Egito e Os Banquetes

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Preparativos para a realizao de um banquete envolviam toda a criadagem e movimentava toda a casa. A residncia era lavada e caiada e os seus jardins varridos com esmero. Um boi era abatido e sua carne devidamente preparada. Gansos eram assados no espeto. Revisava-se o estoque de cerveja, vinhos e licores. Frutos eram empilhados na forma de pirmides em pratos e tabuleiros de vime. No dia da festa, caso as visitas a serem recebidas fossem muito ilustres, os donos da casa as recebiam em p perto da entrada e as conduziam atravs do jardim at o interior da residncia. Em outros casos, os anfitries permaneciam na sala de recepo e os convidados eram recebidos pelos criados e pelas crianas. Terminados os abraos e feitos os cumprimetos de praxe, que eram verbalmente longos e rebuscados, cada pessoa tomava o seu lugar no salo. Os donos da casa nos conta o egiptlogo Pierre Montet sentavam-se em cadeiras de espaldar alto, cujas partes de madeira eram incrustadas de ouro e prata, turquesa, cornalina e lpis-lazli. disposio de alguns convidados colocam-se tambm assentos muito luxuosos. Os outros se contentavam com tamboretes em X ou mesmo com tamboretes de ps verticais. Em casa das pessoas humildes, as pessoas sentavam-se simplesmente sobre esteiras. Os assentos preferidos pelas raparigas eram os coxins de couro, muito bem trabalhados. Os homens colocavam-se de um lado, as mulheres de outro. O moralista Ptah-hotep, que sabia o que dizia, recomenda aos jovens, e mesmo aos homens maduros, convidados para uma casa amiga, que no olhem demasiado para o lado das mulheres. Isto no era uma regra absoluta. Quando se reuniam os homens e as mulheres, os servios no eram separados. O convidado podia, se o desejava ficar junto de sua esposa. As criadas, sempre novas e bonitas, trajavam vestidos transparentes ou usavam apenas um gorjal e um cinto sobre o corpo. Circulavam entre os convidados distribuindo flores de ltus para todos os presentes e com uma pomada perfumada que transportavam num grande prato, confeccionavam os cones brancos que todos usavam na cabea. Esse era um acessrio indispensvel numa recepo: com o calor do corpo e do ambiente os cones se fundiam lentamente, inundando o salo de fragrncia e mascarando o cheiro da comida que se espalhava pelo ar.

A flauta e a harpa, que surgiram na poca das pirmides, e outros instrumentos musicais, isolados ou em conjunto, tambm no faltavam nas festas e se associavam ao canto e s palmas para alegrar a reunio, pois os egpcios sempre gostaram de msica. Danarinos e at acrobatas completavam o espetculo. Mesmo depois de todos j estarem saciados, a msica, os cnticos e as danas prolongavam a reunio. Os cantores improvisavam versos que celebravam a generosidade dos donos da casa ou a bondade dos deuses. Enfatizavam o fato de a vida ser curta e que, portanto, aquele dia feliz devia ser bem aproveitado, antes que a tristeza do reino dos mortos se abatesse sobre eles. Sobre esse assunto o historiador Herdoto relata um costume vigente na poca da decadncia da civilizao egpcia: Quando os egpcios abastados realizam festins em suas casas, tm o hbito de fazer levar sala, depois do repasto, um esquife contendo uma figura de madeira trabalhada com perfeio e muito bem pintada, representando um morto. Essa figura, que mede de um a dois cvados de comprimento, exibida a cada um dos convivas, acompanhada desta advertncia: &quotLana os olhos sobre este homem. Tu te parecers com ele depois da morte. Bebe, pois, agora, e diverte-te." De fato figurinhas de madeira, esculpidas, pintadas e colocadas em caixes de modo a imitarem exatamente um morto mumificado, foram realmente encontradas por arquelogos numa residncia particular da cidade de Tanis. J que as bebidas circulavam livremente, com o pretexto de celebrarem um dia feliz muitos dos convivas se embriagavam. No raro esclarece Pierre Montet encontrar nas cenas de um banquete um conviva a quem o excesso de comida e bebida incomodara a cabea e o corao. Um jato pouco gracioso escapa-se-lhe da boca. Os seus vizinhos, a quem o incidente no espanta muito, amparam a cabea do doente ou da doente. Se fosse preciso estendiam-no num leito. Os vestgios do incidente depressa seriam limpos e a festa continuava. A figura que aparece no alto desta pgina um detalhe de um fragmento de pintura mural da tumba de Nebamon, escriba dos celeiros, da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.), mostrando uma cena de banquete. Os msicos e danarinos entretm os convidados que esto vestidos com a roupa de festa tpica daquele perodo, com o amarelo caracterstico incorporado aos trajes brancos, enquanto as mulheres usam

