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EFEITO DO USO DE CORTICÓIDE INTRAMUSCULAR SOBRE O INTESTINO DE RATOS SUBMETIDOS À AÇÃO INTRAPERITONEAL DE MECÔNIO E URINA NEONATAL Paulo Roberto da Silva Ferreira Antônio Atalibio Hartmann Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Patologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre como requisito para a obtenção do grau de Doutor. 2009

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EFEITO DO USO DE CORTICIDE INTRAMUSCULAR SOBRE O

INTESTINO DE RATOS SUBMETIDOS AO INTRAPERITONEAL DE MECNIO E URINA NEONATAL

Paulo Roberto da Silva Ferreira

Antnio Atalibio Hartmann

Tese submetida ao Programa de Ps-Graduao em Patologia da Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre como requisito para a

obteno do grau de Doutor.

2009

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i

EFEITO DO USO DE CORTICIDE INTRAMUSCULAR SOBRE O

INTESTINO DE RATOS SUBMETIDOS AO INTRAPERITONEAL DE MECNIO E URINA NEONATAL

Paulo Roberto da Silva Ferreira

Antnio Atalibio Hartmann

Dissertao (Tese) submetida ao Programa de Ps-Graduao em Patologia da Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre como requisito para a

obteno do grau de Mestre (Doutor).

2009

ii

Agradecimentos

Aos meus pais. Pelo que sou.

A minha esposa Liliana pelo seu amor. Longe de ti no teria conseguido.

As minhas filhas Mariana e Paula pelo tempo roubado delas.

Aos colegas e residentes do Servio de Cirurgia Peditrica do Hospital da

Criana Santo Antnio.

Ao grupo de enfermagem da UTI Neonatal da Maternidade Mrio Totta.

Ao Hospital da Criana Santo Antnio, onde nasci e me criei.

Ao meu primeiro mestre, Professor Ubirajara Motta (in memoriun).

Ao Professor Antnio Hartmann, meu orientador.

Ao programa de Ps-Graduao da Universidade Federal de Cincias da

Sade de Porto Alegre (UFCSPA) pela estrutura oferecida em especial as

secretrias Ivanice (Nice) e Maristela pela ajuda sempre competente.

Aos funcionrios do biotrio do Programa de Ps-Graduao da

Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre (UFCSPA).

A Sra. Rosalva e a Sra. Terezinha, do Laboratrio de Patologia da

Universidade Federal de Cincias da Sade de Porto Alegre (UFCSPA), pela

confeco das lminas.

Aos alunos do curso de graduao em Medicida da Universidade Federal

de Cincias da Sade de Porto Alegre (UFCSPA) Ruy Miorim e Vinicius

Gonalves. Minha equipe de trabalho.

E por fim, um agradecimento muito especial ao colega, amigo e

incentivador Professor Srgio Amanta. Sem a sua ajuda a realizao desse

trabalho teria sido impossvel. Obrigado.

iii

Sumrio

A gastrosquise, defeito abdominal congnito normalmente direita do

cordo umbilical, por onde saem as vsceras intra-abdominais, geralmente os

intestinos, passou a ser objeto de inmeros trabalhos a partir da dcada de

1970. Em todos os casos de gastrosquise, os intestinos no so cobertos por

qualquer tipo de membrana, permanecendo expostos, em contato com o

lquido amnitico, durante a maior parte do perodo gestacional. Por esse

motivo, em maior ou menor grau, os rgos herniados encontram-se dilatados,

espessados e, algumas vezes, cobertos por uma intensa camada de tecido

inflamatrio. O resultado uma cavidade abdominal menor que o usual, o que

dificulta a tentativa de recolocao dessas vsceras em sua situao normal.

Somado a isso, a maioria dos pacientes apresenta um considervel retardo

para o estabelecimento de um trnsito intestinal compatvel com a ingesta oral.

Em alguns casos a gastrosquise pode estar associada m rotao intestinal,

podendo resultar em volvo intra-uterino com gangrena intestinal, levando

perfurao e peritonite meconial. As causas desses defeitos, bem como das

alteraes do tubo digestivo, no foram ainda adequadamente identificadas. No

entanto, est bem estabelecido que a condio dos intestinos, por ocasio do

nascimento, o principal fator a influenciar o prognstico desses pacientes.

sabido que a ao direta do lquido amnitico desencadeia, em maior

ou menor grau, uma reao inflamatria sobre as vsceras abdominais

determinando danos a esses rgos. A eliminao de produtos provenientes

dos resduos urinrios dentro do lquido amnitico foi, durante muito tempo, o

principal fator responsabilizado pelo dano intestinal nos pacientes portadores

iv

de gastrosquise, uma vez que a urina o principal componente desse

compartimento. Nos anos 90 novos estudos demonstraram que, mesmo na

ausncia de situao de estresse, o feto elimina no lquido amnitico resduos

provenientes do sistema digestrio. Logo, a excreo de resduos intestinais no

lquido amnitico , tambm, um evento fisiolgico e, conforme determinaram

vrios estudos experimentais, o principal responsvel pela leso inflamatria

observada sobre as alas intestinais evisceradas em pacientes portadores de

gastrosquise.

A sndrome do desconforto respiratrio do recm-nascido est associada

com a deficincia de surfactante pulmonar e representa uma sria complicao

da prematuridade, causando significativa morbidade e mortalidade a curto e

longo prazo. Em 1972, Liggins e Howie demonstraram que o corticide

antenatal reduzia significativamente a freqncia dessa sndrome e,

consequentemente, a mortalidade neonatal. Em 1994, o Instituto Nacional de

Sade dos Estados Unidos publicou a declarao consensual dos efeitos do

corticide para a maturao fetal. A partir dessas informaes foi recomendada

a utilizao da corticoterapia antenatal para mulheres com risco de parto pr-

termo. O uso dessa substncia no perodo neonatal foi um dos principais

fatores determinante da melhora da sobrevida desses pacientes portadores da

sndrome do desconforto respiratrio do recm-nascido. A partir do uso da

corticoterapia verificou-se que outras entidades nosolgicas como displasia

broncopulmonar, enterocolite necrosante, complicaes neurolgicas (como a

hemorragia intraperiventricular e a leucomalcia periventricular) tiveralm sua

incidncia e gravidade diminudas.

v

Portanto, uma vez estabelecida a indicao teraputica e a segurana do

tratamento com corticide durante a gestao, e, sendo essa substncia

potente anti-inflamatrio, preconizou-se, atravs desse experimento, verificar

se o uso de corticide altera as leses inflamatrias presentes sobre a parede

intestinal de fetos com gastrosquise, teriam alguma alterao com seu uso.

