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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO UNESP - Câmpus de Marília Programa de Pós-Graduação em Educação EZEQUIEL DE LIMA EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO - FUNDEB NA EDUCAÇÃO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARANÁ Marília SP 2015

EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA … · early childhood education, as budget law, multi-year plan, municipal laws positions ... ICMS-EXP Imposto sobre Circulação de Mercadorias

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA

    FILHO UNESP - Cmpus de Marlia

    Programa de Ps-Graduao em Educao

    EZEQUIEL DE LIMA

    EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO

    BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -

    FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN

    Marlia SP

    2015

  • EZEQUIEL DE LIMA

    EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO

    BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -

    FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Educao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho, Campus de Marlia, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof Dr Irade Marques de Freitas Barreiro

    Marlia SP

    2015

  • Lima, Ezequiel de.

    L732e Efeitos do fundo de desenvolvimento da educao

    bsica e valorizao dos profissionais da educao -

    FUNDEB na educao infantil de Medianeira - Paran /

    Ezequiel de Lima. Marlia, 2015.

    107 f. ; 30 cm.

    Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade

    Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Cincias, 2015.

    Bibliografia: f. 96-107

    Orientador: Irade Marques de Freitas Barreiro.

    1. Educao de crianas. 2. Educao - Financiamento.

    3. Polticas pblicas. 4. FUNDEF. I. Ttulo.

    CDD 379.1

  • EZEQUIEL DE LIMA

    EFEITOS DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAO

    BSICA E VALORIZAO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAO -

    FUNDEB NA EDUCAO INFANTIL DE MEDIANEIRA - PARAN

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Mestre em Educao pela

    Faculdade de Filosofia e Cincias, da Universidade Estadual Paulista Unesp

    Campus de Marlia, na rea de concentrao: Polticas Pblicas e Administrao da

    Educao Brasileira.

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________________

    Dr Irade Marques Freitas Barreiro

    Universidade Estadual Paulista - Campus de Assis

    _____________________________________________________

    Dr. Jos Milton de Lima

    Universidade Estadual Paulista - Campus de Presidente Prudente

    ______________________________________________________

    Dr. Graziela Zambo Abdian

    Universidade Estadual Paulista Campus de Marlia

    Marlia SP

    2015

  • AGRADECIMENTOS

    Dedico este trabalho Deus em primeiro lugar, pelo dom da vida, da perseverana e

    por toda luz nesta caminhada.

    minha orientadora, Dr. Irade Marques de Freitas Barreiro, pela orientao

    sempre segura, pelas crticas balizadoras, pelas sugestes iluminadas e pela

    dedicao dispensada na elaborao desta dissertao.

    minha famlia, especialmente minha esposa Denise, pelo permanente incentivo e

    apoio incondicional e aos meus filhos Felipe e Arthur, joias raras e estmulo para

    esta conquista.

    Aos coordenadores e professores do Minter UNESP/UTFPR, que colaboraram para

    o atingimento deste objetivo.

    Aos profissionais da Secretaria Municipal de Educao e demais servidores da

    Prefeitura Municipal de Medianeira, que no mediram esforos no sentido de

    viabilizar a coleta dos dados necessrios a esta pesquisa.

    Aos meus colegas do Minter, especialmente aos que partilharam conhecimentos e

    informaes, por tudo que passamos juntos, nas aulas, viagens, seminrios e

    congressos.

    Aos meus amigos, que me apoiaram e incentivaram, estendendo suas mos quando

    veio o cansao e o desnimo.

  • LIMA, E. Efeitos do Fundeb na educao infantil de Medianeira-PR. 99 p. Dissertao apresentada ao programa de ps-graduao em educao da FFC da Unesp, Marlia SP, 2015.

    RESUMO

    Esta pesquisa analisou efeitos do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao na educao infantil do municpio de Medianeira, Estado do Paran. A motivao para realizar a pesquisa esteve relacionada ao desejo de compreender a relao e a influncia entre polticas pblicas de financiamento da educao e os efeitos na educao. O estudo desenvolveu-se a partir de levantamento documental sobre os atos administrativos do municpio de Medianeira, relacionados educao infantil, como lei oramentria, plano plurianual, leis municipais de cargos e salrios dos profissionais da educao infantil, bem como levantamento de dados quantitativos e financiamento da educao infantil aps o Fundeb. O conjunto desses dados foi analisado com foco no contexto da prtica, do ciclo de polticas. O percurso terico-metodolgico, contou com pesquisadores da rea da educao e das cincias sociais A reconstituio histrica acerca da construo jurdico-brasileira dos direitos das crianas de zero a cinco anos, principalmente, aps a Constituio Federal de 1998 e leis infraconstitucionais subsequentes, na formao e organizao do campo da educao infantil como integrante da educao bsica, foi fundamental para melhor compreenso das polticas educacionais no contexto da prtica. Os efeitos revelados pela pesquisa demonstraram que houve: diminuio do dficit de vagas da educao infantil, mas com dificuldades de se atingir a meta do PNE 2014, de matricular 50% das crianas nas creches; aumento de gastos com a educao infantil, de forma mais intensa a partir de 2010, motivados por investimentos em construo de creches e aumento no quadro de profissionais; criao de cargo de educador infantil com atualizao e equiparao dos vencimentos aos demais professores da rede municipal. Finalmente, foram observados aspectos relacionados: ao Conselho do Fundeb no municpio, que evidenciou a necessidade de atuao mais dinmica no sentido de influir no planejamento das aes; e ao Plano Municipal de Educao, em fase de elaborao e que busca a participao mais efetiva da sociedade civil. Palavras chave: Educao infantil. Fundeb. Polticas pblicas de financiamento.

  • LIMA, E. Efeitos do Fundeb na educao infantil de Medianeira-PR. 99 p. Dissertao apresentada ao programa de ps-graduao em educao da FFC da Unesp, Marlia SP, 2015.

    ABSTRACT

    This research analyzes the purposes of the Fund for the Development of Basic Education and Valorization of Education Professionals in early childhood education in the city of Medianeira, State of Parana. The motivation to perform the search was related to the desire to understand the relationship and the influence of public policy education funding and the effects on education. The study was developed from archival work on the administrative acts of the municipality of Medianeira, related to early childhood education, as budget law, multi-year plan, municipal laws positions and salaries of early childhood professionals, as well mapping of quantitative data on early childhood education, and funding after Fundeb. These data were analyzed with a focus in the context of practice, the policy cycle. The theoretical and methodological approach, included researchers from the field of education and social sciences show the historical about the legal and Brazilian construction of the rights of children up to five years, mainly, after the Federal Constitution of 1998 and subsequent infra-laws, in the formation and organization of the field of early childhood education as part of basic education, was key to better understanding of educational policies in the context of practice. The effects revealed by the survey showed that there was: decreased deficit of places in early childhood education, but with difficulties to achieve the goal of the NAP 2014, enrolling 50% of children in day care centers; increased spending on early childhood education, more intensely from 2010, driven by investments in construction of kindergartens and increase in professional staff; creation of post of child educator with updating and equalization of salaries to other public school teachers. Finally, aspects were observed related: the Fundeb Council in the municipality, which highlighted the need for more dynamic performance in order to influence the planning; and the Municipal Education Plan, in preparation and seeking a more effective participation of civil society. Keywords: Childhood education. Fundeb. Public policy funding. .

  • SIGLRIO

    CF Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, expresso

    convencional, Constituio Federal de 1988

    CEB Cmara da Educao Bsica

    CEE Conselho Estadual de Educao do Paran

    CNE Conselho Nacional de Educao

    Coepre Coordenao de Educao Pr-Escolar

    Conae Conferncia Nacional de Educao

    Conanda Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente

    Coneb Conferncia Nacional de Educao Bsica

    CP Conselho Pleno

    DNCr Departamento Nacional da Criana

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    FAE Fundao de Assistncia ao Estudante

    FPE Fundo de Participao Estadual

    FPM Fundo de Participao dos Municpios

    Funabem Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor

    Fundeb Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao dos Profissionais da Educao

    Fundef Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

    Valorizao do Magistrio

    GOGM Grupo Ocupacional Geral do Magistrio

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    ICMS Imposto sobre Circulao de Mercadorias

    ICMS-EXP Imposto sobre Circulao de Mercadorias para Exportao

    INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

    INESC Instituto de Estudos Socioeconmicos

    Ipardes Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPCA ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo.

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

    IPI-EXP Imposto sobre Produtos Industrializados para Exportao

  • IPVA Impostos sobre a Propriedade de Veculos Automotores

    ITCMD Imposto de Transmisso Causa Mortis e Doao

    ITR Imposto Territorial Rural

    LBA Legio Brasileira de Assistncia

    Ldben Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    LDO Lei de Diretrizes Oramentrias

    LOA Lei do Oramento Anual

    LOAS Lei Orgnica de Assistncia Social

    MDS Ministrio de Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MEC Ministrio da Educao

    MS Ministrio da Sade

    OAB Ordem dos Advogados do Brasil

    OMEP Organizao Mundial de Educao Pr-Escolar

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PAC Programa de Acelerao do Crescimento

    PAR Plano de Aes Articuladas

    PBT Piso Bsico de Transio

    PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

    PIB Produto Interno Bruto

    PME Plano Municipal de Educao

    PMM Prefeitura Municipal de Medianeira

    Pnad Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    PNE Plano Nacional de Educao

    PPA Plano Plurianual

    Pronaica Programa Nacional de Ateno Integral Criana e Adolescente

    PSPN Piso Salarial Profissional Nacional

    SME Secretaria Municipal de Educao de Medianeira

    SUBPLAN Subprocuradoria-Geral de Justia para Assuntos de Planejamento

    Institucional

    Unesco Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura

    Unesp Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Unicef Fundos das Naes Unidas para a Infncia

  • LISTA DE GRFICOS

    Figura 1 Curso de formao para elaborao do PME ..................................................... 88

    Grfico 1 Matrculas na educao infantil na rede pblica de Medianeira-PR ...................... 67

    Grfico 2 Dficit de vagas em creche e pr-escola na rede pblica ........................................ 69

    Grfico 3 Movimentao financeira dos recursos do Fundeb no municpio em estudo. ..... 74

    Grfico 4 Variao das receitas totais e do Fundeb e inflao no perodo ........................... 75

    Grfico 5 Gastos com a educao infantil no municpio em estudo ....................................... 76

