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EFÉSIOS Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6 INTRODUÇÃO I. AUTORIA E DATA É um fato bem atestado e geralmente aceito que Paulo foi o escritor desta epístola, como afirma o prefácio (cf. 3.1). As circunstâncias do escritor, como são reveladas incidentalmente pelo texto, sugerem que a epístola fosse escrita durante o período em que Paulo esteve preso em Roma (At 28.16; 28.31), visto que fala de si como prisioneiro (4.1) em cadeias (6.20) por amor dos gentios, (3.1). Os amplos conceitos de um habitante do Império que se manifestam nesta epístola confirmam esta idéia. Não se acha revelada nenhuma ocasião especial, nem propósito imediato em escrever a epístola, exceto o fato de que Tíquico levaria outra correspondência para a Ásia (Cl 4.7). O ensejo para escrever se ofereceu, provavelmente, num tempo de lazer, calmo e ininterrupto, que o apóstolo experimentava em sua prisão em Roma -- era pouco mais que detenção em casa (At 28.16 e segs.). Nessa atmosfera sossegada do Império romano, seu pensamento amadureceu e o Espírito lhe revelou, mais claramente que nunca, uma filosofia divina da história do mundo, os altos propósitos de Deus e o destino glorioso da Igreja. Tais pensamentos e revelações haviam de ser expressos; e no tempo vazio de sua longa espera pelo processo (At 28.30), e com a oportunidade de enviar a carta, providenciada pela viagem de Tíquico, Paulo escreve esta nobre obra. Alguns têm pensado que a epístola foi escrita durante sua prisão em Cesaréia (At 23.33; 27.2), mas Roma é muito mais aceita como o

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NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA Intervarsity Press (Leicester, Inglaterra)

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EFÉSIOS Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 3 Capítulo 5 Capítulo 2 Capítulo 4 Capítulo 6

INTRODUÇÃO I. AUTORIA E DATA É um fato bem atestado e geralmente aceito que Paulo foi o

escritor desta epístola, como afirma o prefácio (cf. 3.1). As circunstâncias do escritor, como são reveladas incidentalmente pelo texto, sugerem que a epístola fosse escrita durante o período em que Paulo esteve preso em Roma (At 28.16; 28.31), visto que fala de si como prisioneiro (4.1) em cadeias (6.20) por amor dos gentios, (3.1). Os amplos conceitos de um habitante do Império que se manifestam nesta epístola confirmam esta idéia. Não se acha revelada nenhuma ocasião especial, nem propósito imediato em escrever a epístola, exceto o fato de que Tíquico levaria outra correspondência para a Ásia (Cl 4.7). O ensejo para escrever se ofereceu, provavelmente, num tempo de lazer, calmo e ininterrupto, que o apóstolo experimentava em sua prisão em Roma -- era pouco mais que detenção em casa (At 28.16 e segs.). Nessa atmosfera sossegada do Império romano, seu pensamento amadureceu e o Espírito lhe revelou, mais claramente que nunca, uma filosofia divina da história do mundo, os altos propósitos de Deus e o destino glorioso da Igreja. Tais pensamentos e revelações haviam de ser expressos; e no tempo vazio de sua longa espera pelo processo (At 28.30), e com a oportunidade de enviar a carta, providenciada pela viagem de Tíquico, Paulo escreve esta nobre obra.

Alguns têm pensado que a epístola foi escrita durante sua prisão em Cesaréia (At 23.33; 27.2), mas Roma é muito mais aceita como o

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 2 lugar de origem. A data mais provável que podemos dar-lhe é portanto, 61 A. D.

II. DESTINO Duas séries de fatos se combinam para sugerir que esta epístola

fosse enviada, não a uma igreja em particular, mas a um grupo de igrejas dentro de uma área limitada. O fato de as palavras «em Éfeso» não ocorrerem nos manuscritos mais autorizados e o fato de não figurarem as saudações que usualmente acompanham as epístolas de Paulo a uma igreja onde ele fosse conhecido (como era em Éfeso, onde passou mais de dois anos, At 19.10), sugerem que um círculo de leitores, mais amplo do que uma simples igreja, fosse visado pelo escritor.

Todavia, há indicações de natureza pessoal que parecem confinar a epístola aos limites de uma área relativamente restrita. Refere-se à fé do grupo que Paulo tinha em mente em 1.15 e menciona o fato de que os destinatários sabiam das condições do apóstolo, e simpatizavam com ele (3.13). Esse grupo de igrejas não era, provavelmente, muito diferente daquele ao qual se dirigiu João, em Ap 1.4. Entre elas, a de Éfeso gozava de uma importância capital e é bem possível que esta epístola se tenha tornado muito conhecida, principalmente por meio da circulação de cópia pertencente aos efésios.

III. RELAÇÃO COM COLOSSENSES A relação literária entre esta epístola e a que dirigiu aos

Colossenses é tão próxima que as duas têm sido chamadas «epístolas gêmeas». A metade dos versos de Efésios pode ser encontrada, em linguagem ou em substância, em Colossenses. Cerca de 40 coincidências de pensamento e de linguagem podem ser reconhecidas; contudo, as expressões comuns são tão intimamente relacionadas com a estruturação de cada epístola que é impossível crer que sejam o fruto de imitação, ou de falsificação. Especialmente significante é o fato que, enquanto palavras e frases semelhantes aparecem nas duas cartas, o contexto e a

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 3 associação de idéias são diferentes. As semelhanças que existem entre as duas podem ser explicadas, razoavelmente, pelo fato de as circunstâncias que cercavam o autor terem sido as mesmas em cada caso; as diferenças se explicam, principalmente, nas condições diferentes das pessoas às quais foram endereçadas. Não há, por exemplo, nenhum assunto de controvérsia na epístola geral aos Efésios, como o que se encontra na carta à igreja individual em Colossos (Cl 2.16-23). Se há qualquer precedência cronológica, parece que a carta aos Colossenses foi escrita antes da aos Efésios, porquanto nesta o pensamento comum a ambas é plenamente desenvolvido.

Efésios e Colossenses são muito parecidas em sua estrutura. Cada uma apresenta uma seção doutrinária (Ef 1.1-4.16; Cl 1.1-3.4) e cada uma conclui com uma aplicação prática. A maneira como os tópicos se sucedem, um ao outro, na mesma ordem é digna de observação: a relação de Cristo com a Igreja aparece no primeiro capítulo de cada epístola: são paralelas a referência de Paulo à sua comissão (Ef 3.1-13; Cl 1.23-29), e o sumário da doutrina no fim das seções doutrinárias (Ef 4.1-16; Cl 3.1-4). Nas seções práticas se vêem exortações paralelas contra certos pecados (Ef 4.17-5.21; Cl 3.5-17) e se encontram passagens notáveis sobre relações humanas dentro do evangelho (Ef 5.22-6.9; Cl 3.18-4.1).

PLANO DO LIVRO

Há duas principais divisões na epístola. A primeira parte, caps. 1 a 3, é principalmente doutrinária; a

segunda, caps. 4 a 6, é mormente prática. I. OS DESTINATÁRIOS -- 1.1-2 II. AÇÃO DE GRAÇAS POR BÊNÇÃOS SOBRE TODA A IGREJA -- 1.3-14 III. AÇÃO DE GRAÇAS PELO ESTADO ESPIRITUAL DOS LEITORES -- 1.15-23

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 4 IV. SUA RELAÇÃO (COMO PECADORES) COM CRISTO -- 2.1-16 V. SUA RELAÇÃO (COMO GENTIOS) COM OS JUDEUS -- 2.11-22 VI. O MISTÉRIO DO EVANGELHO -- 3.1-21 VII. A UNIDADE DO ESPÍRITO -- 4.1-16 VIII. ELEMENTOS ÉTICOS DA VIDA CRISTA -- 4.17-5.21 IX. RELAÇÕES CRISTÃS NA VIDA FAMILIAR -- 5.22-6.9 X. A GUERRA ESPIRITUAL -- 6.10-20 XI. CONCLUSÃO -- 6.21-24

COMENTÁRIO Efésios 1 I. OS DESTINATÁRIOS - 1.1-2 Nas frases iniciais desta inconteste epístola, Paulo expõe, muito

simplesmente e sem ênfase especial, sua autoridade como escritor. Ele se fundamenta na graça imerecida outorgada por Deus que o fez um apóstolo... pela vontade de Deus (1). Essa é sua autoridade suprema; em outros contextos, ele se estriba nela plenamente, e com razão (1Co 9.1; 15.8; 2Co 12.11; Gl 1.1).

Santos (1). A conotação de então era diferente do significado especial de hoje. Em seu uso moderno, o vocábulo se refere à aquisição de um grau extraordinário de santidade; no Novo Testamento se aplica, simplesmente, a alguém que for santificado pelo Espírito (1Co 6.11), como todos os verdadeiros crentes o são. Todo crente sem exceção, é, portanto, um santo e deve viver como tal. Os crentes do Velho Testamento eram também «santos»; os leitores, aqui visados, portanto são especificamente definidos como os fiéis em Cristo Jesus.

A epístola começa com uma bênção em termos do favor, não merecido, de Deus aos homens e a paz que este favor outorga ao

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 5 coração. Esta é a forma usual da saudação paulina. Paulo se deleitava em usar a saudação composta de graça e paz, que une a saudação comum dos gregos 'graça', com a dos hebreus, 'paz'.

A conexão das frases do Senhor Jesus Cristo e de Deus nosso Pai (2) deveria ser considerada como inconcussa evidência da divindade de Cristo. Tais alusões incidentais, fazendo-O 'igual a Deus' (Jo 5.18) nos fornecem evidências muito valiosas.

II. AÇÃO DE GRAÇAS POR BÊNÇÃOS SOBRE TODA A

IGREJA - 1.3-14 O desenvolvimento invencível do inspirado pensamento apostólico

passa, rapidamente, além dos frágeis limites da rígida análise gramatical e apresenta, como nenhum processo lógico o poderia fazer, uma concepção de coisas patentemente divinas em origem. Ele revela a profundidade e sublimidade imensuráveis do seu pensamento. Devido à natureza geral deste, as sentenças de Paulo, aqui, são privadas do elemento muito intenso dos seus escritos costumários, a saber, o uso do pronome pessoal como sujeito. Compare, por exemplo, o calor da saudação pessoal em 1Ts 1.2; 2Ts 1.3; Gl 1.6; Cl 1.3; Fp 1.3. O paralelo mais próximo que temos se encontra em 2Co 1.3-11; o elemento pessoal, porém, aparece mais fortemente ali e os conceitos são, em geral, mais comuns. Este parágrafo (1.3-14), é formado por três estrofes em prosa: o propósito do Pai (3-6); a redenção do Filho (7-12); e o selo do Espírito (13-14).

Características salientes se destacam neste parágrafo. As três Pessoas da Trindade aparecem em ordem: o Pai, no verso 3; o Filho (o Amado), no fim do verso 6; e o Espírito Santo, no verso 13. Pensamentos são expressos com respeito a cada um, em versículos separados, que, em todos os casos, finalizam com o refrão para louvor e glória da sua graça, ou para louvor de sua glória. A vontade de Deus é salientada pela reiteração dos versos 5,9,11 (cf. verso 1). A frase

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 6 central é o mistério da Sua vontade, no verso 9; e este mistério encontra expressão no verso 10, «de fazer convergir nele todas as coisas» (ARA).

a) O Propósito do Pai (1.3-6) A repetição significativa da preposição em deve ser notada. A

doxologia do verso 3 é também encontrada em 2Co 1.3; 1Pe 1.3. Este versículo forma o texto do qual os vv. 4-14 são uma ampliação expositiva.

Bênçãos espirituais (3) São típicas do Novo Testamento. As bênçãos do Velho Testamento eram, em geral, temporais (cf. Dt 28.3,5).