grandes perucas. O mais notvel dessa cena o fato das instrumentistas serem mostradas de frente e no de perfil, uma quebra da conveno habitual da antiga arte egpcia. Voc tambm pode examinar outras pinturas da mesma parede sobre o mesmo tema. Para ver outra cena na quais mulheres aparecem com penteados elaborados, provavelmente perucas, cones perfumados na cabea e flores de ltus nas mos. Algumas mulheres colocam uma flor de ltus ou uma pequena fruta, que se acredita seja uma mandrgora, sob as narinas de sua companheira. A parte inferior da figura mostra mulheres jovens tocando um tipo de alade e flauta dupla. Em mais uma cena que voc pode ver serviais masculinos e femininos atendem casais no registro superior, enquanto que mulheres atendem convidadas no inferior. direita da cena inferior um homem atende a primeira figura do que seria, talvez, outra fileira de homens ou casais. Alguns convidados seguram flores de ltus, outras mandrgoras. Os servos oferecem bebidas ou colares de flores aos convivas. No lado esquerdo de ambos os registros h pilhas de comida, nenhuma das quais mostrada como sendo consumida no banquete. A cerveja Pode-se dizer que a cerveja era a bebida nacional para os egpcios. Para fabricla eram usadas formas cnicas anlogas quelas que se usava para fazer po, mas de tamanho maior, alm de cestas de vime e vrias jarras e cuvetas de cermica. O processo era iniciado com a fabricao de pes. Colocava uma pilha de formas em -se volta do fogo para aquec-las. Enquanto isso era preparada uma massa que depois seria colocada nas formas j muito aquecidas e que nestas permaneciam ap enas o tempo necessrio para alourar. O interior dessa massa, chamada pelos egpcios de uadjit, que significa "a fresca", devia ficar cru. Quando os pes se encontravam na consistncia ideal, eram cortados em pedaos, colocados em uma grande bacia e misturados com um lquido aucarado obtido a partir das tmaras. Tudo era muito bem amassado e filtrado e o lquido entrava logo em fermentao. Nesse ponto ele era despejado em jarros que eram tapados com um pequeno prato e um pouco de gesso e estavam prontos p ara viajar. Na hora do consumo a cerveja era vertida para garrafas de um ou dois litros de capacidade.