    Grfico 6 Quantitativo de profissionais atuantes na educao infantil ................................... 78

    Grfico 7 Evoluo do valor salarial do educador infantil ......................................................... 79

    Grfico 8 Evoluo dos salrios pagos, da inflao e do PSPN ............................................. 80

    Tabela 1 Unidades escolares que atendem fase creche em Medianeira .......................... 67

    Tabela 2 Unidades escolares que atendem fase pr-escola em Medianeira .................... 68

    Tabela 3 Base legal para formao das receitas do Fundeb ............................................ 72

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 10

    2 METODOLOGIA DO ESTUDO .............................................................................. 18

    2.1 TIPOS DE PESQUISA ............................................................................................................ 19

    2.2 COLETA E ANLISE DOS DADOS ..................................................................................... 21

    3 (DES)CAMINHOS DA EDUCAO INFANTIL NO BRASIL ................................ 23

    4 POLTICAS PBLICAS E A EDUCAO INFANTIL ........................................... 38

    4.1 POLTICAS PBLICAS PARA A EDUCAO INFANTIL ................................................ 39

    4.2 O FUNDEB E A EDUCAO INFANTIL NO PNE 2014 ................................................... 52

    5 ANLISE DOS DADOS ......................................................................................... 63

    5.1 DEMANDA E OFERTA DA EDUCAO INFANTIL EM MEDIANEIRA ......................... 65

    5.2 EVOLUO DAS RECEITAS E DESPESAS COM O FUNDEB ..................................... 71

    5.3 EDUCAO INFANTIL NA LEGISLAO MUNICIPAL ................................................... 81

    5.3.1 Profissionais da Educao e Normas Legais Medianeirenses ................................. 82

    5.3.2 Educador Infantil no Municpio de Medianeira ............................................................. 84

    5.3.3 Planos plurianuais do municpio de Medianeira .......................................................... 85

    5.3.4 Conselho do Fundeb no municpio de Medianeira ...................................................... 86

    5.3.5 Encaminhamentos do plano municipal de educao ................................................. 87

    5.4 A ANLISE SINTETIZADORA .............................................................................................. 89

    6 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 93

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 96

  • 10

    1 INTRODUO

    A educao infantil faz parte das polticas pblicas educacionais e juntamente

    com as suas formas de financiamento devem ser estudadas com profundidade e

    fazer parte de debates sobre a atuao do Estado e da sociedade. Esses debates

    devem envolver o conjunto da sociedade organizada para desvendar o papel do

    Estado, analisar as polticas em execuo, demarcar reas participao social e

    envolver a sociedade civil para garantir os avanos necessrios educao.

    A poltica de ateno criana no Brasil caminha no sentido de se

    instrumentalizar, tanto no mbito jurdico como nas esferas de atuao poltica. Esse

    aparato ainda no tem garantido o pleno atendimento s crianas, especialmente no

    tocante educao infantil, porque deixa grande parcela da populao na idade

    entre zero e cinco anos afastada dos direitos j consagrados pela Constituio

    Federal de 1988, Estatuto da Criana e do Adolescente de 1990 e Lei de Diretrizes e

    Bases da Educao Nacional de 1996. Tais afirmativas juntadas a uma experincia

    pessoal, suscitou o desejo em desenvolver esta pesquisa. Trata-se de experincias

    vividas como secretrio municipal de administrao e de finanas do municpio de

    Medianeira-PR, nos perodos de 1986/88 e 1993/96 respectivamente, quando foi

    possvel constatar como se dava o financiamento da educao pblica municipal.

    Naquele perodo, a falta de recursos financeiros para investimentos ou mesmo para

    atender necessidades bsicas para o bom encaminhamento das questes cotidianas

    em uma escola era motivo de muitas reflexes e embates.

    Naquela poca, no existiam o Fundef1 ou o Fundeb2 e, portanto, a rea de

    educao, mesmo tendo a obrigatoriedade de aplicao de 25% das receitas

    municipais, no era atendida de maneira satisfatria e muito menos era sentida a

    necessidade de equalizar o atendimento entre os nveis de ensino, definidas na Lei

    n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    1 Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio,

    instrudo pela Emenda Constitucional n 14, de 12 de setembro (BRASIL, 1996a), regulamentado pela Lei n 9.424, de 24 de setembro (BRASIL, 1996b) e Decreto Presidencial n 2.264, de 27 de junho (BRASIL, 1997). 2 Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais

    da Educao, instrudo pela Emenda Constitucional n 53, de 19 de dezembro de 2006 e regulamentado pela Lei n 11.494, de 20 de julho de 2007 e Decreto Presidencial n 6.253, de 13 de novembro de 2007. (BRASIL, 2006b, 2007ad).

  • 11

    Nacional (BRASIL, 1996c). No dia a dia, as necessidades sempre se mostravam

    maiores que os recursos e por no existe a obrigatoriedade de destinao

    especfica, comumente, as foras atuantes na esfera poltica direcionavam os gastos

    sempre para o atendimento dos nveis de ensino com maior poder de presso.

    Nesse caso, a educao infantil era sempre deixada para segundo plano em relao

    ao ensino fundamental que, na poca, atendia criana em fase de escolarizao da

    1a a 4a srie, com matrcula obrigatria aos sete anos de idade, atualmente, de 1 ao

    5 ano3.

    A educao bsica nacional vive um momento histrico mpar, impulsionado

    por foras econmica, cultural, poltica e social, que viabilizaram a insero da

    educao infantil em programas de financiamento do Governo Federal, mais

    acentuadamente depois do conjunto de Leis4 que instituiu a obrigatoriedade da

    promoo de aes objetivas para apoio s demandas da sociedade em relao aos

    cuidados e educao das crianas de zero a cinco anos de idade. histrico

    porque at a criao/implantao do Fundeb, em 2006-2007, havia ambivalncia do

    Governo Federal na gesto das polticas pblicas da educao infantil, dividida entre

    assistncia social e educao que, sobretudo, fragilizava a prpria concepo de

    educao infantil como dever do Estado e direito de todas as crianas. Devido a

    essa ambivalncia, os recursos provenientes da assistncia social se destinavam

    creche e os da educao pr-escola. Comumente, em ambas as fontes havia

    insuficincia de recursos para atender demanda. Porm, viabilizada pelos recursos

    provindos do Fundeb, houve a integrao das creches aos sistemas municipais de

    ensino e a expanso da oferta na educao infantil.

    Mediante o exposto, a presente pesquisa realizou levantamento de dados e

    informaes, tomado como subsdio o contexto da prtica, detalhado por Mainardes

    sobre o estudo do ciclo de polticas do socilogo Stephen Ball (2001e 2006), para

    sustentar reflexes sobre questes relativas ao atendimento escolar das crianas de

    zero a cinco anos de idade, no municpio de Medianeira PR, ao mesmo tempo que

    3 Lei n 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redao dos arts. 29, 30, 32 e 87 de Ldben/1996,

    dispe sobre a durao de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrcula obrigatria a partir dos 6 (seis) anos de idade. 4 Refere-se ao arcabouo legislativo infraconstitucional construdo a partir dos princpios emanados

    na Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 1988, e posteriores Emendas Constitucionais ordinrias que alteram dispositivos pertinentes aos direitos sociais e aos direitos fundamentais da criana e do adolescente. Em especial, ao longo desse estudo, menciona-se parte desse arcabouo, principalmente, aquela que interfere na dinmica do sistema educacional e do sistema de assistncia social.

  • 12

    propiciou a anlise de efeitos do Fundo de manuteno e desenvolvimento da

    educao bsica e de valorizao dos profissionais da educao na educao

    infantil de Medianeira PR.

    Informaes acerca da gesto municipal e respectivas polticas em relao ao

    oramento pblico, destinado ao atendimento da educao infantil, nas fases de

    creche e pr-escola5, bem como aspectos relacionados valorizao dos

    profissionais desse nvel de ensino, ampliao de vagas e atendimento legislao

    sero postos em evidncias e considerados no transcorrer da pesquisa.

    Inicialmente, para a estruturao dessa pesquisa, buscou-se em Ball (2001;

    2006 e 2010), Mainardes (2006) e Ball e Mainardes (2011) entendimentos sobre

    polticas pblicas e em Frey (2000) para alinhar esse entendimento e fundamentar

    as importantes dimenses usadas em investigaes de polticas pblicas que

    possuem trs tipos de abordagens especficas, sempre de acordo com os problemas

    a serem superados. Para Frey (2000), a cincia poltica que costuma distinguir trs

    abordagens de acordo com os problemas de investigao levantados. A primeira

    tem a ver com a qualidade de um governo, bom ou ruim, melhor ou pior. Refere-se,

    portanto, ao sistema poltico, isto , s preocupaes inerentes proteo da

    sociedade. A segunda trata das foras polticas necessrias para a efetivao das

    decises. Em terceiro, pensa-se na avaliao das contribuies que uma deciso ou

    outra poder trazer para resolver determinado problema. Por isso so pertinentes as

    dimenses dos termos policy, politics, e polity que Frey (2000) assim define:

    A dimenso institucional. 'polity' se refere ordem do sistema poltico, delineada pelo sistema jurdico, e estrutura institucional do sistema poltico-administrativo; No quadro da dimenso processual. 'politics' tem-se em vista o processo poltico, frequentemente de carter conflituoso, no que diz respeito imposio de objetivos, aos contedos e s decises de distribuio; A dimenso material 'policy' refere-se aos contedos concretos, isto , configurao dos programas polticos, aos problemas tcnicos e ao contedo material das decises polticas (FREY, 2000, p. 216-7).

    Policy-politics-polity so termos que diferenciam os aspectos tcnicos, mas

    que se entrelaam e se influenciam mutuamente na dimenso poltica. A utilizao

    5 Resoluo CNE/CEB n 3, de 3 de agosto de 2005, define normas nacionais para o ensino

    fundamental para nove anos de durao e esclarece que a educao infantil atender crianas de zero (0) a cinco (5) anos de idade, sendo creche at trs (3) anos de idade e pr-escola dos quatro (4) e cinco (5) anos de idade. (BRASIL, 2005a)

  • 13

    adequada, expe Frey (2000), facilita a elaborao de pesquisas por fornecer com

    preciso a categoria a que pertencem e onde se enquadra cada um destes termos.