Lugares celestiais (3); não há, no original grego, substantivo («lugares») que o adjetivo «celestiais» modifique. A expressão é vaga, não com a indeterminação da incerteza, mas por ser a descrição de coisas que ultrapassam nossa plena compreensão. O uso do termo é limitado a esta epístola (veja também 1.20; 2.6; 3.10; 6.12). Compilando o sentido de diferentes passagens em que o termo aparece, achamos que se refere à esfera das bênçãos espirituais (1.3), onde Cristo está agora assentado, acima de toda e qualquer autoridade (1.20), e até onde os crentes têm sido elevados (2.6) para manifestação da glória de Deus (3.10). Mas, não é uma esfera de perfeita paz e gozo, pois é habitada pelas «hostes espirituais maldade», contra as quais o crente tem, incessantemente, de lutar (6.12). A interpretação mais próxima a que podemos chegar é a seguinte: o termo refere àquele reino das realidades espirituais em que as grandes forças do bem e do mal combatem; em que, também, Jesus Cristo está assentado soberanamente, e nós simbolicamente, nele. É o reino da experiência espiritual -- não um lugar físico, mas uma esfera de realidades e experiências espirituais. De Cl 1.20 deduz-se que o pecado tem introduzido desordens nas regiões celestiais. Quão vasto é o escopo do evangelho na visão de Paulo! A imensidade cósmica dessas verdades deve dinamizar, em nós, o poder do evangelho.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 7 A expressão em Cristo (3) foi de origem judaica, no sentido em

que «Cristo», se refere ao Messias dos judeus. Mas nos escritos de Paulo, seu sentido é muito mais extenso do que o do Messias judaico. Para Paulo, «Cristo» abrange o Messias da profecia, o Jesus da história e o Senhor da glória que lhe tinha sido revelado na entrada de Damasco (At 9). Para Paulo, o conceito de Jesus como homem terrenal, apresentado tão vividamente nos Evangelhos, tinha sido tão completamente sublimado por aquele do Senhor ressuscitado, sobre o qual ele se expressa nos termos notáveis de 2Co 5.16. A preposição em expressa, com uma simplicidade insondável, a união que existe entre Cristo e os crentes; expressa muito mais do que podemos compreender ou apreciar, e sugere-nos algo da profunda subjetividade dessa união mística (veja Gl 2.20). O pleno propósito de Deus este respeito é declarado no verso 10.

A exposição do verso 3 nos versos 4-14 não se faz por um processo de refinada trituração, pois a ampliação é tão rica e profunda como o texto. As tremendas verdades da eleição e do eterno propósito de Deus são apresentadas a seguir.

Assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo (4) -- o fato da eleição era bem conhecido, e uma fonte de orgulho para cada judeu, pois este se tornava membro do povo escolhido do Velho Testamento. Aqui Paulo se refere a um princípio de seleção que já estava em evidência na obra da providência divina, e que agora se mostra num quadro maior; nunca mais seria limitada, como outrora, ao povo judeu, mas agora abrange também todos os crentes em Cristo. Do mesmo modo como Israel foi o povo eleito de Deus no Velho Testamento, os cristãos o são no Novo. A eleição é mal compreendida quando considerada do ponto de vista intolerante e egoísta; é preciso contemplá-la, tendo em consideração o objetivo do verso 9.

Antes da fundação do mundo (4) este pensamento nos leva além do tempo, até a eternidade. Esse novo povo, a igreja cristã, não é o resultado do oportunismo precipitado e temporal, mas faz parte do eterno propósito de Deus, tão bem como o povo de Israel. O Cristianismo não é

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 8 uma inovação, mas toma o seu lugar na continuidade do plano divino. Compare «antes da fundação do mundo» (i. e., desde a eternidade, em 1Co 2.7) e «antes dos tempos eternos!», (em 2Tm 1.9; Tt 1.2).

O objetivo dessa eleição é o seguinte: sermos santos e irrepreensíveis perante Ele em amor (4). O ideal, quanto ao crente individual, é a santidade. Para os aspectos mais amplos, veja os vv. 6 e 10. Toda esta grande obra de Deus foi feita em amor; e o alvo divino é inculcar, em nós, aquele santo amor que labutou por nós.

Paulo dá relevo, mais adiante, ao fato de que não há nenhum destino fatal na vida do crente, quando ele fala em Deus que «nos predestinou para Ele, para adoção de filhos por meio de Jesus Cristo» (5). A filiação que o homem recebeu de Deus, em virtude de ser criado à imagem divina (Gn 1.26 e segs.), requeria renovação depois da queda. Esta renovação foi, antes de tudo, completada no Filho de Deus encarnado (compare «imagem», em Gn 1.26 e segs. e Hb 1.3) e, então, naqueles que estão «nEle», pela fé. A filiação se verifica através da regeneração e da adoção: enquanto o novo nascimento altera nossa natureza, a adoção altera nossa relação com Deus. Ambas se nos tomam possíveis por Jesus Cristo (5), isto é, por sua obra redentora. Deus fez tudo isto segundo o beneplácito de sua vontade; a frase engloba a primeira e última expressão do propósito eterno, e além disso não podemos ir. O fim que Deus almeja em sua majestosa obra é a glória de sua graça (6).

b) A Redenção do Filho (1.7-12) Eis a exposição mais sublime jamais formulada do pleno propósito

de Deus. Muito do Novo Testamento é expresso em termos mais familiares ao judeu que a qualquer outra nacionalidade, porque são os termos de sua antiga religião.

A Redenção (7) encontra sua principal ilustração histórica no êxodo do Egito, que marca o nascimento do povo hebreu como nação. A

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 9 redenção operada por Cristo também criou um novo povo, e esta redenção foi conseguida ao preço da sua morte, isto é, do seu sangue, como diz o verso 7. Há, por implicação, um estado de escravidão: no Velho Testamento, os israelitas são levados cativos pelos egípcios; no Novo Testamento, todos os homens são cativos do pecado e de Satanás. A redenção é o livramento do cativeiro (veja Êx 12.7,13; Hb 9.12). O perdão (7) é tão central na experiência cristã que é mencionado aqui como o aspecto chave. As magníficas dimensões de todo o plano da graça abrangem nada menos que as riquezas (7) de Deus, proporcionando-nos o dom de sabedoria, que dá percepção da realidade; e o de prudência, que nos guia no caminho certo quanto à ação (8). Os capítulos 1-3 desta epístola demonstram esta sabedoria; os capítulos 4-6 tratam do aspecto prático da prudência.

O mistério da Sua Vontade (9). A palavra «mistério» no Novo Testamento não tem o seu significado moderno de alguma coisa curiosa e ininteligível, mas sim de algo inescrutável à razão humana, que agora se tornou objeto da divina revelação. Este segredo divino agora se revelou. Veja as notas sobre Cl 1.26. Propusera em si mesmo (9) ARC; melhor, «que propusera em Cristo» (ARA), por cuja obra o mistério se efetuou.

Dispensação (10), lit. administração, mordomia (gr. oikonomia); nos termos do assunto em apreço, refere-se à execução pelo Filho dos propósitos do Pai, quando o tempo era oportuno, i. e., na era do evangelho. Congregar em Cristo todas as coisas (10) (Fazer convergir nEle todas as coisas - ARA), indica a totalidade do universo e não simplesmente a igreja, como no verso 23; cf. Cl 1.18. Esta totalidade final se verificará sob Cristo, como Cabeça: esta é a verdade secreta, o mistério que agora é revelado. Assim serão levadas a um fim, as discordâncias e confusões do mundo. Mas, isso será alcançado somente em Cristo. Esta verdade se relaciona com Jo 1.3, «todas as coisas foram feitas por Ele» e com Cl 1.16 e segs., tudo foi criado «por Ele e para Ele; todas as coisas subsistem por Ele» (ARA: nEle). A unidade quebrada

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 10 deve ser restaurada no fim e aquela restauração será efetuada através de Cristo. Quão longe Ele estava, pois, de ser meramente o Messias nacional da expectação judaica! Mesmo o título «o Salvador do mundo» não lhe é designação adequada. Ele é o Salvador do Universo. Veja também Rm 8.18-25.

No verso 11, Paulo volta a um assunto mais vulgar; trata-se dos judeus (11), dos gentios (13) e depois de ambos (14). Ele mostra, desta maneira, o lugar do judeu e do gentio no propósito de Deus. Baseia-se em termos da Escritura judaica, com a qual ele e muitos dos seus leitores, tinham uma perfeita familiaridade. Segundo o conselho da Sua vontade (11). Tudo não está realmente à mercê da vontade dos homens. Faz todas as coisas, ou melhor, «opera em»; assim o propósito divino é realizado, não por constrangimento externo, mas pela operação no coração.

Que de antemão esperamos (12) (ARA); uma referência à prioridade cronológica dos cristãos judeus sobre os cristãos gentios (cf. Rm 2.10). Todos os primeiros cristãos, ao que sabemos, foram judeus; e a admissão dos gentios foi considerada uma novidade. Veja At 10 e 15.

c) O Selo do Espírito Santo (1.13-14) Havendo indicado a prioridade histórica dos cristãos judeus na

Igreja, Paulo se apressa a incluir os gentios, pois a maioria dos seus leitores, na Ásia Menor, não seria de judeus. Mesmo os leitores gentios, eram também escolhidos de Deus, e tendo ouvido a Palavra da verdade, creram; e a realidade da sua conversão e aceitação é assegurada pelo poder do Espírito que operou neles; eles foram selados com aquele Santo Espírito da promessa (13). Isto era, também, uma parte da antiga promessa de Deus (veja Gl 3.14; At 2.38; 10.47). O dom do Espírito Santo aos gentios foi tanto o meio pelo qual Deus autenticou as conversões gentílicas de então (At 10.47), como sua antecipação do

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 11 cumprimento de bênçãos no futuro. Essas bênçãos são descritas de duas maneiras. Primeiro,

Paulo usa uma metáfora da vida mercantil, o penhor da nossa herança (14), que se refere a um penhor colocado em depósito, por um tempo, e depois resgatado; mais tarde o vocábulo veio a significar uma prestação, e a prova da natureza fidedigna dum contrato. Em segundo lugar, ele diz aos seus leitores, “Vós fostes selados até ao resgate da Sua propriedade” (ARA). A completa emancipação do povo de Deus ainda está no futuro (Ml 3.17), mas é certa, pois eles estão em Cristo e são selados nEle pelo Espírito Santo. O refrão em louvor de Sua glória, ocorrendo pela terceira vez, encerra essa maravilhosa doxologia.

III. AÇÃO DE GRAÇAS PELO ESTADO ESPIRITUAL DOS

LEITORES - 1.15-23 Por isso (15): estas duas palavras reúnem, em si, toda a revelação

do propósito de Deus, manifesta nos versos anteriores (3-14). Essa revelação mostra a fé como parte de um imenso todo, infracionado, de modo que Paulo não pode senão dar graças por vós (16). O interesse de Paulo focalizava a fé e o amor dos seus leitores... (15). Paulo sempre olhava para essas evidências do estado espiritual dos crentes com a mais ardente paixão (veja Rm 1.8. Cl 1.4 n.; 1Ts 1.13; 2Ts 1.3 e Fm 5). Nós também devíamos nos concentrar mais no crescimento da fé e do amor, do que no mero sucesso externo da nossa organização eclesiástica.