Usando ratos Wistar como animal de experimento, estudamos uso de

corticide intramuscular sobre o processo inflamatrio intestinal. Comparamos

os achados histolgicos entre os animais dos diferentes grupos de estudo

observando que essa substncia determinou um efeito protetor, com reduo

das alteraes inflamatrias presentes na parede das alas intestinais.

vi

NDICE

1 INTRODUO.................................................................................................71.1 Embriognese da parede abdominal ....................................................... 8

1.2 Aspectos histricos e definies .............................................................. 9

1.3 Patognese............................................................................................ 11

1.4 Epidemiologia ........................................................................................ 18

1.5 Abordagens obsttricas ......................................................................... 19

1.6 Morbidade e Mortalidade ....................................................................... 20

1.7 Tratamento............................................................................................. 21

1.8 Etiologias da leso intestinal.................................................................. 24

1.9 Corticide na prtica clnica ................................................................... 30

1.10 Justificativa para a realizao do estudo ............................................. 32

2 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..............................................................333 OBJETIVO.....................................................................................................51

3.1 Objetivo geral......................................................................................... 51

3.2 Objetivos especficos ............................................................................. 51

4 ARTIGOS CIENTI[FICOS.............................................................................524.1 Artigo Cientfico em ingls ..................................................................... 52

4.2 Artigo cientfico escrito em portugus .....................................................72

5 ANEXOS........................................................................................................935.1 ANEXO 1 ANLISES MICROSCPICA............................................ 93

5.2 ANEXO 2 PARECER DO COMITE DE TICA EM PESQUISA.......... 94

7

1 INTRODUO

A taxa de sobrevidada por gastrosquise em pases desenvolvidos gira

em torno de 90% (Alvarez e cols., 2007; Loane e cols., 2007; Fillingham e cols.,

2008; Gandara e cols, 2008; Srivastana e cols., 2009). A criao das modernas

unidades de terapia intensiva neonatal equipadas com aparelhagens

sofisticadas de monitoramento onde atuam profissionais treinados, capacitados

e conhecedores das caractersticas metablicas dos recm-nascidos, a opo

de obteno de subsdio calrico a partir da nutrio parenteral, o

aprimoramento no manejo pr-natal da gestante de alto risco com o

encaminhamento dessas pacientes para centros tercirios de referncia, a

melhoria dos mtodos diagnsticos bem como das complicaes associadas

s patologias cirrgicas neonatais determinaram essa taxa de mortalidade de

aproximadamente 10%. Esses fatores somados a maior habilidade do

anestesista peditrico, a maior experincia das equipes cirrgicas, com

melhoria das tcnicas de correo primria do defeito abdominal e do material

sinttico usado quando da impossibilidade desse tratamento (tratamento

estadiado), tais como as bolsas de silicone, contriburam sobremaneira para a

obteno desses resultados (Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein, 2006;

Fillingham e Rankin, 2008).

Na contramo desses ndices de sobrevida, encontram-se os pases em

desenvolvimento. Com algumas excees, as taxas de mortalidade nessas

regies situam-se em torno de 45-60%. A no realizao de avaliao pr-

natal, muitas vezes com o diagnostico da patologia no momento do

nascimento, leva a impossibilidade de encaminhamento da gestante de alto

8

risco para centros especializados e de referncia no atendimento do neonato

portador de patologia congnita. Isso acarreta, dentre outros fatores

prognsticos, ao retardo no tratamento cirrgico desses pacientes. A

inexistncia de cuidados bsicos de sade, associados s caractersticas

prprias da patologia, se traduzem em recm nascidos prematuros e de baixo

peso. O somatrio desses fatores contribui para o aumento nas taxas de

morbimortalidade em pacientes portadores de gastrosquise (Ameh e cols.,

2000; Amorin e cols., 2000; Patroni e cols., 2000; Vilela e cols., 2000; Ramos e

cols., 2001; Vilela e cols., 2001).

1.1 Embriognese da parede abdominal

As paredes anteriores e laterais do abdmen so compostas por nove

camadas, as quais tm, por funo principal, a proteo das estruturas

intracavitrias, bem como aes determinantes na dinmina respiratria,

miccional e defecatria, entre outras. O desenvolvimento da parede abdominal

inicia em torno da quarta semana de vida intra-uterina, porm sua estrutura

definitiva s estar completada aps a separao do cordo umbilical, no

momento do nascimento. A maior parte do seu desenvolvimento ocorre aps o

retorno do intestino mdio para a cavidade abdominal, em torno da dcima

semana gestacional, aps a reduo no tamanho do cordo umbilical. A parede

abdominal embrionria, composta por endoderma e ectoderma, denominada

de somatopleura. Esta invadida por mesoderma, proveniente dos mitomos

laterais, os quais daro origem s estruturas msculos-aponeurticas do

abdmen. Distrbios em qualquer fase da sua formao podem resultar em

9

uma srie de defeitos, que podem se estender em direo cranial,

comprometendo a parede torcica, bem como se estender caudalmente,

comprometendo a bexiga e outros rgos plvicos (Gray e Skandalakis, 1972

(a); Moore, 1990; Bax, 1994; Gandara e cols, 2008).

1.2 Aspectos histricos e definies

O termo exonfalo, do grego ex onphals, significa a sada de alguma

estrutura intra-abdominal atravs do cordo umbilical, na base do cordo. A

onfalocele definida como um defeito umbilical que possibilita a sada das

vsceras, porm, essas se encontram recobertas por uma membrana

avascular. O cordo umbilical est inserido normalmente no pice dessas

membranas (De Vries, 1980; Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein, 2006;

Gandara e cols., 2008).

As primeiras descries com maiores detalhes sobre gastrosquise foram

feitas a partir do perodo renascentista. Ambroise Par, no sculo XVI, foi o

primeiro autor a relatar com maiores detalhes esse tipo de malformao,

ressaltando o mau prognstico associado (Irving e Rickhan, 1978; Torfs e cols.,

1990). O termo gastrosquise foi introduzido por Ballantyne, no ano de 1904,

para designar todos os defeitos somticos abdominais, com exceo da

hrnia de cordo umbilical fisiolgica (Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein,

2006). A palavra, do grego gaster + schsis, significa, literalmente, estmago

aberto ou fendido. Esta uma designao imprpria, apesar de consagrada

pelo uso atravs do tempo, pois, na verdade, no a parede gstrica que se

encontra aberta, e, sim, a parede abdominal (Moore, 1990). Devido a isso,

10

alguns autores tm usado o termo laparosquise, abdominosquise,

paraonfalocele e onfalocele (De Vries, 1980). Em relao onfalocele, Benson

e cols., em 1949, descreveram a importncia de se classificar os defeitos no

cordo umbilical com mais de 4 cm de dimetro como onfalocele ou amniocele,

desde que as vsceras se encontrem cobertas por um saco avascular. O

mesmos autores guardam o termo, hrnia de cordo umbilical, para aqueles

defeitos com menos de 4 cm de dimetro tambm cobertos por peritnio e

membrana amnitica.

