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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O DIREITO À DIVERSIDADE SOB O ENFOQUE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE INCLUSIVE EDUCATION AND THE RIGHT OF DIVERSITY IN THE FOCUS OF THE PRINCIPLE OF EQUALITY Vivianne Rigoldi Boechat RESUMO O presente artigo aborda o direito à educação especial conferido pela Constituição Federal de 1988 a todos os portadores de necessidades especiais. O problema revela-se na implantação da proposta nacional de educação inclusiva e concentra-se na necessidade de proteção do direito à educação especial do portador de deficiência, enquanto indivíduo com necessidades especiais, garantindo-lhe desta forma a concretização de todos os demais direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente. Para tanto, a análise parte da construção dos direitos humanos, enfoca o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um valor intrínseco do ser humano por meio do qual todos os demais direitos se concretizam. Aborda o Princípio da Igualdade em suas diferentes formas de interpretação e adequação à especificação dos sujeitos e finalmente, trata o tema da educação inclusiva a partir de reflexões a respeito do direito à educação especial, sob o enfoque do direito à diversidade como garantidor da igualdade conforme prevista constitucionalmente. Conclui em síntese que, a inclusão dos portadores de necessidades especiais em escolas regulares – educação inclusiva – deve ser precedida de medidas efetivas de adequação do meio (escola regular) ao fim (educação especial inclusiva), preparando as escolas regulares para receberem os educandos especiais, garantindo-lhes orientação especializada e de qualidade, que possibilite efetivamente seu desenvolvimento intelectual e respeite seus direitos constitucionais, em especial o direito de serem tratados de forma desigual em razão de suas especificidades. PALAVRAS-CHAVES: INCLUSÃO; EDUCAÇÃO ESPECIAL; IGUALDADE; DIVERSIDADE ABSTRACT This article discusses the right to special education conferred by the Constitution of 1988 to all individuals with special needs. The problem shows up in the implementation of the national proposed of inclusive education and focuses on the need to protect the right to special education of the disabled as individuals with special needs, thus ensuring him the realization of all other fundamental rights constitutionally recognized. Thus, the analysis part of the construction of human rights, focuses on the principle of human dignity as an intrinsic value of human beings through which all other rights are realized. Addresses the principle of equality in its various forms of interpretation and 773

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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O DIREITO À DIVERSIDADE SOB O ENFOQUE DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

INCLUSIVE EDUCATION AND THE RIGHT OF DIVERSITY IN THE FOCUS OF THE PRINCIPLE OF EQUALITY

Vivianne Rigoldi Boechat

RESUMO

O presente artigo aborda o direito à educação especial conferido pela Constituição Federal de 1988 a todos os portadores de necessidades especiais. O problema revela-se na implantação da proposta nacional de educação inclusiva e concentra-se na necessidade de proteção do direito à educação especial do portador de deficiência, enquanto indivíduo com necessidades especiais, garantindo-lhe desta forma a concretização de todos os demais direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente. Para tanto, a análise parte da construção dos direitos humanos, enfoca o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como um valor intrínseco do ser humano por meio do qual todos os demais direitos se concretizam. Aborda o Princípio da Igualdade em suas diferentes formas de interpretação e adequação à especificação dos sujeitos e finalmente, trata o tema da educação inclusiva a partir de reflexões a respeito do direito à educação especial, sob o enfoque do direito à diversidade como garantidor da igualdade conforme prevista constitucionalmente. Conclui em síntese que, a inclusão dos portadores de necessidades especiais em escolas regulares – educação inclusiva – deve ser precedida de medidas efetivas de adequação do meio (escola regular) ao fim (educação especial inclusiva), preparando as escolas regulares para receberem os educandos especiais, garantindo-lhes orientação especializada e de qualidade, que possibilite efetivamente seu desenvolvimento intelectual e respeite seus direitos constitucionais, em especial o direito de serem tratados de forma desigual em razão de suas especificidades.

PALAVRAS-CHAVES: INCLUSÃO; EDUCAÇÃO ESPECIAL; IGUALDADE; DIVERSIDADE

ABSTRACT

This article discusses the right to special education conferred by the Constitution of 1988 to all individuals with special needs. The problem shows up in the implementation of the national proposed of inclusive education and focuses on the need to protect the right to special education of the disabled as individuals with special needs, thus ensuring him the realization of all other fundamental rights constitutionally recognized. Thus, the analysis part of the construction of human rights, focuses on the principle of human dignity as an intrinsic value of human beings through which all other rights are realized. Addresses the principle of equality in its various forms of interpretation and

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adaptation to the specification of the subject and finally, treats the theme of inclusive education about the right to special education, in the right approach to diversity as a guarantor of equality as constitutionally previewed. In summary concludes that the inclusion of individuals with special needs in regular schools - inclusive education - must be preceded by effective measures of adequacy of the means (regular school) to the end (special education inclusive), preparing the regular school to receive special needs students and guaranteeing their expertise and quality orientation, effectively allowing their intellectual development and respect their constitutional rights, in particular the right to be treated as unequal because of their peculiarities.