Não cesso de dar graças por vós (16). As orações de Paulo eram particulares e francas, e nelas havia menção direta das Igrejas e dos crentes pelos quais ele se interessava. (Rm 1.9; 1Ts 1.2; Fm 4). A suprema importância que Paulo atribui à oração e ao conseqüente estímulo na vida espiritual são indicados pelo nome que ele dá a Deus (17). Embora orasse muito, Paulo nunca levou a oração ao desprezo, por um espírito de familiaridade negligente ou irreverente. Ele acha inspiração e esperança na relação entre Jesus Cristo e Deus, o Pai, a

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 12 quem pertence toda a glória. Sua oração roga, para os crentes, um dom especial do Espírito Santo, em relação ao conhecimento: um espírito de sabedoria e de revelação, isto é, não o conhecimento em geral, mas o conhecimento dele. Revelação aqui significa «tirar o véu» (cf. 2Co 3.12-17). Paulo ora, aqui, para que a experiência que já lhe havia sido dada (Ef 3.3) fosse concedida aos seus leitores. A fé elementar não é suficiente para as etapas mais avançadas da vida cristã. A gratidão de Paulo no verso 15 não exclui a oração dos vv. 18 e seguintes. É propósito de Deus que o conhecimento e outras qualidades lhes sejam acrescentadas (veja 2Pe 1.5).

Os olhos do vosso entendimento (18); compare a ARA “os olhos do vosso coração”. Tal sabedoria é muito além do mero conhecimento intelectual. A mente só não pode alcançar a verdade de Deus; o coração do homem, com suas emoções, especialmente a vontade, devem todos estar consagrados àquele alvo. De outro modo, a parte essencial da revelação divina se ofusca ao estudioso, deixando-lhe somente uma estrutura insatisfatória e incompreensível de conhecimentos bíblicos. Este fato explica a infertilidade de muito estudo intelectual das Escrituras.

Para saberdes (18): Paulo analisa sua petição para os leitores em três cláusulas: a primeira se refere ao passado; i. e., ao chamado de Deus, contemplado do prisma inalterável do qual nossa segurança depende. O crente repousa, não sobre sua imperfeita aceitação do chamado de Deus, mas sobre o fato de que aquilo que ele ouviu e abraçou é a voz de Deus, o Pai da glória (cf. 1Ts 5.24). A segunda cláusula se refere ao futuro, ao destino glorioso do crente, às riquezas da glória da sua herança dos santos (18). O ponto de vista é ainda o mesmo: não é o aspecto da herança do crente que está em vista, mas «as riquezas da glória» da herança de Deus em seu povo. Novamente, como no verso 11, a idéia é aquela de Dt 32.9. A terceira cláusula se refere ao presente; o poder que opera agora no crente, e em seu favor, não é nada menos que «a força de

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 13 Seu poder que Ele exerceu em Cristo» quando O ressuscitou e O exaltou (19-23).

Com respeito aos lugares celestiais (20), veja 1.3 n O verso 21 engloba todas as distinções, títulos e poderes do mundo

espiritual: tudo, sem exceção, é colocado sob o Cristo exaltado (cf. 1.16 n.) A seqüência de pensamento que se encontra aqui, pode ser traçada através das Escrituras, desde a promessa original feita por Deus a nossos primeiros pais no Jardim do Éden (Gn 1.26), e, depois, na renovação profética da promessa em Sl 8.4-5 (cf. verso 22), até o inspirado comentário sobre ela em Hb 2.6-9. Somente em Cristo pode a humanidade alcançar o destino prometido. Através de suas epístolas, Paulo dá relevo a dois pontos com respeito à relação entre Cristo e a Igreja, a saber, união e chefia: Cristo e seu povo são um, e Ele é o cabeça. Esta verdade notável é expressa pela metáfora de um corpo humano (23) no qual o bem-estar depende da união da cabeça e do corpo, e também do governo do corpo pela cabeça (cf. Cl 1.18 n.). Numa descrição subseqüente da Igreja, como a plenitude daquele que a tudo encerra em todas as coisas (23) Paulo ensina que Cristo não é completo sem ela. Isto é verdade, não por causa de qualquer lacuna na santa Trindade que a Igreja preencha, mas simplesmente pela vontade de Deus Pai que deu o Filho à igreja para ser o cabeça sobre todas as coisas (23). Como Ele é o cabeça da Igreja, assim a Igreja é o seu complemento.

Efésios 2 IV. SUA RELAÇÃO (COMO PECADORES) COM CRISTO - 2.1-10 Em seus mais altos rasgos de inspiração e oratória Paulo nunca

perde a visão do fim prático que tinha em mira, que é o bem-estar espiritual dos seus leitores. Assim, ele volta aqui, na contemplação da glória do Senhor exaltado, para considerar as necessidades prementes

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 14 daqueles a quem se dirige. O principal verbo da sentença inicial se encontra no verso 5: nos deu vida. O teor do pensamento é de algum modo interrompido por uma longa explanação do que significa mortos (1) e as implicações do estado no qual o termo se refere (2-3). Não é uma condição física, mas o estado espiritual dos vivos produzido pelos delitos e pecados (1); ainda que inclua também morte física, que é a penalidade do pecado (Rm 6.23). Aquele estado aponta para a necessidade da regeneração ou do novo nascimento (Jo 3.3) e da vida mais abundante (Jo 10.10). Sua origem se encontra na queda do homem e em sua conseqüente separação de Deus (Gn 3); sua cura está na união com Cristo (5). Os leitores poderão apreender melhor o que Paulo quer dizer, consultando a sua própria experiência no passado, quando o curso da sua vida era governado pelo próprio mundo, o que lhes parecia perfeitamente natural, inevitável e justo àquele tempo (2). Não era reconhecido, porém, o impulsionador da vida não regenerada que foi o próprio Satanás, o príncipe das potestades do ar, a força controladora do curso deste mundo. A autoridade de Satanás não é suprema, pois esta pertence só a Deus; aquele exerce sua autoridade por permissão divina (cf. Jó 1). Uma parte do significado da queda é que a humanidade, até então sob o controle e a orientação de Deus, passou doravante ao domínio espiritual e direção de Satanás. Visto que esse governo do mal tem sido há tanto tempo a norma de conduta entre os homens naturais, sua origem não é mais percebida, mas é simplesmente chamada «a natureza humana». Entretanto, torna-se patente aqui, sem oferecer desculpas para o homem, que as forças espirituais da maldade governam o mundo natural: essas forças se definem como o espírito que agora atua nos filhos da desobediência (2). Não é de admirar, portanto, a história passada, o estado presente, e a perspectiva futura do homem, numa palavra, o curso deste mundo. Na verdade, não fosse a intervenção de Deus e unicamente isso, uma catástrofe irremediável teria, há muito tempo, destruído a humanidade (veja 2Ts 2.7).

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 15 Esta é uma doutrina sem dúvida muito severa, dolorosa e

humilhante. Por conseguinte, Paulo procura aliviar a tristeza que ela possa causar e, participa dessa mágoa, trocando o vós andastes do v. 2, (que se refere aos gentios), pelo nós andamos no verso 3 (que inclui a raça especialmente favorecida dos judeus). Entre os quais todos nós andamos outrora (3); uma tremenda admissão a ser feita por um judeu, mas Paulo havia aprendido de Cristo de tal maneira que apresenta sua confissão, não com relutância, mas como um dos fatos mais profundos da revelação divina.

Por natureza filhos da ira (3); i. e., da ira de Deus. A expressão é judaica, asseverando a depravação essencial da natureza humana, que se seguiu à «queda do homem», comumente chamada «pecado original».

O quadro sombrio que Paulo pinta do homem, cujo estado natural fica sob este domínio, agora serve como pano de fundo contra o qual as gloriosas riquezas da misericórdia de Deus são expostas (4). Depois das frases vós e nós todos, segue-se mas Deus; nada -- a não ser a intervenção de Deus -- pode reorientar a vida do homem para evitar o irreparável desastre, e assegurar-lhe um nobre destino.

Misericórdia e amor (4): os atributos que impulsionaram Deus a nos ajudar; nunca se encontrou sugestão alguma de que houvesse algo no homem caído que instigasse a obra redentora de Deus. O supremo motivo é aquele de Jo 3.16; seu grande amor, (ARA).

A grandeza do amor divino é salientada pela repetida menção da queda do homem e sua condição natural arruinada: estando nós mortos em nossos delitos (5). A bênção comunicada ao homem, pela obra de Cristo, é a da nova vida, porquanto os mortos precisam ser vivificados antes que qualquer coisa possa ser feita para eles, ou por eles. Como Jesus afirmou a Nicodemos: «Necessário vos é nascer de novo» (Jo 3.7). É somente pela união com Cristo que os homens podem ter vida nova: eles são ressuscitados, não por si mesmos, mas juntamente com Cristo; tudo em nossa redenção depende de termos uma relação estreita e vital com Ele, que fez todas as coisas por nós: Sua parte não falhará; nossa

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 16 parte é simplesmente ir a Ele. Aqui, portanto, Paulo interpõe uma cláusula em que o verbo está no perfeito, para indicar que nossa salvação, em sua totalidade, é devida ao livre favor de Deus. Este pensamento, implícito na frase «estando mortos nos vivificou»; é central em todos os escritos de Paulo.

Em frases paralelas às de 1.20, Paulo expressa agora os passos na obra de Deus em nosso favor (6). Como Cristo morreu por nós, também Ele ressuscitou da morte por nós, e por nós subiu ao alto; e assim é que o cristão pode dizer, com acerto «Estou crucificado com Cristo» (Gl 2.20), assim também lhe é revelado que participa na ressurreição e na ascensão de Cristo. É fácil demais pensar nesses eventos da ressurreição, da ascensão e da entronização, associando-os somente a Cristo. Aqui vemos que tal conceito é inadequado. Enquanto essas experiências são ainda objetos de esperança para nós, Jesus, de modo real, as tem experimentado e possuído por nós. A obra de Cristo é a nossa salvação e se aplica não somente a nós, mas também a um ambiente mais amplo e mais vasto (7). Muito além do tempo e das condições em que vivemos agora, Deus propõe mostrar a suprema riqueza da sua graça, em bondade, para conosco em Cristo Jesus. Sua graça e misericórdia para conosco serão guardadas em eterna lembrança. A frase «em Cristo Jesus» retém a idéia penetrante de união com Cristo.

Paulo, novamente, salienta a grandeza do amor de Deus, em empreender a obra da salvação do homem: é inteiramente pela graça (8). A palavra isto tem ocasionado alguma controvérsia por causa da dificuldade em determinar a sua conexão gramatical. Muitos consideram que se refere à fé e, conseqüentemente, a fé tem sido chamada o dom de Deus. É possível, porém, que a forma neutra de isto reúna o sentido total da cláusula pela graça sois salvos, mediante a fé.

Não das obras (9): define melhor o sentido de não vem de vós (8). A tendência, quase inextirpável no homem natural, de ufanar-se não tem lugar no plano divino da salvação. A idéia deste versículo é ilustrada e ampliada em Rm 4.1-5.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 17 Pois somos feitura dele (10). Da mesma maneira em que as

palavras do Sl 100.3 se referem, em termos semelhantes, à primeira criação do homem, Paulo aponta aqui para a recriação do homem em Cristo Jesus, como sendo uma obra totalmente divina. Para a idéia de uma nova criação, veja 2Co 5.17 e Gl 6.15. Paulo, apesar de não dar lugar às obras no tocante à regeneração (veja Rm 4), insiste em que elas têm seu lugar essencial na vida do crente como fruto da regeneração: criados em Cristo Jesus para as boas obras. Compare Tg 2.14 e segs. Não há discordância entre Paulo e Tiago, mas apenas uma diferença de ênfase. As obras a respeito das quais Paulo fala neste verso não são inventadas pelos crentes, mas dadas pela direção de Deus, que “de antemão as preparou para que andássemos nelas” (ARA). O cristão deveria orientar sua vida dentro de linhas divinamente planejadas, seguindo um modo de viver preparado por Deus. Este é o verdadeiro plano para a vida verdadeira.