Em 1953, Moore e Stokes propem uma nova classificao para

diferenciar a onfalocele da gastrosquise baseada nos achados clnicos por

ocasio do nascimento.

Atualmente, por definio, gastrosquise um defeito abdominal que no

envolve o cordo umbilical. Defeito este que permite a sada dos rgos intra-

abdominais, normalmente os intestinos delgado e grosso, os quais, quase

sempre, se encontram recobertos, em maior ou menor grau, por um processo

inflamatrio. Esses rgos herniados no esto cobertos por nenhuma

membrana e o cordo umbilical apresenta insero normal. Alm dos

intestinos, mais raramente, outros rgos podem estar herniados tais como o

fgado, o estmago, a bexiga, o tero e anexos.

Por outro lado a onfalocele definida como um defeito umbilical que

possibilita a sada das vsceras. Porm, essas se encontram recobertas por

uma membrana avascular e o cordo umbilical est inserido normalmente no

pice dessas membranas (Torfs e cols., 1990; Minkes, 2005; Klein, 2006;

Gandara, 2008).

11

A primeira descrio que preenche os critrios propostos por Moore e

Stokes atribuda a Calder no ano de 1733 (Motta e Kubaski, 1994, Maksoud,

2002; Gandara e cols., 2008).

Moore e Stokes em 1953, publicaram uma reviso de 31 casos,

propondo uma subdiviso da gastrosquise em formas pr-natal e perinatal. A

primeira apresentaria um intestino bastante espessado e coberto por um

processo inflamatrio de grandes propores, bem como uma cavidade

abdominal pequena para receber os rgos herniados. Isso, segundo o autor,

seria decorrente da uma longa exposio visceral intra-uterina. A segunda

apresentaria um intestino com pouca reao inflamatria no nvel de sua

camada serosa, bem como uma cavidade abdominal de tamanho normal

correspondendo, conforme pensamento do autor, a uma eviscerao prxima

ao momento do nascimento. Apesar de, nessa poca, essa classificao

permitir uma diferenciao entre onfalocele e gastrosquise, restava definir, com

exatido, se eram patologias distintas ou se representavam apenas aspectos

diferentes em relao mesma doena (Minkes, 2005; Klein, 2006; Maksoud,

2002; Gandara e cols., 2008). At o incio da dcada de 60, a maioria dos

autores acreditava que a gastrosquise fosse resultado de uma ruptura intra-

uterina de uma onfalocele (Moore e Stokes, 1953; De Vries, 1980)

1.3 Patognese

Duhamel, no ano de 1963, props que a gastrosquise pudesse ser um

defeito da diferenciao do mesnquima que formaria as bordas da

somatopleura, pela ao de uma substncia teratognica enquanto que a

12

onfalocele resultaria de uma falha de fuso das pregas laterais da

somatopleura.

Na dcada de 70, Gray e Skandalakis (1972-a) julgavam que a

gastrosquise era uma falha na migrao dos mitomos dorsais. Apesar do

surgimento de novas teorias para explicar a gnese da gastrosquise,

predominava, entre os autores, a convico de que esta patologia resultava da

ruptura intra-uterina de uma onfalocele (Shaw, 1975; Motta e Kubaski, 1994;

Gandara e cols., 2008).

Em 1975, Shaw contestou as teorias teratognicas, mantendo a idia de

que a gastrosquise resultaria da ruptura de uma hrnia de cordo umbilical.

Essa ruptura ocorreria aps o pregueamento dos componentes somticos

anteriores e laterais da parede abdominal, mas antes do fechamento completo

do anel umbilical e da rotao e fixao do intestino dentro da cavidade

abdominal. Portanto, a quantidade de intestino eviscerado dependeria do

momento intra-tero que esta ruptura ocorreria. Para explicar a maior

incidncia de gastrosquise direita do cordo umbilical, o autor postulou que

essa caracterstica seria resultado da maior fragilidade das membranas desse

lado do cordo, devido involuo que normalmente ocorre da veia umbilical

direita. Uma das crticas feitas teoria de Shaw foi a de que seria difcil explicar

a dobra de pele existente entre o defeito e o cordo umbilical. O autor

ponderou que, aps a ruptura da membrana avascular, a pele cresceria a partir

dos bordos do defeito, fechando novamente a base do cordo, criando, assim,

o orifcio lateral. Esse, por sua vez, teria um dimetro reduzido, o que

propiciaria, por ao isqumica, a maior incidncia de atresias e estenoses

13

evidenciadas em pacientes portadores de gastrosquise. A teoria de Shaw tem

recebido apoio de outros autores, entre os quais, Glick e cols.(1985) que

evidenciaram, atravs de ecografia pr-natal seriada, a transformao de uma

hrnia de cordo umbilical tpica em uma gastrosquise.

Em 1980, De Vries descreveu uma nova teoria na qual onfalocele e

gastrosquise voltam a ser discutidas como patologias distintas. Conforme o

autor, o embrio humano em torno de 28 dias (classificado por este como

estgio 13) possui duas grandes veias umbilicais, localizadas bilateralmente, as

quais servem de drenagem no s da placenta e do pedculo embrionrio,

como tambm da parede abdominal em desenvolvimento. Os nutrientes

circulantes atravs destes vasos so importantes para a perfeita formao

embrionria e, como consequncia, para o mesnquima da somatopleura.

medida que o embrio se desenvolve ocorre a involuo da veia umbilical

direita, de modo que no embrio de 33 dias (classificado pelo autor como

estgio 14), somente alguns poucos plexos vasculares difusos podem ser

observados na rea da unio entre o pedculo embrionrio e a somatopleura,

local previamente ocupado pela veia umbilical direita. Segundo De Vries

(1980), qualquer anomalia no processo de involuo da veia umbilical direita

poderia produzir efeitos no crescimento e viabilidade do mesnquima

subjacente. Desse modo, uma atrofia prematura dessa veia, antes do

estabelecimento de uma circulao secundria adequada, poderia produzir um

enfraquecimento da somatopleura na juno com o pedculo embrionrio por

deficincia circulatria, levando ao infarto dos tecidos adjacentes. Esse defeito

poderia ser, inclusive, a persistncia anormal da veia umbilical direita.

