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EDUCAÇÃO, TRABALHO E COTIDIANO: AS ESCOLAS DE MENORES
APRENDIZES DO ARSENAL DE GUERRA DE PORTO ALEGRE
MAICON LOPES DOS SANTOS
Mestrando em História PUCRS – Bolsista CAPES
Resumo: Este trabalho busca analisar e compreender as relações sociais, políticas e
militares existentes dentro das Oficinas de Menores Aprendizes do Arsenal de Guerra
de Porto Alegre/RS, entre os anos de 1860 e 1870. Além disso, visa contribuir para uma
melhor compreensão no estudo da infância, assistencialismo e educação e a sua
importância na composição da força de trabalho dos Arsenais de Guerra do Império,
mais especificamente no Arsenal existente na Província de São Pedro do Rio Grande do
Sul.
Palavras chave: menores aprendizes – arsenal de guerra – assistencialismo
Introdução
A temática principal apresentada neste trabalho faz referência às relações sociais
existentes entre trabalho e educação nas Oficinas do Arsenal de Guerra de Porto Alegre
entre os anos de 1860 e 1870. A problemática principal é investigar e analisar a
possibilidade de existência, ou relação de uma estrutura de trabalho e educação
organizada pelo Estado Imperial para o desenvolvimento de mão de obra especializada e
livre, com as relações sociais da época no Rio Grande do Sul e os mecanismos de
sobrevivência da população pobre e instituições filantrópicas de assistencialismo frente
às dificuldades de manter a educação subsistência infantil no período.
Visa também levantar uma análise das relações de uma instituição total de
ensino com uma conduta de disciplina militar imposta aos educados e as formas de
resistência ou adequação dos mesmos frente ao rígido cotidiano militar. Além de tentar
compreender como eram aproveitados esses menores aprendizes pelo Estado, após sua
educação, no engajamento militar e trabalho compulsório nas oficinas do Arsenal de
Guerra. Tentaremos estudar como ocorriam as relações sociais no entorno e dentro do
próprio Arsenal de Guerra e suas fábricas e oficinas, com o cotidiano dos aprendizes no
convívio diário com militares, trabalhadores, escravos prisioneiros de guerra, africanos
livres e cativos, compradores e vendedores que frequentavam diariamente o Arsenal.
Metodologia
A partir da década de 1980 a história social passou a ganhar força no meio
acadêmico do Brasil, com a chamada história da família, novas perspectivas de estudo e
novas questões passaram a ser adotadas, como as concepções de família e as estratégias
de sobrevivência e resistência adotadas por estes grupos sociais (CASTRO, 1997, p.
50). Os estudos sociais sobre a infância no Brasil se ramificaram desta área, onde a
problematizarão e a expansão de pesquisa e do conhecimento histórico e de novas
perspectivas de teórico metodológicas, como a micro história e a redução de escala, fez
surgir novos agentes históricos, no caso da nossa pesquisa os menores aprendizes das
Oficinas do Arsenal de Guerra.
Ao utilizarmos o aporte metodológico da redução de escala (REVEL, 2000, p. 7
– 37) para a nossa pesquisa, buscamos entender o cotidiano da instituição militar e
trabalhar com sujeitos sociais e históricos que estão nas páginas apresentadas pelas
nossas fontes, onde baseados em uma análise qualitativa e quantitativa, onde
buscaremos uma abordagem histórica eu valorize o cotidiano, as experiências e relações
pessoais e sociais dos sujeitos históricos aqui estudados, sem deixá-los, no entanto, de
situa-los nos diferentes contextos e subordinações a regras e condutas sociais e militares
aos quais os mesmos estavam inseridos.
Uma vez que os personagens históricos e sociais que buscamos evidenciar em
nossa pesquisa, estavam inseridos um contexto militar de subordinação, o que nos leva
muitas vezes as descontinuidades, ausências e silêncios e lacunas que encontramos nas
fontes fazem parte do trabalho do historiador, por se tratar de fontes produzidas pelas
autoridades burocráticas do Estado Imperial, responsáveis por disciplinar o trabalho e a
vida dos trabalhadores, aprendizes e militares que estavam inseridos dentro do Arsenal.