V. SUA RELAÇÃO (COMO GENTIOS) COM OS JUDEUS - 2.11-22 Portanto, lembrai-vos (11): aponta para uma série de

pensamentos que pareciam mais significantes para Paulo do que para qualquer outra pessoa, pois ele estava na vanguarda na longa luta pelo reconhecimento dos cristãos gentios em pé de igualdade com os cristãos judeus. Seus leitores sabiam, sem dúvida, algo dessa luta. Deviam, de modo especial, esses leitores - os gentios na carne, seu lugar na Igreja cristã, aos esforços de Paulo. Sem ele podiam ter sido relegados, pela Igreja primitiva, a um estado de subordinação, ou mesmo obrigados a formar uma Igreja cristã dos gentios, separada e secundária. Neste verso, Paulo explica a grande divisão que eles experimentavam nos seus dias de impenitência, fazendo-os relembrar o que eram no passado, em contraste com o que são agora. Como gentios, chamavam-se a «incircuncisão», não tendo no seu corpo o sinal do concerto: este é o significado da

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 18 expressão gentios na carne (11). Seu maior prejuízo resultou, não da sua separação do Judaísmo, mas da de Deus.

Sem Cristo (12); antônima de «em Cristo», sendo este o tema principal desta epístola. Os judeus tinham esperança nos concertos da promessa (do Messias; cf. At 13.32 e segs.), mas os gentios não tinham esperança alguma. O mundo sem Deus é um mundo sem esperança; a vida ateísta é uma vida desesperada. É somente aqui, em o Novo Testamento que se usa a palavra atheos, sem Deus (12). Tais pessoas estavam sem Deus, não como tendo sido abandonados por Ele (pois não o foram), mas no sentido de não o conhecerem nem confiarem nEle. Que verdade séria é, que todos os que não estão «em Cristo» são realmente ateístas aos olhos de Deus. Quão grande inspiração isto deve ser para que espalhemos o evangelho! Por outro lado, eles estavam no mundo (12), como os cristãos estão «em Cristo». E naquele mundo estavam seu tesouro e seu coração (veja Mt 6.19-21,23).

Mas agora em Cristo Jesus (13). Um contraste semelhante se encontra no verso 4: «Mas Deus». Já foi descrita sua condição, quando seus interesses estavam centralizados no mundo e eles estavam «separados de Cristo»; mas agora se apresenta a sua nova condição em Cristo Jesus. Os termos longe e perto se repetem no verso 17, em um contexto que relembra Is 57.19 (cf. Dt 4.7). Os que estão longe são os gentios; os que estão perto são os judeus. O sangue de Cristo, se refere, em 1.7, à redenção. Aqui ressalta o seu efeito em juntar os que o pecado havia separado por uma parede de ira e de ódio. Somente no sangue de Cristo podem os homens e as nações achar a solução verdadeira, a única possível e praticável, daqueles problemas de raça e de classe que afligem o mundo. A figura usada é comum no Velho Testamento, onde cada pacto e concerto entre Deus e o homem foi realizado por um sacrifício. Sobre o plano individual, veja Gn 15: sobre o plano nacional, Êx 24. Veja também Mc 14.24.

Parece que no verso 14, Paulo desenvolve a idéia de Is 57.19, de onde tira o conceito de paz ali encontrado, aplicando-o à pessoa do

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 19 Senhor Jesus. A ação do Salvador é vista aqui em juntar aqueles que de há muito se conservavam à parte, por causa do orgulho e do ódio, e esta união é efetuada, não meramente pelo ato externo de Cristo, unicamente, pela comunhão mútua com Ele. Pois Ele é nossa paz e essa união é tão íntima, que as duas partes se tornam uma. Ela não consiste em um mero armistício, é uma paz duradoura.

A parede de separação (14) é uma metáfora significando tudo o que separava os judeus dos gentios, e deve sua eficácia à existência de uma real parede no templo que separava o pátio dos gentios, o mais exterior, acessível somente aos gentios, daqueles pátios interiores que eram privativos aos judeus. Foi encontrada, nos escombros do antigo templo de Jerusalém, uma das pedras inscritas desta parede, sobre a qual é legível ainda a ameaça de morte, contra o gentio que a tentasse transpor. Do modo como essa parede no templo era uma barreira física entre judeus e gentios, assim a lei mosaica dos mandamentos na forma de ordenanças (15) constituía o elemento significativo em sua separação moral (e também na separação entre os homens e Deus).

Mas, quando Cristo foi crucificado, o véu do templo se rasgou em dois, o que representa o fim das ordenanças legais como sistema de vida do crente, e possibilitou acesso direto a Deus, tanto para os judeus como para os gentios (cf. verso 18 com Hb 10.19). Note a passagem paralela em Cl 2.14, onde a mesma idéia se expressa em termos diferentes. No verso 14 temos a frase fez de ambos um; mas no verso 15, desenvolve-se mais ainda o pensamento, que introduz o conceito da nova criação. Os dois são o judeu e o gentio. O novo homem é o cristão. Até aqui o conceito de unidade tinha em vista o reatamento depois do rompimento entre judeu e gentio, mas agora inclui a renovação de comunhão entre os homens e Deus pela obra expiatória de Cristo. Mediante esta nova criação há paz; e o mundo está verificando, constantemente, que essa paz não se consegue por outro modo.

A reconciliação efetuada por Cristo é descrita no verso 16 como afetando a ambos, i. e., aos dois grupos do verso 15. A expressão em um

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 20 corpo (16) é paralela à anterior «novo homem». No Calvário, Jesus pôs fim ao grande obstáculo da paz, que é a inimizade, destruindo-a pela cruz. Esta verdade se aplica à inimizade entre homem e homem e, principalmente, entre o homem e Deus. O pensamento de Is 57.19 ainda se reflete na mente do escritor.

Vindo (17): não se refere à encarnação, mas à proclamação da paz que havia sido garantida pela obra de Cristo, descrita nos vv. 14-16. Esta pregação de Cristo, a vós outros que estáveis longe (gentios) e aos que estavam perto (judeus), foi realizada pelo Espírito Santo, através dos apóstolos e mestres. Ela veio a ambas essas grandes divisões da humanidade pela operação do Espírito Santo (18), que levou tanto o judeu como o gentio, num só corpo (16), ao Pai, pela virtude da obra sacrificial de Cristo.

Os forasteiros (19) (peregrinos, ARA) constituíam uma classe de residentes reconhecidos pela lei, que recebiam certos privilégios definidos. O próprio nome, porém, sugere que sua posição não era permanente; eram tolerados como residentes, mas não tinham direitos como cidadãos. Esta podia ter sido a posição permanente dos gentios na igreja, se não tivesse triunfado a prestigiosa advocacia do próprio Paulo. Santos (19): usa-se o termo em seu significado essencial de um povo santo e separado em virtude do seu chamado. Era termo cobiçado entre os judeus; mas aqui, Paulo lhe dá um sentido mais amplo, referindo-se à Igreja Cristã, visto que ela herdou tanto as promessas como os privilégios do Judaísmo (veja 1Pe 2.9).

A metáfora política dá lugar agora à doméstica. A família de Deus (19), como figura da igreja, refere-se a uma comunhão mais íntima e pessoal do que a que existe na vida política: eles eram membros de uma só família. A figura muda novamente de modo natural, da família para a estrutura da casa, em si.

Nessa estrutura os apóstolos e profetas são as pedras fundamentais (20), enquanto a principal pedra da esquina é o próprio Jesus Cristo. Outros aspectos da mesma verdade se apresentam no uso de igual

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 21 metáfora, embora de um modo um pouco diferente, em 1Co 3.11, cf. Is 28.16. Para a relação do novo edifício com o velho, veja At 15.16 e segs., e Am 9.11. É preciso lembrar que as metáforas expressam apenas alguns aspectos da verdade, e que muitas figuras são necessárias para rematar o quadro completo.

O significado do verso 21 se deriva da palavra grega usada para templo. Há, no Novo Testamento, duas palavras que se traduzem por «templo»: naos, a parte mais central do santuário; e hieron, todas as construções dentro das paredes externas. O uso de naos aqui indica o sentido seguinte de ARA: «no qual todo edifício (dentro do recinto sagrado) cresce ou forma parte do santuário». Muitas autoridades ainda preferem a interpretação da ARC, que traduz assim: «no qual todo edifício (i. e., do próprio santuário) cresce (à medida que cada crente é acrescentado à estrutura, conforme 1Pe 2.4) para templo santo do Senhor». Neste caso, somente o naos surge na figura. A expressão no Senhor substitui a «em Cristo», que ocorre tão freqüentemente nos primeiros versos. Sente-se a influência das concepções do Velho Testamento. Até aquele tempo, os judeus se orgulhavam do fato de Deus morar entre eles (Êx 25.8); mas agora os cristãos, sendo participantes da crescente Igreja, são «uma habitação de Deus, no Espírito» (22 ARA).

Efésios 3 VI. O MISTÉRIO DO EVANGELHO - 3.1-21 Agora Paulo volta à questão do mistério (3; cf. 1.9 e seg. e veja Cl

1.26 n.), referindo-se, com ênfase especial, à única relação produzida na sua própria experiência. O argumento começa no primeiro verso, sendo interrompido logo no fim do mesmo e prosseguindo somente no verso 14, com a expressão por esta causa. Os versos intercalados constituem, logicamente, uma digressão, que contém os mais nobres e majestosos sentimentos de coisas sublimes. Paulo inicia sua tese, mas a lembrança

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 22 da maneira em que o mistério foi revelado a ele, «o menor de todos os santos» (8), empolga sua atenção.

O pensamento expresso na frase o prisioneiro de Jesus Cristo (1), mitigou toda a experiência do apóstolo como aprisionado - experiência esta a que um homem tão ativo e ardoroso se adapta dificilmente. Aceitando-a, embora árdua, como a vontade do seu Mestre, ele a aproveita do melhor modo e, através dessa circunstância, glorifica e serve ao seu Senhor. Paulo, calmamente, lembra a seus leitores gentios de que sua prisão, instigada por inimigos judaicos, resultava de ter advogado plenos direitos de liberdade para os gentios na Igreja Cristã. Os únicos enredados na situação, a quem não menciona, são os carcereiros romanos, presentes com ele. O sentido da cláusula condicional, no verso 2, pode ser expresso pela frase coloquial «certamente vós tendes ouvido». Muitos dos seus leitores nunca o tinham visto, mas as notícias de seu trabalho, e especialmente, da revelação central de que ele foi feito ministro, se haviam espalhado em toda parte.

Graça (2); não a graça da salvação individual, mas aquela do evangelho na sua plenitude, a qual Paulo tinha recebido pela revelação de Deus. Este evangelho não era o produto de sua própria imaginação, nem uma tradição herdada de seus antepassados, nem ainda algo que lhe fosse comunicado pelos apóstolos de nosso Senhor, mas uma revelação especial de Deus (3).

Conforme escrevi há pouco, resumidamente (3), i. e., nos primeiros versos desta epístola (1.9 e segs.). Um estudo daquela passagem seria suficiente para dar aos seus leitores um indício de sua compreensão do mistério de Cristo. Isto não é auto-louvor nem orgulho, mas o simples reconhecimento da obra de Deus na sua vida, concedendo-lhe compreensão das coisas profundas da vida espiritual. Embora tivesse sido ele o principal meio de comunicação pelo qual Deus tinha manifesto esse mistério, ele inclui também a instrumentalidade dos santos apóstolos e profetas (5). Podemos citar, como exemplos, o caso

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 23 de Filipe e o eunuco etíope (At 8.26 e segs.), e o de Pedro e Cornélio (At 10). Os profetas mencionados aqui não são os do Velho Testamento, mas os do Novo (veja 2.20).

