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Universidade Federal do Rio de Janeiro EFEITOS COMPOSICIONAIS NO RECONHECIMENTO VISUAL DE PALAVRAS COMPOSTAS EM INGLÊS: UM ESTUDO COM MEG DANIELA CID DE GARCIA 2013

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Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro              

EFEITOS  COMPOSICIONAIS  NO  RECONHECIMENTO  VISUAL  DE  PALAVRAS  COMPOSTAS  EM  INGLÊS:    

UM  ESTUDO  COM  MEG  

DANIELA CID DE GARCIA

2013

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Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro          

EFEITOS  COMPOSICIONAIS  NO  RECONHECIMENTO  VISUAL  DE  PALAVRAS  COMPOSTAS  EM  INGLÊS:    

UM  ESTUDO  COM  MEG  

DANIELA CID DE GARCIA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística. Orientadores: Aniela Improta França Marcus Antonio Rezende Maia

Rio de Janeiro Setembro de 2013

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EFEITOS  COMPOSICIONAIS  NO  RECONHECIMENTO  VISUAL  DE  PALAVRAS  

COMPOSTAS  EM  INGLÊS:  UM  ESTUDO  COM  MEG  

Daniela Cid de Garcia

Orientadora: Professora Doutora Aniela Improta França Co-orientador: Professor Doutor Marcus Antonio Rezende Maia

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Linguística. Examinada por: _______________________________________________________________ Presidente, Professora Doutora Aniela Improta França – Orientadora _________________________________________________ Professora Doutora Aléria Lage – UFRJ _________________________________________________ Professor Doutor Andrew Nevins – UFRJ/UCL _________________________________________________ Professora Doutora Letícia Sicuro Corrêa – PUC-Rio _________________________________________________ Professor Doutor Augusto Buchweitz – PUCRS/InsCer

Rio de Janeiro, 3 de setembro de 2013

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Garcia, Daniela Cid de Efeitos Composicionais no Reconhecimento Visual de Palavras

Compostas em Inglês: um Estudo com MEG / Daniela Cid de Garcia. - Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2013.

xi, 92f.: il.; 31cm Orientadora: Aniela Improta França

Tese (doutorado) – UFRJ/Faculdade de Letras/ Programa de Pós-graduação em Linguística, 2013.

Referências Bibliográficas: f. 93-103. 1. Composicionalidade Semântica. 2. Acesso Lexical. 3.vmPFC. 4. MEG. I. França, Aniela Improta. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Linguística. III. Doutor.    

 

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RESUMO

EFEITOS  COMPOSICIONAIS  NO  RECONHECIMENTO  VISUAL  DE  PALAVRAS  COMPOSTAS  EM  INGLÊS:  UM  ESTUDO  COM  MEG  

Daniela Cid de Garcia

Orientador(es): Aniela Improta França e Marcus Antonio R. Maia (Co-orientador)

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

Esta tese teve como objetivo examinar as bases neurofisiológicas da computação do sentido em palavras compostas, em uma perspectiva de aproximação entre pesquisa linguística e neurobiologia. O experimento realizado contribui com pistas sobre como operações combinatórias intralexicais são implementadas no cérebro. Utilizamos a técnica de magnetoencefalografia (MEG) para monitorar a atividade eletromagnética cortical durante um teste de leitura em que palavras compostas do inglês foram contrastadas com palavras-controle monomorfêmicas (e.g. SAILBOAT vs. SPINACH). Em primeira análise, o trabalho dialoga com recentes estudos que têm destacado o Campo Medial Anterior (Anterior  Midline  Field  –  AMF: componente de MEG que ocorre em torno de 400 ms após a apresentação do estímulo e tem sua fonte geradora no córtex pré-frontal ventromedial) como possível correlato neurofisiológico da composicionalidade semântica. Além disso, assumindo que o AMF possa ser considerado uma medida dependente da composicionalidade semântica intralexical, este trabalho traz evidências preliminares de um possível estágio de recomposição que deve ocorrer no curso temporal do reconhecimento lexical. Esse estágio daria conta da diferença entre palavras transparentes e opacas, já que a decomposição inicial ocorre para ambas. Na manipulação da transparência semântica, palavras opacas apresentaram atividade diferente das palavras transparentes e novas. Palavras-chave: composicionalidade semântica, acesso lexical, vmPFC, AMF, MEG

Rio de Janeiro, setembro de 2013.

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ABSTRACT

EFEITOS  COMPOSICIONAIS  NO  RECONHECIMENTO  VISUAL  DE  PALAVRAS  COMPOSTAS  EM  INGLÊS:  UM  ESTUDO  COM  MEG  

Daniela Cid de Garcia

Orientador(es): Aniela Improta França e Marcus Antonio R. Maia (Co-orientador)

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Linguística, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Linguística.

The aim of this thesis was to examine the neural correlates of the computation of meaning in compound words, bringing together linguistic research and neurobiology. The experiment conducted sheds new light into how intralexical combinatory operations are implemented in the brain. We used the magnetoencephalography technique (MEG) to monitor the cortical eletromagnetic activity during a reading task in which English compound words were contrastred to monomorphemic control words (e.g. SAILBOAT vs. SPINACH). This work dialogues with recent studies that highlight the AMF (Anterior  Midline  Field  –  AMF: an MEG component that occurs around 400 ms after the onset of the stimulus and which has its source in the ventromedial prefrontal cortex) as a possible neural correlate for semantic compositionality. Also, assuming that the AMF can also be considered as a dependent measure for intralexical semantic composition, this work presents evidence for a possible morpheme recomposition stage that should take place during the time course of visual word recognition. This stage would account for the difference between transparent and opaque words (SAILBOAT vs. HOGWASH), since there is convergent evidence positing an initial decomposition stage for both transparent and opaque words. In this study, we manipulated this difference, showing that semantic transparency seems to modulate the AMF activity.

Palavras-chave: semantic compositionality, lexical access, vmPFC, AMF, MEG

Rio de Janeiro, setembro de 2013.

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SUMÁRIO

1. Introdução …………………………………………………………………… 1

2. Perspectivas para uma Neurobiologia da Linguagem ......................................

2.1. A Linguagem no cérebro ..........................................................................

2.2. Um modelo computacional para a linguagem ..........................................

2.3. Breve Introdução à técnica de Magnetoencefalografia (MEG) ...............

15

15

25

33

3. Mapeando os estágios do reconhecimento visual de palavras complexas – decomposição e recomposição ......................................................................... 3.1. Composicionalidade intralexical ............................................................... 3.2. Localizando o processamento lexical no tempo (e um pouco no espaço também) .................................................................................................... 3.3. Se as palavras são decompostas, como elas se recompõem? ....................

36

36

41

48

4. Uma base neurofisiológica para a composicionalidade semântica: o Campo Medial Anterior (AMF) .....……………………………................... 4.1. A Linguística como modelo cognitivo para estudos neurofisiológicos de semântica ................................................................................................... 4.2. Buscando um correlato para a composicionalidade semântica ................. 4.3. Uma nota sobre a composição sintática – o LATL ...................................

51

55

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5. Efeitos composicionais no reconhecimento visual de palavras compostas em inglês: um estudo com MEG ............................................................................ 5.1. O Estudo ………………………………………………………………....

5.2. Metodologia ......…………………………………………………………

5.3. Análise …..………………………………………………………………

5.4. Resultados ..……………………………………………………………..

5.5. Discussão ..………………………………………………………………

66

66

68

74

78

80

6. Conclusão …..……………………………………………………………….. 87

7. Referências ….……………………………………………………………….. 93

Apêndices ………………………………………………………………………. 104

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LISTA DE FIGURAS

Figura Descrição Página

1 Ativação da palavra pela via auditiva 3 2 Composicionalidade em palavras derivadas vs. palavras compostas 11 3 Modelo de Geschwind 16 4 Capa do periódico Neuron 18 5 Broca de Amunts 21 6 Estrutura básica do sistema computacional da linguagem 26 7 Figura esquemática de uma parte do córtex: sinal MEG 33 8 Exemplos de composicionalidade 37 9 Forma da onda associada ao reconhecimento visual de palavras 45

10 Classificação das palavras compostas 49 11 Resultados Kutas & Hillyard, 1980 57 12 Resultados Hagoort et al., 2004 58 13 AMF como índice de composição semântica 62 14 Resultado Bemis & Pylkkänen, 2011 63 15 Esquema da tarefa do experimento completo 71 16 Forma da cabeça sendo digitalizada 73 17 Ambiente magneticamente isolado 74 18 Área de Brodmann 11 77 19 Áreas de Brodmann 38, 20 e 21 77 20 AMF no curso temporal do reconhecimento da palavra 85

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico Descrição Página 1 vmPFC: Amplitudes da condição transparente 79 2 vmPFC: Amplitudes da condição nova 79 3 vmPFC: Amplitudes da condição opaca 79 4 LATL: Amplitudes de todas as condições 80 5 LIFG: Amplitudes de todas as condições 80

LISTA DE TABELAS

Tabela Descrição Página 1 Condições do experimento completo 70 2 Condições do experimento de interesse para a tese 72

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Agradecimentos

À Aniela França e ao Marcus Maia, por participarem da minha história acadêmica desde a graduação, incentivando sempre a criatividade e o pensamento inquisitivo e autônomo – elementos essenciais na construção da minha multifacetada trajetória como pesquisadora. À CAPES, pelo apoio financeiro durante o meu Doutorado no Brasil. À CAPES/Comissão Fulbright-Brasil, pelo apoio financeiro durante meu estágio de Doutorado nos Estados Unidos. À Liina Pylkkänen, por ter aceitado supervisionar meu estágio de Doutorado na Universidade de Nova York, sem o qual esta tese não teria sido possível em sua totalidade, e por ter acompanhado de perto o meu trabalho. À Aléria Lage, ao Andrew Nevins, ao Augusto Buchweitz e à Letícia Corrêa – por terem aceitado fazer parte da minha banca, e pelas observações criteriosas que contribuíram para melhorar esta versão final. Ao Teon Brooks, meu colega de pesquisa na NYU, que me ensinou quase tudo que eu sei sobre programação e análise de dados, e me socorreu nos vários momentos em que eu precisei de mais mãos e de mais cabeça. Ao Alec Marantz, pelos comentários e sugestões em cada etapa da pesquisa. Ao Chris Barker, por ter me aceitado como ouvinte em seu curso de Semântica, que teve relevante influência nesta tese. Ao Paul del Prato e à Rebecca Egbert, pela paciência em me explicar como usar o BESA, e pela prontidão resignada em me ajudar cada vez que o Matlab dizia não. Ao Jeff Walker, pela assistência impecável com o MEG. Ao Eduardo Subirats, que possibilitou uma incursão escapista pelos submundos das ficcões latinoamericanas, entre uma magnetoencefalografia e outra. À Fulbright/IIE e à One-to-World, que fizeram com que meu Doutorado sanduíche fosse uma experiência etnográfica para além de plural. A todos os colegas do Lapex e do Acesin, de 2005 a 2013. Ao Alex, à Fernanda, à Juliana, à Liliane, ao Lúcio e à Nathacia, por estarem mais presentes na etapa final da tese, tendo contribuído com observações importantes antes da defesa. Ao Thiago, por todo aquele material de semântica em meus tempos de polissemia. À Paula Luegi, pelas aulas de SPSS, lá no início, e pelos insights sobre palavras compostas, agora no fim. Ao Antônio, pela breve parceria de pesquisa em rastreamento ocular. Ao Márcio Leitão, por incentivar um desvio pela correferência, no meu segundo ano do doutorado. À Cris Oliveira, à Katharine da Hora, à Kátia Abreu, – pela amizade e generosidade acadêmica, e por continuarem tornando indefinido o limite entre trabalho e diversão.

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Aos meus professores da graduação e da pós-graduação, pelos tijolos fundamentais da minha formação como linguista. Aos meus alunos (e ex-alunos) da graduação na Letras e em Relações Internacionais, que propiciaram maior densidade à minha experiência de doutoranda. E aos meus colegas de anglo-germânicas, sobretudo Cíntia Rabello, Cláudio Franco e Rodrigo Borba, pelo apoio nesses últimos meses. Aos meus amigos do Rio e de fora do Rio – por não se incomodarem com a monotonia de assunto. A omissão dos nomes aqui será compensada pessoalmente. Ao Antoine, meu bro no Brooklyn. À Yen, à Desi, ao Atum, à Lilian e ao Bill, e a todos os meus amigos em NY e imediações, Fulbrighters e não Fulbrighters, pelos momentos felizes que deram tempero especial ao meu sanduíche. À Marília, por todo o tempo compartilhado durante o doutorado, discutindo Linguística no Burguesão, no Lamas ou no Skype, preparando cursos, escrevendo artigos; pelos viradões, pelos cafés – e por perspectiva em momentos de spleen. Pela energia violeta sempre disponível, mesmo no arranjo geográfico em estilo Órion-Escorpião que caracterizou os dois últimos anos. Ao Gabi e à Marina, por tanto! – e por bibliografia perturbadora, e por discussões que certamente têm impacto no meu modo de entender e fazer ciência. E à Clarice, pelo título especial de tia, que veio junto com o de doutora. Ao Tiago, sempre. E à Daina, à Olivia, ao Eduardo, à Milena, à Márcia, ao Roberto e à Lourdes. À Miriam, ao Francisco, à Márcia, ao Raul, à Laura e ao Fabinho – por tanto amor. À Nancy e ao Farofa, minha família no Queens. E à Miris. Ao Sei, pelo encontro cosmico-serendipídico que aconteceu porque este doutorado existiu, e depois do qual o sentido das coisas não foi mais o mesmo.

Eu dedico esta tese à minha mãe.

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Maybe in order to understand mankind we have to look at that word itself. MANKIND. Basically, it's made up of two separate words "mank" and "ind." What do these words mean? It's a mystery and that's why so is mankind.

Jack Handey

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_____________________________________________________________________um

Introdução

“Galileu deve ter sido o primeiro a reconhecer claramente a importância da propriedade central da linguagem humana, e uma de suas propriedades mais distintivas: o uso de meios finitos para expressar uma gama ilimitada de pensamentos. […] Os filósofos gramáticos de Port Royal levaram a ideia adiante, referindo-se à ‘maravilhosa invenção’ de um meio de construir […] ‘essa infinidade de expressões, que em nada se assemelham ao que acontece dentro da nossa mente, mas que nos permite revelar [para outros] tudo o que pensamos, e cada movimento da nossa alma’.” (CHOMSKY, 2002: 45)1

Esta tese tem como objetivo geral contribuir com o trabalho de caracterizar as bases

neurofisiológicas da composicionalidade semântica. Especificamente, o objetivo é

examinar a atividade neuronal associada a efeitos pós-lexicais que devem ocorrer entre os

morfemas ativados durante o reconhecimento visual de palavras compostas, identificando

um possível componente de magnetoencefalografia que possa ser usado para testar futuras

hipóteses sobre processos combinatórios no reconhecimento de palavras. Além disso, este

trabalho discute a relação entre Linguística e Neurociência, situando-se dentro de um

programa de pesquisa biolinguístico2 que busca uma associação produtiva entre essas duas

áreas do conhecimento.

                                                                                                               1 Galileo may have been the first to recognize clearly the significance of the core property of human language, and one of its most distinctive properties: the use of finite means to express an unlimited array of thoughts. […] [T]he philosopher-grammarians of Port Royal took that further step, referring to the ‘marvelous invention’ of a means to construct […] that infinity of expressions, which bear no resemblance to what takes place in our minds, yet enable us to reveal [to others] everything that we think, and all the various movements of our soul’.” (CHOMSKY, 2002: 45)  

2  Biolinguística é o estudo da linguagem em uma perspectiva biológica, considerando seu funcionamento na mente/cérebro, sua evolução na espécie e sua aquisição. Essa área de pesquisa teve início na segunda metade do século XX e aproximou a linguística das ciências matemáticas e biológicas, buscado o que há de universal nas línguas naturais (LENNEBERG, 1967; CHOMSKY, 1959; JENKINS, 2000).  

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2  

O completo entendimento da linguagem como uma faculdade cognitiva requer o

exame minucioso de como se dá o pareamento entre forma e sentido, tanto em termos da

intuição do falante sobre o que deve ser uma expressão interpretável – ou gramatical –,

quanto por meio da caracterização de como esse pareamento ocorre para que essas

expressões sejam produzidas e compreendidas na velocidade em que elas ocorrem. Para

que se entenda como se dá a produção de expressões linguísticas, é necessário caracterizar

como comandos motores são executados, a partir de uma intenção de fala, de modo a

externalizar um determinado sentido. Por outro lado, entender os mecanismos da

compreensão de expressões linguísticas envolve examinar como a informação perceptual é

analisada, desvelando-se o sentido a partir da forma ouvida ou lida.

Dependendo da modalidade – auditiva ou visual –, a infomação perceptual deve

seguir caminhos ligeiramente diferentes até que a unidade linguística seja selecionada. Se

o estímulo é auditivo, deve haver uma ativação incremental, já que os fones são

apresentados serialmente no tempo. Desde que surgem os primeiros traços do estímulo,

portanto, o processamento é iniciado para que a ativação múltipla de todos os concorrentes,

por vezes muitos deles, chegue ao desfecho vitorioso em que só um concorrente persevere

ativo, enquanto todos os outros sejam, o mais rapidamente possível, desativados. A palavra

ativada quase sempre é inserida em contextos de sentença e as pressões de tempo do

processamento são muito grandes. Nesse caso, deve existir um momento de composição

fonética inicial até que se ative a palavra correta. Sendo assim, durante o reconhecimento

auditivo da palavra teacher, por exemplo, serão ativadas palavras que comecem com [t],

com [ti:], com [ti:t∫], e assim por diante (cf. Modelo Cohort – MARSLEN-WILSON &

WELSH, 1978). À medida que cada novo som da palavra é percebido, algumas palavras

são desativadas e outras, com semelhança pelo meio, são ativadas (Figura 1).

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3  

Se o estímulo é visual, essa primeira rota composicional a partir da ativação

incremental letra por letra não deve ocorrer – ao menos não para leitores fluentes –, já que

os modelos de leitura mais aceitos postulam o reconhecimento paralelo das letras

(DAHEANE, 2009; RAYNER & POLLATSEK, 1987). Esse fato não descarta

necessariamente a ativação de representações sonoras, uma vez que não é claro se a

representação de significado da palavra é dissociada do seu som. Esta tese se concentra

em examinar as bases neurofisiológicas da composicionalidade semântica, à medida em

que ela ocorre durante a compreensão de palavras pela via visual.

Figura 1: Ativação da palavra pela via auditiva.

Após essa ativação de nível mais baixo que ocorre nos momentos mais iniciais da

percepção do estímulo linguístico, esse estímulo deve ser decomposto em unidades

linguisticamente relevantes para as operações combinatórias. As propriedades dessas

partículas elementares da computação linguística – natureza, tamanho etc. – não são

consensuais mesmo dentre as diferentes áreas que têm a linguagem como foco. No entanto,

é incontroversa a fascinante capacidade da linguagem em compor uma infinidade de

sentidos complexos a partir de unidades básicas finitas.

Desvendar o balanço da (in)equação entre o que é armazenado e o que é gerado por

regras é um desafio crucial, que divide e incentiva a pesquisa linguística. Com relação

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4  

especificamente ao estudo das palavras, essa questão se particulariza em identificar a

natureza da representação lexical na mente e os mecanismos que são utilizados para ativar

essas representações. Uma questão crucial nesse sentido é se o léxico mental é organizado

em morfemas ou em palavras inteiras, de modo que entender o papel da morfologia no

reconhecimento de palavras – e sua dissociação de efeitos semânticos e fonológicos – tem

constituído um dos debates mais fervorosos em estudos sobre o processamento da

linguagem. Esses estudos apontam alguns fatores que poderiam condicionar a organização

do léxico mental e o acesso às unidades computacionais. Por exemplo, seriam palavras

semanticamente transparentes 3 (e.g. SAILBOAT=barco a vela, TEACHER=professor)

acessadas via seus morfemas constituintes, ao passo que palavras opacas (e.g.

HOGWASH=desatino, APARTMENT=apartamento) seriam representadas e acessadas em

sua forma inteira?

Muitas pesquisas em Psicolinguística já foram feitas nas últimas quatro décadas

com o objetivo de investigar os mecanismos envolvidos no reconhecimento lexical –

utilizando sobretudo as técnicas de priming4, decisão lexical e rastreamento ocular – e suas

conclusões dividiram o campo em três cenários distintos (cf. Capítulo 3), de acordo com o

peso que foi dado para um ou outro lado do balanço entre armazenagem e computação. Os

resultados têm convergido em favor dos modelos que postulam um estágio de

decomposição da palavra em seus morfemas constituintes, durante o curso temporal do

reconhecimento (GARCIA, 2009; RASTLE ET AL., 2004; LONGTIN ET AL., 2003;

                                                                                                               3  Uma palavra é semanticamente transparente se o seu significado pode ser recuperado a partir do significado dos seus constituintes. Por exemplo, SAILBOAT (barco a vela) é semanticamente transparente porque seu significado se relaciona com o de seus constituintes SAIL e BOAT (barco e vela) 4  Priming é um tipo de experimento que afere efeitos de memória implícita, verificando o quanto a exposição a um determinado estímulo influencia o reconhecimento de outro estímulo apresentado em seguida.  

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5  

ZWITSERLOOD, 1994). Esses resultados têm sido, mais recentemente, corroborados

também por estudos neurofisiológicos (STOCKALL & MARANTZ, 2006; FIORENTINO

& POEPPEL, 2007a).

Em uma primeira análise, esses dados poderiam ser interpretados como um efeito

de identidade, como proposto por Garcia (2009) e Stockall & Marantz (2006), à luz do

modelo teórico não-lexicalista da Morfologia Distribuída (HALLE & MARANTZ, 1993).

Ou seja, como pares prime-alvo do tipo FILA-fileira apresentam um índice significativo de

facilitação (em oposição a pares em que as palavras são apenas ortograficamente

relacionadas, como FILÉ-fileira), essa facilitação poderia ser atribuída a um

compartilhamento da raíz morfológica. Sendo assim, o reconhecimento da palavra fileira é

facilitado porque a raíz de FILA já foi ativada (GARCIA, 2009).

De acordo com essa explicação, palavras semanticamente transparentes deveriam

ser decompostas – e, portanto, obter facilitação na tarefa de priming – e palavras

semanticamente opacas não deveriam ser decompostas. Mesmo dentro de uma proposta

não-lexicalista, a decomposição de palavras semanticamente opacas, como restaurante,

não pareceria uma via razoável, justamente porque, em sendo opacas, o lugar da

arbitrariedade não estaria na camada do verbo restaurar, mas sim na camada do, já nome,

restaurante. Nesse sentido, se restaurante fosse uma palavra de fato completamente

opaca, ela não deveria estabelecer uma relação de identidade com a raíz do verbo

restaurar. De fato, experimentos de priming não encoberto e intermodal apresentam

resultados compatíveis com essa explicação (MARSLEN-WILSON, 1994, LONGTIN ET

AL., 2003). No entanto, estudos com priming encoberto5 que manipularam a transparência

semântica encontraram efeitos de facilitação independente do compartilhamento de raíz

                                                                                                               5  Paradigma de priming em que o prime é apresentado muito rapidamente, e seguido por uma máscara (#####), de modo que não seja conscientemente percebido.  

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6  

(RASTLE ET AL., 2004; LONGTIN ET AL., 2003; FIORENTINO & POEPPEL, 2007b).