Sobre a disciplina e o uso dos regulamentos utilizados pelas instituições militares para
disciplinar seus trabalhadores, Michelle Perrot nos diz:
“sobre a disciplina, nossas principais fontes provém das classes
dominantes; discursos de cima, às vezes elas exprimem mais um
projeto ou programa do que propriamente uma operação, ora, é
preciso lembrar que nunca um sistema disciplinar chegou a se realizar
plenamente. Feito para triunfar sobre uma resistência ele suscita
imediatamente um outra. O regulamento sempre é mais ou menos
contornado, e sua leitura não pode dar conta da vida cotidiana da
fábrica ou oficina.“ ( PERROT, 1992, p. 54-33)
A questão do trabalho do trabalho compulsório dentro das oficinas é visto como
um processo de disciplinamento e controle da população livre e pobre, como nos diz
Vinicius Pereira de Oliveira, onde o Estado Imperial recrutava aprendizes, para
trabalhar em suas oficinas, ao mesmo tempo em que continha esta população
heterogênea de possíveis levantes e desordens sociais, de maneira a construir uma
sociedade civil alinhada aos seus projetos (OLIVEIRA, 2013, p 17). O historiador
Álvaro do Nascimento nos diz que o estado Imperial era um voraz consumidor de
trabalho compulsório para as suas empresas públicas e militares (NASCIMENTO,
2013, p. 239), seja nas oficinas dos Arsenais de Guerra, nos estaleiros da Marinha, nas
prisões e demais estabelecimentos, onde a mão de obra livre, do trabalhador pobre, era
imprescindível para alinhar os objetivos das elites políticas e diligentes do Império, que
alegavam que esta iniciativa, iria impedir a criminalidade, o ócio e os maus costumes
aos jovens. (NASCIMENTO, 1998, p. 84-85).
O arsenal de guerra de Porto Alegre
No ano de 1774, na então nova capital do Rio Grande do Sul, o Arsenal de
Guerra de Porto Alegre começa a ser construído no lugar denominado “Praia do
Arsenal”, ou seja, uma zona litorânea do extremo da península, pela Rua da Praia, até a
Igreja das Dores (OLIVEIRA 1985, p. 53). Período em que a necessidade de
manutenção e apoio ao exército brasileiro no sul do país era de grande importância
devido às campanhas de conquista da então chamada Província Cisplatina (BARRETO,
1975, p. 217-300), atual Uruguai.
No ano de 1819, nas imediações dos Armazéns Reais, foi instalado o “Trem de
Guerra”, em anexo ao arsenal, o qual era um conjunto de oficinas onde trabalhavam
oficiais coronheiros e armeiros, alfaiates, funileiros, ferreiros e carpinteiros, dentre
outros militares especializados na fabricação de armas (OLIVEIRA, 1985, p. 102) e
suprimentos diversos.
O Arsenal de Guerra estava ligado diretamente com o crescimento social da
cidade de Porto Alegre. O prédio localizado na Rua da Praia, ao lado da Igreja das
Dores, centro e coração da cidade na época, era composto por um prédio e estaleiros
altamente vistos e comentados pelos cidadãos da época e até por visitantes. Como no
caso do famoso viajante, Auguste de Saint Hilaire afirma que:
Na extremidade da Rua da Praia existem dois prédios, vizinhos,
servindo de armazéns para a marinha, de depósito de armas, e onde se
instalou, para as necessidades das tropas, oficina de armeiro, seleiro e
carreiro. Causou-me admiração a ordem, o arranjo. Diga-se mesmo a
elegância, reinante na sala destinada ás armas de reserva. (SAINT-
HILAIRE, 1979, p. 63).
O Arsenal de Guerra de Porto Alegre, como instituição militar foi criado por
ordem do governo Imperial pela lei de 21 de Fevereiro de 18321, onde implantou
regulamentos administrativos para os Arsenais, da Corte, no Rio de Janeiro, e no Pará,
Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, e Mato Grosso (GERTZE, 1990 p. 228).