    Conforme Ball e Mainardes (2011), as expresses policy sciences e anlises

    polticas passam a ser utilizadas por pesquisadores norte-americanos e europeus

    aps o trmino da Segunda Guerra Mundial. O sentido da expresso policy sciences

    tem a ver com a busca de racionalidade nos projetos sociais e define com mais

    clareza os elementos das cincias sociais que deveriam ser mobilizados para

    retomar e revigorar o compromisso com a reconstruo planejada.

    Se para Frey (2000) o descobrimento da proteo ambiental como uma

    poltica setorial peculiar permitiu a sociedade avanar de forma significativa em

    termos de transformao institucional, para Bell e Stevenson (2006 apud BALL e

    MAINARDES, 2011), a anlise de polticas pode tomar uma srie de formas e

    permitir o desenvolvimento de instrumentos de anlises mais precisos, capazes de

    tornar mais evidente a compreenso e a interpretao das polticas.

    Ao retornar-se a Frey (2000), fica o alerta para a prtica cotidiana de quem

    faz pesquisa ou analisa as polticas pblicas: elas se produzem de acordo com

    circunstncias em relao ao interesse de quem a solicita e que estes se submetem

    s foras polticas estabelecidas. Outro fato que deve ser considerado diz respeito

    s limitaes de recursos humanos, financeiros e de tempo que, costumeiramente,

    influenciam qualquer processo de formulao e implementao de polticas, sendo

    preciso, especialmente no mbito de consultorias para governos, o pesquisador

    considerar as dimenses polity e politics como variveis independentes tendo em

    vista interesses e exigncias de cada governo que necessita implementar ou

    aperfeioar programas em tempo sempre reduzido.

    Quando Frey (2000) afirma que o grau de influncia das estruturas polticas

    (polity) e dos processos de negociao poltica (politics) sobre o resultado material

    concreto (policy) uma orientao caracterstica da policy analysis , acaba por

    esclarecer ainda mais as dimenses dos termos policy, politics, e polity dentro do

    contexto da anlise poltica. Assim, as disputas no campo das polticas com todas as

    relaes de foras acabam por marcar tanto os programas como os projetos, mesmo

    que estes passem por profundas discusses atravs de encontros e conferncias

    promovidos para debater e legitimar os processos decisrios, como o caso dos

    programas e polticas pblicas em educao que so amplamente discutidos pela

    sociedade civil organizada e no seio de uma conferncia nacional.

  • 14

    Ball e Mainardes (2011) constatam que a quantidade de pesquisas,

    publicaes e eventos em polticas educacionais aumentou significativamente no

    Brasil, a partir da primeira dcada deste sculo. Ainda necessrio aprofundar

    estudos, porque esses auxiliam a gesto no sentido de implementar com mais

    eficcia aes que a sociedade civil organizada discute e referenda, as quais se

    transformam em leis para melhorar a educao no pas.

    Com base nos trabalhos de Stephen Ball e Richard Bowe, pesquisadores

    ingleses da rea de polticas educacionais, Mainardes (2006) mostra a importncia

    de se compreender as polticas a partir do ciclo de polticas. O autor destaca a

    natureza complexa e controversa da poltica educacional e indica a necessidade de

    articulao dos processos, dos mais amplos e gerais at os mais especficos, nas

    polticas educacionais empreendidas.

    Na compreenso de Ball (2001, p. 102), existe uma fragilidade muito grande

    entre as polticas, exatamente porque podem ou no funcionar. Essas polticas so

    retrabalhadas, aperfeioadas, ensaiadas, crivadas de nuances e moduladas atravs

    de complexos processos de influncia, produo e disseminao de textos e, em

    ltima anlise, recriadas nos contextos da prtica.

    Conforme Mainardes, Ferreira e Tello (2011, p. 144), as polticas sociais e as

    polticas educacionais ainda no foram consolidadas no Brasil e seguem uma

    tendncia de aprofundamento entre os pesquisadores, sendo necessrio discutir os

    referenciais de publicaes internacionais, j que a compreenso envolve a anlise

    das polticas empreendidas no contexto nacional.

    As ponderaes de Ball (2001) deixam clara a importncia de conectar as

    polticas educacionais a um crculo muito mais amplo, o da poltica social. S assim

    possvel romper com a viso que predomina no sentido de que as polticas se

    originam descoladas das pessoas e que se apresentam com certo carter utilitrio

    que permite as mais variadas naes adot-las de acordo com suas realidades,

    designando aos atores sociais papel secundrio e simplificado de implementao. O

    citado autor apresenta uma perspectiva de que h um processo centralizado de

    traduo e recriao, o que torna os sujeitos atores ativos das polticas. Dessa forma

    cabe uma anlise acurada das polticas educacionais, a qual precisa estar atenta s

    diversas interfaces que elas apresentam e, sob o ponto de vista crtico, colocar-se a

    servio da luta por justia social.

  • 15

    Finalmente, a pesquisa revelou-se importante e justificada no mbito das

    pesquisas, pois tratou de um assunto fundamental para a sociedade que o

    financiamento da educao, especialmente o da educao infantil com suas

    nuances e repercusses. Pesquisadores como Pinto (2007) tem apresentado

    quadros que preocupam em relao ao futuro do modelo de financiamento da

    educao no Brasil. Segundo o autor, o pas experimentou grandes avanos na

    oferta de vagas pblicas para a educao infantil com a poltica de fundos do

    governo federal, passando de 37 para 52% entre 1997 e 2006, dcada em que vigeu

    o Fundef e com a implementao do Fundeb a tendncia que estes percentuais

    aumentem pois vantajoso para os estados e municpios. Os municpios querendo

    abocanhar parcelas cada vez maiores de recursos e os estados desejando transferir

    cada vez mais parcelas de alunos sob sua responsabilidade. Pinto (2007) aponta

    que preocupante o fato deste mecanismo de financiamento ter data marcada para

    findar, no ano de 2020.

    Na mesma linha de raciocnio, Davies (2012) aponta fragilidades do Fundeb,

    como o incremento de poucos recursos novos, com exceo da complementao do

    Governo Federal, j que se concentra apenas na redistribuio da maioria dos

    impostos vinculados. Segundo o autor, a valorizao dos profissionais do magistrio

    no est garantida com a destinao de 60% dos recursos do fundo para este fim,

    mesmo porque o MEC, segundo o autor no divulgou qualquer estudo que

    comprovasse que este percentual seria suficiente para promover a valorizao dos

    profissionais

    A partir dessas consideraes, definimos como objetivo principal da presente

    pesquisa, a analise de efeitos do Fundo de Desenvolvimento da Educao Bsica e

    Valorizao dos Profissionais da Educao Fundeb, na educao infantil do municpio

    de Medianeira-PR.

    Para atender tal objetivo, coletei e analisei dados e informaes atendendo

    aos seguintes procedimentos:

    a) leitura e anlise das atas do conselho gestor do Fundeb no municpio de

    Medianeira-PR;

    b) pesquisa e apurao de dados coletados junto Secretaria Municipal de

    Administrao, da Prefeitura Municipal de Medianeira PMM , relativos

    ao oramento da educao infantil a partir de 2006, bem como dos gastos

    efetivamente priorizados nesta rea;

  • 16

    c) anlise das leis aprovadas que se relacionam s atividades da educao

    infantil no municpio;

    d) leitura e anlise da documentao referente aos planos de ao constantes

    nos Planos Plurianuais do municpio de Medianeira, a partir de 2007;

    e) anlise de dados relativos ao quadro de pessoal da educao infantil, junto

    ao setor de recursos humanos da PMM, a partir de 2006, a fim de verificar

    a formao profissional dos professores antes e aps a implementao do

    Fundeb.

    Para a realizao da pesquisa empreendida tambm foram analisadas

    indicaes do Parecer do Conselho Nacional de Educao CNE / Cmara de

    Educao Bsica - CEB n 20, de 11 de novembro de 2009, Conselho Nacional de

    Educao, Cmara da Educao Bsica (BRASIL, 2009b), e normas definidas pela

    Deliberao n 2, de 6 de junho de 2005, do Conselho Estadual de Educao do

    Estado do Paran (PARAN, 2005).

    Para se atingir esse propsito, a opo foi dividir o estudo em captulos inter-

    relacionados, iniciando com a introduo, que engloba os objetivos, a justificativa e a

    base terica que sustenta as reflexes.

    O segundo apresenta o percurso metodolgico, os tipos de pesquisa, a coleta

    e anlise dos dados, os limites e o perodo de investigao.

    O terceiro captulo, intimamente associado ao quarto captulo, apresenta parte

    da reviso bibliogrfica. Rene elementos de anlise acerca da evoluo histria da

    educao da criana no Brasil, o que permite refletir sobre como a rea da educao

    infantil evoluiu e os reflexos dessa evoluo para a formao do cidado.

    O quarto captulo, em complemento s reflexes iniciadas no captulo anterior,

    explicita aspectos relativos s polticas pblicas na rea da educao. Inicia-se com

    abordagem sobre a histrica concepo de educao infantil no entremeio das

    polticas de assistncia social e educao, e, posteriormente, pauta-se a educao

    infantil como constituinte da educao bsica e, portanto, merecedora de

    valorizao semelhante poltica educacional dedicada ao ensino fundamental e

    mdio.

    O quinto captulo reservado ao levantamento documental das aes

    polticas que envolvem a educao infantil, englobando o arcabouo legislativo,

    planos de educao e estudos correlatos produzidos pelos entes federados e que

    tm repercusso na forma com que o atendimento vai se produzir. Inclui-se

  • 17

    levantamento sobre os atos administrativos do municpio de Medianeira, que

    produzem resultados para a educao de crianas de zero a cinco anos de idade,

    como Lei Oramentria, Plano Plurianual, Leis Municipais de cargos e salrios dos

    profissionais da educao infantil, bem como levantamento de dados quantitativos

    sobre a educao infantil no municpio como nmero de crianas na faixa etria para

    verificar a demanda, a quantidade de crianas atendidas e o planejamento do

    municpio para o atingimento das metas do Plano Nacional de Educao PNE, Lei

    no 13.005, de 25 de junho de 2014. Esse captulo comporta tambm a anlise e o

    tratamento dos dados coletados em relao s aes desenvolvidas no municpio de

    Medianeira e que constituem a base para a verificao de efeitos que a poltica de

    fundos Fundef e Fundeb trouxe em relao a valorizao dos profissionais que

    atuam neste nvel de ensino, o atendimento da demanda e como o municpio cuida e

    educa suas crianas pequenas.