Paulo agora manifesta a essência do mistério mais precisamente do que jamais o fizera. Não é simplesmente que os gentios podem ter parte na salvação comum, mais especificamente, «que os gentios são co-herdeiros e membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho» (6). A reiteração na ARA, do prefixo «com», traduz uma repetição semelhante no original grego do prefixo syn - significando «junto com»: esta reiteração é tão significativa que deve ser preservada. Na verdade, esta é a essência da revelação. Os gentios não seriam salvos por uma salvação própria a eles, com bênçãos inferiores, apropriadas ao seu estado de párias; ao contrário, eles participavam igualmente, da salvação que os judeus gozavam. Eles eram «co-herdeiros» em relação aos crentes judeus; «co-membros do corpo» em relação a Cristo, o Cabeça; e «co-participantes da promessa», em relação às promessas históricas de Deus.

O dom da graça de Deus (7). Paulo sempre era cônscio da maravilhosa obra da graça que Deus tinha realizado nele (Gl 1.15 e seg.), à qual fez freqüentes referências, como no verso 8; veja também Cl 1.24 e segs.

O menor de todos os santos (8): Paulo insere uma frase de profunda humildade, temendo que algum leitor julgasse haver qualquer exaltação própria no que dissera. Veja também 1Co 15.9.

As insondáveis riquezas de Cristo (8). O evangelho não é simplesmente uma doutrina, nem um mero padrão de vida; o evangelho proporciona «riquezas em medida incalculável». O vasto propósito divino mira nada menos que o alvo de fazer todos os homens verem a verdade: essa é a verdade especial que o apóstolo recebeu, de modo todo particular, como uma «dispensação» (9). Esta nova revelação da verdade não era um novo pensamento da parte de Deus, nem uma divergência do seu plano original, imposto pelo curso dos acontecimentos.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 24 Esta verdade estava oculta em Deus que criou todas as coisas (9),

existindo, portanto, desde o princípio. Mas, Deus não a tinha revelado ainda. Além da salvação dos gentios, esta revelação do mistério secular propõe também a comunicação às criadas inteligências não humanas, a multiforme sabedoria de Deus (10).

Lugares celestiais (10): veja 1.3 n. O instrumento especial para a instrução desses seres de natureza diferente é a igreja; não é o cristão individual, nem o corpo eclesiástico, mas aquela unidade dos crentes de todas as nações e de todas as eras, da qual Cristo é o Cabeça. O eterno propósito de Deus, em Cristo Jesus, (11) tinha em mira não tão somente homens, mas «toda a criação» (cf. Rm 8.19-21).

Mas, a conseqüência mais imediata e pessoal da obra de Cristo é a que permite aos crentes se aproximarem de Deus, pela fé, com ousadia (12). Uma nova referência à prisão de Paulo (13) conclui o parêntese que se abre no verso 1. A fé inextinguível de Paulo nos eternos propósitos de Deus se manifesta em sua exortação para que os efésios não se desanimassem por causa das suas tribulações em favor deles. O último objetivo, vossa glória, deve sempre ser tido em mira.

A repetição da frase por esta causa (14 cf. verso 1) mostra que o apóstolo está resumindo o pensamento que havia sido interrompido pelo parêntese dos vv. 2-13. O que segue está na forma de uma oração, a base da qual está toda a maravilhosa obra de Deus, que lhe foi revelada nos pormenores desdobrados no capítulo 2.

Me ponho de joelhos (14). A atitude costumeira de oração entre os judeus era ficar em pé (Lc 18.11); a posição de joelhos expressava solenidade especial ou urgência incomum (Lc 22.41; At 7.60). Intensifica-se o significado da frase quando notamos que um texto favorito de Paulo era Is 45.23 (veja Rm 14.11; Fp 2.10). Esta oração que talvez deva ser considerada a parte final da oração iniciada em 1.17-23, começa com uma referência ao Pai (cf. 1.17). A idéia não se traduz tão facilmente, pois nossa palavra família (15) não é derivada de «pai», enquanto o vocábulo grego pátria (família) é derivado de pater (pai).

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 25 Tanto no céu como na terra. Quão sublime é sempre o

pensamento de Paulo (veja também 1.10-21)! Entende-se que a paternidade de Deus não é uma simples metáfora proveniente de relações humanas. O contrário é o caso. Deus é Pai; o arquétipo de toda paternidade se encontra em Deus e todas as outras paternidades são derivadas dEle.

A primeira petição, como em 1.17, roga a operação do Espírito Santo no coração do crente (16). Em 1.17, pede-se mais especialmente o conhecimento (i. e. revelação). Aqui Paulo procura mais o poder (i. e. a realização). Em 1.19, pede o conhecimento da «suprema grandeza do poder divino»; em 3.16, ora para que seus leitores possam experimentar aquele poder, a fim de que a aquisição do conhecimento desejado lhes seja possível (18). Cf. 1Co 2.14. A segunda petição é para Cristo habitar neles (17). Como crentes, eles estão «em Cristo»; define-se destarte sua posição diante de Deus. Pede-se aqui que os cristãos cheguem a apreciar na sua experiência real a verdade complementar que Cristo deve habitar em seus corações. Esta é a conseqüência de estarem em Cristo, e depende do exercício da fé pelo crente.

O fato de estar «em Cristo», deve expressar-se na vida do cristão pelo amor, correlativo essencial da fé (cf. 1.15 n.). Ambos são elementos da aptidão necessária para o crente compreender a verdade revelada de Deus. Sem a força outorgada pelo Espírito divino, através desses elementos, a mente humana, mesmo do crente, não pode alcançar a revelação de Deus. Nenhum santo, ainda que seja dotado com a plenitude da força espiritual, pode, por si mesmo, esperar obter a totalidade da verdade divina: é propósito de Deus que compreendamos a verdade com todos os santos (18). Somente a Igreja em toda a sua inteireza pode perceber a plenitude da revelação divina. Este pensamento nos deve humilhar.

O amor de Cristo excede a todo entendimento (19); por conseguinte, permanece um ideal; é algo que nunca se chega a atingir; entretanto, sempre há possibilidade de aproximá-lo mais. O

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 26 conhecimento não é o apogeu das bênçãos pelas quais Paulo ora, pois ele roga uma experiência mais profunda ainda; que vós sejais tomados de toda a plenitude de Deus. Veja também Cl 2.9. O tempo aoristo do verbo tomados sugere que esta experiência não seja considerada como gradualmente adquirida, mas como uma realização positiva na vida do crente.

Segue-se, então, uma magnífica doxologia. Paulo já pediu grandes coisas, mas entende que seus pensamentos e suas aspirações mais sublimes nunca podem esgotar os recursos de Deus. Assim sendo, ele vai além, e pede que Deus opere infinitamente mais do que o coração humano possa esperar ou imaginar, além de tudo quanto pedimos ou pensamos (20). O alicerce desta esperança e confiança repousa no fato de que o poder do Espírito de Cristo opera em nós. Deus há de ser glorificado «na Igreja e em Cristo Jesus» (21, ARA); a Igreja é o corpo do qual Cristo é o Cabeça e os dois aqui são considerados como inseparáveis (veja 1.23).

Efésios 4 VII. A UNIDADE DO ESPÍRITO - 4.1-16 Aqui Paulo entrega a tocha a outros. Por muito tempo já, ele a tem

levado. Agora ele é prisioneiro do Senhor (1, ARA). Pode pregar e escrever, mas a esfera em que pode pôr em prática os princípios do evangelho se limita a uma prisão. Cabe a outros, seus leitores, mostrarem ao mundo exterior como a verdade cristã pode ser praticada na vida cotidiana.

Rogo-vos, pois, eu... (1). O padrão estabelecido para a vida cristã é transcendentemente alto como é indicado nos capítulos anteriores. O apóstolo não deixa seus leitores em dúvida quanto às responsabilidades da vocação com que fostes chamados, que são muito grandes; contudo, vale-nos sempre o «poder que opera em nós» (3.20), sem o qual não pode haver sucesso, e com o qual não pode haver fracasso final. A

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 27 soberana vocação do cristão (cf. Fp 3.14) não deve torná-lo orgulhoso. As virtudes simples e humildes do vers. 2, que não podem ser mantidas pelo coração natural do homem, são essenciais à vida cristã diária. O pensamento pagão, tanto antigo como moderno, comumente as trata com repugnância, considerando-as como defeitos. O cristão deve depender da verdade revelada por Deus, e do poder do Espírito que habita em nós, para que se cumpra o bom propósito de Deus nas vidas humanas que lhe são consagradas.

Uma característica essencial do espírito cristão é a capacidade de suportar as fraquezas de outros, com longanimidade suportando uns aos outros em amor. A grande finalidade deste modo de agir é manter a unidade do Espírito pelo vínculo da paz (3). Os muitos cismas que aparecem na unidade cristã, através da história da Igreja, são devidos, não tanto a grandes crimes e a planos maquiavélicos entre irmãos, nem a vastas e profundas diferenças de opinião, mas, na maioria dos casos, à falta dessas simples virtudes, básicas à fé cristã, que sustêm a unidade de todos.

Esta unidade não tem de ser criada pelo cristão, pois já existe. Ele se esforça, portanto, em preservá-la (3). A realidade dessa unidade é agora desdobrada. Apresentam-se sete aspectos, em que os elementos caem em três grupos em torno das três Pessoas da Trindade.

Há, primeiro, um só corpo, a Igreja, que deve sua existência e unidade a um só Espírito, e que se dirige no poder daquele Espírito a um só alvo da esperança (4).

Em segundo lugar, há um só Senhor, Jesus Cristo, o grande objeto de uma só fé pela qual os homens crêem para a salvação, o qual tem dado à Igreja a ordenança inicial de um só batismo (5).

Em terceiro lugar, há um só Deus e Pai de todos, fonte suprema de toda unidade (6).

Depois de dar relevo à unidade em geral, Paulo volta agora à consideração dos cristãos individuais, que juntos constituem essa unidade. Não são peças uniformes de um mecanismo, cada um

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 28 possuindo uma individualidade que Deus reconhece e usa em Seu serviço. Cf. Rm 12, onde idéias semelhantes se apresentam. No verso 7 o apóstolo fala em termos gerais sobre o dom da graça de Deus, à qual repetidamente se refere, quando relata sua própria experiência dela, no cap. 3 (veja 3.2-7 e seg., onde Paulo identifica sua própria missão, aos gentios, com este dom da graça).

Agora ele aponta para cada um de nós, como possuidor de um semelhante dom da graça, o qual difere, entretanto, conforme o individual. As diferenças entre esses dons não são determinadas por habilidade ou capacidade natural, mas segundo a proporção do dom de Cristo. Cf. 1Co 12.1-11 n. Os «carismas» são associados à ascensão de Cristo (8; cf. 1.19 e seg.). Aqui se refere à figura do rei vitorioso (cf. Cl 2.15 n.), distribuindo os despojos de guerra, como é sugerido pelo Sl 68.18. Neste Salmo Deus é visto guiando seu povo, triunfalmente, através do deserto (vv. 4-7), através de Basã (vers. 15), e depois entrando, vitoriosamente, com 20.000 carros de guerra em Sião (vers. 17). Paulo aponta para este Salmo, como prefigurando a triunfante ascensão de Cristo. Veja ainda Jo 7.39, onde o dom principal é indicado; cf. At 2.

Paulo explica esta referência no verso 8, abrindo um parêntese nos versos 9 e 10. A alusão à descida se refere, provavelmente, àquela do céu à terra na encarnação; esta é uma explicação satisfatória, embora alguns lhe dêem uma aplicação mais extensa baseando-se em 1Pe 1.18 e segs. A identidade daquele que sofreu humilhação na terra, mas que foi exaltado no céu, é ressaltada no verso 10. Esta exaltação preenche o grande propósito de Deus: para ele encher todas as coisas (veja também 1.23).