KEYWORDS: INCLUSION; SPECIAL EDUCATION; EQUALITY; DIVERSITY

INTRODUÇÃO

Dentre as etapas em que a doutrina dividiu a construção do Estado Democrático de Direito, a quarta etapa marcou a passagem do plano abstrato do destinatário genérico para o plano da categorização, ligada ao gênero, ao grau de desenvolvimento biológico (criança, adolescente, idoso), ao estado ou condição da vida humana (deficientes físicos e mentais). Nesta etapa da especificação dos sujeitos, a proteção aos direitos humanos assinalou um aprimoramento em função da categorização dos sujeitos que até então eram genéricos (ser humano, cidadão) e passaram a ser considerados segundo suas especificidades e necessidades especiais.

Neste contexto, o processo de democratização do Brasil possibilitou sua reinserção no campo internacional de proteção dos direitos humanos e permitiu o fortalecimento do processo democrático por meio da ampliação dos direitos fundamentais por essa mesma democratização assegurados.

A proteção constitucional dos portadores de deficiência, por sua vez, encontrou amparo nos princípios fundamentais explícitos nos artigos 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988 e em outras importantes previsões constitucionais aplicáveis, que o presente artigo tem por intuito analisar.

O primeiro a ser abordado é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana por ser a dignidade um valor intrínseco da pessoa humana, sendo irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, devendo ser respeitada, promovida e protegida.

Em seguida é abordado o Princípio da Igualdade expresso no artigo 5º da Constituição Federal, sendo de grande relevância a distinção de suas diferentes formas de interpretação para a compreensão de sua aplicabilidade aos direitos dos portadores de deficiência.

A partir de tal análise, a especificação surge como uma forma de garantia de direitos. O reconhecimento da desigualdade entre sujeitos é mostrado como um instrumento de igualdade pelo simples motivo de que corrige uma desigualdade

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anterior. Em outras palavras, a igualdade entre desiguais deriva do reconhecimento e equiparação das desigualdades.

Finalmente, a educação inclusiva é avaliada sob o enfoque das diferentes concepções de igualdade e do direito à educação especial. Considerada como meio de inclusão social, a educação inclusiva é posta em discussão.

Revela-se então que, no Brasil, a educação inclusiva enquanto instrumento de inclusão social dos portadores de necessidades especiais, pode representar um afastamento dos portadores de deficiência do direito constitucional à educação especial, caso represente um desrespeito ao tratamento especializado às pessoas às quais a Constituição Federal garante o direito de serem tratadas de forma desigual em razão de suas especificidades.

Conclui-se que, a educação inclusiva para atingir os fins sociais e jurídicos a que se propõe, depende da implantação efetiva e prévia dos instrumentos específicos e eficazes de adequação do meio ao fim (cabe dizer, adequação da escola regular à educação especial), o que implica na efetivação de uma nova política educacional, contratação e especialização de educadores, preparação de gestores, readequação de conteúdos, flexibilização dos regulamentos escolares, reforma da estrutura física das escolas, para concretização da equalização que o Princípio da Educação Inclusiva propõe, sob pena de, a curto prazo, violar o direito constitucional a educação especializada e, a longo prazo, eliminar as chances reais de inclusão social dos portadores de necessidades especiais em razão da ausência de desenvolvimento intelectual adequado.

1 . CONSTRUÇÃO E POSITIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

No Brasil, os direitos humanos foram dispostos em etapas na construção do estado democrático de direito.

Segundo Celso Lafer, apresentando a obra de Norberto Bobbio, A Era dos Direitos, estas etapas aparecem nítidas na Constituição Federal Brasileira de 1988 e são definidas como: positivação: a etapa do reconhecimento através do Direito Positivo do valor da pessoa humana, é a etapa das declarações de direitos; generalização: a etapa do surgimento do princípio da igualdade e seu correspondente, o da não discriminação; internacionalização: a etapa caracterizada pelo apoio da comunidade internacional e normatização no Direito Internacional Público desses direitos reconhecidos e marcada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por fim, especificação: a etapa em que a tutela aos direitos humanos assinala um aprofundamento em função da especificação dos destinatários que até então eram genéricos (ser humano, cidadão) e que passam, nesta etapa, a serem categorizados segundo suas especificidades e necessidades especiais.