O vinho O uso das uvas era largamente difundido no antigo Egito. Praticamente todos os jardins possuam alguns ps de videiras plantados. Na regio do Delta essa cultura era ainda mais desenvolvida, visando a produo de vinho. Os vrios faras de nome Ramss, da XIX e XX dinastias (c. 1307 a 1070 a.C.), eram grandes consumidores de vinho porque eram originrios de uma regio vinhateira e muito desenvolveram a cultura da uva e o comcio de vinhos. Os vindimadores arrancavam os cachos de bagos azuis com as mos, sem auxlio de qualquer instrumento. As uvas eram colocadas em cestos e os homens cantavam enquanto os carregavam na cabea at as dornas. Estas eram redondas e baixas e os egiptlogos no sabem de que material eram feitas. Supe-se que no seriam de madeira, uma vez que os egpcios no sabiam fabricar tonis. Acredita-se que fossem de pedra dura como granito ou xisto, as quais permitiriam obter dornas de fcil limpeza e estanques. So decoradas com baixos-relevos e, s vezes, esto colocadas sobre uma plataforma. Segundo nos conta Pierre Montet, de dois pontos diametralmente opostos partem duas colonelas ou duas varas forcadas, se o proprietrio no era muito exigente em matria de elegncia, que suportam um barrote donde pendiam cinco ou seis cordas. Quando se trouxera uma quantidade satisfatria de uvas, os vindimadores subiam para a dorna e, agarrando-se s cordas, provavelmente porque o fundo no era plano, pisavam as uvas com energia. Em certos casos, msicos sentados sobre tapetes cantavam acompanhados po r crtalos de madeira, animando os trabalhadores e marcando o ritmo certo da tarefa. Na falta de msicos, os prprios vinhateiros cantavam enquanto danavam sobre as uvas. Duas ou trs aberturas na dorna faziam o lquido escorrer para um tanque. Quando a pisadura dera tudo o que era possvel, continua a nos contar Montet as uvas esmagadas eram colocadas num saco de matria forte, munido com uma vara a cada extremo. Quatro homens mantinham o aparelho erguido sobre uma selha e, fazendo girar as varas em sentido inverso, torciam o saco. Este processo tinha muitos inconvenientes. Os operadores suportavam o peso do saco ao mesmo tempo que

manejavam as varas. menor deslocao, o vinho entornava-se. por essa razo que se colocava um ajudante entre os quatro operadores para impedir estes deslocamentos ou para deslocar ao mesmo tempo a tina. No Imprio Novo, os vinhateiros utilizavam uma prensa composta de dois montantes solidamente plantados em terra e perfurados mesma altura por dois buracos iguais onde se introduziam as extremidades do saco da vindima. Faziam-se passar as varas num cordo arranjado para esse efeito e bastava apertar. Toda a fora dos operadores era utilmente empregada e nem uma gota de vinho se perdia. Das tinas o sumo era transferido para jarras de fundo chato onde fermentava. Finda a fermentao, era distribudo em jarras adequadas ao transporte: compridas, pontiagudas, munidas de duas orelhas e com um gargalo estreito, que se vedava com gesso. Os vasilhames eram transportados s costas ou pendurados numa vara e carregadaos por dois homens, no caso de serem muito pesados. Como acontecia em tudo, os escribas acompanhavam o trabalho. Contavam os cestos que chegavam s dornas e escreviam nas jarras dados como o ano da fabricao do vinho, o nome do proprietrio e dos vinhateiros e marcavam os mesmos dados em seus registros. Se ocorrer de um proprietrio vir pessoalmente vigiar o servio, os trabalhadores logo improvisavam cnticos em seu louvor e invocavam a Cha, o gnio da vinha: Vem, nosso patro, vers as tuas vinhas nas quais teu corao se alegra, enquanto que os vinhateiros pisam as uvas, na tua presena. Nas cepas, as uvas so abundantes. Muito sumo h nas uvas, mais do que em qualquer outro ano. Bebe, alegrate, fazendo o que te agrada! As coisas acontecer-te-o segundo os teus desejos! A Senhora de Imit aumentou as tuas vinhas porque deseja a tua felicidade. Os vindimadores cortam as uvas; as crianas levam a sua parte. a oitava hora do dia, a que fecha os seus braos. A noite vem. Sobre as uvas abundante o orvalho do cu. Apressemo-nos a pis-las e a lev-las para a casa do nosso patro. Todas as coisas acontecem por vontade de Deus. O nosso patro beber com suavidade, agradecendo a Deus o teu Ka. Faa-se uma libao a Cha, a fim de que ele d numerosas uvas no prximo ano.