Isso significa que efeitos de facilitação foram encontrados para qualquer palavra complexa

que pudesse ser segmentada em morfemas e afixos existentes na língua. Sendo assim,

pares como corn-corner (=milho-esquina) e hog-hogwash (=porco-desatino) obtiveram

facilitação tanto quanto pares como clean-cleaner (=limpo-limpador) e sail-sailboat

(=vela-barco a vela), ainda que nos pares corn-corner e hog-hogwash não exista uma

relação por identidade.

Se existe decomposição de qualquer palavra que tenha uma aparente complexidade,

a questão mais atual que se apresenta diz respeito a que mecanismos posteriores a essa

decomposição devem estar em jogo para explicar a ativação do sentido correto em palavras

opacas, como corner e hogwash. Medidas off-line, como os tempos de resposta utilizados

em experimentos psicolinguísticos, não permitem que se obtenha uma caracterização

detalhada da atividade cognitiva à medida em que ela ocorre. Isso dificulta o mapeamento

temporal das atividades associadas à ativação da palavra, já que elas vêm todas

comprimidas na medida final. Para esse tipo de exame mais minucioso, justifica-se o uso

de técnicas de aferição neurofisiológica da atividade cognitiva, que permitem um

acompanhamento temporal mais granularizado das etapas envolvidas no processo

investigado. Essas técnicas são, portanto, ferramentas promissoras para distinguir estágios

que antecedem e que seguem o acesso lexical.

Como existe decomposição nos estágios mais iniciais da ativação de uma palavra, é

possível que exista um momento posterior de composição entre os sentidos dos morfemas

ativados, de modo que seja estabelecido o sentido consistente com o estímulo. Para que se

possam manipular esses efeitos posteriores ao acesso aos morfemas, no entanto, é

necessário que se estabeleça um correlato neurofisiológico da computação semântica, que

sirva de medida dependente para essas atividades combinatórias.

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7  

Em Psicolinguística, as medidas dependentes associadas a uma certa tarefa

cognitiva se constituem sobretudo em torno de manipulações do fator tempo. Quando

procuramos estudar essa mesma tarefa cognitiva no cérebro, a relação se complexifica,

uma vez que, além do tempo, a atividade relacionada a essa tarefa traz ainda suas

dimensões espaciais. Além disso, entre a tarefa e os dados a ela associados, existe uma

série de manipulações que demandam noções de Engenharia de sinais, Biologia, Física,

Fisiologia e Computação. Já não são evidentes os processos que transformam atividade

neuronal em uma onda bidimensional que pode ser analisada estatisticamente. Ainda

menos óbvia é a correlação entre uma tarefa cognitiva e essa atividade que gerou a onda.

Sendo assim, antes de encontrar, no cérebro, respostas sobre os mecanismos envolvidos no

reconhecimento de palavras, é preciso determinar que circuitos neuronais estão associados

aos mecanismos sob investigação. O problema parece cíclico, e nele se configura o desafio

de associar pesquisa linguística e neurociência experimental.

Essa associação depende da possibilidade de se estabelecer uma relação entre os

primitivos computacionais da linguagem e estruturas cerebrais que sejam capazes de

implementar essas computações (cf. Capítulo 2). Conforme instiga Marantz (2005),

“cinquenta anos de análise da linguagem pela Linguística contemporânea podem ser

associados com uma gama extensa de recursos de imagem e monitoramento do cérebro

para testar hipóteses e redefinir teoria e conhecimento” (MARANTZ, 2005; p.429).6

Poeppel & Embick (2005) ainda acrescentam que

o estudo conjunto sobre cérebro e linguagem – neurociência da linguagem – já obteve alguns resultados básicos correlacionando fenômenos linguísticos com respostas cerebrais, mas ainda não avançou em uma teoria explicativa que identifique a natureza da computação linguística no cérebro. […] A

                                                                                                               6 “Fifty years of contemporary linguistic analysis of language can be coupled with a wide range of brain imaging and brain monitoring machines to test hypotheses and refine theory and understanding.” (MARANTZ, 2005; p.429)  

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8  

ausência de uma teoria explicativa desse tipo é o resultado da incompatibilidade em granularidade conceitual e da incomensurabilidade ontológica entre os conceitos fundamentais da linguística e da neurobiologia: o maquinário que invocamos para dar conta de fenômenos linguísticos não pode ser relacionado de nenhuma maneira óbvia com os sistemas biológicos em questão.7

Os resultados obtidos nesta tese, em diálogo com outros trabalhos que vêm sendo

realizados recentemente, podem ajudar a estabelecer correlatos que poderão ser

manipulados para checar hipóteses a respeito do funcionamento da linguagem no cérebro.

Esses trabalhos têm trazido novas abordagens no estudo da neurobiologia da linguagem,

promovendo uma aproximação mais sistemática entre neurociência e pesquisa linguística

(POEPPEL ET AL., 2010; POEPPEL, 2012; HICKOK & POEPPEL, 2004, 2007;

POEPPEL & EMBICK, 2005; GIRAUD & POEPPEL, 2012; MARANTZ, 2005;

PYLKKÄNEN ET AL., 2010) – e buscando redefinir, dessa forma, a estruturação

conceitual da neurociência da linguagem.

Nessa perspectiva, Pylkkänen e Marantz (2003) identificaram alguns dos estágios

por que passa a informação perceptual da palavra, até o acesso lexical. A partir de estudos

utilizando a técnica da magnetoencefalografia, os autores apontam diferentes componentes

associados ao reconhecimento visual de palavras, sensíveis a fatores específicos

relacionados ao estímulo (cf. Capítulo 3). Um desses componentes, o M350, ocorre em

torno de 350 ms após o início da apresentação do estímulo e é sensível a frequência e a

repetição, mas não a fatores pós-lexicais de competição entre representações ativadas pelo

estímulo. Esse componente foi relacionado ao estágio em que ocorre o acesso lexical.

                                                                                                               7  “the joint study of brain and language – cognitive neuroscience of language – has achieved some basic results correlating linguistic phenomena with brain responses, but has not advanced in any explanatory theory that identifies the nature of linguistic computation in the brain. […] The absence of an explanatory theory of this type is the result of the conceptual granularity mismatch and the ontological immensurability between the foundational concepts of linguistics and neurobiology: the machinery we invoke to account for linguistic phenomena is not in any obvious way related to the entities and computations of the biological systems in question.” (POEPPEL & EMBICK, 2004: 14-15).

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9  

Durante o reconhecimento da palavra SAILBOAT, então, ocorre a ativação da raiz

SAIL e a ativação da raiz BOAT, indicadas pelo componente M350. Nesse estágio, o

reconhecimento de palavras como SAILBOAT não é diferente do reconhecimento de

palavras como HOGWASH. Sendo assim, ainda que em tese não exista relação semântica

entre HOG e HOGWASH, a palavra é decomposta nos estágios mais iniciais do

reconhecimento – como indicado por experimentos com priming encoberto e com MEG.

O que diferencia a natureza dessas duas categorias de palavras (transparentes e opacas)

deve ocorrer, portanto, em algum momento de composição semântica posterior ao acesso

às raízes. Nesta tese, procuramos, exatamente, evidências para essa recomposição,

examinando a composição do sentido em palavras compostas.

A composicionalidade em palavras ou expressões linguísticas não é sempre

indiscutível. Uma questão importante para o estudo da linguagem em uma perspectiva

biolinguística deve ser, portanto, que tipo de composicionalidade deve fazer parte do

inventário de operações da linguagem natural. Tradicionalmente, os estudos em

neurociência da linguagem que buscam isolar as bases neurológicas da composicionalidade

semântica têm a tendência de manipular seu material de análise sem especificar o tipo de

computação sob investigação, geralmente utilizando-se de variações em termos de

conhecimento de mundo (KUTAS & HILLYARD, 1980; FEDERMEIER & KUTAS,

1999; HAGOORT ET AL., 2004). Esses estudos não levam em conta necessariamente o

conhecimento linguístico teórico sobre o que é semântica, como caracterizado pela

Semântica Formal. Em função dessa diferença terminológica entre Linguística e

neurociência da linguagem quanto à natureza da representação dos sentidos complexos, os

fenômenos considerados como dentro do escopo da Semântica, em Linguística, deixaram

de ser contemplados.

Resultados recentes têm começado a reverter essa tendência, buscando isolar

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10  

operações combinatórias básicas, dentro do contexto de sentenças ou sintagmas. Esses

estudos têm associado o Campo Medial Anterior (AMF – Anterior Midline Field) com o

processamento da composição de significados complexos, tanto em sintagmas mínimos

envolvendo a ligação entre um artigo e um nome quanto em sentenças envolvendo coerção

e violações semânticas dentro da selecão verbal. O AMF é um componente de

magnetoencefalografia que ocorre entre 350 e 450 milissegundos após o início da

apresentação de um elemento crítico ligado a algum tipo de computação semântica

(PYLKKÄNEN & McELREE, 2007; PYLKKÄNEN, MARTIN, McELREE & SMART,

2009; BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2008; BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2010;

PYLKKÄNEN, OLIVERI & SMART, 2009; BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011). Esta tese

se soma a essa série de estudos, verificando que esses mesmos efeitos podem ser

reproduzidos por processos de composição semântica entre os morfemas constituintes de

palavras compostas e, dessa forma, estabelecendo o AMF como um possível correlato de

operações combinatórias pós-lexicais.

Bemis & Pylkkänen (2011) encontraram essa correlação em sintagmas adjetivais

constituídos simplesmente pela concatenação entre um nome e um adjetivo. Para fins de

paralelismo e comparabilidade com esses estudos recentes, decidimos investigar essa

atividade em palavras compostas, como SAILBOAT. Como essas palavras são constituídas

pela concatenação de dois morfemas lexicais, analogamente ao que ocorre com a

modificação em sintagmas como red boat, consideramos que seria o tipo de estímulo mais

adequado como primeiro teste que busca encontrar esses efeitos em palavras. Utilizamos a

técnica de magnetoencefalografia (MEG) para monitorar a atividade eletromagnética

cortical durante um teste de nomeação em que palavras compostas do inglês foram

contrastadas com palavras-controle simples (e.g. SAILBOAT vs. SPINACH). O esforço

para a composição do sentido em palavras compostas deve gerar um aumento da amplitude

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11  

desse componente, quando comparado ao esforço para computar o sentido de palavras

simples. Este trabalho dialoga, portanto, com a literatura sobre o processamento de

palavras, apresentando um possível índice da composicionalidade semântica pós-lexical.

Se esse índice se mostrar replicável e substancial em futuros estudos, poderá ser usado para

informar questões sobre o reconhecimento de palavras que não puderem ser

desambiguizadas utilizando medidas off-line.

O processo de formação da palavra – por derivação, flexão ou composição – pode

ser um fator relevante na segmentação do estímulo e na ativação do sentido da palavra

(Figura 2). Por exemplo, palavras derivadas (e flexionadas), são formadas por uma raíz e

por um morfema categorizador (e.g. [TEACH]ER] ou [PARK]ED]), ao passo que palavras

compostas são formadas por pelo menos duas raízes.

Figura 2: Composicionalidade em palavras derivadas vs. palavras compostas

Considerando uma proposta não-lexicalista como a da Morfologia Distribuída

(HALLE & MARANTZ, 1993), cada uma dessas raízes lexicais – que pode se relacionar

com a palavra inteira de forma transparente, como em SAILBOAT (sail=vela; boat=barco;

sailboat=barco a vela), ou de forma opaca, como em HOGWASH (hog=porco;

wash=lavagem; hogwash=desatino) – deve ser concatenada a um morfema categorizador

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12  

(e.g. [SAIL]∅]N e [BOAT]∅]N), e o significado dessas duas raízes deve ainda ser

combinado para formar o significado da palavra composta SAILBOAT. Essa combinação

pode ser por uma relação hierárquica de subordinação (SAILBOAT – [barco] [com vela])

ou por coordenação (BITTERSWEET – [amargo] e [doce]). A composição pode ainda ter

palavras com a mesma categoria formal, como em SAILBOAT (nome-nome), ou com

categorias diferentes, como em REDNECK (adjetivo-nome – red=vermelho; neck=

pescoço; redneck=caipira).

As palavras compostas fornecem, portanto, um material altamente farto para se

estudar a relação entre efeitos morfossintáticos e semânticos no acesso lexical, uma vez

que são palavras constituídas por uma relação entre morfemas livres, o que permite

descartar efeitos que podem ser associados apenas à natureza funcional de afixos (Affix

Stripping: TAFT & FORSTER, 1975). Como os constituintes dos compostos são itens

lexicais em si, nos pareceu o melhor objeto para testar efeitos de composição semântica

intralexicais que podem ser análogos a efeitos que ocorrem no nível sintagmático.

Estudar a neurofisiologia da ativação de palavras compostas, explorando os

diferentes níveis da sua complexidade, pode trazer intuições que contribuam fornecendo

dados importantes para teorias sobre o funcionamento da linguagem. Em maior escala,

este trabalho pode trazer novas evidências sobre os mecanismos envolvidos no curso

temporal do reconhecimento de palavras, no caminho ainda apenas incipiente de buscar

uma caracterização explicativa da dinâmica espaço-temporal do circuito cerebral de

construção de sentido.

Para que isso seja possível, no entanto, é necessário que sejamos capazes de

traduzir os sinais enviados pela atividade neuronal em informações relevantes para os

problemas que formulamos. Estabelecer esse elo é tanto um exercício filosófico quanto um

ato de criação – e que eu tento colocar em prática nesta tese para entender, ainda que

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13  

provisoriamente, como interagem os primitivos linguísticos para construção do sentido

complexo dentro de uma palavra.

Súmula dos Capítulos

De modo a organizar de maneira sistemática a fundamentação teórica desta tese,

seus objetivos e procedimentos de pesquisa, foram elaborados seis capítulos: Neste

Capítulo 1, de Introdução, foi apresentado o objetivo da tese, juntamente com uma revisão

das questões que a contextualizam.

No Capítulo 2, situamos este trabalho de Doutorado como parte de um programa de

pesquisa que busca uma interface factível entre a pesquisa linguística e a neurobiologia.

Esse programa, proposto em Poeppel & Embick (2005), sugere que a tarefa cognitiva seja

explicitada em termos de operações computacionais, de forma a se obter uma adequação

explicativa do funcionamento da linguagem no cérebro. Ainda nesse capítulo, são

apresentadas brevemente as principais características do protocolo de

magnetoencefalografia (MEG), destacando sua importância para estudos em linguagem.

No Capítulo 3, encontra-se um resumo dos estudos sobre o acesso lexical. Nesse

capítulo são apresentados os modelos de processamento de palavras e a convergência dos

resultados na literatura em favor de modelos decomposicionais. O texto é organizado de

maneira a justificar a busca por um momento posterior no reconhecimento da palavra, em

que deve ocorrer a recomposição dos morfemas resultantes da segmentação inicial.

A fim de caracterizar a busca por um correlato neurofisiológico que funcione como

medida dependente para a composição semântica, o Capítulo 4 apresenta estudos que têm

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14  

destacado o Campo Medial Anterior (AMF) como implicado nesse tipo de operação.

Estudos recentes, adotando o programa de pesquisa apresentado no Capítulo 2, têm

manipulado sistematicamente operações combinatórias em diferentes contextos. Esses

estudos têm revelado resultados consistentes indicando a relação desse componente de

MEG com diferentes tipos de computação semântica, incluindo o processo de modificação

intersectiva em sintagmas adjetivais.

Dialogando com essa literatura, o experimento realizado para esta tese verificou

que esse mesmo efeito é encontrado quando se manipula a composicionalidade em

palavras compostas. No Capítulo 5, encontra-se o relato do experimento, que aponta o

AMF como possível correlato da composição semântica entre os sentidos dos constituintes

das palavras compostas. Assumindo essa possível correlação, o experimento foi

desenhado de maneira a verificar efeitos de transparência semântica, relacionando-se

também com a literatura sobre o processamento de palavras. No Capítulo 6,

apresentaremos a conclusão do trabalho realizado, apontando os desafios e as perspectivas

futuras.

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15  

_____________________________________________dois  

Perspectivas para uma Neurobiologia da Linguagem

2.1 A Linguagem no cérebro

Considerando-se uma perspectiva biolinguística, talvez a maneira correta de

abordar a linguagem no cérebro seja, como propõe Chomsky, revisar o inventário de

princípios fundamentais da linguagem e do cérebro, e, então, conceber uma possibilidade

de unificação – a exemplo do que aconteceu com a Física e a Química por volta do início

do século XX (CHOMSKY, 2000; 2002). Os estudos da neurobiologia da linguagem se

desenvolveram de forma dissociada de estudos linguísticos, de modo que a possibilidade

de se obter um nível explicativo para a linguagem em termos de estrutura e função

cerebrais se manteve pouco provável.

Desde os primeiros indícios mais concretos de que as funções da linguagem

estariam associadas à matéria (cerebral), tem sido crescente o esforço e o otimismo em

caracterizar as bases dessa relação. Estudos seminais que procuraram entender as bases

neurofisiológicas da linguagem o fizeram a partir de dados relativamente rústicos,

provenientes sobretudo da associação de déficits linguísticos a áreas do cérebro que

sofreram lesões.

Muito do que sabemos sobre a importância de certas áreas cerebrais provém de estudos acerca de afasias. Afasia é a perda parcial ou completa das capacidades da linguagem em função de lesões encefálicas, muitas vezes sem a perda de faculdades cognitivas ou da capacidade de mover os músculos utilizados na fala. (BEAR ET AL., 2008; p. 618)

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16  

O modelo de Wernicke-Geschwind (GESCHWIND, 1979), desenvolvido por

Norman Geschwind a partir de uma expansão de estudos clássicos do século XIX

(BROCA, 1861; WERNICKE, 1874; LICHTHEIM, 1885), ainda é bastante difundido e

“oferece explanações simples para elementos-chave das afasias de Broca e Wernicke”

(BEAR ET AL., 2008; p.625). Basicamente, o modelo é composto pela região de Broca

(giro frontal inferior esquerdo) e pela região de Wernicke (giro temporal superior

esquerdo). O modelo propõe que essas duas áreas sejam conectadas por um feixe de

axônios, denominado fascículo arqueado. Fazem parte também desse sistema áreas

sensoriais e áreas motoras, cuja função é receber e produzir linguagem.

Figura 3: Modelo Wernicke-Geschwind (GESCHWIND, 1979) – Esta representação corresponde à tarefa de repetir uma palavra que foi ouvida. Primeiro, os sinais neurais, resultantes do processamento sonoro pelo sistema auditivo, chegam ao córtex auditivo (primary auditory area). Esses sinais são enviados à Área de Wernicke (Wernicke’s Area), onde

o significado da palavra é compreendido. Em seguida, os sinais que representam a palavra são transferidos para a Área de Broca (Broca’s Area), por meio do fascículo arqueado. Em Broca, as palavras se convertem em um código para informar movimentos musculares. Esse código é enviado a áreas corticais motoras, de modo que a palavra seja produzida.

Devido à sua simplicidade e validade aproximada, esse modelo continua sendo

usado para informar questões sobre o funcionamento da linguagem, especialmente em

contextos clínicos envolvendo dificuldades de fala e de leitura. No entanto, sua

subespecificação – tanto anatômica quanto linguística – aponta a necessidade de uma

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17  

reformulação teórica para acomodar recentes avanços de cunho técnico e conceitual

(POEPPEL & HICKOK, 2004; GRODZINSKY & AMUNTS, 2006; AMUNTS ET AL.,

2010).

Em termos metodológicos, os últimos trinta anos testemunharam consideráveis

avanços nas técnicas de aferição da atividade neuronal. Técnicas não-invasivas e de alta

resolução espacial e temporal tornaram possível a obtenção de dados neurológicos de alta

qualidade. Essas técnicas podem ser de dois tipos, dependendo da natureza dos processos

fisiológicos que dão origem ao sinal. Técnicas eletromagnéticas (eletroencefalografia –

EEG / magnetoencefalografia – MEG) medem a atividade elétrica ou eletromagnética

proveniente da atividade de um conjunto de neurônios. Essas técnicas têm como vantagem

uma alta resolução temporal, sendo adequadas para acompanhar o curso temporal de

atividades cognitivas. Técnicas hemodinâmicas (ressonância magnética funcional – fMRI /

tomografia por emissão de pósitrons – PET), por outro lado, medem diferenças em

deslocamento sanguíneo associadas à atividade neuronal, e se destacam pela milimétrica

resolução espacial.

Independente da metodologia usada, os dados obtidos tendem a ser caracterizados

em termos topográficos, revelando uma pressuposição pervasiva de que a localização de

funções cognitivas deve representar uma forma de evidência privilegiada para explicar as

faculdades mentais. Esse “imperativo cartográfico” (POEPPEL, 2008) é incitado pela

captura denotativa na capa do periódico Neuron (Figura 4).

As técnicas descritas acima, sobretudo fMRI e PET, permitem que sejam geradas

imagens realísticas do cérebro durante a realização de alguma atividade cognitiva, o que

faz com que elas sejam facilmente apropriadas pela mídia popular em aproximações

supersimplificadas e reducionistas. Essa aparente concretude – quase reificação – da

atividade cognitiva cria uma ilusão de objetividade que mascara a complexidade

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18  

matemática e epistemológica por trás das cativantes imagens. “Afinal, é preciso muito

processamento computacional e julgamento humano para se chegar de níveis de oxigênio

no sangue até uma foto instantânea de funções cerebrais complexas” (RAZ, 2012)8.

Figura 4: Capa do periódico Neuron 56, de outubro de 2007 (In: POEPPEL, 2008)

O apelo da imagem, no entanto, não se esgota na mídia de massa. Dentro do meio

científico, a retórica sugere que imagens da atividade cerebral são capazes de conferir mais

legitimidade a observações comportamentais, tornando-as “mais científicas” (RACINE

ET AL., 2006a). Também movidas por essa demanda, pesquisas utilizando técnicas

eletrofisiológicas tendem a incluir informação quanto à localização, ainda que a

                                                                                                               8  “After all, it takes a great deal of computer processing and human judgment to get from blood oxygen levels to a snapshop of a higher brain function” (RAZ, 2011; p. 265).  

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19  

informação crucial desses estudos esteja no sinal e não no local onde o sinal é gerado.

Conforme reconhece David Poeppel,

É justo afirmar que, no clima atual das pesquisas, um projeto em psicologia cognitiva é considerado mais financiável – ou mais passível de estar no caminho certo – quando seus experimentos são combinados com (e portando ‘verificados’ pelos) dados de imagem. (POEPPEL, 2008; p. 27)9.

E ele ainda pondera:

O fato é que não pode existir uma imagem objetiva da mente funcionando. Em vez disso, o que as imagens refletem é uma gama de predisposições teóricas, contingências técnicas, acidentes experimentais e pressuposições do observador. […] Imagens geram dados, nem mais nem menos, e os dados são úteis e utilizáveis desde que tenham uma interpretação no contexto de uma teoria sobre como a mente é organizada. (POEPPEL, 2008; p. 22)10.