Dentro deste regulamento, estavam as condições de admissão de menores na
condição de aprendizes, determinando o número de meninos, e os segmentos de cada
um pertencentes às camadas mais carentes da população: os filhos de pais pobres,
indígenas os órfãos indigentes e expostos2.
São destes meninos, órfãos, expostos, pobres e indígenas que nós buscamos
fazer através de pesquisa e interrogações feitas em fontes primárias, resgatar suas
trajetórias como sujeitos sociais no meio em que estavam inseridos. Essas crianças, que
formaram as escolas de aprendizes do Arsenal, fazendo parte desta instituição militar e
interagindo com seus múltiplos espaços, regras e convivências dentro do Arsenal. Não
nos adentramos na história administrativa do Arsenal de Guerra3, pois o foco da nossa
pesquisa são os menores aprendizes e as suas relações dentro da instituição, mas sem
deixar de usar ou analisar suas normas, regras e acontecimentos que ocorriam em seu
interior.
No Arsenal de Guerra de Porto Alegre existiam duas classes de menores
aprendizes, a Classe Geral, regida e mantida pelos cofres Imperiais, e a Classe
Provincial, mantida pelos cofres públicos da província. Eram admitidos nestas
instituições crianças dos oito aos doze anos de idade, conforme o regulamento de 25 de
1 Regulamento datado de 21 de fevereiro de 1832. Coleção Leis e Decretos do Império do Brasil.. Rio de
Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher, 1832. v.7. 2 Regulamento de 1832. Op cit. 3 Para maiores detalhes sobre a história administrativa do Arsenal ver: CRUDO, 1999 e GERTZE, 1990.
Fevereiro de 1848. Estes meninos ficavam a cargo da educação militar em regime de
aquartelamento, sendo permitido, aos aprendizes, o direito de visitar a família, no caso
de quem possuía uma. Nos dias de festas santas e feriados a licença duravam de três a
seis dias, dependendo esta licença do local onde residiam as crianças4. A documentação
demonstra que não somente da cidade de Porto Alegre vinham os aprendizes do
Arsenal, mas de várias localidades da região.5
O regulamento da classe provincial e o modelo adotado para a admissão de
meninos e a sua educação, veio da ideia expressa no ano de 1848, do então Presidente
da Província e Comandante do Exército em Guarnição, Francisco José de Souza Soares
de Andréa. Francisco de Andréa, através de seu relatório, relata sua experiência positiva
na implantação da instituição feita por ele na primeira escola dos Meninos do "Trem",
no ano de 1817, na Província de Pernambuco. Ele relata que deveria ser imitado nas
demais províncias, e aproveitando-se que em Porto Alegre, já funcionava um
estabelecimento de amparo e educação militar, devia esta mesma instituição seguir
regras e os devidos padrões em sua regulação, conforme sua experiência anterior:
Em lugar de Aprendizes anexos aos Arsenais, eu criei ali uma escola
separada, e sobre si, de Meninos destinada a todos os misteres que quisessem
aprender, e para que quaisquer Mestres os requisitassem...[...] Estes meninos
entregues a um pedagogo, que felizmente encontrei a propósito, e cujo
estabelecimento ainda existe, instruem-se em casa para isso destinada, ou
colégio, de tudo quanto lhes é conveniente até as oito horas do dia, como seja
Doutrina Cristã, ler, escrever, contar e algum desenho linear; feito isto e
tendo almoçado, saem, debaixo de forma em diversas direções, e
comandados por um deles para as diversas oficinas,em que têm trabalho.6
Como percebemos, a criação de uma escola e alojamento para manutenção
desses meninos, começa a se dar a partir deste período. Onde os aprendizes passam a
residir fora do âmbito militar, sendo somente nos períodos dos seus trabalhos nas
4 Para mais informações sobre os regulamentos da instrução pública no Rio Grande do Sul ver
SCHNEIDER, 1993. 5 Os fundos pesquisados, pertencentes ao Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, onde se encontra o
fundo do Arsenal de Guerra, contendo 56 caixas com documentos administrativos enviados para os
presidentes da Província, pelos diretores do Arsenal, por cerca de 100 anos período compreendido entre
1807 e 1899. Alem destes relatórios, outra fonte rica, que encontramos no mesmo arquivo, é a
documentação enviada pelo Presidente da Província, para o Arsenal de Guerra, que se encontra no Fundo
A. 04. Registro de correspondências expedidas para autoridades militares, entre esses o diretor do
Arsenal, documentação que abrange o período de1840 a 1870. 6 Additamento feito ao relatorio, que perante a Assembléa Provincial do Rio-Grande de São Pedro do Sul,
dirigio o exm.o vice-presidente da provincia em sessão de 4 de março de 1848, pelo Illm.o e Exm. o sr.