14

medida que o intestino mdio se desenvolve, em torno de 37 dias (segundo o

autor, embrio no estgio 16), esse eviscera para o celoma extra-embrionrio,

no pedculo do embrio. Logo a seguir, ainda durante o estgio 16, a conexo

entre o intestino e o saco vitelnico desfeita, deixando o intestino mdio livre,

dentro do pedculo embrionrio. Nesse estgio, o intestino poderia herniar

atravs do defeito paraumbilical, continuando a crescer dentro da cavidade

amnitica. Assim sendo, o defeito responsvel pela formao da gastrosquise

seria a ruptura da somatopleura paraumbilical, por insuficincia vascular, ao

invs da ruptura de uma hrnia de cordo umbilical. Para corroborar ainda mais

sua teoria, o autor observou dois raros casos de gastrosquise onde o defeito se

localizava a esquerda do cordo umbilical, e verificou que, nestes dois

pacientes, havia ocorrido atrofia da veia umbilical esquerda.

Em 1981, Hoyme e cols., referiram que, para o acontecimento da

gastrosquise, tambm ocorreria, na sua gnese, um acidente vascular. O vaso

sangneo envolvido, segundo estes autores, seria a artria onfalo-mesentrica

(artria vitelina). No embrio de aproximadamente 30 dias, formam-se, a partir

de plexos vasculares provenientes da aorta, duas artrias viltelinas. Por um

processo controlado de morte e rearranjo vascular, a artria onfalo-mesentrica

esquerda involui e a direita persiste. Esta, na sua poro mais proximal, d

origem artria mesentrica superior, que em seu trajeto distal, segue o ducto

onfalo-mesentrico, atravs do anel umbilical, suprindo o saco vitelnico e nele

terminando. No feto o saco vitelnico est situado ventralmente e direita. Os

autores defendiam que uma obstruo ou ruptura intra-uterina da artria onfalo-

mesentrica produziria um infarto com necrose na base do cordo umbilical,

15

permitindo a eviscerao do intestino. Eles tambm acreditavam que leses

mais proximais, que comprometeriam a artria mesentrica superior, poderiam

produzir, tambm por insulto vascular, as atresias intestinais que muitas vezes

acompanham as gastrosquises. No que se refere ponte de pele entre o

defeito e o cordo umbilical, o autor concorda com a teoria de Shaw descrita

em 1975 de ruptura de uma hrnia do cordo umbilical.

Apesar de que ainda no existam concluses definitivas, o mecanismo

etiopatognico da gastrosquise pode estar relacionado a evento isqumico

decorrente de um insulto vascular (Duhamel, 1963; Hoyme e cols., 1981;

Hoyme e cols., 1983; Torfs, 1990). Alm disso, a etiologia desta leso vascular

tambm permanece desconhecida. A publicao de grandes sries de

pacientes tem demonstrado um risco relativo muito grande para o uso de

substncias vasoativas, tais como a pseudoefedrina e fenilpropanolamina

(Werler e cols., 1992), salicilatos (Warkany e Takacs, 1959; Draper e cols.,

2008; James e cols., 2008), tabaco e cocana (Hoyme e cols., 1990; Lam e

Torfs, 2006; Zamakhshary e Yanchar, 2007; Feldkamp e cols., 2008;

Weinsheimer e cols., 2008; Draper e cols., 2008), bem como nutrio

inadequada durante a gestao (Lam e Torfs, 2006). Alguns pesquisadores

tm induzido essas malformaes em ratos e coelhos pela administrao de

salicilatos (Warkany e Takacs, 1959; Werler e cols., 1992), estreptonigrina

(Warlany e Takacs, 1965), azul de trypan (Gillman e cols., 1948), talidomida,

clomifeno, ciclofosfamida e vimblastina, entre outras (Werler e cols, 1992;

Calzonary e cols, 1993; Weinsheimer e cols., 2008).

No ano de 1997, Aktug e cols. sugerem que a gastrosquise neonatal

16

somente uma parte de um espectro de desordens fetais, onde atuariam, na

gnese do defeito, tanto fatores vasculares como tambm, e principalmente,

fatores como a posio-defeito (defeito de parede abdominal versus defeito de

cordo umbilical) e a capacidade de cicatrizao do feto.

Em 2008, Feldkamp e cols. analisaram as teorias descritas na literatura

e afirmaram que todas as hipteses propostas para explicar o defeito

abdominal so falhas, uma vez que, no comparavam, na gnese do defeito

abdominal, as fases normais da evoluo embrionria da parede anterior e sua

ntima relao com a formao dos intestinos. Para eles a gastrosquise deveria

ser considerada mais uma malformao prpria da parede abdominal do que a

ruptura de estruturas pr-existentes. A partir da anlise embriolgica da

formao da parede do abdmen, esses pesquisadores descreveram que,

quando da fase trilaminar que compe o embrio, (endoderma, mesoderma e

ectoderma) quando esse est conectado ao saco embrionrio (yolk sac),

estrutura que em torno da 3 semana de desenvolvimento muito maior que o

prprio embrio, dobras do ectoderma fundem-se formando o tubo neural. De

modo concomitante ao fechamento neural, quatro dobras de ectoderma

fundem-se ventralmente para formar a parede abdominal, ou seja, uma dobra

cranial, uma dobra caudal e duas dobras laterais. A proliferao do mesoderma

facilita esse processo. Nesse mesmo perodo formam-se dois pedculos, como

estruturas independentes, uma se ligando ao corpo embrionrio e a outra se

ligando ao saco embrionrio. A abertura ao redor desses pedculos forma o

anel umbilical, que contm o ducto e a artria vitelina comunicando as

cavidades intra e extra-embrionria. Em torno da 5 semana o tubo intestinal

17

comea a alongar-se a partir do intestino primitivo (intestino mdio) que

permanece conectado as estruturas do saco embrionrio pelo ducto vitelino.

Esse se funde com os dois pedculos embrionrios dando origem ao cordo

umbilical. O eixo pelo qual o intestino primrio roda a artria mesentrica

superior, a qual formada a partir da coalescncia de algumas das muitas

artrias vitelinas nesta rea. A cavidade amnitica se expande, levando o

cordo umbilical a formar uma reflexo para dentro dessa. Quando da fuso

dos dois pedculos ao ducto vitelneo esse percorre um trajeto dentro do cordo

umbilical fixando-se ao intestino mdio e distal na forma de um conduto (onfalo-

mesentrico). Habitualmente os ductos remanescentes so absorvidos, mas

em alguns casos eles se mantm resultando em um divertculo de Meckel.