    Nas consideraes finais, refletiu-se sobre as polticas de financiamento da

    educao infantil, a evoluo dos gastos e das receitas com a educao infantil, os

    efeitos produzidos pelo Fundeb e os resultados alcanados em termos de

    valorizao dos profissionais da educao infantil com as normas legais aplicadas

    em atendimento a dispositivos da legislao do fundo.

  • 18

    2 METODOLOGIAS DO ESTUDO

    O ponto de partida na construo da metodologia a problematizao que

    envolve uma situao para ser investigada e elucidada. Mas, Bruyne, Herman e

    Schoutheete (1991) lembram que o papel da investigao orientada para problema

    especfico no encontrar solues imediatas; a proposta a ampliao da

    compreenso do problema para o reconhecimento de suas relaes com as lgicas

    e os processos sociais mais amplos, e, nesse caso, interferentes na rea da

    educao. Para os autores [...] uma metodologia deve abordar as cincias sob o

    ngulo do seu produto como resultado em forma de conhecimento cientfico mas

    tambm como processo como gnese desse mesmo conhecimento. (p. 27).

    A partir desse entendimento, Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) montam

    um espao metodolgico quadripolar constitudo pelos polos: o epistemolgico que

    a garantia da objetivao isto , da produo do objeto cientfico, da

    explicitao das problemticas da pesquisa (p. 35); o terico que guia a elaborao

    das hipteses e a construo dos conceitos [sendo] o lugar da formulao

    sistemtica dos objetos cientficos (p. 35); o morfolgico, entendido como instncia

    que enuncia as regras de estruturao, de formao do objeto cientfico (p. 35); o

    tcnico como lugar que controla a coleta dos dados, esfora-se por constat-los

    para poder confront-los com a teoria que os suscitou (p. 36). Para os autores, toda

    e qualquer metodologia construda na interao e articulao destes quatro polos.

    Nessa compreenso, considera-se que a investigao orientada ao problema,

    nesta pesquisa, sustenta-se nas Cincias Sociais e Cincias da Educao, e tem

    como patrimnio de referncia a Sociologia Poltica e Sociologia da Educao,

    espelhadas principalmente em Claus Offe (1984), Stephen Ball (2006) e Almerindo

    Janela Afonso (2003). Sob uma perspectiva crtico-social contempornea essa

    dissertao se insere no conjunto de anlises que adota as polticas pblicas da

    educao como objeto de estudo e contempla especificamente as polticas pblicas

    de financiamento da educao infantil, nvel integrante da educao bsica,

    conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996.

    No decorrer da investigao foi possvel estudar a forma como as polticas

    pblicas de financiamento contemplaram e/ou contemplam a educao infantil e de

  • 19

    que maneira essas polticas tem contribudo para o municpio cumprir seu dever de

    cuidar e educar crianas de zero a cinco anos de idade e assim garantir-lhes o

    direito educao, determinado pela Constituio Federal de 19886.

    Para tanto, o objeto da investigao foi a poltica de financiamento da

    educao infantil, no municpio de Medianeira, Estado do Paran, como poltica

    pblica da educao bsica, financiada por meio de recursos do Fundo de

    Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos

    Profissionais da Educao Fundeb, vinculado Unio.

    2.1 TIPOS DE PESQUISA

    Com fundamentos em Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) e seu espao

    metodolgico quadripolar, a pesquisa foi desenvolvida com a adoo de tcnicas de

    pesquisas bibliogrfica, documental e de campo, na perspectiva exploratria, de

    abordagens qualitativa e quantitativa.

    Ao fazer a pesquisa bibliogrfica busquei refletir sobre os fundamentos

    tericos, base essencial para anlise dos resultados alcanados na pesquisa

    documental e de campo. Explica Gil (2008) que a pesquisa bibliogrfica realizada

    com base em material j publicado sobre o tema em estudo, o que pode ser

    consultada na forma tradicional livros e revistas de circulao e na forma online.

    Para o acesso online utilizam-se as seguintes expresses ou palavras-chave:

    polticas pblicas; poltica de educao; educao infantil, Fundef, Fundeb, e outras.

    Essas pesquisas permitem a seleo e a organizao do embasamento terico

    necessrio para desencadear a pesquisa de campo.

    Especificamente, para a pesquisa bibliogrfica selecionei trs reas

    essenciais a fim de embasar a investigao, quais sejam: educao infantil, polticas

    pblicas em educao, poltica de financiamento do Fundeb.

    Para Gil (2008), a pesquisa documental semelhante pesquisa

    bibliogrfica, mas se atm a documentos relacionados ao tema em estudo. Para tal

    alm da Declarao dos Direitos da Criana, documento produzido pela ONU, em

    6 Constituio da Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, no governo

    Jos Sarney (1985-1990).

  • 20

    1959, e complementado pela Conveno Sobre os Direitos da Criana, de 1989, e

    da Declarao Mundial sobre Educao para Todos assinada em Jomtien, na

    Tailndia, em maro de 1990, por representantes de 155 pases, que apresentou

    preocupaes e metas a serem atingidas no sentido de ampliar a escolarizao e,

    principalmente, melhorar a sua qualidade, consultei leis e documentos originados

    nas trs esferas de governo ligados rea da educao bsica, especificamente de

    interesse para a educao infantil, tais como a Ldben de 1996, o PNE de 2001 e

    2014 e, no municpio de Medianeira investigou-se a elaborao do Plano Municipal

    de Educao de 2014, as Leis Oramentrias e o Plano Plurianual.

    Conforme Gil (2008), a pesquisa exploratria tem por objetivo familiarizar o

    pesquisador com o assunto do estudo, em geral, ainda pouco conhecido.

    Comumente, esse tipo de pesquisa se torna especfico e assume o formato

    de estudo de caso. Tal como definem Bruyne, Herman e Schoutheete (1991), o

    estudo de caso exploratrio tem como meta a descoberta de novas reas de

    pesquisa ou o delineamento de novas abordagens para objetos pouco explorados.

    Nessa dissertao, a pesquisa exploratria tomou a forma de estudo de caso,

    porque investigou a problemtica da poltica de financiamento da educao infantil

    no municpio de Medianeira-PR, como campo de investigao e tem como lcus de

    estudo documentos pertinentes ao problema e tema investigado que se supem

    pouco explorados, especialmente a partir da criao do Fundeb.

    Na pesquisa documental analisei diversos documentos da administrao

    pblica municipal relacionadas com a educao infantil e que se encontravam

    dispostos pelos diversos setores, como Departamento de Recursos Humanos,

    Secretaria de Finanas e Secretaria de Educao do municpio. Documentos como o

    Plano Plurianual PPA , a Lei de Oramento Anual LOA , a prestao de contas

    anual, para confrontar o que foi executado em termos de educao infantil, com o

    planejamento decenal do municpio em conformidade com o PNE de 2001 e o plano

    de investimentos do municpio para a educao infantil e as informaes sobre a

    evoluo dos gastos com pessoal para esse nvel de ensino a partir do ano de 2006,

    ano da aprovao da lei do Fundeb. Analisei dados de diversos documentos que

    continham informaes acerca de planejamento das polticas pblicas para

    educao infantil, de investimentos para melhorar a infraestrutura e definies de

    poltica de contratao dos profissionais para a educao infantil.

  • 21

    2.2 COLETA E ANLISE DOS DADOS

    A coleta de dados ocorreu por meio de pesquisa documental e a anlise, sob

    uma perspectiva scio-histrica, obedeceu os princpios da abordagem qualitativa,

    mesclados abordagem quantitativa, com a finalidade de auxiliar na interpretao

    dos documentos pertinentes ao problema-tema do estudo.

    Na explorao da realidade local, fiz a interpretao de documentos em

    comparao com a bibliografia levantada, a fim de encontrar possveis respostas s

    questes norteadoras da investigao. Foi til o referencial analtico sobre o ciclo de

    polticas, proposto por Stephen Ball e Richard Bowe e detalhado por Mainardes

    (2006).

    Na seleo das questes orientadoras da perspectiva de anlise do ciclo das

    polticas medianeirenses para a educao infantil, o foco foi o contexto da prtica,

    para verificar como a poltica foi implementada e qual a autonomia que os

    profissionais envolvidos tm na implementao da mesma. Dois outros contextos

    detalhados por Mainardes (2006) foram observados, como o de influncia, o da

    produo de textos.

    A investigao prosseguiu com a anlise comparativa das informaes

    coletadas na pesquisa emprica e anotaes retiradas das pesquisas bibliogrfica e

    documental. A interpretao final e subsequente relato da investigao, constituiu-se

    pela anlise que evidenciou uma mescla de abordagens, qualitativa e quantitativa, a

    fim de expor de maneira crtico-analtica os resultados alcanados.

    Bruyne, Herman e Schoutheete (1991) entendem que o estudo de caso que

    se limita mera apresentao de dados quantitativos coletados empiricamente

    possui pouco valor cientfico e no contribui para o avano do conhecimento j

    acumulado pela humanidade. Na compreenso dos autores, relevante que o

    pesquisador estabelea um dilogo entre os achados de seu estudo com a teoria

    que lhe serviu de base. Lembram, porm, que a teoria no pode ser entrave para o

    afloramento de novas ideias e surgimento de novos pressupostos. A ideia de

    cientificidade contempla a unidade e a diversidade, exatamente porque representa

    [...] uma forma absolutamente geral de autorregulao do processo de aquisio

    dos conhecimentos, e simultaneamente, [...] diversas formas concretas possveis

    de realizao. (p. 15). Ento, necessrio garantir a cientificidade do trabalho,

  • 22

    expor com clareza pontos e contrapontos das teorias, mas o pesquisador no pode

    negligenciar ou deixar de explicitar suas descobertas porque contrariam teorias

    estabelecidas e reconhecidas como vlidas.

    A investigou documentos relativos s polticas pblicas de educao bsica

    com foco no nvel de educao infantil. O campo da investigao foi o municpio de

    Medianeira-PR, especificamente as Secretarias Municipais de Administrao

    (Recursos Humanos), Finanas e de Educao. O perodo de realizao da coleta

    de dados ocorreu entre abril e dezembro de 2014 e se referem ao perodo de 2006 a

    2014.