presidente da provincia e commandante do exercito em guarnição, Francisco José de Souza Soares de
Andréa, para ser presente á mesma Assembléa. Porto Alegre, Typ. do Commercio, 1848. p.18
oficinas, onde os mesmos aprendiam uma profissão, ao mesmo tempo em que
mantinham contato com o ambiente de trabalho fabril.
Mais tarde o regulamento 45, de 25 de Janeiro de 1859, veio reformular o de 25
de Fevereiro de 1848, reforçando as regras, como a manutenção de duas classes de
aprendizes, uma a cargo dos cofres Provinciais e outra Geral, mantida pelo Império. E é
neste mesmo regulamento e lei, que em 1860, os aprendizes voltam a residir nas
imediações do Arsenal, por ordem do Presidente da Província, onde lhe pouparia aos
cofres públicos uma despesa de 480 réis anuais com o aluguel de um prédio, para os
aprendizes, junto com o pedagogo pernoitarem.
Mas estes menores passam a residir em um sobrado, dentro do Arsenal, onde o
mesmo não apresentava as condições necessárias nem os cômodos indispensáveis para
um estabelecimento de tal natureza. Mesmo assim, segundo o relatório de 18687, estava
se fazendo o possível para manterem-se estes educando com o que lhes era disponível
para acomodações, conforme as suas necessidades. Mas, no mesmo estabelecimento se
via indispensável uma enfermaria própria para cuidar dos menores aprendizes que
padecessem de doenças.
Ao nos defrontarmos, em nossa pesquisa, com uma ampla documentação sobre
os regimentos e acontecimentos sobre o Arsenal de Guerra e os menores aprendizes,
optamos por fazer um recorte temporal importante, não só pela disponibilidade de
tempo, mas também pela importância histórica do período. Na década de 1860,
acontecia uma grande mobilização militar na Província do Rio Grande do Sul, devido
aos acontecimentos da Guerra do Paraguai8.
Nossa pesquisa se concentrou na década de 1860, onde através de um estudo
analítico das fontes primárias, analisamos exemplos do cotidiano desta instituição
militar. Buscamos através de documentos, escritos por homens à frente da instituição
militar, que controlavam os menores, identificar os diferentes mecanismos de
sobrevivência, resistência e práticas sociais no cotidiano destes menores, como agentes
históricos ativos na sociedade porto alegrense do século XIX.
7 Relatorio apresentado ao exm. sr. presidente da provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul, dr.
Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello pelo dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha, 2.o vice-
presidente. Porto-Alegre, Typ. do Rio-Grandense, 1868. 8 Para uma melhor análise da Guerra do Paraguai, e a sua importância para o Brasil ver: DORATIOTO,
Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002,
617 p
Ao nos debruçarmos sobre nossas fontes, levantamos muitas perguntas e
problemas a cerca de quem teriam sido estes meninos que passaram, pelo Arsenal de
Guerra de Porto Alegre. A legislação vigente do funcionamento do Arsenal nos dá uma
pista, do grupo social e das condições impostas por lei para que as crianças fossem
admitidas como menores aprendizes:
1º Os expostos.
2º Os órfãos abandonados, que, sobre a falta de meios de subsistência,
soffrão a de parentes, a quem por direito caiba a sua tutela, subsistência, e
educação em estado de puderem satisfazer esta obrigação, ou socorro,
amparo, ou proteção de qualquer pessoa, associação ou corporação.