A partir desse conhecimento, Feldkamp e cols., defendem o que

chamam de hiptese alternativa onde a gastrosquise seria secundria a

anormalidades primrias do fechamento da parede abdominal. Um evento

embrinico precoce originrio entre a 3 e 5 semanas ps-concepo. Para

esses autores a gastrosquise, e outros defeitos de parede abdominal tais como

ectopia cardaca e extrofia vesical, so conseqncia da falncia de fuso de

uma ou mais dobras responsveis pelo fechamento da cavidade abdominal

comprometendo tambm a fuso dos dois pedculos, corporal e do saco

embrionrio, base para a formao do cordo umbilical. Como o intestino esta

aderido ao ducto vitelino, esse se deslocaria para dentro da cavidade amnitica

ao invs de percorrer seu trajeto normal dentro do cordo umbilical criando um

tipo de gastrosquise. Em relao a posio do defeito direita do cordo

umbilical os autores defendem que o pedculo do saco embrionriop, que se

18

localiza mais esquerda no decorrer da evoluo entre a 3 e 5 semanas de

vida embrionria, embora de menor tamanho, se mantm fixado ao intestino

mdio nessa posio. J o pedculo corporal embrionrio assume uma posio

mais a direita e esse desfaz sua ligao com o ducto vitelino. Tanto que, em

alguns casos, quando algum remanescente nfalo-mesentrico se mantm, na

forma de divertculo de Meckel p.e, este segmento intestinal sempre faz parte

da poro intestinal herniada atravs do defeito.

1.4 Epidemiologia

Em relao onfalocele e gastrosquise perduram, ainda, diferenas

epidemiolgicas e clnicas. Por exemplo, a maior ocorrncia de malformaes

associadas nos pacientes portadores de onfalocele, em torno de 30-53%, em

relao ao menor nmero, em torno de 5-24%, na gastrosquise (Baird e Mac

Donald, 1981; Motta e Kubaski, 1994; Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein,

2006; Gandara e cols., 2008; Stoll e cols., 2008). A prematuridade mais

comumente associada gastrosquise na comparao com a onfalocele (Torfs,

1990; Motta e Kubaski, 1994; Gandara e cols., 2008). Alguns autores tentaram

relacionar a ocorrncia de gastrosquise com o dficit nutricional da me (Torfs

e cols., 1998; Lam e Torfs, 2006). Vrias publicaes tm demonstrado que a

gastrosquise mais comum em gestaes de mulheres jovens (Roeper e cols.,

1987; Calzonary e cols., 1993; Martinez-Frias e cols., 1994; Loane e cols.,

2007; Fillingham e Rankin, 2008) e que a incidncia global de gastrosquise tem

aumentado nas ltimas dcadas (Hougland e cols., 2005; Alvarez e Burd, 2007;

Fillingham e Rankin, 2008; Vu e cols., 2008; Srivastava e cols., 2009).

19

A verdadeira incidncia populacional da gastrosquise permanece

desconhecida, provavelmente porque as estatsticas freqentemente so

originadas de registros que incluem os natimortos e erros diagnsticos, como,

por exemplo, classificao de uma onfalocele rota como sendo uma

gastrosquise ou vice-versa. Em outras vezes, excluem as interrupes de

gestaes, muitas vezes pelo diagnstico precoce dessa patologia, baseado

em dados como nveis elevados de alfa-feto-protena, ecografia pr-natal e

aminiocentese, especialmente quando so identificadas outras patologias

associadas. Dito isso, estima-se que a incidncia global de gastrosquise seja

de aproximadamente 1/ 10.000 nascimentos. Entre gestantes com mdia de 20

anos de idade a incidncia aumenta para uma proporo de 7/ 10.000

nascimentos (Martinez-Frias e cols., 1984; Calzonary e cols., 1993; Motta e

Kubaski, 1994; Roeper e cols., 1987; Loane e cols., 2007; Gandara e cols.,

2008; Fillingham e Rankin, 2008).

1.5 Abordagens obsttricas

A conduta obsttrica nos casos de gastrosquise tem sido revista na

literatura, no existindo consenso entre os autores sobre qual a melhor via de

parto. Alguns preconizam que a antecipao do parto diminuiria o tempo de

contato entre as alas intestinais expostas e o lquido amnitico, diminuindo a

ao deste sobre os rgos eviscerados. No entanto, esta aparente vantagem

traz consigo os riscos indesejados de um parto antes do termo. Alguns autores

afirmam ser a cesrea, entre a 35 e a 36 semanas gestacionais, a melhor

indicao de parto em pacientes portadores de gastrosquise (Lenke e Hatch,

20

1986; Whitte, 1998; Moore e cols., 1999; Gelas e cols., 2008; Hadidi e cols.,

2008; Serra e cols., 2008). Ergn e cols. (2005) acreditam que no exista

vantagem, na preveno da leso intestinal, com a antecipao atravs do

parto cesreo. Bethel e cols. (1989) e Abdel-Latif e cols, (2009) preconizam o

parto vaginal em paciente com gastrosquises. Por outro lado, Logghe e cols.

(2005), no descrevem alteraes neonatais importantes na comparao entre

parto via vaginal ou parto cesreo apesar do pequeno nmero de pacientes de

sua srie.

Embora no exista consenso, a maioria dos autores prefere acompanhar

a evoluo da gestao com ecografias seriadas, com o objetivo de identificar

alteraes no trato digestivo, as quais, se presentes, indicaro a interrupo da

gestao, em casos que no exista contra-indicao devido prematuridade

(Bond e cols., 1988; Lenke e cols., 1990; Kirck e Wah, 1998; Rinehart e cols.,

1999; Ergn e cols., 2005; David e cols., 2008).

1.6 Morbidade e Mortalidade

A mortalidade por gastrosquise, a qual varia de 7-80% dentro da

literatura, depende de uma srie de fatores, tais como, tamanho da leso,

anomalias associadas, idade gestacional, tratamento adotado e complicaes

ps-operatrias (Lorenzo e cols., 1987; Caiano e cols., 1990; Davies e Stringer,

1997; Cusick e cols., 1997; Snyder, 1999; Amorin e cols., 2000; Ameh e cols.,

2000; Patroni e cols., 2000; Vilela e cols., 2000; Ramos e cols., 2001; Vilela e

cols., 2001; Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein, 2006; Wada e cols., 2006;

Lund e cols., 2007; Gandara e cols., 2008; Reinshagen e cols., 2008). No

21

entanto, os avanos nas terapias cirrgicas e, principalmente, na terapia de

suporte dentro das unidades de terapia intensiva neonatais, tm elevado a taxa

de sobrevida dos pacientes portadores desta patologia para aproximadamente

90%. Essa sobrevida, entretanto, parece ser primariamente dependente das

condies dos intestinos por ocasio do nascimento (Stringel e Filler, 1979;

Fonkalsrud, 1980; Klein e cols., 1981; Canty e Collins, 1983; Swartz e cols.,

1986; Muraji e cols., 1989; Quadros e cols., 1991; Maksoud, 2002; Minkes,

2005; Klein, 2006; Fillingham e Rankin, 2008).