    A pesquisa revelou que o Fundeb produziu efeitos na educao infantil no

    municpio estudado, como: uma maior oferta de vagas pblicas disponibilizadas com

    a construo de novos prdios para a pr-escola, apesar de existir um longo

    caminho para que o dficit de vagas possa ser suprido na pr-escola; um maior

    volume de recursos destinados ao municpio; atualizao da legislao municipal

    com ganhos para a educao infantil, como a criao do cargo de educador infantil;

    atualizao dos salrios dos profissionais da educao, em percentuais acima dos

    ndices inflacionrios e acompanhamento do piso nacional.

  • 23

    3 (DES)CAMINHOS DA EDUCAO INFANTIL NO BRASIL

    Neste captulo fiz uma reflexo sobre o percurso da educao infantil no

    Brasil, como ela foi influenciada pelas condies socioeconmicas do pas e como,

    ao longo da histria, as crianas pequenas conquistaram, aos poucos, seus direitos

    sociais, em especial, aqueles definidos no artigo 6o da Constituio Federal de 1988.

    O processo civilizatrio da humanidade registra que, desde a Antiguidade, as

    crianas no eram merecedoras de qualquer tipo de tratamento que as diferenciasse

    dos homens. O desconhecimento da criana pela arte medieval, por volta do sculo

    XII indicava que no existia espao para a infncia no mundo, afirma Aris (1986).

    No sculo XIII, as crianas bem pequenas passaram a receber uma

    paparicao, que era um novo sentimento que surgia no seio das famlias. Nesse

    momento, as crianas eram retratadas nas obras de arte como adultos. Segundo

    Aris (1986), esse sentimento ocorria apenas nos primeiros anos de vida das

    criancinhas. Era uma forma de diverso dos adultos, que brincavam com a criana

    assim como brincavam com um animalzinho. Logo aps cumprir essa fase era

    comum as crianas sarem de casa, passando a viver com outras famlias.

    Segundo Aris (1986), a idade das crianas permaneceu com seus traos

    praticamente inalterados conforme retrata a iconografia do sculo XIV at o Sculo

    XVII, momento em que a criana servia como objeto de distrao. Passado a fase

    em que a criana era confiada a estranhos, no sculo XVII a criana conquista o

    direito de permanecer com a famlia, e diferente da poca das famlias medievais a

    criana passa a ser um elemento importante para o dia a dia das famlias. A

    educao das crianas passa a ser uma preocupao dos adultos, no entanto durou

    muito tempo para que essa evoluo, da famlia medieval para a famlia do sculo

    XVII, fosse absorvida pelas famlias que no participavam das castas de nobres e

    burgueses ou dos ricos lavradores. Segundo Aris, a populao mais numerosa, a

    dos pobres ainda no incio do sculo XIX, levava uma vida parecida com a vida das

    famlias medievais, cujo sentimento da casa no diziam respeito a elas, pois viviam

    afastadas da casa da famlia.

    Foi ento, na Idade Moderna (sculos XV a VXIII), que a criana passa a

    receber cuidados especiais da me, porm entre os sculos XVI e XVII, a mudana

  • 24

    de costumes fez com que a sociedade entendesse como prejudicial este zelo, pois

    poderia fazer da criana um adulto mimado e mal educado, sendo imposta aos

    colgios uma educao moral para que mais tarde se tornasse indivduo honrado e

    racional. Como expe Aris (1986), essa busca pela moralizao acabou se

    tornando em um incentivo ao castigo corporal nas escolas. Lembra o autor que, at

    final do sculo XVIII, particularmente, a escola no era frequentada por determinada

    faixa etria, visto que a educao escolar tinha carter predominantemente tcnico e

    se destinava aos jovens de classes sociais diferenciadas educao primria e

    secundria e, notadamente, havia as escolas de ofcios para ensinar uma

    profisso aos filhos de arteses e outras classes sociais menos favorecidas

    economicamente.

    A partir do sculo XVIII, com a Revoluo Industrial, acentua-se o processo

    de estruturao da sociedade capitalista. Naquela poca, afirma Aris (1986), havia

    muitas indstrias e as mes eram trabalhadoras assalariadas, e pelas acentuadas

    reivindicaes, a escola acabou sendo estendida a todas camadas da sociedade,

    mesmo que o objetivo tenha, a princpio, sido o de educar as crianas para o

    trabalho. Disciplina e obedincia era o que se impunha s crianas. Para as fbricas

    a mo de obra infantil se tornava interessante, pois era barata e obediente.

    Na modernidade, a escola se volta para a criao de espao destinado

    proteo da criana. Surge a preocupao com o ato de educar as crianas.

    Com o passar dos anos, at os dias atuais, tem crescido cada vez mais o

    interesse pela criana. Bernard Charlot (1983; 1988), socilogo e educador francs,

    realizou vrios estudos para conhecer o significado ideolgico da criana o que

    contribuiu para a compreenso acerca da diversidade cultural infantil a partir de

    brincadeiras, msicas, valores e construo de significados no imaginrio infantil.

    No Brasil, afirma Freitas (2003), o perodo colonial (1500-1822) correspondeu

    a uma poca marcada por altos ndices de mortalidade infantil. At os cinco anos de

    idade, considerava-se a criana escrava como no apta ao trabalho; entre cinco e

    doze anos de idade, era iniciada no aprendizado de pequenas tarefas domsticas, e

    a partir dos treze anos, considerada adulta tanto para o trabalho escravo como para

    a sexualidade. Em referncia educao-instruo, notadamente, distinguia-se

    criana oriunda de classe social favorecida economicamente da criana escrava.

    Para as primeiras,

  • 25

    [...] alm da educao jesuta7 oferecida a partir dos seis anos, era reservada instruo em casa para a aprendizagem das primeiras letras; para as demais, nenhum direito educao, mas o dever de aprender algum ofcio [...]. com este crivo de desigualdade que comeamos a nossa histria (SILVA; FRANCISCHINI, 2012, p. 259).

    Ainda que na Europa, entre os sculos XVI e XVII, discutisse a ideia de

    criao de instituies educativas especficas para o atendimento de crianas na

    primeira e segunda infncia8, mas, basicamente at final da poca imperial brasileira

    (1822-1889) pouco se falava nessas instituies. Nesse perodo, a histria brasileira

    mostra o surgimento dos primeiros jardins de infncia por iniciativa do setor privado,

    sendo o Colgio Menezes Vieira, fundado em 1875, no Rio de Janeiro, a primeira

    instituio a dar atendimento criana menor de seis anos de idade. Somente em

    1896 criado o primeiro jardim de infncia de administrao pblica, anexo Escola

    Normal Caetano Campos, em So Paulo. Explica Marcelino (2004) que a

    metodologia desses jardins seguia princpios da pedagogia froebeliana. 9

    Para Kuhlmann Jnior (2011), a chegada do jardim de infncia no Brasil teve

    influncia direta dos norte-americanos que dispuseram de materiais utilizados para

    as aulas de cantos e marchas, os quais chegaram ao pas por meio de Gabriel

    Prestes., A influncia europeia tambm foi percebida pela presena de artigos

    traduzidos do italiano, francs e alemo que tinham as instituies educativas,

    creches, escolas maternais e jardins de infncia, consagradas como modelo de

    atendimento na educao infantil. Ressalta o citado autor que a luta brasileira pela

    implantao do atendimento criana, pelo jardim de infncia no pas, comea

    antes da instaurao da Repblica em 15 de novembro de 1889. Uma de suas

    defesas foi realizada por Rui Barbosa, em 1882, com argumentaes veementes

    7 Educao jesutica refere-se educao ofertada pela Companhia de Jesus, que de 1549 at 1759

    ocupou-se da instruo (leitura e escrita) e catequese das crianas brasileiras. Toda a criana era vista como folha de papel em branco, passvel de ser moldada e educada submisso e disciplina. 8 Nessa dissertao, com base na literatura, primeira infncia define-se na faixa etria entre zero a

    trs (0-3) anos de idade, e atendimento na creche. A segunda infncia define-se na faixa etria entre quatro e cinco (4-5) anos de idade, e atendimento na pr-escola. Lembra-se, no entanto, que a partir de 2009, oficialmente, a Unesco utiliza a expresso educao da primeira infncia para referir-se educao infantil, destinada s crianas na faixa etria do zero aos cinco (0-5) anos de idade, e educao da segunda infncia corresponde faixa etria de seis aos doze anos (6-12) de idade, o que corresponde, no atual sistema de ensino brasileiro, fase do ensino fundamental, do 1 ao 7 ano de escolarizao, aproximadamente. A partir dos doze (12) anos de idade o ECA define como fase da adolescncia. (BRASIL, 1990). 9 Refere-se ao educador alemo Friedrich Froebel (1782-1852), criador dos primeiros jardins de

    infncia, um dos primeiros educadores do mundo a considerar o incio da infncia como uma fase de importncia fundamental e decisiva na formao das pessoas. Suas ideias so consagradas na psicologia e na pedagogia contempornea.

  • 26

    que demonstraram o poder da instituio de atendimento infantil na formao do ser

    humano. A linha para construir sua argumentao se baseava em bibliografias norte-

    americana, belga e francesa, as quais consideravam o jardim de infncia como

    instituio basilar e necessria para todo organismo de educao.

    Na linha do tempo referente construo do campo da educao infantil no

    Brasil, Lucas (2005) destaca que, no final do sculo XIX, ocorre a criao das

    primeiras creches para filhos das classes menos favorecidas, aos pobres. Tais

    creches funcionavam como depsitos de crianas para que as mes pudessem

    trabalhar, fazendo com que esta atividade fosse relacionada apenas com o trabalho

    feminino bem como com alguma preocupao sanitria, com nfase para as

    questes de higiene, alimentao e cuidados fsicos, porm deixa de lado qualquer

    cuidado com a parte pedaggica e a formao integral da criana. , pois, no

    perodo entre 1889 e 1930 que so percebidas as primeiras aes, voltadas

    educao da criana, indicativas de maior atuao da administrao publica.

