constituíram famílias formando laços afetivos,

porém, depois do desenlace a família presta esta homenagem, numa tentativa de

maneira simbólica unir a terra estrangeira à terra natal.

Detectaram-se alguns túmulos com esta representação que é exemplificada conforme a

imagem que apresenta um túmulo com características orientais, conforme figura 04, que

destaca o jazigo feito em linhas retas, o uso da cor preta que ao contrário do Ocidente, não

representa a morte e sim a vida e a epigrafia em caracteres orientais.

Figura 06: “Uma pessoa é sua biologia, seu meio ambiente, seu passado,

suas influências acidentais, a maneira como vê o mundo e a

maneira pela qual deliberadamente prepara a imagem

pública” (TUAN, 1987 p. 156).

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2005.

No próprio cemitério encontrou-se pequeno espaço cercado pertencente a uma

irmandade católica da igreja Matriz - primeira igreja a ser construída em Manaus. Naquele

recinto estão enterrados os membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento. O fato de ter

essa separação, a localização da irmandade entremuros com acesso permitido através de um

portão, pode indicar certa segregação, possivelmente de cunho religioso, conforme a imagem

07 aonde aparece o muro.

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Figura: 07: Capela da Irmandade Santíssimo Sacramento. A área da capela

é cercada, constitui-se um recinto “particular”. A entrada é

permitida através de um portão, que permanece fechado a

maior parte do tempo.

Imagem: Randiza Santis, 2009.

Conforme já foi dito anteriormente, o Cemitério de São João Batista é o mais elitizado

da cidade de Manaus um dos motivos é porque reúne em suas quadras grandes figuras que

fizeram parte da história política, intelectual e artística do Amazonas. No entanto, em suas

quadras apesar do nome São João Batista ser dedicado a um santo reconhecidamente do

panteão católico, muitos foram enterrados sendo de outros seguimentos religiosos como

protestantes e judeus. Considerou-se que embora o cemitério tivesse predominância cristã, o

fato da irmandade da igreja mais antiga da cidade possuir um local reservado pode significar a

tentativa de manter “entremuros” os fiéis do seguimento católico apostólico romano, num

cemitério secularizado.

A capela em cor terracota possui frisos laterais, uma porta e duas janelas em arco.

Dentro a presença de um pequeno altar enfeitado com imagens sacras de diversos tamanhos e,

outro externo feito em mármore branco, para cerimônias campais. Como símbolo da

representatividade cristã, externamente apresenta uma cruz encimada por dois ornatos6 de

pedras encimado por piras, com uso da cor vermelha fazendo alusão ao fogo, neste caso a pira

com fogo aceso significa que a chama da vida não se extinguiu.

Na parede contígua do lado direito existe uma placa com os nomes de que foram

enterrados ali, como antigamente eram feitos os enterramentos nos adros das igrejas.

6 Ornato de pedra, que termina em labaredas (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. 1975, p. 639).

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Dentro de um pluralismo cultural na paisagem cultural do C.S.J.B. encontra-se alguns

jazigos com características e adornos evocando seguimento filosófico como o jazigo da Loja

Maçônica conforme mostra a imagem 08.

Figura 08: Túmulo da Maçonaria. Loja 28 de Julho.

Imagem: Maria Elizia Borges, s/d.

O jazigo possui duas colunas que representam as colunas do Tempo e do Espaço e,

ladeado pelas colunas um dossel composto por um triângulo. No meio um círculo com o

compasso e esquadro e o símbolo da Loja (BARATA, 1999, p. 38-39). Para a Maçonaria o

templo representa o “espaço sagrado”, o imago mundi de maneira simbólica representado aqui

no Campo Santo (ELIADE, 1961).

O esquadro com as hastes voltadas para cima indicam o céu, aspiração de todo ser

humano, e as hastes viradas para baixo significam os raios do sol. O sol por sua vez é

representado simbolicamente pelo esquadro e o compasso. O uso da cor preta no acabamento

em ladrilhos pode significar alusão ao mosaico em preto e branco, localizado no interior do

templo maçônico e que se refere a todos os seres da criação, a união da matéria com o espírito

e a união de todos deste seguimento filosófico (Loja Simbólica Acácia.)

Na parte frontal do mausoléu estão representados um cubo, esquadro, compasso e a

letra G. Este conjunto de formas geométricas e letra do Alfabeto poderá estar significando o

estado de onisciência superior, para os leigos, no entanto possui outros significados de caráter

reservado divulgado em meio restrito.

Prosseguindo com a paisagem simbólica os exemplos apresentados remetem-nos a este

significado: “um símbolo é uma parte, que tem o poder de sugerir um todo: por exemplo, a

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cruz para a Cristandade, a coroa para a monarquia, e o círculo para a harmonia e perfeição”

(TUAN,1983, p. 194-195)

Um objeto também pode ser interpretado como um símbolo quando projeta

significados não muito claros, quando traz à mente uma sucessão de fenômenos que estão

relacionados entre si, analogicamente. O túmulo maçom exemplifica esta definição de Tuan

(Idem, 1983).

Outros artefatos identificados em lugar de representação religiosa ou filosófica

apresentam símbolos de formas verticais, como os obeliscos, acentuam o sentido de uma

direção, e que servem de lembrança de antiga transcendência (TUAN, 1983, p. 195). Na

figura 09 um obelisco. Ladeando o obelisco dois vasos flamejantes (piras). Ao redor do

obelisco, alguns túmulo-capela que tem esta denominação por conter semelhança com as

capelas religiosas.

Na figura 10 do lado direito um obelisco encimado por uma âncora. Está cercado por

grades. Nota-se que é antigo.

O outro obelisco em primeiro plano (figura 10) é adornado com um laço com flores. O

primeiro e o terceiro possuem epigrafia de difícil leitura devido à ação do tempo.

Figuras: 09 e 10. Algumas das formas Simbólicas encontradas no S.J.B.

Imagem: Randiza Santis, 2009, Victória Cupper Orlandini, 2005.

A cruz que aparece num jazigo próximo a figura nova representa um dos símbolos

adotados pelo cristianismo. Na Europa segundo estudos empreendidos por Michel Vovelle

(1997) a cruz não era muito usada nos cemitérios. Europeus. Porém, paradoxalmente a partir

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da aparente descristianização7 da sociedade européia na segunda metade do século XIX a cruz

surge na paisagem dos cemitérios europeus nos idos de 1850, havendo uma presença discreta8

até 1870, antes de um recuo significativo, mas limitado nos primórdios do século XX. Para o

autor poderia estar havendo um movimento no sentido de uma cristianização (VOVELLE,

1997, p. 326).

Em Manaus, os estudantes envolvidos nesta leitura e os funcionários, mediante a

percepção atestam que a cruz é o símbolo mais encontrado no Cemitério de São João Batista.

Num primeiro momento leva-nos ao pensamento de que apesar da sociedade ser laica desde a

República, no Brasil não houve este desvinculação entre o Estado e a Igreja. Haja vista que o

Catolicismo é tido como a religião oficial do País.

No entanto, mediante estudos cemiteriais no Brasil, a cruz encontrada nos cemitérios

sem a imagem de Cristo, pode ser considerada como “marcas de referência, sinalizando

apenas a presença de um morto” (LIMA, 1994, p. 106)

Tuan (1980) em Topofilia no que se refere aos símbolos de transcendência afirma que

em diferentes culturas e épocas o retângulo representou o cosmo.“ Quando a ordem circular

do céu é trazida para a terra, assume a forma de um retângulo com os lados orientados para as

direções cardeais” (TUAN, 1989, p. 185).

O Cemitério de São João Batista possui a forma geográfica de um retângulo, no

entanto acredita-se que este fato pode não significar a intencionalidade simbólica.

Normalmente os cemitérios possuem este formato e são implantados em um quarteirão.

Figura: 11 – Cemitério de São João Batista. Imagem: Prefeitura

Municipal de Manaus, 2007.

7 Termo atribuído por Dupanloup, segundo Vovelle, 1997, p. 326.

8 (um caso em dez), maciça em seguida; oito casos em dez nos últimos decênios, antes de um recuo significativo,

mas limitado (seis casos em dez) nos primórdios do século XX. Vovelle, 1997, p. 326.

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Dentro da paisagem cultural do Cemitério de São João Batista encontram-se muitos

outros artefatos, adornos ricos em beleza e valor simbólico e artístico. Por este motivo,

consideramos importante apontar a arte cemiterial contida nesta paisagem, embora não seja

nossa intenção discutir estética e estilo. A arte apontada representa a óptica de estudos

realizados em outros locais que serviram de guia a nossa “leitura”, através de autores como

Michel Vovelle e Maria Elizia Borges e Tania Andrade de Lima.

1.1.3 – A Arte Cemiterial

Borges (2002) em seus estudos de arte cemiterial tem evidenciado aspectos

encontrados em cemitérios secularizados brasileiros da região Sudeste (SP) e Centro-Oeste

(Goiás) no período histórico da Primeira República, (1890-1930). Seus estudos apontam para

Clarival do Prado Valladares que encetou uma mostra fotográfica sobre arte cemiterial no Rio

de Janeiro, em 1968. Esta mostra foi considerada de maior importância para posteriores

estudos do tema.

Enfatiza a crescente produção acadêmica de “com recortes temporais e geográficos

significativos” (BORGES, 2002, p.10).

Com enfoque temporal Tania Lima (1994) em seus estudos sobre a representação da

morte nos cemitérios cariocas do século XIX aponta no sentido de que no Brasil os artefatos

encontrados demonstram defasagem temporal de uns vinte anos em relação ao modelo

europeu, o período a que ela se refere data de 1850-1888, quando no Brasil imperou a estética

do classicismo romântico, redundando em construções monumentais feitos pela elite

dominante, que assim ressaltava sua própria imagem (LIMA, 1994, p.105).

Ela classificou em três períodos distintos: Período Inaugural (1850-1888), Período de

Transição (1888-1902) e o Período de Consolidação (1902-1930)

O cemitério de São João Batista (1891) abriga artefatos do extinto Cemitério de São

José (1855-1891), considerou-se que as obras encontradas no C.S.J.B. foram influenciado em

copiar ou importar da Europa9 um padrão que lá já estava sendo descartado, reforçado pelo

fato inconteste de que os administradores locais consideravam a Europa e o Rio de Janeiro

como referência.

No período seguinte (1889-1902) denominado por Lima (1994) como de transição, é

caracterizado pela ascensão da burguesia, culminando num empobrecimento da arquitetura

9 Com ascensão da burguesia, artefatos funerários eram encomendados diretamente da Europa.

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tumular, quando então há diminuição das construções de mausoléus e de túmulos

monumentais. As representações da morte foram sendo substituídas pelo signo da cruz em

múltiplas variações. As influências positivistas invadem o cemitério, e culmina em nova

maneira de representação da morte difundido valores adotados da corrente filosófica

positivista (Comte). O uso da cruz se dissemina e representa a “igualdade” entre todos.

Mais do que difusão da doutrina positivista, esta filosofia alcançou dimensão na

sociedade nacional através de símbolos, difundidos por meio de propagandas subliminar,

imagens e símbolos, alegorias, ritos e mitos, alcançaram todos os segmentos sociais, incluindo

entre eles os iletrados.E, deste modo, contribuíram para a transformação da representação da

morte ao final do século XIX. Nos cemitérios o culto romântico da morte se esvazia, cedendo

espaço a inserção de outros valores que culminaram em uma paisagem pobre, banal e nivelada

(LIMA, 1994, p. 108).

Lima interpretou esta mudança brusca na representação da morte muito mais em

função do contexto histórico onde o temor da restauração da monarquia, ainda onipresente no

regime republicano fez surgir movimentos populares como jacobinismo10

, do que

propriamente uma mudança de mentalidade em relação a morte. Ao findar este período, a

burguesia mostra sua força e deixa marcas no espaço urbano e cemiterial.

O período seguinte (1903-1930) é denominado de Consolidação. O mesmo se

caracteriza pela influência da Belle Époque que penetra nos cemitérios através do Ar

Nouveau, traduzido por decorativismo, representação realista, retratismo, formas curvilíneas,

onde pode ser percebidos erotismo, emoção e movimentação (LIMA, 1994. p. 113).

Surgiu uma mudança em relação à arte cemiterial. Os anjos agora são alegres,

invocam ressurreição. As vestes das esculturas deixam entrever partes do corpo. As

expressões compenetradas e de melancolia foram substituídas por outras emoções (Idem,

1994, p. 113).

10

Violento movimento de defesa dos ideais republicanos, fortemente nacionalista e radical, que emergiu de

forma relativamente espontânea entre as camadas médias urbanas, com a conivência do governo, sob a

proteção da espada do Marechal de Ferro (LIMA, 1994, p.108).

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1.1.4 – Alguns Artefatos do C.S.J.B.

A vida continua seu ciclo. A morte também, por entremeios de pedras, do cimento, do

mármore, da cal, da terra batida. A terra e o céu. Alguns destes elementos representam a

materialidade - algumas esquecidas na memória dos que ainda estão por aqui.

A cruz, o livro aberto sobre a espada por cima a balança equilibrada ornando um

coração. No livro está escrito Lexus. Ao lado emoldurando ramos folhas e sementes e acima a

cruz latina. Não existe epigrafia. Apenas uma palavra possível de ser identificada: Sartória,

Itália. Que tanto pode indicar a marmoraria que construiu o artefato, bem como o local de

origem de quem está enterrado aqui. O anjo mostra uma mistura de características das formas

femininas do corpo, os braços e os pés desnudos apontam para um período. A postura é

meditativa, evoca características do século XIX.

Figura: 12. A terra e o céu - Este anjo apresenta características de

dois períodos.

Imagem: M.T. Cupper, 2005.

Conforme já citado, “no início do século XX, o cemitério era o local mais visitado de

uma cidade” (BORGES, 2002, p. 07). O mesmo proporcionava a todas as camadas da

população o contato com obras de cunho devocionais.

Eles preservam em seu território uma arquitetura detentora de uma iconografia

folclorizante e ao mesmo tempo erudita, quando esta se populariza, revelando

representações estereotipadas dotadas de funcionalidade, de valor artístico,

simbólico e religioso (BORGES, 1991, p. 376).

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43

Borges (2002), em seus estudos da arte cemiterial adota um modelo de ficha de

catalogação e estabelece as categorias a serem pesquisadas nos cemitérios apontando como

descritores (denominado por ela) que são os artefatos (jazigos). Desses jazigos é feito um

levantamento evidenciando os atributos dos artefatos que podem conter signos verbais

(epigrafia tumulares) e não-verbais (esculturas, pinturas, fotografias, etc.)

Mediante a ficha de catalogação de Borges, através do estudo do meio no Cemitério de

São João Batista foram encontrados artefatos de vários estilos e tamanhos, do túmulo simples,

ao jazigo-capela, o mesmo se deu em relação aos atributos dos artefatos que são encontrados

tanto com signos verbais e não-verbais. Muitos possuem os atributos verbais, não-verbais

como escultura e fotografia, como podem ser vistos conforme a figura 04, onde é possível ver

na lápide, as fotos em porcelana.

Borges (2002, p. 25) considera que os cemitérios regionais possuem acervo de arte

funerária originária de situações distintas: uma seria aquela que as famílias de grande poder

aquisitivo importam túmulos e peças escultóricas européias, e no outro caso, as peças foram

encomendadas a escultores brasileiros, estrangeiros, cada qual com um estilo diferente, uns

mais clássicos e outros mais modernos.

Há um terceiro caso em que os cemitérios contem uma produção de arte funerária

procedentes de marmoraria locais e estariam ligadas ao processo econômico da região, onde a

elite encomendaria os artefatos aos marmoristas de formação européia.

Dentro do exposto podemos concluir que os cemitérios regionais possuem acervo de

arte funerária originária de situações distintas:

a) a primeira seria aquela em que as famílias de grande poder aquisitivo importavam

túmulos e artefatos com atributos verbais e não-verbais como as esculturas,

lápides;.

b) no outro caso, as peças eram encomendadas a escultores brasileiros, estrangeiros11

,

cada qual com um estilo diferente, uns mais clássicos e outros mais modernos.

c) há um terceiro caso em que os cemitérios contem uma produção de arte funerária

procedentes de marmorarias locais e estariam ligadas ao processo econômico da

região, novamente aqui a elite encomendaria os artefatos aos marmoristas de

formação européia,

11

Portugueses, italianos,

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Em todos os casos citados os artefatos produzidos eram dentro de padrões estéticos

europeus, eram inspirados em modelos clássicos e os artesãos e artistas dominavam as

técnicas e os estilos (BORGES, 2002, 16).

O assunto é amplo e os exemplos abundantes. Devido a esta dimensão, alertamos que

não se pretende nenhum tipo de abordagem mais abrangente. Nos limitaremos em pontuar

neste capítulo e no outros, algumas imagens que possam estabelecer “link” entre o conteúdo e

os artefatos com maior significado para o trabalho de evidenciar as possíveis paisagens de

aprendizagem.

Em Manaus, no Cemitério de São João Batista são encontrados artefatos produzidos

pela marmoraria Italo-Amazonense.

Figura 13 - Artefato construído pela marmoraria Italo-amazonense

conforme assinatura abaixo. Neste mausoléu na base de

sustentação da escultura fotografias em porcelana, outra

forma expressiva cemiterial. Ano de 1927.

Fonte: Randiza Sandiz, 2009.

Os artefatos em sua maioria consistem em jazigos com lápides em mármore branco

com inscrições, alguns com artefatos como esculturas, sendo possível verificar no canto dos

jazigos a assinatura desta marmoraria conforme a figura número 13, de um mausoléu do ano

de 1927, localizado na Q. 20.

Notou-se a predominância masculina neste mausoléu que está localizado dentro do

recinto da Irmandade do Santíssimo Sacramento, Irmandade da Igreja Matriz Nossa Senhora

da Conceição. Porém em menor número há presença feminina. Só podem ser inumados neste

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recinto membros diretos da irmandade. Raramente é permitido enterrar filho de algum

membro segundo zelador do recinto.

Em relação à representação simbólica o anjo faz parte do modelo adotado no século

XIX. Mãos seguram objetos livros, flores. As asas pendem ao longo do corpo, em atitude de

meditação. Evidencia-se uma defasagem temporal no uso desta representação mediante as

características apontadas por Lima (1994, p. 113) que no período temporal em vigor foi

caracterizado de consolidação, (1902-1930), começava a dar mostras de um novo modo de

reverenciar a memória dos mortos, mais de acordo com o auge econômico da burguesia que

ascendia socialmente (Ver figura 34 p.74). Possivelmente o modelo representativo tenha sido

escolhido mediante atitude de fé, recato, por se tratar de uma irmandade religiosa.

Entre os artefatos classificados de signos não-verbais as flores são recorrentes e desde

há muito tempo estão inseridas no universo mortuário.Além de serem consideradas

mensageiras de afeto, as flores em pedra mármore agregam a eternidade e demonstram o

poder aquisitivo da família, pois eram esculpidas na pedra, serviço executado por

marmoristas12

estrangeiros que possivelmente aqui vieram para a construção do Teatro

Amazonas13

.

Figura: 14 - As Flores em pedra se revestem de uma temporalidade maior.

No lado direito da figura, flores naturais contrastando com a

grama verde.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009.

12

Ver trabalho de Maria Elizia Borges Os Marmoristas Italianos. 13

As obras da construção do Teatro tiveram início em 1884, com projeto arquitetônico do Gabinete Português de

Engenharia e Architetura de Lisboa. Ver mais em Otoni Mesquita.

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Dentro deste pensamento de evidenciar artefatos produzidos para cultuar a memória

dos mortos, destacamos as fotografias em porcelana, classificadas como signos não-verbais.

Pertencem a períodos distintos. Servem para ilustrar o decorativismo. O terceiro modelo

(figura 17) apresenta inscrições na própria porcelana (signo verbal), por ser mais recente serve

para demonstrar que o uso da fotografia de porcelana continua sendo adotado e sofreu

modificações em suas características iniciais.

Figuras: 15, 16, 17 - Retratos em porcelana. Observe o detalhe da lápide (15), ela apresenta uma

palheta com os pincéis circulado por ramos de flores, em mármore branco.

Data de 1930. A terceira imagem (17) mais recente data de 1984 e

homenageia a memória de três mulheres que faleceram em períodos distintos:

1977, 1978 e 1984. O uso da foto em porcelana continua sendo adotado.

Fonte: Victória Cupper Orlandini, 2005.

Figura: 18 - Contraste de tempos e práticas: ladeando a escultura

em mármore da moça com o violino, dois vasos de

cerâmica artesanal. Aos pés em reverencia a figura

representativa da musicista, uma flor de plástico.

A escultura apresenta uma riqueza de detalhes.

O calçado. As flores. A roupa.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009. Um modo estético de

relembrar a memória de quem “partiu” de modo trágico.

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Figura: 19 - Representação Imagem devocional profana. A pranteadora.

Apontada por vários alunos como a mais bonita escultura.

Ela esta assentada em uma rocha apenas entrevê os pés

desnudos. Roupa é ampla e a cabeça está coberta por véu.

A mão esquerda aponta em direção ao céu enquanto a mão

direita repousa pendida ao lado do corpo segurando uma cruz.

Toda em mármore.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2007.

Daremos continuidade aos exemplos a serem apreciados nos próximos capítulos.

Conclui-se este subtópico com esta reflexão

Cada período se caracteriza por um dado conjunto de técnicas. [...] A paisagem não

é dada para todo o sempre, é objeto de mudança.[...] a paisagem é um conjunto de

formas heterogêneas,de idades diferentes, pedaços de tempo históricos

representativos das diversas maneiras de produzir as coisas, de construir o espaço

(SANTOS, 1988, p. 68).

1.2 – O Cemitério enquanto Lugar

A categoria paisagem se relaciona estreitamente com a categoria de lugar. Conforme

Cosgrove (2003, p. 128) “[...] lugar e paisagem são imediatamente dotados de significado

humano”. O cemitério possui esta dimensão à medida que é uma paisagem e que esta

paisagem se constitui lugar para os que nele trabalham e para quem está ligado ao lugar pela

memória e respeito aos familiares.

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A categoria paisagem, por sua vez, está relacionada à categoria de lugar. Pertencer a

um território e sua paisagem significa fazer deles o seu lugar de vida e estabelecer

uma identidade com eles. Nesse contexto, a categoria lugar traduz os espaços com os

quais as pessoas têm vínculos mais afetivos e subjetivos que racionais e objetivos:

uma praça, onde se brinca desde menino, a janela de onde se vê a rua, o alto de uma

colina, de onde se avista a cidade. O lugar é onde estão as referências pessoais e o

sistema de valores que direcionam as diferentes formas de perceber e constituir a

paisagem e o espaço geográfico (PCNS, 1997, p.76) [grifo nosso].

O lugar evoca o pertencimento. Fazer parte da paisagem daquele lugar como lugar de

vida estabelecendo uma identidade com eles. (paisagem-lugar). Neste sentido, a relação com o

lugar é estabelecida baseada em vínculos mais afetivos (subjetividade) do que racionais

(objetivo). O modo como esses vínculos são estabelecidos perpassa sistemas de valores e a

maneira de percepção individual. O lugar é uma construção pessoal.

Para Dardel, (1952, p. 56) o lugar aparece como o ponto de partida da experiência

geográfica. O cemitério como um lugar extrapola a condição de lugar geográfico. É mais do

que isso para os funcionários que ali trabalham a semana inteira, para os operários da

construção de túmulos ou para os que apenas se utilizam deste lugar para estacionar o carro

ou fazer um pequeno descanso durante o dia, - trabalham nas proximidades.

Figura: 20 - Funcionárias da secretaria do C.S.J.B.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2007.

Muitas pessoas trabalham no Cemitério de São João e desenvolveram ao longo do

tempo laços de pertencimento ao lugar, alguns destes laços foram forjados na labuta de todo

dia, outros porque naquele locus Campo Santo estão enterrados familiares, amigos, heróis.

Segundo Santos (1986), cada indivíduo possui uma maneira particular de apreender o

espaço, de compreendê-lo, de interagir com o mesmo. O espaço social é então definido pelo

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que lhe é familiar e os locais por onde o indivíduo transita e permanece adquirem significados

distintos.

Pressupor que o espaço tenha um único significado para os indivíduos é reduzir a

importância da subjetividade do ser humano, no que se refere a maneira como ele sente em

relação aos lugares (a emoção) com os quais convive determinado tempo diário.

O indivíduo é assim percebido como um ser objetivo e ao mesmo tempo como

microcosmo. Resultando no encontro da objetividade (razão) e a subjetividade (emoção)

permitindo nesta forma de perceber as relações do outro com o lugar.

O lugar como categoria é subjetivo por não se tratar de uma construção meramente

construída e objetiva, por esta razão o lugar se refere a um locus concreto mas singular que se

reveste de valor afetivo e que é entendido e sentido pelo sujeito que o diferencia de outros

locus universais, que não possuem razão afetiva por não possuírem a dimensão do “vivido”.

Este lugar vivido é construído na subjetividade e intersubjetividade.O espaço pode se

transformar em lugar mediante adquirir personalidade e tornar-se vivido. Para tanto o sujeito

observador utiliza-se da percepção corporal e da consciência que em contato com o ambiente

interagem extrapolando o sentido físico.

Em conversa com um professor de História ele disse:

O cemitério estabelece uma maior ligação ao lugar no sentido de que ter algum

familiar enterrado faz com que a pessoa se sinta mais ligada a este lugar. Pelo

nascimento, o pertencimento ao lugar pode ser afrouxado, mas a morte liga

(FERNANDO RAMOS, 2009).

Neste sentido, os lugares se transformam segundo Michel de Certeau (1998) em

histórias fragmentárias e isoladas em si, oriundas de passados, junção de tempos, e que se

apresentam nos lugares como quebra-cabeças, como enigmas, concretizando-se em

simbolizações. Quando conversamos com um membro da família Salem sobre o mausoléu

com a escultura de um cão, quando conversamos com funcionários, com visitantes. São

fragmentos que nós foram dados, permitidos ler e escrever, mas tem muito mais que não nos

foi dito.

Se fosse possível unir todos os pontos embasados nas falas, nos gestos dos atores

sociais envolvidos nesta trajetória teríamos um mosaico. O cemitério enquanto lugar traduz o

que Santos denominada de palimpsesto, porém com um “funcionamento unitário” (SANTOS,

1988, p. 70).

Para de Certeau (1998, p. 201) o lugar é assim conceituado

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[...] lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas

relações de coexistência. Ai se acha, portanto excluída a possibilidade, para duas

coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do “próprio”: os elementos

considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar “próprio”

e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de

posições. Implica uma indicação de estabilidade (DE CERTEAU, 1998, p. 201).

Apesar da cidade ter sido “normatizada” as pessoas burlam a ordem, ou a premência

da mesma e inventam no seu cotidiano novas maneiras de “fazer” (DE CERTEAU, 1998).

Assim sendo, percebe-se dentro e fora do cemitério de S.J.B. práticas que podem ser

classificadas como “táticas de resistência”. Internamente, cita-se a guarda de materiais

(carrinho de camelô, venda de merenda, e outras) dentro do cemitério. Externamente, as

barracas que vendem pastel e caldo-de-cana que se instalaram no muro sudoeste do cemitério.

Em relação ao sagrado e o profano percebe-se a maioria das pessoas considera a feira

que acontece toda sexta-feira ao lado do muro do cemitério como normal, e, as pessoas

lancham tranquilamente.

Ainda em relação ao lugar ele exige de nós enquanto lugar o conhecimento da sua

geografia. A sua geografização. Muitos dos funcionários sabem muito bem os percursos e

localização dos túmulos mais procurados. E, não é por obrigação e sim por este sentimento de

pertencimento que eles sabem mesmo os que não estão na função de fiscais.