Apesar das armadilhas reducionistas da imagem, a ideia de uma organização

funcional da atividade cognitiva parece ter uma fundamentação genuína. Analogamente à

especificação funcional dos diferentes órgãos do corpo, a ideia de que o cérebro é

organizado em subpartes especializadas em diferentes funções pode ser um passo

importante (MARANTZ ET AL., 2000), ainda que incompleto. Essa noção se justifica,

por um lado, pelas pistas empíricas provenientes do estudo de lesões (BROCA, 1861;

WERNICKE, 1864; DAMASIO, 1994). Por outro, estudos sobre sistemas perceptuais têm

                                                                                                               9  It is fair to say that in the current research climate, a research project on cognitive psychology is judged to be more fundable – or more likely to be on the right track – when the cognitive psychological experiments are combined with (and therefore ‘verified’ by) imagined data. 10  The fact of the matter is that there can be no objective image of the mind at work. Rather, every image reflects a range of theoretical predispositions, technical contingencies, experimental accidents, and observer presuppositions. […] Image generates data, no more less, and data are usable and useful insofar as they have an interpretation in the context of a theory about how the mind is organized. (POEPPEL, 2008; p. 22)  

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20  

revelado a eficiência da organologia como importante paradigma empírico. O mapeamento

do sistema visual revelou que conjuntos de neurônios desempenham funções específicas e

que a informação visual é ainda processada de maneira hierárquica (HUBEL, 1995).

Resultados análogos para o sistema auditivo também revelam uma organização topográfica

que parece ser crucial para a computação da representação sonora. Sendo assim, é

justificável pensar que, guardadas as proporções, a localização de funções como parte de

um princípio explicativo possa ser aplicada também às representações cognitivas,

incluindo a linguagem. A associação, porém, não é óbvia e configura uma questão que

deve ser formulada em um contexto teoricamente motivado (POEPPEL, 2012). Se existem

propriedades de circuitos neuronais relacionadas à realização de funções cognitivas

específicas, um desafio para caracterizar essa relação é determinar qual o nível de análise

mais adequado.

A pesquisa sobre as bases neurofisiológicas da linguagem tem adotado essa postura

de procurar topografias funcionais, mas as conexões propostas foram feitas inicialmente

em um nível de análise pouco granularizado. Mesmo em estudos de maior resolução

técnica, os resultados tendem sempre a ser da ordem de uma correlação, não havendo uma

proposta explicativa sobre como o substrato neuronal dá conta das atividades cognitivas.

Poeppel e Embick refletem:

Apesar de esses insights serem certamente interessantes, relevantes clinicamente, e receberem considerável atenção popular, existem claras limitações nessa metodologia. […] Ainda que esse tipo de pesquisa ofereça dados correlacionais importantes, aprende-se pouco sobre a linguagem e sobre o cérebro em um nível explicativo profundo. (POEPPEL & EMBICK, 2005; p. 6)11

                                                                                                               11  While such insights are certainly scientifically interesting, clinically relevant, and receive considerable popular attention, there are clear limitations to this methodology […]. Althought this type of research provides the field with important correlative datapoints, one learns little of explanatory depth about language and little about the brain.

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21  

Pesquisas recentes têm apresentado avanços em determinar a organização

anatômica cortical, reiterando que o modelo clássico não dá conta da complexidade

citoarquitetônica das regiões. A região de Broca, por exemplo, já sofreu uma divisão logo

no início do século XX, devido à descrição citoarquitetônica proposta por Korbian

Brodmann. Mais recentemente, essa área sofreu ainda outras subdivisões, com o avanço

de técnicas neuroanatômicas. Amunts et al. (2010) propõem uma subdivisão da área de

Broca em cerca de dez áreas diferentes em termos de suas propriedades celulares (Figura

5). Se cada uma dessas regiões for responsável por uma computação, isso já apontaria a

necessidade de um nível de representação mais acurado para abordar a linguagem no

cérebro.

Figura 5: Broca (AMUNTS ET AL., 2010)

Além do parcelamento anatômico da área cortical da linguagem, tem sido possível

identificar conexões estruturais entre regiões do cérebro humano in vivo, para além do

fascículo arqueado definido no século XX. Hickok & Poeppel (2007) propõem um modelo

de processamento da fala que estipula um caminho ventral – para o mapeamento entre

som e significado – e uma rota dorsal implicada em integração audiomotora.

Como se pode observar nas informações apresentadas acima – com relação à

anatomia e à conectividade estrutural –, os últimos anos têm testemunhado avanços

Now, it is extremely likely that each subregionperforms at least one different local compu-tation—after all, they are anatomically distinct.And it is worth remembering that we have noteven scratched the surface of possible laminardifferences within and across these cortical fields.(Recall that cortex is a sheet of layers, each ofwhich is distinct in terms of cell types, receptordistribution, inputs and outputs, etc. We knowfrom the study of other regions, using animalmodels, that there are intricate feedforward andfeedback projection schemes, canonical corticalcircuits (Douglas & Martin, 1991), and a richinfrastructure mediating locally distinct organiz-ation.) Suppose then, for the sake of argument,that there are merely five anatomic subdomainsin Broca’s region, and suppose that each anatomicsubdomain supports two types of operation. Theseare rather conservative numbers, but we must thenstill identify 10 types of computation. (This islikely to underestimate vastly the actual complex-ity.) Some of the computations will be applicableto any input data structure (structured linguisticrepresentation, speech signal, or other), since it iswell established that Broca’s region is engaged bynumerous cognitive tasks (Embick & Poeppel,2006). Other computations may be dedicated to

data structures native to the linguistic cognitivesystem. We know next to nothing about preciselywhat kind of conditions need to be met to be pro-cessed by Broca’s region, and in particular by oneof the many areas that constitute this part of theinferior frontal cortex.

So how to proceed? If other examples from thecentral nervous system can serve as a guide (say theretina with its many cell types and associated func-tions, or primary visual cortex with its ocular dom-inance columns and orientation pinwheels),Broca’s region is likely either (i) to support anumber of different types of operations/compu-tations, or (ii) to support similar operations onvery different input data structures to yield differ-ent outputs. In either case, it is our job to acquireand describe data at a much higher resolution thanhas been customary to do justice to the knownorganizational complexity, at least at the level ofknown anatomic distinctions as shown byAmunts et al. (2010). (Imagine, for comparison,studying visual perception without acknowledgingthe role primary visual cortex plays in eye-specificand orientation-selective processing; it would bebizarre.) How can this be achieved? In the nextdecades, we will presumably have access to newtechniques with higher spatial resolving power.

Figure 1. The organization of Broca’s region (Amunts et al., 2010). Reproduced with permission. To view a colour version of this figure,please see the online issue of the Journal.

COGNITIVE NEUROPSYCHOLOGY, 2012, 29 (1–2) 39

MAPS PROBLEM AND MAPPING PROBLEM

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22  

tecnológicos notáveis e um impulso motivador para se obter cada vez mais dados. Isso tem

permitido vislumbrar, para um futuro próximo, uma caracterização detalhada da anatomia

cerebral e de seus circuitos de conexão. No entanto, parece pouco provável que apenas a

cartografia cerebral, por mais detalhada, seja capaz de dar conta de explicar o

funcionamento da linguagem.

Adotando uma perspectiva mecanística do cérebro, Poeppel (2012) sugere que o

que falta para se obter uma adequação explicativa é uma análise funcional da atividade

cognitiva. Ou seja, é necessário que se decomponha essa atividade cognitiva – a

linguagem, por exemplo – em suas computações básicas. O desafio é ambivalente,

apresentando um caráter prático e um caráter teórico. Poeppel (2012) caracteriza essas

duas abordagens para a questão como um problema cartográfico (maps problem), por um

lado, e um problema de alinhamento (mapping problem), por outro. O primeiro diz

respeito à possibilidade de a informação espacial ser capaz de fornecer descrições das

bases neurofisiológicas de cognições, a exemplo do que pôde ser feito de maneira

satisfatória para os sistemas perceptuais. Ou seja, esse problema representa o desafio de

relacionar descrição estrutural com análise funcional, o que, na prática, depende de uma

correta determinacão de qual deve ser o melhor nível de decomposição dessas funções,

levando em consideração a configuração anatômica. O segundo problema se traduz na

dificuldade de se estabelecer uma hipótese de alinhamento isomórfico entre a linguagem e

o cérebro. Cientistas cognitivos (incluindo linguistas que adotam uma perspectiva

biolinguística) têm como objetivo determinar o inventário de partículas elementares da

mente e as operações de interação entre essas partículas. Por outro lado, neurocientistas

procuram determinar a infraestrutura do sistema nervoso, desde componentes subcelulares

até sistemas de maior escala. Por exemplo, um nível analítico pertinente para o

funcionamento da linguagem destacaria morfemas, sintagmas, traços distintivos etc., como

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23  

elementos fundamentais de representação, e concatenação, linearização, composição

semântica etc., como operações fundamentais. Por outro lado, a neurociência destacaria

neurônios, dendritos etc., como primitivos de representação, e oscilação, sincronização

etc., como operações básicas para interação entre esses primitivos (POEPPEL & EMBICK,

2005). Estabelecer um alinhamento possível dependeria de uma reformulação estrutural

dos primitivos estabelecidos para cada área.

Poeppel e Embick (2005) elaboraram o desafio da aproximação entre linguística e

neurociência identificando dois problemas fundamentais: o problema da incompatibilidade

granular (Granularity Mismatch Problem – GMP) e o problema da incomensurabilidade

ontológica (Ontological Incommensurability Problem – OIP). O primeiro problema diz

respeito à incompatibilidade entre o nível de análise da linguagem, de acordo com os

diferentes domínios do conhecimento. Por exemplo, ao estudar a linguagem, a

neurociência tende a estabelecer categorias muito amplas – como sintaxe, fonologia,

semântica – e procura correlacionar essas categorias com áreas específicas do cérebro. A

Linguística, por sua vez, lida com um inventário de primitivos cujos traços distintivos e

conceituais são mais granularizados. A falta de uma aproximação entre essas áreas

dificulta o entendimento da organização da linguagem em termos de estrutura e função

cerebrais, uma vez que os diferentes níves de representação concebidos pela Neurociência

e pela Linguística não permitem uma coordenação profícua entre a natureza das questões

investigadas. A solução para esse problema pode ser vislumbrada por meio de uma

mudança pragmática, de modo que Linguística e Neurociência possam olhar para a

linguagem em termos do mesmo nível de representação. O GMP se relaciona, portanto,

com o modo como dois domínios diferentes do conhecimento segmentam o objeto de

estudo – no caso, a Linguagem – em representações relevantes para sua a manipulação. O

Problema da Incomensurabilidade Ontológica é mais conceitual e diz respeito à

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24  

impossibilidade de se estabelecer uma correlação entre os primitivos dos fenômenos

cognitivos – entre eles, os da linguagem – e os primitivos neurobiológicos que funcionam

como infraestrutura para esses fenômenos cognitivos. Da forma como os primitivos da

linguagem e da neurobiologia são hoje concebidos, não é possível estabelecer

isomorfismos plausíveis.

Também não é claro se esses isomorfismos poderão ser eventualmente executados.

Se considerarmos, a exemplo de Chomsky, que existem problemas e mistérios com relação

ao entendimento da linguagem (CHOMSKY, 1991b), a unificação isomórfica entre

linguística e neurobiologia deve estar ainda na categoria de mistério. Como ele reconhece,

“a história da ciência moderna nos ensina lições que não podem ser ignoradas”

(CHOMSKY, 2000). Para que essa unificação fosse concebível, a lista de primitivos da

neurobiologia como é estabelecida hoje precisaria ser reformulada para acomodar

demandas dos sistemas cognitivos – como aconteceu com a Física para se ajustar às teorias

formuladas pela Química.

Ainda que uma unificação isomórfica não seja possível – a linguagem e o cérebro

são domínios que envolvem sistemas de maior complexidade –, uma aproximação entre a

neurociência da linguagem e a pesquisa linguística pode ser vantajosa para as duas áreas

do conhecimento. De uma forma ou de outra, deve-se considerar a relação entre os dois

domínios como uma via de mão dupla (CHOMSKY, 2000). Sendo assim, não se trata do

uso de dados neurofisiológicos para “validar cientificamente” conceitos e categorias

formuladas pela pesquisa linguística. Trata-se de usar categorias linguisticamente

motivadas para investigar como essas categorias abstratas são implementadas na matéria

cerebral, em uma proposta integrada de investigação (POEPPEL & EMBICK, 2005).

Sendo assim, descobertas a respeito da neuroanatomia representarão restrições à

implementação de certas computações cognitivas, da mesma forma que descobertas sobre

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25  

computações cognitivas devem estabelecer condições a serem implementadas em termos

celulares.

Como o conjunto de primitivos linguísticos não pode ser associado diretamente

com primitivos neurobiológicos (e.g., um dendrito não pode ser associado a um morfema),

a estratégia mais viável de aproximação deve ser 1) determinar computações linguísticas

consideradas básicas – possivelmente incontroversas – e 2) procurar circuitos

neuroanatômicos que sejam capazes de executar essas operações (POEPPEL, 2012).

Assim, o que estaria em questão não seriam propriamente as unidades mínimas da

neurobiologia, mas sim se a combinação dessas unidades, da forma como ela tem sido hoje

concebida, seria funcionalmente apropriada para dar conta da explicação do fenômeno

cognitivo.

Nesse processo, é natural que falsas predições e erros de categoria devam ocorrer.

No entanto, as hipóteses representacionais e computacionais já bem desenvolvidas da

teoria linguística não devem ser desprezadas para se investigar como representações

simbólicas são armazenadas e geradas no cérebro (MARANTZ, 2005). A Gramática

Gerativa – representada em uma de suas formas mais econômicas pelo Programa

Minimalista (CHOMSKY, 1995) – já constitui um modelo cognitivo de linguagem

essencialmente integrável à Neurociência.

2.2. Um modelo computacional para a linguagem

Sendo a linguagem humana um sistema que possui a característica da infinitude

discreta, é possível pensar que ela tenha propriedades computacionais capazes de gerar, a

partir do seu inventário finito de representações, sentenças infinitas. Além disso, se

considerarmos a linguagem como um subsistema cerebral, esse mecanismo computacional

deve ser de alguma forma implementado no nível celular.

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26  

Gallistel e King (2010) sugerem que todos os animais sejam dotados de uma

capacidade de aprendizado – órgãos de aprendizado –, que podem ser considerados como

órgãos dentro do cérebro. A estrutura desses órgãos permitiria a realização de algumas

computações específicas. Considerando uma perspectiva gerativa, a linguagem pode ser

entendida como um tipo de mecanismo de aprendizado específico do ser humano. Segundo

Chomsky, a aquisição (ontogênese) da linguagem dependeria da ação combinada de três

fatores: 1) um estado inicial geneticamente especificado, analogamente ao estado inicial da

visão; 2) dados provenientes do ambiente; e 3) alguns princípios gerais, como minimização

da complexidade computacional (BERWICK ET AL., 2013; CHOMSKY, 2004). O estado

inicial pode ser pensado como um dispositivo que traduz os dados da experiência para o

estado final, que é a língua adquirida.

Basicamente, a linguagem é um sistema computacional simbólico que associa

forma e sentido e que é interno à mente do falante. Tendo em vista a sua propriedade

criativa, esse sistema deve ser minimamente capaz de concatenar representações

linguísticas, gerando objetos maiores. Ou seja, esse sistema deve incluir uma operação que

construa novos elementos representacionais Z a partir de elementos já construídos X,Y

(BERWICK ET AL., 2013). O sistema computacional da linguagem pode ser representado

pela estrutura abaixo (Figura 6):

Figura 6: Estrutura básica do sistema computacional da linguagem.

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27  

Cada expressão resultante desse processo de concatenação deve ter uma

interpretação em duas interfaces, através das quais as expressões mentais se conectam com

o mundo exterior (sensório-motora) e com os conceitos e intenções internos ao organismo

(conceptual-intencional). O estudo das bases neurofisiológicas da linguagem deve

considerar funções cerebrais que representem tanto o sistema combinatório central quanto

os sistemas de interface. Por exemplo, o processo de linearização é um tipo de imposição

sobre o sistema sensório-motor. O resultado da operação de concatenação é uma

combinação não ordenada. No entanto, como as palavras precisam ser pronunciadas (e

ouvidas) sequencialmente no tempo, é necessário que exista uma operação responsável

pelo mapeamento entre a representação linguística interna de uma expressão e sua

externalização ordenada. Além disso, ainda que qualquer objeto sintático arbitrário possa

ser concatenado com outro, gerando uma estrutura mais complexa, o resultado dessa

concatenação pode não ser interpretável na interface conceptual. O licenciamento dessas

expressões deve estar relacionado com o algoritmo de rotulação (labeling algorithm – cf.

CHOMSKY, 2013). Essas são computações que devem ser instanciadas por estruturas

corticais diferenciadas e que, de certa forma, estão relacionadas com o que estudos

tradicionais de neurociência tendem a achatar sob o rótulo de sintaxe (ou semântica).

Diferente de sistemas puramente perceptuais como a visão, a linguagem possui

uma instância de percepção e uma de produção. No entanto, dado o seu caráter gerativo,

não deve haver um sistema combinatório exclusivo para produzir expressões linguísticas e

outro exclusivo para compreendê-las. Sendo assim, a construção da representação sonora

de uma expressão deve fornecer também sua representação conceitual. Da mesma forma, a

construção de uma representação conceitual deve fornecer informações que permitam sua

pronúncia (MARANTZ ET AL., 2000).

Uma questão que emerge quando se procura investigar a linguagem em termos de

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28  

sua implementação cerebral concerne à especificidade linguística dos mecanismos

recrutados. Muitos dos estudos atuais em pesquisa linguística têm se preocupado com as

interfaces sintaxe-semântica e sintaxe-fonologia. Como esses estudos se ocupam da

interação entre o sistema linguístico e outros sistemas, extralinguísticos, eles fornecem

uma base importante para o estudo da linguagem no cérebro. O sistema combinatório

central (operações sintáticas) deve ser implementado em algum circuito de atividade

cortical que seja especificamente humano, ao passo que os sistemas de interface devem

utilizar áreas comuns a seres humanos e animais. Sendo assim, os estudo das interfaces

pode representar um campo importante de investigação para pesquisas filogenéticas

comparativas. Resultados recentes – provenientes de estudos entre espécies sobre o

aprendizado de gramáticas artificiais – têm mostrado distinções interessantes entre

estruturas que devem ser características da linguagem natural e outras estruturas,

envolvidas em outros processos cognitivos (FRIEDERICI, 2011; BERWICK ET AL.,

2013).

Levando em consideração esses fatores, é possível inferir que a pesquisa linguística

fornece explicações sobre o funcionamento da linguagem que podem ser usadas como um

guia teórico sobre como a linguagem é implementada no cérebro. “Como uma primeira

hipótese sobre o alinhamento entre mente e cérebro em termos de linguagem, não existem

razões para não supor que cada operação mental postulada pela teoria linguística

corresponda a computações executadas no cérebro.”12 (MARANTZ ET AL., 2000, p. 5)

Muitos dos fenômenos que são centrais para nós enquanto seres humanos – os mistérios da vida e da evolução, da percepção, dos sentimentos e do

                                                                                                               12 As a first hypothesis about the way that mind maps onto brain, we have no reason not to suppose that each mental operation implied by linguistic theory corresponds to a computation carried out by the brain. (MARANTZ ET AL., 2000, p. 5)

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29  

pensamento – são fenômenos de processamento da informação, e se quisermos entender esses fenômenos de maneira exaustiva, nosso pensamento sobre eles deve incluir essa perspectiva.13 (MARR, 1982; p. 4)

Nesse sentido, se levarmos em consideração que o cérebro deve ser, entre outras

coisas, um dispositivo computacional que combina e transforma informação, a estratégia

de pesquisa proposta por Marr (1982) para a visão deve representar um meio pelo qual se

possa estabelecer uma aproximação entre pesquisa linguística e neurociência da

linguagem.

Se alguém espera atingir um entendimento completo sobre um sistema tão complicado quanto um sistema nervoso – ou um embrião em desenvolvimento, um conjunto de fluxos metabólicos, uma garrafa de gás, ou mesmo um programa de computador –, então esse alguém precisa estar preparado para contemplar diferentes tipos de explicação em diferentes níveis de descrição, que se correlacionam, ao menos em princípio, em um todo coeso, mesmo que uma correlação em todos os níveis seja impraticável. (MARR, 1982; p.20)14

De acordo com Marr (1982), existem diferentes níveis em que se pode entender um

processo de transformação da informação. O autor explica os diferentes níveis de um

processo utilizando o exemplo da adição realizada em um caixa de supermercado. Nível

da teoria computacional: O nível mais abstrato em que se pode pensar esse processo é o

que determina o que é esse processo e por que ele deve ser realizado. No caso da adição,

trata-se de um processo para transformar uma sequência de números em um único número.

Por exemplo, “+ transforma o par (3,4) em 7” (MARR, 1982; p 22). Existem algumas

propriedades que caracterizam a teoria geral da adição, como a comutatividade e a                                                                                                                13  Most of the phenomena that are central to us as human beings—the mysteries of life and evolution, of perception and feeling and thought—are primarily phenomena of information processing, and if we are ever to understand them fully, our thinking about them must include this perspective. (MARR, 1982; p. 4) 14 “If one hopes to achieve a full understanding of a system as complicated as a nervous system, a developing embryo, a set of metabolic pathways, a bottle of gas, or even a large computer program, then one must be prepared to contemplate different kinds of explanation at different levels of descripton that are linked, at least in principle, into a cohesive whole, even if linking the levels in complete detail is impractical.” (MARR, 1982: p. 20)

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30  

associatividade (cf. MARR, 1982 para uma explicação mais detalhada). O por quê de se

escolher esse processo para o uso em um caixa de supermercado se determina pela

adequação das propriedades desse processo para resolver o problema em questão – no

caso, combinar os preços individuais dos produtos adquiridos no supermercado. Esses

argumentos configuram o que Marr chama de “a teoria computacional da caixa

registradora”.

Nível representacional e algorítmico: Para que esse processo funcione, no entanto,

é necessário que se estabeleçam 1) as representações que serão manipuladas e 2) o

algoritmo através do qual a transformação deve ocorrer. No caso da adição no caixa, as

representações podem ser algarismos indo-arábicos e, sendo assim, o algoritmo utilizado

pode ser aquele usual de somar primeiro os algarismos na casa das unidades até 9 e levar o

dígito restante para a próxima casa, a das dezenas, e assim por diante. Estabelecer esses

fatores configura o segundo nível de análise de um processo. Eles representam como esse

processo deve ser conduzido computacionalmente. Aqui, o autor enfatiza três pontos

importantes: 1) Existe uma gama extensa de opções de representações para a realização de

um processo; 2) a escolha do algoritmo está intimamente ligada com a escolha das

representações (por exemplo, a escolha de números binários em vez de números reais

mudaria o algoritmo de realização da soma); 3) mesmo para uma certa representação fixa,

podem existir diferentes algoritmos para a realização do processo transformacional. Um

dos fatores que pode condicionar a escolha é o dispositivo físico em que esse algoritmo vai

ser implementado, o que nos leva ao terceiro nível de análise. Nível implementacional:

Esse nível deve considerar onde o processo será realizado fisicamente. Novamente, alguns

tipos de algoritmo devem ser mais adequados ao substrato em que a operação será

executada. De acordo com Marr,

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31  

cada um dos três níveis de análise terá seu espaço no eventual entendimento do processamento da informação perceptual e, é claro, eles estão relacionados de maneira lógica e causal. Mas um importante ponto a ser destacado é que, como esses três níveis estão apenas folgadamente associados, alguns fenômenos podem ser explicados apenas em um ou dois desses níveis.15 (MARR, 1982; p. 25)

O autor acrescenta que, ainda que o nível algorítmico e o nível implementacional

sejam mais acessíveis empiricamente, o nível da teoria computacional deve ser o mais

importante do ponto de vista do processamento da informação. A importância desse nível

se justifica pelo fato de ele se relacionar mais com a natureza das computações que

caracterizam o processo investigado, o que é mais difícil conceber a partir do exame

analítico do dispositivo em que essas computações são implementadas.