    Em 1919 criado o Departamento da Criana no Brasil de abrangncia

    nacional e de forte carter mdico-assistencialista , sob a responsabilidade do

    Estado, com a finalidade de proteo criana, divulgar conhecimentos, promover

    congressos e cursos educativos em puericultura e higiene. Explica Kuhlmann Jnior

    (2011) que tal Departamento no expressava maiores preocupaes com a

    educao, principalmente, em relao s crianas na primeira infncia. Em 1922, no

    Rio de Janeiro, realizou-se o Congresso Brasileiro de Proteo Infncia com o

    objetivo de tratar de todos os assuntos que direta ou indiretamente se referiam

    criana, tanto no ponto de vista social, mdico, pedaggico e higinico, em geral,

    como particularmente em suas relaes com a Famlia, a Sociedade e o Estado.

    (KUHLMANN JR, 2002, p. 465).

    Em 1930, o governo de Getlio Vargas (1930-1945) cria o Ministrio dos

    Negcios da Educao e Sade Pblica com tal denominao para desenvolver

    atividades relacionadas sade, esporte, educao e meio ambiente, e retirar do

    Departamento Nacional de Ensino, ligado ao Ministrio da Justia, a incumbncia de

    tratar de assuntos relativos educao. rgos e iniciativas que se voltam

    proteo da criana, com nfase na educao, surgem somente a partir da dcada

    de 1940 e, aos poucos, influenciam novas concepes sobre proteo e educao

    infantil. Notadamente, o Fundo das Naes Unidas para a Infncia - Unicef exerce

    influncia direta na proposta brasileira de educao pr-escolar de massa, surgida

  • 27

    por iniciativa do Departamento Nacional da Criana DNCr , criado em 1940 pelo

    ento Ministrio da Educao e Sade para coordenar as atividades de proteo

    infncia, maternidade e adolescncia. Com o desmembramento do Ministrio da

    Educao e Sade em dois Ministrios, Ministrio da Educao e Cultura e

    Ministrio da Sade, em 1953, o DNCr passa a integrar o Ministrio da Sade at

    1970, quando substitudo pela Coordenao de Proteo Materno-Infantil,

    vinculada Secretaria de Assistncia Mdica do Ministrio da Sade - MS.

    Sob a coordenao do DNCr destacam-se algumas iniciativas voltadas

    educao de crianas de zero a seis anos de idade. o caso, por exemplo, da

    Legio Brasileira de Assistncia LBA , criada em 1948, que se constituiu em uma

    iniciativa de parceria entre o pblico, privado e organismos intergovernamentais,

    com o objetivo de proteo maternidade e criana nos primeiros anos de vida.

    As aes da LBA se fortaleceram e, na dcada de 1970, implementado o Projeto

    Casulo10, identificado como o primeiro projeto de educao infantil de massa, cujo

    propsito era atender crianas entre quatro e oitos horas dirias, com cuidados em

    sade, alimentao e atividades educativas especficas para cada faixa etria

    atendida. Explica Rosemberg (1992) que o Projeto Casulo possibilitou atuao direta

    do governo federal em vrios municpios por adotar a participao da comunidade

    para custeio das instituies, o que resultou na reduo do investimento pblico nas

    reas da assistncia social e da educao infantil. Alm disso, expe a autora, tal

    projeto, por vrias dcadas, insere-se na mescla histrica brasileira das polticas de

    assistncia social e de educao infantil.

    Dada nfase ao aspecto educacional, outra questo que merece destaque

    a diferenciao entre duas formas basilares de assistncia pr-escola que foram

    desenvolvidas no Brasil, notadamente a partir da dcada de 1940: uma de carter

    privado, incentivada e desenvolvida pela Organizao Mundial de Educao Pr-

    Escolar OMEP e a outra de carter pblico federal, implementada pelo Ministrio

    da Educao e Cultura MEC, em 1974, por meio da Coordenao de Educao

    Pr-Escolar Coepre, que se manteve ativa at 1987.

    Porquanto, analisou-se a iniciativa da OMEP, instituio filantrpica criada em

    Praga, na Repblica Checa, em 1948, com o objetivo de atender crianas de todas

    10

    Com apoio do Fundo das Naes Unidas para a Infncia, que desde a dcada de 1960 firmou parceria com o governo federal para a implantao de programas para crianas pobres. Conforme Rosemberg (2002), o Casulo serviu como estratgia preventiva junto populao pobre para diminuir desigualdades, diferenas e conflitos, especialmente, durante o governo militar (1964-1985).

  • 28

    as classes sociais, na faixa etria entre zero e sete anos de idade, com nfase na

    rea da psicologia da criana, preocupao com a alfabetizao e com o processo

    educativo, principalmente em seus aspectos metodolgicos e didticos. Quatro anos

    depois, educadores brasileiros participaram do Congresso promovido pela OMEP,

    no Mxico, e trouxeram essa ideia para o Brasil. Em 1953 fundada a OMEP/Brasil

    e realizado o primeiro levantamento sobre a situao da pr-escola no pas.

    Conforme Kramer (2003), tal levantamento mostrou a precria situao em que se

    encontrava o atendimento educacional dado criana brasileira em idade pr-

    escolar. A autora salienta a importncia que a atuao da OMEP alcanou nos

    debates internacionais e nacionais acerca da criana e de seus direitos como

    cidad.

    Em nvel mundial, o ano de 1959 foi marcante com a proclamao da

    Declarao Universal dos Direitos da Criana pelas Naes Unidas, que apesar de

    no comportar quaisquer obrigaes jurdicas, constituiu-se em princpio moral para

    os direitos da criana. Da em diante, as conquistas para a infncia tomaram

    propores globais, o que mudou significativamente a postura das naes em

    relao s crianas que, pela primeira vez, passaram a gozar de um status

    privilegiado em relao aos seus direitos. Explica Marclio (1998) que essas reaes

    provocaram a tomada de medidas imediatas, em diversos pases pelo mundo, para

    favorecer as crianas, garantindo-lhes, pela primeira vez, tratamento prioritrio

    institudo no ordenamento jurdico, que acenava pela promoo e respeito dos

    direitos que a criana tem sobrevivncia, proteo, ao desenvolvimento e

    participao.

    Mais efetivamente, o MEC passa a se preocupar com a educao pr-escolar

    a partir do governo militar de Emlio Mdici (1969-1974), quando sancionada a Lei

    n 5.692, de 11 de agosto de 1971 Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1 e

    2 Graus , que segue princpios da Lei de 1961. A nova Lei define que os sistemas

    de ensino velaro para que as crianas de idade inferior a sete anos recebam

    conveniente educao em escolas maternais, jardins de infncia e instituies

    equivalentes (art. 19, 2), sem determinar obrigatoriedade de matrcula. Com tal

    Lei, o MEC assumiu a conveniente educao das crianas na faixa etria entre

    quatro e seis de idade, na educao pr-escolar, na forma como foi orientada e

    coordenada pela Coepre.

  • 29

    Para Rosemberg (1992), a inteno do MEC com a criao da Coepre a

    organizao de um plano de abrangncia nacional para a educao pr-escolar, por

    meio de estudos e contatos diversos. Organizam-se os Planos Setoriais II e III, que

    so desdobramentos dos Planos Nacionais de Desenvolvimento, elaborados durante

    o governo militar para vigorar nos perodos de 1975-1979 e 1980-1985.

    Nos Planos Setoriais II e III do MEC, a educao pr-escolar destaque, no

    apenas como soluo para problemas gerados pela pobreza, mas, tambm, como

    estratgia para resolver as altas taxas de reprovao existentes no ensino de 1o

    grau, defende Kuhlmann Jnior (2000), sendo concebida na perspectiva exclusiva

    de preparao para a escolarizao obrigatria, considera Rosemberg (1992).

    A proposta de educao de massa na pr-escola elaborada pelo MEC, em

    1975, no Plano Setorial II, refletiu parte da luta nacional por um novo modelo de

    educao infantil e contou com respaldo do Conselho Federal de Educao que, por

    meio de pareceres e indicaes, buscou suprir lacunas deixadas pela legislao de

    1971 em relao pr-escola. Essa proposta foi difundida no pas, e, cada vez mais,

    ficou evidente a inteno de educao compensatria11, de modelo no

    convencional, de educao informal, cuja pretenso foi a mobilizao da

    comunidade para o custeio das instituies, isto porque os recursos advindos dos

    cofres pblicos destinavam-se exclusivamente ao apoio s aes implementadas,

    comenta Rosemberg (1992).

    Junto ao Plano Setorial III perodo de 1980 a 1985 , o MEC lana o

    Programa Nacional de Educao Pr-Escolar que retorna aos princpios bsicos

    contidos no plano anterior, principalmente, cobertura de baixo custo para os cofres

    pblicos e indispensvel apoio da comunidade na manuteno e gesto de aes.

    Rosemberg (1992) comenta que esse Plano apontou algumas novidades, tais como:

    (a) esboo de delimitao da competncia federal por faixa etria, cabendo ao MEC

    atender, prioritariamente, crianas entre quatro e seis anos de idade; (b) definio de

    metas quantitativas, e atender 50% da demanda nessa faixa etria at 1985; (c)

    alocao de recursos prprios do MEC. Para a autora, apesar dos pfios resultados

    alcanados pela implementao das aes, at 1985, os Planos II e III do MEC

    11

    Educao compensatria, expresso originada durante a Revoluo Industrial, em geral usada em referncia pr-escola e primeira etapa do ensino fundamental, definida como um conjunto de medidas poltico-pedaggicas que visam compensar deficincias fsicas, afetivas, intelectuais e escolares de crianas das classes socioeconmica e cultural marginalizadas, a fim de que elas sejam preparadas para o trabalho e tenham oportunidade de ascenso social. (DUARTE, 1986 apud CHRUN, 2009, p. 30).

  • 30

    serviram para situar o modelo de educao infantil de massa dentro e fora do

    sistema educacional do pas, exatamente porque no se tratou da pr-escola como

    nvel educacional, mas, sobretudo, como programa autofinancivel, via comunidade,

    ou aproveitamento de recursos disponveis, resultante da articulao de programas

    interministeriais. Nesses Planos, a educao infantil constituiu-se em programas e

    experincias que no se destinaram a alterar estruturas, mas o suprir necessidades

    contingenciais, temporrias ou emergenciais (ROSEMBERG, 1992, p. 27).

    Apesar da implementao das aes previstas no Plano III do MEC, a falta de

    legislao educacional estruturada e especfica que contemplasse a educao das

    crianas, especialmente, na faixa etria de zero a trs anos de idade, esquecida

    pela Coepre oportunizou a criao e o crescimento desordenado de instituies

    informais que no observaram itens bsicos e fundamentais, como estrutura fsica

    dos espaos e formao de educadores, lamenta Kramer (2003).