De Certeau (1998) indica que os percursos e mapas se constituem em um “corpus”. No

caso aqui estudado apontamos as indicações do que vem a se constituir um dos roteiros

elaborado com ajuda de um funcionário. Segundo o mesmo que já trabalhou três anos no

Cemitério Parque Tarumã, trabalhar no cemitério é muito bom. E, ele tem acompanhado

alguns estrangeiros em visita ao cemitério. O itinerário dele consiste:

Em frente pela quadra que vai dar em frente a capela e a administração, contorna a

capela, atrás esta situado o cruzeiro, e na quadra seguinte tem o tumulo da menina

considerada milagreira e uma das mais visitadas: Teresa Cristina. Dali, segue-se para

a quadra 06 onde estão enterrados os restos mortais do rabino “milagreiro” e da

“Santa Etelvina”. Depois na quadra 02 Busto de Eduardo Ribeiro e Jéferson Peres

(FISCAL, 2009).

Ao encontrar um quadro de orientação no cemitério de S.J.B. o comentário unânime

foi de que: - “ali estava tudo enquadrinhado, linearmente desenhado, mas na prática não era

assim. A prática mostra que exceto as quadras principais que são quarteirões, a localização

dos túmulos é confusa, pois não existe um padrão. Tem túmulos quase “dentro do outro”. Para

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passar em alguns trechos é quase inevitável pisar em alguns túmulos localizados rente ao

chão.

De acordo com de Certeau (1998, p. 204) “A cadeia das operações espacializantes

parece toda pontilhada de referências ao que produz (uma ordem local). Tem-se assim a

estrutura do relato de viagem: história de caminhadas e gestas são marcados pela “citação”

dos lugares que daí resultam ou que as autorizam”.

O cemitério enquanto lugar vivido para os funcionários e outros é uma parte da cidade,

que se compõe de todos os lugares e atores envolvidos. Os lugares não nos trazem apenas

emoções agradáveis, denominado de topofilia por Tuan (1980, p. 107) significa os “laços

afetivos dos seres humanos com o meio ambiente natural.” Esta relação é variada em

intensidade e também no modo de expressão. Ao mesmo tempo os lugares podem nos trazer

emoções desagradáveis o que é denominado de Topofobia.

O cemitério para muitas pessoas é um espaço topofóbico porque a morte é uma das

representações do lugar. Neste sentido a representação tem o caráter de demonstrar conceitos

assimilados e internalizados principalmente fora do circuito acadêmico.

No próximo capítulo dando continuidade o Cemitério de São João Batista vai ser

trabalhado em seus aspectos histórico-geográficos, o cotidiano com alguns atores sociais

escolhidos entre eles mesmos.

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CAPÍTULO 2

2 – O CEMITÉRIO E A PRODUÇÃO DA CIDADE

Percebe-se que o homem desde a mais remota civilização teve a preocupação com a

morte em si e o que fazer com os que morreram. No Egito, desde 4.400 a.C. é perceptível o

respeito com os mortos como se observa neste fragmento;

[...] Com o tempo, há uma evolução e o homem começa a temer as ações desse ser

superior sobre sua vida e, depois, em suas manifestações sobre sua morte, nesse

ponto o homem supera o animal e desponta como ser humano, e começa a enterrar

os seus mortos e a lhes oferecer meios de sobreviver na vida eterna em suas tumbas,

numa prática de oferendas mortuárias que perdura até hoje, através das ofertas de

flores e outras dádivas nas sepulturas [...] (O LIVRO DOS MORTOS).

Vários historiadores e antropólogos têm trabalhado a questão das transformações

ocorridas nos ritos funerários em culturas diferenciadas, que resultaram em mudanças

efetivadas no âmago da sociedade. Em todos os períodos da história da humanidade percebe-

se a morte e o lugar para os mortos como importante problema a ser solucionado seja no

ocidente ou oriente.

Às diversas transformações estruturais ocorridas no mundo grego ao longo deste

amplo período correspondem alterações constantes dos costumes funerários,

reverberadas pelos artefatos da cultura material. A despeito das especificidades de

cada período, a preocupação com a morte (thánatos) e com os mortos sempre esteve

presente como um dado importante da cultura helênica (ARGOLO,S/D).

Portanto, o cemitério é a morada para os que morreram se constituindo em algumas

culturas como o local apropriado e definitivo, porém, não é a forma exclusiva como a solução

encontrada ao longo da história da humanidade, para esta função ao qual o historiador

Philippe Ariès (1939), diz :

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A cidade dos mortos é o inverso da sociedade dos vivos, ou, mais propriamente que

o inverso, a sua imagem intemporal. É que os mortos passaram o momento da

mudança e os seus monumentos são os sinais visíveis da perenidade da cidade.

Assim, o cemitério reconquistou na cidade um lugar, ao mesmo tempo físico e

moral, que tinha perdido no início da Idade Média mas que tinha ocupado durante a

Antiguidade (ARIÈS, 1939, 43-54).

No passado remoto havia muito respeito aos mortos. Mas ao longo do tempo com a

dessacralização os mortos perdem seu espaço junto aos vivos. Isso proporciona uma reflexão

a cerca de como a sociedade contemporânea trata a morte e os locais de sepultamento -

cemitério, sendo esta discussão do interesse da educação. Educar é preparar para a vida e para

a morte. Educar para a vida é falar da morte, porque a mesma esta presente.

2.1 – Secularização14

dos Cemitérios no Brasil

A historicidade do cemitério secular brasileiro, distinta da européia, incrustada em

transformações sociais e políticas muito particulares (CYMBALISTA, 2001, p. 17).

Na Europa do século XVIII, começava o processo de descristianização que se

concretizou no século XIX, “conforme pode ser observado pelas mudanças profundas nas

convicções religiosas e na relação com a morte, refletindo-se na modelagem do espaço

urbano” (COSTA, 1996 p. 240).

No Brasil tanto a cerimônia como o sepultamento eram realizado nas igrejas até a

secularização que consiste na transferência da responsabilidade no caso Igreja para o estado

laico, e teve sua implantação no Brasil, em épocas distintas.

Observa-se aqui que as mudanças de âmbito político-econômico-social que resultaram

no processo de urbanização tiveram caráter distinto dependendo das especificidades regionais,

conclui-se baseado em Borges (1991), Costa (1996), Cymbalista (2001).

Até o processo de laicização dos cemitérios, a partir do final do século XVIII e

início do XIX, em nome da higiene, da salubridade e da modernização, o hábito

católico tradicional foi o de proceder aos enterramentos dentro das igrejas ou nos

cemitérios anexos aos templos religiosos (COSTA, 2003, p. 240).

14

Ato ou efeito de secularizar (se). Fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições

religiosas se converteram em doutrinas filosóficas. 3. Transferência de um bem clerical a uma pessoa jurídica

de direito público. Secularizar. Tornar secular ou leigo o que era eclesiástico (FERREIRA, A.B. H. 1983, p.

1560).

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Em se tratando do processo de secularização Borges (1991), em seus estudos afirma

que a luta pelo mesmo nos cemitérios brasileiros iniciou-se em 1870, sob a responsabilidade

de políticos republicanos e das ordens maçônicas. Salvador na Bahia é apontada como a

primeira capital brasileira a iniciar o processo de laicização. Os políticos liberais envolvidos

no processo defendiam que cada município deveria administrar o seu cemitério. Criticamente

a autora diz que os políticos envolvidos estavam mais preocupados com o poder do que com

os mortos. Com a Proclamação da República, ocorreu oficialmente a separação entre o Estado

e a Igreja através do Decreto Federal no. 789 de 27/08/1889 (BORGES, 1991, p. 146)

Em 1789, D. Maria de Portugal, recomenda a construção de cemitérios

convencionais no Brasil. A obrigatoriedade da construção só ocorreu com a lei de 1º

de outubro de 1828, promulgada por D. Pedro I. Os primeiros cemitérios foram

administrados pelas autoridades eclesiásticas que incentivaram desde então o

emprego de imagens devocionais (BORGES, 1991, p. 137).

No Brasil com a instalação da República houve preocupação com o cemitério e, nos

primeiros documentos oficiais percebe-se este cuidado quando o próprio governo preocupa-se

em tomar medidas para a laicização do Estado, “como a instituição do casamento civil e a

secularização dos cemitérios.” (Promulgação da República) [grifo nosso]

2.1.1 – Antecedentes

O direito ao túmulo, era o primeiro e o mais sagrado dos direitos, o mais essencial

(CASCUDO, 2002, p. 24).

Segundo Borges (2002) no Brasil colonial, os colonizadores realizavam “los entierros

de católicos em fosas colectivas o em sepulturas em el interior de las iglesias y conventos, a

ras de suelo, concerniendo a lás órdenes y hermandades religiosas administrar el ritual de la

muerte” (BORGES, 2002, p. 24).

Cymbalista (2002, p.32) aponta “a morte e os mortos permaneceu até o século XIX

como um dos elementos sobre os quais vai se organizando a vivência urbana na província

paulista”. Anterior ao processo de secularização, os enterramentos foram importantes e

puderam contribuir para o surgimento e consolidação de núcleos urbanos que surgiram no

Brasil colonial.

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Antes da secularização, inúmeros cemitérios foram erguidos, em São Paulo desde

1775 existiu o cemitério dos Aflitos, já era um “território segregado”, onde eram enterrados

os escravos, indigentes e sentenciados. No Rio de Janeiro, “o Cemitério da Misericórdia, era

também destinado a negros, indigentes e hereges” os dois eram administrados por ordens

religiosas (CYMBALISTA, 2006, p. 41). Enfatiza-se aqui a importância do estudo do

cemitério correlacionado com a origem e crescimento da cidade, seus costumes, implantação

de normas, mudança na mentalidade.

A secularização dos cemitérios no Brasil ocorreu em tempos diferentes, conforma já

mencionado. Em São Paulo, anteriormente a secularização definitiva dos cemitérios, havia o

Cemitério da Consolação, localizado no bairro de mesmo nome, no ano de 1858, considerado

sendo considerado o 1º cemitério público secular. Em Salvador, a secularização ocorreu em

1870. (Borges, 2002, p.143). No Ceará entre 1844, com a Lei nº 319/18, porém a construção

do cemitério ocorreu em 1848 (COSTA, 1996).

Temos uma controvérsia em relação a provável data de quando realmente este

processo foi iniciado. O importante é que mais pesquisas sejam realizadas sobre os cemitérios

no Brasil para que os estudos possam balizar trabalhos de reconstituição histórica da Cidade

dos Mortos comparando os estudos com a “Cidade dos Vivos.” De toda forma o final do

século XIX é o marco inicial da construção de cemitérios secularizados tanto na Europa,

Brasil e demais países da América latina.

Depois da Proclamação da República em 1890, houve a obrigatoriedade da instalação

de cemitérios, que agora passam a ser administrados pelo poder público municipal (BORGES,

2002 p. 143).

Diante do que já foi posto, vimos que as transformações que ocorrem na sociedade

acabam afetando a Cidade dos Mortos. E, o que parecia ter sido um movimento natural, - a

secularização - não pareceu ser tão natural, haja vista, ter havido em alguns estados brasileiros

como no Ceará, certa agitação popular em aceitar o cemitério extramuros, concretizando a

transferência do cuidado dos mortos pela Igreja para o Estado.

2.2 – Secularização e Espacialização dos Cemitérios em Manaus

Foi posto anteriormente o processo de secularização e laicização em outros estados

brasileiros. E em Manaus, como ocorreu o processo? Nas pesquisas bibliográficas nada

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aponta no sentido exato da transferência do cuidado dos cemitérios da responsabilidade da

Igreja para o Estado Laico.

Mas o que se tem anterior ao cemitério de São João Batista? Existia no que hoje

conhecemos como a cidade de Manaus, os cemitérios da Cruz e o de São José e, muitos

cemitérios eram clandestinos, que depois foram aos poucos se tornando espaço oficial

(BRAGA, 2003).

A Capital do Amazonas tinha os seguintes limites: ao Oriente igarapé da Cachoeira

Grande e ao Occidente pelo da Cachoeira Grande e ao Norte pelas mattas, que

tinham então a denominação de Campinas, correndo na linha E,O, da cabeceira do

igarapé de S. Vicente até encontrar-se com o dos Remédios (Aterro), e ao Sul pelo

Rio Negro. Em 1866 esta área achava-se augmentada só ao Norte entre os bairros de

S. Vicente e do Espírito Santo. O bairro da Campina estendia-se nesta epocha até a

Castelhana e o Mocó, havendo um cemitério além do largo da Polvora e nas terras

ao Norte do mesmo cemitério um novo bairro com a denominação de Costa d’

Africa, por ser elle habitado sómente por africanos livres. A rua da Palma, hoje,

Saldanha Marinho, terminava no igarapé do Espírito Santo, e a travessa da Matriz na

rua José Clemente. Além dos quatro mencionados bairros haviam mais o da

Republica, que ficava entre os igarapés do Espírito Santo e do Aterro e dos

Remédios que ficava entre os igarapés do Aterro e de Manaós (TENREIRO

ARANHA, 1897, p. 15 apud PREFEITURA MUNICIPAL, 1990, p. 15.)

No ano de 1832 havia onze quadras e uma praça, com um pelourinho no centro. Em

1852, a Vila da Barra, não havia mudado, a população diminuiu e muitas construções estavam

em ruínas (TENREIRO ARANHA, 1990 p. 14). A fortaleza ficava no logar das casas novas

defronte da recebedoria e a egreja e o cemitério da Conceição onde está a praça Tenreiro

Aranha (TENREIRO ARANHA, 1897, p. 21 apud PREFEITURA MUNICIPAL, 1990, p.

21).

Existia no que hoje conhecemos como a cidade de Manaus, os cemitérios da Cruz e o

de São José e, muitos cemitérios eram clandestinos, que depois foram aos poucos se tornando

espaço oficial. (Braga, 2003).Em Manaus no período provincial, então chamada Vila da Barra

do Rio Negro, quase fins do século XVIII não havia cemitérios regulares. Os espaços eram

abertos sem cuidados onde todo o tipo de sepultamento era permitido, sendo então que no ano

de 1792, havia dois cemitérios.

O primeiro perto da ermida de Nossa Senhora da Conceição e o outro no bairro dos

Remédios, chamado de Cemitério da Cruz, 1854. Nos Remédios atribuiu-se a uma irmandade

a construção da capela N. S. dos Remédios e do cemitério.

O Cemitério de São José foi mandado construir em 1855, no caminho da Cachoeira

Grande, assim denominado até idos de 1866, passando a ser denominada de Estrada

Epaminondas (ARANHA, 1990, p. 19). Dez ou doze anos mais tarde foram abertas a praça da

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Saudade e as estradas Ramos Ferreira, com a denominação de Gonçalves Dias e 7 de

Dezembro, que teve o nome de Remédios (ARANHA, 1990, p. 19).

Segundo relatos da época, havia uma certa insatisfação15

do povo amazonense em

relação à ausência de espaços para sepultamentos (BRAGA, s/d).

os cadáveres eram enterrados no largo da extinta igreja da Matriz, um dos lugares

até então mais freqüentados e onde regularmente nunca existiu cemitério, ou então

nas imediações da igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Os sepultamentos,

portanto, eram processados de forma inteiramente irregular e, vez em quando, era

possível ver restos de humanos que brotavam das covas rasas sendo destroçados por

animais (BRAGA, s/d).

O Presidente da Província do Amazonas, já havia alertado a Assembléia Provincial

sobre a urgência da construção de cemitério, em tempo hábil. O local poderia ser na estrada

da Cachoeira ou outro local com indicação técnica. Na Ilha de São Vicente havia funcionado

um cemitério clandestino. Pensaram em fazer um novo cemitério lá, porém no local havia um

prédio considerado de valor e também havia uma certa expansão para este local, a criação de

um cemitério inviabilizaria o crescimento.

Nesta correspondência do chefe de polícia Dr. Manoel Gomes Corrêa de Miranda

dirigida ao Presidente da Província sr. Herculando Ferreira Pena datada de 19 de abril de 1854

segundo Braga.

Me parece (sic) que a bem da salubridade pública devem cessar os enterros de

cadáveres no lugar e largo da Matriz, é que ali faziam o sepultamento sem cuidados,

sem profundidade, e acabaram profanados pelos cães. Por esta e outras razões e

como está este lugar no centro da cidade, e o continuado vento, que necessariamente

há de conduzir os miasmas para os vivos, acho que se deve proibir a continuidade

dos enterros nestes lugares (BRAGA, S/D).

Era necessário que a localização do cemitério a ser construído fosse afastado do

núcleo urbano. Em relação a escolha de um local apropriado para a construção de um outro

cemitério, não havia consenso entre o poder público na pessoa do Presidente da Província e a

Assembléia Provincial, porém, todos concordavam que, além da construção do campo santo

teria de ser construída uma capela para celebrar missas e ofícios.

Chama-se atenção a este detalhe: a transferência dos enterramentos sob os cuidados da

Igreja para o Estado não diminuiu a importância da Igreja em assuntos desta natureza, já que a

15

Embora não se possa estabelecer uma comparação ao movimento chamado de “cemiterada” acontecido no

Ceará, demonstra que havia de todo modo uma insatisfação em relação à construção de cemitérios, sem que

fosse preciso ser na igreja como em outras capitais brasileiras. Ver sobre o movimento Cemiterada em Costa.

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mesma continuou executando o oficio de encomendar a alma, para o posterior sepultamento,

e, a irmandades constituídas em Manaus, ganharam terrenos para construção no cemitério

como a irmandade da Santa Casa, e posteriormente a Irmandade do Santíssimo Sacramento

Em 1891, o primeiro presidente republicano do Amazonas, Gregório Thaumaturgo

de Azevedo (1891, p. 11), dirigiu-se ao Congresso Amazonense, afirmando estar

ciente de que a Igreja estava separada do Estado, entretanto, “pensava” que

deveriam “mandar construir o adro da Igreja Matriz e a segunda torre da Igreja de

São Sebastião.

Embora tivesse sido detectada a necessidade da construção de um novo cemitério e

tivesse sido oficializado o pedido – delegado com aval do Cônego - porém o Presidente da

Província decidiu-se por obras de melhoramento do cemitério atrás dos Remédios e o da Ilha

de São Vicente.

Em setembro de 1866, [...] , assim como a obra do cemitério de São José e a

construção do cais [...], mas a Câmara Municipal solicitava que essa obra fosse

financiada pelo cofre provincial, o vice-presidente aconselhava “estudar o assunto,

antes de dar qualquer decisão”, pois apesar de ser uma obra “magnífica e mesmo

útil”, não era indispensável (MESQUITA, 1992, p. 41).

Em 1853, o vice-presidente Manuel Gomes de Miranda (1858, p. 3) apontava a falta

de materiais e de pessoas que arrematassem os trabalhos como a principal causa do

pouco andamento de muitas obras de urgência, tais como a Matriz, o cemitério e

pontes (MESQUITA, 1999, p. 31) [grifo nosso].

O cemitério de São João Batista começou a ser construído em 1890, constituindo-se no

maior e mais antigo cemitério central da cidade de Manaus.

Figura: 21 – Cemitério no Perímetro urbano de Manaus.

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus. 2007.

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Atualmente em Manaus, conta-se com seis (6) cemitérios na área urbana que são os

seguintes: Cemitério São João Batista fundado em 1891, localizado na Zona Centro-Sul.

O Cemitério N. S. da Piedade, fundado em 1901 e está localizado no Km 05 AM 10.

O Cemitério São Francisco, fundado em 1937, localizado na Zona Sul de Manaus, na

rua Cel. Pedro de Souza.

Cemitério de Santa Helena, Zona Oeste, fundado em 1930, localizado no bairro de São

Raimundo.

Cemitério N.S. Aparecida fundado em 1976, que fica dentro do Cemitério Parque que

é privatizado, localizado na Avenida do Turismo, Tarumã.

E o cemitério Santo Alberto, que tem por data provável da fundação o ano 1918,

localizado na Zona Leste, na rua Monteiro Maia, bairro Colônia Antônio Aleixo.

Foi aprovada uma nova Lei16

para construção de um crematório previsto para os

próximos anos. Uma pesquisa de opinião pública foi realizada, por parte dos interessados na

implantação do crematório. Sendo a maioria da população manauara de descendência

indígena, temiam que não aprovassem a cremação mediante mitos preconizados por algumas

etnias.

Conforme exposto evidencia-se a importância do estudo do cemitério em seus

aspectos históricos para a compreensão da cidade, e, o cemitério, em seus múltiplos aspectos é

um exemplo de “paisagens de aprendizagens” corroborando para apreensão do conhecimento

que é construído não apenas na sala de aula, mas em contato com o meio que se apresenta

multifacetado e com diferenciadas representações.

2.3 – O Cemitério e a Cidade

Anterior apresentou-se o cemitério de modo geral fazendo algumas considerações

sobre como foi no Brasil e em Manaus o processo de secularização e laicização dos

cemitérios, sendo este processo efetivado na Proclamação da República. Demonstrou-se a

secularização e a espacialização dos cemitérios em Manaus. Neste subcapítulo, a proposta que

se apresenta é a de inserir a “cidade dos mortos” – o cemitério através de um olhar que

também contemple a “cidade dos vivos” com a intencionalidade de trazer à tona algumas

semelhanças entre os dois.

16

“c.f” p. 44.

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60

Não é singular que a configuração das cidades se pareça tanto com a dos cemitérios?

A ordenação de uma e de outra obedece ao mesmo enquadramento geométrico e a

repartição dos elementos responde a questões similares. Habitat individual e

coletivo, ruas, avenidas, praças onde a circulação é regulamentada, bairros

aristocráticos ou populares, lugares de descarga, cartazes e tabuletas, tudo isso se

encontra nas aglomerações dos vivos e dos mortos, em escalas variáveis segundo

suas populações. Mesmo os grandes cemitérios, como as grandes metrópoles têm

seus arranha-céus, suas “torres de silêncio”, ou as terão, para conciliar o crescimento

do número e a penúria do espaço; e têm frequentemente seus fornos crematórios,

equipados como as usinas modernas (THOMAS apud RODRIGUES, 1983).

Lançar olhares sobre o cemitério de São João Batista é rever o passado histórico de

Manaus; é descobrir fatos que não são divulgados não porque careçam de importância, mas

porquê foram deixados de lado em detrimento de outros acontecimentos com maior

visibilidade.

Com esta reflexão, nomeia-se com o sentido positivo as “construções para vida”:

pontes, ruas largas, prédios, praças; a construção de cemitério nomeia-se de “construção de

silêncio” porque suscita tristeza, tabu, silêncio, medo, possibilitando assim o entendimento de

que no interdito da morte encontra-se a resposta para que no conjunto de obras para Manaus

antiga encontrem-se poucas referências a construção de cemitérios (CUPPER, 2009,

mimeografado).

As obras apontadas consistem basicamente em saneamento, desaterro e aterramento de

igarapés, construções de ponte e obras de embelezamento (JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA

e ARTHEMISIA VALLE, 2003, p. 165-166). No entanto, as obras de embelezamento da

cidade, eram muito criticadas. As principais obras consistiam em aterrar os igarapés mudando

totalmente o semblante natural do lugar conforme apontam Oliveira e Vale (2003); “Começou

deste modo, o improviso de uma cidade no meio da selva, para dar abrigo aos anseios dos que

chegavam em busca do eldorado, ficando a população local privada das práticas de suas

atividades cotidianas” (Ibidem, 2003, p.168).

Otoni Mesquita (1992), Antônio Loureiro (2004), Robério Braga (s/d) acrescentam o

cemitério17

quando se referem às obras que estavam sendo planejadas e realizadas;

em 1853, o Vice-presidente Manuel Gomes de Miranda (27/06/1852-22/04/1853)

apontava a falta de materiais e de pessoas que arrematassem os trabalhos como a

principal causa da falta de andamento de muitas obras de urgências, tais como a

matriz, o cemitério e pontes (MESQUITA, 1992, p. 32) [grifo nosso].

17

“cf”, p. 34.

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Olveira e Vale (2003, p. 168), atribuem o “crescimento impar” da cidade de Manaus a

administração de Eduardo Ribeiro (1892-1896), porém, apontam o aterramento dos igarapés

como responsáveis pela proliferação de doenças e degradação ambiental. No entanto,

Mesquita (1992 p. 139) atribuiu os melhoramentos da cidade no que tange aos aspectos

arquitetônicos de embelezamento e também na questão de higiene e saúde pública

iniciava-se um das mais transformadoras fases da história do Amazonas. Era um

período de opulência, que exigia do governador grande capacidade de articulação

política com o Congresso para a liberação das verbas necessárias ao financiamento

dos projetos elaborados.

Sobre o passado de Manaus, Loureiro (2004) atribui as obras realizadas a eficiente

administração do governador Fileto Pires Ferreira, que assumiu o governo posteriormente a

Ribeiro, no fim do século XIX.

No Brasil, em grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, iniciara no século

XIX o processo de embelezamento da cidade, a busca de refinamento cultural com sentido de

desvencilhamento de um certo “provicianismo” e atraso cultural. O mesmo desejo de

modernização e a busca de uma certa sofisticação, acometeu Manaus, principalmente no

período denominado “boom da borracha”, entre 1890 e 1910, quando a borracha pela

expansão da demanda mundial teve a subida do preço, e ocasionou entre outras

consequências, aumento da população, este propiciado tanto pela imigração (europeus em

menor quantidade) como pela migração (cearenses, número expressivo).

A cidade se transformava em um centro urbano moderno nos moldes da capital

francesa, modelo idealizado de cultura e refinamento. As classes média e alta ostentavam o

alto padrão comprovado em viagens para o velho continente, ou de modo mais simples nem

por isso menos dispendioso como o uso da moda européia no dia-a-dia, assimilação e uso de

expressões francesas, admiração pelos intelectuais franceses; eram sinais da influência da

preferência à França como referência em termos de civilidade e cultura. Em Manaus, como no

Rio de Janeiro e São Paulo, as camadas das classes média e alta queriam se desvencilhar da

imagem negativa da herança africana e indígena18

.

18

Ver também, a esse respeito: SOUZA, Márcio. A expressão amazonense: do colonialismo ao

neocolonianismo. São Paulo: Alfa-Omega. 1977.

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O cemitério de São João Batista construído na época áurea da borracha vai receber

traços desta influência cultural que evoca o modelo europeu, importando materiais nobres19

empregados na construção de capelas, túmulos monumentos, como o mármore de Carrara20

e,

em adornos escultóricos, nos portões, gradil, mostrando a pujança de uma época de

efervescência econômica que deixou rastros no espaço dos vivos e no espaço dos mortos.

Neste contexto a construção de um novo cemitério - de São João Batista – coincide

com o crescimento populacional da cidade, as obras de embelezamento e saneamento dos

igarapés e a consolidação21

da chegada no Brasil das idéias higienistas que repercutiram na

sociedade como um todo, chegando a interferir na transferência dos sepultamentos a cargo da

igreja desde o início da colonização portuguesa, para o Poder Público, culminado na criação

de cemitérios extra muros.[grifo nosso]

Espacialmente a localização do cemitério pode ser discutida como uma relevante

referência, que serve para externalizar espacialmente, o processo de diferenciação social. De

acordo com Costa (1996), uma nova ordem espacial foi imposta à cidade, ditada pelos

princípios de higienismo, que resultou na instalação dos cemitérios longe dos centros urbanos.

Acompanhando esta mudança espacial e a distribuição de funções na cidade, percebe-

se uma mudança na mentalidade em relação à morte. Costa (2003) enfatiza que o poder

público ao transferir e normatizar os espaços reservados aos mortos não pode ser visto apenas

como decisão administrativa, pois “representa, ainda um reflexo de uma nova mentalidade,

segundo o qual era necessário pensar um lugar reservado para os mortos.[...] A cidade assim

procede e já aceitava e incorporava essa nova mentalidade” (COSTA, 2003 p. 238).

Mais do que uma medida de higiene e de saneamento público, esse isolamento do

espaço da morte caracteriza mudanças culturais da sociedade vigente. Baseados nas teorias de

contaminação através dos miasmas, esses reformadores começaram a intervir no meio urbano,

afastado do convívio dos vivos todos os possíveis focos de contágio, inclusive os matadouros,

hospitais e cemitérios.