Pensando isso em termos de como a linguagem é implementada no cérebro, é mais

difícil que se obtenha um nível de adequação explicativa a respeito da linguagem apenas

estudando analiticamente o cérebro, não existindo uma teoria computacional para guiar

essa investigação. É a teoria computacional, portanto, que define o problema a ser

resolvido, ou a transformação a ser executada, na tarefa de processamento da informação.

Adaptando as palavras de Marr para o contexto da neurobiologia da linguagem, a ideia se

resumiria da seguinte forma: para entendermos o cérebro, precisamos estudar o cérebro;

para entendermos a linguagem, precisamos estudar a linguagem; para entendermos como

uma tarefa linguística é executada no cérebro, precisamos estudar a linguagem e o cérebro.

Isolado, nenhum dos dois será suficiente.

Nesse sentido, esse nível intermediário é fundamental para que sejam especificadas

as representações e os algoritmos que serão executados pelos circuitos implementacionais.                                                                                                                15  Each of the three levels of description will have its place in the eventual understanding of perceptual information processing, and of course they are logically and causally related. But an important point to note is that since the three levels are only rather loosely related, some phenomena may be explained at only one or two of them. (MARR, 1982; p. 25)

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32  

Assim, esse domínio intermediário contribuirá com um aumento da especificidade das

representações e operações relacionadas às funções linguísticas, levando em consideração

as restrições impostas pelo substrato neuroanatômico. Poeppel (2012) afirma que, se essa

estratégia estiver no caminho certo, pode-se começar tomando como elementares aquelas

computações já menos controversas propostas pelos modelos cognitivos de linguagem.

Tomando essas computações como fundamentais, a pesquisa neurofisiológica deve

procurar circuitos neuronais envolvidos na sua execução. Algumas operações que devem

servir de base para investigação são, por exemplo, concatenação, decomposição,

linearização, rotulação, e outras operações que possam ser implementadas de maneira

relativamente direta em circuitos neuronais (POEPPEL, 2012).

Resumindo, o objetivo dessa estratégia de pesquisa seria buscar um nível

explicativo sobre como a atividade cerebral desempenha funções cognitivas, em uma

perspectiva de levar o entendimento dessa relação para além de uma abordagem apenas

correlacional. Isso dependeria da possibilidade de conceber um nível de granularidade que

seja adequado a essa associação, reconhecendo tanto as restrições do substrato físico

quanto as demandas computacionais do processo cognitivo. Nesse espírito, a observação

simples de que uma certa função está localizada em uma área específica tem pouco a

contribuir com esse propósito explicativo. A mera localização da atividade cognitiva não

diz muita coisa sobre como essa atividade é executada, uma vez que não tornam explícitas

as representações e as computações recrutadas no processo de transformação da

informação.

Sendo assim, a proposta de estudar um nível algorítmico de análise tem como

objetivo exatamente tornar evidentes essas operações envolvidas na função cognitiva. Em

vez de estabelecer correlações entre áreas e funções, a proposta é promover uma

codificação espacial da tarefa cognitiva, que possibilite seu entendimento.

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33  

2.3. Breve introdução à técnica da Magnetoencefalografia

Atentando para as considerações apontadas acima, o experimento realizado para

esta tese – e reportado no Capítulo 5 – teve como objetivo contribuir com o trabalho de

caracterizar a atividade neuronal associada à composicionalidade semântica. Procuramos

encontrar efeitos da atividade combinatória em um contexto tão básico quanto a

concatenação de dois morfemas lexicais que formam uma palavra composta, em uma

perspectiva de análise mais granularizada dos processos cognitivos que constituem a

linguagem. Para tal fim, utilizamos a técnica de magnetoencefalo-grafia (MEG), cujas

características principais são destacadas a seguir.

Figura 7: Figura esquemática de uma parte do córtex. Os dois cilindros indicam a relação entre a corrente intracelular e os campos magnéticos resultantes. As fontes na parte superior do giro resultam em campos não detectáveis pelo MEG, porque são paralelos ao escalpo. Fontes na fissura resultam em campos tangenciais, detectáveis. À direita, o padrão do campo magnético. A parte hachurada representa o fluxo magnético saindo da cabeça. (LOPES DA SILVA, 2010)

MEG é uma técnica de neuroimagem que funciona captando os campos magnéticos

produzidos por uma corrente elétrica no córtex (Figura 7). Os sinais magnéticos emergem

6 MEG: An Introduction to Methods

that the total current density fi eld tJ consists of J!

i and a passive part (second-

ary current) that obeys Ohm’s law:

t iJ J E= +!!

s (1–1)

where ! is the medium conductivity and E"!

is the electric fi eld. Considering that the div tJ must be zero, since there is no accumulation

of charge anywhere in the medium, we may note that

div divIJ E= """! "!

s (1–2)

BB

A

Qr Qd

BB

Qd

Qr

0

I

0 0

0

Radial and Tangential sources

VI

Direction ofDirection ofpropagationpropagationDirection ofpropagation

Dire

ctio

n of

prop

agat

ion

Figure 1–3 . Schematic drawing of a piece of cortex showing the crown of a gyrus and a sulcus. Two cylinders are drawn to indicate the relation between the direction of the intracellular current and the resulting mag-netic fi elds around the apical dendrite. Sources at the top of a gyrus cause radial fi elds that are not detectable by MEG. Sources in the fi ssures cause tangential fi elds that can be detected at the MEG.

MEG

EEGEEGMEGMEG

Main advantage over EEG: better spatial resolution (millimeters forcortex, worse for deeper sources)

Magnetic fields pass through skull and various tissues undistorted.

Distribution of the magnetic field around the head tells you a lotabout the underlying current generators.

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34  

ortogonalmente em relação à corrente, de modo que uma corrente radial em relação ao

escalpo não é captada. Ainda, para que algum sinal seja captado, é preciso a transmissão

conjunta de centenas de milhares de neurônios (RODDEN & STEMMER, 2008). Como

os sinais biomagnéticos são muito fracos (cerca de um bilhão de vezes mais fracos que o

campo magnético estático da Terra), é necessário que a medição, por um lado, seja

suficientemente sensível e, por outro, compense o ruído do ambiente.

O ruído gerado por aparelhos elétricos e objetos magnéticos – facilmente

encontrados no ambiente de um laboratório – já é cerca de mil vezes mais forte que

qualquer sinal magnético resultante da atividade neuronal (PARKKONEN, 2010). Para

dar conta do desafio de tornar possível a medida dessas ondas eletromagnéticas, são usados

detectores altamente sensíveis (Superconducting Quantum Interference Device - SQUID).

Além disso, é imprescindível que as medidas sejam feitas em um ambiente

magneticamente isolado. Outro procedimento é ainda utilizar canais de referência,

localizados próximos à cabeça, mas distantes o suficiente para não detectarem atividade

cerebral. O sinal captado por esses canais de referência vai sendo subtraído dos dados

brutos durante a aquisição.

As ondas eletromagnéticas não sofrem perturbação física ao atravessar os tecidos

entre a fonte da atividade e os detectores. Como o sinal não é distorcido, a localização

estimada da fonte é bastante precisa. A técnica de MEG oferece ainda uma excelente

resolução temporal, na ordem de milissegundos, o que é extremamente importante para

estudos sobre a linguagem. Considerar a dimensão temporal na atividade cerebral é

decisivo para caracterizar a dinâmica do processo cognitivo. Por essas razões, e por se

tratar ainda de um método não-invasivo, o MEG tem se destacado como um recurso

idealmente apropriado para analisar modelos de processamento.

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35  

No entanto, a magnetoencefalografia não está ainda disponível no Brasil para a

realização de pesquisa em neurociência da linguagem. O estudo realizado para esta tese

foi feito no Laboratório de Neurolinguística da Universidade de Nova York (NYU

Neurolinguistics Lab), durante um estágio de Doutorado com apoio oferecido pela

CAPES/Comissão Fulbright-Brasil, sob a supervisão de Liina Pylkkänen. Esta é, portanto,

a primeira tese de Doutorado no Brasil utilizando essa técnica para investigação de

computações linguísticas.    

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36  

_____________________________________________ três

Mapeando os estágios do reconhecimento visual de palavras complexas – decomposição e recomposição

3.1. Composicionalidade intralexical

Examinar o papel das representações lexicais e os mecanismos utilizados para

gerar, criativamente, estruturas complexas a partir dessas representações é uma questão

crucial para o entendimento da arquitetura da linguagem. Essa questão pode ser formulada

em diferentes níveis.

No escopo da teoria da Gramática Gerativa, ela se traduz primeiro em definir quais

são os átomos memorizados que entram na numeração para então serem operados pela

sintaxe. Para suas vertentes lexicalistas – que incluem a versão mais recente da Gramática

Gerativa, o Minimalismo (CHOMSKY, 1995) –, as palavras estão armazenadas em sua

forma plena no léxico e a computação se dá, portanto, no nível supralexical.

Há, por outro lado, propostas não-lexicalistas, que argumentam que a noção

intuitiva de palavra não corresponde necessariamente às unidades mentais das operações

linguísticas, uma vez que não parece se justificar um domínio especial de associação entre

som e sentido no nível lexical (MARANTZ, 1997a; 1997b). A proposta não-lexicalista da

Morfologia Distribuída (HALLE & MARANTZ, 1993; BORER, 2000; HARLEY &

NOYER, 1998a; 1998b) prevê que a computação ocorra em múltiplas fases, distribuída em

diferentes camadas funcionais. A sintaxe operaria, portanto, também no interior da

palavra, fazendo a concatenação entre raiz e morfemas categorizadores. Outra questão

relevante para a Linguística é entender o tipo de informação já presente nessas partículas

estocadas, como, por exemplo, estrutura argumental e informação categorial.

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37  

Para a Psicolinguística, mapear os processos morfossintáticos e semânticos dentro

da palavra não é uma tarefa simples. Nesse nível, para além dos mecanismos pertencentes

à gramática – ou seja, ao sistema da linguagem em sentido estrito –, devem-se ainda levar

em consideração etapas perceptuais envolvidas na seleção das representações linguísticas.

Nos últimos quarenta anos, muitos estudos têm procurado caracterizar os constituintes

mínimos da representação e do processamento lexical, tendo focado inicialmente na

questão de se as palavras complexas são decompostas.

No quadro a seguir (Figura 8), estão elencados diferentes tipos de palavras, que

constituem uma taxonomia tentativa da composicionalidade intralexical.

Figura 8: Exemplos de composicionalidade (transparentes e opacas) e não-composicionalidade (ortográficas) em palavras derivadas e compostas.

Os tipos de palavras derivadas, na Figura 8, foram retirados de artigos clássicos de

Psicolinguística sobre o processamento de palavras (inclusive os exemplos). Os tipos de

palavras compostas foram elaborados de modo a construir uma lista equivalente à das

palavras derivadas (alguns exemplos são retirados de experimentos com palavras

compostas, também na literatura de processamento de palavras).

A decomponibilidade morfêmica no processamento de palavras foi exaustivamente

investigada, utilizando-se diferentes metodologias – priming, decisão lexical, rastreamento

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38  

ocular – e dividiu a área entre os que defendem modelos decomposicionais e os que

defendem modelos não-decomposicionais (cf. revisão mais extensa em GARCIA, 2009).

Os modelos decomposicionais defendem que a palavra deve ser armazenada e acessada por

meio de seus constituintes mínimos, os morfemas (TAFT & FORSTER, 1975;

STOCKALL & MARANTZ, 2006). Por outro lado, modelos não-decomposicionais

argumentam que a palavra esteja representada e seja acessada inteira (BUTTERWORTH,

1983; SEIDENBERG & GONNERMAN, 2000).

Os modelos decomposicionais podem ser divididos entre modelos de decomposição

inicial e modelos de decomposição tardia. Estes postulam que a decomposição de palavras

em seus constituintes pode ocorrer após o acesso lexical à palavra inteira (GIRAUDO &

GRAINER, 2000; MARINKOVIC, 2004). Aqueles, por outro lado, defendem que os

morfemas são acessados automaticamente logo no início do processamento da palavra

complexa. Há, ainda, dentro dos modelos de decomposição inicial, os que preveem 1) que

o reconhecimento da palavra se dê por um mecanismo de dupla rota (MARSLEN-

WILSON ET AL., 1994; SHREUDER & BAAYEN, 1995; CARAMAZZA ET AL., 1998;

PINKER, 2000; HAY & BAAYEN, 2005), e 2) que o reconhecimento da palavra se dê por

decomposição plena (full parsing – TAFT, 2004; STOCKALL & MARANTZ, 2006).

Para os modelos não-decomposicionais, a relação entre palavras se daria por

conexões que levam em consideração fonologia e semântica. Sendo assim, efeitos

observados entre palavras complexas e seus constituintes – por exemplo, priming entre

palavras relacionadas – são explicados em termos da coincidência de traços fonológicos e

de sentido. Como esses efeitos podem ser justificados apenas por similaridade, esses

modelos não acham que deva existir um nível morfológico de representação. De fato, em

experimentos de priming não encoberto, palavras semanticamente opacas não obtém

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39  

facilitação. No entanto, o fato de que não são encontrados efeitos nesse tipo de tarefa não

quer dizer que esses efeitos não existam.

A abordagem não-decomposicional vem sendo desafiada por resultados recentes

utilizando a técnica de priming encoberto (FORSTER, 1998). Nessa técnica, o prime é

apresentado muito rapidamente, de modo que não seja conscientemente percebido. Sendo

assim, a visualização é suficiente para ativar etapas iniciais do reconhecimento lexical, e

essa ativação afeta o reconhecimento da palavra alvo. Esses estudos têm encontrado efeito

diferenciado para palavras morfologicamente relacionadas, que não pode ser atribuído

apenas à semelhança ortográfica e semântica (LONGTIN ET AL., 2003; RASTLE ET

AL., 2004; GARCIA, 2009). Surpreendentemente, efeitos ortográficos não são sequer

detectados nesse tipo de tarefa (LONGTIN ET AL., 2003; GARCIA, 2009). Outra

observação crucial em relação a esses estudos é que o efeito se estende para palavras

semanticamente opacas, ou seja, palavras em que o sentido do todo não pode ser

interpretado a partir do significado dos seus constituintes. Esse achado aponta a existência

de uma fase no reconhecimento da palavra em que os constituintes são acionados levando-

se em consideração características morfo-ortográficas (RASTLE ET AL., 2004), antes do

pareamento semântico.

Palavras como brother, que podem ser “pseudo-segmentadas” em uma raiz e um

sufixo, seriam decompostas tanto quanto palavras como teacher, em que a segmentação é

relevante para o reconhecimento. Porém, ainda que essa decomposição ocorra

independentemente das entradas lexicais, existiria sensibilidade visual para fatores de nível

mais elevado como o reconhecimento de morfemas, de modo que palavras como brothel

não são segmentadas. Nesse caso, ainda que uma “pseudo-raiz” broth- possa ser

reconhecida, o material reminiscente -el não é um sufixo existente na língua. Efeitos desse

tipo se diferenciam do modelo de decomposição plena proposto originalmente por Taft &

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40  

Forster (1975), o Affix Stripping, para o qual a decomposição da palavra passa

primeiramente por um momento de remoção obrigatória dos afixos, anterior ao acesso

lexical. Essa remoção ocorreria independentemente de o material reminiscente existir ou

não. Para Taft & Forster (1975), portanto, palavras como winter seriam decompostas.

Palavras como brothel, por outro lado, não seriam.

Shoolman & Andrews (2003) e Fiorentino (2006), Fiorentino & Poeppel (2007b)

apresentam resultados análogos aos de Rastle et al. (2004) em palavras compostas, também

utilizando a técnica de priming encoberto. Zwitserlood (2004) encontram ainda efeitos de

decomposição em palavras compostas de holandês, independente da transparência

semântica, utilizando a técnica de priming parcial não encoberto em que a palavra

composta foi usada como prime e o constituinte foi usado como alvo (kerkorgel-orgel –

órgão de igreja-órgão). Analogamente aos estudos com palavras derivadas, não foram

encontrados efeitos para palavras relacionadas apenas ortograficamente.

Alguns dos estudos que manipulam fatores morfológicos no reconhecimento de

palavras indicam que a decomposicionalidade pode ser afetada por fatores semânticos, em

estágios mais posteriores do processamento. Em estudos com priming encoberto,

encontram-se efeitos de decomposição para pares transparentes e opacos, mas, quando a

apresentação do prime é mais longa, esses efeitos são condicionados pela transparência

semântica (RASTLE, 2000; LONGTIN ET AL., 2003). De qualquer forma, levando em

consideração todos esses estudos em conjunto, é possível afirmar, com um alto grau de

acerto, que existe um nível morfêmico de representação no reconhecimento de palavras.

Sendo assim, o debate tem-se configurado mais recentemente em torno do contraste

entre modelos decomposicionais. Basicamente, os modelos de dupla rota consideram que

existe representação tanto no nível da palavra quanto no nível do morfema (HAY &

BAAYEN, 2005). A escolha entre a decomposição ou o acesso direto dependeria de

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41  

fatores como maior saliência do constituinte ou da palavra inteira, respectivamente. É

verdade que, ainda que medidas off-line, como tempos de resposta, sejam importantes para

fornecer informações sobre o acesso lexical, elas não são sensíveis a valores de frequência

dos constituintes, como, por exemplo, a probabilidade de transição16 (transition probability

– cf. HAY, 2001) entre os morfemas de uma palavra. Essas informações podem ser

determinantes em caracterizar se os efeitos observados de decomposição são provocados

por representações concretas relacionadas apenas a n-gramas ou por representações mais

abstratas que associam a forma visual da palavra a morfemas da língua.

Medidas off-line, por serem obtidas no final do reconhecimento da palavra, tendem

a acumular diferentes computações que podem acontecer em estágios diferentes do acesso

lexical, e ainda incluir processamentos pós-lexicais. Como efeitos de decomposição

podem estar fortemente delimitados no tempo e associados a diferentes computações, o uso

de uma medida mais granularizada se faz necessária para uma melhor caracterização dessa

decomposição.

3.2. Localizando o processamento lexical no tempo (e um pouco no espaço também)

Para uma caracterização de como se dá a implementação da leitura no cérebro, a partir de dados, é essencial que se conheça a localização e o tempo em que ocorre a ativação. 17

(SALMELIN, 2010; p. 347)

O uso da técnica de rastreamento ocular apresenta um ganho importante por

possibilitar que as medidas sejam feitas durante o processo de leitura, podendo ser útil para                                                                                                                16  Probabilidade de transição (TP) corresponde à probabilidade de se encontrar uma palavra inteira, dada sua base (por exemplo, a probabilidade de teacher, dado teach). Essa probabilidade pode ser calculada dividindo-se a frequência superficial (SF) de teacher pela soma de todas as palavras contendo a base teach (lemma frequency – LF). TP=SF/LF. 17 For a data-driven characterization of cerebral implementation of reading, knowledge of both location and timing of the activation is essential. (SALMELIN, 2010; p. 347)  

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42  

caracterizar diferentes estágios do processamento morfológico a partir do movimento dos

olhos. Maia et al. (2007) apresentam resultados associando a técnica de rastreamento

ocular com o efeito Stroop (STROOP, 1935). O estudo revela maior atividade ocular em

condições com morfemas transparentes do que nas com palavras opacas e pseudo-

derivadas, o que os autores interpretaram como indicativo em favor de modelos de dupla

rota. Resultados nessa mesma direção foram encontrados por Andrews et al. (2004) e

Juhasz et al. (2003), que obtiveram efeitos de frequência para primeira fixação (first

fixation) no primeiro constituinte de palavras compostas, e também efeitos na manutenção

da fixação (gaze duration) para os segundos constituintes. Esses estudos também

encontraram efeitos que indicam representação no nível da palavra inteira, tanto em

manutenção da fixação quanto nos tempos totais de leitura. Todos esses resultados indicam

que exista representação no nível sublexical, o que não pode ser explicado por modelos

não-decomposiconais.

Investigações utilizando as técnicas de eletroencefalografia (EEG) e

magnetoencefalografia (MEG) também têm se mostrado convenientes como forma de

mapeamento online das computações envolvidas no processamento lexical. Essas técnicas

têm a vantagem de acompanhar essas computações com uma resolução temporal de

milissegundos. No entanto, para que se possam formular hipóteses testáveis, é necessário

que se tenha uma ideia clara de como componentes relacionados à atividade cerebral

podem estar associados às computações específicas que queremos examinar. Estudos

realizados recentemente com a técnica de magnetoencefalografia têm identificado alguns

componentes na forma da onda obtida ao se medir a atividade eletromagnética associada

ao reconhecimento visual de palavras (TARKIAINEN ET AL., 1999; EMBICK ET AL.,

2001; HALGREN ET AL., 2002; PYLKKÄNEN ET AL., 2002; CORNELISSEN ET AL.,

2003). De acordo com esses trabalhos, a rota para o acesso lexical se daria em pelo menos

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43  

quatro estágios, durante 400 ms após o início da visualização da palavra. Abaixo

apresentam-se os estágios relacionados à percepção visual em MEG, mas a sequência é

qualitativamente semelhante para estímulos visuais e auditivos (SALMELIN, 2010). Esses

diferentes componentes atuam de forma equivalente aos estágios do reconhecimento visual

postulados por modelos de decomposição inicial. Sendo assim, eles têm se mostrado como

importantes ferramentas para mapear as computações associadas a esses diferentes

estágios, podendo ajudar a resolver, no tempo e no espaço, os dados conflitantes dos

estudos baseados em tempos de resposta.

O primeiro componente, identificado originalmente por Tarkiainen et al. (1999),

ocorre em torno de 100-150 ms após o início da apresentação da palavra e está associado a

características visuais mais concretas, como tamanho e luminância (Type I response). Esse

componente tem origem na região occipital e apresenta sensibilidade para propriedades

ortográficas. Estudos mais recentes realizados por Dikker e Pylkkänen revelam ainda que

pistas sintáticas e léxico-semânticas do estímulo já afetam esse componente (DIKKER &

PYLKKÄNEN, 2011; DIKKER ET AL., 2010).

Após esse estágio, há um momento em que as palavras são decompostas em seus

morfemas constituintes, caracterizada pelo componente M170. Essa decomposição, que é

pré-lexical e tem origem no córtex temporal inferior, ocorre entre 150 e 200 ms e é

sensível a sequências de letras (Type II response TARKIAINEN ET AL., 1999). Estudos

com ressonância magnética funcional (fMRI) localizam uma região no córtex visual que

estaria consistentemente implicada com a identificação de palavras, e que ficou conhecida

como a Área da Forma Visual da Palavra (Visual Word Form Area – VWFA). Essa área

seria resultado de uma reorganização funcional associando a capacidade da leitura com

restrições estruturais do sistema visual (DEHAENE ET AL., 2002; McCANDLISS ET AL,

2003; FRANÇA ET AL., 2013). Lewis et al. (2011) argumentam ainda que a área poderia

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44  

se chamar Área da Forma Visual de Morfemas, já que, nesse estágio do reconhecimento,

ocorre decomposição da palavra baseada na forma de raízes e afixos. Essa afirmação se

baseia em resultados de uma série de estudos com MEG que trouxeram uma caracterização

temporal mais precisa para as propriedades identificadas nos estudos com neuroimagem

sobre essa área (SALMELIN, 2007; ZWEIG & PYLKKÄNEN, 2009; SOLOMYAK &

MARANTZ, 2009; 2010; LEWIS ET AL., 2011).