No verso 11 são mencionadas cinco ordens no ministério, em que se explicam alguns dos «dons» do verso 8. Os bem conhecidos termos «bispo», «presbítero» e «diácono» não aparecem, e por isso alguns sugerem que a razão para a omissão resida no fato de esses três termos se referirem aos oficiais das igrejas locais, enquanto aqui Paulo tem em vista a Igreja universal, e por conseguinte menciona os que servem à

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 29 Igreja em geral. Veja também 1Co 12.28 n. À medida que a história da Igreja progredia, todas as funções do ministério eram incorporadas nos três ofícios locais. O propósito para o qual Cristo dá à sua Igreja os referidos dons, não é que os beneficiados sejam seus únicos servos na Igreja e no mundo, mas que, através deles, cada membro da Igreja possa ser inspirado a servir a Seu Senhor. Entretanto, «a obra do ministério» tem sido de tal modo limitada aos oficiais das igrejas, que a Igreja universal, «o corpo de Cristo», não tem sido edificada como devia: somente poucos trabalham, enquanto a grande maioria dos membros das igrejas apenas acompanha, ignorando completamente sua tarefa divinamente ordenada.

Para a edificação do corpo de Cristo (12). A frase combina as duas figuras favoritas de Paulo, referindo-se à unidade estrutural e orgânica da Igreja. (cf. 1Co 3.16-17; 12.12-17 n.). Ele não receia usar metáforas misturadas, falando primeiro do templo que «cresce» (2.21), e aqui, do corpo que é edificado. Do lado divino, já existe uma unidade (4-6); do lado humano, essa unidade deve ser alcançada pela Igreja, por meio do uso correto dos dons mencionados acima.

Progresso no conhecimento do Filho de Deus (13) é essencial para a realização dessa unidade. O conceito do «varão perfeito», desenvolve esta idéia de unidade. Nosso progresso espiritual não será determinado por individualismo, como se o propósito de Deus fosse a produção de grandes homens. O individualismo deve dar lugar àquela unidade orgânica, cujos interesses e objetivos estão muito além do alcance do indivíduo e que se definem aqui como a medida da estrutura da plenitude de Cristo. O individualismo é indício da imaturidade da infância.

Eis o contraste feito aqui; devemos ser homens «maduros» e não meninos... levados em redor por todo vento de doutrina (14). O pensamento de Paulo focaliza a vacilação e a instabilidade infantil, bem como o individualismo. Os barquinhos estão à mercê do vento e das ondas de um modo desconhecido dos grandes veleiros. Os ventos são

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 30 uma figura dos homens que ensinam «outro evangelho» (cf. Gl 1.6-9), e que pervertem a verdade por astúcia.

Seguindo a verdade (15): o verbo não se limita ao ato de falar, mas inclui outras formas de testemunhar. Nesta epístola incontroversa Paulo não empreende nenhuma declaração de erros quaisquer, nem uma detalhada refutação dos mesmos. Recomenda uma ação positiva que seria a melhor proteção possível contra a infiltração de todo e qualquer erro. A melhor defesa é o ataque. Outro aspecto da resistência ao erro é a apresentação, ao inimigo, de uma frente de combate comum.

Cresçamos (15). O processo não se manifestará em moldes individualistas, mas será sujeito aos interesses da coletividade. Naquele... Cristo (15): uma recapitulação da idéia no verso 13. Este crescimento abrange não somente a parte essencialmente religiosa da vida, mas todos os seus aspectos. Ele deve ser governado, não pelos interesses diversos dos membros individuais do corpo, mas por Aquele que é o Cabeça, Cristo (15).

No verso 16 Paulo tem em vista a estrutura, maravilhosa e complicada, do corpo humano, firmemente unido por juntas e ligaduras apropriadas (veja passagem paralela, Cl 2.19, e cf. 1Co 12.12-27). Nisto ele reconhece o lugar e a influência de cada parte, funcionando «segundo a justa cooperação». Assim, pelo funcionamento correto das partes individuais é edificada uma estrutura coerente e harmoniosa. Novamente o apóstolo utiliza metáforas que indicam tanto a unidade espiritual como orgânica: ambas são necessárias na apresentação desta grande verdade.

VIII. ELEMENTOS ÉTICOS DA VIDA CRISTÃ - 4.17-5.21 Um novo aspecto da experiência cristã se nos apresenta, em uma

revisão dos elementos éticos, indispensáveis à vida espiritual. Note a permanência desta metáfora através dos capítulos 4 e 5 (4.1,17; 5.2,8,15). Os vv. 17-19 apresentam a injunção na forma negativa: não...

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 31 como andam os gentios (17). Este «andar» dos gentios é apresentado como vão, entenebrecido, alheio, ignorante; e a razão dada para isto é a «dureza dos seus corações» (18; cf. 2.12).

A expressão vaidade dos próprios pensamentos (17) aponta o fato que a razão humana, sem a iluminação do Espírito de Deus, inevitavelmente leva à desilusão e ao fracasso. A afirmação é dura, mas a história da humanidade a confirma.

Obscurecido de entendimento (18). Mostra o estado natural do homem até que a experiência de 1.18 lhe chegue; até então, ele está alheio à vida de Deus. O fato da queda do homem (Gn 3) está em vista aqui; seu estado presente é o resultado, não só da separação de Deus, mas também da alienação ativa. A vida divina nos é necessária, mas não a possuímos por natureza.

Tendo-se tornado insensíveis (19); tais pessoas resistiram às ânsias da consciência e agora não se importam mais com ela. Esta condição abre a porta para o mal, enquanto eles, da sua própria vontade, entregam-se, sem restrição, aos deleites de toda espécie, como se consistisse nisso a principal tarefa da vida. (Veja Rm 1.21-28).

Mas não foi assim que aprendestes a Cristo (20). Nesta sucinta frase, o apóstolo desvia o pensamento de seus leitores daquelas idéias aviltantes para a fonte de toda a pureza que é Cristo.

A frase que começa com a palavra se do verso 21 tem a mesma construção de 3.2. A cláusula condicional não expressa dúvida, mas é usada para ênfase, a fim de que o leitor verifique a afirmação feita: «de fato o tendes ouvido» (ARA).

Aprendestes... tendes ouvido... fostes instruídos (20-21); cf. Jo 6.45.

A verdade é em Jesus Cristo (21): cf. Jo 14.6. Sua instrução em Jesus Cristo é agora considerada, negativa e positivamente. Eles, por certo, abandonaram sua antiga maneira de viver, despindo-se dela como de uma roupa suja. A velha vida dominada pela vontade própria, chama-se o velho homem, uma metáfora predileta de Paulo. Cf. Rm 6.6; Cl 3.9;

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 32 cf. também o conceito do primeiro e do segundo Adão, Rm 5.12-19; 1Co 15.21-58. O lugar do velho homem será tomado por «uma nova criação» (2Co 5.17), o novo homem (24). A petição para renovação da vida é logo respondida pelo poder de Deus, como vemos no verso 24. O novo homem é o resultado de uma obra divina de criação, na qual se cumpre a exigência expressa em outra metáfora, «Necessário vos é nascer de novo» (Jo 3.7). A nova criação torna a ser semelhante a Deus, em manifestar justiça e retidão, em contraste com a impureza e o engano mencionados no verso 22.

A ligação dos vv. 25-31 com o que os precede é salientada pelo uso do mesmo verbo nos vv. 22 e 25, onde se traduz «despojeis» e «deixando», respectivamente. As implicações e conseqüências do despojamento do velho homem são as seguintes: há cinco coisas que devem ser renunciadas.

1. MENTIRA (VERSO 25). «Deixando a mentira» - A Mentira,

tem um sentido mais amplo, não se limitando ao que se diz. A injunção é reforçada por uma citação em Zc 8.16, e por um apelo à união vital dos cristãos revelada na comunhão da Igreja.

2. IRA PECAMINOSA (VERSOS 26-27) - Há ira que é justa e

este fato é ressaltado por uma citação do Sl 4.4 (versão dos LXX). A ira justa facilmente se transforma em ressentimento quando suscetibilidades pessoais começam a se fazerem sentir. Como Deus «não conserva para sempre sua ira» (Sl 103.9), assim também os homens são exortados a controlar bem a sua. Não se ponha o sol sobre vossa ira (veja Dt 24.13-15). Alimentar ira pessoal, ou mesmo irar-se justamente por longo tempo, faz com que o maligno entre em nossa vida.

3. FURTO (VERSO 28) - É provável que o furto tenha sido

praticado por muitos dos gentios convertidos durante toda a sua vida, até a conversão. Em momentos de tentação o hábito podia ressurgir na vida

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 33 cristã. O remédio consiste em superar a tentação com labores honestos para se poder prover do necessário, tanto para uso pessoal, como para a carência de outros. A má vontade de trabalhar honestamente é a raiz de quase todas as formas de roubo.

4. LINGUAGEM TORPE (Versos 29 e 30) - A linguagem

indecente pode tornar-se um hábito tão arraigado que estoura subitamente em circunstâncias inesperadas; veja Mc 14.71. Não basta suprimi-la; é preciso cultivar positivamente a que for boa. Devemos tentar edificar outros, ajudando-lhes pelas nossas palavras, e não simplesmente entretendo-os com uma conversa polida. A posição do verso 30 liga-o ao assunto da má conversa, e logo confrontamos o fato solene de que as nossas palavras, que julgamos tão superficialmente, podem entristecer o Espírito Santo (cf. Mt 12.37). Nossas palavras não deveriam ser apenas uma reação instintiva ao estímulo exterior, como o são freqüentemente. O Espírito Santo deveria controlá-las (veja vers. 18). No qual fostes selados (30); cf. 1.13 n.

5. MAU HUMOR (VERSO 31) - Paixões más se expressam de

vários modos, e cada uma deve ser deixada no despojamento do velho homem.

Injunções positivas (32) enchem o vácuo produzido pelas proibições negativas. Um requisito da comunhão cristã é o perdão, não apenas a bondade ou a delicadeza, mas um perdão congênere ao de Deus. Note a mesma ênfase na Oração Dominical (Mt 6.12-15).

Efésios 5 No verso 1 o apóstolo aponta para o mais sublime exemplo, que se

possa achar. A possibilidade de segui-lo é indicada pela referência à filiação: como filhos amados.

Andar (2): tropo metafórico trazido de 4.1-17, indicando claramente a continuação do mesmo assunto. Como no verso 1, o amor

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 34 cristão se apresenta no mais elevado grau: como também Cristo vos amou. Ele mostrou o seu amor entregando-se por nós, i. e., «em nosso favor». Tal é o amor cristão; não é um mero sentimento de afeição, mas um auto-sacrifício.

Como oferta e sacrifício (2). A natureza incidental desta referência à expiação do nosso Senhor, indica que este aspecto da sua morte era mutuamente aceito por Paulo e seus leitores. Ambas as palavras são usadas para sacrifícios, envolvendo o derramamento de sangue, mas quando usadas juntas, como aqui, a palavra oferta pode referir-se mais particularmente às oblações incruentas. O cumprimento cabal, em Cristo, das prefigurações velho-testamentárias é assim indicado. Em aroma suave (2). Cf. Gn 8.21; Lv 1.9,13,17, etc. Uma frase tomada do Velho Testamento, indicando a aceitação divina do sacrifício.

É claro que certos pecados ameaçaram a paz e a segurança dos cristãos gentios primitivos de um modo especial (3). Eles tinham sido criados neles (2.1-3), e evidentemente alguns, que se diziam cristãos, ainda acharam nos mesmos uma forte tentação. Veja especialmente as cartas de Paulo aos Coríntios. O único caminho seguro era nem sequer fazer menção de tais coisas; a idéia do mal, tanto quanto o ato, devia ser excluída. Isto, realmente, era o mínimo que uma profissão de fé podia exigir. Os pecados pequenos, dos quais os piores se derivam, são condenados logo depois (4). Há muitos em todas as classes da sociedade que não cometeriam os pecados mais grosseiros, mas que se deliciam em palavras vãs e chocarrices.