Em Manaus, as idéias disciplinadoras da cidade repercutiram no afastamento também

dos leprosários, sendo um construído próximo ao bairro da Compensa – o Urimizal- na rua

do Bombeamento e outro na Colônia Antônio Aleixo, - áreas ainda de baixa densidade

19

O autor cita uma transação comercial que envolve a compra de “2 púlpitos de pedra de Lioz ”, utilizados

construção da Igreja Matriz. MESQUITA, Otoni. Manaus História e Arquitetura (1852-1910). Manaus:

Valer, p.47. 20

Material vindo desta região italiana. Muito utilizado nas construções mais importantes do período denominado

belle époque ( encontrado em várias obras inclusive nos degraus do Instituto Benjamin Constant, e em muitas

jazigos do C.S.J.B). 21

“cf ”, p. 27-30.

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populacional. Um matadouro foi construído, próximo ao rio Negro, onde hoje esta localizada

a balsa para Iranduba e adjacências. Comprova-se que as mudanças de mentalidade em

Manaus22

tiveram sua correlação espacial.

Cymbalista (2002 p. 80) ao referir-se as idéias higienistas aponta que no Brasil a

aceitação das mudanças ocorreram de forma acelerada, diferenciando-se da Europa, que levou

séculos. “As famílias brasileiras, que em poucas décadas se descobriram nucleares, passaram

a se escandalizar com a mistura de cadáveres nas mesmas covas, com a impossibilidade de

seu reconhecimento e identificação.” Assim, às idéias higienistas que geraram cemitérios

públicos, é acrescentado a elas os aspectos de “ordem afetiva, monumental e religioso”

(CYMBALISTA, 2002 p. 81). Apontam-se aqui idéias norteadoras para o estudo do

cemitério: em estudos da população a adoção no Brasil da família nuclear.

Espacialmente a localização do cemitério pode ser discutida como uma relevante

referência, já que é concretamente materializada no espaço. Uma cidade precisa também

definir a sua “cidade dos mortos” que é um espaço importante dentro do planejamento urbano

de qualquer cidade. Então as mudanças que ocorrem não foram apenas administrativas ou

espaciais, elas –as mudanças – implicam nova maneira de ser da sociedade. Sendo possível

apreender nos cemitérios representação simbólica da sociedade, permitindo uma leitura

acurada de fenômenos relacionados à dinâmica cultural, bem como todo um processo de

transformações sociais, concretizados no espaço do cemitério.

As mudanças na mentalidade da sociedade repercutem na “cidade dos mortos”, que

poderiam ser balizadas mediante estudos da arte funerária, porém, Borges afirma que diante

da variedade de túmulos construídos em diversos estilos os mesmos “dificultam distinguir a

sucessão da arte funerária brasileira”, a partir da segunda metade do século XIX. Atribuindo

como um dos fatores agravantes para a identificação a “especulação dos terrenos dos

cemitérios que fez com que sacrificassem as plantas de origem e as disposições iniciais dos

túmulos”.

No período da belle époque, os cemitérios metropolitanos receberam túmulos da

Europa vinculados aos estilos neoclássicos, ecléticos e art-nouveau, já defasados e

alterados, de acordo com as contingências locais. Eles foram assentados

aleatoriamente ao longo das quadras, sendo quase impossível detectar a ordem de

suas instalações (BORGES, 2001).

22

Ver também, a esse respeito, DIAS, Edna. A ilusão do Fausto: Manaus. 1890/1920. Manaus; Valer, 1999.

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Em Manaus, o cemitério de São José localizava-se no atual Clube Rio Negro, foi

incorporado ao Cemitério de São João Batista construído em 1891. Os túmulos de maior valor

do desmonte do Cemitério de São José, encontram-se enfileirados numa quadra próxima a

área central do São João Baptista e, muitos restos mortais foram enterrados em um ossuário

coletivo construído para este fim, conforme placa de indicação.

Quais teriam sido os motivos do translado do cemitério? Ele era um cemitério regular.

Havia sido cercado, tinha a capela para os ofícios de missas em dias especiais. Porém, tudo

leva a crer que o crescimento da cidade convergia para este local, ocasionando a mudança que

com certeza, não agradou a população pois é complicado fazer mudanças em cemitérios por

causa dos mitos que acompanham espaço como este.

Figura: 22 – Antigos túmulos. Presença de peças escultóricas. Uso do

mármore de Carrara. A ala atrás bem mais recente e menos

“interessante” possibilita a compreensão da mudança de

mentalidade em relação a estes lugares e a representação

simbólica da morte.

Imagem: Victória Cupper, 2005.

Mesquita, (1992) em Manaus História e Arquitetura (1852-1910) fez um estudo sobre

os principais equipamentos e prédios23

da cidade de Manaus, abordando os estilos utilizados

nas construções, o embelezamento da cidade fruto da mudança de mentalidades, no mesmo, o

autor faz referência a construção 1866 (1992:47) e a transferência do cemitério de São José, o

motivo apresentado é que ali seria um jardim. No governo de Fileto Ferreira, em 1897, o

23

Igrejas, Palácios e Palacetes, Mercado Adolpho Lisboa, Liceus, Pontes de ferro, Reservatório, Teatros,

Hospitais, Capelas, Praças, Logradouros, Monumentos, Porto.

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mesmo retomava um dos projetos do ex-governador Eduardo Ribeiro, e sugeria a construção

de um parque, na atual praça da Saudade, incluindo área do antigo cemitério (Ibidem, 1992, p.

179).

Em relação a inserção do cemitério no estudo do meio através de paisagens de

aprendizagem, Mesquita (1992) afirma a importância dos estudos no que se refere a estudos

da arquitetura que corroboram com nosso estudo quando aponta que

[...] não deve se restringir somente ao estudo de grandes obras ou estilos

reconhecidamente consagrados. Considerando que o estudo de uma obra singela

pode revelar uma peça original e única de um determinado período, poderá também

vir a constituir-se num concreto e importante documento histórico, testemunho de

uma época. A investigação de sua história, das necessidades que levaram ao projeto,

até as condições de sua execução são capazes de resgatar muitos elementos do

contexto em que foi gerado revelando dados que podem valorizar a sua preservação

para o futuro (MESQUITA, 1992, p. 55).

Nesse sentido, embora a arquitetura da época não seja o interesse principal, serve neste

momento para ilustrar a importância de se estudar os equipamentos e as construções do

passado, transmitindo valores às novas gerações e evidenciando a necessidade de políticas

voltadas para a revitalização e preservação de bens públicos, como o Cemitério de São João

Baptista.

Mesquita (1992, p. 55) considera que ao ressaltar em sua obra a arquitetura da belle

époque, ele o faz não como mero elemento cênico local, mas por todo um contexto histórico

que envolveu decisões políticas, incrementou o comércio, modificou a paisagem e mais do

que isto; modificou o modo de pensar das pessoas.

Caminhando pelas quadras centrais do Cemitério de São João Batista, encontram-se

muitos túmulos ornamentados com estatuária, muitos são provenientes de oficinas marmóreas

de Portugal, a exemplo de outras capitais brasileiras que posteriormente importaram da Itália

e França, predominando a partir de 1905 o estilo art-noveau, que foi se diluindo ao findar a

terceira década (VALLADARES, 1972 apud BORGES, 2002, p. 154). Considera-se

importante que este conhecimento estético seja difundido na escola, como memória e como

inspiração.

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2.4 – Caracterização Histórico-Geográfica do Cemitério de São João Batista

2.4.1 – Síntese Histórica

O que se conhece hoje por Manaus foi de 1825 a 1850, anexada a antiga Capitania do

Rio Negro da Província do Pará da qual foi desmembrada em 1850 quando surge como

Província do Amazonas. Lugar ermo distante e de difícil acesso segundo relatos da época.

A nova província venceu o isolamento inicial devido a navegação a vapor que

diminuiu a distância entre a Província do Pará em uma semana e pela possibilidade de ampliar

o volume de carga, fatores fundamentais que corroboraram para incluir os seringais

amazonense ao mercado internacional da borracha.

A aceitação do produto no mercado externo incentivou a migração principalmente

para mão de obra nos seringais. Vieram levas de nordestinos, de paraenses, maranhenses e

estrangeiros, em sua maioria para trabalhar nos seringais, nos navios e no comércio local.

Manaus que contava em 1856 com contingente de mil e duzentos habitantes em 1882 teve o

aumento para dez mil habitantes (LOUREIRO, 2001, p. 34).

A Província não teve o crescimento esperado, atribuiu-se ao fato de estar localizada

longe das outras regiões brasileiras, em contrapartida, estava bem localizada em relação a

Europa e Estados Unidos. Foram apontados como um dos fatores responsáveis pelo diminuto

crescimento da região a falta e precariedade dos equipamentos públicos como hospitais, a

precária condição sanitária e a baixa resistência da população indígena às doenças24

introduzidas pelo europeu e o africano, que tornavam a Província refém quando se instalava

alguma epidemia e as mesmas foram constantes no passado (LOUREIRO, 2001, p. 36).

Porém, as epidemias aconteciam no Brasil de modo geral. Institutos vacínicos foram

instalados em todas as províncias do Império. A princípio a vacinação era tão temida quanto a

própria doença. Em 1854, segundo relatório solicitado por Ferreira Pena ao médico Antônio

José Moreira e ao professor de homeopatia Mários Portes, a situação da Província era caótica,

e o único hospital – São Vicente25

- estava em ruínas (Ibidem, 2001, p. 36).

24

Como o sarampo, a catapora, a varíola, a coqueluche, a tuberculose e a malária entre outras que consumiram

milhares de vidas ao longo dos tempos, e a agressividade do clima, do sol, das florestas, das terras, do meio

ambiente, da alimentação, para as raças brancas e para o seu típico modo de sobreviver, incapazes de aqui

produzirem os seus alimentos fundamentais: trigo, pão, uvas, vinho, azeite, azeitonas, queijos, leite, verduras,

a serem substituídos pela mandioca, manteiga de tartaruga, peixes desconhecidos, jirimuns, moqueados,

tapiocas, farofas, [...] (Loureiro, 2001,p. 35). 25

Neste local onde funcionava o hospital Militar São Vicente, foi cogitado de construir um Cemitério regular.

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Pelos idos de 1792 (Braga s/d) não havia cemitério público em Manaós. Os

enterramentos eram feitos nos terrenos da igreja da Nossa Senhora da Conceição (Matriz) e

nas proximidades de onde foi construída a igreja dos Remédios.

A Vila necessitava ser equipada com hospitais e (cemitérios), pois a população que

crescia era constantemente acometida de doenças alguns com finais trágicos conforme

exemplificado; [grifo nosso]

O obituário da Barra era altíssimo, chegando a 90, em 1853, o que representava

quase 10% do total da população da cidade, e, para tornar o quadro mais sombrio,

duas epidemias abateram-se sobre a população amazonense, pela primeira vez, nos

anos seguintes: em 1855, a de cólera morbus e, em 1856, a de febre amarela

(LOUREIRO, 2004, p. 37).

Esta epidemia fez com que o cemitério dos Remédios fosse fechado e fosse aberto o

de São José, localizado na estrada da Cachoeira Grande. Até a data de 1859 não havia

cemitério público surgiu a necessidade de construir.

É erguido o cemitério São José (1859), o mesmo não foi bem aceito pela população

não se sabe os motivos quando de sua criação. A localização do cemitério de São José entre as

atuais ruas Epaminondas e Simão Boulevard, então área bem localizada e que dava acesso a

expansão para o lado de São Raimundo, que posteriormente foi constituído bairro na gestão

de Eduardo Ribeiro, coincidia desse modo com a expansão da cidade.

Braga (s/d) afirma que até o ano de 1896, por imagens da época, era possível ver a

capela erigida em 1859 e inaugurada em 06 de maio do mesmo ano quando a imagem de São

José acompanhada por autoridades da época, sai do seminário do mesmo nome para o

cemitério onde recebe em cerimônia benção seguida de missa oficializada pelo vigário-geral.

O Cemitério de São José ficou em funcionamento até a construção do cemitério de São

João Batista, quando o cemitério São José foi desmontado e instalado no Cemitério de São

João Batista, à capela transferida foram sendo incorporadas obras de arte. Os túmulos mais

antigos do cemitério de São João Batista vieram do antigo cemitério de São José.

O Cemitério São João Batista foi projetado pelo engenheiro Hermano Bittencourt

(BRAGA. s/d). Sua construção veio desafogar a pressão que era exercida pelo aumento da

população e para acolher os mortos vitimados por uma epidemia que grassou Manaus, no final

do século XIX.

Nenhum tipo de registro de manifestação de desagrado da população em relação a

transferências do cemitério, com exceção, de comentário em Braga, o que não tira a

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possibilidade de ter havido muita reprovação da sociedade que, senso comum, não costuma

concordar mudanças neste tipo de equipamento26

.

2.4.2 – Localização do C.S.J.

Situado no alto do bairro Mocó, que se limita ao norte com o Pico das Águas, a leste

com a Avenida Major Gabriel, ao sul com o Boulevard Amazonas e a oeste com

terras particulares; occupando uma área de 92.160 m 2, fechada por um muro de

alvenaria de pedra e tijolo com gradil e portões de ferro.” [Relatório apresentado á

Intendência Municipal de Manáos, em sessão de 1º de outubro de 1922, pelo

Superintendente Dr. Basílio Torreão Franco de Sá. 27

Figura: 23 – Cemitério J.C.J.

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus, 2006.

A entrada principal fica na praça Chile, bairro Adrianópolis. A segunda e imponente

entrada pela Avenida Boulervard Álvaro Maia, onde o acesso é permitido por um dos dois

portões de entrada, em ferro. Os mesmos foram feitos pela fundição de Walter MacFarlane,

Glasgow, Escócia (Ver figura 18).

26

Os locais onde são instalados cemitérios possuem uma aura especial de campo santo.Recentemente com a

reforma da praça da Saudade, local próximo aonde foi o cemitério São José, cogitou-se que foram encontrados

ossadas humanas nas escavações da obra. Saindo nota na imprensa local de que cogitavam construir no local

da praça da Saudade – 5 de novembro- um prédio residencial, porém, a idéia teria sido rejeitada pela

população, resultado este aferido mediante pesquisa de opinião. 27

Tipografia Cá e Lá, 1922 apud Garcia, 2005.

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69

Figura: 24 - Imponente entrada pela avenida Boulevard Álvaro Maia, que

em 2005 completou um centenário. Contem o seguinte

dístico: “Laborum Meta” de cunho positivista. Ao fundo

aparece a capelinha.

Imagem: Victória Cupper, 2005.

O cemitério é a cidade dos mortos e tem caráter de ser um mundo fechado e

controlado, como parte de outros equipamentos disciplinares28

, como escolas, prisões,

hospitais. A entrada é permitida durante o dia, acesso público pelos portões, que são fechados

às 18:00, com exceção de segunda-feira quando fecham mais tarde, devido ao grande número

de pessoas que para ele se dirigem com a finalidade de acender velas e rezar para as almas

(costume adotado principalmente pelo catolicismo e kardecismo.)

O Cemitério de S.J.B. está repartido e distribuído em quadras (25) conforme figura 19.

(quadras, aléias) conforme figura 19, contidas entre muros altos com grades. As quadras são

geometricamente alinhadas, o caminho para circulação (ruas) definidas. As sepulturas

perpétuas possuem números, nomes, datas, o que permite a localização. A disposição dentro

das quadras é mais confusa, refletindo a desordenação da cidade que possui vielas tortuosas,

becos sem saída e sobreposição de casas, nas áreas antigas perto do rio.

28

A sociedade disciplinar foi apontada por Michel de Foucalt,. Séculos XVII e XVIII, intensificando-se no

século XIX (1983, p. 183). Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983.

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70

Figura: 25 - Mapa de Orientação.

Fonte: Prefeitura de Manaus, 2007.

O Cemitério foi tombado pelo Estado em 16 de junho de 1998. Através do Decreto Lei

Nº 11.198 tombou o acervo mais antigo composto pelos artefatos oriundos do antigo

Cemitério de São José.

Em 2005, na administração municipal - prefeito Serafim Corrêa foi realizada

comemoração em homenagem aos cem anos de obras dos portões e capela e, pórtico com

cobertura em abóboda de metal e vidro foi reformado e entregue a população em 2009, que

resultou em uma cobertura transparente.

2.4.3 – A Capela

Em 1906 foi construída a capela, no lugar do antigo necrotério, autorizado pela Lei n.º

430, de 1905, sob ordem do Superintendente Municipal Adolpho Lisboa que mandou

construir muros e o conjunto de portões em ferro, mais a capela de estilo, que foi construída

no local aonde havia um necrotério (ver figuras 20 e 21).

Em 1916, segundo Garcia (2005) O Superintendente Municipal Dr. Dorval Pires Porto

manda reconstruir a Capela e construir uma nova casa para a Secretaria desta necrópole.

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Figura 26. Capela de estilo. Inaugurada em 1906, gestão de Adolpho Lisboa. Em

2005 grandes comemorações pelo centenário das obras dos portões e

capela. A capela foi restaurada na gestão de Serafim Corrêa, entregue a

população em 2009. Imagem: Victória Cupper, 2005.

Figura 27. Fundos da capela contrastando com o azul do céu. À frente quadra da

entrada pelo Boulevard, à direita e esquerda administração e ao fundo

parte do Cruzeiro das Almas.

Imagem: Randiza Santis, 2009.

Após várias reformas a capela passou por uma restauração que evidenciou

características originais. A capela foi entregue à população em janeiro de 2009 após obras de

restauração sob supervisão do IMPLURB.29

2.5 – A Cidade e o Cemitério Hoje

Corrêa (2002), aponta a cidade como expressão concreta de processos sociais na forma

de ambiente físico construído sobre o espaço geográfico. Nesta óptica, a cidade é a expressão

de processos sociais e reflete as características da sociedade.

A cidade é apresentada enquanto local que aglutina todos os processos políticos,

econômicos e culturais, divergindo da óptica em que a cidade é considerada resultante de

atividades econômicas, não que este aspecto não seja importante, mas a cidade não se limita

apenas a sua importância econômica. Uma cidade é feita de concretude e guarda em si o

imaginário dos que estão nela.

29

Programa Corredor Cultural.

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72

A importância de uma cidade reside que é obra do homem e que tem como objetivo

servir a este homem em seus aspectos objetivos e subjetivos “não pode ser avaliada apenas em

função de sua infra-estrutura produtiva, sua vitalidade econômica ou do resultado de um

conjunto bem elaborado de objetos artificiais” (CASÉ, 2000, p. 94).

A cidade pode ser vista e analisada por outra óptica. A urbanização não seria apenas

resultante do papel de geradora de lucros para indústria, o que provoca a assertiva de que

“espaço urbano” é um fenômeno resultante de processos econômicos. A cidade contém em

seus espaços físicos as desigualdades produzidas pelo sistema capitalista muitos destes

espaços são ou não aceitos ou ignorados pela maioria da população. Em sua análise o autor

afirma que o capitalismo em suas dimensões econômica e ideológica – acaba produzindo a

organização da cidade e também a consciência de seus habitantes (LEFEBVRE apud SMITH,

1986, p. 250).

Porém, há os que dizem ao contrário, que neste processo da construção da cidade, são

as pessoas que moldam a cidade de acordo com sua subjetividade. Raban apud Smith (1986,

p. 264). “As cidades estão saturadas de simbolismo, são reproduzidas e recriadas na mente do

público e fortemente fixadas nas culturas políticas que determinam a política pública”

(SMITH, 1986, p. 265).

A cidade tem sua importância na relação entre a sociedade, na preocupação com

criação de espaços que de certa forma apresentam e representem a sociedade. A arquitetura da

cidade representada também no cemitério reflete a relação afetiva entre o indivíduo e a

sociedade. A cidade é formadora da cultura, do gosto estético, da arte, da troca, dos conflitos e

das afinidades.

O Cemitério de São João Batista ainda ativo começa a dar mostras de não poder

acompanhar o crescimento da cidade de Manaus, que a cada ano registra uma média de 7.000

sepultamentos, espalhados entre os cemitérios da área urbana, sendo cinco públicos e um

privado.

Para solucionar o problema em 2007, a Lei 1.201 foi sancionada e permite a

construção de cemitérios verticais e crematórios. O mesmo vai servir de opção às famílias que

preferem um outro destino aos restos mortais dos familiares e, vai permitir que cemitério

como o de São João Batista – o mais central e com estatuária exuberante - possa ser

revitalizado e fazer parte do circuito cultural e turístico de Manaus.

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73

Ao contrário da cidade que tem o espaço produzido por grupos30

, especialmente os

excluídos Corrêa (2002, p. 30), no cemitério uma antiga sepultura pode desaparecer em algum

espaço de tempo se a família não tiver o cuidado de mantê-la. São muitas as sepulturas

encontradas em total estado de abandono, entre elas muitas possuem valor histórico. Ao

questionar-se a administração a resposta é esta: - a família é que tem a responsabilidade de

zelar, de manter em boas condições. E se a sepultura “desaparecer”? Outra sepultura será

levantada no lugar, certamente, porém, aqui não será por apropriação e sim por compra e

venda, os terrenos no Cemitério de São João Batista são valorizados pela localização e pelo

status que o mesmo possuí.

Ainda posto, diante da ótica de Corrêa, (2002) ao se pensar na espacialidade do

cemitério de São João Batista, percebe-se que semelhante ao que ocorre na cidade, os

processos de centralização, segregação, inércia e as áreas cristalizadas, podem ocorrer

simultaneamente haja vista que não “são excludentes entre si” (LOBATO, 2002, p. 37).

Porém, os tempos embora simultâneos possuem uma temporalidade diferente. O

adensamento da cidade pode ser percebido no cemitério, porém a pauperização não. Os

túmulos mais antigos estão sofrendo processo de deteriorização e os túmulos no chão nos

parecem mais fáceis de desaparecerem. Porém, constata-se que mesmo com o adensamento,

não se pode dizer que há dentro do cemitério o mesmo processo análogo que acontece na

cidade: favelização.

O cemitério por ser um equipamento entre muros está de certa forma, mais protegido

pelo Poder Público que normatiza e regula o uso do solo, ao contrário da cidade, que cresce

desordenadamente mediante processo histórico da ocupação do solo urbano, que em sua

dinâmica impele as classes populares para áreas aonde a infra-estrutura não chegou. Nesses

locais ainda é possível a auto-construção, porém, são pontos distantes dos equipamentos que a

cidade oferece as classes mais favorecidas.

No cemitério, o operário da construção sofre a alienação do produto do seu trabalho,

porém, embora seja de uma forma mais contundente, esta alienação não é aparente. É licito

concluir que: diferentemente da cidade que usa os meios de comunicação para desmascarar as

desigualdades, e os desvios do poder público que trabalha em favor da reprodução do capital,

no cemitério, por estar sua construção associada a mitos e ao interdito, e, por ser segregado

pela própria cidade e seus consortes, não é enfatizado a desigualdade nele expressa em forma

de cal, cimento, mármore, ferros, vidros.

30

Ver mais em O Espaço Urbano. Roberto Lobato Corrêa. Texto que aborda o estudo da cidade.

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74

Ao contrário da cidade, aqui o desemprego não é ameaça para o trabalhador

especializado porque ao contrário de outras atividades, a sazonalidade aqui não pode ser

estabelecida, porém, percebeu-se que algumas das construções começaram a serem feitas com

blocos prontos de modo a economizar material tempo e mão-de-obra.

A morte nos iguala em condições. Porém, as diferenças sociais estas se perpetuam na

cidade e no cemitério. A reflexão não se esgotou, nem foi pretensão diante do que foi exposto.

Evidenciou-se algumas semelhanças e diferenças entre a cidade dos vivos e a cidade dos

mortos, destas, algumas poderiam ajudar a montar o quebra-cabeça da sociedade que se

metamorfoseia, porém, não muda a essência – na maioria dos casos, apenas a superfície.

2.6 – O Cotidiano no Cemitério de São João Batista

O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos

pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia,

pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de

viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O

cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a

meio de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este

“mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos

profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do

corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a

importância do domínio desta história "irracional” ou desta “não-história”, como o

diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível

(CERTEAU, 1996, p. 31).

Vários autores estudam e desvelam o cotidiano. Nossa leitura se fundamenta no

pensamento de Michel de Certeau para quem o cotidiano é visto de forma diferente de outros

pensadores como Agnes Helle (1972), a quem citamos representando o pensamento marxista,

para quem o cotidiano é categorizado como alienação por sua repetição mecanizada e que é

possível o homem sair desta “prisão” mediante apreender com o próprio dominador a se livrar

da opressão.

De modo diferente do cotidiano em Heller (1972) o pensamento de Michel de Certeau

(2004) caracteriza o cotidiano como o espaço da criatividade, das belas práticas que por este

motivo deveriam ser desveladas por conterem atos humanos carregados de simplicidade e ao

mesmo tempo impregnado de uma beleza, pois ao serem vividos, estes atos se revestem de

humanidade.

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75

É neste processo vivido que o ser humano comum, descobre meios de burlar de certa

forma o dominador, (consideramos o sistema com regras, normas) e, para o autor é importante

desvelar as táticas (modo de burlar) do homem mergulhado no cotidiano.

Convergindo neste sentido de que há significado e significação no aparente cotidiano

José Machado Dias (2003), em A Vida Cotidiana Enigmas e Revelações caracteriza-o como

o que se passa todo dia sem quebrar a ordem do dia a dia rotineiro, banal, porém, repousa

justamente na sua aparente normalidade a oportunidade de encontrar sentido e valor neste

tempo desvalorizado que se nomeia de “rotina.” A repetição dos hábitos e práticas no dia a

dia podem ser considerados como ritualísticos, embora num outro sentido a permanência de

formas de conduta levam ao que o autor denomina de “segurança ontológica”, onde a

realidade pode ser entendida como ela mesma.

Considerando-se o cotidiano como sinônimo de rotina nos deparamos com a indicação

de rotas e rupturas advindas da palavra rotina que semanticamente aponta para “ruptura”.

Neste sentido, considerou-se importante a observação empírica do Cemitério de São João

numa tentativa de encontrar rastros de ruptura à cotidianeidade ao mesmo tempo que

procurou-se encontrar um “mapa da rotinização do local pelos que nele trabalham”.

Percebendo ser o cemitério um lugar que também educa, escolheu-se o cotidiano como

categoria pela razão do mesmo proporcionar a dinâmica do agora em relação ao movimento,

ao fluxo de pessoas, de acontecimentos no local, sem perder de vista o tempo sincrônico que

se faz presente quando volta-se o olhar para o passado e do passado para o presente, como

num jogo onde o tempo de agora permite conviver com alguns objetos materializados do

passado.

Percebê-lo no cotidiano através da observação dos agentes sociais31

nele envolvidos;

ou seja - os trabalhadores autônomos, os funcionários públicos, transeuntes, pessoas que ali

vão para prestar homenagem à memória de algum familiar, amigo, os agentes sociais, que

podem ser vistos como atores e alguns como sujeitos. O que suscita uma breve discussão no

sentido de evidenciar a diferenciação entre o indivíduo, o sujeito e o ator social. Dentro dos

estudos da sociedade uma corrente nomeia de ator, outras de sujeitos sociais.

31

Ver mais discussão sobre individuo, sujeito e ator em Torraine, Alain. A busca de si: diálogo sobre o sujeito.

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O sujeito não é o indivíduo concreto. O indivíduo pode ou não se comportar como

sujeito. [...] o sujeito é o ser humano em face de si mesmo, [...] o ator e sistema são

faces de uma mesma realidade. [...] O sujeito é o que há de mais fraco, de mais

intermitente. Ele não é um conjunto de papéis sociais, mas antes, um esforço para se

dessocializar sem se perder, recriando-se no não-social. Trata-se da passagem de

uma definição social a uma definição não-social do ator, do indivíduo, do grupo.