Zweig & Pylkkänen (2009) comparam diretamente palavras morfologicamente

complexas e simples, dialogando com a literatura de priming encoberto (LONGTIN ET

AL., 2003; RASTLE ET AL., 2004), e identificam o M170 como a primeira resposta

visual sensível à complexidade morfológica. Solomyak & Marantz (2009, 2010) e Lewis

et al. (2011) apresentam resultados que corroboram a existência de decomposição

obrigatória baseada em relações de frequência entre raízes e afixos (HAY, 2001), a partir

de modulações nas amplitudes do M170. Lewis et al. (2011) encontram ainda evidências

de que possa haver representação da palavra inteira já disponível nos estágios mais iniciais

do reconhecimento lexical – apenas para palavras cuja decomposição não é determinante

para o acesso lexical –, indicando que exista uma rota dupla de acesso atuando desde o

início do reconhecimento da palavra.

Há ainda um terceiro componente, o M250, que ocorre entre 200 e 300 ms após o

início da apresentação da palavra e parece ter origem na parte posterior do hemisfério

esquerdo. Não há consenso quanto às possíveis computações associadas a esse

componente, mas ele parece ter relação com certas propriedades fonológicas do estímulo

(PYLKKÄNEN ET AL., 2002).

Todos esses estágios até aqui estão envolvidos com processamentos pré-lexicais, ou

seja, eles antecedem o pareamento arbitrário entre forma e sentido que caracteriza o acesso

lexical (HALLE & MARANTZ, 1993). Esse pareamento, por sua vez, parece ser captado

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45  

por um componente mais tardio, em torno de 350 ms após a apresentação visual da

palavra. Esse componente, sensível à frequência e à repetição (PYLKKÄNEN ET AL.,

2002) – mas não à competição entre as representações ativadas pelo estímulo –, tem sido

assumido como correlato do acesso lexical.

Figura 9: forma da onda associada ao reconhecimento visual de palavras (adaptado do website do Laboratório de Neurolinguística da NYU).

Fiorentino & Poeppel (2007) utilizam esse componente para mapear estágios do

curso temporal da decomposição em palavras compostas do inglês, manipulando as

propriedades tidas como envolvidas no acesso lexical – e captadas pelo M350 – para

comparar diretamente palavras compostas com palavras simples. Assumindo que o M350

é sensível a fatores relacionados ao acesso lexical, itens mais curtos e com maior

frequência deveriam apresentar ativação mais rápida do M350 (peak latency). Sendo

assim, os autores previram que, se houvesse ativação dos constituintes das palavras

compostas, eles teriam latências menores do que as palavras simples – maiores e menos

frequentes – com que foram comparadas. Como previsto, as latências do M350 associadas

às palavras compostas foram mesmo menores, indicando ativação dos constituintes em

estágios iniciais do reconhecimento de palavras complexas. Isso aponta para a existência

de representações no nível sublexical. Aqui, é relevante observar que o componente

neurofisiológico utilizado para caracterizar a decomposição não foi necessariamente o

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mesmo em palavras derivadas e palavras compostas. Nas palavras derivadas, essa

constatação foi feita 1) comparando diretamente palavras derivadas com palavras simples

(ZWEIG & PYLKKÄNEN, 2009), 2) comparando efeitos relacionados à forma visual da

palavra com efeitos relacionados ao sentido (SOLOMYAK & MARANTZ, 2009), ou,

ainda, 3) comparando frequências de sequências ortográficas em final de palavra com

sequências correspondentes a afixos da língua (SOLOMYAK & MARANTZ, 2010).

Cada tipo de manipulação teve efeitos marcados em diferentes componentes na

forma da onda. Manipulações ortográficas obtiveram resposta associada ao M100, ao

passo que manipulações de morfemas e de sentido obtiveram resposta associada ao M170 e

ao M350, respectivamente. Em palavras compostas, a decomposição foi constatada pela

ativação lexical dos constituintes, indicada pelas latências de pico do M350 mais rápidas

que as latências associadas às palavras monomorfêmicas de mesmo tamanho e frequência.

Não foram encontrados efeitos no componente M170, o que indica que houve acesso ao

sentido dos constituintes, e não apenas um desmembramento pré-lexical baseado na forma

visual das raízes. Stockall & Marantz (2006) também utilizam o M350 como índice de

acesso lexical (ativação da raiz) para mostrar que o reconhecimento de palavras

flexionadas envolve sua decomposição em morfemas lexicais e funcionais, independente

da regularidade.

Resumindo, várias formas já foram usadas para verificar as etapas do

reconhecimento visual de palavras. Independente da metodologia utilizada, existe um

consenso sobre o fato de haver um momento do reconhecimento que envolve a ativação de

constituintes. Basicamente, essa decomposição é constatada a partir de diferentes vias,

utilizando diferentes metodologias. Recentemente, estudos eletrofisiológicos têm

procurado localizar no tempo as etapas envolvidas no reconhecimento lexical.

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47  

Em palavras derivadas, essa decomposição parece mais bem caracterizada,

envolvendo uma distinção mais clara entre o momento em que as palavras são

decompostas com base na forma visual dos morfemas (captada por experimentos

utilizando priming encoberto e detectável pelo componente M170) e o momento posterior

em que se dá o acesso a raiz, com o pareamento entre forma e sentido (detectável pelo

componente M350). Levando-se em consideração os resultados desses estudos, todas as

palavras que podem ser segmentadas em morfemas existentes são segmentadas (teacher  ✔;

brother ✔; brothel ✖), nos momentos mais iniciais do reconhecimento.

Palavras compostas, por outro lado, não podem ser decompostas com base em uma

relação entre afixos e raízes. Conforme reconhece Libben (1994), é mais difícil conceber

uma heurística sistemática para a segmentação de palavras compostas em seus morfemas

constituintes. Por serem constituídos apenas por morfemas de classe aberta, a

decomposição não pode ocorrer checando-se uma lista relativamente pequena, como no

caso dos afixos. Além disso, palavras compostas possuem mais chance de serem

segmentáveis em diferentes pontos, gerando múltiplos constituintes possíveis (clamprod

pode ser segmentado em clamp-rod e em clam-prod – cf. LIBBEN ET AL., 1999). De

qualquer forma, é praticamente consensual, entre os estudos realizados com palavras

compostas, que existe acesso aos constituintes durante o curso temporal do

reconhecimento. Essa decomposição, assim como ocorre para as palavras derivadas,

acontece independente da transparência semântica (ZWITSERLOOD, 1994;

FIORENTINO & POEPPEL, 2007b). Ou seja, se as palavras compostas são segmentáveis,

elas devem ser segmentadas (teacup ✔; hogwash ✔ ; penguin ✖).

Sendo assim, se todas as palavras com alguma estrutura interna possível são

decompostas (teacup, hogwash, carpet / teacher, apartment, corner), uma questão que se

configura mais recentemente diz respeito a quais seriam as computações subsequentes que

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48  

dariam conta da interpretação correta das palavras complexas. Entender quais são as

subrotinas do processamento lexical e quando elas ocorrem no curso temporal do

reconhecimento – e apontar quais medidas dependentes captam essas diferentes subrotinas

– é um trabalho ainda em progresso, e um desafio para pesquisas sobre o acesso lexical.

Este estudo se situa entre trabalhos que procuram buscar essas medidas

dependentes, não se engajando em oferecer respostas que esclarecerão precisamente a rota

de acesso a palavras complexas, consideradas as nuances problematizadas acima. Estamos

aqui partindo do pressuposto de que há ativação no nível sublexical durante o

reconhecimento de palavras compostas. Sendo assim, o objetivo desta tese é examinar a

atividade neuronal associada a efeitos combinatórios pós-lexicais que devem ocorrer entre

os morfemas ativados, identificando um possível componente que possa ser usado para

testar futuras hipóteses sobre processos combinatórios no curso do reconhecimento de

palavras compostas.

3.3. Se as palavras são decompostas, como elas se recompõem?

Quando estudamos palavras compostas, estamos examinando características primordiais de morfologia na linguagem, e os fundamentos da nossa capacidade criativa para processar e representar palavras.18 (LIBBEN, 2006; p.3)

Uma questão em aberto com relação ao processamento de palavras compostas é

quanto a se existe um índice neurofisiológico independente para a composição entre seus

morfemas constituintes. Existem estudos que apontam o papel da composição para dar

conta, sobretudo, do processamento de palavras novas (SCHREUDER & BAAYEN, 1995;

GAGNÉ, 2002; JI ET AL., 2011). Levando-se em consideração o curso da rota visual do                                                                                                                18  When we study compounds, we examine the fundamental characteristics of morphology in language and the fundamentals of the human creative capacity for morphological process and representation. (LIBBEN, 2006; p3)  

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49  

reconhecimento de palavras (PYLKKÄNEN & MARANTZ, 2003), é possível pensar que

exista algum índice, em torno do 400 ms, que possa estar envolvido com as operações

combinatórias pós-lexicais.

Uma característica particular das palavras compostas é o fato de que seus dois

constituintes são associados por uma relação gramatical não expressa (BISETTO &

SCALISE, 2005). Por exemplo, a palavra teacup poderia ser associada à expressão cup for

tea, caracterizando uma relação de subordinação entre seus constituintes. Os constituintes

dos compostos podem ainda estar relacionados por uma relação de coordenação, como no

caso do adjetivo bittersweet, não se esgotando nesses dois tipos as relações possíveis.

Bisetto e Scalise (2005) classificam as palavras compostas como sendo de diferentes tipos,

baseando-se nos tipos de relações entre seus constituintes:

Figura 10: Classificação das palavras compostas (BISETTO & SCALISE, 2005; p. 9)

A classificação como endocêntricas ou exocêntricas está relacionada com o núcleo

da palavra composta, isto é, com o fato de o sentido da palavra inteira ser ou não um

hiperônimo do seu núcleo. Essa classificação parece ser equivalente ao que Libben (1998)

chama de componencial e não-componencial, respectivamente. A classificação em

subordinadas, atributivas ou coordenadas diz respeito à relação sintática entre seus

constituintes.

2. A new proposal

We propose a novel classification of compounds which is based on a very simple

assumption. What is special about compounds is the fact that the two constituents are

linked by a grammatical relation which is not overtly expressed (cf. apron string vs.

string of the apron). Therefore, we would like to suggest that the classification of

compounds be uniquely and consistently based on this criterion8. The possible

grammatical relations holding between the two constituents of a compound are basically

the relations that hold in syntactic constructions: subordination, coordination and

attribution. The classification of compounds we propose is thus the following:

2) compounds subordinate attributive coordinate endo exo endo exo endo exo

Compoundss are classified as ‘subordinate’ whenever there is a ‘complement’

relation between the two constituents. In a compound such as taxi driver, taxi is clearly

the «complement» of the deverbal head. We argue that this is also the case in

compounds such as apron string, where apron is in an «of relation» with string.

Complement relations, however, are not exclusively ‘of relations’: apron string, in fact,

can have different interpretations: ‘string of an apron’, ‘string on a apron’, ‘string in a

apron’, etc. Nevertheless, the relation between the two constituents is always a

complement relation, namely a subordinative one.

8 This position is not completely new. For example Marchand (1969:18) observed that all compounds can be explained on the basis of the syntactic relations underlying the corresponding sentences. This observation is interesting, even though not workable within the lexicalist framework which rejects derivation of compounds from sentences.

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50  

Outro fator complicador para o entendimento de como as palavras compostas são

processadas é a transparência semântica. Libben (1995) propõe um modelo em que a

ativação das palavras compostas é separada em três níveis: (1) o nível do estímulo, para

dar conta da habilidade que temos de interpretar palavras compostas novas; (2) o nível

lexical, que daria conta do fato de sabermos que “palavras como strawberry (=morango)

contêm o item lexical straw (=canudo), mas não o significado desse item” (LIBBEN, 2005:

p. 58); e (3) o nível conceptual, para dar conta do fator componencialidade. Nesse modelo,

as diferenças em termos de transparência semântica são caracterizadas a partir de uma ação

combinada de ligações facilitatórias e inibitórias entre o nível lexical e o nível conceptual.

Ainda que as relações entre os constituintes das palavras compostas possam ser de

diferentes naturezas, pode-se afirmar que as palavras compostas, em geral, são o resultado

do processo de composição entre o significado de seus constituintes. Isso deve ser

necessariamente verdadeiro pelo menos para palavras novas, já que elas, em princípio, não

devem ter seu sentido idiossincrático representado no léxico mental.

Tomando como pressuposto essa característica das palavras compostas, buscamos,

no estudo realizado para esta tese, apontar atividades neuronais que devam estar

relacionadas a essa composição de sentido. Estudos recentes em neurociência sobre

Semântica têm destacado o Anterior Midline Field (AMF) como um correlato

neurofisiológico plausível para a composição semântica. Esses estudos são reportados no

Capítulo 4.

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51  

________________________________________________________________quatro Uma base neurofisiológica para a composicionalidade semântica: o Campo Medial Anterior (AMF)

4.1. A Linguística como modelo cognitivo para estudos neurofisiológicos de Semântica

“É impressionante o que a linguagem é capaz de fazer. Com apenas algumas sílabas pode-se expressar um número incalculável de pensamentos, de modo que mesmo uma ideia concebida por um terráqueo pela primeira vez pode ser colocada na forma de palavras que serão entendidas por outra pessoa, para quem essa ideia é completamente nova. Isso seria impossível se não fôssemos capazes de distinguir as partes desse pensamento que correspondem à estrutura de uma sentença.”19 (FREGE, 1923 apud FROMKIN ET AL., 2000)

O estudo realizado para esta tese apresenta evidências de composicionalidade

semântica pós-lexical, investigando substratos neurofisiológicos envolvidos nesse

mecanismo combinatório, na situação específica da composição de duas raízes em palavras

compostas. Em maior escala, o estudo pode ajudar a entender como o significado arbitrário

é instanciado no nível sublexical, identificando a dinâmica da composição semântica

dentro da palavra.

Para que se possa entender como os algoritmos utilizados no processamento de

palavras se instanciam fisicamente no cérebro, é necessário que sejam estabelecidas

correlações entre computações linguísticas e atividade neuronal. Neste capítulo, encontra-

se um resumo de estudos em neurociência da linguagem que se têm ocupado de encontrar

essa correlação especificamente para a composição de sentidos complexos. Esses estudos

têm apontado o Campo Medial Anterior (Anterior Midline Field – AMF) para essa função.

                                                                                                               19  “It is astonishing what language can do. With a few syllables it can express an incalculable number of thoughts, so that even a thought grasped by a terrestrial being for the very first time can be put into a form of words which will be understood by someone by whom the thought is entirely new. This would be impossible, were we not able to distinguish parts in the thought corresponding to the part of a sentence, so that the structure of the sentence serves as an image of the structure of the thought” (FREGE, 1923 apud FROMKIN ET AL., 2000)

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O AMF é um componente de MEG que ocorre em torno de 400 ms após a visualização do

estímulo e cuja atividade elétrica geradora se localiza no córtex pré-frontal ventromedial

(Ventromedial prefrontal cortex – vmPFC).

“Semântica pode querer dizer muitas coisas diferentes, uma vez que há muitas

maneiras de se interessar pelo significado” (PARTEE, 2011). Sendo assim, é importante

definir que aspecto da semântica se quer observar, privilegiando um dos recortes possíveis.

Nesta tese, o que se entende por semântica são as operações composicionais envolvidas na

construção do sentido de palavras ou de expressões linguísticas, de acordo com o princípio

da composicionalidade (FREGE, G., 1892).

De acordo com esse princípio, “o significado de uma expressão é uma função dos

significados de suas partes e da forma como essas partes são combinadas” (PARTEE,

2004). Esse princípio definiu as bases do campo da linguística que se denominou

Semântica Formal e que desde os anos 60 vem contribuindo para uma caracterização dos

mecanismos envolvidos na composição dos significados, a partir de uma colaboração

interdisciplinar entre Linguística, Filosofia e Lógica, Psicologia e outras áreas do

conhecimento.

Ao delimitar uma abordagem composicional para a semântica, estudos que

procuram dar conta do significado devem levar em consideração dois aspectos essenciais:

o significado das partículas elementares da linguagem, por um lado, e, por outro, como os

significados de entidades mais complexas são montados a partir dos significados dessas

partículas. Se podemos entender e produzir sentenças com que nunca tivemos contato,

deve existir uma forma sistemática, transparente e familiar de compor significados

complexos a partir dos significados de seus constituintes. Esses mecanismos devem ser

compartilhados pelos falantes de uma língua.

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Dentro da perspectiva da neurociência da linguagem, é desejável que modelos

cognitivos da mente sirvam como guias teóricos na formulação de hipóteses sobre suas

bases neurofisiológicas, em uma abordagem que leve em consideração os níveis de análise

de Marr (1982). Conforme afirmam Pylkkänen et al. (2010), “um modelo cognitivo é

crucial, uma vez que sem ele o neurocientista cognitivo não pode saber o que procurar no

cérebro ou qual pode ser a natureza das representações relevantes, ou como diferentes

componentes de um processo podem interagir” (p. 1)20.

No que se refere ao campo da semântica, a tradição dos trabalhos em neurociência

não procurou levar em consideração modelos formais sobre a composição de significado.

Isso resultou em uma dissociação entre as definições e os escopos da palavra semântica

entre essas duas áreas.

“Apesar da clara necessidade de se entender a neurobiologia das funções combinatórias que derivam os significados das sentenças, não existe até o momento uma neurociência das bases neurofisiológicas dessas regras. Em vez disso, a pesquisa em neurociência sobre semântica na maioria das vezes trata da investigação sobre conhecimento conceitual.” (PYLKKÄNEN, et al. 2010).

Isso não quer dizer que e a neurociência da linguagem deva se constituir apenas

como um solo de teste para modelos formulados pela linguística teórica e se esgotar nesses

modelos. Por outro lado, por se tratar de uma ciência que busca entender o funcionamento

da linguagem no cérebro, é relevante que se tenha uma caracterização precisa do que é a

linguagem e de quais são seus mecanismos de funcionamento. E, nesse sentido, ignorar

todos os anos de pesquisa em teoria linguística e em Psicolinguística, e começar um outro

                                                                                                               20  “a cognitive model is crucial as without it, the cognitive neuroscientist does not know what to look for in the brain, what the nature of the relevant representations might be, or how the different components of a process might interact with each other.” (PYLKKÄNEN ET AL, 2010; p.1).

 

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começo, parece ser uma decisão pouco otimizada. Conforme observam Poeppel & Embick

(2005), categorias linguisticamente motivadas devem guiar o estudo das computações no

cérebro.

É natural, no entanto, que existam questões teóricas diferentes entre essas duas

áreas, justificando sua existência como campos separados do conhecimento, cada um com

seus objetivos e escopos. Pylkkänen et al. (2010) afirmam que não é uma grande questão

de pesquisa para a Linguística, por exemplo, entender como animais e ferramentas são

diferentemente representados no cérebro (MUMMERY et al., 1996). Para esse tipo de

pergunta, a pesquisa linguística teórica tem pouco a contribuir com a neurociência, já que a

Linguística não tem, nesse quesito, uma caracterização em termos de complexidade

estrutural passível de ser apreendida computacionalmente.

Na verdade, o problema de determinar traços e regras dessa natureza foi tópico de uma séria investigação nos últimos anos, e existe a promessa para um desenvolvimento produtivo. Pode-se notar rapidamente que uma análise de conceitos em termos de traços como animacidade, ação etc. dificilmente devem ser adequados, e que certos traços devem ser ainda mais abstratos. 21 (CHOMSKY, 2006)

Sendo assim, é de interesse do linguista teórico e do neurocientista da linguagem

identificar, por meio do trabalho interdisciplinar, como essas duas áreas do conhecimento

podem dialogar de modo a contribuir com um entendimento mais abrangente e refinado do

funcionamento da linguagem.

                                                                                                               21  In fact, the problem of determining such features and such laws has once again become a topic of serious investigation in the past few years, and there is some promise of fruitful development. It can be seen at once that an analysis of concepts in terms of such features as animateness, action, etc., will hardly be adequate, and that certain features must be still more abstract.

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4.2. Buscando um correlato para a composicionalidade semântica

É controverso o lugar da Semântica em uma teoria sobre a linguagem natural.

Segundo Chomsky, deve haver um ceticismo com relação à ideia de que uma teoria da

linguagem deva envolver especificações sobre denotação ou condições de verdade, uma

vez que essas questões são externas ao falante. Uma teoria do significado na linguagem

natural deve considerar as expressões linguísticas em uma perspectiva mais “interna”

(CHOMSKY, 2000; p. 132), ou seja, como uma função cognitiva. De certa forma, essa

abordagem aproxima relações semânticas de relações sintáticas, já que, em um modelo

computacional de Semântica, devem ser estabelecidas, por um lado, as unidades de

significado e, por outro, as operações composicionais para formação de significados

complexos a partir dessas unidades.

De fato, existem teorias sobre Semântica que preveem uma aproximação mais forte

entre Sintaxe e Semântica, sendo o significado das expressões computado completamente

pelo significado de suas partes (MONTAGUE, 1970). Segundo essas teorias de

composicionalidade direta, toda expressão que é reconhecida como um constituinte

sintático deve ter também um valor semântico. Existem, por outro lado, teorias que

permitem uma dissociação entre conteúdo sintático e conteúdo semântico, de modo que a

interpretação envolva algum material encoberto de natureza puramente semântica

(BARKER, 2002; JACKOBSON, 1999).

Para um programa de pesquisa em neurociência da linguagem que considera o

cérebro como um dispositivo que processa informação computacional, é conveniente que a

linguagem seja um sistema simbólico composicional. Nessa perspectiva, Pylkkänen e

McElree (2006) afirmam que “um entendimento completo sobre a compreensão da

linguagem requer um entendimento detalhado do conjunto de operações combinatórias que

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os falantes têm disponíveis, e de como essas operações interagem com o resto do sistema

de processamento da linguagem”22. Segundo os autores, o primeiro passo necessário para

esse fim é identificar as operações envolvidas na composição semântica, para que se

possam isolá-las em termos de custo para o processamento.

Estudos clássicos com potenciais relacionados a eventos23 (ERPs) identificam o

componente N400 como sendo um índice de integração semântica (KUTAS &

FEDERMEIER, 2000). O N400 é uma onda negativa de ERP que se inicia entre 200 e 300

milissegundos (ms) após a leitura ou audição de uma palavra, e tem seu pico em torno de

400 ms. Essa visão integracionista do N400, ainda que seja a mais duradoura e bastante

defendida no campo da neurociência da linguagem (cf. LAU ET AL., 2008 para uma

revisão dos estudos sobre o N400), não foi estabelecida a partir de manipulações

sistemáticas baseadas em uma definição clara da noção de integração semântica (cf.

PYLKKÄNEN ET AL., 2010). De fato, o que se quer dizer por integração semântica não

é especificado claramente na literatura do N400, geralmente relacionando-se com a

plausibilidade de uma palavra no contexto de uma sentença.