Trata-se da passagem do plano abstrato do destinatário genérico para o plano da categorização, por sua vez ligada ao gênero, ao grau de desenvolvimento biológico

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(criança, adolescente, idoso), ao estado ou condição da vida humana (deficientes físicos e mentais).

Assim, com relação ao destinatário genérico, seja como homem, seja como cidadão, que neste segundo caso já corresponde a certa forma de especificação, surge a exigência de responder como nova especificação à seguinte indagação: que homem, que cidadão ?

Emanam respostas distintivas dos gêneros, das fases da vida e dos estados físicos e psíquicos da existência humana.

Esta transformação evidencia-se juridicamente tanto no âmbito da legislação infra-constitucional e da Constituição Brasileira quanto das declarações internacionais de direitos.

É uma tendência mundial de determinação dos sujeitos de direito que, somada à internacionalização dos direitos, deveria apontar para maiores possibilidades de realização e efetivação dos direitos humanos.

No interior do contexto histórico, sob o ângulo de cada uma das doutrinas nascidas em cada uma das gerações de direitos, o liberalismo representa uma doutrina parcialmente igualitária visto que entre as liberdades protegidas estão todas aquelas das quais resultam as grandes desigualdades sociais nas sociedades capitalistas.[1]

Portanto, se as sociedades hoje existentes são inquestionavelmente sociedades de desiguais, doutrinas não igualitárias tendem a manter o status quo existente, enquanto que, neste sentido, as doutrinas igualitárias tornam-se reformadoras.

Tal como as doutrinas igualitárias, também as doutrinas não-igualitárias pressupõem não tanto a consideração da insuperável desigualdade humana, mas a avaliação positiva dessa ou daquela forma de desigualdade, seja entre indivíduos mais ou menos favorecidos pela natureza, seja entre raças, estirpes ou nações; elas pressupõem um juízo de valor oposto ao das doutrinas igualitárias, ou seja, o juízo segundo o qual a desigualdade é vista como favorável ou necessária à ordem social e ao progresso, devendo-se, portanto, respeitar e não abolir tais desigualdades.[2]

No Brasil, somente com o início do processo de democratização do país, a partir de 1985, é que o Estado passa a recepcionar relevantes tratados internacionais de direitos humanos.

Sob a égide da Constituição Brasileira de 1988 e seu primado de prevalência dos direitos humanos como norteador das relações internacionais, inúmeros instrumentos supra-nacionais de direitos humanos foram incorporados pelo Direito Brasileiro.

Na verdade, o Estado brasileiro passava por uma necessidade latente de reorganização de sua agenda internacional de forma condizente com as transformações internas oriundas do recente processo de democratização. Havia, naquele momento, a necessidade de se passar uma imagem internacional positiva de país respeitador dos direitos humanos dado o elevado grau de universalidade desses instrumentos que

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contam desde aquela época com a adesão de vários Estados integrantes da ordem internacional.[3]

Sendo assim, o processo de democratização do Brasil possibilitou sua reinserção no campo internacional de proteção dos direitos humanos, pela ratificação constitucional de tratados internacionais e, por sua vez, essa ratificação permitiu o fortalecimento do processo democrático através da ampliação da gama de direitos fundamentais por essa mesma democratização assegurados.

Neste contexto a proteção constitucional dos portadores de deficiência encontra amparo já nos princípios fundamentais explícitos nos artigos 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988 que são cidadania, dignidade da pessoa humana, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicação da pobreza e marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos sem quaisquer preconceitos.

2. O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Os princípios fundamentais dispostos nos artigos iniciais da Constituição brasileira remetem à preocupação do legislador pátrio em, objetivando garantir a não marginalização social das pessoas portadoras de deficiência, determinar em seu artigo 203, inciso IV, a habilitação, reabilitação e a integração à vida comunitária de pessoas com necessidades especiais.

Este e outros dispositivos constitucionais fundamentais revelam a preocupação do constituinte pela concepção de liberdade, igualdade e novos valores ligados a dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, a Constituição Federal brasileira de 1988 é um conjunto de princípios e regras destinadas à realização de um sistema aberto de valores. Dentre eles está o princípio da dignidade da pessoa humana, que ainda passa por um momento de elaboração doutrinária tanto no Brasil quanto no mundo, mas que de forma geral é aquele que assegura a todas as pessoas um espaço de integridade moral pela única razão de sua existência no mundo.

A dignidade humana relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência. "O conteúdo jurídico do princípio vem associado aos direitos fundamentais, envolvendo aspectos dos direitos individuais, políticos e sociais"[4]

A dignidade da pessoa humana está expressamente estabelecida na Carta Magna de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa brasileira. Em várias passagens, o constituinte proíbe que a vida seja extinta ou que seja submetida a padrões inadmissíveis, da perspectiva do que se compreenda por vida digna.