(TORRAINE, 2002, p. 76 -104).

Em relação aos trabalhadores do cemitério, escolheu-se nomeá-los de atores sociais

porque fazem parte do sistema, embora alguns dos trabalhadores sejam autônomos, outros são

contratados sem vínculos empregatícios, trabalhando dentro da informalidade como os

vendedores ambulantes e, a minoria trabalha como funcionários da administração pública, os

motoristas do ponto de táxi são autônomos assim como os donos das barracas de lanche do

entorno.

Figura: 28 - Trabalhadores autônomos – um dos grupos de atores sociais – em

ação em mais um dia de trabalho.

Imagem: Victória Cupper, 2009.

A paisagem do cemitério muda em função do horário e das tarefas que nele são

executadas. No final da tarde alguns vendedores ambulantes usam do espaço do cemitério

para deixar material de trabalho, aos quais serão retirados no dia seguinte. A ação que procede

do movimento das pessoas naquela determinada paisagem transforma-a em espaço. O espaço

não existe sem os atores sociais. “No seu movimento permanente, em sua busca incessante de

geografização, a sociedade está subordinada à lei do espaço preexistente” (SANTOS, 1988,

p.73).

Neste sentido os trabalhadores, os transeuntes, os visitantes, os usuários podem ser

considerados atores sociais que se utilizam deste espaço, desfrutando do mesmo,

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modificando-o, transformando-o, consolidando-o, ou praticando outros usos. (desvios de uso

normatizado).

.

(esquema adaptado de SANTOS, 1973).

A diferenciação da paisagem e do espaço no cemitério pode ser percebida pela

movimentação (fixos e fluxos) que nos dias que antecedem ao dia dois (02) de novembro32

,

data dedicada aos mortos, aumenta consideravelmente o fluxo das pessoas culminando no dia

02 de novembro com milhares de pessoas que visitam este local na intenção de prestar

homenagem a ente querido, amigos e até ilustres desconhecidos. Em outras datas festivas

como dia das mães e dia dos pais, também aumentam o número das visitas, segundo os

funcionários e notas divulgadas imprensa local.

Figura: 29 - Cuidado e zelo demonstrando que a separação material não

afetou os laços familiares. Apenas mudou, transformando-o

em saudades.

Imagem: Randiza Santiz, 2009.

32

No século X, a Igreja Católica instituiu oficialmente o Dia de Finados. A partir do século XI, os papas

Silvestre II (1009), João XVII (1009) e Leão IX (1015) passaram a obrigar a comunidade a dedicar um dia aos

mortos. No século XIII, esse dia passou a ser comemorado em 2 de novembro, porque 1º de novembro é a

Festa de Todos os Santos. Com o passar do tempo, a comemoração ultrapassou seu aspecto exclusivamente

religioso, para revelar uma feição emotiva: a saudade de quem perdeu entes queridos. Hoje, o Dia de Finados

é um dos feriados mais universais. São cerca de mil anos de celebração pela fé na ressurreição. UFGNET.

paisagem

+

atores sociais

=

espaço

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Mesmo em dias que não são festivos, pontuais - encontra-se cenas em que alguns

túmulos estão sendo limpos, arrumados com flores e velas, conforme a figura 23. São

pequenos gestos que demonstram que os laços afetivos ainda possuem importância e, que a

própria finitude da vida não acabou com a ligação afetiva familiar. Mas ao mesmo tempo no

mesmo lugar olhando em volta vê-se sepulturas abandonadas, profanadas, sofrendo a ação do

tempo, das chuvas, e ação antrópica que resultam em objetos quebrados, riscados, entre

outros. O cemitério mais uma vez se assemelha à cidade pois a mesma também sofre

deterioração, vandalismo, abandono, conforme a imagem 23.

Figura: 30 – Serviço de Zeladoria do jazigo. Algumas famílias

contratam pessoas para cuidar da manutenção do jazigo.

A sepultura é Perpetua conforme a indicação S.P. na placa.

Localiza-se na Q. 06. Número 355.

Para Santos (1997) “em cada lugar, os sistemas sucessivos do acontecer social

distinguem períodos diferentes, permitindo falar de hoje e de ontem. Este é o eixo das

sucessões. [...] No viver comum de cada instante, os eventos não são sucessivos, mas

concomitantes” (SANTOS, 1997, p. 127).

[...] o tempo como sucessão é abstrato e ao mesmo tempo como simultaneidade é o

tempo concreto, já que é o tempo da vida de todos. O espaço é que reúne a todos,

com suas múltiplas possibilidades diferentes de uso do espaço (do território)

relacionadas com possibilidades de uso do tempo (SANTOS, 1997, p. 127).

O adentrar no cemitério, fazendo a leitura do mesmo pelo cotidiano é permitir-se ficar

a par de fatos e acontecimentos de toda ordem, alguns simples e comoventes, outros

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engraçados, com dose de humor, outros tristes e que provocam a sensação de impotência

diante dos fatos pelos quais pouco ou nada se pode fazer, além de registrar.

Figuras: 31, 32, 33.

Enterro sob chuva forte (32). Operário despreocupado em sua bicicleta (31). Uma pessoa

acompanhada de um cão andando na tarde chuvosa acompanhando um enterro (33).

Imagens: Randiza Santis, 2009.

O cemitério torna-se singular e conhecido na possibilidade do cotidiano

principalmente quando através deste se depara com o Cemitério de São João Batista pelo

ângulo interno. Penetrar no recinto do C.S.J.B. é adentrar-se em um micro-universo em sua

complexidade e ao mesmo tempo simplicidade.

É imenso em tamanho e em igual proporção em diversidade e a mesma poderá ser

subdividade em gênero [masculino, feminino], em faixa etárias [adultos, adolescentes e

crianças], em classes sociais, [não está expresso por escrito, mas subentendido], em devoção

religiosa33

, identidade cultural.

Alguns jazigos trazem o sobrenome da família seguido do nome do homem, no caso,

subentendido como “chefe da família”. Neste sentido nem todos os com esta característica são

antigos. Ver o mausoléu da Familia Salem.

33

Predominância cristã.

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Figura: 34 - Túmulo deteriorado. Ao fundo pesquisadora, funcionário,

acadêmicos quebrando a cotidianeidade do cemitério de

São João Batista.

Imagem: Victória Cupper, 2009.

Adentrar-se o cemitério para observar aquilo que para o outro(s) é mero detalhe,

misturar-se a grupo de pessoas que acompanham enterro, lançar olhares dentro de algumas

capelinhas na tentativa de ver o que as famílias colocam no altar e com isso descobrir um

ponto, um nó nesta tessitura de morte e vida e de trabalho e também lazer, de esperanças para

os que ali trabalham e ganham o pão de todo dia.

É andar pelas quadras debaixo do sol, andar pelas quadras sob a chuva, pisar no

terreno encharcado, sair com as roupas cheias de carrapichos34

. Ver em algumas pessoas o ar

de desesperança porque perdeu o “esteio” da família.

É encontrar jazigos abandonados e que expressam deste modo a banalização da morte

na sociedade contemporânea, conforme imagem 31.

Figuras: 35, 36, 37

Caixão carregado para capela por causa da chuva forte que caiu.(35) Morador d e rua descansando à

sombra da capelinha da Irmandade, no colo dele um gato morador do local. (36) Restos mortais

expostos a céu aberto. (37). Três instantâneos no cotidiano do C.S.J.B. Imagens: Randiza Santis, 2009.

34

Espécie de espinho de cor verde que gruda na roupa.

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Procurar vestígios de outros usos e práticas, como as reuniões esporádicas de grupo de

jovens denominados de “homens de preto” pelos próprios funcionários e que os acusam de

causar vandalismo. O local de encontro desse grupo de jovens é no local da Irmandade do

Santíssimo Coração, cercado com muros e portão de acesso. Apresenta uma brecha no gradil

do muro lado NE em relação a entrada principal Praça Chile, Q 20.

Embora não tenhamos encontrado com este grupo, pelas descrições atribuímos a eles a

denominação de “tribos urbanas”35

(MAFFESOLI, 2002 apud COSTA,2007, p. 81) e a

irmandade representa um rizoma36

dentro do contexto total do cemitério de São João Batista.

Imaginar-se na possibilidade de se diluir para também ser parte momentânea da

paisagem que é ao mesmo tempo colorida e descolorida, que é calma e agitada, que é alegre e

triste, que comporta em si os elementos perceptíveis pelo olhar e, que em nenhum momento

poderá significar a totalidade, porque a paisagem é sempre um fragmento do todo e o todo é o

próprio cemitério de São João Batista em seus limites materiais, com suas quadras e

construções e embaixo das construções os sepultados contidos no seio da terra que é viva e

que se movimenta em sua dinâmica.

Nesta dialética e emaranhado de emoções gestada pelos pedaços fragmentados do

cotidiano procurou-se categorizar as principais representações encontradas pelos atores

sociais e pelos alunos que acompanharam este Estudo do Meio.

De um lado, análise mostra antes que a relação (sempre social) determina seus

termos, e não o inverso, e que cada individualidade é o lugar onde atua uma

pluralidade incoerente (e muitas vezes contraditória) de suas determinações

relacionais (CERTEAU, 1998, p. 38).

O cemitério torna-se singular e conhecido na possibilidade do cotidiano,

principalmente quando através deste se depara com o Cemitério de São João pelo ângulo

interno. Penetrar no recinto do Cemitério de São João é adentrar-se dentro de um micro

universo em sua complexidade.

É imenso em tamanho e em igual proporção em diversidade e a mesma pode ser

subdividida em gênero [masculino e feminino], em faixa etária [todas as possíveis], em classe

35

“tipos culturais (agregados culturais ou tribos urbanas” que se atraem mutuamente sobretudo por um

sentimento estético (expressões de desejo e necessidades relacionais específicas) e menos uma condição

funcional inserida nas rotinas urbanas” (MAFFESOLI, 2002 apud COSTA, 2007 p. 81). 36

Idéia norteadora para ampliação da pesquisa.

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82

social [não esta expresso por escrito, mas subentendido], em escolha religiosa37

, identidade

cultural, hierarquia social.

Muito presente a multidiversidade na origem dos que aqui repousam. Percebe-se que

quando morrem a família faz questão de afirmar a identidade cultural do individuo, como

mostram os túmulos dos orientais onde a forma e os caracteres afirmam a origem nipônica, do

mesmo modo, o mausoléu em forma de mesquita árabe, os túmulos de linhas retas e com a

estrela de Davi dos judeus.

São pequenos detalhes com significados, por exemplo, a presença de algumas

semelhanças em uma capela de ordem religiosa, onde o ossuário fica na parede contígua,

lembrança de quando o sepultamento era responsabilidade da igreja.

Ou por exemplo os detalhes das capela-casa que procuram reproduzir o ambiente

doméstico numa extensão da vida familiar. Os artefatos em mármore, os sepulcros de

crianças. E tantos outros.

2.6.1 – Descrevendo o cotidiano propriamente dito

Muitos funcionários aqui trabalham durante a semana e há uma escala para plantões

nos finais de semana e feriados. Os portões são abertos antes das oito horas da manhã. E são

fechados às 18:00 de terça a domingo e às segundas-feiras são fechados às 20:00 horas. Neste

dia as pessoas costumam vir aceder velas no cruzeiro para as almas, prática da fusão religiosa

catolicismo e Kardecismo.

Durante o dia é possível constatar a presença de muitos vendedores ambulantes que

adentram os portões vendendo lanche: carrinhos de pipoca, carrinhos de picolé e ainda lanche

oferecido em caixas de isopor. Vendem salgado, água, suco feito em casa, refrigerante.

Geralmente é um lanche de preço acessível aos trabalhadores. Eles cotidianamente perfazem o

mesmo percurso: de casa para as ruas, e nestas eles estabelecem vínculos, laços entre os

fregueses de todo dia. E, do mesmo modo, os trabalhadores se acostumaram a ter esta pausa

para a “merenda”, seja um mingau, salgado, pipoca, suco, picolé.

A relação compra e venda informal dentro do cemitério pelo que foi observado

depende mais do dinheiro que embora nunca sobre para muitas coisas até necessárias,

paradoxalmente, também não falta para estas pequenas “delícias” que reforçam a disposição

em continuar mais um dia de trabalho, do que propriamente do que é oferecido.

37

Predominância cristã.

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83

O lidar com a morte envolve um circuito grande de comércio e de relações. A vida

também. Os construtores autônomos estão sempre sendo contratados e os mesmos contratam

outros operários para a execução da obra, o que denota uma divisão do trabalho. Pedreiro,

ajudante de pedreiro, um operário mais especializado para os acabamentos, como por

exemplo, a lápide que pode ser feita em diversos materiais. Em algumas ruas, não tão

próximo ao cemitério há propagandas de letras e de lápides. Demonstrando assim que existe

uma “troca” entre o cemitério e a cidade.

2.6.2 – Cemitério de São João através dos atores sociais que o vivem

Um lugar é feito pelas pessoas que nele vivem, trabalham, circulam, etc. No cemitério

de São João Batista trabalham algumas pessoas empregados diretos da administração pública.

E, trabalham em outros profissionais autônomos do ramo de construção (mestres de obras,

pedreiro, auxiliar de pedreiro, vendedores de letras, vendedores ambulantes).

Alguns deles fizeram parte do universo de nossa pesquisa em curso, com o intuito de

captar nas palavras, nos gestos, nas pausas, na escolha estética dos mesmos, algo que no dia-

a-dia possa passar desapercebidos, e, que assim feito, permite que se conheça um lado mais

humano, verdadeiro do cemitério de São João Batista, demonstrado que ali é um lugar de

significados para as pessoas que ali trabalham retirando o salário para o sustento da vida.

“Porque o cotidiano é essencialmente o espaço onde se encontram os modestos anseios

diários, bem como as forças diárias onipresentes que frustram os anseios e impedem a

realização de ânsias e necessidades” (JAMESON, 1995, p. 111). Neste sentido, são homens e

mulheres de várias faixas etárias, com variado grau de escolaridade, casados, descasados,

solteiros, amancebados.

Crianças que acompanham os pais no local de trabalho. Desocupados. Outros. Os

encontros foram pontuais, mas o suficiente para fornecer dados qualitativos pois trata-se de

seres humanos e como tais não se enquadram em mensurações.

Descrevemos a seguir partes de falas trocadas entre alguns atores mediante autorização

dos mesmos a quem foi dito e mostrado o trabalho que estava em curso. A maioria foi

favorável em colaborar. Em menor número, alguns alegaram não ter tempo, quiseram deixar

para outro dia. Selecionamos seu João Batista e a menina Vitória a quem pedimos licença aos

pais para fotografá-la, uma pessoa que tem familiares enterrados e que os “visita” com

frequência e nos domingos traz o animal de estimação junto.

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2.6.2.1 – O Cemitério de São João Batista por seu João Batista

Como semelhança o nome próprio. Seu João Batista, trabalhador da administração

pública, já foi coveiro, hoje trabalha como construtor. Uns quinze anos - mais ou menos- que

ali trabalha e gosta muito do seu local de trabalho.

Perguntado se estava acostumado com a morte - fez uma pausa- percebe-se um suspiro

breve e eis a resposta. “– Não gosto da morte. Mas já me acostumei. Lido com ela todo dia.

Mas sei que quando é na nossa família... é diferente. Não tem como acostumar, costume. A

morte chega e a gente sofre”.

Porém, mesmo tendo de lidar com a morte dos outros, com a família de quem morreu,

trabalhar no cemitério para seu João Batista representa segurança, calma e tranquilidade.

Pode-se dizer que aqui é a sua segunda casa? “ – Sim, aqui é como se fosse minha casa

e até melhor. As vezes durmo dentro de um túmulo e lá é melhor que na minha casa. Eu não

tenho nada de meu, nem uma rede e ali onde descanso o piso é de cerâmica, isto não tem na

minha casa”, diz ele conformado.

Ele concorda que o que mais tem no cemitério como símbolo é a cruz. “Tem cruz de

tudo que é jeito e material”, diz apontando para o lado. A cor predominante do cemitério para

seu João Batista é o azul. Para ele o Cemitério de São João Batista não tem cheiro. Perguntou-

se de novo e ele arrisca: “Um pouco de cheiro de vela. Este cheiro aumenta quando chega o

período dos Finados”.

No dia dois (02) de novembro é sem dúvida a data mais comemorada por todos, é

quando o fluxo de pessoas aumenta consideravelmente, as outras datas comemorativas de

maior importância são Dia das Mães e dia dos Pais. (dia dos “cornudos”, diz ele fazendo

graça).

Percebe-se que para eles trabalhar ali é que nem trabalhar em qualquer outro lugar.

Porém, para seu João Batista existe sim um preconceito em relação a eles, e isto ele mesmo

comprovou em duas ocasiões das quais se lembra: uma foi com desconhecido e outro com

familiares que ao saberem o local onde ele trabalhava disseram “ixi” fazendo tipo um gesto de

“esconjuro”.38

Fez questão de mostrar o jazigo preferido, entre todos. Porém, não quis conforme foi

sugerido fotografar o túmulo, aceitando ser fotografado ao lado do mesmo, que é o mausoléu

da família do qual ele possui a chave, pois tem a incumbência de zelar por este. Fica

localizado na Q 08.

38

Gesto usual feito para afastar coisas consideradas de mau agouro, entre outras situações.

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O mausoléu apontado tem linhas modernas, uso de vidro que deixa entrever um

pequeno altar com uma imagem sacra representando uma madona e o filho, um vaso com

flores. O teto do mausoléu é uma abóboda de cor amarelo ouro, a representação remete a

união do céu e a terra. O domo é um símbolo tridimensional do céu (Tuan, 2002). O artefato

está ancorado em quatro colunas, cilíndricas.

E este mausoléu tem epigrafia em árabe e português. O domo teve grande importância

simbólica para os cristãos, fez escola a tradição dômica na arquitetura bizantina e a

interpretação da igreja como réplica do céu na terra refletiram a influência Síria e esta recebeu

influências do Irã, Índia, Palestina e do mundo clássico pagão, diz Tuan (2002, p. 196).

Percebe-se nesta quadra uma concentração desta representação por parte de famílias de

origem sírio-libaneses que aqui aportaram no último quartel do século XIX.

Figura: 38 – Seu João Batista posando ao lado do mausoléu

escolhido como o mais representativo para ele. Ele

mesmo zela por este do qual tem a posse das

chaves. O túmulo está localizado na Q 08 e possui

epigrafia em português e árabe.

Imagens - Randiza Santis, 2009.

Ele mora em um bairro distante do local de trabalho e para lá se dirige quando acaba o

expediente. Relatou que estando muito cansado, não tem vontade de ir para casa, quando isso

acontece, ele fica no local de trabalho, por ali dorme.

Quando seu João Batista diz que costuma tirar um descanso dentro do mausoléu,

poder-se-ia lembrar “as táticas” que Certeau (2004) aponta em A Invenção do Cotidiano.

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A tática só tem por lugar o do “outro”. Ela ai se insinua, fragmentariamente, sem

apreendê-lo por inteiro, sem poder retê-lo à distância. [...] O “próprio” é uma vitória

do lugar sobre o tempo. Ao contrário, pelo fato de seu não-lugar, a tática depende do

tempo, vigiando para “captar no vôo” possibilidade de ganho. O que ela ganha, não

o guarda. Tem constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar

em “ocasiões” (CERTEAU, 2004, p. 46-47).

De certa forma desfrutar de um descanso dentro do mausoléu mostra a inventividade

do ator que para fugir do calor e do cansaço “penetra” no ambiente ao qual está

responsabilizado de “zelar”.

Perguntou-se se tinha visto algo, alguma coisa acontecendo por ali que não era próprio

do local. Ele foi logo respondendo que – “nunca viu nada de visagem”. Nunca, nunca”. Mas o

que o senhor viu de diferente? – Ele diz rindo “que já viu de tudo, de beberagem a brigas,

baile, namoros”.

Perguntado sobre alguma anormalidade ele mencionou que o grupo de jovens

apelidado por eles de “homens de preto” fazem de tudo lá dentro do cemitério, de vandalismo

a rituais. Sendo confirmado pelos outros funcionários que por ali estavam.

Seu João Batista é um exemplo de ator social que já foi trabalhador avulso, trabalhou

por conta própria e hoje é funcionário da administração pública. Ele como outros funcionários

têm a real dimensão do valor que se encontra entre os muros, pelo próprio muro com o gradil

agora restaurado e, por cada porção de terra deste “campo santo”.

Porque além da riqueza dos mausoléus em mármore, das esculturas de diversos estilos,

dos túmulos mais despojados, das cruzes feitas com vários tipos de material, ali a vida pulsa

dentro de cada um desses trabalhadores que ainda sonham com uma vida melhor. E mais tarde

quem sabe com uma boa morte.

Pessoas como seu João Batista e outros tantos não vão poder comprar um terreno no

cemitério de São João Batista porque é considerado um lugar destinado à elite amazonense,

portanto os terrenos estão escassos e são caros. Ser enterrado no C.S.J.B. sonho de muitos

amazonenses é para poucos.

[...] Feita a obra, o sujeito não se reconhece nela nem é reconhecido, pois trata de um

esforço produzido em função de finalidades estranhas às suas necessidades, distante

de seus sonhos e utopias. Há uma distância social entre o ato de produzir as obras e

os produtos e de apropriar-se deles que faz com que a identificação do homem com

aquilo que o cerca apareça como estranhamento (CARLOS, 2002, p. 81).

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Percebe-se aqui a questão colocada por Marx (1974) - a alienação do trabalho39

que se

expressa na vida desses que aqui trabalham construindo artefatos cemiteriais em forma de um

afastamento provocado pelas circunstâncias conjunturais e estruturais fazendo com que o

produto final não lhes pertença. (e o pedaço de terra que lhes cabe daqui é a poeira que se

mistura ao suor do rosto, sob o sol este sim democrático.).

2.6.2.2 – Vitória, pequena menina em meio ao grande cemitério

A presença de uma criança brincado entre os túmulos no meio da tarde parecia uma

visão surreal. Seu nome é Vitória. Ela tem nove (09) anos. A menina brinca dentro do

cemitério com naturalidade porque seus pais trabalham no cemitério e desde pequena ela os

acompanha junto a outros irmãos menores.

Toda a família dela trabalha no cemitério. Acostumada a brincar por ali, a circular por

entre os túmulos e a correr pelas quadras. Perguntou-se qual era o túmulo mais bonito de

todos. O túmulo apontado por ela é a representação de um anjo em médio porte, de cor clara.

Figura: 39 - “Como se fora brincadeira de roda, memória Jogo do trabalho na dança das

mãos...”40

Imagem: Victória Cupper, 2009.

39

Significando etmologicamente alienare . 40

Trecho de uma canção de Gonzaguinha.

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A família dela trabalha no cemitério. Cresceu acostumada a brincar por ali, a circular

por entre os túmulos e a correr pelas quadras. Perguntou-se qual era o túmulo mais bonito de

todos. O túmulo apontado por ela é a representação de um anjo em médio porte, de cor clara.

Figura: 40 - Anjo portando características do século XX. Estrela na testa,

mãos que apontam para o alto. Asas abertas.

Imagem: Victória Cupper, 2009.

Este é o túmulo escolhido por Vitória. Ele tem um anjo que possui grande

representação simbólica dentro e também fora do cemitério. Mas aqui o anjo é mais do que

um anjo guardião, porque a função dele é traduzir que alguém já partiu, ele é como uma ponte

de ligação entre o mundo terreno dos que ficaram e do mundo celestial onde quem partiu e fez

parte da vida dos que ficaram e deve estar à espera de um dia quem sabe, se reunirem.

Em relação representação do anjo o artefato escolhido mostra um anjo com as asas

levantadas, uma das mãos aponta para o alto. Os anjos muito encontrados na arte cemiterial

também passaram por transformações. Os anjos do século XX ao contrário do período

anterior possuem uma postura de júbilo e glória, exaltada nas asas que se abrem em um

“quase vôo”. Mãos em lugar de tochas e quando e portam trombeta apontam para cima

(LIMA, 1994, p. 149).

Um anjo também representa a pureza. E Vitória em seus nove anos é uma pureza de

menina que escolheu um anjo para se espelhar.

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2.6.2.3 – A família de Vitória por uma das contratantes para zelar mausoléu

A mãe de Vitória tem menos de 30 anos de idade. É mãe de seis (06) filhos. O maior

com nove (09) anos e o menor com seis meses esta em fase de amamentação, segundo relato

de uma senhora que nos concedeu licença para fotografá-la junto ao mausoléu da família. A

mãe de Vitória retira dali o sustento, o aluguel, escola para os filhos. Tudo vem do trabalho de

zeladoria de mausoléus para as pessoas que a contratam.

Figura: 41 - Senhora sentada no jazigo da família com o cão de estimação.

Ela representa ator social externo.

Imagem: M.T.Cupper, 2009.

Esta senhora para a qual trabalha, estava domingo de manhã visitando o jazigo da

família, onde estão sepultados marido e o filho, mortos em um acidente de trânsito. A senhora

estava sentada em um dos dois bancos que o jazigo possui na própria estrutura e no colo dela

estava um poodle branco. Este fato vem a confirmar a questão dos laços afetivos, o

rompimento desta afetividade com a morte e/ ou a manutenção de uma afetividade em

memória de alguém. Neste caso ela mantém os laços afetivos e inclui nestas visitas o animal

de estimação da família. O mesmo fato pode ser ilustrado pela escultura do cachorro no jazigo

da família Salem, apresentada em uma das Paisagem de Aprendizagem41

. Não perguntamos

qual seria o jazigo mais representativo para ela, haja vista já ter nos contato da ligação dela

com o lugar e com a perda da família. O jazigo onde ela se encontra tem a forma de casa, o

uso de janela convencional apontam esta construção como capela-casa, denominado por

Cymbalista (2002, p. 82).

41

P. 120.

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2.6.3 – Animais habitam a “cidade dos mortos”

Animais habitam no Cemitério de São João Batista, dentre a constatação de que há

muita vida no Cemitério de São João Batista a mesma é pela presença dos funcionários que ali

trabalham, os usuários que se utilizam deste recinto para práticas de leitura, conversar,

namorar e também comprovada pela presença de animais entre eles os domésticos como cães

e gatos.

Figura: 42, 43, 44 - Gatos e Cachorros ditos animais domésticos moram no cemitério, de

muitas maneiras devem ter sido soltos neste local, aqui estão e

emprestam à paisagem cores, sons, gestos, contribuindo na

transformação da paisagem em um lugar para os que nele trabalham.

Imagem: 42. Randiza, Santis, 2009. Imagens 43 e 44: Victória Cupper, 2007.

Dentre a constatação de que há muita vida no Cemitério de São João Batista a mesma

é pela presença dos funcionários que ali trabalham, os usuários que se utilizam deste recinto

para práticas de leitura, conversar, namorar e também comprovada pela presença de animais

entre eles os domésticos como cães e gatos. Há presença de borboletas de cor clara. Insetos.

Dizem que quando alunos de uma escola particular vieram aqui numa prática avistaram uma

cobra42

. Há presenças de morcegos que como os pássaros podem ser responsabilizados por

muitas frutíferas que estão nascendo como as pitangueiras. As mesmas já foram usadas como

cerca para separar as quadras, mas hoje quase são inexistentes, salvo uma ou outra que

crescem aleatoriamente. Há uma variedade de pássaros que ao entardecer revoam o cemitério

em busca de abrigo.

42

Segundo relato da mãe de uma das alunas que participou desta prática.

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2.6.4 – Práticas religiosas no Cemitério de São João Batista e outros Usos

Rezende (2000, p. 16) em estudo geográfico do cemitério de Vila Formosa, SP,

apontou como usos espaciais, “as práticas religiosas; o lazer e a recreação; a atividade

esportiva; os rituais dos adoradores da morte; o uso de drogas; o cemitério usado como local

de reflexão; de comércio e de coleta de materiais reciclável”. No cemitério de São João

Batista, ao longo do tempo observou-se algumas semelhanças com o uso do espaço do

cemitério daqui comparado-o ao de Vila Formosa, SP.