    Outra razo que concorre favoravelmente para o surgimento de instituies

    de educao infantil, nas dcadas de 1970 at 1990, o fato de que a rea da

    assistncia social do governo federal, como j mencionado, tambm se incumbia do

    atendimento infncia. Por meio de programa especfico, com previso de auxlio

    financeiro e apoio tcnico, conveniado diretamente com instituies comunitrias,

    filantrpicas e confessionais, o poder pblico federal oportunizava assistncia s

    crianas brasileiras de zero a trs anos de idade , provindas das camadas mais

    empobrecidas da populao. Basicamente, a LBA, ligada ao ento Ministrio da

    Previdncia e Assistncia Social, desenvolveu esse programa no perodo de 1977

    at 1995, quando extinta. Na rea da assistncia social federal, a essncia do

    programa e a dotao oramentria para creches permaneceram. Como defende

    Rosemberg (2003), a partir do momento em que o MEC definiu um modelo para a

    educao infantil de massa, houve superposio de responsabilidades de diversos

    setores da assistncia, educao, sade e trabalho, sem que tal modelo

    representasse, efetivamente, o que era esperado para a creche e pr-escola. Os

    impasses criados em torno desse modelo, fomentaram e acolheram o envolvimento

    dos novos movimentos sociais no campo da educao infantil. Esse envolvimento se

    expandiu com a abertura poltica no perodo ps-ditadura militar, principalmente, na

    segunda metade da dcada de 1980 e dcadas seguintes.

    Kuhlmann Jnior (2000) coloca que os embates brasileiros relacionados

    educao infantil, na dcada de 1980, concentravam-se em torno da concepo de

  • 31

    orientao assistencialista como no pedaggica, e envolviam questes polticas e

    administrativas. No terreno administrativo, discutia-se a adequada vinculao de

    creches e pr-escolas aos rgos de assistncia social mediante o papel atribudo

    historicamente para tais instituies; no terreno poltico, diminuio das verbas da

    educao e o consequente esvaziamento dos recursos das instituies de ensino

    obrigatrio pela incluso das despesas com os servios de assistncia como

    merenda, atendimento de sade e higiene nas instituies de ensino obrigatrio s

    escolas. O autor explica que predominava a concepo que os servios de

    assistncia ameaavam o carter educacional das escolas. Nessa concepo,

    notadamente, a educao infantil desvinculada dos direitos da criana por no ter

    carter de obrigatoriedade legal matrcula facultativa mas vinculada ao direito da

    famlia ou da me trabalhadora. Nota-se, ento, que as instituies de

    [...] educao infantil precisariam transitar de um direito da famlia ou da me para se tornarem um direito da criana. Como se esses dois direitos fossem incompatveis, como se as instituies educacionais fossem um direito natural e no fruto de uma construo social e histrica. (KUHLMANN JNIOR, 2000, p. 12).

    Tal concepo comeou a mudar no final da dcada de 1980 e incio da

    dcada seguinte, quando tericos da educao infantil enfatizavam a

    inseparabilidade do ato de cuidar e de educar crianas pequenas. Posteriormente,

    retornou-se a essa questo no enfoque dado s polticas da educao infantil.

    Em relao aos direitos da criana, explica Marclio (1998) que o progresso

    das reas do conhecimento humano como medicina, direito, pedagogia e psicologia,

    no sculo XX, possibilitou que a criana fosse descoberta em suas especificidades e

    surgiu, da, a necessidade de organizar formalmente seus direitos. A autora comenta

    que no incio do sculo XX, na dcada de 1920, a International Union for Child

    Welfare, Organizao No Governamental, formulou aqueles que seriam os

    princpios dos Direitos da Criana que, no ano de 1924, foram incorporados e

    expressos na primeira Declarao dos Direitos da Criana, Declarao de Genebra.

    Foram quatro os princpios estabelecidos, a saber: 1. a criana tem o direito de se

    desenvolver de maneira normal, material e espiritualmente; 2. a criana que tem

    fome deve ser alimentada; a criana doente deve ser tratada; a criana retardada

    deve ser encorajada; o rfo e o abandonado devem ser abrigados e protegidos; 3.

    a criana deve ser preparada para ganhar sua vida e deve ser protegida contra todo

  • 32

    tipo de explorao; 4. a criana deve ser educada dentro do sentimento de que suas

    melhores qualidades devem ser postas a servio de seus irmos (MARCLIO, p.

    48).

    O Brasil acompanhou a evoluo jurdica de proteo criana com a

    instituio de diversas leis, em uma ao coordenada que antecedeu inclusive a

    Conveno das Naes Unidas, influenciado por documentos internacionais e pela

    Frente Parlamentar Constituinte. Nessa inteno, em 1987, por meio de portaria

    interministerial, criou-se a Comisso Nacional da Criana e Constituinte alm da

    Frente Parlamentar Suprapartidria pelos Direitos da Criana. A partir desses atos

    proliferaram-se em todo territrio nacional Fruns de Defesa da Criana e do

    Adolescente que congregavam diferentes reas da atuao humana.

    No atual ordenamento jurdico brasileiro, o Direito da Criana ocupa espao

    privilegiado a partir de 1988, o que viabiliza o reconhecimento da criana como

    sujeito no curso legal, deixando de ser simples objeto de interveno no mundo

    adulto. A criana passou a ter o direito proteo integral, especialmente no artigo

    227 da Constituio Federal de 1988, que acompanhou a doutrina da Declarao

    Universal dos Direitos da Criana, assinada em 20 de novembro de 1959.

    Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-la a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso (BRASIL, 2014).

    Em 1989, a Organizao das Naes Unidas - ONU promove a Conveno

    sobre os Direitos das Crianas, que gerou grande aceitao entre as naes

    mundiais. Para Marclio (1998), chegou-se ao final do ano de 1996 e constatou-se

    que 96% dos pases do mundo inteiro ratificaram os termos dessa conveno,

    tornaram em lei as medidas de proteo e a obrigao de prestar assistncia aos

    responsveis pelas crianas a fim de que todas as obrigaes para com elas fossem

    cumpridas.

    luz da Constituio da Repblica Federativa do Brasil - CF de 1988,

    edificou-se as bases para a criao do Estatuto da Criana e do Adolescente ECA

    , institudo pela Lei n 8.069 de 13 de junho de 1990, que estabeleceu com primor

    os princpios constitucionais da proteo infncia, calcado na Declarao dos

  • 33

    Direitos Humanos e na Declarao dos Direitos da Criana (BRASIL, 1988, 1990).

    Na opinio de Marclio (1998, p. 56), o ECA de 1990 um documento legal que

    representa uma verdadeira revoluo em termos de doutrina, ideias, prxis, atitudes

    nacionais ante a criana. O envolvimento da sociedade civil organizada, organismos

    nacionais e internacional como a Pastoral do Menor, o Unicef, a Ordem dos

    Advogados do Brasil - OAB, o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua,

    movimentos de igrejas e universidades, dentre tantos outros organismos criaram

    uma atmosfera favorvel ao entendimento da importncia em proteger a infncia no

    Brasil. (BRASIL, 1990)

    Pondera-se que, pelo fato de as crianas serem vistas na perspectiva de

    seres em desenvolvimento, a partir da tica adulta, a infncia tomada como uma

    etapa de vida a ser superada. medida em que a criana foi compreendida como

    ser humano frgil e incapaz, concebeu-se que necessita de proteo integral para

    desenvolver-se plenamente. O ECA de 1990, que se fundamenta na doutrina de

    proteo integral, traduz essa compreenso. No entanto, Marclio (1998) pontua que,

    embora esse estatuto possibilite um olhar diferente sobre a infncia em comparao

    com o aparato legal antecedente, esse documento legal continua sob uma

    perspectiva de delineamento dos modos de viver, sentir e agir, posiciona crianas e

    adultos como sujeitos em suas comunidades, a partir da determinao de direitos e

    deveres para uns e outros, porm no garante o provimento para que ocorra tal

    proteo. Contudo, na opinio de Girade e Didonet (2005), uma tarefa quase

    impossvel atingir resultados positivos no atendimento aos direitos das crianas sem

    que haja previso e execuo oramentria de recursos para tais aes. Na prtica,

    afirmam os autores, efeitos concretos s acontecem se o compromisso do Estado,

    em suas instncias descentralizadas, for expresso no oramento pblico.

    No caminho da construo dos direitos da criana brasileira, muito se desfez

    em termos legislativos. Com a implementao do ECA, em 1990, revogou-se o

    Cdigo de Menores de 1979, pea discriminatria, assim como a lei de criao da

    Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor Funabem. Pela Lei n 8.242, de 12 de

    outubro de 1991, criou-se o Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do

    Adolescente Conanda, com o objetivo de acelerar a implementao do ECA

    (BRASIL, 1991), e, na sequncia, o Programa Nacional de Ateno Integral

    Criana e ao Adolescente Pronaica, atravs da Lei n 8.642, de 31 de maro de

    1993, para articular e integrar as aes de apoio criana e ao adolescente

  • 34

    (BRASIL, 1993). Contudo, at meados da dcada de 1990, Marclio (1998) lamenta

    que, apesar dos avanos na legislao acerca dos direitos da criana, o caminho da

    educao infantil ainda no estava consolidado; muito ainda restava ser feito para

    que todas as crianas brasileiras tivessem acesso educao infantil no sistema de

    ensino pblico.

    Com base nos princpios da CF de 1988, em 20 de dezembro de 1996, foi

    sancionada a Ldben. Com tal norma abriu-se novos espaos para a escolarizao e

    socializao das crianas brasileiras (BRASIL, 1996c).

    Na Ldben de 1996, o artigo 2912 definiu a educao infantil como a primeira

    etapa da educao bsica e o artigo 89 determinou que as regulamentaes em

    todas as esferas dos entes federados fossem estabelecidas e cumpridas no prazo

    de trs anos de forma que creches e pr-escolas passassem a integrar o respectivo

    sistema de ensino. Porm, ante os prazos estabelecidos pela Ldben, em 1996, a

    expectativa era que o ano de 2000 j se iniciasse com creches e pr-escolas

    integradas aos sistemas de ensino pblico estadual e municipal, principalmente.

    No obstante, a realidade mostra que tal expectativa efetivamente no aconteceu.