1.7 Tratamento

O tratamento preconizado para a gastrosquise o fechamento primrio

da cavidade abdominal to logo quanto possvel, com a reduo total das

vsceras para dentro do compartimento intra-abdominal (Motta e Kubaski, 1994;

Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein, 2006; Fillingham e Rankin, 2008;

Saranrittichai, 2008). indispensvel que esse fechamento ocorra sem tenso

para que se possa manter uma boa funo respiratria, permitindo o trabalho

da musculatura diafragmtica, manter o retorno venoso para o corao, sem

compresso da veia cava inferior, e conservar um bom fluxo esplncnico

(Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Klein, 2006; Maksoud-Filho e cols., 2006;

Fillingham, 2008). Cherian e cols. (2006) preconizam o uso da gastrografina

para um fechamento primrio sem tenso proporcionando melhor

esvaziamento intestinal. Quando esse procedimento no for possvel, utiliza-se

o tratamento estagiado, atravs do uso de diferentes substncias, as quais so

retiradas progressivamente, at permitir o fechamento da cavidade abdominal.

22

Com essa finalidade, retalhos cutneos (Boles, 1971), aponeurticos ou

musculares (Safer, 1968; Ein e Shandling, 1978), de cordo umbilical (Zivkovic,

1991), materiais sintticos, tais como, condom feminino (Bustroff-Silva e cols.,

2008), bolsa de hemoderivados (Miranda e cols., 1999), teflon (Shermeta e

Haller, 1975), silicone (Ugbam, 1989) e polietileno (Swift e cols., 1992), foram

utilizados na tentativa de cobrir e proteger os rgos abdominais herniados,

enquanto permitem o crescimento da cavidade abdominal e a reduo do

espessamento visceral. Allotey e cols, (2007) e Chiu e cols. (2006) afirmam que

o fechamento estagiado seria a melhor alternativa cirrgica, uma vez que

estaria associado a uma menor incidncia de complicaes decorrentes do

fechamento primrio com tenso abdominal, tais como, enterocolite

necrosante, barotrauma e sndrome compartimental.

A mnioinfuso, procedimento teraputico obsttrico usado no

tratamento das complicaes decorrentes do oligoidrmnios, foi utilizada por

Gabbe e cols. (1976) para a realizao de um estudo experimental com

macacos Rhesus com oligoidrmnio, com compresso do cordo umbilical e

desaceleraes cardacas. Posteriormente, Miyazaki e Taylor (1983) e

Hofmeyer (2000) indicaram a tcnica para fetos humanos que apresentavam os

mesmos problemas com resultados insatisfatrios. Ogita e cols. (1988) partindo

do mesmo raciocnio usaram essa terapia no tratamento das complicaes

decorrentes do rompimento prematuro de membranas, assim como, Hofmeyer

(2000) em casos de liquido amnitico meconial. Dommergues e cols., em 1996,

pela primeira vez descreveram os efeitos benficos da amnioinfuso sobre as

alteraes intestinais em fetos que apresentavam oligoidrmnio associado

23

gastrosquise. Em 1999, Luton e cols. realizaram o primeiro estudo experimental

em ovelhas descrevendo a amnioinfuso influenciando as alteraes intestinais

na gastrosquise. No mesmo ano, em uma pequena srie de casos,

descreveram o beneficio dessa terapia em fetos de humanos portadores de

gastrosquise. Sapin e cols., em 2000, a exemplo de Dommergues e cols.

(1996) usaram essa modalidade teraputica em casos de pacientes portadores

de gastrosquise associado oligoidrmnio severo. Os autores descreveram

efeitos benficos sobre as alas intestinais aps a realizao dessa terapia.

Ciftci e cols. (1998) e Aktug e cols. (1998) preconizaram o uso da mnioinfuso

na tentativa de prevenir o dano intestinal, atravs da diluio das substncias

causadoras dessa alterao presentes no lquido amnitico. Porm, as sries

em humanos so pequenas, os riscos do tratamento so grandes e novos

trabalhos experimentais sero necessrios para a comprovao da

mnioinfuso como modalidade teraputica segura

A melhor maneira e o melhor exame para o acompanhamento

gestacional da criana com gastrosquise ainda no foi determinada. Grundy e

cols. (1987), Bond e cols. (1988), Lenke e cols. (1990), Brum e cols. (1996),

Haddock e cols. (1996), Kirck e Wah (1998), David e cols. (2008) e Gandara e

cols. (2008), afirmaram ser importante a realizao de ecografia seriadas na

avaliao das alteraes intestinais que, em ltima anlise, determinariam um

pior prognstico em relao funo intestinal. Assim sendo, um achado

ecogrfico de ampla dilatao e espessamento da parede das alas intestinais

pode representar um sinal de pior prognstico em termos de funcionamento

dos intestinos.

24

As taxas de complicaes ps-operatrias giram em torno de 12 a 25%,

sendo mais freqentemente descritas a insuficincia respiratria, a infeco da

ferida operatria, o leo adinmico, a obstruo intestinal por bridas e a hrnia

incisional (Motta e Kubaski, 1994; Maksoud, 2002; Minkes, 2005; Gandara,

2008; Fillingham, 2008)

1.8 Etiologias da leso intestinal

Os principais objetivos no tratamento da gastrosquise so: 1) determinar,

a presena de malformaes associadas o mais rpido e corretamente

possvel; 2) determinar a necessidade de se realizar o parto em um centro de

referncia, que possua melhores condies tcnicas para o tratamento desse

recm-nascido malformado; 3) evitar danos nas alas evisceradas e; 4)

programar o parto na dependncia da idade gestacional e do aparecimento de

leso intestinal intra-tero.

Alteraes morfolgicas no intestino eviscerado, tais como

espessamento, encurtamento, dilatao e desenvolvimento de uma capa de

fibrina e colgeno; alteraes histolgicas, que vo desde um discreto edema

da submucosa at o infarto hemorrgico; e alteraes fisiolgicas, como a

hipoperistalse, defeitos absortivos e deficincias enzimticas, tm sido

descritas por inmeros autores (Motta e Kubaski, 1994; Maksoud, 2002;

Minkes, 2005; Gandarae cols., 2008; Fillingham, 2008). A causa exata dessas

alteraes permanece imprecisa, embora exista consenso de que a sobrevida

desses pacientes dependa diretamente das condies dos intestinos no

momento do nascimento (Grundy e cols., 1987; Bond e cols., 1988; Lenke e

25

cols., 1990; Kubaski, 1994; Motta e Kubaski, 1994; Brum e cols., 1996;

Haddock e cols., 1996; Kirk e Wah, 1998; Maksoud, 2002; Minkes, 2005;

Gandara e cols., 2008; Fillingham, 2008).