3º Os filhos de prezos pobres, durante a prisão, ou cumprimento da pena, que
estiverem nas condições do artigo antecedente.9
Percebemos a grande preocupação das autoridades, de dar assistência aos
menores, que por diferentes motivos, não tinham meios de se sustentar, tendo esses a
preferência para a admissão no estabelecimento. Entretanto, o mesmo regulamento
impõe regras, proibindo a admissão nos determinados casos:
1º Os menores que padecerem moléstia contagiosa, os idiotas, os eplepticos,
os que não forem robustos, ou que não gosarem de boa saúde.
2º Os escravos.
3º Os menores de mãos costumes.
4º Os que tiverem idade menor de 6, ou mais de 8 anos.10
Percebemos através da legislação que o assistencialismo promovido pela
instituição do Arsenal de Guerra, era voltado para a profissionalização e adestramento
de mão de obra. Assim, somente meninos robustos e aptos ao trabalho eram admitidos,
sendo excluído os carentes de moléstias, os filhos de escravos, e os que praticavam mau
comportamento, já comprovado, através dos registros policiais, ou de outras instituições
de onde provinham.
Sobre, o regime de aquartelamento, destas crianças, é interessante notar a
questão da separação destes meninos do restante da sociedade, para que desta forma
fossem ensinados e doutrinados, como nos diz Ariès, prática reclusiva esta que provem
desde a Idade Média:
9Regulamento datado de 21 de fevereiro de 1832. COLEÇÃO Leis e Decretos do Império do Brasil.. Rio
de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de Seignot-Plancher, 1832. v.7. 10 Op cit regulamento de 1832.
[...] se tornaram no inicio dos tempos modernos um meio de isolar cada vez
mais as crianças durante um período de formação tanto moral como intelectual,
de adestrá-las, graças a uma disciplina mais autoritária, e, desse modo, separá-
las da sociedade dos adultos. (ARIÈS, 1981, p. 165)
Mas esta escolha, de internar as crianças para o aprendizado, não era somente
uma prática para expostos, ou órfãos. Através dos documentos, comprovamos ser uma
prática comum na época para pais, mães, avós, tios e tutores legais, que não tendo
condições de manterem e dar subsistência para os meninos enviavam requerimentos ao
diretor do Arsenal de Guerra, em que suplicavam e pediam, para seus filhos e
educandos serem admitidos na instituição.
Utilizando-se da análise de nossas fontes, confrontamos com o resultado obtido
por Matilde Crudo. Em sua pesquisa a autora detalha em uma análise minuciosa com
fontes primárias do Arsenal de Guerra, e principalmente da Companhia de Aprendizes
do estado do Mato Grosso. Através de seus levantamentos é que faço uma pequena
comparação do seu trabalho com os dados que obtivemos através das muitas fontes
documentais sobre a instituição em Porto Alegre.
Percebemos uma semelhança entre o ocorrido em Mato Grosso e o Arsenal de
Porto Alegre, no que se refere a pedidos para admissão de menores na instituição
(CRUDO, 2005, p. 82). Em Mato Grosso, a análise revela que pelos pedidos, de mães e
criadores, e pelos pronomes de tratamento utilizados, no caso de “Dona”, antes do nome
da solicitante, revela um diferencial ao se dirigir a solicitante, no caso expressando
assim a classe social da mesma, ou seja, o pronome de tratamento dado as mães dos
menores, nos pedidos de inclusão no arsenal, será um demonstrativo social da situação
civil da mesma, sendo solteira, casada ou viúva.