    Dentre os motivos para frustrar tal expectativa, salienta-se que a educao

    infantil, no ps-Ldben de 1996, vive momento complexo, visto que tal Lei, ao integrar

    creches e pr-escolas no sistema de ensino, como primeira etapa da educao

    bsica, passou a responsabilidade de operacionalizar tal integrao diretamente

    para os municpios, instncia essa com pouca infraestrutura e recursos financeiros e

    humanos para atendimento educao infantil. Essa incumbncia legal suscitou

    inmeras discusses. Coloca Rosemberg (2003) que, se por um lado, h a busca

    pela regulamentao dos servios j existentes na municipalidade, sob a

    responsabilidade do setor da educao, por outro, h evidente tentativa de

    reintroduzir a antiga concepo de atendimento criana na primeira infncia nos

    modelos assistencialistas, deveras conhecidos nos municpios brasileiros, tais como

    creches filantrpicas, domiciliares, pr-escolas confessionais, e outros, que firmavam

    convnio com o poder pblico federal para obter auxlio financeiro e apoio tcnico

    para funcionamento e implementao de polticas de educao.

    12

    Art. 29. A educao infantil, primeira etapa da educao bsica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criana de at 5 (cinco) anos, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social, comtemplando a ao da famlia e da comunidade. Redao dada pela Lei n 12.796, de 4 de abril de 2013. (BRASIL, 2013b).

  • 35

    O embate est posto, pois esto em jogo dois modelos de educao infantil, sendo que os chamados alternativos, no-formais, de desenvolvimento infantil vm sendo rejeitados ou questionados por segmentos sociais como modalidades substitutas a creches e pr-escolas completas. Este ltimo modelo entra em conflito com determinaes da LDB e borra o papel de liderana do MEC no momento de implantao da nova Lei. (ROSEMBERG, 2003, p. 37).

    Analisa Faria (2003) que, apesar de a educao infantil ser consagrada na CF

    de 1988, o incio da sua regulamentao levou uma dcada para garantir o direito

    das crianas de zero a seis anos de idade a frequentar creches e pr-escolas, ainda

    que no se atenda a todas, considerada a grande demanda nacional. A autora

    menciona que foram diversos seminrios realizados em 1997, os quais contaram

    com a participao de representantes estaduais de educao e tiveram por objetivo

    aprofundar a discusso de temas que oferecessem critrios para que as escolas de

    educao infantil pudessem ser devidamente credenciadas e funcionassem

    regularmente. Desses encontros, lembra a autora, construiu-se o pioneiro

    documento Subsdios para Elaborao de Orientaes Nacionais para a Educao

    Infantil e, posteriormente, Subsdios para Elaborao de Diretrizes e Normas para a

    Educao Infantil. Em 1998, a Cmara da Educao Bsica do Conselho Nacional

    de Educao, por meio do Parecer CNE/CEB n 22, de 17 de dezembro13, que trata

    das diretrizes curriculares nacionais para a educao infantil, expressou

    reconhecimento da importncia dos movimentos sociais em favor da incluso e

    regulamentao da educao infantil na educao bsica, ao afirmar que

    [...] a integrao da Educao Infantil no mbito da Educao Bsica, como direito das crianas de 0 a 6 anos e suas famlias, dever do estado e da sociedade civil, fruto de muitas lutas desenvolvidas especialmente por educadores e alguns segmentos organizados, que ao longo dos anos vm buscando definir polticas pblicas para as crianas mais novas. (BRASIL, 1998a, p. 1).

    No citado Parecer, o CNE/CEB definiu, ainda, as etapas e fases da educao

    infantil e a compreenso sobre o cuidar e educar criana pequena. entendido que

    o trabalho nas creches destina-se s crianas de zero a trs anos de idade e nas

    pr-escolas ou centros e classes de educao infantil s crianas de quatro a seis

    13

    Esse Parecer foi homologado pelo MEC em 22 de maro de 1999, e suas normas regulamentares expressas na Resoluo CNE/CEB n 1, de 7 de abril de 1999, que instrui as primeiras diretrizes curriculares nacionais para a educao infantil, a serem observadas na organizao das propostas pedaggicas das instituies de educao infantil integrantes dos diversos sistemas de ensino. (BRASIL, 1998a). Essas normas foram revistas no Parecer CNE/CEB n 20, de 11 de novembro de 2009. (BRASIL, 2009b).

  • 36

    anos. Afirma o Parecer que as diretrizes, alm de nortear as propostas curriculares e

    os projetos pedaggicos, estabelecero paradigmas para a concepo dos

    programas de cuidado e educao, com qualidade. (BRASIL, 1998a).

    Posteriormente, faz-se anlise sobre a concepo de cuidar e educar no momento

    em que so abordadas algumas especificidades das atuais polticas da educao

    infantil no Brasil.

    Lembra Faria (2003) que, embora a Ldben de 1996 contemplasse a educao

    infantil como primeira etapa da educao bsica, o aporte de recursos financeiros

    demorou a ser definido, visto que foras contrrias relutaram para repartir a

    percentagem de investimentos na educao que, at ento, era destinada quase

    que exclusivamente ao ensino fundamental.14 Seguindo por anlise, Campos et al.

    (2012) salientam que mesmo que o atendimento criana de zero a seis anos, no

    Brasil, exista h mais de cem anos, apenas recentemente, em termos de educao,

    a criana pequena, de zero a trs anos, teve reconhecido seus direitos e os direitos

    de suas famlias. um avano considervel tal reconhecimento legal do dever do

    Estado e do direito da criana ao atendimento em creches e pr-escolas. Os autores

    reconhecem esse grande avano exatamente pela vinculao do atendimento rea

    educacional.

    A CF de 1988, no seu artigo 208, estabelece que o dever do Estado com a

    educao ser efetivado mediante garantia de [...] atendimento, em creche e pr-

    escola, s crianas at 5 (cinco) anos de idade (BRASIL, 2014a). Tal meno no

    texto constitucional evidencia o reconhecimento do carter educativo das instituies

    de educao infantil. Nas normas educacionais infraconstitucionais15, esse mesmo

    princpio reafirmado, em especial, no ECA de 1990 e na Ldben de 1996,

    14

    Alm dos dispositivos constitucionais vigentes, forte argumento contrrio distribuio de recursos para financiar a educao infantil era a prpria Ldben, que, por ser norma no mandatria, definia obrigatoriedade de matrcula na educao bsica a partir da etapa do ensino fundamental. Contudo, a Emenda Constitucional n

    o 59, de 11 de novembro de 2009, altera os incisos I e VII do art. 208 da CF

    de 1988, e torna a educao bsica obrigatria e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)anos de idade, assegurada sua oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria. (BRASIL, 2009). Com base nessa Emenda, em 4 de abril de 2013, sancionada a Lei n 12.796, que altera art. 4 da Ldben/1996 e torna obrigatria a matrcula na pr-escola aos 4(quatro) anos de idade (inciso I), garante o atendimento ao educando, em todas as etapas da educao bsica, por meio de programas suplementares de material didtico-escolar, transporte, alimentao e assistncia sade (inciso VIII), bem como o art. 6, que define como dever dos pais ou responsveis efetuar a matrcula das crianas na educao bsica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. (BRASIL, 2013b). 15

    Normas infraconstitucionais so as leis ordinrias ou extraordinrias que, de acordo com a noo de ordenamento jurdico, estejam dispostas em nvel inferior Constituio de 1988, ou seja, so normas, preceitos, regramentos, regulamentos e leis que esto hierarquicamente abaixo da Constituio Federal. (LENZA, 2006).

  • 37

    documentos balizadores da proteo integral de crianas e adolescentes no Brasil.

    Marclio (1998) comenta que o Unicef alerta sobre a importncia da educao

    infantil ao conceb-la como nvel de ensino que garante o desenvolvimento pleno da

    criana, exatamente porque ofertada no momento propcio para que as crianas

    possam desenvolver suas capacidades, habilidades e conhecimentos teis para a

    vida toda. Conforme a autora, o Unicef argumenta que a qualidade da educao

    infantil proporciona o estabelecimento das bases da personalidade, do

    desenvolvimento da inteligncia, da afetividade e da socializao da criana.

    Estudos cientficos comprovam que os seis primeiros anos de vida tem uma

    importncia crucial para o pleno desenvolvimento do ser humano. Com base nesses

    estudos, o Unicef (2009) defende que preciso estabelecer prioridades para que

    cada criana tenha garantido o direito sobrevivncia e ao desenvolvimento de suas

    potencialidades, elementos determinantes do sucesso ou do fracasso na sequncia

    do processo de escolarizao de cada uma. Por tal razo, torna-se necessrio o

    aporte de recursos destinados primeira infncia.

    Na educao infantil, afirma Faria (2003), as polticas pblicas precisam visar,

    sobretudo, a garantia do direito infncia em um ambiente educativo que seja capaz

    de permitir o binmio educar e cuidar. Para isso, conclui a autora, fundamental a

    otimizao de condies e recursos materiais e humanos voltados ao atendimento

    com qualidade. S assim a educao infantil oportunizar ambientes que a criana

    consiga ter vida de alegria em um espao educativo, local onde crianas pequenas

    possam se expressar na diversidade e conviver com todas as diferenas.

    A seguir, analisam-se polticas pblicas empreendidas no Brasil para a

    educao infantil, desencadeadas a partir da CF de 1988, que proporcionaram um

    legado de textos de importncia capital para a educao brasileira, quais sejam: a

    Ldben e o Fundef de 1996, o PNE de 2001, e, mais tarde, o Fundeb de 2006 e o

    PNE de 2014.

  • 38

    4 POLTICAS PBLICAS E A EDUCAO INFANTIL

    Apresentou-se, nesse captulo, breve panorama sobre as polticas pblicas

    em educao, notadamente, para a educao infantil e como esse nvel se

    desenvolve ao longo do tempo, no campo das polticas.

    Como toda poltica pblica em educao necessita de recursos para que

    possa atingir seus objetivos, motivo de anlise a no incluso da educao infantil

    no Fundef, em 1998, bem como efeitos da incluso desse nvel de ensino na Lei que

    instituiu o Fundeb, notadamente para atingir as metas do PNE 2014, Lei n 13.005,

    de 25 de junho de 2014, ou seja, permitir o acesso de 50% das crianas de zero a

    trs anos em c