Em Manaus através de eventuais observações empírica ao longo dos anos,

intensificadas nos últimos dois anos, constatou-se que o ciclismo ocorre mais nos finais de

semana, o uso do espaço para “namorar” não tem um horário certo, haja vista que foi

observado o mesmo sendo praticado pelos próprios funcionários após o almoço, quando se

retiram para descansar, próximo ao ossuário.

O uso de drogas acontece mais no fim do dia dentro do perímetro da quadra 11, que é

distante e fica próximo ao muro do lado de casas residenciais. O uso de empinar pipas não foi

presenciado em nenhum momento, acredita-se que por ser o cemitério considerado bairro

central, o entorno possui algumas casas mais antigas com predominância de moradores de

mais idade. Os jovens que moram nos arredores por serem possivelmente de classe média não

devem praticar este tipo de diversão.

Em relação às outras práticas religiosas não conseguiu-se verificá-las apenas as

“oferendas”, “despachos”, deixados em algum túmulo, constatando-se recorrência em alguns

túmulos ao logo do tempo.

Inicialmente como os cemitérios eram responsabilidades da Igreja Católica, os

mesmos possuíam capelas para cerimônias religiosas. Era comum missa de Corpo Presente

celebrada na presença do morto no esquife, a família e amigos e até mesmo estranhos que por

ali circulavam.

Inicia um processo de desvinculação em relação ao domínio da igreja Católica, a

secularização, mesmo assim após o processo de laicização do Estado a igreja católica

continua sendo a religião dominante nos cemitérios secularizados.

Na criação dos cemitérios parques – criados na década de 60 - a intenção foi de criar

espaços ecumênicos onde cada família possa encomendar o ritual religioso ao qual a família e

ou/ o falecido seguia.

No São João Batista tem a capelinha que foi fundada em 1906. Anterior a ela o povo e

a classe dirigente tinha o entendimento de que no cemitério tinha que ter capela para os

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ofícios. Assim foi na construção do extinto cemitério de São José e no São João Batista. A

mesma consiste em um espaço aonde se adentra pela porta com vitrais nas janelas, pequeno

púlpito, bancos de madeiras, um espaço solene e místico ao mesmo tempo. No lado externo

uma imagem de São João Batista fica no alto, como se abençoando as pessoas que por ali

passam. Representa a religião oficial do cemitério secularizado.

Nos fundos da capela e na parte central existe o Cruzeiro das Almas. Um grande

madeiro onde as pessoas acendem velas para as almas. Até a presente data não se verificou in

loco nenhum outro tipo de cerimônia religiosa no recinto do cemitério, somente alguns dos

que foram realizados na capelinha, porém, se sabe que outros tipos de cerimônias acontecem

com bastante frequência e são atribuídas aos seguidores de Umbanda, Quimbanda e

Candomblé (as pessoas não fazem distinção entre uma e outra apesar de que existe diferença

entre uma e outra).

Apenas alguns vestígios foram encontrados, destes, alguns são encontrados com certa

frequência; bebidas como cachaça e vinho e frisante. Restos de velas em sua grande maioria

da cor vermelha. Em menor quantidade pratos de argila chamado alguidá que serve para

colocar a oferenda do “santo”.43

Figura: 45 - Vestígio de “prática religiosa”.

Imagem: Victória Cupper, 2009.

43

A religião afro se territorializa e desta maneira “aprofundam suas raízes no espaço”. Ver mais sobre o assunto

em Aureanice de Mello Corrêa. “Não Acredito em Deuses que Não Dançam”: A Festa do Candomblé,

Território Encarnador da Cultura. In Geografia: Temas Sobre Cultura e Espaço. Rio de Janeiro: Ed. UERJ,

2005, p. 141.

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Os funcionários acusam o aparecimento de animais e que até galos tem aparecido por

lá, quer dizer - deixam lá estes animais, inclusive vivos, eles atribuem a prática de

“macumba”44

(assim que se referem).

Na formação do povo brasileiro tem a matriz afro dos que aqui aportaram como

escravos trazendo uma bagagem cultural forte e que mesmo com o passar do tempo não

diminuiu, sofreu sim processo de amalgamento, principalmente no tocante a religiosidade.

Percebeu-se que os seguidores de religiões afro-descendentes sofrem discriminação.

Ao se trabalhar a pluralidade cultural entende-se que os diversos tipos de religiões são

exemplos concretos da influência cultural de alguns povos. Embora não seja a intenção

analisar este tema, o mesmo é apontado para ilustrar apontando que o preconceito existe e, é

forte e esta presente dentro da escola quando se entende uma religião como a predominante e

oficial.

Se os PCNs (2000) contemplam na Pluralidade Cultural a necessidade de descobrir o

outro e suas diferenças afim de diminuir os preconceitos advindo das diferenças, é justo que a

questão religiosa seja também trabalhada na escola como um dos temas necessários a serem

“democratizados”.

Quantos foram “silenciados” por pertencerem a religiões afro-descendentes? E,

quantos professores, eles os responsáveis por desmascarar a discriminação na escola, foram os

algozes por não terem preparo e conhecimento (e/ou) para lidar com este tipo de questão

aparentemente simples, mas, de grande complexidade? Com esta reflexão evidenciamos a

complexidade do locus cemitério enquanto espaço de religiosidade.

Em relação ao uso do cemitério para práticas não usuais para o qual o espaço foi

construído são constantes em outras capitais brasileiras como bem aponta Rezende, em estudo

efetuado no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo.

Dentre as atividades não usuais ao cemitério, constatamos que a utilização do espaço

cemiterial se dá em virtude da dificuldade encontrada em busca de um lazer gratuito,

da ausência de áreas verdes [...] e a falta de lugares livres do consumo dirigido

impetrado pelos capitalismo na nossa sociedade (REZENDE, 2000, p. 48).

Em relação às áreas verdes urbanas, não pode dizer que elas inexistam, não seria

verdadeira a afirmativa e muito menos dizer que não se tem na capital opções de lazer

gratuito. A cidade de Manaus conta com o complexo da Ponta Negra, o Parque do Mindú, e

44

Ver mais sobre o assunto em Wagner Gonçalves da Silva, Candomblé e Umbanda, Caminhos da Devoção

Brasileira. São Paulo, 1994, p. 123 apud Rezende, 2000 p. 50, o mesmo relata que estes acontecimentos foram

presenciados no cemitério paulista.

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recentemente o Parque dos Bilhares, área de fácil acesso e com muitas alternativas. Portanto,

se em Manaus não faltam áreas verdes de fácil acesso porque os jovens procuram o cemitério

para prática de lazer e outras práticas como atos de vandalismo?

Alguns se utilizam deste espaço para lazer. Conforme mostra a figura 46.

Figura: 46 - Visão de dentro em direção entrada pela Praça Chile.

Adolescentes usam as quadras do cemitério para lazer.

Imagem: Victória Cupper, 2007.

Em relação a outros usos no cemitério no final de semana é comum ver as pessoas

bebendo cerveja de latinha, debaixo das sombras das árvores, nas quadras principais. E, nas

sextas-feiras é comum o uso de bebidas por alguns trabalhadores avulsos da construção no

final do dia quando então trocam de roupa para irem embora.

Esta troca de roupa é feita sem nenhuma preocupação se tem alguém passando por

perto ou não. É tudo num clima de muito à vontade. Aqui cabe um espaço para uma

discussão; O uso do cemitério esta banalizado agora ou sempre foi assim?

O pensamento que se cria é de que a morte mesmo esta mais banalizada com ajuda dos

meios de comunicação que mostra a realidade como se fosse simulacro, fazendo com que a

grande parte dos indivíduos não reflita sobre o que estão vendo, apenas ingerem.

2.6.5 – Fragmentos do/no cotidiano

O cotidiano aparentemente nos remete ao “todo dia ele faz tudo sempre igual”

(Buarque, s/d). Exercitando os sentidos, a percepção aguçada pode revelar um dia a dia

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diferenciado. Um dia faz sol, um dia faz chuva, ou embaixo do Equador, faz sol e chuva no

mesmo dia. Há que se inventar como executar os mesmos atos em circunstâncias desiguais.

Ai entra a inventividade do ator social. E a quebra da cotidianeidade pode ser imperceptível.

Quando seu João Batista estava respondendo as indagações, havia um pequeno grupo

próximo a ele, e de certa forma eles participaram da conversa, uma outra funcionária da

limpeza disse que “no início quando comecei a trabalhar aqui tinha medo.”Agora ela tinha

medo também. Perguntou-se do quê tinha medo. Ela fez suspense e disse rindo: “medo de

barata”.

Existe um consenso entre eles de que é melhor ter um emprego fixo não importando o

lugar do que não ter nada e ter que “fazer bico.” Porém, os funcionários contratados temem

quando muda a administração pública de perderem seus cargos e ter de voltar a informalidade,

aos “bicos” ou ao terrível desemprego.

Observou-se que um dos homens que ficaram ali por perto chegou numa bicicleta e

estava oferecendo inseticida em lata, tinha três latas de inseticida. Uma seu João Batista

comprou.

A funcionária de serviços gerais disse que ali tem muita barata. A ligação que se quer

fazer aqui é que o fato deste homem estar ali vendendo inseticida foi entendido por nós como

uma maneira tática de burlar as normas preestabelecidas, é inventivo o fato de vender

inseticidas no cemitério (CERTEAU, 2004, p. 46-47).

Não que seja proibido vender dentro do cemitério, mas este ator social descobriu uma

necessidade entre os funcionários que permanecem mais tempo ali e que se preocupam com a

saúde e têm medo de contrair doenças provenientes de picadas de mosquito. Então ele só

vende este tipo de produto, mas ele não é vendedor o tempo inteiro. Apenas complementa a

renda. Uma esperteza em perceber o que era possível vender ali para os colegas, já que a

venda de “merenda” tem outros atores envolvidos.

E chega o fim de um dia no Cemitério de São João Batista. As luzes se acendem e os

portões se fecham. Lá fora a vida da grande cidade continua seu ritmo normal. Aqui dentro

também o ritmo é mantido, porém não existe a pressa, a correria, o estresse.

Não há competitividade. O espaço é democrático. Aceita a todos do mesmo modo,

porém, cada um que aqui se instala tem duas condições: como vivo e/ou como morto. Os

mortos dependem da família para continuarem “vivos” na memória da mesma e, os vivos que

aqui trabalham depende mais de si mesmos e em menor grau do circulo de pessoas que como

eles aqui convivem entre os vivos e os mortos.

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Da menor idade, meses, a maior idade, estão todos dentro deste espaço onde refazem

o seu cotidiano entre os muros que separam a cidade dos mortos da cidade dos vivos. Alguns

têm sonhos a realizar, outros com idade mais avançada não querem sonhar por estarem

desesperançados, outros mais resignados.

Não se encontrou em nenhum algum gesto que esboçasse inconformismo pela vida,

pelo trabalho que executam, pelas condições em que vivem, nenhuma palavra de reprovação

se a mesma existe está em segredo na intimidade e não foi compartilhada até este momento.

As crianças como Vitória e Sabrina (irmãs) são apenas crianças e como tais querem

brincar. A vida ainda é uma grande brincadeira e o cemitério é um bom lugar também para

brincadeiras; correr entre os sepulcros, se esconder atrás de um mausoléu, ficar na sombra dos

jambeiros – quem sabe abstraindo a vida-, observando quem passa, e “espiando” quem

chegou para ficar. Para Vitória e Sabrina a professora não precisa fazer estudos no cemitério.

O cemitério para Vitória e Sabrina é um lugar vivido. Porém, elas não consideram importante

que a escola ensine sobre ele.

Ao finalizar este capítulo aonde se caracterizou o Cemitério de São João Batista do/no

cotidiano, a sensação é quase esmagadora porque há muito a ser refletido. O cotidiano mostra

um cemitério humanizado e ao mesmo tempo desumanizado.

No primeiro caso devido aos atores que ali ganham o pão de cada dia, com alegria e

resignação. No segundo caso, a constatação de que os restos mortais expostos não chocam a

quem ali trabalha. Mas chocou aos estudantes, chocou a mim. Não havia imaginado ver in situ

restos mortais, no espaço destinado a sua “guarda”.

O cemitério que se apresentou sob o cotidiano emergiu da percepção de quem o

observou, sentiu, cheirou o ar, pisou na terra e na grama e em túmulos rentes ao chão. De

quem mergulhou neste universo numa profusão de cor, de cheiro, de lama, de terra, de sons,

de silêncios. Nesta “pulsão” o cemitério permite um “retrato” de um dos ângulos da cidade.

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CAPÍTULO 3

3 – LEITURA DO CEMITÉRIO DE SÃO JOÃO BATISTA

3.1 – Cemitério enquanto Espaço Educativo

[...] Não obstante o termo “mosaico”, encaro-o como experiência da mescla, tantos

em seus aspectos físicos como simbólicos: no físico, porque se mesclam as cores, as

formas, os signos, as letras, como uma espécie de permanentes colagens móveis

cubistas ou surrealistas que, embora entreguem a cidade a um caos dependendo de

múltiplas iniciativas, fazem com que cada cidadão, ao “percorrer a cidade”, dê a ela

uma ordem particular. É essa mescla simbólica que, enquanto lhe imprime

cruzamentos de ideologias, de possíveis construções de relatos individuais que

juntos falam da cidade, representam, contam e rememoram essa mesma cidade (A.

SILVA, 2001).

O cemitério de São João Batista a cidade dos mortos se parece com a cidade dos vivos.

Tem muita semelhança que ultrapassam o traçado linear de algumas quadras se assemelhando

a ruas, aqui na cidade dos mortos percebe-se os túmulos quase uns dentro do outro,

semelhante às vielas tortuosas, os becos sem saída; as construções mais “nobres” representam

o status quo de muitas famílias principalmente dos descendentes de judeus, sírio-libaneses,

palestinos, árabes, orientais e os das famílias locais que fizeram fortuna com a exploração de

seringais, comércio e casas bancárias.

Embora o Cemitério de São João Batista seja tido como cemitério da elite, muitos

pobres estão enterrados ali – a constatação é pelo tipo de construção e pelo tipo de

representação encontrada que traduz a mentalidade da sociedade em relação à cidade dos

mortos.

Ao mesmo tempo o Cemitério de São João Batista é além do que apenas a “cidade dos

mortos”, ele é um mosaico feito com a herança cultural deste povo que acolheu em seu meio

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ambiente natural inóspido tantos estrangeiros que aqui vieram em busca de fazer “a vida” e,

do mesmo modo recebeu outros brasileiros que tinham em comum o sonho de fazer fortuna

nestas terras longínquas.

Muitos militares inclusive estrangeiros, aqui pereceram diante do “fogo” abrasador das

febres intermitentes, do cólera e de outras mazelas.

Muitos outros criaram laços e aqui ficaram e se estabeleceram e escolheram estas

terras para viver e morrer. Alguns foram transformados em heróis por seus atos e atitudes,

outros foram mesmo de maneira anônima também os verdadeiros heróis, porque ajudaram a

construir o que hoje se chama passado.

Muitas pessoas em Manaus têm se utilizado deste espaço com outra finalidade, seja de

recreação, praticas religiosas ou para outros usos. Constata-se que no Cemitério de São João

Batista há um fluxo de pessoas, além dos trabalhadores da administração, limpeza pública e

zeladores de túmulos.

Nos finais de semana, as quadras do cemitério recebem um fluxo maior de pessoas que

aparentemente não estão ali para fazer visitas a algum ente querido, nem para acompanhar

féretro. Segundo relatos dos funcionários – atores sociais - eventualmente algumas tribos

urbanas estão entre os freqüentadores, jovens de uma igreja próxima, adolescentes, casais e

alguns funcionários do Hospital Getúlio Vargas. Muitos fazem dos bancos do cemitério local

de descanso.

Dever-se-ia dizer que o cemitério extrapola a idéia comum de “lugar dos mortos”, ele

é também um lugar que traduz a vida, que representa sua história e que hoje faz parte de

novas histórias. Histórias de vivos que nele circulam e fazem uso deste espaço. Neste sentido,

entende-se que o cemitério enquanto lugar que educa pode fazer parte de estratégias

educativas multidisciplinares, interdisciplinar e temas transversais, daí ser importante seu

estudo.

3.2 – Educação e Cultura no Cemitério

A bem dizer, a palavra “ensino” não me basta, mas a palavra “educação” comporta

um excesso e uma carência. [...] A missão desse ensino é transmitir não o mero

saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver,

e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre (MORIN, 2004

p. 11).

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Segundo Zeny Rosendahl (1996) há uma lacuna na Geografia no que tange as palavras

religião, sagrado, peregrino e cerimonial entre outras [...]. Embora as mesmas representem

uma experiência íntima e profunda de caráter individual possuem repercussões na vida

familiar, no grupo, na sociedade. A morte, com seus ritos e símbolos possui uma nítida

dimensão espacial sendo por tanto, objeto de estudo e interesse da Geografia.

Esta lacuna apontada por Rosendhal (1996, p. 119) também está presente na educação.

De um modo geral, quando se refere ao cemitério, em específico, como um lugar de

aprendizagem, esta lacuna se torna maior. Salvo exceção, quando a partir de um cemitério

tenha se originado um povoamento, dando mais tarde origem à cidade. (não é comum

encontrar este tema).

No entanto, mediante fatos comprovados (escavações e urnas funerárias) Manaus está

assentada em cima de um grande cemitério indígena, segundo Bernadete Andrade45

(2004). A

imagem 39 demonstra uma escavação de salvamento a algumas urnas encontradas na Praça

Pedro II quando estava em obras.

Figura: 47 - Registro de trabalho de escavação na Praça Dom Pedro II.

Fonte: Revista de História, 2003 (s/f).

Nesta palestra foi relatado outro achado desta natureza, em um outro local da cidade

onde estava sendo implantadas obras de infra estrutura. As obras públicas continuaram e os

artefatos foram perdidos.

Percebe-se que por fatores históricos que comprovam a origem da cidade de Manaus

como reduto indígena, a educação formal deveria abrir espaço para temas desta natureza.A

45

Palestra proferida no Curso de Mestrado Sociedade e Cultura.

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própria academia em seus cursos de Ciências Sociais deveria produzir textos com esta

abordagem.

Porém ainda é incipiente a produção de textos didáticos sobre cemitérios, voltados a

educação fundamental e Médio. E os materiais encontrados enfatizam relações

antropológicas, de modo que fica restrito à comunidade acadêmica de determinados cursos de

ciências sociais.

Conclui-se daí, que falta um elo de ligação entre o saber produzido na academia e a

sua divulgação de um modo geral e sistemático na própria academia sem seus cursos de

licenciatura, em caso assertivo, poderá mudar a situação no que se refere ao tema cemitério.

A importância dos cemitérios não está atrelado apenas a sua condição abstrata

metafísica e histórica. Como os prédios administrativos, praças e ruas, o cemitério é um

equipamento de função técnica - sendo imprescindível em toda e qualquer sociedade.

“Ao se organizar em núcleos habitacionais, os homens precisaram refletir a cerca do

espaço que deveria ser destinado aos mortos” (ALMEIDA, 1998, p. 1). A separação dos

mortos dos vivos contribui para que na trajetória da humanidade a cidade dos mortos tenha

sido delimitada e construída antes da cidade dos vivos (MUMFORD, 1963; CASCUDO,

2002).

Compartilhamos do pensamento de que é importante que a trajetória de como foram

implantados os cemitérios nas sociedades chegue até a escola via educação formal, para que

dentro da mesma encontrem-se (crie-se) mecanismos facilitadores do entendimento de que o

cemitério, para além do lugar da morte demonstra uma espacialidade construída que contêm o

comportamento religioso e ético da sociedade, a cultura e a arte materializadas em suas

formas, demonstrando modos diferentes de cultuar os que já partiram, e que, no pretérito

fizeram parte da sociedade.

Neste sentido, o cemitério não é apenas mais uma construção – obra na cidade - é um

local sagrado - cheio de significados e que possui duas funções distintas: a função técnica

(razão) guardar os restos mortais, a função simbólica impregnada de valor mitificado e

simbólico (emoção).

Deste modo, o cemitério está inserido na paisagem cultural na/da cidade de Manaus,

como parte integrante do espaço urbano que é “simultaneamente fragmentado e articulado [...]

reflexo da sociedade” (CORRÊA, 2002, p. 9).

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Justifica-se o objetivo da proposta de trazê-lo para a sala de aula sob a óptica da

Geografia Humanista Cultural, para num Estudo do Meio46

trabalhar pelo viés interdisciplinar

este objeto, rompendo com a carga enorme de preconceitos que fizeram com que o cemitério

ao longo do tempo não fosse percebido como espaço educativo pelo fato dele estar

diretamente ligado à representação da morte. Identificá-lo na educação como paisagem de

aprendizagens foi um dos objetivos proposto.

Compreendemos que há uma pluralidade de conceitos sobre educação.Aqui a

educação foi pensada na óptica de ser em linhas gerais um processo que tem por objetivo

oportunizar ao indivíduo o conhecimento de si mesmo, o crescimento, conhecimentos gerais e

a mediação da inserção do mesmo na sociedade, mediante o despertar deste individuo como

ser pensante. Fala-se em educação para o individuo e não meramente para capacitação de

mão-de-obra, neste sentido o conhecimento em si é o objetivo a ser alcançado.

Para Paulo Freire (2002, p. 37) “Educar é substantivamente formar”. Neste sentido, a

educação escolarizada resume-se em linhas gerais a dois processos: crescimento individual e

aquisição de valores sociais. Pela educação transmite-se a cultura de um povo, de um grupo,

transita-se pela cultura universal (antes sentido monocultura) e hoje feita da diversidade

(multiculturalismo).

Pela educação se mantém a coesão cultural de um povo. Freire também é favorável às

práticas educativas fora da sala de aula, extramuros, privilegiando as experiências informais.

Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar,

teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas

ruas, nas praças, no trabalho, na sala de aula das escolas, nos pátios dos recreios em

que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se

cruzam cheios de significação (FREIRE, 2002, p. 49).

A educação também pode ser definida como processo de transmissão de cultura

especificamente praticado pela escola, que de maneira sistemática repassa o conhecimento

histórico da sociedade afim de formar os indivíduos para agir como agentes desta mesma

sociedade (RIOS, 2006).

Neste sentido, a educação ao abordar estudos elaborados com temas e informações

apartir do cemitério estará formando nova maneira de pensar este espaço público e,

corroborando em mudar a atual mentalidade a respeito da morte, vista como negação da vida,

como problema técnico a ser resolvido (ARIÉS, 1977).

46

“cf” p. 7.

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Sendo este um dos aspectos que poderá ser abarcado pela escola: pensar o cemitério

como paisagem de aprendizagem, em segundo lugar, pensar na inserção da morte como um

tema transversal e em terceiro lugar, ações de educação patrimonial.

Para a Organização das Nações Unidas (ONU) a educação significa o indicador central

do desenvolvimento humano, através dela o indivíduo amplia o seu horizonte de

oportunidades possíveis de serem realizadas (PNUD, apud DEMO, 1996, p. 16). A educação

é sem sombra de dúvida, o alicerce mediante o qual indivíduos e sociedade depositam

esperança a fim de avançarem em suas conquistas. Através da educação adquire-se

conhecimento, ao mesmo tempo, a própria educação necessita de conhecimentos para inovar e

para difundir valores éticos numa sociedade em constantes mudanças. Muito se tem falado em

competência humana. É imperioso que não se reduza a competência a competitividade e, a

mesma, deve incorporar a capacidade de manejar conhecimento inovador, a humanização, que

se expressa no pensamento de Demo, como um sujeito histórico ético e criativo (DEMO,

1996, p. 17).

Baseado no que foi exposto a educação que se almeja não poderá estar alijada da

sociedade, como um todo e, nem deixar de fora questões de relevante importância como a

inserção do cemitério como uma paisagem cultural de aprendizagem, de onde será possível

pontuar discussões como cuidar do patrimônio histórico que sofre ação de vandalismo sendo a

causa primordial a ausência de educação neste sentido, entre outros temas relevantes.

A educação não se resume apenas a transmissão de conteúdos formatados em

categorias conceituais. A educação deve proporcionar a oportunidade de ensinar a ler outros

indícios e signos presentes no cotidiano urbano, simplificando conceitos tradicionais de forma

a motivar o aluno na construção do próprio saber em consonância com a realidade.Deste

modo, entende-se que a educação formal deve se preocupar em ensinar a olhar a paisagem

urbana e identificar os diversos signos presentes no dia-a-dia. Saberes que ontem não eram

competência da escola hoje podem integrar o currículo tendo por meta melhorar a

adaptabilidade do educando ao mundo competitivo, restritivo de oportunidades e que ainda

predomina a vigência do ter em detrimento do ser.

Conhecer o outro e conhecer a si mesmo. Conhecer a cidade que moramos como

possibilidade de ensinar conteúdos significativos tendo em vista que precisamos aprender a

sentir mais as coisas, os objetos, os lugares, as pessoas, as suas histórias locais. Valorando os

outros e o lugar, estamos aprendendo na dimensão local a agir de modo global, com ética e

cidadania. A escola ao agir deste modo, busca praticar a pedagogia dialógica de Paulo Freire

que rompe com o monólogo do professor e ou/do aluno e insere outros elementos que irão

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contribuir sobremaneira, inovando e motivando os envolvidos neste processo de ensino e

aprendizagem.

Freire (1996) em A Pedagogia da Autonomia afirma que professor que pensa certo

deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo

e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o

mundo [...] Ensinar, aprender e pesquisar lidam com dois momentos: o em que se aprende o

conhecimento já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não

existente (FREIRE, 1996, p. 31).

Freire, grande incentivador da educação inovadora, alerta que ensinar é aceitar os

riscos do desafio do novo, e rejeitar quaisquer forma de discriminação entre as pessoas seja de

raça, de classe, de ideologia. Embora o ser humano seja condicionado, a educação é um

processo inconcluso, estar atento às oportunidades que possibilitem a interferência na

realidade afim de modificá-la.

A inserção do cemitério como paisagem de aprendizagem na escola pode servir para

valorar a cultura local.

Ao se falar em educação fala-se também em cultura. Os dois conceitos se entrelaçam

estabelecendo relação direta com a sociedade. Há também uma diversidade de conceitos em

relação ao significado de cultura.

Inicia-se com a conceituação mais usual em que cultura está associada ao acúmulo de

conhecimentos e erudição. José Vesentini (2002, p. 14), considera que cultura “É um conceito

que abrange não apenas conhecimentos, idéias, valores, mas igualmente práticas e

construções do ser humano” (VESENTINI, 2002, p. 14). Portanto, cultura pode então ser

percebida como o resultado da ação dos homens no mundo. A definição de cultura aqui

utilizada é a de mundo transformado pelo homem, e apresenta o espaço geográfico como

sustentáculo da sociedade, permitindo a compreensão de que as relações sociais acontecem

em um determinado espaço geográfico.

Paul Claval (1999, p. 63) afirma que do “ponto de vista cultural é constitutivo da

geografia humana transformada pela crítica pós-moderna”, e parte do princípio de que “para

muitos geógrafos de gerações precedentes a cultura era, tal como o homem e a sociedade, uma

entidade abstrata que se impunha do exterior sobre cada um.” Este conceito de cultura sofreu

mudanças após os anos 60, quando então é ampliado passando a designar de maneira mais

ampla: práticas, conhecimentos, atitudes, idéias, que são internalizadas pelo indivíduo ao

longo da vida. Os conhecimentos não são fixos e nem padronizados. A cultura então “não é

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uma realidade global: é o conjunto diversificado ao infinito e em constante evolução” (Idem,

1999, p. 64).