Inconvenientes (4); cf. «como convém a santos», no verso anterior. Os lábios do cristão devem constantemente se encherem com os louvores de Deus; não com aquele louvor extravagante e barulhento que provoca a zombaria dos homens, mas com um espírito de incessante gratidão, que se expressa de muitas maneiras afáveis que não podem senão influenciar o ímpio para o bem. Veja também 4.29.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 35 Sabei, pois isto; no verso 5 Paulo indica que seus leitores

certamente compreenderão que ninguém que se entrega aos vis pecados já mencionados, terá parte alguma naquela herança que é seu quinhão em Cristo (1.14-3.6). Note-se a frase o reino de Cristo e de Deus; veja Mt 25.34 e Tg 2.5.

O verso 6 tem uma advertência contra o poder da propaganda insidiosa. Tem aplicação especial àqueles que se rendem à astúcia de falsos sectários, que vão de porta em porta à procura dos incautos. Veja também 4.14; vê-se a importância magistral deste assunto na seguinte declaração paulina: porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência.

A profissão de fé dos leitores os obriga, imprescindivelmente, a fugir do pecado. Na sua vida anterior, ofuscada pela incredulidade, eram participantes com eles, mas agora são a luz do mundo (8, cf. Mt 5.14). Novamente a exortação se repete para os cristãos andarem como devem (cf. 4.1,17; 5.1).

Fruto do Espírito (9) ou melhor: fruto da luz (ARA). Paulo introduz aqui o contraste entre estes frutos e as obras infrutíferas das trevas (11). O «fruto da luz» consiste em bondade e justiça e verdade, no sentido mais absoluto, indicado por toda.

Provando (10); pondo tudo à prova, os filhos da luz podem evitar o engano (cf. verso 6), e assim chegar a conhecer qual a vontade do Senhor. Mas, o cristão deve ir além da mera fuga das obras das trevas (11); tem de expor sua verdadeira natureza à influência da luz que há em si, e mostrar o que é na realidade.

É vergonha (12); cf. verso 3 n. Muito de que se lê nos jornais, revistas e novelas aumenta a dificuldade de o leitor conservar os pensamentos puros, e fornece tópicos sórdidos para todos, inclusive para os cristãos.

Porque tudo que se manifesta é luz (13). Considerando o que segue, parece melhor interpretar isto no sentido seguinte: que o mal, quando exposto à verdade, tem de mudar. Isto aconteceu na própria

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 36 experiência dos leitores. Agora deviam brilhar de tal modo, que outros experimentassem a mesma mudança. Para dar ênfase à idéia que tudo que se expõe à luz é transformado, Paulo cita umas palavras (14), de fonte desconhecida, possivelmente tiradas de um hino cristão primitivo (cf. verso 19). Elas chamam os homens para perceberem a obra transformadora da luz do mundo (Jo 8.12).

Vede como andais (15). Pela última vez na epístola repete-se a exortação a andar como cristãos (15; cf. também 4.1,17; 5.1,8). Eles devem exercitar-se com o máximo cuidado para não viver imprudentemente, como tantos fazem. Deste modo, aproveitarão cada oportunidade de fazer o bem nestes tempos maus.

Remindo (16); lit. «resgatando». O crente sempre deve ter o alvo de conhecer e fazer a vontade do Senhor (17). Esta deve ser a sua primeira preocupação. Que a vontade de Deus pode ser conhecida por aqueles que a buscam, já foi entendido, há muito (Sl 25.8).

O contraste notável do verso 18 não seria notado tão prontamente por um crente de nossa época; mas o hábito da embriaguez era tão universal entre as populações pagãs, das quais os cristãos gentios se originaram, que tal contraste lhes era realmente apropriado. Veja também At 2.15 e segs. O ébrio procura algum suposto «bem» em seus excessos, mesmo, talvez sua «inspiração». O verdadeiro «bem» se acha na plenitude do Espírito Santo. Aquilo que os homens procuram através da embriaguez não é encontrado desta forma; suas esperanças são inevitavelmente ilusórias. Tudo o que os homens procuram na satisfação de suas necessidades e desejos pode ser encontrado no Espírito Santo. Este verso relembra o entusiasmo dos cristãos primitivos. Sua religião não se tinha tornado ainda um formalismo frígido e correto. A camaradagem barulhenta dos beberrões é bem conhecida e, em vivo contraste com isso, Paulo retrata cristãos cheios do Espírito, que gozam de uma comunhão mais pura, e entoam cânticos mais nobres, enquanto se animam uns aos outros com os louvores de Deus (19). Paulo não fala aqui de uma forma de culto estereotipada, mas da expressão espontânea

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 37 de uma vigorosa vida espiritual. O verdadeiro louvor a Deus não é produto da efervescência superficial e extravagante: é uma coisa do coração.

Hinos e cânticos espirituais (19). Esta é uma indicação interessante de que a igreja primitiva desenvolveu sua própria expressão poética de culto e louvor, além do uso dos Salmos do Velho Testamento. Cf. Cl 3.16. Alguns comentadores fazem uma distinção entre os dois, sugerindo que os hinos fossem cantados pela congregação, enquanto os cânticos espirituais se constituíssem de solos. A incessante providência de Deus (20) é razão suficiente para as expressões de louvor mencionadas acima.

A auto-entrega do cristão a Cristo envolve uma relação para com os outros tão humilde como abnegada (21).

Sujeitando-vos uns aos outros: a exortação parece ser, talvez, curiosa para seguir uma recomendação à livre expressão do entusiasmo espiritual como se recomenda no verso 19. Mas é característico do testemunho cristão, que sua ousadia seja condicionada por uma constante preocupação com os sentimentos e o bem-estar dos outros e que por isso se submeta às ternas exigências das circunstâncias (cf. 1Co 14.26-33). O motivo para submissão não se encontra naqueles a quem é preciso submeter-se em amor: procurá-lo-emos em vão ali. Se olhamos somente para eles, pode tornar-se impossível nossa submissão. O motivo deve ser «o temor de Cristo» que é o termo equivalente no Novo Testamento ao do «temor do Senhor» no Velho. O princípio estabelecido, neste verso, é desenvolvido nas seções seguintes.

IX. RELAÇÕES CRISTÃS NA VIDA FAMILIAR - 5.22-6.9 Na intimidade da vida no lar, a ética cristã é freqüentemente

sujeita a um teste rigoroso. A boa ordem na sociedade e em todas as relações humanas depende do reconhecimento do princípio divinamente revelado de subordinação. Esta idéia é desenvolvida na exortação feita

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 38 no verso 21. Esses princípios Paulo aplica, agora, a esposas e maridos (22-23), a filhos e a pais (6.1-4) e a servos e senhores (6.5-9). Em cada caso Paulo começa com os inferiores, cuja responsabilidade principal é a obediência.

a) Esposas e Maridos (5.22-33) As mulheres sejam submissas (22). O sentimento deste verso

contém uma idéia, tão distanciada do comum, e tão contrária à norma do mundo moderno, que alguns podem julgá-la a quinta essência do retrocesso nas relações sociais civilizadas. Não tem a mulher alcançado, pela marcha triunfal da civilização, igualdade com o homem, igualdade essa que sempre foi seu direito natural, mas que só chegou a ser reconhecida recentemente? Em resposta podemos afirmar que em muitas coisas, por exemplo, em qualidades espirituais, a mulher é, por ordenação divina, o par natural do homem. Mas, nas relações da vida familiar Deus estabeleceu uma certa ordem, pela qual a mulher deve estar sujeita ao marido. Veja notas sobre 1Co 11.2-16, e Cl 3.18. Esta subordinação não implica inferioridade (veja nota sobre 6.1). A sanção dada para encorajar as esposas neste rumo divinamente indicado, e contra o qual o ser natural pode rebelar-se, se acha nas palavras como ao Senhor. Visto que neste assunto Deus estabeleceu uma lei, o único caminho é de obedecer a essa lei por amor a Ele, e como a Ele. Muitos problemas domésticos, aparentemente insolúveis, encontrariam sua solução se este princípio lhes fosse aplicado.

A ordenação divina para a vida familiar é que o marido seja o cabeça da mulher (23), não em sentido despótico, nem por imposição do homem, mas como também Cristo é o cabeça da igreja (23). O marido deve basear sua conduta na de Cristo para com Sua igreja. Nesta relação não havia opressão, mas sacrifício, pois Ele é o salvador do corpo (o «corpo» sendo a Igreja, como em 1.23-4.16). Repete-se o preceito para dar-lhe ênfase (24).

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 39 As responsabilidades especiais que se aplicam ao marido como

cabeça são tratadas em mais detalhes do que as que se referem à subordinação da mulher. O padrão celestial é novamente apresentado, de modo que o marido cristão deve amar sua esposa como Cristo amou a Igreja. A atitude do marido para com a esposa não deve ser de domínio, mas de sacrifício próprio. Oxalá que as esposas aprendessem a lição dos versos que lhes são endereçados, e que os maridos, de sua parte, aplicassem, a si mesmos, os versos dirigidos a eles e não vice-versa! Paulo salienta, não os direitos, mas sim as responsabilidades. A harmonia e a felicidade serão adquiridas ao se cumprirem as responsabilidades antes de se insistir nos direitos.

Tendo introduzido a idéia do amor de Cristo pela Igreja, Paulo é levado a desenvolver este tema. O propósito de nosso Senhor em dar-se pela Igreja se expressa pelos dois termos santificar e purificar (26), os quais se referem à purificação do pecado pelo seu sangue, e à conseqüente santificação do povo purificado pela íntima operação do Espírito Santo (cf. verso 2). Aqui se fala da Igreja no sentido coletivo e não dos indivíduos que a compõem.

A lavagem de água pela palavra (26). Esta é uma referência quase certa ao batismo. A palavra se refere ou à confissão de fé (cf. At 22.16; 1Pe 3.21), ou à fórmula batismal (veja Mt 28.19).

Para a apresentar a si mesmo (27). A metáfora de um casamento se repete. A função de apresentar a noiva ao noivo pertencia, normalmente, ao amigo do noivo. Cf. 2Co 11.2, onde Paulo se apresenta nesta luz. Aqui Cristo é tanto quem apresenta, como quem recebe.

Santa e sem defeito (27). Cf. Ef 1.4 e Cl 1.22. As palavras têm um significado sacrificatório (cf. Êx 12.5 e 1Pe 1.19), mas não são usadas aqui para indicar a perfeição da obra de Cristo na Sua Igreja. Paulo resiste à tentação, sempre presente nele, de desprender-se de todos os outros tópicos para falar das glórias do seu Senhor. Com um esforço, ao que parece, volta ao assunto que tem diante dos olhos, a saber, os deveres dos maridos. Tal é o cuidado e a ambição de Cristo para com o

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 40 Seu Corpo, a Igreja; assim também devem os maridos amar as suas mulheres como a seus próprios corpos (28), procurando o seu progresso nas coisas espirituais, e sempre lutando por uma união mais íntima nas coisas profundas de Deus.

Paulo agora passa da idéia de chefia para a de uma profunda e misteriosa unidade (29). Na união estreita e íntima do marido com a esposa, é muito justo e, no sentido mais elevado, bem natural, que o amor mais profundo e sublime os una.

Membros do seu corpo (30). A posição bem definida, que Paulo assume com referência à união estreita entre marido e mulher podia requerer evidências mais seguras do que uma simples asserção.

Esta evidência ele agora fornece (31), referindo-se a Gn 2.24, uma passagem cuja importância já foi indicada por nosso Senhor (Mc 10.6-9). Por isso deixará: a causa indicada em Gn 2.24, é o fato que «do varão foi tirada» a mulher. No segundo caso, quando Paulo diz: «mas eu me refiro a Cristo e à sua igreja», o motivo se baseia no fato muito mais excelente que nós somos membros do seu corpo (30).

O sentido neo-testamentário de mistério (32) é de algo oculto que «Deus agora revelou»; este contexto se refere à revelação portentosa da relação de Cristo para com a Igreja (cf. 3.1-13). Novamente, no verso 33, Paulo chama a atenção do leitor para o tema desta passagem, e sintetiza as lições aplicáveis tanto aos maridos como às mulheres.