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Para Ingo Wolfgang Sarlet é indissociável a vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Bem salienta que a dignidade é um valor intrínseco da pessoa humana, sendo irrenunciável e inalienável, constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, devendo ser respeitada, promovida e protegida. Existindo como algo intrínseco ao ser humano, não pode ser criada, concedida ou retirada. Neste sentido, existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente. O Direito exerce, assim, papel crucial na proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.[5]

"Como tarefa imposta ao Estado, a dignidade da pessoa reclama que este guie as suas ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente, quanto objetivando a promoção da dignidade" [6], especialmente criando condições de exercício e fruição dessa dignidade.

Para tanto é essencial que se estabeleça a exata compreensão do sentido e conteúdo da dignidade da pessoa humana, que pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio passou a integrar a carta magna estatal, elevada a valor fundante do estado democrático de direito.

O constituinte de 1988 não incluiu a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais e sim, frisou-a como princípio fundamental, ou seja, é a positivação da dignidade na condição de princípio jurídico-constitucional fundamental.

Portanto, não há que se cogitar a existência de um direito à dignidade, mas tão somente se entendido como um direito ao respeito à dignidade, direito à proteção da dignidade, à promoção e desenvolvimento, uma vez que, como já dito, a dignidade constituiu uma qualidade inerente ao ser humano e que por isso não poderá ser concedida pelo ordenamento jurídico.

A dignidade da pessoa humana não é um direito fundamental em si mesma. Não se pode reconhecer que exista um direito fundamental à dignidade, sob pena de reduzir a amplitude e magnitude da noção de dignidade com que o legislador constituinte premiou-a em 1988 ao invocá-la como princípio fundamental do Estado-democrático de Direito.

Vale frisar que, é do grau de reconhecimento e proteção concedido à dignidade por cada ordem de Estado-nação e pela ordem internacional que depende sua concretização.

Neste ponto, nem mesmo a positivação constitucional da dignidade em princípio fundamental tem tido força suficiente para promover sua efetivação real e tão pouco impedir violações concretas à dignidade das pessoas.

Como apontado por Oscar Vilhena Vieira, na vida real do cidadão brasileiro saltam aos olhos as diferenças no campo econômico, social, cultural e político de nosso país, ora em razão da etnia, ora em razão da classe social, da condição física e psíquica ou até mesmo do sexo.

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As desigualdades, sejam por qualquer motivo determinadas, são imensas, surgindo assim a necessidade de invocar o princípio que determina a diferença legítima de tratamento que se deve a cada pessoa em razão de diferenças específicas.[7]

Ainda que não se possa falar em um conceito universal de dignidade da pessoa humana, em última análise, onde há desrespeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim, onde os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana constituiu, no dizer de Ingo Wolfgang Sarlet uma qualidade intrínseca e distintiva existente em cada ser humano e que o faz merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, assim, um conjunto de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável (critério da OMS), além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável no próprio destino e da vida em comum com os demais seres humanos, uma vez que não se pode descartar a dimensão social ou comunitária da dignidade, justamente por serem todos iguais em dignidade e direitos.

Portanto, somado ao princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se o princípio da igualdade, expresso no artigo 5º da Constituição Federal, sendo de suma importância para a compreensão de sua aplicabilidade aos portadores de necessidades especiais, a distinção entre suas diferentes formas de interpretação.

3. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A liberdade indica um estado da pessoa, enquanto indivíduo em sua singularidade, um ser humano livre. A igualdade, uma relação, um ser social que deve estar numa relação de igualdade com os demais indivíduos sociais.

Tanto a liberdade quanto a igualdade são valores fundantes de um estado democrático, não obstante uma sociedade de absolutamente livres e iguais possa parecer uma utopia.

Na verdade, a liberdade e a igualdade pretendidas devem regular uma sociedade de tal modo que os indivíduos que nela coexistam sejam o mais livre e o mais igual possível do que em qualquer outra forma de regime de convivência.

A igualdade, como valor supremo ideário de uma sociedade ordenada, feliz e civilizada aparece acoplada à liberdade. Ambas têm na linguagem política um significado emotivo predominantemente positivo, mas o significado descritivo dos termos se torna impreciso face a ambigüidade e indeterminação.

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No que tange a igualdade, a dificuldade em estabelecer seu significado descritivo está em sua indeterminação, posto que, dizer que dois indivíduos são iguais sem nenhuma outra especificação concreta nada representa na linguagem política. Neste sentido, a determinação da igualdade deve estar atrelada ao conteúdo informativo da igualdade entre quem e a igualdade em quê.

Isto porque, enquanto a liberdade é uma qualidade do indivíduo, a igualdade é uma relação formal que pode ser preenchida por diversos conteúdos.