É nesta concepção que difere da concepção de cultura como “visão supra-orgânica “e

do culturalismo, na qual a cultura é vista segundo o senso comum e dotada de poder

explicativo” [...] e também “contra a visão estruturalista, na qual a cultura faria parte da

“superestrutura”, sendo determinada pela “base” (CORRÊA e ROSENDAHL, 2003, p. 13),

que encontrou-se apoio para lançar olhar sobre o cemitério como um lugar que também educa.

Cultura é uma construção histórica, na construção de ser um povo, ao longo do tempo,

vão surgindo transformações (SANTOS, 1986, p. 44-45). A cultura não é só arte, cultura diz

respeito a todos os aspectos da vida social. É inadmissível do ponto de vista antropológico

dizer que alguém não tem cultura, a mesma não se perde, ela se transforma como processo de

viver por ser também uma construção simbólica, campo de significados e construção

histórica. A cultura vai sendo processada e, pode ser entendida como um produto estético da

vida humana. Aplica-se a cada produto da cultura.

Cultura é luta social por um destino melhor. Cultura em Canclini (1983, p. 20) é a

produção de fenômenos que contribuem mediante reprodução e reelaboração simbólica das

estruturas materiais para a compreensão e reprodução ou transformações do sistema sociais,

ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas a administração,

renovação, administração e reestruturação dos sentidos.

Muitos teóricos concordam na dificuldade de definir conceitualmente cultura. “A

cultura, enquanto criação social é parte integrante da trajetória humana”, aponta Corrêa (2003,

p. 172), para quem a cultura por ser manifesta espacialmente valoriza o uso de mapas no

campo cultural.

Independente do conceito escolhido, cultura sempre significa aquisição positiva de

saber(es), conhecimento(s), de uma nova(s) maneira(s) de fazer, de pensar. E, esta cultura se

manifesta concretamente no espaço geográfico, deixando marcas, abrindo novos caminhos,

desvios, atalhos, mostrando ruínas, recuperando funções ou apenas incorporando funções. No

caso deste estudo, identificar-se-á uma função subjacente ao cemitério desde seus primórdios,

que é a função educativa.

A cultura em Jackson (1992, p. 3) “não é apenas socialmente construída e

geograficamente expressa, mas também espacialmente constituída”, sendo assim, concorda-se

quando o autor expressa que as várias definições de cultura não são empecilho ao

entendimento do que seja cultura, ao contrário, a diversidade conceitual do que seja cultura é

“fundamental para a verdadeira constituição da cultura” (JACKSON, 1992, p. 13).

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Conclui-se que a cultura neste contexto do cemitério como lugar que educa, pode ser

assim resumida:

Cultura é um conjunto de idéias, hábitos e crenças que dá forma às ações das

pessoas e à sua produção de artefatos materiais, incluindo a paisagem e o ambiente

construído. A cultura é socialmente definida e socialmente determinada. Idéias

culturais são expressas nas vidas de grupos sociais que articulam, expressam e

contestam esses conjuntos de idéias e valores, que são eles próprios específicos no

tempo e espaço (McDOWELL, 1996, p. 161).

3.3 – Cemitério: Um Espaço Educativo

é, um dever da Educação o desenvolvimento da capacidade de transformar

conhecimento em sabedoria, informação em experiência de vida. Para tanto, caberia

pensar a cultura das humanidades como escolas de preparação para a vida no sentido

de formação da expressão plena no trato com o outro, da emoção estética, da

descoberta de si, do conhecimento da complexidade humana, da compreensão

daquilo que pela lente do senso comum se faz invisível (MORIN, 2004, p. 59).

Partiu-se do pressuposto de que a educação acontece em todos os lugares e não

somente no recinto formal da escola, e que o cemitério pode a exemplo de Teixeira (2006, p.

19), que ao se referir ao surgimento dos cemitérios no Rio Grande do Norte, aponta este fato

como indicativo de uma transformação onde prevaleceriam os valores da cidade dos homens,

tomando como oponente a Igreja que enterrava em seus adros os mortos. O mesmo atribui ao

cemitério a responsabilidade de ter

[...] uma função educativa, tornando-se verdadeiras aulas de comportamento cívico:

ali as pessoas encontrariam túmulos monumentais a celebrar cidadãos exemplares

que haviam bem servido o país e a humanidade. No cemitério-modelo dos

reformadores funerários, a virtude cívica substituiria a devoção religiosa. Era um

programa burguês que se recomendava a uma sociedade semi-estamental baseada na

escravidão (REIS, 1997 apud TEIXEIRA, 2006, p. 19).

O cemitério de São João Batista a cidade dos mortos se parece com a cidade dos vivos.

Tem muita semelhança que ultrapassam o traçado linear de algumas quadras se assemelhando

a ruas, aqui na cidade dos mortos percebe-se os túmulos quase uns dentro do outro,

semelhante às vielas tortuosas, os becos sem saída; as construções mais “nobres” representam

o status quo de muitas famílias principalmente dos descendentes de judeus, sírio-libaneses,

árabes, orientais e os das famílias locais que fizeram fortuna com a exploração de seringais,

comércio e casas bancárias.

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Embora o Cemitério de São João Batista seja considerado como cemitério da elite, tem

muitos pobres enterrados ali – a constatação pode ser feita pelo tipo de construção e de

representação encontrados que traduzem a mentalidade da sociedade em relação à cidade dos

mortos.

Ao mesmo tempo, o Cemitério de São João Batista possui significado além do que

apenas os atribuídos como “cidade dos mortos”, ele é um mosaico feito com a herança

cultural deste povo que acolheu em seu meio ambiente natural inóspido tantos estrangeiros

que aqui vieram em busca de fazer “a vida” e, do mesmo modo, recebeu outros brasileiros que

tinham em comum o sonho de fazer fortuna nestas terras longínquas. Muitos militares

inclusive estrangeiros, aqui pereceram diante do “fogo” abrasador das febres intermitentes, do

cólera e de outras mazelas.

Muitos outros criaram laços e aqui ficaram e se estabeleceram e escolheram estas

terras para viver e morrer. Alguns foram transformados em heróis por seus atos e atitudes,

outros foram mesmo de maneira anônima também os verdadeiros heróis, porque ajudaram a

construir o que hoje se chama passado. A figura 4o mostra a lápide de um militar , soldado

republicano, que aqui morreu. Ele representa inúmeros outros militares enterrados no C.S.J.B.

Alguns eram estrangeiros.

Figuras: 48 e 49 – Sentimento patriótico. Muitos militares estão

enterrados no C.S.J.B. Alguns eram de outros

estados sendo possível encontrar alguns militares

estrangeiros. Imagem 40: Maria Elizia Borges, s/d.

Imagem 41: Randiza Santis, 2009.

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A epigrafia diz:

Aqui descança em eterno somno um voluntario luctador da Patria Bravo do

Paraguay. Jose Paez de Azevedo nascido a 25 de dezembro de 1848. Fallecido 13 de

fevereiro de 1905.

Reunidos choramos sua falta e depomos sobre sua campa.

Eternas Saudades Sua Esposa e Filhos.

O primeiro jazigo faz referência a um militar republicano que esteve em ação de

pacificação dos índios parintintins em 1921. Percebe-se um certo orgulho de pertencer ao

exército republicano. Através da epigrafia tumular pode-se empreender uma pesquisa sobre

esta ação pacificadora dos índios parintintins em idos de 1921. Com certeza deve ter registros

sobre este fato. A base do segundo jazigo apresenta duas espadas cruzadas, que faz alusão ao

serviço militar. Nestas duas lápides a influências do positivismo.

3.4 – Cemitério de São João Batista e as Paisagens de Aprendizagem

O cemitério pode ser descrito como um microcosmos cercado por muros. É um dos

equipamentos públicos necessários a funcionalidade da cidade. Geralmente possuem um

traçado que lhes é peculiar desde o início do processo civilizatório. Tuan (1997) considera a

cidade “como um símbolo do cosmo adota uma forma geométrica”. Percebeu-se que assim

como a cidade o cemitério também adota uma forma geométrica, uma das representações que

permite considerações à cerca do simbolismo encontrado nele.

A construção de um santuário, casa e cidade, pedem que o espaço em volta do mesmo

ritualisticamente se transforme em um espaço sagrado. [...] Dentro deste pensamento os

orientais costumavam deixar grandes áreas naturais ao lado dos túmulos dos imperadores,

espaço este compartilhado pelos seres vivos “partilhavam do caráter sagrado do espírito do

morto” (TUAN, 1980, p. 168).

Ao contrário de algumas sociedades, onde o cemitério é considerado espaço sagrado e

“museu” a céu aberto, uma grande parcela da sociedade amazonense permite que o cemitério

permaneça relegado ao esquecimento, pela dificuldade em encarar a evocação simbólica da

morte, tema controverso e que sofre interdito. Nesse sentido, o cemitério se transforma em

local de visitas apenas circunstanciais, quando não um local a ser evitado, mesmo mediante

políticas públicas de reformas e revitalização.

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À inserção do tema cemitério na educação formal pretendeu evidenciar outros aspectos

neles contidos tais como: histórico, artístico, religioso, espacial, de maneira que, ao serem

identificados e percebidos, permitam uma nova interpretação, como um lugar que também

educa, comprovada pela presença de artefatos e a porção de história dos homens ali contida,

entre outros.

O desconhecimento deste “museu a céu aberto” esta atrelado ao interdito da morte,

pensamento elaborado por Philippe Ariès (1977), que em O Homem Diante da Morte faz a

abordagem das mentalidades em relação à morte, constatação percebida através de mudanças

que tiveram espacialmente seus correlatos em forma de afastamentos, separando os mortos do

convívio na vizinhança dos vivos. O autor sistematiza como tem sido o tratamento dispensado

à morte no Ocidente ao longo do tempo. A historiografia da morte é apresentada em dois

volumes onde o morto recebe diferentes tipos de tratamentos – evocação, ocultamento. A

morte se apresenta romântica, suja, a boa morte. O luto tem suas fases. Ao contrário do que

acontece com a morte, “o cemitério permanece como local de lembrança e de visita.” A

incineração surge no ocidente como “recusa ao culto dos túmulos e cemitérios” (ARIÈS,

1982, p. 630).

Não se pretende neste trabalho falar sobre tema tão complexo como a morte, embora a

mesma seja a responsável pela existência de locais como os cemitérios e por extensão pelo

temor que este tema provoca na humanidade, que os têm mantido afastados dos cemitérios. A

sociedade ocidental, paradoxalmente, ao mesmo tempo que, não aceita a morte como parte da

vida, como complementaridade do ciclo biológico, não encontrou na técnica advinda da

ciência, mecanismo para interromper este estágio que expõe a fragilidade da humanidade.

Foi posto anteriormente que há um afastamento das pessoas em relação ao cemitério e,

na educação no Amazonas, ainda é incipiente a produção de materiais com este tema.

As experiências de estudos do meio no cemitério do mesmo modo são incomuns, salvo

exceções pontuais de alguns poucos professores que perceberam a utilização do mesmo

estratégia. Em relação ao uso do cemitério para práticas educativas, sabe-se de seis casos

específicos; o primeiro trata de uma professora de Geografia em estudo da população, outro

envolve professor da UFAM e alunos de Artes Plásticas com aulas de desenho dentro no

Cemitério de São João Batista; outro caso envolve escola particular em que professora de

Geografia e outros professores fizeram um estudo do meio - caráter interdisciplinar –. A

referida professora oportunizou-nos que uma turma respondesse a um questionário sobre a

experiência. Baseada nas respostas e pela representação apontada pelo grupo de (24) alunos

da 6ª série do Ensino Fundamental, apresenta-se uma “Paisagem de Aprendizagem”.

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O outro caso refere-se a uma professora de Língua Portuguesa de escola Pública das

proximidades que experienciou estudos dos conteúdos das lápides como estratégia de

aprendizagem.

E, um professor de fotografia num curso de Arquitetura de uma instituição particular

que utilizou-se de fotografias das esculturas e dos mausoléus, em suas aulas.

O último caso refere-se à experiência que se teve com 35 alunos do curso Serviço

Social de instituição particular. Foi apresentado em sala de aula um filmeto e fotografias sobre

o Cemitério de São João Batista, logo após, discutiu-se a proposta e os alunos apontaram suas

impressões. Consideraram importante a proposta, concordando que estudos no cemitério

deveriam ser incentivados nas escolas, principalmente as públicas. Em outra escola particular,

houve interesse da coordenação pedagógica para a aplicação de estudos do meio no cemitério

com alunos do ensino fundamental e médio sob orientação da disciplina Geografia, que

embora não tenha sido realizado, acena para a possibilidade de desenvolver projetos com este

tema, no ensino formal médio e superior.

Nesta perspectiva, espera-se colaborar para incentivar este tipo de estudos extramuros

afim de diminuir os entraves que redundam no desconhecimento deste “museu” a céu aberto,

embora atrelado ao interdito da morte, é povoado de vida, graça, beleza, conhecimentos,

acúmulos de tempo, basta “saber olhar” como disse Cecília Meirelles.

3.4.1 – Paisagens de Aprendizagem

A história é sem-fim, está sempre se refazendo. O que hoje aparece como resultado é

também um processo; um resultado hoje é também um processo que amanhã vai

tornar-se uma outra situação. O processo é o permanente devir (SANTOS, 1988, p.

95).

Na fundamentação teórica discutiu-se as categorias paisagem e lugar e cotidiano

importantes nos enfoques geográficos culturais por evidenciar aspectos significantes do objeto

de estudo. Agora vamos apresentar as “Paisagens de Aprendizagem” escolhidas neste Estudo

do Meio afim de possibilitar o entendimento do Cemitério de S. J.B. como um local de

aprendizagem.

No estudo do meio, realizado no cemitério de São João Batista identificou-se

“paisagens de aprendizagem”, estratégias que possibilitam a inserção do tema cemitério na

educação. A maneira encontrada para instrumentalizar a proposta de estudo apontou para a

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utilização do ensino da Geografia (com as categorias próprias) e com a utilização dos Temas

Transversais em específico a Pluralidade Cultural que, segundo os Parâmetros Curriculares

Nacionais, todos os Temas Transversais apontam para a interdisciplinaridade e

transversalidade.

Neste sentido, as “paisagens de aprendizagem” são estratégias à inserção do tema

cemitério em estudos humanísticos. Percebemos que simultaneamente é possível neste Estudo

do Meio trabalhar à aplicabilidade do Tema Transversal Pluralidade Cultural que fundamenta

alguns aspectos encontrados no C.S.J.B. e que são plausíveis de serem discutidos.

Segundo os Parâmetros Curriculares a idéia central como meta dos Temas

Transversais:

Ao lado do conhecimento de fato e situações marcantes da realidade brasileira, de

informações e práticas que lhe possibilitem participar ativa e construtivamente dessa

sociedade, os objetivos do ensino fundamental apontam a necessidade de que os

alunos se tornem capazes de eleger critérios de ação pautados na justiça, detectando

e rejeitado a injustiça quando ela se fizer presente, assim como criar formas não-

violentas de atuação nas diferentes situações da vida (PCNS, 2000, p. 55).

A interdisciplinaridade difere da transversalidade no que tange à didática (PCNs,

2001, p. 40) as mesmas se assemelham no que tange a busca de conhecimento de acordo com

a realidade multifacetada e dialética, abandonando a visão de uma sociedade irreal, estática e

meramente quantitativa.

A busca por uma prática educativa criativa com vínculos entre a teoria e a prática,

valorizando conteúdos significativos, permeia o universo acadêmico responsável pela

reconstrução dos saberes ou da reprodução de conteúdos – com afastamentos e desvinculados

da realidade que se metamorfoseia, porém, não tem como mascarar os efeitos das

desigualdades sociais no País.

Através da interdisciplinaridade e da transversalidade pode-se reduzir a dicotomia

entre o sujeito do conhecimento e os objetos de conhecimentos – produção intelectual, social.

Pela transversalidade podem-se inserir na educação formal os saberes da realidade

provenientes do mundo vivido do sujeito (local) e da realidade maior onde ele esta inserido de

forma desvinculada (global).

O mundo vivido do educando envolve o trabalho, o cotidiano, a cidade, a igreja, o

lazer, a cultura.

Neste sentido, “Várias disciplinas poderão trabalhar com o mesmo tema,

transformando a aprendizagem em algo não compartimentado, possibilitando desta forma que

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os alunos migrem de uma área à outra, navegando pela mesma temática” (NOGUEIRA, 2001,

p. 132).

Buscando afinidade nas especificidades de áreas afins, procurando dialogar com todas

as disciplinas do currículo os temas transversais podem vir a ser partes integrantes das áreas;

de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001, p. 27), as disciplinas

convencionais deveriam organizar e selecionar conteúdos fundamentando-se nos Temas

Transversais, que desta forma integrariam as áreas convencionais, permeando-as com

conteúdo atualizados e socializadores.

No entanto, a busca de critérios de conteúdos acontece na própria área que prioriza os

conteúdos formais da disciplina, sem que tenha buscado a estruturação nos Temas

Transversais, que ficam a cargo do professor para serem “encaixados”. Entende-se que a

relevância dos Temas Transversais numa sociedade multifacetada e desigual requer

alternativas para que os mesmos sejam de fato trabalhados e sirvam de instrumentos para

mudanças. Com vista à aplicabilidade de um dos Temas Transversais, pensou-se neste estudo

de Meio agora apresentado.

O Estudo do Meio no cemitério, através das Paisagens de Aprendizagem, projeto

interdisciplinar poderá ficar a cargo da Geografia que através do principio da analogia,

observação, descrição, explicação e da interação, executará o fio condutor do tema “paisagens

de aprendizagem” no cemitério, enfatizando as singularidades do mesmo, que deverá ser

explorado em maior profundidade mediante as necessidades da disciplina e dos conteúdos

curriculares para o período. “Por analogia, pode-se chegar a definir a natureza dessas

diferenças. Pode-se dizer que o que caracteriza o espaço mundial são as significativas

diferenças entre os lugares” (PCNs, 1997, p. 155).

No Estudo do Meio no cemitério, a História poderá trabalhar com a historicidade ou

com a memória da cidade (O cemitério é parte integrante da cidade).

O estudo do meio envolve uma metodologia de pesquisa de organização de novos

saberes, que requer atividades anteriores à visita, levantamento de questões a serem

investigadas, seleção de informações, observação em campo, comparações entre os

dados levantados e os conhecimentos já organizados por outros pesquisadores,

interpretação, enfim, organização de dados e conclusão (PCNs, 1997, p. 90).

Nestes moldes, sugere-se aos professores-educadores a idéia de um Estudo do Meio no

cemitério através das “paisagens de aprendizagem” numa abordagem interdisciplinar,

associando temas transversais e os conteúdos curriculares bases.

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Parte-se do pressuposto de que, para o educando (criança/ jovem/ adulto) ampliar sua

percepção e sensibilidade no olhar sobre a realidade, situações significativas devem ser

proporcionadas, permeando os conteúdos obrigatórios e abrindo espaço para vivências

significativas.

No interior de São Paulo, uma escola voltada para eco-educação recebe alunos de

escola pública. Lá em meio a uma granja eles aprendem na prática alguns dos conceitos

desenvolvidos pela escola. Eles aprendem a contar sementes.

Sugere-se que Estudo do Meio através das Paisagens deverem iniciar estimulando o

aluno em sala de aula, preparando-o para o uso de entrevistas com familiares, moradores dos

locais próximos, valorizando a oralidade, trabalhando com outros tipos de linguagem não-

verbal evidenciando os dados encontrados, permitindo permuta entre os saberes significantes,

analisando e sintetizando, e, valorizando a realidade da cidade, vista por um outro ângulo, -

cemitério que está localizado dentro de seus limites.

Sobre a escolha das Paisagens algumas destas foram elencadas pelos atores

envolvidos, que as escolheram através da observação (empírica no cotidiano do) cemitério. Os

atores sociais (alunos e funcionários), forneceram suas impressões mediante questionário

aplicado, conversas informais, onde se procurou valorizar as falas.(oralidade). Como já foi

posto anteriormente, o cemitério é um local de trabalho para muitos funcionários formais e

informais - atores sociais - que fazem parte de uma camada social, moram em bairros

distantes e têm em comum o local de trabalho, O grau de escolaridade deles varia – do

fundamental incompleto até curso superior (funcionários administrativos).

Para ambos o procedimento foi o mesmo e assim se consistiu: apresentação do tema e

objetivo principal do trabalho, seguido das visitas e, após a aplicação de questionários. Os

dados obtidos através dos questionários forneceram suas impressões centradas na percepção

individual, nas conversas informais e nas sessões de fotografia –concomitante as visitas -

dados estes que resultaram em algumas das paisagens de aprendizagem.

As paisagens de aprendizagem apresentadas, foram escolhidas entre as selecionadas

pelos funcionários e os estudantes - entre as escolhidas, optou-se pelas que permitiram de

forma categórica, visibilidade de alguns dos atributos singulares detectados na paisagem do

cemitério e, deste modo, facilitassem o entendimento da proposta do Estudo do Meio

apresentado. Os atributos foram:

a) marcas de tempo acumulado - contrastes entre os túmulos antigos e novos e

vestígios,

b) representações simbólicas- lápides e esculturas,

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c) jazigos com estatuária considerados com beleza estética

d) túmulos de personalidades:(político,religioso, intelectual, peculiaridade).

As paisagens de Aprendizagem permitem que em todas elas sejam explorados as

seguintes relações: Relações topológicas, Relações Sociais Relações Simbólicas.

Seria pertinente reforçar que as paisagens apresentadas são temas geradores, cabe,

portanto, ao professor da disciplina envolvida estabelecer as comparações existentes, as inter-

relações entre as paisagens e o conteúdo curricular, de maneira que o tema gerador seja um

aglutinador das disciplinas envolvidas e dos procedimentos metodológicos e da avaliação,

decididos a priori por todos os professores envolvidos: Geografia, História, Língua

Portuguesa, Matemática, Ciências Biológicas, Educação Artística, Religião, Educação Física.

Em todas as disciplinas envolvidas os procedimentos metodológicos devem se

equiparar no que tange a avaliação, para aferir se houve aprendizagem significativa.

Apresentamos o modelo desenvolvido por Eustáquio de Sene (2001, p. 9).

Avaliação conceituais - identificar o desempenho quanto ao domínio e utilização dos

conceitos, categorias, informações, dados, etc., o que pode ser operacionalizado com a

realização da pesquisa, debates, elaboração e interpretação de texto.

Importante que o professor ao avaliar valorize o desenvolvimento cognitivo do aluno e

não a memorização.

Avaliação Procedimentais - verificar se o aluno esta compreendendo e utilizando de

forma adequada os instrumentos da disciplina – no caso do Estudo do Meio- os que forem

selecionados pelo grupo de professores.

Avaliação dos contéudos atitudinais – Está relacionado ao comportamento do aluno no

sentido de verificar se esta havendo uma maior compreensão da realidade que o cerca, e , o

aluno deverá desenvolver uma postura solidária, participativa e crítica.”

Os itens acima citados devem ser discutidos anteriormente com alunos que devem

concordar mediante acordo entre professor e alunos.

Apresenta-se as paisagens escolhidas que totalizam seis (06) paisagens distintas

“Paisagens de Aprendizagem”, algumas das quais se desdobram em mais de um exemplo,

como a dos Santos Milagreiros, das Personalidades e da Pluralidade Cultural.

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3.4.1.1 – 1ª Paisagem: Cemitério em Si

A Primeira Paisagem apresentada é o cemitério em si, a apresentação dele como tema

gerador foi denominada: Movimento. Este tema permite ser explorado em relação aos

seguintes conteúdos: Localização. Relacional - (dentro da cidade. Em relação aos bairros. Em

relação ao sistema de transporte (circulação). Localização dos objetos nele contido (Quadras,

Capela, Escritório, Portões). Atores sociais envolvidos no cotidiano. Atores sociais eventuais

de cotidianeidades pontuais e imateriais: datas comemorativas: Dia dos Finados. Dia das

Mães e dia dos Pais.

Estrutura 1ª Paisagem: Movimento para esta paisagem denominada de Movimento

utilizou-se do pensamento de Santos (1988), que analisa o espaço com seus diversos

componentes (interno e externo, novo e o velho, o Estado e o Mercado).

Quando se observa uma situação do ponto de vista estático, o que a visão se depara é

um processo, se o mesmo for feito observando o movimento, mostrará que os ritmos são

diferentes. A observação deste movimento põe em evidência a dialética encontrada. E, assim

o cemitério está impregnado de objetos novos e velhos, de velhos que foram restaurados, de

novos que foram construídos, de entradas e saídas, existe um movimento, uma circulação. “Só

podemos compreender a situação através do movimento. E movimento é outro nome para o

tempo (SANTOS, 1988, p. 99).

Decidiu-se trabalhar apenas com o interno e o mesmo é delimitado até o entorno

próximo. O interno é composto pelos atores sociais que ali trabalham, participam do

movimento de entrada e saída diária, o serviço de translado do corpo municipal, que embora

se localize externamente, faz parte do equipamento interno como função. O serviço religioso

embora venha do externo, faz parte do calendário do cemitério (imaterialidade).

Apenas apontamos os elementos externos que são compostos por família, sujeitos

anônimos que acompanham sepultamentos, empresa(s) de sepultamento particular, alguns

grupos urbanos denominados de “tribos urbanas”47

((MAFFESOLI, 2002 apud COSTA, 2007

p. 81) que de maneira pontual foram identificados como frequentadores e os turistas que

pontualmente circulam pelo cemitério.

A circulação o movimento em si acontece em torno da função do cemitério: os

enterramentos. Quando os mesmos acontecem o fluxo vindo do externo torna-se superior ao

interno.

47

“tipos culturais (agregados culturais ou tribos urbanas” que se atraem mutuamente, sobretudo, por um

sentimento estético (expressões de desejo e necessidades relacionais específicas) e menos uma condição

funcional inserida nas rotinas urbanas” (MAFFESOLI, 2002 apud COSTA, 2007 p. 81).

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Figura: 50 - Movimento. Um esquife está sendo carregado para a

capela. Em volta os acompanhantes se movimentam

na tarde chuvosa.

Imagem: Randiza Santis, 2009.

O Novo e o Velho - A própria materialidade do cemitério constitui esta dialética entre

o novo e o velho. Velhos e novos túmulos, de diversos modelos, técnicas e materiais

utilizados, provenientes de diferentes contextos históricos.

Figuras: 51 e 52 - Velhos túmulos. Novos túmulos. Tempo acumulado.

Imagem: Victória Cupper, 2005, 2009.

O Estado e o Mercado - O mercado é o próprio cemitério sob a administração

municipal (ESTADO) que regulariza as funções do cemitério, administra e normatiza. A

criação da Lei 1.201 abre espaço para abertura e exploração de novos cemitérios (verticais e

crematórios) pelo setor privado. Significando que os serviços atualmente gratuitos no

cemitério de São João Batista deverão ser pagos semelhante ao que acontece no Cemitério

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Parque Tarumã, que é privado. A nova Lei abre espaço para discussão de cobrança de taxas

aos autônomos que ali trabalham. Neste entendimento esta “paisagem de aprendizagem”

representou-se o movimento, como aponta Santos, a paisagem é formada por objetos

materiais e não-materiais e “o espaço contém o movimento” que constituem uma

espacialidade (um momento) no cemitério (configuração espacial + paisagem + os atores

sociais) (SANTOS, 1988, p.73)

3.4.1.2 – 2ª Paisagem: Museu ao Ar Livre

Alguns dos cemitérios construídos no século XIX podem ser considerados como

“museus ao ar livre” não só pela materialidade (formas, esculturas, as placas, lápides) porém,

pela soma da mesma mais a imaterialidade – simbolismo- as representações de uma época-

neles contidos.

No Rio de Janeiro, cemitérios da Ordem Terceira dos Mínimos de São Francisco de

Paula, 1849, São João Batista, em 1851, São Francisco Xavier, em 1857. Em São

Paulo, Cemitério da Consolação, em 1858. Em Belém do Pará, Cemitério de Nossa

Senhora da Soledade, em 1853. Todas esas necrópolis puedem ser consideradas

“museo al aire libre” em donde sepulturas-capillas, túmulos monumentales y

esculturas transcendieron sus cualidades meramente utilitarias y artísticas para

transformarse em monumentos históricos de gran valor cultural, convirtièndose em

definidores del estatus social de los difuntos y de sus descendientes (BORGES, s/d,

p. 24).