Efésios 6 b) Filhos e pais (6.1-4) A relação entre pais e filhos, que nas gerações passadas era tão

intimamente mantida, tem perdido, em nossos dias, muito de sua solidariedade e influência. Assim sendo, essas palavras são de máxima importância hoje em dia. O verbo (hypakouo) que se usa aqui para «obedecer ordens», tem o sentido de «obediência literal à autoridade», o

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 41 que não figura na frase em 5.22, «sejam submissas» onde o verbo (hypotasso), significa «arrumar em ordem».

No Senhor é uma expressão que o escritor não amplia nem explica, mas é evidente que as ordens divinas não podem ser cumpridas sem a graça e o poder provenientes do Espírito do Senhor, que habita em nós. A própria lei da natureza outorga autoridade ao pai e exige obediência da prole; e a lei de Deus, especificamente, engloba a injunção no quinto mandamento (2), reforçando-o com a promessa de vida longa e prosperidade para aquele que for obediente (3). A obediência perfeita, especialmente nas crianças, depende, em grande parte, do exercício correto de autoridade pelos pais (4). Uma disciplina áspera e inconstante pode facilmente desanimar a criança (veja Cl 3.21).

Se o pai conhece que seu guia e exemplo real é o Senhor, então sua doutrina e admoestação (4; ARA «disciplina e admoestação») serão adequadas e justas. Os métodos modernos de orientação infantil no lar, na igreja, na escola e no tribunal de justiça juvenil podem dever muito à psicologia, mas é fácil não salientar adequadamente o poder e a influência do Espírito do Senhor.

c) Servos e Senhores (6.5-9) Usa-se a mesma palavra para obediência aqui no vers. 5, como no

vers. 1, implicando obediência literal a uma palavra de ordem. Os servos eram, na realidade, escravos (douloi), mas somente segundo a carne; em espírito e consciência eram livres (Gl 3.28). Mais do que nunca, em nossos dias, é de grande significação que o Novo Testamento sempre exige que a mente e o coração se libertem. A escravatura moderna visa à sujeição total da mente e da vontade, tanto quanto do corpo ao domínio do déspota. A obediência do escravo deve ser séria, com temor e tremor, não proveniente de motivos mistos, nem tendo em vista objetivos fingidos, mas na sinceridade do... coração; e a mais alta consideração do seu serviço é esta: que tudo se faça como a Cristo. O

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 42 Novo Testamento nem justifica o sistema de escravatura, nem requer sua abolição imediata por meios violentos; porém, semeou muitas verdades, cujo crescimento ia rematar, inevitavelmente, a escravatura na vida social. E assim foi.

Há uma lição objetiva de incalculável valor aqui, para todos quantos pretendem ser reformadores sociais, especialmente para aqueles que por coerção e revolução querem acelerar a lenta marcha dos juízos divinos. Aquele que fez o homem e a quem toda raça humana deve sua origem, sabe, melhor que todos, como proceder em realizar mudanças salutares e necessárias, sem destruir coisas preciosas no processo. O serviço do escravo há de ser trabalho honesto: ele não deve trabalhar, olhando para seu mestre, ficando de braços cruzados logo que a vigilância cessar, nem também servindo com o motivo escrupuloso de agradar a um senhor terreno. Sua única pretensão deve ser de agradar o Supremo Senhor e Mestre, Jesus Cristo (6).

O Novo Testamento exige um padrão muito alto, mesmo para os escravos! Quanto mais essas injunções se aplicam àqueles que trabalham na liberdade e com os privilégios das condições modernas! Quão longe estamos dos nossos ideais! À recompensa natural do serviço bom e honesto, que raras vezes falha, é adicionado o maior incentivo da recompensa celestial (8); o operário exímio trabalha não apenas para os homens, mas como ao Senhor (7; cf. Mt 25.21-23).

Os senhores devem ter o mesmo espírito e os mesmos ideais que os escravos (9). Isto é, precisam fazer o melhor que puderem para aqueles que estão sob suas ordens e devem procurar os interesses deles em tudo; não devem mandar arrogantemente, mas com paciência, exercendo sua autoridade com justiça, e sem ameaças. Veja Fm 16. A razão suprema para esta atitude é o fato, dominante em todas as coisas, que o Senhor tanto deles como vosso, está nos céus. Ele não respeita os direitos individuais do senhor, mais que os do servo. O mérito saliente desta passagem é que, em condições sociais em que havia muito mal, Paulo não procurou apresentar um programa de reforma social, o que

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 43 seria muito debatido, ao contrário, foi entregue uma mensagem que dá relevo à moralidade básica e aos princípios espirituais. Esses princípios se aplicavam às condições existentes naquela época e os seus efeitos produziram, inevitavelmente, aquelas mudanças muito salutares ao bem-estar da humanidade.

X. A GUERRA ESPIRITUAL - 6.10-20 Depois de dar orientação às classes particulares, o apóstolo se

volta para todo o grupo da comunidade cristã, e fala de um inimigo externo, cujos assaltos podem ser esperados. Ao mesmo tempo, ele indica o equipamento de que o cristão individual precisa, para enfrentar aqueles inevitáveis assaltos.

Mulheres, maridos, filhos, pais, servos, senhores, cristãos todos, são enredados nesta luta: cada um tem sua parte a fazer e seu dever a cumprir. Assim, o término da epístola retorna à idéia salientada no início, do poder divino nos homens (1.9). O tempo presente do verbo sede fortalecidos (10) aponta, não para a necessidade de adquirir-se novas forças, mas para o usufruto do poder que o cristão já possui pela sua união com Cristo.

Revesti-vos de toda armadura de Deus (11). A palavra «toda» não é achada no original, e sua inserção obscurece o sentido real, que é «vesti a panóplia de Deus». «Panóplia» significa uma armadura completa, mas o original grego salienta o fato que é de Deus. A necessidade da armadura de Deus é indicada pelas palavras ciladas do diabo, i. e., os métodos e estratagemas do maligno, que «faz guerra» contra a alma do homem. (Veja 1Pe 2.11).

O uso do pronome pessoal nós é notável no começo do verso 12, que distingue entre este conflito em que os cristãos se empenham e o da mera violência física. Paulo tem por certo que a vida cristã é compreendida por seus leitores como uma vida de conflitos; seu objetivo é explicar que não se trata de uma luta física, mas espiritual. Os inimigos

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 44 da alma não são forças terrenas, nem seres iguais ao homem, mas são os líderes das forças espirituais do mal neste universo. Este é um pensamento que deve despertar o crente, levando-o aos máximos esforços. Temos sido advertidos; mas são muito poucos os que prestam atenção. Esta é realmente a situação; e se a alma humana e os interesses da humanidade estão expostos a estes assaltos sutis e violentos, não admira então que o mundo se agite em tormentos; pois, relativamente poucos se têm preparado para resistir aos assaltos do demônio.

Afirma-se no verso 13, segundo fato fundamental. O primeiro foi que nossa lida é espiritual; o segundo, é este: que para uma luta espiritual desta natureza as armas são essenciais, e sem elas não se pode resistir às forças do mal. Nesta esfera, a bomba atômica não tem mais utilidade do que arcos e flechas.

A figura de Paulo seria a de defensores que resistem ao assalto (14). Alguns comentaristas sugerem que esta descrição represente as forças da Igreja de Cristo avançando contra os poderes do mal; nesta interpretação, porém, não cabe o quadro em apreço. A figura que Paulo adota era conhecida aos leitores do Velho Testamento, pois ela ocorre em duas passagens em Isaías: veja Is 11.5 e Is 59.17. Orientado pelo Espírito, Paulo aplica, corajosamente, essas passagens, que no Velho Testamento se referiam ao Messias, àqueles que «estão em Cristo Jesus».

É estranho paradoxo que o evangelho da paz (15) seja parte da armadura de guerra do cristão, mas este é o fato. A relação deste evangelho com os pés, pode parecer estranha, mas esta ilustração se encontra em Is 52.7. Cf. 10.15, e dali provavelmente sua origem.

O escudo da fé (16). A referência aqui é ao maior e mais pesado dos dois escudos que se usavam nas guerras, com a finalidade de proteger todo o corpo das armas do inimigo. Significa uma proteção completa e indispensável.

Os dardos inflamados (16): sugestiva alusão aos dardos mortais que podem resultar dos ataques de Satanás.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 45 O capacete da salvação (17). Veja Is 59.17. Do modo como Cristo

se vestiu para a peleja, assim também deve o cristão se preparar. Veja Is 11.4, de onde é tirada a segunda figura deste verso. No verso em Isaías, é preferível ler «espírito» em lugar de «sopro», da maneira seguinte: «ele ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o Espírito dos seus lábios matará o perverso». Veja também Ap 1.16-19.15 para e mesma figura.

Eis a única arma ofensiva na armadura cristã, a palavra de Deus, em que reside o poder do Espírito Santo. O cristão deve usá-la, tendo fé absoluta na sua eficácia.

Unem-se a palavra de Deus e a oração no propósito divino, as quais devem ser usadas sempre em conjunto.

Veja o verso 18. Ambas são necessárias na luta espiritual; tanto nossas palavras dirigidas a Deus, como a proclamação de Deus ao inimigo. A oração não deve ser apenas o exercício ocasional da alma: o crente deve orar em todo tempo, i. e., em todas as ocasiões, e com respeito a todas as coisas; em tudo devemos consultar a orientação e ajuda do Espírito. Devemos orar, não somente por nós mesmos, mas por todos os santos, e por esta razão estar vigilantes e despertados em meio às tentações de indolência e torpor. A humildade e a dedicação do grande apóstolo se patenteiam no seu fervoroso pedido de orações especiais em seu favor, não para que ele goze de descanso nem de folga, mas para que seja capaz de executar os propósitos que Deus tinha planejado para ele (19).

O verso 20 descortina novamente as circunstâncias em que Paulo se encontrava, como em 4.1. Embora embaixador do Rei celestial e do seu reino, foi feito prisioneiro; mas sabe que isto não o isenta das suas responsabilidades para com Deus e com o evangelho; sua detenção pode criar inúmeras dificuldades e tentações também, mas ele compreende seu dever de falar ousadamente, como me cumpre fazê-lo.

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Efésios (Novo Comentário da Bíblia) 46 XI. CONCLUSÃO - 6.21-24 Recomenda-se a missão de Tíquico aos leitores (21-22). O nobre

caráter de Tíquico se revela em cada uma das poucas referências feitas a ele (veja At 20.4; Cl 4.7; 2Tm 4.12; Tt 3.12). Agora, é este o portador desta carta à igreja de Éfeso, e de Cl 4.7 deduzimos que Onésimo fosse seu companheiro. A bênção que conclui a epístola (23-24) adota uma forma geral, de conformidade com o objeto da epístola, que contrasta com Cl 4.10-18.

Paz: a antiga saudação hebraica, assim como graça era a grega. Em vez de unir as duas saudações para formar sua expressão favorita «graça e paz», como em 1.2, Paulo aqui as separa. A amplitude da significação de «paz», nos escritos paulinos se revela por um estudo de 2.14-17 e 4.3. «Graça»: chamada mais exatamente em outras passagens «a graça de nosso Senhor Jesus Cristo» (Rm 16.20; 1Co 16.23; 2Co 13.4, etc.); veja ainda 4.7 e 2Co 8.9.

Sinceramente: esta palavra, com que a epístola termina se traduz em outra parte, «imortalidade» (2Tm 1.10) e «incorrupção» ou «incorruptibilidade», (Rm 2.17; 1Co 15.42,50,53 e segs.).

Amam: o amor neste caso não é o terrestre, mas aquele amor de Deus «derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado» (Rm 5.5).

W. G. M. Martin.