Já em Porto Alegre, percebemos que não há esta utilização de pronomes, quando
o diretor do Arsenal se refere a diversas mães requerendo a entrada de seus filhos e
tutelados, como, por exemplo, Rosa de Lima de Gomes e seu filho Augusto11, Ignacia
da Conceição e seu filho Vidal12, Dimiciana Maria da Conceição e o menino Pedro13
sob sua criação e a viúva Fausta Tomazia Evangelista, pedindo a admissão de um dos
11 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 13 de Fevereiro de 1861. Maço
28, Caixa 23.AHRS. 12 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 13 de Janeiro de 1862. Maço
28, Caixa 23. AHRS. 13 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 10 de Janeiro de 1861. Maço
28, Caixa 23.AHRS.
seus três filhos de nome Honório14. É interessante ressaltar, que somente esta viúva foi
acrescentada um adjetivo, declarando a sua situação, possivelmente, viúva de bom
casamento, que passava por momento de necessidade.
A não inclusão de um adjetivo, e muitas vezes a diferença ou ausência de um
sobrenome nos meninos, é um retrato possível, de situações de filhos fora do
matrimonio. Possivelmente sendo os mesmos, criados somente pelas suas mães, que
sem condições de cuidarem sozinhas de seus filhos, pedem a inclusão nas escolas do
Arsenal, (CRUDO, 2005, p. 83) onde certamente, os meninos teriam uma melhor
condição de vida. Interessante ressaltar que este tema pode ser mais detalhadamente
abordado e trabalhado diretamente com questões sociais na cidade de Porto Alegre do
século XIX, no que se refere a sociedade, e inclusão e exclusão de filhos “indesejáveis”
que crescem sem a presença do pai, seja por morte do mesmo ou abandono, sobrando
assim, o papel da mãe de criar e buscar melhores condições de vida para seus filhos.
Estatística do número de menores aprendizes da Classe Provincial dos anos de
1860-186615
A admissão destes meninos, tidos como filhos de pais pobres, é uma questão
interessante no que se refere às práticas de controle social da época, em que retirando
estas crianças pobres da rua, se estava gradativamente reduzindo o número de possíveis
crimes na sociedade. Como vemos no gráfico acima, o aumento dos educandos pobres,
no período analisado.
14 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 29 de Janeiro de 1862. Maço
28, Caixa 23.AHRS. 15 Fundo Arsenal de Guerra. Relatórios anuais, dos menores aprendizes da Classe Provincial, enviados ao
Presidente da Província. Caixas 22, 23,24 e 25. AHRS
Percebemos o aumento gradativo da entrada de educandos na classe de
aprendizes, tanto dos meninos, considerados pobres e expostos da Santa Casa de
Misericórdia, como também de educandos vindos dos aldeamentos, de origem indígena,
como consta nos relatórios, provindos da Aldeia de Nonohay16, que segundo o
regulamento, tinham reservados 10 vagas na Classe Provincial.
Mais do que dados, estas informações, com o devido tempo e pesquisa mais
aprofundados, nos mostrarão quais caminhos foram percorridos por estes meninos, que
aprendiam e mais tarde exerciam uma profissão e eram considerados úteis ao Estado.
Percebemos isto, ao nos depararmos com o que lhes eram ensinados, como consta nos
relatórios anuais do diretor do Arsenal ao Presidente da Província, informando não só os
números de aprendizes, mas também suas profissões, como no ano de 1863, onde
constava no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, 2 aprendizes de alfaiate, 23 aprendizes
de carpinteiro, 13 aprendizes de correeiro e sapateiro, 7 de funileiros e 7 de latoeiro, que
dentre destes ainda 9 estudavam.17
Mas nem todos os meninos aprendizes, iam de livre espontânea vontade e
obedeciam aos mandos do pedagogo responsável por sua educação, igualmente como
ocorre no Mato Grosso (CRUDO, 2005, p. 262 -266), em Porto Alegre também
contamos com insubordinações como no caso do menor da Classe Geral João
Evangelista, que se portando desrespeitosamente para com o pedagogo José Amaro de
Miranda, e inflando seus colegas aprendizes para não mais obedecerem a seus
superiores, foi castigado e repreendido pelo mesmo pedagogo que não excedeu de vinte
e tantas palmadas.18
Do mesmo modo o menor de nome Antonio Maria de Jesus Xavier, branco,
aprendiz de carpinteiro em que ao ferir seu colega aprendiz, é expulso da instituição,
sendo feito um relatório sobre a sua má conduta, que diz:
16 Fundo Arsenal de Guerra. Mapa estatístico enviado ao Presidente da Província. 31 de Dezembro de
1862. Maço 28, Caixa 23. AHRS. 17 Relatorio aprezentado pelo presidente da provincia do Rio Grande do Sul, desembargador Francisco de
Assis Pereira Rocha, na 1.a sessão da 10.a legislatura da Assembléa Provincial. Porto Alegre, Typ. do
Jornal--A Ordem, 1862. 18 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 18 de Agosto de 1860. Maço
27, Caixa 22. AHRS.