O cemitério de São João Batista Manaus, secularizado, foi construído no final do

século XIX. Nele encontram-se artefatos pertencentes ao extinto Cemitério de São José48

,

construído em 1858. O que lhe confere singularidade provém dos artefatos - peças

escultóricas, lapides, a capela, algumas sepulturas com formato de capelas, construídas com

materiais importados49

da Europa entre outros materiais, tendo como expoente o conjunto de

obra dos portões.

O conjunto de obras dos portões consiste: dois portões, um na entrada pela praça Chile

(lado NE) e o mais imponente na Av. Boulevar Álvaro Maia composto por uma estrutura de

ferro fundido, a cobertura lembra escamas de peixe, feita com material mais leve, conforme

demonstram as figuras 45 e 46.

48

“c.f”. 49

Mármore de Carrara. Região de onde provinha este material. Ver mais em BORGES, M.E.

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O cemitério passou por uma reforma e, este portão embora tenha mantido as

características originais, teve a cobertura trocada por uma mais leve e transparente, conforme

já mencionado. Os portões são outra paisagem de aprendizagem. Poderá ser explorado o

histórico sobre eles, a origem, o material utilizado, a técnica, a mão-de-obra, a reforma.

Figuras: 53 e 54 - Obras da administração do Intendente Adolpho Miranda Lisboa, 1895.

Imagens: Victória Cupper, 2005, 2009.

Nesta paisagem a técnica, a materialidade construída feita por objetos fornece a

concretude funcional do cemitério. E, representa além das “possibilidades técnicas de uma

época, [...] as condições econômicas, políticas, culturais, etc” (SANTOS, 1988, p. 69).

Os lugares despertam no ser humano sensações, denominadas de topofilia Tuan (1980,

p. 197), significando os laços que o ser humano desenvolve com o meio ambiente. Dentro

desta percepção, pela função técnica que desempenha, a idéia de cemitério esta vinculada a

idéia de morte.

A sociedade ocidental tem dificuldade em lidar com a morte, e o cemitério no senso

comum, é somente o local onde enterram os mortos, não fazendo muito sentido ir ao cemitério

em outras ocasiões. É percebido como “estranha” a idéia de ir ao cemitério considerado local

topofóbico, conforme já mencionado (TUAN, 1980, p. 107).

Entretanto, turistas de passagem por Manaus incluem no itinerário, visita ao cemitério

de São João Batista. Dentro de uma cultura universal, alguns povos consideram os cemitérios

como verdadeiros “museus” a céu aberto.

Para o europeu e outros povos latinos – e, em outras regiões brasileiras-, os cemitérios

saíram da categoria topofóbica deixando de serem considerados meros equipamentos

funcionais urbanos (disciplinar), agregando às suas funções a atribuição representativa de

mcupper
Nota
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118

“museus ao ar livre” porque dão mostras do passado, das técnicas e materiais utilizados, dos

estilos que dominavam o mundo das artes e influenciaram servindo de inspiração para a

produção de artefatos para estes locais.

Percebe-se no uso dos artefatos, as peças escultóricas e lápides, que as mesmas podem

assumir três funções específicas e simultâneas ;

- a função utilitária para quem dela se utiliza e para quem a confecciona: artesãos50

.

- a função evocativa - para os familiares que através do artefato sublima a dor e

preserva a memória do morto,

e

- a função contemplativa para os atores sociais que por ali circulam.

Pelo que foi exposto, acredita-se na viabilidade do cemitério servir de estratégias

educativas, de modo interdisciplinar e transversalmente.

Para esta Paisagem de Aprendizagem denominada de “Museu ao Ar Livre” os túmulos

selecionados se constituem em artefatos onde a estética é a característica que se sobressai.

Entendeu-se que a família na tentativa de sublimar a dor da separação e preservar a memória

sublima a dor pelo emprego do simbolismo, através da utilização de artefatos como

esculturas, placas, lápides com epigrafia e outros.

Em muitos casos, o jazigo: a forma e a estatuária formam um conjunto harmonioso. A

informação estética não exige lógica, é opcional ter a lógica da ciência ou do senso comum.

Não precisa ter ampla circulação. A informação estética não se esgota numa primeira leitura.

A conceituação de arte embora subjetiva passou por vários estágios relacionados a sua

função. Em alguns a arte tinha a função de ser utilitária em outra a função contemplativa. Não

pretendemos esgotar o assunto sobre a arte, apenas pontuamos alguns pontos importantes para

o Estudo do Meio no que se refere a evidenciar no C.S.J.B. “museu a céu aberto”.

A arte na segunda metade do século XX adquiriu outra função diferenciando-se da

anterior onde tinha como função a recriação da Beleza Ideal, servir a Igreja e exaltar a

natureza. Perguntou-se qual era a função da arte na contemporaneidade, já que houve uma

ruptura com os padrões estéticos que a precederam. (técnica e estética). As técnicas se

caracterizaram por uso de materiais alternativos, o uso da fotografia como expressão artística,

etc, e a estética por sua vez, em vez da rigidez de padrões clássicos, foi sendo incorporada a

diversas correntes que traduziram diversidades de estilos e influenciando o gosto estético.

50

Algumas eram feitas em série devido à demanda. Ver mais em BORGES, M.E. Arte Funerária: As Utopias de

um fazer artístico. Est. História, Franca. 1: 207-230, 1994.

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Porém, os artefatos encontrados e evidenciados como “paisagens de aprendizagem”,

pertencem a um período onde o gosto estético predominava como o classicismo europeu.

Cada sujeito constrói um sistema de referências estéticas com interdições e regras

que são adquiridas através do seu grupo de pertencimento. Estas referências estéticas

não são puras, mas fazem parte das cadeias de significantes que não têm nada a ver

com uma categoria estética universal (PAIN, JAREAU, 1996, p. 12).

O cemitério no sentido de “museu ao ar livre” pode servir de exemplo a aulas de

Educação Artística, aulas de arte de modo geral com a educação do olhar. O uso do cemitério

como recurso para aulas de arte insere o aluno dentro de um mundo sensível, valorizando a

beleza das formas, as cores esmaecidas, os contrastes das cores do cemitério com a luz

natural.

O estudo das esculturas serve como modelo para desenho e representação, conforme já

é utilizado por professor do Curso de Artes da UFAM.

Ressalta-se a importância da arte para sensibilização, vive-se num mundo de pressas,

tarefas mecânicas e repetitivas, inseridos dentro de uma sociedade de consumo que nos

embrutece os sentidos e provoca afastamentos da individualidade.

Os artefatos selecionados ilustram a riqueza encontrada no Cemitério de São João

Batista, conforme figuras.

Figuras: 55 e 56 - Conjunto de Jazigos tombados pelo Patrimônio Histórico

Estadual. Acervo de artefatos mais antigos, oriundos do

extinto Cemitério de São José. As peças escultóricas feitas

em mármore traduzem o gosto estético de uma época. Na

figura ao lado um anjo com epigrafia.

Imagens: Victória Cupper Orlandini, 2005.

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Figura: 57 - Dois anjos. Mesmo material utilizado. Dois fragmentos

em uma mesma realidade que combina ação antrópica e

natural. Mesmo no cemitério considerado local sagrado,

a ação do homem tem se mostrado mais danosa que a da

própria passagem do tempo.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2005.

O C.S.J.B. foi tombado pelo Estado em 16 de junho de 1988 através do Decreto Lei nº.

11.198, embora o tombamento se restrinja a alguns artefatos, considerou-se um avanço para a

transformação do C.S.J.B. em um museu a céu aberto, semelhante ao que acontece em outros

estados brasileiros e países como França, Argentina.(Cupper, Cupper (2005, p. 58). Ações de

revitalização no local, cuidado e restauro, farão com que o cemitério seja parte integrante da

cidade e não segregado. Ao dimensionar as atividades educativas no cemitério, o mesmo

ganhará visibilidade e cuidados por parte do poder público.

3.4.1.3 – 3ª Paisagem de Aprendizagem: Santos Milagreiros

Esta Paisagem de Aprendizagem contempla um dos roteiros elaborado informalmente

por um funcionário do Cemitério de S.J.B, que apresenta a “percepção” de outros

funcionários, tanto da administração como os que trabalham nas atividades de sepultamento e

fiscalização.

Os roteiros consistem em visitar os “santos”, as personalidades de destaque no cenário

político da região indicando o busto de Eduardo Ribeiro e alguns dos túmulos com esculturas.

Optou-se pelo roteiro ao qual denominou-se de “Santos Milagreiros”.

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É comum que nos cemitérios tenha os seus “milagreiros”. Herança da Igreja Católica e

está atrelado a idéia dos mártires do cristianismo. Em cemitérios de outras cidades casos

semelhantes são relatados (CYMBALISTA, 2002, CABANAS, RICCI, s/d). No C.S.J.B.

encontrou-se três jazigos denominados de “milagreiros”.

O primeiro a ser relatado é o de Santa Etelvina que através de doações de terra pelo

poder público foi erguido o jazido da Etelvina, jovem que foi assassinada. A população atribui

a Etelvina resoluções de problemas de toda ordem: problemas de saúde, desemprego e

principalmente conseguir aprovação nas provas escolares.

Jazigo simples comparando-se com outros. É um dos mais visitados destes que se

denominam milagreiros. Nos jazigos de “milagreiros” é comum a presença de uma variedade

de objetos, que são depositados no túmulo, alguns como pagamento de promessa,

reconhecimento, outros, como um reforço adicional ao pedido.

Figuras: 58 - Na imagem detalhe da capelinha mandada construir pela Prefeitura Municipal. Na imagem

ao lado, detalhe dos objetos que são deixados com pedidos e com agradecimentos a “Santa

Etelvina”, assim considerada como santa pela população que transformou seu jazigo num

dos mais visitados, em busca de graças e pela curiosidade que desperta.

Fonte: Victória Cupper Orlandini, 2009.

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Figura: 59 - Etelvina D Alencar * 1884 + 17/03/1901.

Na epigrafia tumular diz: “Filha de Cosmo José D’Alencar

e de Antônia Rosalinda D’Alencar.Nasceu em Bôa Vista do

Icó. Ceará, em 1884. Encontrada morta na Colônia Campos

Sales a 17-3-1901. Mão perversa arrancou-lhe a vida a

piedade do povo do Amazonas ergueu-lhe o monumento

agora ampliado pela Prefeitura de Manaus”.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009.

O segundo jazigo de Santo Milagreiro é o do Rabino chamado de “Rabino

Milagreiro”. Neste caso, em específico, a população ávida por ajuda busca seus propósitos no

Cemitério, encontrando no túmulo de um rabino judeu a ajuda espiritual para seus males.

Figura: 60 - Keburah (sepultura) localizada no Cemitério secular e cristão de São

João Batista. Ao lado direito um apoio onde ficam as pedrinhas

depositadas para serem lançadas à sepultura. Costume judaico. Nesta

paisagem denominada de “Santos Milagreiros”, por serem assim

conhecidos pela população, contempla-se a pluralidade cultural, o

hibridismo cultural.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 13/03/2009.

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Rebb H. Moyal, aportou em Manaus em março do ano de 1910. Teria vindo com o

propósito de angariar fundos para ajuda solidária. Acometido da gripe espanhola faleceu e foi

sepultado no cemitério cristão. Segundo Samuel Bechimol (1999, p. 319) não havia ainda na

época uma comunidade judaica organizada51

. As cerimônias fúnebres judaicas necessitam de

um grupo de dez (10) judeus para dizer o Kadish (espécie de prece) dita à beira da sepultura

(keburah).

Pertencendo a uma influente família na Terra Santa, resolveram anos mais tarde fazer

o translado dos restos mortais, porém, foram solicitados a declinar da remoção devido ao

apreço que os manauaras criaram em torno do rabino, considerado pela população como

milagreiro. A família teria então sugerido a transferência dos restos mortais para o Cemitério

Comunal Judaico, (Mearah) construído em 1928, contíguo ao C.S.J.B.. Os restos

permaneceram no local e a Administração mandou construir uma grade de proteção ao jazigo.

Figura: 61 - Epigrafia diz: Aqui jaz Ribbi Salon Moyal. Falecido

em 12 de março de 1910.

Presença de lápide com caracteres em hebraico, em

mármore branco. No chão, pedras-costume judaico de

lançar uma pedra a sepultura e ao lado, placas de

agradecimentos por graças alcançadas. Percebe-se

aqui o ecletismo religioso da população que não vê

diferenças na santidade e dispensa ao rabino judeu o

mesmo tratamento dos santos católicos, ou seja, flores

e velas e pedidos e agradecimentos.

Imagem: Victória Cupper, 2009

51

A mesma quando se instala num local procura construir: matadouro, sinagoga e o cemitério.

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O mesmo ficou sepultado com a lápide em mármore e os caracteres em hebraico, em

destaque a estrela de Davi, signos que representam sua identidade judaica. Aos poucos os

“gentios” foram aprendendo a jogar pedrinhas costume judaico no túmulo do Rabino. Anos

mais tarde o jazigo foi reformado e gradeado por um suplicante que em agradecimento fez as

obras. A lápide de mármore é denominada de matzeiva.

O interessante é dar destaque às diferenças culturais encontradas no cemitério em

relação ao modo e cuidados dispensados aos mortos. O povo judaico se diferencia do povo

cristão no tocante a religiosidade e outras práticas culturais, no entanto, pouco se fala sobre

assuntos desta natureza, que certamente nos tornam mais permeáveis às diferenças culturais e

religiosas. O conhecimento é a maior arma contra a ignorância e o preconceito.

O túmulo do “Rabino Milagreiro” mostra a fusão híbrida entre duas culturas singulares

e, evidenciam a importância de estudos desta natureza com a finalidade de resgatar a memória

coletiva do lugar, enfatizar laços de amizade e de solidariedade entre os povos e,

principalmente contribuir para estudos sobre as mudanças de mentalidade em relação a morte.

3º Jazigo dos Milagreiros: A menina Tereza Cristina

Figura: 62 - Mais um jazigo que recebe visitas motivadas pela denominação de “santa” a

menina enterrada. As pessoas costumam depositar pedidos, objetos de devoção

em agradecimento a graças alcançadas.

Imagem: Victória Cupper, 2009.

Pouco se sabe sobre ela. Contam que ela morreu num acidente de carro. Natural de

Itacoatiara. A família fez o jazigo aqui em Manaus. As pessoas começaram a visitá-la, a fazer

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pedidos e ao serem atendidos tornaram a menina em mais uma representante dos “Santos

Milagreiros”.

No jazigo encontram-se restos de flores naturais, flores plástica, velas, chupetas,

terços, pedidos e agradecimentos, ver as imagens. O jazigo está um tanto abandonado.

Segundo o fiscal, são as pessoas que frequentam o cemitério que cuidam do jazigo. A família

pouco comparece.

O jazigo é de pequena dimensão em uma forma modernista, os vidros da porta formam

através do uso de triângulos uma entrada de capelinha, pastilhas de cerâmica revestem o

jazigo, que utiliza como cor o azul claro e o branco. Os vidros da entrada são transparentes

deixando entrever os objetos que adornam o jazigo. Cercado por correntes, porém, não

impedem uma maior aproximação do jazigo. As pessoas escrevem no próprio vidro nomes,

pedidos e agradecimentos.

3.4.1.4 – 4ª Paisagem: Personalidades Históricas (Intelectuais, Políticos,

Representantes da esfera pública)

Dr.Aprígio Menezes

Figura: 63 - Túmulo 01. Recebeu o primeiro sepultamento no C.S.J.B. em

19 de abril de 1891. O túmulo é uma urna em mármore de

Carrara.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009.

Este jazigo foi selecionado por sua importância em relação à memória do local. Foi o

primeiro túmulo e o primeiro sepultamento, inaugurando de fato o C.S.J.B. dias antes

inaugurado como obra.

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Aprígio Martins de Menezes foi deputado provincial, poeta e historiador. Merece

também destaque por ter sistematizado dados históricos sobre o Amazonas na obra intitulada

Almanaque da Província do Amazonas, ano de 1884.

O túmulo feito em mármore de Carrara mostra em alto relevo uma ampulheta mediada

por asas e embaixo ramos. A urna monumento possui no alto uma cruz. Na parte que serve de

suporte à urna, uma lápide com nomes de familiares, ladeada por colunas estilizadas,

conforme detalhe na figura 63 que também registra a pichação na urna.

A ampulheta ladeada de asas pode ser compreendida como representação do tempo

que se extinguiu e ao mesmo tempo as asas se reportam a um outro tempo e espaço no In illo

tempore (ELIADE, 1949 apud CORRÊA, 1999, p. 77). A família expressou desta forma

homenagem à memória do ente querido, que como intelectual, tinha seus valores e crenças

pessoais porém, a perspectiva adotada pela família não se desvincula das relações com o

ambiente, com os outros, numa demonstração de que a compreensão do mundo interior do

indivíduo está articulado com o social, conforme afirma Corrêa (1999).

Político:

Eduardo Ribeiro

* 18/08/1862 + 14/10/1890

Figura: 64 - Busto de Eduardo Ribeiro.

Epigrafia registra: “Plantou a semente com a mesma

dedicação procuramos fazê-la brotar. Homenagem da

Prefeitura de Manaus, 1978.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009.

Eduardo Gonçalves Ribeiro nascido na capital do Maranhão em 18 de setembro de

1862. Formou-se militar no Rio de Janeiro de lá veio designado a servir em Manaus. No ano

de 1887, fazia parte do quadro dos funcionários da Secretaria de Obras da Província. Com a

proclamação da republica, em 21 de novembro de 1889, após a Junta Governativa, assumiu o

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primeiro governador nomeado Augusto Ximenes de Villeroy, que indicou Eduardo Ribeiro

para a Secretaria de Obras. Por motivo de doença da esposa, Villeroy retira-se de Manaus e

entrega o comando do Estado irregularmente a Eduardo Ribeiro em detrimento de Guilherme

José Moreira, o vice-governador nomeado.

Para regularizar a situação Eduardo Ribeiro foi nomeado vice-governador em 06

novembro de 1890 e governador em 03 de janeiro de 1891. Seu governo destacou-se por

obras públicas, porém, sofreu várias contestações de grupos oposicionistas. No terceiro

período enfrentou a rebelião dos Sargentos da Polícia Militar, teve o palácio bombardeado em

26 de fevereiro de 1893, esse movimento oposicionista recebia apoio do general Bento José

Fernandes. Dissolveu o congresso e elegeu novos deputados. O que lhe rendeu a oposição dos

jornais da época: Amazonas e do Diário de Manaus (LOUREIRO, 2004, p. 77).

Ao término de seu mandado candidatou-se a Senador, embora tenha sido eleito em

detrimento de Costa Azevedo, este é que foi reconhecido no Rio de Janeiro. Em 1900,

Eduardo Ribeiro apresentava-se doente. Foi internado e culminou em sua morte envolvida em

mistérios. Dizem ter sido suicídio - alguns dizem isso ser boato porque na verdade o ex-

governador teria sido assassinado.

A data da morte foi 14 de outubro de 1900. Loureiro (2004, p. 82) relata que o enterro

do ex-governador foi “apoteótico”.

Dez bondes superlotados saíram da estação para a chácara, onde já havia grande

número de pessoas. O ataúde ocupava o centro da sala, sendo feito de pelúcia preta,

guarnecido de rendas e galões de prata fina e, aos pés, o monograma EGR, sendo o

corpo encomendado pelo monsenhor Francisco Benedito da Fonseca Coutinho, vice-

governador, ajudado por quatro padres. Daí o féretro seguiu para o cemitério São

João Batista, às dezessete horas e quinze minutos, em um bonde fúnebre, preparado

de veludo preto, decorado em prata. Seguiam-no os dez bondes cheios de povo,

alcançando o cemitério às dezoito horas.

Diversas autoridades falaram à beira do túmulo: Porfírio Nogueira, em nome do

Governo Estadual, o major Domingos Andrade, como delegado do Grande Oriente

do Brasil, Alberto Leal, pela Colônia Portuguesa, Barbosa Lima, pelo jornal

Amazonas, Afonso de Carvalho, pela Assembléia Legislativa, J. dos Anjos, pelo

operariado, e Leonel Mota, pela Loja Maçônica Esperança e Porvir. As flores foram

lançadas sobre o caixão (Idem, p. 82).

A cerimônia de sétimo dia foi realizada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da

Conceição. Várias partituras foram tocadas pelo maestro Franco. Um batalhão de homens da

Polícia Militar fez honras militares. O povo compareceu em grande número, rendendo

homenagens ao político Eduardo Ribeiro (LOUREIRO, 2004).

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Considera-se importante relatar a cerimônia dedicada ao Eduardo Ribeiro-

possivelmente maçom - realizada pela Loja Maçônica52

, porque expressa a diversidade de

cultos, de crenças, de convivência pacífica na sociedade amazonense além de apontar

caminhos para estudos históricos evidenciando as atividades da Maçonaria neste sentido em

que ainda há pouco material no AM. A Pompa Fúnebre Maçônica foi realizada na Benfeitora

Loja Capitular Amazonas. A sessão foi presidida pelo venerável Joaquim Francelino de

Araújo, ladeado por Domingos de Andrade e por Nicolau Tolentino, presidente do Conselho

de Kadosh.

O panegírico ao doutor Eduardo Ribeiro foi feito pelo orador Thaumaturgo Vaz.

Também tiveram voz os obreiros Manoel Cândido representando a Loja Esperança e Porvir53

;

Monteiro de Souza, pela Loja Conciliação Amazonense e Rio Negro e Nina Parga, pela Loja

Aurora Lusitana (LOUREIRO, 2004, p. 83).

Micro-história de um homem importante no passado do Amazonas e que até a data de

hoje ainda está envolto em mistérios os acontecimentos que culminaram em sua morte. A

respeito do seu nome há um silêncio. Percebe-se a importância de ser trabalhar as questões de

identidade, de localismo, de preconceito em relação às diferenças. Eduardo Ribeiro era negro,

maranhense e foi um dos governadores do Amazonas que só veio a conhecer eleição para

governador em 1900.

Apesar desta aparente “nebulosa” que envolve o nome de Eduardo Ribeiro, a obra

realizada por ele tem sido considerada por seus aspectos de embelezamento e pela

preocupação com a saúde coletiva.

[...] foi o típico representante dos governantes da era da borracha no Amazonas e

teve, provavelmente, a mais bem-sucedida administração. Em poucos anos,

conseguiu realizar grande parte dos planos traçados, transformando radicalmente a

visualidade da pequena vila, tornando-a uma moderna e graciosa cidade e exerceu

forte influência sobre os seus sucessores, principalmente no que tange à política de

embelezamento e higiene pública (MESQUITA, 1999, p. 139).

O busto em memória a Eduardo Ribeiro representa uma homenagem da Administração

Pública a um homem público. Este tipo de artefato foi muito utilizado neste sentido de

homenagear políticos e heróis nacionais.

O busto representa Eduardo Ribeiro vestindo um uniforme militar. No meio da de

sustentação do busto, uma coroa de folhas com laço, em alto relevo, no mármore branco. As

52

Sobre Maçonaria. Luzes e Sombras. A Ação da Maçonaria Brasileira (1870-1910). BARATA, Alexandre

Mansur. Campinas, SP: Editora da Unicamp, Centro de Memória – Unicamp, 1999. 53

Primeira Loja Maçônica no AM data do ano 1872.

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folhas representam coroamento de vitórias, evocando os “louros da glória”. Registra-se

ausência de representação que indiquem que Eduardo Ribeiro pertencia a Maçonaria.

Representante da esfera pública J. Pérez

Figura: 65 - J.Jefferson C. Peres *19/03/1932 + 23/05/2008.

Jefferson lindo irmão

O teu vôo luminoso

Rasgando nuvens de pedra

E afastando ventos ásperos

Do céu sombrio da pátria

Era como de bravos pássaros

Desta floresta querida

Ameaçada de extinção.

Teu coração não parou:

Segue cantando sereno

E poderoso no peito

Fatigada do teu povo.

Deixas a força estrelada

Da esperança: a redenção

Da ética desvanecida

E o triunfo das virtudes

Dos verdes da nossa infância. (Thiago de Mello)

Imagem: Randiza Santis, 2009.

Atualmente esta placa com imagem homenageia a memória do homem público

Jefferson Péres. O Senador J. Péres se destacou no cenário nacional por sua integridade moral

e valores éticos num País onde o dever cumprido de maneira exemplar é considerado

exceção.

Esta paisagem denominada de Personalidades pode usar da comparação entre os

políticos enterrados no local, comparando a época (temporal) e as representações utilizadas

como homenagem à memória.

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Na Q. 02 encontram-se Eduardo Ribeiro e Leonardo Malcher.

Na Q. 08 localizam-se os jazigos de Plínio Coelho, Álvaro Maia (PREFEITURA

MUNICIPAL, 2005).

Na Q. 14 localiza-se o jazigo do Senador Lucena.

3.4.1.5 – Paisagem Singularidade

Jazigo com Escultura de Cachorro

Figuras: 66 - Singularidade: Jazigo com escultura do cachorro.

Onde a memória do ente querido foi homenageada levando em consideração

os laços afetivos do falecido com um animal de estimação da família, esta

lembrança nos traz à tona o Egito Antigo em que os animais eram

considerados sagrados.

Fonte: Victória Cupper Orlandini, 2005.

Este jazigo conforme figuras, localizado numa das quadras principais do C.S.J.B. (Q.

08) foi o mais apontado pelos alunos do Ensino Fundamental de uma escola particular de

Manaus, em que a professora de Geografia realizou junto com outros colegas um Estudo do

Meio no Cemitério. Os alunos em sua maioria consideraram este jazigo como o mais

interessante, o mais bonito, por este motivo ele foi escolhido para compor a paisagem de

aprendizagem denominada de Singularidade.

Conta a lenda urbana no cemitério que “no mausoléu da família Salem onde tem a

escultura de um cão, que ao morrer o dono, o cão que era muito apegado ao mesmo, começou

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a vir para o cemitério e da beira do túmulo não quis mais sair, recusando comer e beber. Foi

definhado e morreu. E foi enterrado ao lado do dono.”

Vamos relatar o que aconteceu segundo um membro da família;

Nossa família, meus avôs eram sírio-libaneses e vieram na primeira leva de

imigrantes para a Amazônia. Aqui chegando abriram comércio, a loja Borboleta.

Moravam perto da igreja dos Remédios, numa subida. Vavá era o filho mais moço,

mimado e foi um dos primeiros rapazes a ter automóvel na cidade. Ele namorava

com uma moça chamada Verônica, porém este namoro não era do gosto da mãe

dele.

Um domingo saiu a passear com Verônica - que estava grávida de três meses - ao

passarem na rua Recife, aonde é o passeio do Mindú, havia uma ponte em reforma,

por ser de noite, a escuridão atrapalhou e o carro caiu no igarapé. A moça morreu

logo em seguida, Vavá sofreu fratura da cervical que lhe deixou sem movimentos.

Como a família tinha posses ele foi para o Rio de Janeiro para ser tratado, porém

não resistiu e veio a falecer. Foi enterrado no Rio de Janeiro. Quando o pai dele

morreu a família fez o translado do corpo e trouxe os restos do filho. Estão

enterrados no mausoléu da família Salem. Minha mãe e irmã do Vavá querendo

homenageá-lo mandou construir uma escultura em bronze do “Douglas”, que era o

cão de estimação do rapaz. O cão era adestrado, costumava buscar o jornal na

boca e trazê-lo para a família, entre outras coisas.Este cão morreu de morte

natural. Deixou um filhote que ficou na família por um bom tempo (RELATO

ORAL).