Assim, a igualdade é considerada para os indivíduos de uma totalidade como um bem ou fim na medida em que esses indivíduos se encontrem num determinado tipo de relação entre si.

Em outras palavras, "o conceito e o valor da igualdade pressupõem, para sua aplicação, a presença de uma pluralidade de entes, cabendo estabelecer que tipo de relação existe entre eles (...) a igualdade é um modo de estabelecer um determinado tipo de relação entre os entes de uma totalidade".[8]

Diferentemente da clara distinção entre a igualdade e a liberdade, não raro a igualdade vem substituída por outra expressão utilizada como seu equivalente, a justiça.

É que a igualdade entre as partes, ou melhor, entes, como se utiliza Bobbio, deve ser instaurada acompanhada do respeito à legalidade para a instituição e conservação da ordem e da harmonia como um todo. Essas duas condições por sua vez, igualdade e legalidade, são indissociavelmente necessárias para a realização da justiça.

Cumpre dizer, a alteração das relações de igualdade podem introduzir injustiça, quando não observadas as leis, assim como a não observância das leis é uma ruptura do princípio de igualdade no qual a lei se inspira.

Este, aliás, é o clássico ensinamento de Aristóteles segundo o qual "evidentemente todos os atos conforme à lei são atos justos em certo sentido, pois os atos prescritos pela arte do legislador são conforme à lei e dizemos que cada um deles é justo"[9]

A igualdade é uma meta buscada na medida em que é considerada um ideal de harmonia entre os indivíduos de uma sociedade, ou seja, é justa.

Segundo Norberto Bobbio, conjugar os dois valores supremos da vida civil é usar a expressão liberdade e justiça, já que a igualdade é então um valor buscado somente quando seja condição necessária para a harmonia, a ordem e o equilíbrio das partes e de um sistema que se pretenda seja justo.

Ocorre que, conforme exposto, a justiça é um ideal enquanto que a igualdade é um fato. A igualdade envolver-se-á então em um problema de identificação do quê se torna desejável que dois indivíduos sejam iguais.

A fim de que a igualdade entre dois indivíduos seja considerada justa é que surgem critérios de justiça em que pretende-se estabelecer caso a caso, situação por situação, em que duas pessoas devem ser iguais. Estabelece-se quais aspectos deverão

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ser considerados relevantes para o fim de distinguir se aquela específica igualdade é desejável ou indesejável. Comumente os vários critérios são coordenados entre si e mérito, necessidade, antiguidade, dentre outros se unem em uma mesma situação concreta.

Uma vez sanadas as dificuldades inerentes à escolha dos critérios para se estabelecer quando duas pessoas devem ser consideradas iguais surge a regra de justiça, segundo a qual os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual, ou seja, a regra de justiça intervém para determinar que sejam tratados do mesmo modo os indivíduos que se encontrem em uma mesma categoria.

Como em Aristóteles, "se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais"[10].

Em síntese, primeiro estabelece-se como um determinado indivíduo deve ser tratado para o ser de forma justa e somente depois de se estabelecer o tratamento justo, em um segundo momento, surge a exigência de garantir que o tratamento igual seja reservado a todos os indivíduos que se encontrem em uma mesma situação. Este segundo momento é chamado de justiça na aplicação.

A regra de justiça é considerada justiça formal posto que não diz qual seja o melhor tratamento limitando-se somente a exigir sua aplicação igualitária, prescindindo de qualquer consideração sobre o conteúdo.

3.1 AS DIFERENTES MANIFESTAÇÕES DE IGUALDADE E A ESPECIFICIDADE DOS SUJEITOS

Uma das máximas políticas mais repetidas desde o final do século XVIII até os dias de hoje, expressa em forma de regra jurídica é a de que todos os homens são iguais.

Dizer que todos são iguais responde somente à primeira das duas perguntas formuladas anteriormente para dar conteúdo ao significado descritivo da igualdade: igualdade entre quem ? Todos.

Já quanto à segunda questão, 'igualdade em que ?' encontraremos a insuperável ambigüidade dos diversos significados dados à igualdade tantas quantas forem as respostas à questão.

Mas, nem mesmo Jean-Jacques Rousseau, defensor do igualitarismo defendeu um dia a possibilidade de que todos os homens fossem iguais em tudo. Para Rousseau, a espécie humana tem dois tipos de desigualdades: uma a que ele chama de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e a outra a que chama de desigualdade social, por depender de uma espécie de convenção a ser estabelecida, ou pelo menos autorizada, pelo consentimento dos homens e produzidas por relações de domínio econômico, espiritual e político. "Esta consiste nos diferentes privilégios que alguns

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usufruem em prejuízo dos outros, como serem mais ricos, mais reverenciados e mais poderosos do que eles, ou mesmo em se fazerem obedecer por eles"[11].