O estudo seminal que definiu as bases para uma série de trabalhos que associaram o

N400 à integracão semânica foi o de Kutas & Hillyard (1980), em que se manipulam as

chamadas “violações semânticas”. Nesse trabalho, as autoras reportam um aumento da

amplitude do N400 relacionado à identificação da última palavra em sentenças como he

spread the warm bread with socks em oposição a sentenças controle como he spread the

                                                                                                               22 We believe that a complete understanding of language comprehension requires a detailed understanding of the set of composition operations that comprehenders have at their disposal, and how these operations interface with the rest of the language processing system. (PYLKKÄNEN & McELREE, 2006).

23 ERPs (Event-related potentials – Potenciais relacionados a eventos) são potenciais elétricos gerados no cérebro como consequência da ativação sincronizada de conjuntos neuronais por algum estímulo externo. Esses potenciais são gravados por eletrodos no escalpo e consistem em sequências de ondas com tempo precisamente marcado (LAU ET AL., 2008).

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warm bread with butter. Esse efeito é atribuído à maior dificuldade de integração da

última palavra à sentença. Essa dificuldade de integração, no entanto, concerne à

implausibilidade da representação da sentença, uma vez que não existe uma violação da

possibilidade de composição semântica. A composição semântica é bem sucedida, mas o

significado da sentença resultante descreve um evento improvável – ou impossível – de

acordo com nosso conhecimento de mundo.

Figura 11: Resultado Kutas & Hillyard (1980)

De fato, existe uma inconsistência entre o que a linguística teórica e o que a

neurociência consideram como uma violação semântica. Para a Linguística, sentenças

como he spread the warm bread with socks não são exemplos de violação semântica, mas

de conhecimento de mundo (PYLKKÄNEN ET AL., 2009). Possivelmente essa seria a

razão por que Hagoort et al. (2004) não encontram diferenças entre o que eles chamam de

violação semântica e de violação de conhecimento de mundo, ao contrastar

sistematicamente sentenças como The Dutch trains are white and very crowded e The

Dutch trains are sour and very crowded. Segundo os autores, white nessa sentença seria

apenas uma violação de conhecimento de mundo, enquanto sour seria uma violação

semântica, uma vez que, de acordo com condições de interpretação, um predicado requer

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um argumento que seja compatível em traços semânticos. Como sour está relacionado

com paladar, existiria uma restrição semântica na medida em que esse traço não é aplicável

a trens (HAGOORT ET AL., 2004). Os resultados desse estudo revelaram não haver

diferença entre sour e white, quando contrastados com a palavra controle correta, yellow –

a mais plausível, uma vez que os trens holandeses são amarelos. No entanto, tanto sour

quanto white são equivalentes em termos de sua expectativa como possíveis atributos dos

trens holandeses: ambos são completamente inesperados. Como a literatura de ERPs não

explica por que a expectativa semântica deve afetar a integração, esse resultado nulo não

representa um achado conclusivo sobre a natureza da computação semântica.

A chamada incongruência semântica atribuída à palavra sour nesse contexto se

deve a fatores relacionados à checagem de traços, o que não deve ter implicação na

interpretação semântica estrutural da sentença. Ou seja, em termos de integração ao resto

da sentença, yellow, sour e white são equivalentes.

Figura 12: resultados de Hagoort et al. (2004)

Esse design, portanto, não parece ser eficiente para distinguir efeitos de

composicionalidade na frase, uma vez que nas três sentenças tem-se a integração de nomes

this distinction between semantics and prag-matics (6–8), the semantic interpretation of asentence is thought to be separate from and toprecede the integration of pragmatic or worldknowledge information (9). However, a num-ber of researchers (3, 10) have pointed outthat the distinction between linguistic mean-ing and world knowledge is problematic be-cause many words are polysemous, and theirmeaning can only be fully established byinvoking world knowledge (11).

We decided to contribute to settling thisissue by providing neurophysiological evi-dence on the integration of semantic andworld knowledge information. The underly-ing idea is that if a principled distinction canbe made between linguistic meaning andworld knowledge, concomitant processingdifferences should be obtained during theinterpretation of a sentence.

This study presents electroencephalogram(EEG) and functional magnetic resonanceimaging (fMRI) data that speak to this issue.While participants’ brain activity was record-ed, they read three versions of sentences suchas “the Dutch trains are yellow/white/sourand very crowded” (the critical words are initalics). It is a well-known fact among Dutchpeople that Dutch trains are yellow, andtherefore the first version of this sentence iscorrectly understood as true. However, thelinguistic meaning of the alternative colorterm white applies equally well to trains asthe predicate yellow. It is world knowledgeabout trains in Holland that makes the secondversion of this sentence false. This is differentfor the third version. This version contains aviolation of semantic constraints. The coremeaning of sour is related to taste and food.Under standard interpretation conditions, apredicate requires an argument whose seman-tic features match that of its predicate. Forour third sentence, this is clearly not the case,because semantic features related to taste andfood do not apply to trains. One could thusargue that for semantic internal reasons, thethird sentence is false or incoherent (3, 12). Itis our knowledge about the words of ourlanguage and their linguistic meaning thatpose a problem for the interpretation of thethird version of this sentence.

The increased interpretation load of seman-tic and world knowledge violations is assumedto have an effect on electrophysiological brainactivity and on the hemodynamic response. Ifsemantic interpretation precedes verificationagainst world knowledge, the effects of thesemantic violations should be earlier and mightinvoke other brain areas than the effects of theworld knowledge violations.

Based on EEG recordings from 29 elec-trode sites (13, 14), event-related brain po-tentials (ERPs) were computed and time-locked to the onset of the critical words thatembodied the semantic violation, the world

knowledge violation, and their correctcounterpart. ERPs reflect the summation ofthe postsynaptic potentials of a large en-semble of synchronously active neurons.They provide a sampling of the brain’selectrical activity with a very high temporalresolution. We focused on one particularERP effect, referred to as the N400. Theamplitude of this negative-going ERP be-tween roughly 250 and 550 ms, with amaximum at !400 ms, is influenced by theprocessing of semantic information (15).The easier the match between the lexicalsemantics of a particular content word andthe semantic specification of the context,the more reduced the N400 amplitude willbe. The N400 is known to be very sensitiveto semantic integration processes (16, 17).

As expected, the classic N400 effect wasobtained for the semantic violations. For theworld knowledge violations, we also ob-served a clear N400 effect. Crucially, thiseffect was identical in onset and peak latencyand was very similar in amplitude and topo-graphic distribution to the semantic N400effect (Fig. 1). This finding is strong empir-ical evidence that lexical semantic know-ledge and general world knowledge are both

integrated in the same time frame duringsentence interpretation, starting at !300 msafter word onset.

In addition, we used the EEG data to inves-tigate oscillatory brain activity in a wide fre-quency range (1 to 70 Hz) in relation to thesemantic and world knowledge violations. Am-plitude increases of EEG oscillations in specificfrequency bands, such as theta (4 to 7 Hz) andgamma (!30 to 70 Hz), that are induced by acognitive event are thought to reflect the dy-namic recruitment of the relevant neuronal net-works engaged in cognitive processing (18). Awavelet-based time-frequency representation(TFR) of EEG power changes (Fig. 2) revealeda clear gamma peak for the world knowledgeviolation that was not seen for the semanticviolation (19). In contrast, relative to the otherconditions, the semantic violation resulted in anincrease in power in the theta frequency range.Both effects are visible within the latency rangeof the N400. Especially at lower frequencies(e.g., at theta frequencies), the temporal resolu-tion of the wavelet transform is relatively poor.This implies that the relative onset differencebetween theta and gamma activity cannot be takenas a reliable indicator of onset differences in theunderlying neurophysiological events. In particu-

Fig. 1. Grand average (n " 30 subjects) ERPs for a representative electrode site (Cz) for the correctcondition (black line), world knowledge violation (blue dotted line), and semantic violation (reddashed line). ERPs were time-locked to the presentation of the critical words (underlined). Semanticviolations resulted in a larger N400 amplitude between 300 and 550 ms than the control condition[F(1,29)" 73.0, P# 0.0001]. N400 amplitudes to world knowledge violations were also larger thanfor correct controls [F(1,29) " 27.4, P # 0.0001]. The size of the effect was slightly larger forsemantic violations than for world knowledge violations (P # 0.05). The onset of the effects forsemantic and world knowledge violations was not significantly different (14). Spline-interpolatedisovoltage maps display the topographic distributions of the mean differences from 300 to 550 msbetween semantic violation and control (left) and between world knowledge violation and control(right). Topographic distributions of the N400 effect were not significantly different betweensemantic and world knowledge violations (P " 0.9).

R E P O R T S

www.sciencemag.org SCIENCE VOL 304 16 APRIL 2004 439

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que denotam indivíduos, o que não causa nenhum problema para a gramaticalidade das

frases. De acordo com o quadro teórico da Morfologia Distribuída (HARLEY, 2008), a

anomalia semântica ilustrada é resultado de uma incompatibilidade no conteúdo

enciclopédico das raízes. Os elementos funcionais, no entanto, são sintatica- e

semanticamente coerentes, de modo que as sentenças sejam perfeitamente interpretáveis na

interface conceptual (cf. CHOMSKY, 1957 – Colorless green ideas). Além disso, não

está claro nesses estudos quais seriam os tipos de processos composicionais envolvidos na

distinção, a partir de checagem de traços, entre um conhecimento mais geral e um

conhecimento relacionado a uma cultura específica.

A similaridade no componente N400 de white e de sour, em oposição a yellow,

pode ainda ser atribuída apenas a um efeito de priming semântico entre Dutch trains e

yellow, independente de efeitos integrativos no nível da sentença. Nesse sentido, somente

yellow sofreria efeito de priming semântico por Dutch trains, o que justifica os resultados

indistintos para white e sour, já que a ausência de priming é consistente para as duas

condições. Uma vez que o item inesperado ou não-relacionado foi acessado, a integração

com o contexto da frase deve ser igualmente simples.

Além desses fatores, a duração longa do N400 sugere que esse componente deva

refletir diferentes subrotinas computacionais associadas a diferentes processos cognitivos,

não podendo ser isoladamente um índice específico de composição semântica.

Efetivamente, como descrito no Capítulo 3, diferentes estudos têm perscrutado a estrutura

interna do N400, utilizando a técnica de MEG, e revelado que esse componente pode ser

segmentado em diferentes estágios associados a computações bastante distintas

(PYLKKÄNEN & MARANTZ, 2003), com origem em diferentes localizações corticais.

Sendo assim, uma questão metodológica importante para os estudos com EEG seria

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60  

determinar, na configuração do componente N400, que partes estão associadas a essas

diferentes computações24.

A literatura de ERPs não reporta manipulações de fatores que afetem

exclusivamente a composição semântica, uma vez que não há uma teoria pressupondo que

a expectativa de uma palavra no contexto de uma sentença afete o processo de composição

do significado complexo dessa sentença. Isso significa dizer que, ao manipular essas

expectativas, não se está manipulando – ao menos não obvia- ou exclusivamente – efeitos

composicionais de sentido.

Isolar o esforço associado a subrotinas linguísticas específicas é essencial para que

seja possível explorar os mecanismos cerebrais que formam as bases da computação da

linguagem. Nessa perspectiva, estudos mais recentes têm procurado identificar, também

utilizando a técnica de magnetoencefalografia (MEG), um componente neurofisiológico

associado puramente a processos de computação semântica (PYLKKÄNEN ET

MCELREE, 2007; PYLKKÄNEN ET AL., 2009; BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2008;

BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2010; PYLKKÄNEN, OLIVERI & SMART, 2009). Esses

estudos em conjunto vêm contribuindo para estabelecer o componente de MEG

denominado Campo Medial Anterior (Anterior Midline Field - AMF) como um candidato

provável da composição semântica, conforme definida pela Semântica Formal. Esse

componente é gerado no córtex pré-frontal ventromedial (ventromedial prefrontal cortex –

vmPFC), uma área tradicionalmente associada com cognições não-linguísticas, como

                                                                                                               24  A manipulação corrente em estudos dom ERP é a extração de potenciais evocados por meio de promediação de várias épocas do EEG. Esse protocolo reduz o nível de ruído, deixando visível o componente relacionado ao evento que se quer estudar. Porém, por se tratar de uma média, essa metodologia acaba por obscurecer informações importantes que só aparecem na variabilidade entre trials. Esse déficit pode ser contornado pelo uso de potenciais induzidos – transformada de Wavelet – que permite que se realize uma análise em um único trial, evitando que se percam variações importantes na forma da onda relacionada ao estímulo. Sendo assim, essa técnica pode permitir que se observem separadamente as diferentes computações captadas de forma difusa pelo N400.  

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61  

aquelas relacionadas a tomada de decisão e teoria da mente (BECHARA ET AL., 2000

SHAMAY-TSOORY ET AL., 2007; MAGUIRE ET AL., 2010).

Utilizando a técnica de MEG, Pylkkänen & McElree (2007) buscam isolar efeitos

de composicionalidade semântica manipulando sua transparência em relação à estrutura

sintática. Para esse fim, os autores utilizam sentenças em que a composição do significado

complexo não se dá de maneira explícita, envolvendo um elemento que não está expresso

na estrutura sintática. Por exemplo, frases como the author began the book (coerção

semântica) foram comparadas com frases como the author wrote the book. Dessa forma,

foi possível isolar composição semântica distinta de composição sintática. Além disso,

essas condições ainda foram constrastadas com uma condição de violação semântica, the

author disgusted the book. Os efeitos foram distintos para violação semântica e coerção.

As sentenças com coerção semântica obtiveram um aumento da amplitude no AMF entre

350-450 ms.

Esses estudos foram feitos tendo como pressuposto que a existência de coerção

implica dificuldade de processamento, a partir de evidências apresentadas por McElree et

Al. (2001) e Traxler et al. (2002) com experimentos utilizando leitura automonitorada e

rastreamento ocular. Para esses autores, a dificuldade se dá devido à maior complexidade

léxico-semântica dos predicados em que ocorre a coerção. Esses resultados foram

questionados por De Almeida (2004), que tentou replicar os efeitos acima em dois

experimentos de leitura automonitorada e não obteve resultados significativos. De

Almeida sugere que operações de coerção sejam inferências pragmáticas computadas a

partir de representações semânticas que se encontram para além da Forma Lógica, não

afetando o processamento online. No entanto, Pickering et al. (2004) reportam resultados

de um novo experimento que evidencia novamente maiores custos de processamento para

sentenças em que ocorre coerção.

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62  

Outros estudos com coerção dentro de adjetivos, coerção aspectual e coerção em

verbos incoativos (cf. PYLKKÄNEN ET AL., 2010) revelaram também atividade

aumentada no componente AMF, sendo a fonte da atividade localizada consistentemente

no vmPFC (Figura 13).

Figura 13: AMF como índice de composição semântica (In: PYLKKÄNEN ET AL, 2010)

Dialogando com os estudos clássicos de N400, e contribuindo para o debate sobre a

diferenciação entre semântica e conhecimento de mundo (HAGOORT ET AL., 2004),

Pylkkänen et al. (2009) desenvolvem uma forma de contrastar diretamente violações

26

Figure 1: Summary of all our AMF results to date, including the typical MEG response to a visual word presentation in a sentential context (top panel). The upper left corner depicts the AMF field pattern and a typical localization. In the stimulus examples, the critical word is underlined.

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63  

semânticas e de conhecimento de mundo, a partir de manipulações específicas com as

restrições semânticas do prefixo -un. Foram comparadas sentenças do tipo 1) the wine was

being uncorked, que são bem formadas semanticamente e não violam conhecimento de

mundo, 2) the wine was being unchilled, que violam restrições semânticas com o uso do

prefixo -un, e 3) the thirst was being uncorked, que são bem formadas semanticamente,

mas violam conhecimento de mundo. As frases do tipo 2 obtiveram atividade aumentada

no córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC), o que não ocorreu com as frases do tipo 3.

Bemis & Pylkkänen (2011) investigam se a mesma atividade é encontrada ao se

manipular a composicionalidade semântica em um ambiente sintagmático. Nesse estudo,

foi encontrado aumento da atividade no vmPFC quando a palavra crítica era precedida por

um adjetivo, criando um sintagma adjetival, como em red boat. Essa condição foi

contrastada com condições em que a palavra crítica era precedida por um outro

substantivo, como em cup boat e em que ela era precedida por uma sequência de letras,

como em xkq boat (Figura 14).

Figura 14: Aumento significativo da atividade relacionada à condição de modificação intersectiva (BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011).

Levando em consideração os estudos reportados acima, assumimos o Campo

Medial Anterior (AMF), gerado no vmPFC, como sendo um índice plausível de

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64  

composição semântica. Sendo assim, o esforço para a composição do sentido em palavras

compostas – a partir dos sentidos de seus morfemas constituintes – deve gerar um aumento

da amplitude desse componente, quando comparado ao esforço relacionado a palavras

simples. O experimento realizado para esta tese, e reportado no Capítulo 5, teve como

objetivo testar se a complexidade lexical em estímulos visuais afeta o AMF, podendo esse

componente se configurar também como índice de composicionalidade entre os sentidos

dos constituintes de palavras compostas.

4.3. Uma nota sobre a composição sintática – o lobo frontal anterior esquerdo (LATL) Bemis & Pylkkänen (2011) foi o primeiro estudo que explorou a

composicionalidade semântica em um contexto tão restrito quanto a combinação entre um

adjetivo e um nome. Os autores mediram estritamente a atividade relacionada à operação

semântica de modificação intersectiva, isolando assim uma composição única de sentido

(red boat vs. cup, boat). Por outro lado, a junção entre um adjetivo e um nome forma um

sintagma adjetival, envolvendo, além da composição semântica, uma operação sintática. A

composição semântica provocou maior atividade no vmPFC, em conformidade com os

estudos apresentados acima, que destacaram o AMF como correlato de operações

combinatórias de sentido. Além disso, foi também observado um efeito distinto,

localizado no lobo temporal anterior esquerdo (left anterior temporal lobe – LATL),

indicando atividade dissociada para composição semântica e concatenação sintática. O

LATL tem sido apontado, em uma série de estudos com imagem, como implicado em

composições sintáticas básicas (FRIEDERICI ET AL., 2000; ROGALSKY & HICKOK,

2008).

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65  

No experimento realizado para esta tese, manipulamos a composição do sentido

complexo em palavras compostas, a partir da composição dos sentidos de seus morfemas

constituintes (duas raízes). Nesse contexto, é possível que exista também uma

sobreposição de efeitos sintáticos e semânticos, se houver uma etapa de concatenação

sintática entre as duas raízes que compõem a palavra.

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66  

__________________________________________________________________cinco Efeitos composicionais no reconhecimento visual de palavras compostas em inglês: um estudo com MEG 5.1. O estudo

Este estudo teve como objetivo investigar mecanismos de operação combinatória

durante o reconhecimento visual de palavras compostas, contribuindo para a caracterização

dos processos básicos que fundamentam a propriedade essencial da linguagem humana de

expressar uma quantidade infinita de ideias a partir de meios finitos (CHOMSKY, 2002): a

infinitude discreta. Através da dinâmica espacial e do curso temporal dos estágios do

reconhecimento lexical, por meio de seus efeitos nos componentes neurológicos, seria

possível mapear mecanismos implicados na decomposição e composição sintático-

semânticas das palavras a partir de seus constituintes. E assim, em tese, poderia se chegar

até às questões mais primitivas de como é instanciado o significado arbitrário.

Conforme resenhado no Capítulo 3, estudos realizados na última década têm

encontrado evidências de decomposição morfológica já nos estágios iniciais da ativação

lexical (RASTLE ET AL., 2004; LONGTIN ET AL., 2003; ZWEIG & PYLKKÄNEN,

2009; SOLOMYAK & MARANTZ, 2010, FIORENTINO & POEPPEL, 2007). No

entanto, ainda não há uma caracterização na literatura quanto aos mecanismos básicos de

composição semântica que podem estar em jogo no nível lexical. Se existe de fato um

estágio de decomposição obrigatório no reconhecimento de palavras, deve haver um

momento posterior no curso temporal do acesso lexical em que os constituintes devem ser

recombinados. Ji (2011) sugere que a decomposição morfológica inicial das palavras

compostas, deflagrada pela existência de qualquer forma de complexidade estrutural,

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67  

tornaria disponíveis representações lexicais e semânticas (cf. LIBBEN, 1995), a partir das

quais deve ocorrer uma tentativa mais tardia de composição de sentido.

Resultados recentes têm associado o córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC) com

o processamento da composição de significados complexos, tanto em sintagmas mínimos

envolvendo a ligação entre um artigo e um nome (BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011) quanto

em sentenças envolvendo coerção e violações semânticas (cf. revisão em PYLKKÄNEN,

2010). Procuramos, com este estudo, verificar se esses mesmos efeitos podem ser

reproduzidos por processos de composição semântica intralexicais como, por exemplo, a

modificação relacional que ocorre entre as duas raízes que compõem palavras compostas

em inglês.

Este experimento foi realizado durante um estágio de Doutorado

(CAPES/Fulbright-Brasil) no Laboratório de Neurolinguística da Universidade de Nova

York. Devido ao tempo restrito de acesso às instalações e às máquinas disponibilizadas

pelo laboratório, o experimento foi realizado como parte de um experimento maior, ainda

em andamento e análise. Para fins de clareza, aqui será descrito todo o desenho do

experimento. Contudo serão reportadas apenas as análises pertinentes a esta tese.

Utilizamos a técnica de magnetoencefalografia (MEG) para monitorar a atividade

eletromagnética cortical durante um teste de nomeação não-alvo, em que palavras

compostas do inglês foram contrastadas com palavras-controle monomorfêmicas (e.g.

SAILBOAT vs. SPINACH). A justificativa para o uso da língua inglesa foi tanto

metodológica quanto logística: a composição é um processo de formação de palavras

produtivo e sistemático no inglês (PLAG, 2003). O laboratório de Neurolinguística na

Universidade de Nova York (NYU), nos Estados Unidos, desenvolve as pesquisas que

verdadeiramente balizam as linhas de pesquisa em que nos especializamos em nosso

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68  

laboratório aqui no Brasil25 – acesso lexical e processos de decomposição morfológica.

Sua infraestrutura conta com diversos aparelhos para aferição da atividade neuronal e com

pesquisadores capacitados nas técnicas mais refinadas de processamento de sinais

bioelétricos, dentro de um enfoque que dialoga com modelos teóricos seriais de

processamento de linguagem, o que vai ao encontro das expectativas do nosso laboratório..

5.2 Metodologia

Participantes

Participaram deste experimento 15 falantes nativos de inglês, destros, com visão

normal ou corrigida e idade média em torno de 23 anos. Todos assinaram um documento

de consentimento aceitando participar da pesquisa, que foi previamente aprovado pelo IRB

(Institutional Review Board)26 da Universidade de Nova York.

Material

Todos os estímulos consistiram em substantivos compostos (e.g. SAILBOAT) e

simples (e.g. SPINACH), com tamanho e frequência superficial controlados. Para fins

exploratórios incitados pela literatura de processamento de palavras, manipulamos a

transparência semântica, incluindo palavras semanticamente transparentes (e.g.

SAILBOAT, em que as raízes contribuem para o significado da palavra inteira – sailboat:

                                                                                                               25  O Laboratório ACESIN (Laboratório de Acesso Sintático), coordenado por Aniela Improta França, é pioneiro no Brasil em investigações eletrofisiológicas em neurociência da linguagem, atuando desde 2005 como um braço de pesquisa da Pós-graduação em Linguística da UFRJ, apoiado pelas agências de fomento FAPERJ, CNPq e CAPES.  26 Comitê de ética designado formalmente para aprovar, monitorar e avaliar pesquisa biomédica e comportamental envolvendo humanos.  