Esta é a história do mausoléu , do rapaz e do cão de estimação. A história a seguir é da

pessoa que nos cedeu às informações. Conversando com a entrevistada ela quis falar sobre o

assunto cemitério e disse:

Minha mãe era viúva e meu pai também. Meu pai tinha dois filhos. Eles se

conheceram no cemitério de São João Batista quando visitavam seus cônjuges

falecidos. Caiu uma chuva forte e eles se encontraram na capela, onde travaram

amizade. Naquele dia meu pai levou minha mãe em casa de bonde. Um ano depois

se casaram e a família aumentou pois meu pai já tinha dois filhos e tiveram mais

dois.”

O cemitério sempre fez parte da vida desta família, onde as crianças iam ao

cemitério com a naturalidade de quem ia em outro local, onde brincavam sem medo

e ainda aprendiam informações sobre os mausoléus mais conhecidos. Procuravam

pelo túmulo mais antigo o que está localizado na quadra 01, na rua principal da

entrada pela Praça Chile, túmulo do dr. Aprígio, que foi o primeiro sepultamento.

Esta pessoa representa uma parcela considerável que cresceu indo a missa, ao

cemitério em datas pontuais e que entendeu o objetivo da leitura do cemitério como fim

educacional. Pois é pedagoga. E disse nos disse que tudo fazia sentido. Que a morte deveria

ser tema de estudo nas escolas. Segundo ela referindo-se a um filósofo disse-nos: “falar da

morte é falar da vida. Ensinar a morrer é ensinar a viver”.

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O túmulo mais representativo para ela é o que tem as mãos postas em oração. Alegou

o motivo por ter acompanhado a construção dele.

Percebe-se pela presença das fotos em porcelana que diversos membros desta família

estão enterrados no mausoléu que leva o nome do patriarca da família.

3.4.1.6 – 6ª paisagem: Pluralidade Cultural

Capela em formato de Mesquita

Figura: 67 - Capela em formato de Mesquita. Construção que

evidencia o C.S.J.B. como paisagem cultural da/na cidade

de Manaus. Presença do Multiculturalismo.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2005.

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a

diversidade étnica e cultural que a constitui. Por sua formação histórica a sociedade brasileira

é marcada pela presença de diferentes etnias, grupos culturais, descendentes e imigrantes de

diversas nacionalidades, religiões e línguas, grupos diferenciados (PCNs, 1997).

No que se refere a composição populacional, as regiões brasileiras apresentam

diferenças entre si; cada região é marcada por características culturais próprias, assim como

pela convivência interna de grupos diferenciados.

O jazigo acima está localizado na Q.09, uma das quadras mais centrais do C.S.J.B. e

pertence a uma família influente da região. A construção possui dois minaretes e um pórtico

em arco evocando semelhanças com as mesquitas. Procede-se à mesma óptica adota na figura

32, que também traz em suas linhas similitude com a arquitetura otomana.

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O professor poderá através de imagens ou visitação ao cemitério mostrar que “o

“outro” é, simultaneamente, o “antepassado”, aquele que legou uma história e um mundo

específico para ser vivido e transformado” (PCNs, 1997, p. 33).

Dando prosseguimento a Paisagem Pluralidade Cultural o exemplo a seguir é muito

auspicioso para Estudos do Meio no C.S.J.B. por possuir componente histórico-cultural

diferenciado. Em Manaus, o Cemitério Judeu se constitui uma singularidade devido sua

localização contígua ao C.S.J.B.

O mesmo integra mediante a leitura do Cemitério de C.S.J.B. “Paisagens de

Aprendizagem” exemplificando a Pluralidade Cultural, presente no cemitério e, que por si

demonstra a existência desta pluralidade na sociedade amazonense, sendo portanto de

importância singular a referência ao Cemitério Comunal Judaico.

Figuras: 68 e 69 - Portão de entrada Cemitério Comunal Judaico, esta voltado para o leste.

Placa situada à entrada do Cemitério Comunal Judaico.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2005, 2007.

Em relação à imagem 69, destaca-se a Epigrafia em hebraico e português, onde se lê

em português a seguinte prece:

Ó Eterno Deus Nosso.

Tem Misericórdia com

as almas de todos os

Israelitas Falecidos,

Homens e Mulheres e Crianças

E Principalmente com cs Almas dos Nossos Santos Mestres.

Da-lhes o Repouso TU-REI

Na tua misericórdia compadece-te

E põe as suas almas na mansão

Da vida eterna.

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Es o seu único legado.

Da-lhe a paz fruto de sua misericórdia

E do teu perdão.

Assim seja a tua

Vontade E digamos Amen.(Epigrafia escrita em português e hebraico, C.C.J. ,2007).

O Cemitério Comunal Judaico fica contíguo ao C.S.B., porém, não faz parte do

mesmo. Existe uma entrada separada e, tem uma época do ano que não é permitido a entrada

de visitantes. A entrada é feita por um portão em ferro e sua localização coincide com o ponto

Cardeal Leste (Ver a figura 68).

O Cemitério Judeu foi criado em Manaus em 1928. De acordo com Samuel

Benchimol, (1999), Isaac José Perez, prefeito de Itacoatiara, conseguiu junto ao governador

Efigêncio Sales, a troca de um terreno aos fundos do cemitério de São João Batista, por um

terreno melhor situado ao lado do Cemitério de São João Batista. Foi comprado e gradeado.

Leon Perez filho de Isaac Perez faleceu vitimado de febre amarela e foi enterrado

inaugurando o Cemitério Judeu em 12 de setembro de 1928. (Idem, 1999, p. 275).

Figura 70 - Cemitério Comunal Judaico. Visão geral. No primeiro plano

as pedras deixadas nas visitas dos judeus aos túmulos judaicos.

Faz parte da tradição. Os judeus utilizam o mármore branco

onde ficam poucos caracteres. A morte os iguala. Não há

ostentação, ausência de monumentalidade. A epigrafia é

encontrada somente em hebraico ou em hebraico e português.

Alguns jazigos apresentam a estrela de Davi.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2007.

Pela primeira vez em Manaus a comunidade Judaica executou Kadish (Oração pelos

mortos) dito por um judeu para um filho seu na Mearah (cemitério em haquitia) de Manaus,

pois anteriormente os judeus eram enterrados no cemitério católico, ao lado, sem nenhuma

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cerimônia, pois praticamente não existia comunidade organizada e nem talvez minyan

(quoron de 10 judeus) para dizer o Kadish à beira da sepultura (keburah). (Benchimol,1999,

p. 319).

O Cemitério Judaico é perceptivelmente diferente do cemitério de São João Batista,

seja pela ausência de construções tumulares e adornos; seja pela prática do não uso de velas e

nem flores. Os túmulos são simples, de linhas retas e com lápide em mármore com inscrições

em hebraico e em português. Os familiares costumam colocar pedras de seixo no túmulo

quando em visita. Perto do muro existe um recipiente com as pedras. Faz parte da tradição

judaica. Dentro da cultura judaica, os lugares rentes ao muro são destinados aos suicidas e

prostitutas54

.

Os judeus reverenciam os mortos no período do Yopo, entre o Rosh Hashaná e o Yom

Kipur, coincide com a data 16 de setembro, do calendário gregoriano. Conforme citado

anteriormente, objetiva-se apontar diferenças na paisagem cultural do cemitério de São João

Batista que demonstrem diferenças na maneira de pensar e agir sob influência de diferentes

culturas, e a partir desses indícios e de comparação, apontar evidências, no tempo e no espaço,

de culturas e elementos das culturas (WAGNER e MIKESELL, 2003, p. 31).

Ao nos depararmos com a riqueza de informações a cerca da pluralidade cultural

encontrada no cemitério e, que é espelho da sociedade amazonense, refletimos sobre a

importância da escola que deve ser local da aprendizagem de que as regras do espaço público

democrático garantem a igualdade, do ponto de vista da cidadania, e ao mesmo tempo a

diversidade como direito.

A escola deve ser local de diálogo da vivência dos princípios democráticos no interior

de cada escola. Esse aprendizado exige no trabalho cotidiano de buscar a superação de todo e

qualquer tipo de discriminação e exclusão social, valorizando cada indivíduo e todos os

grupos que compõem a sociedade brasileira (PCNs, 1997).

A transversalidade segundo os PCNs (2000, p. 40) além de enfatizar a importância da

relação entre as disciplinas, permite uma relação entre: aprender na realidade e da realidade de

conhecimentos sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real

(aprender na realidade e da realidade), “permitindo uma maior compreensão dos diferentes

objetos do conhecimento, ao mesmo tempo que favorece a percepção da implicação do sujeito

de conhecimento na sua produção, superando a dicotomia entre ambos” (PCNs, 2000, p. 40).

54

Semelhante ato discriminatório ocorria em São Paulo com os escravos, fugitivos e assassinos que eram

jogados no mato. “c.f” p. 52 (CYMBABLISTA, R. 2002).

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Vê-se na transversalidade a oportunidade de trabalhar o cemitério na visão da

Pluralidade Cultural exercitando a interdisciplinaridade.

Figura: 71 - É comum encontrar no Cemitério de São João Batista,

adolescentes andando de bicicleta, nos finais de semana.

Perguntados, responderam que ali dentro é mais tranquilo

que nas ruas adjacentes. Ao fundo o portão principal da

entrada pela praça Chile.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2007.

3.5 – Idéias Norteadoras para Estudo no Cemitério

Através desta possibilidade de ver o cemitério como lugar que também educa coloca-

se à disposição dos professores um novo objeto de estudo – cemitério - a ser olhado,

analisado, interpretado, sentido, compreendido em alguns aspectos como a valorização da

identidade cultural, arquitetura como testemunho de um dado período, simbolismo e a

representação contida no espaço através dos adornos - obras escultóricas - que carregam em si

informações através de signos verbais e não-verbais (BORGES, 1991, p. 224-226), a

temporalidade (tempos acumulados), mudanças culturais e espaciais, entre outras

possibilidades.

Nesta óptica, o Estudo do Meio no cemitério contempla trabalhar a Pluralidade

Cultural, um dos Temas Transversais.A proposta do cemitério enquanto espaço educativo

atende a inserção de um dos temas transversais a Pluralidade Cultural especialmente na área

de Geografia, ciência social que estuda as inter-relações do meio, que pode no projeto

pedagógico da escola servir de “base” para a implementar a interdisciplinaridade, que leva em

conta a realidade multifacetada e as implicações que daí decorrem, condenando a

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segmentação dos saberes, enfatizando a inter-relação “epistemológica dos objetos de

conhecimento”, enquanto a transversalidade diz respeito principalmente à dimensão da

didática (PCN, 2000, p. 40).

Elaboramos um esquema para didaticamente identificar as funções encontradas no

Cemitério de São João Batista que se coadunam com a educação visivelmente apontada,

porque o cemitério guarda em si informação, elementos a serem utilizados pela educação,

valorando os seus aspectos, históricos, espacial, ético e estéticos.

Esquema : Uso do Cemitério

Quadro: CUPPER, M.T.R. 2008.

[* Esta função de considerar o cemitério como museu a céu aberto poderá se desvincular do aspecto

educativo formal. Porém, está função contém educação no sentido de que o museu guarda a memória

social e cultural de um povo].

O esquema acima representa algumas das possibilidades de uso do cemitério. Percebe-

se que a função educativa é que mais apresenta opções de uso. Corroborando desta forma com

CEMITÉRIO

FUNÇÕES

TÉCNICA EDUCATIVA SIMBÓLICA

Museu a céu

aberto

Morada eterna Guardar os restos

mortais

Museu a céu aberto

*

Práticas religiosas Aspectos históricos e geográficos

Pluralidade Cultural

Educação Ambiental Educação ambiental

Educação

Patrimonial

Aspectos históricos e geográficos

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o pensamento inicial de que o cemitério pode ser visto, entendido e utilizado como espaço

educativo.

O cemitério visto como um museu a céu aberto poderá ser visitado por alunos de artes,

como já acontece nas aulas do professor Otoni Mesquita do curso de Artes Plástica, da

Universidade do Amazonas, que utiliza-se das esculturas lá expostas para modelo e

exemplificação.

- Educação Artística. [...] expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nº.

9.394/96, em seu Art. 26 “– 2º O ensino de arte constituirá componente curricular obrigatório,

nos diversos níveis de educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos

alunos”. Considerou-se a como uma das disciplinas importante neste estudo do meio que

poderá utilizar-se de outros recursos estimuladores como fotografia e filmetos dentro de uma

proposta educacional que usa de várias linguagens para atingir o objetivo principal: formar no

aluno uma base sólida de conhecimentos práticos, que permitam a inserção do mesmo na

sociedade em constantes mudanças, bem como proporcionar que o educando se aproprie pela

educação formal de um legado histórico cultural e artístico, guardado no Cemitério de São

João Batista, e que são expressões inegáveis das sociedades, representam a cultura e a

mentalidade das épocas em que foram criados.

E nos aspectos arquitetônico como no exemplo do professor Baze da Ulbra que se

utiliza das formas e dos artefatos do local para ilustrar aulas no curso de Arquitetura. Neste

sentido em que o Cemitério é visto como memória, apontamos a Idéia Norteadora: A

Extinção do Cemitério São José e o translado dos artefatos.

Ao lado da História, principalmente na sua óptica social, que entende a História

Cultural como conjunto de significados partilhados que exprimem o mundo social.(UFAM,

2007). Um dos conceitos norteadores do Ensino do Meio é o tempo histórico como resultante

das transformações do processo de interação natureza/sociedade. O tempo histórico se

caracteriza pela sucessão, duração e simultaneidade envolvendo nesta aprendizagem a

aquisição de noções de anterioridade e posterioridade, bem com as alternâncias –

continuidade e descontinuidade. Consideramos que a História sofreu mudanças em suas

vertentes afastando-se das práticas que lhes apontavam como redutora da importância do

aluno como agente de sua própria história. A História Crítica desmente a ideologias

mascaradas dentro do processo histórico.

Neste sentido, no campo constatou-se que o translado de um cemitério para outro

procurou preservar as peças escultóricas de maior valor, em muitas delas o material utilizado

foi o mármore de Carrara. Possivelmente os túmulos de pessoas oriundas de famílias

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tradicionais da sociedade amazonense tiveram o translado do túmulo e dos adornos para o

novo cemitério de São João Batista. Porém, muitos outros foram enterrados no túmulo

monumento coletivo. Uma placa indica os nomes dos enterrados ali.

Pode-se trabalhar este aspecto acima mencionado enfatizando a história da cidade e

dos homens que a construíram, fazendo menção à imigração européia, o apogeu da borracha

que culminou em Manaus com grandes obras de embelezamento da cidade como a construção

do Teatro Amazonas, o aqueduto da Castelhana e o próprio cemitério de São João Batista,

entre outros.

No cemitério de São João Batista, espaço delimitado por muros e gradis, encontra-se

túmulos com características orientais, outros com características mulçumanas, e ainda, outros

com características judaicas. Segundo Borges (2007) a presença do cemitério comunal

judaico, em anexo, é uma característica importante do Cemitério de São João Batista, em

outros cemitérios brasileiros, não existe cemitério judaico desta dimensão, disse-nos ela

pessoalmente. Importante frisar que dentro do cemitério cristão é possível encontrar túmulos

de judeus, que foram enterrados antes da construção do Cemitério Comunal Judaico, em

1928, como o túmulo do “Rabino milagreiro” como ficou conhecido. Aponta-se os temas

Transversais Pluralidade Cultural e Ética para contemplar estudos nesta óptica.

-Língua Portuguesa. Este estudo do meio oportunizará ao aluno refletir sobre o caráter

transitório das mudanças e que as mesmas podem ocorrer tanto nas paisagens naturais, nas

culturais, no uso da língua, costumes, etc. Porém, algumas mudanças são mais difíceis de se

estabelecerem de serem aceitas, principalmente quando tangem a assuntos considerado

“tabu”. Nos diversos tipos de sepulturas encontrados no Cemitério de São João, é possível

fazer um levantamento das reformas ortográficas ocorridas desde o século XIX, a começar

pelo próprio nome do Cemitério que era assim grafado: São João Baptista.

- Matemática. Dentro dos cemitérios há “micro universo” formado de números,

medidas, formas, relações métricas que expressam a utilização da quantificação. Do

raciocínio lógico ao abstrato.

- Ciências Biológicas. Muitas possibilidades de aproveitar o espaço do cemitério como

exemplo dos conteúdos programáticos desta disciplina que para sua aplicabilidade e

assimilação trabalha com os conceitos de tempo, espaço e movimento (dinâmica) envolvendo

fenômenos que ocorrem no meio natural e social. O objeto cemitério poderá ilustrar os

conteúdos sobre problemas ambientais, micro-clima urbano, levantamento da flora e fauna,

entre outros tantos temas de relevância.

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- Temas transversais. Precisam ser interpretados como eixos temáticos que traduzem a

urgência dos temas a serem trabalhados na educação com afinco a fim de minimizar os

problemas sociais. Através dos Temas Transversais, novas oportunidades de trabalho são

apresentadas aos professores para que de forma “transdisciplinar” possam contribuir no

processo educativo formando indivíduos mais preparados e com visão de mundo ampliada

onde o respeito as semelhanças e as diferenças tenham a mesma proporcionalidade.

O tema Pluralidade Cultural é um forte “norte” desta proposta de estudo do meio no

cemitério através da “Leitura do Cemitério de São João Batista” pois evidencia as construções

tumulares e as representações onde as características culturais expressam a pluralidade da

sociedade amazonense.

- Educação Ambiental. A questão ambiental não se refere apenas a problemas

ambientais físicos, naturais. A óptica social deve ser contemplada nestes estudos. Porém,

comumente em estudos cemiteriais a grande preocupação é com o aspecto de possível

contaminação do lençol freático. Apontam-se como Idéias Norteadoras as questões de

poluição das águas subterrâneas, poluição sonora, poluição visual, falta de arborização nas

cidades, resíduos, etc.

- Ética. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), Ética poderá ser empregado na

expressão clássica de “Educação Moral”. Neste sentido entendeu-se que o Cemitério de São

João Batista poderá ilustrar exemplos concretos. Sendo a Ética o ensino da conduta humana

em sociedade onde valores como justiça deverão ser entendidos como igualdade e equidade

para todos e, que deverão pontuar a educação de modo geral, permitindo que o educando

desenvolva sua autonomia moral, condição para a reflexão ética. O contato com o cemitério

permite que desde cedo o educando tenha experiência com a morte no sentido filosófico.

Visitar cemitérios proporciona o despertar da consciência e a racionalização para o fato de

que a vida faz parte de um ciclo biológico.

- Educação Patrimonial. O estudo do Cemitério tem muito a dizer a Educação

Patrimonial. Refere-se ao Patrimônio Cultural proveniente de bens de natureza material e

imaterial oriundos do passado. Através da disseminação dos fundamentos da Educação

Patrimonial, locais como o C.S.J.B poderão integrar os catálogos dos pontos de maior

relevância no turismo cultural e histórico de Manaus. A arquitetura junto ao folclore, a

música, a arte, a tradição, as manifestações do modo de viver, representam a cultura.

Idéia Norteadora: Apontar na paisagem encontrada resquício da paisagem natural.

Comparação entre Paisagem natural/Paisagem transformada ou construída.

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Figura: 72. Visão Aérea do C.S.J.B.

Fonte: Prefeitura Municipal de Manaus, 2007.

Observando a imagem acima percebeu-se que a arborização no Cemitério de São João

Batista é rala, apresentando muitas falhas, entretanto, apesar dos funcionários dizerem que

não é possível plantar nada lá dentro porque estragaria as sepulturas, espécies arbóreas e

arbustos continuam nascendo à revelia, conforme a composição de imagens 72.

Figuras: 73 – Arborização.

Imagem: Victória Cupper Orlandini, 2009. Randiza Santis, 2009, Lorena Duarte, 2009.

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Ao desenvolver o Estudo do Meio os professores poderão identificar a viabilidade de

um projeto para arborização do cemitério, utilizando-se de espécie com raiz axial, para evitar

danos às construções. Adornar as árvores existentes com bromélias e orquídeas regionais

pode ser uma idéia excelente para enriquecer a paisagem estética local. Um projeto que

poderá ser desenvolvido com parcerias entre escola e Secretaria do Meio Ambiente,

envolvendo os Cursos de Engenharia Florestal e Agronomia, podendo também pedir

colaboração ao INPA.

Poder-se-á incentivar estudos de comparação por meio de imagens com objetivo de

comparar e analisar se ao longo do tempo a arborização do Cemitério S.J.B. diminuiu, em

vez de positivamente aumentar.

Idéia Norteadora: Tempos Longos e tempos curtos. Cemitério como “palco de

transformações”. Sepulturas Perpétuas.

O aspecto acima evidenciado serve para estudos históricos de micro-história e tempo

de longa duração. O universo do cemitério possui muitos aspectos que podem ser

contemplados no ensino Superior nos cursos de História e Geografia, Teologia, Psicologia.

Em “A História da Morte no Ocidente”, Philippe Ariès (1975) apresenta a história das

mentalidades relacionadas com a morte. É possível em estudos mais aprofundados no

cemitério trazer à tona aspectos importantes da história da cidade, ressaltando a espacialização

dos cemitérios e as práticas e normas de condutas, com caráter universalizante.

O estudo do cemitério como um lugar que também educa ultrapassa a dimensão

espacial, se aproxima da paisagem urbana e pode ser vista como “marca e matriz social”

cultural atribuída à geografia e expresso deste modo por Santos (1986, p.119), “O espaço

geográfico é a natureza modificada pelo homem através do seu trabalho”; agregando outros

aspectos: históricos, econômicos, éticos, estéticos, etc.

Cabe a Geografia, como ciência social de síntese o papel de mediação entre as outras

disciplinas para um estudo interdisciplinar através de estudo do meio. É importante que o

cemitério como uma paisagem cultural da/na cidade, chegue até a escola via educação formal

e, que os professores de Geografia lancem o “olhar geográfico” sobre/sob a paisagem do

cemitério, principalmente como um lugar que educa, incitando outros professores a reflexão,

ao debate e a práxis.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na Leitura da Paisagem através do Estudo do Meio no Cemitério de São João Batista,

o educando vai se deparar com uma paisagem histórica, cultural, formada ao longo do tempo

(sucessão de tempos), fragmentos de tempos. Este estudo permite que o educando apreenda

desta paisagem a micro-história de uma parcela significativa da sociedade, os ilustres

amazonenses, homens e mulheres que colaboraram com o crescimento do Amazonas. E, com

ilustres homens e mulheres de outras origens, (nacionalidade) de igual valor que por aqui

aportaram no passado viveram e trabalharam em prol de construir um Amazonas do tamanho

de sua gente fazendo parte da história do Amazonas.

No Cemitério, o presente e o passado convivem lado a lado. Ilustres e anônimos,

importantes atores sociais da política, da história, da literatura, da música, da educação e

personalidades da sociedade. Do mesmo modo, os anônimos, aqueles a quem não sabemos a

história de vida, a família a quem pertenceu, mas isso não os invalida. Têm o valor intrínseco

de ser humano e de pertencimento a um lugar.

Considera-se, então, que esta proposta de Estudo do Meio a ser realizado no Cemitério

de São João Batista poderá ser realizado na escola envolvendo às diversas disciplinas do

currículo básico (pedagógico) na tarefa de evidenciar neste local aspectos históricos, éticos,

estéticos, espaciais e ainda apontar congruências entre as disciplinas inserindo temas

transversais em consonância com os objetivos a priori delimitados. No Ensino Fundamental e

Médio a interdisciplinaridade poderá oportunizar maior envolvimento entre alunos e

professores escola e comunidade. No Ensino Superior os objetivos a serem atingidos

dependem do professor e da disciplina a ser trabalhada, com possibilidade de se organizar

estudos multidisciplinares.

O cemitério de São João Batista se constitui uma paisagem cultural da/na cidade de

Manaus. Sua importância está assentada em três pilares por nós classificado:

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1º Pilar - Valor das representações simbólicas como tradução da religiosidade, cultura

e identidade. O ser humano é em sua totalidade a soma de suas experiências presentes e

passadas, sua identidade pátria, as crenças, mitos e sonhos. E, todos devem buscar espaço para

expressão de suas manifestações culturais, sob o risco de que a generalização de práticas

alheias desconstruam a identidade pessoal e social, tornando-o um ser despersonificado com

afrouxamento dos laços de pertencimento ao grupo maior que é a nação, ao grupo menor que

é a família, e a outros grupos como igreja e clube e agremiações.

2º Pilar - Valor Técnico - Com a liberação da criação de fornos crematórios e de

Cemitérios Verticais na cidade de Manaus, uma grande maioria ainda prefere o sepultamento

horizontal em espaços como o CSJB e Cemitério Parque Tarumã. Esta preferência fruto

cultural de várias gerações deve ser respeitada a despeito da valorização do solo, da busca do

lucro, da tentativa de tudo e todos serem abarcados pelo sistema capitalista. No cemitério,

embora haja diferenças nas construções, nos artefatos, nas formas de cultuar a memória dos

mortos, a morte - este inexorável destino do ser humano, ainda impera e os iguala, fazendo

com que a solidariedade na dor seja expressão humanitária a ser mantida através da educação,

através do(s) tempo(s) e espaço(s).

3º Pilar - Valor Educativo - O Cemitério de São João Batista (Baptista) mostrou-se

desde o nome, que é um espaço onde podem ser realizados “diferentes aprendizagens”,

através da micro história que valorizará seus heróis e anônimos, dentro da cultura local onde a

convivência entre a diferença expressa a pluralidade cultural- que os torna ao mesmo tempo

diferentes e iguais, através do cotidiano que mostra que ali não é somente lugar de dor, de

separação, ao contrário, culturalmente a família zela pela memória dos mortos para mantê-los

“vivos” no pensamento dos que ficaram, almejando com esta crença que eles também sejam

desta forma lembrados. As manifestações culturais e religiosas de uma sociedade estão

expressas espacialmente no cemitério. Sendo ele um local público onde não se cobra

ingressos fica fácil a sua inserção como um museu a céu aberto a ser desfrutado pela educação

formal que certamente vai influenciar na mudança de mentalidades, que, poderá através do

tempo, ver o cemitério de outra maneira, valorizando o que nele está contido como valores

universais.

Ao transmitir valores culturais que abarcam a religiosidade, a ética, a estética, a

história e a geografia de uma dada época estamos trabalhando e construindo um futuro sólido

para a memória dos que aqui vivem e morrem.

O Estudo do Meio no C.S.J.B. evidenciou aspectos relacionados a religião que em

nosso País é uma temática de grande relevância como atestam Corrêa (2002) e Rosendhal

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(2002). Através do Estudo, poder-se-á trabalhar em sala de aula tema tão controverso como a

Religião lançando mão do recorte cultural através da dimensão espacial do profano e do

sagrado, percebido nesta leitura feita no C.S.J.B.

Ao nos deparamos com tantas informações, algumas singulares, quase “encobertas

pelas brumas do tempo” como a cerimônia em homenagem ao ex-governador executada pela

Loja Maçônica, outras desconhecidas porque adquirem importância e visibilidade apenas no

grupo cultural a qual pertencem como a criação do cemitério judaico, nos faz refletir sobre o

tempo que se mostra com absoluto domínio neste sitio e faz com que ao nos depararmos com

obras escultóricas de grande beleza estética e de valor histórico-cultural para o Amazonas, se

reflita que a valorização da “valorização da cultura” depende da educação formal mas que a

mesma pode ser feita de forma informal, em ambientes extramuros.

Sentimos uma profusão de sentimentos em meio a tanta beleza estética, riqueza de

detalhes, simbolismos expressando dor, sentimento de perda, paz e tranquilidade, porém ao

nos depararmos com os anônimos aqueles a quem somente uma pequena cruz de madeira

sinaliza a extinção da vida, paramos, silenciamos, olhamos em volta e murmuramos que o

Cemitério de São João. Batista é um lugar que também educa.

Concluiu-se.

(Inverno no hemisfério sul. Chuvas na Amazônia. Outono emocional).

Junho de 2009.

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