Rousseau tem como fim a substituição desta segunda forma de desigualdade por uma igualdade moral e legítima.

Desta máxima que proclama que todos os homens são iguais, somente uma determinação pode-se dizer que seja acolhida universalmente: a de que todos são iguais perante a lei. No entanto, problemas de clareza também circundam este princípio de que a lei é igual para todos. Isto porque a igualdade perante a lei ora faz entender uma vinculação do juiz ao princípio, ora uma vinculação ou subordinação do legislador ao princípio, quando este toma a forma então de igualdade na lei, tornando-se um princípio diverso e bem mais significativo.

A dificuldade aumenta quando o enunciado da igualdade vem acompanhado de especificações de conteúdo os quais acabam por aceitar de forma tácita ou expressa formas de discriminação que permaneceram fora da mencionada prescrição legal.

Fato é que, existem entre os indivíduos diferenças relevantes e irrelevantes estabelecidas com base em opções de valor, o que faz com que o momento histórico interfira na inclusão ou exclusão de certas categorias de pessoas em determinadas formas de direitos, admitindo-se desta forma que a igualdade perante a lei seja entendida como o impedimento legal de qualquer discriminação não justificada.

É importante ainda distinguir a igualdade perante a lei da igualdade nos direitos e da igualdade de direito.

A igualdade nos direitos significa o igual gozo, por parte dos cidadãos, de alguns direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Neste sentido é a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) ao proclamar que todos os homens nascem e permanecem livres e iguais nos direitos. Assim, a igualdade nos direitos compreende, além do direito de igualdade perante a lei, todos os demais direitos fundamentais como direitos políticos, direitos civis, direitos sociais, proclamados na maior parte das constituições modernas.

Já a igualdade de direito, também chamada de igualdade jurídica é aquela que está em contraposição à igualdade de fato. É a igualdade que faz de todo indivíduo de uma determinada sociedade um sujeito de direito, um sujeito jurídico, mesmo os relativa ou absolutamente incapazes, sejam crianças, adolescentes, doentes mentais dentre outros.

Considerado um dos pilares da democracia, o princípio da igualdade de oportunidades tem como objetivo colocar os indivíduos de uma mesma sociedade em situação de igualdade para participar das disputas sociais e busca dos anseios mais significativos da vida em condições equilibradas, eqüitativas, ou seja, a partir de posições iguais. Como todas as outras formas de igualdade, esta também aponta para dificuldades oriundas principalmente das desigualdades de nascimento que somente são sanáveis caso se favoreça, por exemplo, o mais pobre em detrimento do mais rico, o fisicamente mais fraco em detrimento do mais forte, assegurando-se ao inicialmente

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menos favorecido certa vantagem em relação ao mais favorecido a fim de colocá-los em igual ponto de partida, promovendo a igualdade de condições.

"Desse modo, uma desigualdade torna-se um instrumento de igualdade pelo simples motivo que corrige uma desigualdade anterior: a nova igualdade é o resultado da equiparação de duas desigualdades"[12]

A igualdade de fato por sua vez, constitui uma exigência ou um ideal de concretização da igualdade. Também conhecida como igualdade material ou substancial, levanta questões de alta controvérsia a respeito das formas e dos modos específicos através dos quais se supõe que essa igualdade possa ser pretendida e realizada. É desta discussão que nasceram fórmulas como a cada um segundo suas necessidades, o critério da utilidade social, o vago critério da correspondência à natureza, a cada um na proporção de, a cada um em partes iguais, dentre outras tantas que serviram e servem até hoje de fundamento para diferentes ideologias igualitárias.

Neste ponto cumpre consignar que, ainda que o fundamento das doutrinas igualitárias seja a consideração da natureza comum de todos os homens, isto por si só não é suficiente para justificar o princípio fundamental do igualitarismo, ou seja, igualdade face a igualdade de genus, mas sim do juízo de valor segundo o qual a maior igualdade possível entre os homens é desejável.

Assim, a igualdade natural entre os homens não é suficiente, nem mesmo necessária, para fundamentar qualquer das formas de igualdade entre os indivíduos, mas pelo contrário, "a igualdade entendida como equalização dos diferentes é um ideal permanente e perene dos homens vivendo em sociedade. Toda superação dessa ou daquela discriminação é interpretada como uma etapa do progresso da civilização".[13]

Como nunca antes na história da civilização, a discriminação étnica, de sexo, de condição física ou psíquica ou de classe social tem sido vista como uma infâmia.

Pelas razões apontadas, a Constituição Federal Brasileira de 1988 introduziu a igualdade como um princípio fundamental de nossa ordem jurídica, com o reconhecimento normativo do direito à igualdade.

4. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O DIREITO À EDUCAÇÃO ESPECIAL: O DESAFIO

Os direitos humanos se constituem em base dos direitos das pessoas portadoras de deficiências. Estes, portanto, se enquadram plena e totalmente nos princípios da dignidade e da igualdade. Qualquer trabalho de estudo dos direitos da pessoa portadora de deficiência deve considerar como ponto de partida as normas relativas aos direitos humanos.[14]

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Os direitos das pessoas portadoras de deficiência estão entrelaçados e são interdependentes, de modo que um determinado conjunto normativo envolve todos os demais.

O direito à educação repercute nos direitos à saúde, ao trabalho, ao transporte, à prevenção de acidentes, à habilitação e à reabilitação, posto que corresponde à forma de aprimoramento intelectual que prepara o indivíduo para o exercício de uma profissão, para a integração de uma vida familiar e social[15].

O reconhecimento constitucional explícito dos direitos dos portadores de deficiência ocorreu em 1978, por meio da Emenda Constitucional nº 12 de 17 de outubro, em um único artigo que dispôs ser assegurada aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante educação especial e gratuita; assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; proibição de discriminação inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço público e a salários e possibilidade de acesso a edifício e logradouros públicos.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família.

O dever do Estado em relação às pessoas portadoras de deficiência está especificamente consignado no artigo 23, inciso II da Constituição Federal que é repetido no artigo 208 no que diz respeito ao direito à educação.

Nos termos do artigo 208 da Constituição Federal, o Estado, visando garantir o direito à educação, prevê atendimento educacional especializado gratuito a educandos com necessidades especiais, preferencialmente nas redes regulares de ensino.

Em junho de 1994, foi aprovada a Declaração de Salamanca sobre educação especial, por representantes de 88 países, incluindo o Brasil e de 25 organizações internacionais, em assembléia da Conferência Mundial de Educação Especial, que reconhece a educação especial como forma de equalização de oportunidades e de inclusão de pessoas com deficiência, razão pela qual deve ser parte integrante do sistema regular de ensino dos países signatários.

Note-se que os destinatários das normas acima citadas são, em primeiro plano, as pessoas jurídicas de Direito Público, não dependendo da intervenção do Poder Legislativo a viabilização das mesmas por parte do Poder Executivo, que deve implementá-las por meio de ações concretas e Programas de Educação Inclusiva a fim de dar cumprimento ao texto constitucional e à declaração internacional a qual aderiu.

Experiências em vários países demonstram que a integração de pessoas com necessidades educacionais especiais é mais efetiva dentro de escolas inclusivas, que servem a todas as crianças dentro da comunidade.[16]

Por outro lado, a implantação inadequada dos programas de inclusão dos portadores de necessidades especiais em escolas regulares pode, e não raro é o que resulta do panorama atual das escolas públicas do país, na contramão da mens legis, provocar uma verdadeira exclusão pela ausência do respeito à diversidade e portanto, pela ausência de tratamento especializado às pessoas às quais a Constituição Federal

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garante o direito de serem tratadas de forma desigual em razão de suas especificidades, o que nada tem de contraditório com o princípio da igualdade, mas pelo contrário, é uma de suas formas de manifestação conforme já esclarecido.

A legislação infraconstitucional pátria, ao tratar do tema da educação dos portadores de deficiência, confirma o direito de ser tratado prioritariamente e de modo adequado, constituindo obrigação nacional a cargo do Poder Público o oferecimento de educação especializada aos sujeitos de direitos que dela necessitem.

Sinaliza de forma clara a necessidade de alguns portadores de necessidades especiais precisarem, ainda que por período determinando, de ensino especializado para ter acesso aos cursos regulares, especialmente aqueles com deficiências mentais, auditivas ou com limitações físicas acentuadas.

Corrobora o entendimento de que a educação especial é a única maneira de o Estado assegurar ao portador de deficiência o direito à educação, uma vez que, para cumprir os preceitos constitucionais relativos ao direito à cidadania (que se traduz pelo direito à educação), é necessário que a rede pública de ensino mantenha classes especiais em suas unidades de ensino dotadas de recursos materiais e humanos voltados para educar e preparar o deficiente objetivando sua integração, se adequado, na rede regular de ensino.

Portanto, cumpre esclarecer que a partir da avaliação jurídico-constitucional do tema, em especial dos princípios fundamentais expostos, dois pontos são bem distintos para o cumprimento das normas legais de inclusão social dos portadores de deficiência: primeiro, a escola é que deve ser regular, ou seja, a expressão 'escola regular' corresponde tão somente a um ambiente físico em que se deve interagir e segundo, a educação continua sendo a especializada.