O primeiro estudo experimental, utilizando a cirurgia fetal para anlise

das possveis causas de alteraes morfolgicas no tubo digestivo secundrias

a uma gastrosquise, foi realizado por Sherman e cols. em 1973. A ao

mecnica, produzida pela constrico do intestino ao nvel do defeito na parede

abdominal, bem como a ao do lquido amnitico sobre as alas intestinais

durante a maior parte do perodo gestacional, tm sido sugeridas como

possveis agentes etiolgicos responsveis pelas alteraes encontradas na

gastrosquise em relao ao trato gastrointestinal (Sherman e cols., 1973;

Langer e cols., 1989; Langer e cols., 1990; Phillips e cols., 1991; Langer e

cols., 1997; Deans e cols., 1999; Srinathan e cols., 1995; Gandara e cols.,

2008)

Klck e cols. (1983), King (1985); Tibboel e cols. (1986-a), Tibboel e

cols. (1986-b), Lopez de Torre e cols. (1991), Lopez de Torre e cols. (1992) e

Albert e cols. (1993) demonstraram que as alteraes observadas nos

intestinos expostos ao lquido amnitico so decorrentes do tempo de

exposio dessas alas e das modificaes observadas nesse lquido aps o

incio da funo renal. A partir desse momento se observa aumento da

quantidade de urina que, conforme Lotgering e Wallenburg (1996) seria o

principal componente do liquido amnitico. Ainda com a idia de que a urina

a responsvel pelo dano intestinal, Aktug e cols. (1997) utilizaram embries de

galinha em um experimento onde o lquido mnio-alantico era substitudo por

26

uma substncia iso-osmolar. Os autores concluiram que a troca do liquido

amnitico por outra substncia reduz o dano ao intestino. Em 1998, Aktug e

cols., seguindo o mesmo raciocnio, realizaram a troca do lquido mnio-

alantico por soluo salina em diferentes concentraes. Novamente

concluiram que os intestinos expostos so sensveis qualidade do lquido

onde so banhados, e que a remoo de substncias qumicas presentes no

lquido mnio-alantico, prejudiciais ao intestino, podem prevenir um dano

maior a este rgo. De modo contrrio a esse raciocnio, Ferreira e cols., em

2003, em um experimento utilizando ratos, no detectaram diferena

estatisticamente significante em relao s reaes inflamatrias naqueles

animais submetidos injeo intraperitoneal de urina e o grupo controle.

Olguner e cols., 2006, estudaram a capacidade de diferentes taxas de inibidor

da tripsina urinria, substncia presente na urina fetal, atuar bloqueando a ao

inflamatria das citocinas em embries de galinha. Os autores determinaram,

usando diferentes concentraes do inibidor da tripsina urinria, que quanto

maior a concentrao dessa substncia, maior a inibio da ao das citocinas

e, conseqentemente, menor a reao inflamatria sobre os intestinos

eviscerados.

A partir da modificao do raciocnio vigente de que a urina era a

causadora do dano intestinal em pacientes com gastrosquise, vrios estudos

foram realizados na tentativa de determinar qual ou quais componentes do

lquido amnitico poderiam estar relacionados ao dano parede do intestino. A

partir do experimento de Abramovich e Gray (1982) autores como Kizilcan e

cols. (1994), Ciftci e cols. (1996), Akgr e cols. (1998) e Olguner e cols. (2000)

27

tambm demonstraram que, ao contrrio de ocorrer somente em situaes de

estresse fetal, a defecao fetal intra-uterina um evento fisiolgico sendo,

portando, essa substncia o maior responsvel pelos danos inflamatrios na

parede das alas intestinais observados nos pacientes portadores de

gastrosquise. Api e cols., 2001, na Turquia, usando embries de galinha,

observaram que quanto maior as concentraes de mecnio, maiores os danos

intestinais. Em 2002, Correia-Pinto e cols., em Portugal, chegaram ao mesmo

resultado em ratos.

Em 2001, Kanmaz e cols., utilizando ratos como modelo animal,

demonstraram que a diminuio do pH do lquido amnitico teria um efeito

protetor sobre as alas intestinais.

No ano de 2002, Hakgder e cols. (a), estudando com embries de

galinha, usaram o furosemide intra-amnitico. Obtiveram um aumento da

diurese com conseqente diluio das substncias presentes no lquido

amnitico, o que determinou um menor grau de reao inflamatria sobre a

parede das alas intestinais. No mesmo ano, agora estudando fetos de coelhas

e usando furosemide intra-amnitico, demonstraram uma queda significativa

nos nveis de uria, creatinina, bilirrubinas, amilase e fosfatase alcalina

(Hakgder e cols., 2002-b)

Subseqentemente Ciftci e cols. (1998), Aktug e cols. (1998) e Sencan e

cols. (2002), criaram experimentos que utilizaram embries de galinha e

realizaram a troca do lquido amnitico por soro fisiolgico 0,9%, demonstrando

um efeito benfico sobre o intestino. A partir da foi postulado o uso dessa

terapia em humanos na tentativa de prevenir o dano intestinal atravs da

28

diluio das substncias presentes no liquido amnitico.

Muoz e cols. (2002), investigando fetos de coelhos, observaram que os

animais que no foram submetidos mnioinfuso apresentavam um maior

comprometimento intestinal. Midrio e cols., em 2007, analisaram a

mnioinfuso em pacientes portadores de gastrosquise. Nessa srie

submeteram gestantes, no terceiro trimestre de gestao, a realizao do

procedimento duas vezes por ms. Dosaram inmeras substncias presentes

no lquido amnitico, em uma mdia de trs dosagens por feto, e descreveram

que no houve modificaes nas concentraes dessas substncias aps a

realizao de mnioinfuso. Concluiram que o procedimento no produz efeito

sobre o processo inflamatrio caracterstico na parede intestinal de fetos com

gastrosquise.