Esse menor de 15 anos de idade é dotado de um péssimo caracter e até tem-se
encontrado diversas vezes facas debaixo do seu travesseiro de sua cama, [...]e
nada lhe tem servido os castigos que lhe tem sido aplicado até o dia de hoje.19
Fugas também eram repreendidas, pois com a concessão de licenças para visitar
seus familiares, temos casos de menores que não mais retornavam para o Arsenal de
Guerra. Sendo muitas vezes, solicitados e procurados pela própria policia, e é nestes
relatórios, onde constam os dados que podemos ter informações importantes sobre os
mesmos.
Temos a descrição de quatro menores ausentes da Classe Geral como
informados pelo pedagogo Jesuino José de Oliveira, em 23 de Fevereiro de 1866. São
eles : Antonio Bernardo filho de Domitilia Antonia de Jesus. 14 anos, funileiro, branco.
Ausente desde 3 de Fevereiro de 1863. Felipe Santiago, filho de Victoria Garcia do
Sacramento.18 anos, coronheiro, cor parda. Ausente desde 10 de Dezembro de 1862.
Joaquim Luiz Feijó, exposto da Santa Casa de Misericórdia. 17 anos, carpinteiro cor
indiática. Ausente desde 12 de Abril de 1863. Miguel Gonçalves de Araujo, neto de
Benedicta Maria da Conceição. 15 anos cor morena, carpinteiro. Ausente desde 7 de
Janeiro de 1865.20
Estes menores, fugitivos, são de diferentes procedências como consta nos dados
acima, mas o mais interessante é ressaltar, algo que não é perceptível até o presente
momento em outros documentos deste fundo, a cor dos menores. Como mencionado
anteriormente não era permitido a entrada de escravos no Arsenal, diferentemente do
que ocorria em Mato Grosso, onde os filhos de escravos tinham acesso as classes de
aprendizes(CRUDO, 2005, p. 94). Aqui vemos meninos de cor branca, cor parda,
morena e indiática, o que revela a procedência étnica diferenciada entre eles, o que nos
leva a suspeitar que nos demais aprendiz do Arsenal também houvesse esta
miscigenação.
Conclusão
Até o presente momento no Arquivo Histórico Rio Grande do Sul, não foi
possível localizar, leis e decretos e documentação primária que permitissem a entrada de
19 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 02 de Maio de 1866. Maço 30,
Caixa 24. AHRS. 20 Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios enviados ao Presidente da Província. 23 de Fevereiro de 1866. Maço
29, Caixa 24. AHRS.
filhos de escravos, libertos, pela lei do Ventre Livre de 1871, como se dá no Arsenal de
Guerra do Mato Grosso. A análise desta ausência de fontes e inserção do negro numa
sociedade escravagista, como era a sul rio-grandense da época, nos faz levantar
hipóteses da exclusão ou não de filho libertos de escravos no Arsenal de Guerra de
Porto Alegre. A falta de documentação não localizada até o presente momento pode ser
um indício desta segregação dos aprendizes, ligada diretamente ao contexto da
escravidão, não permitindo a estes filhos libertos por lei, o acesso a educação e o
amparo da instituição.
Por último, outro dado importante a ser analisado, desta descrição dos fugitivos
do Arsenal, é a idade. Fator importante é o relacionarmos da idade deles com o tempo
de aprendizagem no Arsenal de Guerra, pois com 18 anos é encerrado o aprendizado, e
os mesmo que estiverem em condição, tem praça assentado nos corpos do Exército, ou
nas oficinas do próprio Arsenal, como operários.21 Ao chegar, em determinada idade,
estas fugas funcionariam como um meio de fugir deste alistamento compulsório,
servindo como um meio de resistência, as práticas aderidas no período pela instituição
militar.