Em síntese, para que o Poder Público possa concretizar a inclusão social dos portadores de deficiência por meio de uma política educacional inclusiva, com respeito aos princípios fundamentais do Estado e aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais de direitos e proteção dos portadores de necessidades especiais, é imprescindível que as escolas regulares estejam efetivamente dotadas de pedagogia capaz de satisfazer tais necessidades e que os educadores que ali atuam sejam pessoas preparadas tanto do ponto de vista técnico quanto psicológico, aptos ao exercício da docência no acolhimento da diversidade, gestores comprometidos com a busca da qualidade e do respeito aos direitos constitucionais dos alunos com necessidades especiais, o que somente se realizará a partir de medidas governamentais de preparação e adequação das escolas regulares e seus educadores para o acolhimento dos portadores de deficiência, o que demanda, em última análise, tempo e dinheiro dos órgãos públicos responsáveis pelo ensino no país.

Em outras palavras, o verdadeiro desrespeito ao princípio da igualdade não está em deixar de incluir o portador de deficiência nas escolas regulares, mas sim, e com imensuráveis prejuízos, incluí-lo em escola regular sob a égide de métodos pedagógicos inapropriados, professores sem orientação específica, instalações físicas inadequadas ao acesso e movimentação dos alunos especiais, ausência de material didático específico para cada forma de deficiência.

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Cabe ressaltar que, visto por este ângulo, e somente por este, a educação inclusiva pode representar, a curto prazo, a violação do direito constitucional a educação especializada e a longo prazo, a eliminação das chances reais de inclusão social pela carência de desenvolvimento intelectual adequado à profissionalização, ao convívio familiar e social.

Neste sentido é que a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial proclama que somente as escolas regulares, que possuem 'orientação inclusiva' (em sentido técnico), constituem meios eficazes de combater atitudes discriminatórias, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos, o que em última instância direciona para a eficácia de todo o sistema educacional.

CONCLUSÃO

As considerações do presente artigo têm por finalidade motivar um olhar mais atento do Poder Público e das autoridades responsáveis pela proteção dos direitos dos portadores de necessidades especiais, apontando uma visão mais crítica e menos idealista a respeito da sistemática que vem sendo adotada no Brasil de cumprimento dos preceitos de inclusão social dos portadores de deficiência, em especial a educação inclusiva no ensino regular.

Considera-se que, muito distante do que se propaga no meio educacional, igualdade e diversidade não são realidades antagônicas, pelo menos não do ponto de vista jurídico, onde a criação de mecanismos de respeito e consideração à desigualdade dos desiguais é uma das formas de concretização do princípio da igualdade conforme previsto constitucionalmente.

Conclui-se que, as estruturas de ação propostas pelo governo e expressas por meio dos Programas de Educação Inclusiva, para que respeitem os direitos constitucionais dos alunos especiais, conforme exposto, devem ser precedidas de imediata adequação do meio ao fim, o que implica na efetivação de uma nova política educacional, inclusive com a contratação e especialização de educadores, preparação de gestores para as escolas públicas afinados com o novo pensamento em educação especial, readequação de conteúdos, flexibilização dos regulamentos escolares de modo que não afetem a criança portadora de deficiência, disponibilização de equipamentos, mobiliários, material pedagógico específico, enfim, a promoção de um ambiente favorável, com procedimentos e agentes aptos a efetivar a genuína equalização que o Princípio da Educação Inclusiva propõe, por meio de prévio planejamento e com a intervenção de todas as partes envolvidas e interessadas.

Cumpre frisar que, destacando-se os diferentes aspectos da educação inclusiva, básicos e imprescindíveis para a realização da educação especial é que se efetivam os direitos constitucionais dos portadores de deficiência que em sua plenitude são essências à dignidade humana e ao exercício dos Direitos Humanos.

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[1] BOBBIO. Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.41.

[2] BOBBIO. Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.39-40.

[3] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.43.

[4] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação dos Direitos Fundamentais. p.38.

[5]SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ltda., 2007.

[6] SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ltda., 2007, p.48.

[7] VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais - Uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006, p.285.

[8] BOBBIO. Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.13

[9] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.104.

[10] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.p.108-109.

[11] ROUSSEAU.J-J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Trad. Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 143.

[12] BOBBIO. Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.32.

[13] BOBBIO. Norberto. Igualdade e liberdade. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997, p.43.

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[14] ASSIS, Olney Queiroz. POZZOLI, Lafayette. Pessoa Deficiente: direitos e garantias. São Paulo: Edipro, 1992, p. 76,77

[15] ASSIS, Olney Queiroz. POZZOLI, Lafayette. Pessoa Portadora de Deficiência: direitos e garantias. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005.

[16] ASSIS, Olney Queiroz. POZZOLI, Lafayette. Pessoa Portadora de Deficiência: direitos e garantias. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, pg 313.

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