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sail=vela; boat=barco; sailboat =barco à vela) e opacas (e.g. HOGWASH, em que o

significado da palavra não é derivado do significado de suas raízes – hogwash: hog=porco;

wash=lavar; hogwash=desatino). Não controlamos outros tipos de relação entre os

constituintes, como o tipo de relação sintática e a componencialidade (BISETTO &

SCALISE, 2005; LIBBEN, 1995).

311 palavras compostas do inglês foram compiladas de estudos anteriores e

categorizadas com relação à transparência semântica por meio de um teste de relação

semântica realizado com a ferramenta Amazon Mechanical Turk. Nesse teste, os

participantes foram orientados a avaliar, em uma escala de 1 a 7, o quanto cada constituinte

das palavras compostas se relacionava com o significado da palavra inteira (cf. Likert

Scale: LIKERT, 1932). Na escala, 1 correspondia a “não relacionado” e 7 correspondia a

“muito relacionado”. Cada um dos 20 participantes foi apresentado, randomicamente, a

apenas um dos constituintes de cada palavra composta. As palavras compostas foram

classificadas como semanticamente opacas (e.g. HOGWASH) se a soma dos escores de

seus constituintes estivesse no intervalo 1-6, e semanticamente transparentes (e.g.

SAILBOAT) se a soma dos escores de seus constituintes estivesse no intervalo 10-14.

Sessenta compostos foram selecionados para cada categoria.

Incluímos ainda palavras compostas inexistentes no inglês (nova, e.g,

LADYFORK), para explorar efeitos obrigatórios de composicionalidade. Como essas

palavras não podem estar representadas no léxico mental dos participantes (LIBBEN,

1995), devemos obrigatoriamente encontrar efeitos combinatórios durante sua ativação.

Sessenta palavras compostas novas foram geradas utilizando as palavras restantes do teste

de relação, que não estavam entre as 60 selecionadas para as categorias TRANSPARENTE

e OPACA. Os constituintes desses compostos foram selecionados randomicamente e

recombinados para formar palavras inexistentes em inglês. Para evitar a formação

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70  

ocasional de uma palavra existente, as frequências das palavras formadas foram checadas

na base de dados English Lexicon Project, devendo ser igual a zero.

Desenho Experimental

O experimento completo teve como objetivo comparar quatro tipos diferentes de

palavras compostas (transparentes, opacas, novas e ortográficas). Essas quatro

modalidades foram contrastadas em dois tipos de priming – repetição (identidade) e

parcial. Para a condição de priming com repetição, a palavra composta foi utilizada tanto

como prime como para alvo (TEACUP-teacup). Para a condição de priming parcial,

utilizou-se como prime o primeiro constituinte da palavra composta (TEA-teacup). Essas

duas condições foram contrastadas com controles em que o prime não tinha relação com o

alvo (DOORBELL-teacup; DOOR-teacup). A Tabela 1 ilustra o desenho completo do

experimento. Todos os participantes leram todos os itens (total de 960), que foram

divididos em quatro listas de 240 palavras e randomizados dentro de cada lista. A ordem

de apresentação das listas foi contrabalanceada entre sujeitos.

Tabela 1: Desenho do experimento completo de priming com nomeação.

Os sujeitos foram orientados a ler em voz alta a segunda palavra de cada par

apresentado, conforme ilustrado na Figura 15. Neely (1991) reporta resultados de

nomeação consistentes com os de decisão lexical, e a justificativa para a escolha desse tipo

Lexicon Project’s word frequencies (Balota et al., 2007).

2.2 Experiment Design

This study contrasted four different word types, each with 60 items: transparent, opaque, orthographics,

and novel compounds. These word types were compared in two types of priming, repetition and partial

(constituent). For the repetition priming condition, the full compound was shown as both the prime and the

target as compared to the constituent priming where the constituent of word (in this study, first-constituent

only) is used as a prime for its whole word target. These priming conditions were compared to their unrelated

controls. These conditions were latin-squared and blocked such that each word appeared in each of the

condition per block. To account for any possible long-lag priming effects, we factored in block order into our

design producing a completely within-subjects, fully factorial design: Word Type (4) ⇥ Constituency (2) ⇥

Priming (2) ⇥ Block Order (4).

Transparent Opaque Novel Orthographicprime target prime target prime target prime target

control doorbell teacup heirloom hogwash keybook winecloud brothel spinachidentity teacup teacup hogwash hogwash winecloud winecloud spinach spinachcontrol door teacup heir hogwash key winecloud broth spinach

constituent tea teacup hog hogwash wine winecloud spin spinach

Table 1: Design Matrix

2.3 Procedure

Prior to the experiment, each participant was capped with an EasyCap 29-channel passive scalp electrode

system placed with electrodes arranged according to the international 10/20 system. The impedances were

measured and corrected to below 10 kW. The participant then had their head shape digitized using the

Polhemus Fastrak system. Along with head shape, five head position marker coils are digitized to co-register

the participant’s head inside the MEG helmet where this coordinate space is later transformed to each

participant’s MRI space. The participant was then tested in a magnetically-shielded chamber, which is

integrated with an active shielding system.

The study used a partial priming word naming task. In this task, a fixation cross first appears followed

by a prime then a target. All of the visual presentations are 300 ms with an inter-stimulus interval of

600ms. The task is for the participant to read aloud the target word from the onset on the screen. Audio

was sampled from the presentation of the target to the activation of a voice trigger (see Appendix). Their

9

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71  

de tarefa aqui foi reduzir a quantidade de estímulos, não sendo necessária a inclusão de

não-palavras.

Figura 15: A tarefa consistia em ler em voz alta a segunda palavra de cada par apresentado.

Cada palavra experimental foi apresentada por 300 milissegundos (ms) e precedida

por uma cruz de fixação, que também permanecia na tela por 300 ms. O intervalo entre

cada estímulo visual era de 300 ms. A tarefa era ler em voz alta a palavra alvo de cada

trial. O experimento completo de priming não será analisado nesta tese.

Para fins deste estudo, consideramos apenas os dados neurofisiológicos

relacionados à leitura do prime na condição de repetição (TEACUP-teacup). Assim, o

efeito de composicionalidade semântica intralexical será examinado como na leitura de

palavras isoladas, uma vez que as palavras usadas como prime não devem sofrer

influência das palavras precedentes, não relacionadas. Sendo assim, adotamos uma

metodologia análoga àquela usada por Zweig & Pylkkänen (2009), em que os autores

comparam diretamente palavras complexas – derivadas – com palavras monomorfêmicas,

em uma tarefa de decisão lexical.

Dessa forma, nosso desenho se reduz à simples comparação entre as palavras

compostas (TEACUP) e as palavras ortográficas (SPINACH) que serviram como primes

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72  

na condição de priming com repetição (TEACUP-teacup) do experimento descrito acima.

Como estamos utilizando os dados neurofisiológicos relacionados à leitura das palavras

que serviram como prime, não há dados comportamentais para essas palavras, uma vez que

não há nomeação das mesmas. Evitamos, assim, artefatos associados a movimentos

voluntários, que podem comprometer a análise dos efeitos de principal interesse

(HANSEN ET AL., 2010).

Essa análise foi pensada de maneira a isolar a atividade neuronal relacionada com

mecanismos computacionais básicos envolvidos na composição de sentido em palavras

compostas, a partir da combinação dos sentidos de seus constituintes. Para esse fim,

palavras compostas (TRANSPARENTES e OPACAS) foram contrastadas com palavras

controle simples (SIMPLES) de mesmo tamanho, conforme ilustrado na Tabela 2, a seguir.

As palavras compostas NOVAS foram incluídas como forma de explorar um efeito

indiscutível de composicionalidade.

Condições Exemplos

TRANSPARENTE SAILBOAT

OPACA HOGWASH

NOVA LADYFORK

SIMPLES SPINACH

Tabela 2: Desenho experimental analisado.

Considerando o recorte descrito acima, cada participante foi exposto então a 240

palavras experimentais, 60 pertencentes a cada condição. Essas palavras experimentais

foram apresentadas randomicamente entre 720 palavras distratoras, que constituíam, por

sua vez, os outros itens do experimento de priming com nomeação.

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73  

Antes do experimento, a forma da cabeça de cada sujeito era digitalizada e quatro

pontos localizadores eram marcados, usando o sistema Fastscan. A forma da cabeça é

usada durante a análise para possibilitar a localização da fonte da atividade de interesse

para o nosso estudo. Esses marcadores são corregistrados para localizar a cabeça do

participante em relação aos sensores do magnetoencefalógrafo, gerando sua imagem de

ressonância magnética (MRI). Uma das vantagens da técnica de MEG é justamente poder

localizar a fonte da atividade elétrica.

Figura 16: Forma da cabeça sendo digitalizada. O rosto foi coberto nesta figura para preservar a identidade do participante.

Durante o experimento, os participantes permanecem deitados em um ambiente

magneticamente isolado, e são capazes de ler os estímulos projetados em uma tela. Os

dados de MEG foram coletados usando um sistema gradiométrico axial de cabeça inteira,

com 157 canais (Kanazawa Institute of Technology, Nonoichi, Japão). A gravação foi

feita em corrente direta (DC) – ou seja, sem filtro passa-alto –, com filtro passa-baixo de

200Hz, e com filtro notch de 60Hz.

Após a aquisição dos dados, foi aplicado um redutor de ruído e um filtro passa-

baixo a 40Hz. A gravação de todo o experimento foi segmentada nas épocas de interesse,

de -100 ms, antes do aparecimento da palavra experimental, a 900 ms após o aparecimento.

O início do intervalo é importante para garantir que haja uma base de atividade neuronal

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74  

não relacionada ao evento, de modo que a atividade relacionada ao evento possa ter um

patamar com a qual será comparada. O final do intervalo foi determinado com o intuito de

garantir que nenhuma atividade relacionada ao evento fosse perdida, considerando que

atividades relacionadas ao reconhecimento de palavras devem se dar até cerca de 500 ms

(PYLKKÄNEN & MARANTZ, 2003).

  Figura 17: ambiente magneticamente isolado (foto ilustrativa).

Utilizando a forma da cabeça de cada sujeito, foram criados os arquivos de MRI a

partir dos quais foi gerado um modelo esférico ideal para cada participante. Foram

rejeitados trials em que a amplitude máxima excedia o limite de 3000 fT. As médias para

cada sujeito, em cada condição, foram geradas utilizando o software BESA

(http://www.besa.de/). Foram excluídos da análise os sujeitos em que mais de 30% dos

trials foram rejeitados, permanecendo apenas 8, nos quais foi feita a análise estatística.

5.3. Análise

Composicionalidade semântica. Para observar efeitos relacionados à composição

semântica intralexical, examinamos a atividade localizada em uma região de interesse

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75  

específica – vmPFC – determinada a partir de estudos anteriores que investigaram questões

semelhantes (cf. Capútulo 4). Para verificar se havia efeito significativo nessa região,

aplicamos um teste não-paramétrico de permutações baseadas em clusters (MARIS, 2007),

para o intervalo de interesse em torno das palavras experimentais (300 ms até 500 ms após

o aparecimento da palavra). Conforme destacam Maris & Oostenveld (2007),

existem muitos aspectos nos dados de origem biológica que podem diferir entre condições experimentais, o que implica maior exigência dos modelos estatísticos usados para analisar esses dados. Os modelos não-paramétricos atendem em grande medida essas exigências. 27 (MARIS & OOSTENVELD, 2007; p. 178)

Especificamente, foi utilizado o teste estatístico desenvolvido para a análise de

Bemis & Pylkkänen (2011), capaz de isolar clusters de pontos no tempo nos quais a

atividade na região de interesse exibe um padrão esperado, de acordo com a hipótese sobre

a composicionalidade intralexical nas palavras compostas.

Composição sintática. Aplicamos esses mesmos parâmetros para a análise da atividade

localizada no lobo temporal anterior esquerdo (left anterior temporal lobe – LATL), que

tem sido associada com composição sintática (BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011;

BRENNAN ET AL., 2010). Como os mecanismos sintáticos que regem a composição

entre palavras em uma sentença não devem ser distintos dos mecanismos que regem

morfemas dentro das palavras (MARANTZ, 1998), esperamos encontrar um efeito da

composicionalidade intralexical nessa área.

                                                                                                               27  there are many aspects of the biological data that may differ between the experimental conditions[…]. This puts serious demands on the statistical framework that will be used for the analysis of these data, and the nonparametric statistical framework meets these demands to a large extent.

 

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76  

Decomposição morfêmica. A fim de comparar nossos resultados com estudos de

decomposição lexical anteriores, procuramos também efeitos no giro fusiforme inferior

esquerdo, conhecido como a área da forma visual da palavra (visual word form área –

VWFA). Estudos que contrastaram palavras simples com palavras derivadas complexas

encontraram aumento das amplitudes para palavras complexas, em torno de 170 ms após a

apresentação da palavra.

Região de interesse 1: Córtex pré-frontal ventro-medial (vmPFC)

Conforme foi relatado mais detalhadamente no Capítulo 4, estudos recentes têm

destacado atividades no vmPFC como estando associadas a processos de composição

semântica. Pylkkänen & McElree (2007), Brennan & Pylkkänen (2008, 2010), Pylkkenen

et al. (2009b) obtiveram aumento da atividade cortical nessa região ao manipular a

quantidade de computações necessárias para a composição de sentido em sentenças de

mesmo tamanho. Pylkkänen et al. (2009a) relataram ainda atividade aumentada nessa

região quando foram apresentadas aos participantes sentenças com violações semânticas,

em oposição a sentenças bem formadas, com violações apenas relacionadas com

conhecimento de mundo. Essa atividade isolada nesses estudos ocorre em torno de 400 ms

após o aparecimento da palavra crítica para o experimento, e foi denominada como Campo

Medial Anterior (Anterior Midline Field - AMF). Bemis & Pylkkänen (2011) apresentam

resultados similares ao contrastar nomes em contextos composicionais – e.g. antecedidos

por um adjetivo, como em red boat – com nomes em contextos não composicionais – e.g.

após uma sequência de letras, como em xkq boat, ou dentro de uma lista, como em cup,

boat.

A localização precisa dos efeitos encontrados no vmPFC é variável entre os

estudos. Por isso, para verificar o papel dessa região no processamento da composição de

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sentido intralexical, nossa região de interesse foi localizada aproximadamente em toda a

área de Broadmann 1128 (Bemis & Pylkkänen, 2011).

Figura 18: Área de Brodmann 11

Região de interesse 2: Lobo temporal anterior esquerdo – LATL

Como este estudo comparou palavras complexas com palavras simples, incluímos o

lobo temporal esquerdo como área de interesse. Estudos similares comparando sentenças

(FRIEDERICI ET AL., 2000) ou sintagmas adjetivais (BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011)

com listas de palavras encontraram aumento consistente da atividade nessa área, associado

à complexidade sintática. A área de interesse foi definida englobando a parte esquerda da

Área de Brodmann 38 e a porção esquerda mais anterior das Áreas de Brodmann 20 e 21.

Figura 19: Áreas de Brodmann 38, 20 e 21, respectivamente.

                                                                                                               28 A Área de Brodmann 11 (BA11) está localizada no córtex frontal e cobre a parte medial da superfície ventral do lobo frontal.

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78  

Região de interesse 3: Giro Fusiforme Inferior Esquerdo (Área da Forma Visual da Palavra - VWFA) – LIFG

O giro fusiforme inferior esquerdo (left inferior fusiform gyrus – LIFG) tem sido

apontado em estudos com fMRI como estando relacionado com a forma visual da palavra

(COHEN ET AL., 2002; DEHAENE ET AL., 2002). Estudos com MEG têm destacado

um efeito para decomponibilidade morfêmica localizado nessa área, em torno de 150-200

ms (M170) após a visualização do estímulo (ZWEIG & PYLKKÄNEN, 2009; LEWIS ET

AL., 2011; SOLOMYAK & MARANTZ, 2009). Esses efeitos são encontrados em

palavras derivadas, não havendo ainda estudos que tenham encontrado efeitos no

componente M170 em palavras compostas.

5.4. Resultados

vmPFC.   Os resultados revelaram um efeito significativo da complexidade lexical no

vmPFC, em torno de 400 ms após o aparecimento da palavra na tela para as condições

transparente (p=0,018) e nova (p=0,024), para o intervalo entre 300 ms e 500 ms,

conforme ilustrado nos Gráficos 1 e 2 . As amplitudes da condição opaca não

apresentaram diferença significativa em relação à condição controle (p=0.096), para o

mesmo intervalo entre 300 e 500 ms (Gráfico 3).

LATL. O teste de permutação não revelou clusters significativos associados à composição

sintática, para nenhuma das condições analisadas (Gráfico 4).

LIFG. O teste de permutação não revelou clusters significativos associados à

decomposição morfêmica, para nenhuma das condições analisadas (Gráfico 5).

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79  

Gráfico 1: amplitudes da condição transparente (TR) comparada com a condição controle simples (ORab). Áreas em preto destacam diferença significativa (p=0.018) entre as amplitudes no intervalo.

Gráfico 2: amplitudes da condição nova (NV) comparada com a condição controle simples (ORab). Áreas em preto destacam diferença significativa (p=0.024) entre as amplitudes no intervalo.

Gráfico 3: amplitudes da condição opaca (OP) comparada com a condição controle simples (ORab). Área em cinza destaca cluster, porém a diferença entre as amplitudes no intervalo não é significativa (p=0.096).

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80  

Gráfico 4: Não foram encontrados clusters significativos para a condição transparente (TR), opaca (OP) ou nova (NV), quando contrastadas com a condição simples (ORab).

Gráfico 5 : Não foram encontrados clusters significativos para a condição transparente (TR), opaca (OP) ou nova (NV), quando contrastadas com a condição simples (ORab).

5.5. Discussão

O resultado deste estudo está de acordo com a literatura do processamento da

composicionalidade e destaca-se por observar efeitos combinatórios em um contexto tão

mínimo quanto a composição entre duas raízes para formar uma palavra composta. Esse é

mais um indicativo de que há uma relação do AMF com a construção de significados

linguísticos mais básicos – ou mais gerais –, não associados apenas ao tipo de computação

recrutada para a resolução de mudança de tipo (semantic mismatch).

Esses efeitos se mostraram apenas nas condições Transparente e Nova, não

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havendo efeito significativo para a condição Opaca. Esses resultados podem indicar que

existe uma ativação transitória dos morfemas constituintes, nas palavras opacas. Ou seja,

nos estágios mais iniciais do reconhecimento, o estímulo é decomposto, havendo ativação

das raízes. Em seguida, como os significados dessas raízes não são relevantes para a

ativação do sentido da palavra inteira, eles seriam descartados, não havendo o momento de

recomposição detectado para as palavras transparentes e novas. Foi apontada a existência

de um cluster para essa condição, representado pela zona em cinza no Gráfico 3, porque o

p-valor estava abaixo do limite definido para p<0.3). As comparações múltiplas, no

entanto, não indicaram significância para esse cluster (p=0.096). Esse resultado, “na

margem”, pode ter sido determinado pelos itens utilizados na condição opaca. Controlar a

transparência semântica em palavras compostas é uma tarefa intricada. Isso se deve ao

fato de que os constituintes de palavras compostas, mesmo as opacas, apresentam alguma

relação originária (histórica, etimológica) com a palavra inteira, não sendo simples

controlar a variabilidade entre sujeitos em recuperar essa relação. Sendo assim, não há

como garantir que os resultados obtidos no teste de relação semântica utilizando o Amazon

Mechanical Turk sejam reproduzidos pelos participantes do experimento com MEG. As

palavras compostas utilizadas neste experimento são equivalentes às palavras consideradas

como “opacas etimologicamente relacionadas”, em experimentos clássicos de

Psicolinguística com palavras derivadas. Seriam palavras com relação [+morfológica]

[+ortográfica ou fonológica] [-semântica], como, por exemplo, apartment (RASTLE ET

AL., 2000). Novamente, não é simples determinar de maneira direta a invisibilidade do

sentido de apart na palavra apartment. Uma solução que contornaria esse problema

poderia ser usar palavras do tipo carpet, que pode ser decomposta em car e pet, mas que

não é, na realidade, uma palavra composta. Palavras pseudocompostas desse tipo seriam

equivalentes às palavras pseudoderivadas como brother.

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82  

Como no contraste realizado no experimento desta tese houve uma sobreposição da

complexidade sintática e semântica (palavras semanticamente complexas são também

sintatica- ou morfologicamente complexas), esperávamos encontrar efeitos tanto de

composição semântica – indicada pelo aumento do AMF – quanto de composição sintática

– indicada pelo aumento da atividade no lobo temporal anterior esquerdo (LATL),

apontado por estudos recentes como estando implicado em composições sintáticas básicas

(BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011; BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2010). No entanto, neste

estudo não foram identificados clusters indicando aumento significativo da atividade no

LATL. Apesar de não se poder estabelecer uma análise conclusiva baseada na ausência de

um efeito, pode-se argumentar aqui que o tipo de análise realizada – por exemplo, o

critério para localizar a área de interesse – não teve força suficiente para produzir uma

relevância estatística. Por outro lado, há ainda a possibilidade de que a manipulação da

complexidade intralexical não seja mesmo capaz de gerar efeitos combinatórios

detectáveis dentro dos parâmetros utilizados, da mesma forma como foi alcançada no nível

sentencial e sintagmático pelos outros pesquisadores (BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011;

BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2010). É importante ressaltar que, ainda que as palavras

compostas utilizadas nesta tese sejam bastante similares aos sintagmas utilizados por

Bemis & Pylkkänen (2011), existe uma diferença estrutural entre o tipo de composição

envolvida. O tipo de computação não foi controlado a priori durante a escolha dos nossos

estímulos. No entanto, uma análise post hoc revela que o tipo predominante foi aquele

encontrado em palavras como TEACUP. Nessas palavras, existe uma hierarquia diferente

da existente em sintagmas como red boat, utilizados em Bemis & Pylkkanen (2011). Em

SAILBOAT, existe uma estrutura hierárquica não explícita envolvendo uma composição

do tipo [CUP] [for TEA], que culmina em uma atribuição de papel temático. Isso não

ocorre na composição red boat, em que há uma relação do tipo [red]+[boat]. Hoje há uma

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vasta literatura lançando a ideia de que existe uma fisiologia diferente para esses diferentes

tipos de computação (FRIEDERICI, 2011; BERWICK & CHOMSKY, 2011; BERWICK

ET AL., 2013). Para que se obtenha uma caracterização mais completa do processamento

das palavras compostas, experimentos futuros devem levar em conta esses fatores.

É interessante destacar que também não foram encontrados efeitos de

decomposição morfo-ortográfica no giro fusiforme inferior esquerdo, relacionados com a

forma visual da palavra ou do morfema (COHEN ET AL., 2002; DAHAENE ET AL.,

2002; LEWIS ET AL., 2011). O efeito no componente M170 foi relatado por Zweig &

Pylkkänen (2009), ao comparar palavras derivadas com palavras simples, analogamente ao

que fizemos com palavas compostas no experimento desta tese. Como ainda não há

estudos que encontram M170 em palavras compostas, isso poderia ser um indício de que

esse componente esteja de alguma forma associado à presença de morfemas flexionais (cf.