A análise destes documentos e casos, aqui apresentados, são apenas iniciais e
necessitam de uma pesquisa mais detalhada. Mas, servem para dar um panorama sobre
o Arsenal de Guerra de Porto Alegre e as suas escolas de Aprendizes, que com um
modelo de instituição militar, mantinha sob a sua tutela, expostos, órfãos, indígenas e
crianças carentes da Porto Alegre do século XIX; A instituição foi mantida até o ano de
1882, onde foi extinta por deliberação da Assembleia Legislativa.22 Instituição esta que
foi o palco para o aprendizado de centenas de jovens sul-rio-grandenses, e demais
diversos brasileiros, espalhados pelos Arsenais de Guerra do país.
REFERÊNCIAS:
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1981
21 Relatorio apresentado ao exm. sr. presidente da provincia de São Pedro do Rio Grande do Sul, dr.
Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello pelo dr. Antonio Augusto Pereira da Cunha, 2.o vice-
presidente. Porto-Alegre, Typ. do Rio-Grandense, 1868. 22 SCHNEIDER, op cit. 247-248.
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<http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4pa1065.htm>. Acesso em: 20 de Junho de
2015.
Additamento feito ao relatorio, que perante a Assembléa Provincial do Rio-Grande de
São Pedro do Sul, dirigio o exm.o vice-presidente da provincia em sessão de 4 de março
de 1848, pelo illm.o e exm.o sr. presidente da provincia e commandante do exercito em
guarnição, Francisco José de Souza Soares de Andréa, para ser presente á mesma
Assembléa. Porto Alegre, Typ. do Commercio, 1848. Disponível em < http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso em o1 de Junho de 2015.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 13 de Janeiro de 1862. Maço 28, Caixa 23.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 10 de Janeiro de 1861. Maço 28, Caixa 23.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 29 de Janeiro de 1862. Maço 28, Caixa 23.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra.
Relatórios anuais, dos menores aprendizes da Classe Provincial, enviados ao Presidente
da Província. Caixas 22, 23,24 e 25.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Mapa
estatístico enviado ao Presidente da Província. 31 de Dezembro de 1862. Maço 28,
Caixa 23.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 18 de Agosto de 1860. Maço 27, Caixa 22.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 02 de Maio de 1866. Maço 30, Caixa 24.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS) - Fundo Arsenal de Guerra. Ofícios
enviados ao Presidente da Província. 23 de Fevereiro de 1866. Maço 29, Caixa 24.
Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Livro de Entrada de Irmãos 1825- 1851.
Sessão de 24 de maio de 1849. folha 197v.
Regulamento datado de 21 de fevereiro de 1832. COLEÇÃO Leis e Decretos do
Império do Brasil.. Rio de Janeiro: Tipografia Imperial e Constitucional de Seignot-
Plancher, 1832. v.7.
Relatorio apresentado ao exm. sr. presidente da provincia de São Pedro do Rio Grande
do Sul, dr. Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello pelo dr. Antonio Augusto
Pereira da Cunha, 2.o vice-presidente. Porto-Alegre, Typ. do Rio-Grandense, 1868.
Disponível em < http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso
em o1 de Junho de 2015.
Relatorio aprezentado pelo presidente da provincia do Rio Grande do Sul,
desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha, na 1.a sessão da 10.a legislatura da
Assembléa Provincial. Porto Alegre, Typ. do Jornal--A Ordem, 1862. Disponível em <
http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso em o1 de Junho
de 2015.
Relatorio apresentado ao exm. sr. presidente da provincia de São Pedro do Rio Grande
do Sul, dr. Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello pelo dr. Antonio Augusto
Pereira da Cunha, 2.o vice-presidente. Porto-Alegre, Typ. do Rio-Grandense, 1868.
Disponível em < http://www-apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso
em o1 de Junho de 2015.