Em 2008, Marder e cols. realizaram um experimento para determinar in

vitro a quantidade de mnioinfuses necessrias para obter 75% de

diminuio de um agente nocivo. Utilizaram uma soluo fisiolgica em

diferentes quantidades, numa suposio de diferentes idades gestacionais,

tendo como agente agressor o nion cloro. Os autores descreveram que super

estimaram a quantidade de procedimentos que deveriam ser realizados at

alcanarem a concentrao de 75% do agente nocivo e acreditam que o

experimento possa ser usado no futuro na determinao do nmero correto de

mnioinfuses, na tentativa de retirada dos agentes nocivos parede do

intestino. Ashrafi e cols., em 2008, estudaram a mesma terapia em coelhas

prenhas. Criaram um grupo de fetos portadores de gastrosquise submetidos

colocao de um cateter de silicone intra-tero para realizao diria de

29

mnioinfuso. Estudaram o espessamento da camada muscular, o depsito de

colgeno e de fibrina na parede intestinal, bem como os gnglios nervosos do

plexo mioentrico. Concluram que no grupo da realizao das mnioinfuses

as leses intestinais foram menores.

Na tentativa de explicar a hipoperistalse intestinal caracterstica na

gastrosquise, Vannucchi e cols. (2003) na Itlia, relataram imaturidade

neuronal e desorganizao do plexo mioentrico em fetos de coelhos

portadores do defeito. O mesmo grupo, em 2004, determinou um retardo na

organizao do neurofilamento do citoesqueleto do neurnio motor. Em 2003,

na Universidade de So Paulo, Santos e cols. estudando coelhas prenhas,

observaram uma imaturidade das clulas nervosas mioentricas. Midrio e

cols.(2004) em fetos de ratos com gastrosquise, estudaram as clulas

responsveis pelo marca-passo intestinal (intestinal pacemaker cells),

denominadas de clulas de Cajal, constatando um retardo na sua maturao.

Em 2007, Vargun e cols., estudando embries de galinha com defeito

abdominal, tambm analisaram as clulas de Cajal aps a modificao do

lquido amnitico atravs do uso de soro fisiolgico 0.9% e de bicarbonato de

sdio. Verificaram que a morfologia das clulas permanecia normal, porm

observaram uma diminuio na sua densidade naquele grupo onde no foi

realizada qualquer modificao do lquido amnitico. Em 2001, Kanmaz e cols.

j tinham identificado um efeito benfico sobre a leso intestinal com a

diminuio do pH amnitico.

O uso de dexametasona transplacentria foi estudado por Yu e cols., em

2003, em Madri, demonstrando um efeito benfico sobre as alteraes

30

intestinais em embries de galinha com gastrosquise. O mesmo grupo, em

2004, relatou resultados semelhantes em ratos. Bitencourtt e cols., em 2006,

na Universidade de Campinas em So Paulo, atravs de uma modificao do

modelo experimental para criao de gastrosquise em ratos, descrito por

Correia-Pinto e cols. (2001) fizeram uso da dexametasona intraperitoneal. Os

autores observaram que, onde no foi usada a medicao, houve um aumento

nos dados morfomtricos do intestino.

Em 2006, Kale e cols. realizaram uma comparao entre aminocidos

amniticos, coletados por amniocentese, de gestantes com fetos com

gastrosquise e de mes com fetos portadores de Sndrome de Down (grupo

controle). Relataram um aumento na concentrao amnitica de aminocidos

em fetos com gastrosquise, provavelmente por perda fetal atravs do intestino

exposto em contato com o lquido amnitico.

aglar e cols. (2007), usando embries de galinha como animal de

experimento, verificaram a dosagem amnitica de inter-leucina-8, fosfatase

alcalina, amilase e ferritina. Os autores detectaram que nos fetos com

gastrosquise a nica substncia com concentrao aumentada era a ferritina,

sugerindo que ela possa ser usada como um marcador de dano intestinal.

Em 2008, Frana e cols. analisaram a maturidade do plexo mioentrico

em diferentes momentos da gestao de ratos portadores de gastrosquise. Os

autores concluram que, quanto maior o tempo de exposio das alas

intestinais ao lquido amnitico, maiores sero as alteraes.

1.9 Corticide na prtica clnica

31

O uso do corticide na maturao de rgos fetais, e de sua aplicao

segura, tem indicaes teraputicas definidas na literatura (Liggis e Hoyme,

1972; Crowley, 1995; Albuquerque e cols., 2002; Gross e cols., 2005;

Brownfoot e cols, 2008; Bonanno e cols., 2009). A prtica obsttrica lana mo

dessa substncia em inmeras situaes para a obteno de um recm

nascido prematuro mais apto para enfrentar o perodo neonatal. A sndrome do

desconforto respiratrio do recm-nascido est associada com a deficincia de

surfactante pulmonar e representa uma sria complicao da prematuridade,

causando significativa morbidade e mortalidade em curto e longo prazo

(Albuquerque e cols., 2002; Gross e cols., 2005). Foi no ano de 1972, que

Liggins e Hoyme relataram o primeiro trabalho demonstrando a reduo

significativa da morbidade e mortalidade nessa sndrome atravs do uso de

corticide. Em 1994, o Instituto Nacional de Sade dos Estados Unidos

publicou a declarao consensual dos efeitos do corticide para a maturao

fetal. A partir dessas informaes foi recomendada a utilizao da

corticoterapia antenatal para mulheres com risco de parto pr-termo. O uso

dessa substncia no perodo neonatal foi um dos principais fatores que levaram

a melhora da sobrevida desses pacientes portadores da sndrome do

desconforto respiratrio do recm-nascido. A partir do uso do corticide

verificou-se que outras entidades nosolgicas como displasia broncopulmonar,

enterocolite necrosante, complicaes neurolgicas, como a hemorragia

intraperiventricular e a leucomalcia periventricular, tiveram sua incidncia e

gravidade reduzidas (Crowley, 1995; Gross e cols., 2005; Brownfoot e cols.,

2008; Bonanno e cols., 2009).

32

1.10 Justificativa para a realizao do estudo

Sendo o corticosteride uma substncia usada com segurana na

maturao de diferentes rgos fetais na iminncia de parto prematuro,

somado a sua potente ao anti-inflamatria, e sabendo que as alteraes

presentes nas alas intestinais de pacientes com gastrosquise so uma

resposta inflamatria decorrente da ao direta do lquido amnitico sobre as

alas evisceradas, pergunta-se:

- poderia o corticide modificar essa resposta inflamatria evidenciada

sobre o intestino de pacientes portadores de gastrosquise?

Na tentativa de responder a essa indagao utilizamos um modelo

experimental com o objetivo de estudar a ao da urina e de mecnio estreis

aplicados na cavidade abdominal de ratos, na gnese do processo inflamatrio

sobre as alas intestinais. Simulamos, assim, a ao dessas substncias,

principais componentes do lquido amnitico, sobre os intestinos fetais de

pacientes portadores de gastrosquise. Uma vez evidenciada essa resposta

inflamatria sobre a parede do intestino estudaremos a ao do corticide

(dexametasona), um potente anti-inflamatrio no esteride, na capacidade de

modificao desse processo.

33

2 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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