Affix Stripping – TAFT & FORSTER, 1975). Essa afirmação, no entanto, precisaria ser

investigada de maneira mais sistemática. Estudos anteriores revelam decomposição inicial

em palavras compostas (FIORENTINO E POEPPEL, 2007b), independentemente da

transparência semântica, o que indica decomposição pré-lexical. Porém, não é claro que os

mesmos mecanismos estejam envolvidos na decomposição de palavras derivadas e

palavras compostas, ainda que os resultados comportamentais de priming e decisão lexical

sejam qualitativamente análogos.

Considerando que palavras complexas sejam representadas e acessadas por meio de

seus constituintes, as palavras compostas podem ser abordadas como sendo o resultado de

uma simples concatenação entre dois elementos lexicais. No entanto, a exata relação que

pode existir entre esses dois elementos é bastante variável (JACKENDOFF, 2002;

DRESSLER, 2006; JAREMA, 2006; BISETTO & SCALISE, 2005). De acordo com

Libben (2006), palavras compostas devem ser facilmente segmentáveis entre seus

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morfemas constituintes. Caso contrário, palavras compostas novas não seriam

interpretáveis. Por outro lado, existe um domínio idiossincrático que coloca essas palavras

“em uma interseção entre itens lexicais e sentenças, refletindo as propriedades tanto das

representações linguísticas na mente, quanto do processamento gramatical” (LIBBEN,

2006)29. Modelos eficientes de processamento lexical devem ser capazes de dar conta

dessas diferenças.

Dentro de uma perspectiva de buscar uma organologia computacional da

linguagem (EMBICK & POEPPEL, 2005), estudos recentes, apresentados acima, têm

procurado restringir mais detalhadamente as computações implicadas na construção do

sentido complexo (cf. revisão em PYLKKÄNEN ET AL., 2011). Assim, esses estudos

visam contribuir para uma caracterização mais completa dos mecanismos neurofisiológicos

implicados na dinâmica espaço-temporal da construção de sentido, especificamente, e –

ainda mais ambiciosamente – na compreensão e produção de expressões linguísticas em

geral. Esss pesquisas, nessa direção, têm apontado o vmPFC e o LATL como áreas

implicadas em mecanismos relacionados a essa dinâmica de construção de sentido.

Esses estudos, incluindo o realizado para esta tese, se enquadram em um momento

de importante mudança paradigmática na pesquisa sobre as bases neurofisiológicas da

linguagem (POEPPEL & EMBICK, 2005; MARANTZ, 2005). Diferentemente de

modelos clássicos que descrevem uma rede compartimentada em áreas corticais

responsáveis por funções tão complexas quanto Sintaxe, Semântica e Fonologia, essa nova

perspectiva procura decompor essas funções em seus primitivos computacionais. Uma vez

bem caracterizados esses primitivos, o desafio é relacioná-los com estruturas e funções

corticais localizadas, analogamente à abordagem de Marr (1982) para a percepção da

                                                                                                               29  “compound words are structures at the cross-roads between words and sentences reflecting both the properties of linguistic representation in the mind and grammatical processing.” (LIBBEN, 2006; p. 3)

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visão. Como já foi ponderado no Capítulo 2, essa tarefa não é óbvia e depende do sucesso

em estabelecer uma ponte provável entre o nível de representação algorítmica e o nível

implementacional (MARR, 1982). Concretamente, isso significa encontrar bases

estruturais e funcionais do cérebro que possam servir como substrato físico para a

realização dessas tarefas de processamento.

Com relação ao processamento de palavras compostas, especificamente, o resultado

deste estudo destaca a existência de um índice de MEG associado à composição pós-

lexical, tanto para palavras compostas transparentes quanto para as novas. Como esse

componente ocorre em torno dos 400 ms, parece um candidato plausível para atuar na

recomposição desses primitivos semânticos, já que o acesso lexical ocorre aos 350 ms

(Figura 20).

Figura 20: Estágios do processamento lexical (adaptado do website do Laboratório de Neurolinguística da NYU)

Esse índice, no entanto, se generaliza para outros domínios além da modificação

relacional que ocorre entre as duas raízes de uma palavra composta, abrangendo também

regras que envolvem a resolução de coerção em sentenças (PYLKKÄNEN & McELREE,

2007; BRENNAN & PYLKKÄNEN, 2008; 2010) e a distinção entre restrições semânticas

e conhecimento de mundo (PYLKKÄNEN ET AL., 2009). Essas características apontam

para um mecanismo combinatório bastante geral e plurifacetado.

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Além disso, a região de onde parece emergir o AMF também é associada, em

estudos distintos, a cognições não linguísticas como tomada de decisão, recompensa e

teoria da mente (WALLIS, 2007; MAGUIRE ET AL., 2010; AMODIO & FRITH, 2006).

Ainda assim, têm sido encontrados efeitos consistentes no vmPFC sempre que se manipula

a composicionalidade semântica, o que pode indicar que o AMF seja um componente

associado à realização da composicionalidade em um domínio mais geral. Como afirma

PYLKKÄNEN (2011),

é bem possível que o cérebro realize composição de maneira bastante similar em vários domínios – e essa intuição é o que amplamente impulsiona nosso trabalho sobre a generalidade do AMF –, mas não acreditamos que um modelo cognitivo raso seja o tipo de teoria mais adequado para nos guiar na realização de experimentos. Se não procurarmos no cérebro certas distinções motivadas teoricamente, certamente não as encontraremos, caso elas de fato estejam lá.30 (PYLKKÄNEN ET AL, 2011; p.18).

Nesse sentido, é possível considerar a hipótese do AMF como sendo um correlato

da composicionalidade semântica, levando-se em conta que esses mecanismos

combinatórios são utilizados em diferentes níveis. Isso indicaria que a composição

semântica ocorre em um sistema que envolve diferentes regiões, cujas funções podem ser

mais gerais ou mais específicas em termos das computações a que estão associadas.

                                                                                                               30 “We actually think it is quite possible that the brain performs composition in various domains in rather similar ways—this intuition is largely what drives our work on the domain generality of the AMF—but we do not believe that a flat cognitive model is the right kind of theory to guide us when designing experiments. If we do not look for certain (theoretically well-motivated) distinctions in the brain, we certainly will not find them, should they, in fact, be there.” (PYLKKÄNEN ET AL., 2011)

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87  

_____________________________________________seis

Conclusão

Este trabalho procurou discutir como os avanços teóricos na pesquisa linguística e a

disponibilidade de técnicas cada vez mais sensíveis para medir a atividade cortical têm

trazido mudanças na maneira de se explorarem as bases neurofisiológicas da linguagam.

Nessa pespectiva de mudança paradigmática, o experimento realizado para esta tese teve

como objetivo examinar efeitos combinatórios de sentido dentro de palavras compostas em

inglês.

A construção do sentido complexo não é uma tarefa trivial. Algumas vezes,

expressões superficialmente similares apresentam leituras consideravelmente distintas.

Essa diferença, no entanto, não pode ser deduzida em termos da relação sintática entre os

constituintes de cada expressão. Por exemplo, qualquer falante de inglês é capaz de intuir

a diferença entre sentenças como 1) The stylist combed the hair straight (O cabeleireiro

penteou o cabelo até ficar liso) e 2) The stylist combed the hair wet31 (O cabeleireiro

penteou o cabelo enquanto o cabelo estava molhado). Em (1), straight (liso) é o resultado

do ato de pentear. Em (2) wet (molhado) descreve o estado em que estava o cabelo durante

o ato de ser penteado. Ainda que straight e wet ocupem a mesma posição sintática na

oração, nenhum falante da língua diria que, na frase 2, o ato de pentear fez com que o

cabelo ficasse molhado. A pesquisa linguística que estuda a interface sintaxe-semântica

tem oferecido explicações para essas diferenças, apresentando um modelo teórico de como

o sentido complexo deve ser computado.

Curiosamente, no entanto, a pesquisa em neurociência da linguagem se

desenvolveu sem considerar esses trabalhos. Estudos que se propuseram estudar as bases

                                                                                                               31  Exemplos retirados de Pylkkänen & McElree (2006).

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neurofisiológicas da semântica o fizeram sem determinar o tipo de computação a ser

investigada, estabelecendo correlações genéricas e subespecificadas. Recentemente, no

entanto, avanços nas técnicas de imagem e neuroanatômicas trouxeram um aumento na

resolução dos dados, mostrando a necessidade de reformulação dos modelos tradicionais.

A aproximação entre a neurociência e as ciências cognitivas (entre elas, a pesquisa

linguística) permitiu um aperfeiçoamento também da resolução conceitual, tornando

explícitos computacionalmente os processos a serem investigados.

Com relação especificamente à composição semântica, estudos recentes utilizando

a técnica da magnetoencefalografia têm buscado uma aproximação mais sistemática desses

modelos computacionais. Esses trabalhos têm manipulado diretamente as propriedades

composicionais dos estímulos, buscando não só localizar, mas entender como se dá a

codificação desse sistema de construção de sentidos complexos (PYLKKÄNEN ET AL.,

2011).

Segundo essas pesquisas, o sistema envolvido em processos combinatórios deve

incluir pelo menos o lobo temporal anterior esquerdo – LATL (BRENNAN ET AL., 2010;

BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011) e o córtex pré-frontal ventromedial – vmPFC

(PYLKKÄNEN ET MCELREE, 2007; PYLKKÄNEN ET AL, 2009; PYLKKÄNEN,

OLIVERI & SMART, 2009; BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011). O LATL tem sido

associado com a composição sintagmática entre um nome e um adjetivo (red boat), mas

não com a composição entre um predicado e um argumento (eats meat). O vmPFC está

envolvido com diferentes tipos de computação semântica, desde a resolução de coerção

(PYLKKÄNEN & McELREE, 2007) até a simples operação de modificação intersectiva

(BEMIS & PYLKKÄNEN, 2011).

O experimento realizado para esta tese, utilizando a técnica de MEG, indicou que o

vmPFC estaria também implicado na composição do significado de duas raízes lexicais de

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uma palavra composta, corroborando a generalidade das operações combinatórias

codificadas espacialmente nessa área. A atividade associada ao vmPFC foi encontrada

comparando sistematicamente palavras compostas (SAILBOAT) com palavras simples

(SPINACH), variando, assim, a carga computacional. A leitura das palavras compostas

obteve maiores amplitudes na forma do Campo Medial Anterior (AMF), componente

gerado em torno de 400 ms após o início da apresentação da palavra.

Para fins de diálogo com a literatura sobre o processamento de palavras, o desenho

experimental foi preparado de forma a manipular a transparência semântica. Sendo assim,

as palavras compostas foram separadas em três condições: 1) transparentes, 2) opacas, e 3)

novas. As palavras novas foram incluídas para forçar efeitos de composicionalidade, uma

vez que essas palavras não estariam representadas no léxico mental. Além disso, existem

argumentos sugerindo que qualquer palavra composta lexicalizada nunca é

semanticamente transparente (LIBBEN, 2006). Por exemplo, o significado lexicalizado da

palavra teacup é xícara para chá (e também pode ser usada para outras bebidas, geralmente

quentes, mas não necessariamente). Mas alguém que não conhece o significado dessa

palavra pode inferir que seja uma xícara de chá, com chá… A transparência semântica foi

exaustivamente estudada em pesquisas sobre o processamento de palavras e foi apontada

como fator de decomponibilidade no acesso lexical, sobretudo em experimentos de

priming não-encoberto e intermodal. Estudos recentes, no entanto, utilizando priming

encoberto e magnetoencefalografia, revelam uma decomponibilidade mais radical que não

é condicionada pela relação semântica entre os constituintes e o todo. Como ocorre essa

decomposição generalizada nos estágios mais iniciais do reconhecimento lexical, deve

haver um estágio posterior de recomposição que possa dar conta das diferenças entre

palavras transparentes e opacas. O efeito encontrado para palavras opacas não foi

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estatisticamente significativo em relação aos controles ortográficos, indicando uma

diferença entre essas palavras e as palavras transparentes e novas.

A seleção das palavras compostas para o experimento desta tese não levou em

consideração os diferentes tipos de relação entre os constituintes (por exemplo,

coordenação ou subordinação), uma vez que essa informação não deveria ser relevante

para o desenho experimental utilizado. O objetivo era apenas comparar palavras de maior

carga computacional com palavras simples, monomorfêmicas. Esse tipo de manipulação

pode ser interessante para testes futuros, tanto para restringir ainda mais os tipos de

computação que devem estar associadas com o vmPFC quanto para testar hipóteses sobre o

processamento de palavras compostas32. As palavras compostas, assim como frases

envolvendo coerção, também podem ser um objeto interessante para se testar o mismatch

sintático-semântico, já que elas apresentam uma relação combinatória que não é expressa

formalmente.

Entre as perspectivas futuras, figura também a possibilidade de se realizar uma

análise acústica das palavras compostas – sobretudo as novas –, para verificar se elas são

pronunciadas como uma palavra ou como duas palavras. Dessa forma examinamos o status

lexical das palavras compostas pela via fonológica, diferenciando-as de sintagmas

adjetivais. Ainda, manipulações futuras devem também levar em conta a diferença entre

palavras opacas pseudocompostas (CARPET) e etimológicas (HOGWASH), se aquelas

                                                                                                               32 Recentemente, estudos utilizando a técnica de DTI (Diffusion Tensor Imaging) – que é capaz de detectar a densidade da substância branca, diretamente relacionada com a conexão entre regiões no cérebro – têm se somado aos estudos funcionais de imagem, possibilitando uma caracterização mais acurada da dinâmica envolvida no sistema neuronal de processamento da linguagem. Esses estudos têm apontado a existência de pelo menos duas rotas ventrais e duas rotas dorsais responsáveis pela transferência de informação entre regiões do cérebro envolvidas em operações linguísticas (FRIEDERICI & GIERHAN, 2013). As evidências disponíveis têm permitido distinguir computações hierárquicas de listas coordenadas. Essa informação pode ser útil para manipular as relações entre os constituintes das palavras compostas.

 

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forem suficientemente produtivas na língua. No experimento realizado para esta tese,

também não foi controlada a possibilidade de algumas das palavras serem polissêmicas.

Por exemplo, a palavra hogwash tem tanto o significado de “desatino” quanto de

“lavagem” (comida para porcos). Se considerarmos o segundo significado, a opacidade se

perde. Além disso, é possível ainda que haja efeitos indesejáveis de frequência, uma vez

que um dos significados tende a ser mais frequente. Outra manipulação que deixamos de

incluir foi a transparência/opacidade de apenas um dos constituintes da palavra composta,

gerando quatro categorias diferentes: Transparente-Transparente (SAILBOAT), Opaca-

Opaca (HOGWASH), Transparente-Opaca (SHOEHORN) e Opaca-Transparente

(YELLOWBELLY). Esses fatores deverão ser levados em consideração em nossos

experimentos que darão seguimento a esta pesquisa.

Nesta tese, identificamos um possível correlato para a composicionalidade

semântica pós-lexical e discutimos alguns desafios e perspectivas envolvidos na tentativa

de aproximar linguística e neurobiologia. Crucialmente, as operações computacionais

definidas pela pesquisa linguística devem contribuir para conferir maior caráter explicativo

à neurociência da linguagem. O caminho contrário, no entanto, é um pouco mais

complexo.

Para a linguagem, essa abordagem biolinguística me parece bastante sólida. Mas perguntas básicas ainda devem ser respondidas antes que haja muita esperança sobre a implementação celular de procedimentos recursivos. […] Podemos antecipar que as diferentes ontologias vão interagir, criando condições significativas de um nível de análise para o outro, talvez em última análise convergindo para a unificação. Mas não devemos confundir truísmos por teses concretas, não havendo espaço para dogmatismo sobre como o assunto pode caminhar para uma resolução.33 (CHOMSKY, 2000; p. 27)

                                                                                                               33 For language, this biolinguistic approach seems to me very sound. But elementary questions remain to be answered before there will be much hope of solving problems about the cellular implementation of recursive procedures. (p. 20) […] We may anticipate that richer bodies of doctrine will interact, setting significant conditions from one level of analysis for another, perhaps ultimately converging in true unification. But we should not mistake truisms for substantive theses, and there is no place for dogmatism as to how the issues might move toward resolution.

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Não obstante, o exercício de pensar como as computações linguísticas são

implementadas em diferentes domínios deve ser informativo para a pesquisa linguística, da

mesma forma que o são experimentos comportamentais e julgamentos de gramaticalidade.

Este foi o primeiro experimento que apontou o Campo Medial Anterior (AMF)

como um correlato para a composição do sentido complexo em palavras compostas. Esse

componente têm sido encontrado sistematicamente em uma série de trabalhos que

manipulam diferentes tipos de operações combinatórias e, nesta tese, mostramos que ele

também é sensível à composicionalidade entre morfemas lexicais. Assim como o M350 já

tem sido usado como um índice de acesso lexical, podendo informar questões relativas à

ativação da raiz de uma palavra, o AMF pode ser usado como uma medida dependente

para examinar os efeitos combinatórios posteriores à ativação dos morfemas. Os modelos

psicolinguísticos e da teoria linguística já fazem distinções mais sofisticadas sobre as

relações entre constituintes, condicionadas por fatores como transparência semântica,

componencialidade, estrutura hierárquica, núcleo, ordem e categoria dos constituintes. Há

ainda muitas questões em aberto sobre o processamento lexical, que não nos propusemos

responder, tais como o lugar da arbitrariedade em palavras multimorfêmicas e a dinâmica

das interações entre constituintes de palavras compostas em diferentes tipos de relações. A

pesquisa aqui reportada, no entanto, deve contribuir para que se possa levar adiante o

entendimento de como representações e computações interagem na dinâmica espaço-

temporal da ativação de uma palavra.

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Apêndice 1: Lista de Estímulos________________________________________________

Transparentes Opacas Novas Ortográficas

drainpipe ragtime doorbug tactile dollhouse deadline backlink hatchet

swearword hamstring dragonfield vantage barnyard showcase moonship partisan

snowflake fullback newsbell stampede nightlight sealink racebox squadron shipwreck tailgate floodlist cardinal

teacup hallmark stoolline warranty moonlight gangplank tombprint harmonica bookstore deadlock wallwork carnivore doorstep stalemate sketchmark capillary backbone crosspiece rosehorn messenger racehorse blockhead rainpool plaintiff snowball copyright snowbrush penalty headache jackpot breaklight secondary bedroom sideburns kingpigeon scandal foghorn blacksmith shoetape scarlet farmland sideboard doorholder against doorknob kingpin mailgum beatnik birthday shorthand doorline brothel

lamplight loophole mailbook dialog shoebox spitfire slideman fuselage

cheekbone stoolpigeon joyflake inferno girlfriend blackjack heirman jerkin bullfight freeholder foothandle phonetic pillbox rosewater frostpal plush

cornfield brainchild swimfriend quartz campsite highbrow barnmate salmonella songbook sideline hairmill shovel hairbrush teetop craftschild stirrup teamwork joystick woodbug chagrin newspaper figurehead hairhold blotter

mailbag flashback nightsuit scaffold videotape butterfly healthache glaucoma doorbell wallflower racepaper starwart crewman greenhorn railpot template campfire scapegoat doorcoat porridge rainstorm turncoat whirlgate kerchief northeast bulkhead humproll treason

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flowerpot starboard lumberbag crescent doorhandle fanfare campway casserole

footpath snapdragon litterbroker nocturn fairyland watercress ladyfork worship honeybee bandwagon cheekstep operate bookshelf blowhard spitboard trombone farmhouse longhand meatwork abreast

haircut cocktail lifewater abstain candlelight mainstay bedstep acclaim

gunshot warhead freeroad worship litterbin pineapple dishloom acetone flagpole dighouse sandalstring acrobat

woodshed blackmail racefall account courtroom cowboy guideknife warlock bathroom hogwash sideboard welcome paintbrush bloodshot rainport vaccilate

sailboat beeline skinshell tadpole soybean watertable housecase sublime seawater piecemeal sketchcraft steadfast sunlight highlight stairland spearmint

bowstring bootlegger crewpath yellow  

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Apêndice 2: Amazon Mechanical Turk_________________________________________

Compound  Rating  Task       On  a  scale  from  1  to  7  where  1  is  very  badly  and  7  is  very  well,  how  well  can  

you  get  the  overall  meaning  of  this  compound  word  from  the  words  within?     On  a  scale  from  1  to  7,  how  well  does  this  word  contribute  to  the  meaning  of       the  compound  word?  Ex.    churchgoer   7    church   7   7    goer   7    briefcase   __  brief   __  case   __  

battlefield   __  battle   __  field   __  

dollhouse   __  doll   __  house   __  

sideline     __  side   __  line   __  

heirloom   __  heir   __  loom   __  

fairyland   __  fairy   __  land   __  

chinaware   __  china   __  ware   __  

doorhandle   __  door   __  handle     __  

crosspiece   __  cross   __  piece   __  

spyglass   __  spy   __  glass   __  

newsletter   __  news   __  letter   __  

bulkhead   __  bulk   __  head   __  

roommate   __  room   __  mate   __  

mainstay   __  main   __  stay   __  

stepmother   __  step   __  mother     __  

candlelight   __  candle     __  light   __  

pinprick     __  pin   __  prick   __  

greenhorn   __  green   __  horn   __  

toothpaste   __  tooth   __  paste   __  

bloodstain   __  blood   __  stain   __  

flapjack     __  flap   __  jack   __  

longhand   __  long   __  hand   __  

breakwater   __  break   __  water   __  

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Apêndice  3:  Formulários  _____________________________________________________________________                                                                                                

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Apêndice 4: Análise preliminar dos resultados comportamentais no Experimento de

Priming

Esses resultados não se relacionam diretamente com a análise reportada nesta tese.

Apenas a fim de ter um parâmetro de comparação com a literatura de processamento de

palavras, analisamos os efeitos de priming sobre os tempos de nomeação na condição

parcial (TEA-teacup).

Para esse fim, realizamos uma ANOVA (repeated-measures). Os tempos de

nomeação foram definidos como o intervalo entre o início da apresentaçãoo do alvo até a

ativação do gatilho de som acionado pela voz do participante. Qualquer efeito de priming

encontrado nas palavras-alvo servirá também como garantia de que os primes foram lidos e

processados durante a tarefa, já que não temos tempos de nomeação associados a eles.

Resultado. A análise feita sobre a condição de priming parcial revelou um efeito

significativo, indicando que os tempos de nomeação foram menores para os alvos, quando

esses eram antecedidos por um prime dentro das condições experimentais – em oposição a

primes não relacionados [F1(1,4)=11.87, p=0.02)]. Esse resultado é suficiente para indicar

que os primes estavam sendo lidos e processados. BROOKS ET AL.(2013) apresentam

uma análise neurofisiológica do efeito de priming desses mesmos dados, tendo encontrado

clusters significativos no lobo fusiforme posterior e no lobo temporal posterior, áreas

associadas ao fluxo ventral da linguagem (HICKOK & POEPPEL, 2004).

Não encontramos efeitos de interação entre priming e tipo de palavra (transparente,

opaca, nova, ortográfica), havendo apenas uma tendência, de modo que as condições

transparente, opaca e nova tiveram tempos de nomeação marginalmente mais rápidos que a

condição ortográfica [F1(1,4)=2.83, p=0.08]. Essa tendência está de acordo com estudos

anteriores que apontaram facilitação entre palavras compostas e seus constituintes,

independente da transparência semântica (ZWITSERLOOD, 2004).