Sempre que tinha oportunidade os egpcios pediam favores aos deuses. Nas pinturas e baixos-relevos podemos ver, s vezes, ao lado das dornas, uma serpente pronta para o bote. Pode estar adornada com um disco solar entre os cornos, colocada num armrio elegante, ou representada junto a um macio de papiros. Perto dela v-se uma pequena mesa carregada de pes, uma folha de alface, um ramo de lotus, tudo isso flanqueado por dois clices. Trata-se de Renenutet deusa das colheitas, da qual dependiam tambm as adegas, os vesturios, as uvas e os eirados. A sua festa principal tinha lugar no incio da estao da colheita. Alm disso, os vinhateiros festejavam -na quando terminavam os trabalhos de lagar. Instrumentos musicais Flauta e harpa so dois instrumentos musicais que surgiram na poca das pirmides. Isoladamente ou em conjunto, podiam se associar voz e s palmas. A verdade que os egpcios sempre gostaram de msica. Amavam-na bem antes da inveno de qualquer instrumento, quando ainda s sabiam bater com as mos ao ritmo da voz. Com o decorrer dos sculos passaram a contar com instrumentos musicais variados e bem desenvolvidos. A ilustrao acima nos mostra, por exemplo, um grupo de jovens com seus respectivos instrumentos: uma harpa, um alade, uma flauta dupla e uma lira. A importncia que os egpcios davam msica no seu cotidiano atestada pela grande quantidade de instrumentos musicais que foram encontrados pelos arquelogos, a maioria cuidadosa e individualmente embrulhada em tecido, freqentemente gravada com os nomes de seus proprietrios e que hoje podem ser vistos em museus de todo o mundo. Os relevos nas paredes de templos e tmulos de todos os perodos da histria egpcia mostram numerosos tipos e formas de instrumentos musicais, a tcnica com a qual eles eram tocados e afinados e, ainda, msicos atuando em conjunto. Uma imagem do Imprio Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), por exemplo, mostra um flautista, um harpista, quatro danarinos e dois cantores. Em uma figura do Imprio Mdio (c. 2040 a 1640 a.C.) aparece uma longa flauta e uma grande harpa acompanhando um homem que canta com a mo esquerda posta em concha na orelha; outro desenho mostra trs cantores acompanhados por duas harpas, um sistro e um chocalho. Uma pintura do Imprio Novo (c. 1550 a 1070 a.C.) indica que havia certas salas do palcio real de Tell el-Amarna que eram destinadas msica.

Algumas cenas so to detalhadas que nos permitem ver as mos do harpista percutindo certas cordas, ou os tocadores de instrumentos de sopro emitindo determinados acordes. As distncias dos trastos do alade mostram claramente que os intervalos correspondentes e as escalas podem ser medidas e calculadas. As posies das mos dos harpistas nas cordas indicam claramente relaes como as de quarta, quinta, e oitava, revelando um conhecimento inquestionvel das leis que governam a harmonia musical. A execuo dos instrumentos musicais controlado pelos movimentos das mos dos quirnomos, o que tambm nos ajuda a identificar certos tons, intervalos e relaes entre os sons.

A HARPA

As harpas, um dos mais antigos instrumentos musicais do mundo, idealizadas a partir dos arcos de caa, foram usadas desde o Imprio Antigo em forma de arco e seu nome egpcio era benet. Nesse perodo eram os nicos instrumentos musicais de cordas existentes no Egito. Consistia de uma caixa sonora unida a uma haste curva circundada por presilhas, uma para cada corda. As cordas se estendiam entre suas presilhas e uma barra de suporte que ficava em contato com a caixa de som. Quando as presilhas eram giradas, a tenso e, consequentemente, a afinao da corda atada a ela mudava. A

maioria destas harpas curvas tinha menos de dez cordas e algumas chegavam a ter apenas trs. Acima vemos uma harpa de madeira do Imprio Novo, conservada no Museu Britnico de Londres. Clique aqui para ampliar a figura, ou aqui para ver outra foto da mesma pea. Harpas triangulares surgiram em poca posterior, vindas da sia. Nesse caso uma haste reta ficava presa em um buraco de uma caixa sonora oblonga, resultando a formao de um ngulo agudo entre a haste e a caixa. As cordas, possivelmente feitas de cabelo ou de fibras vegetais, eram presas, de um lado, caixa e, de outro, amarradas ao redor do brao do instrumento. Como no modelo anterior, elas tambm eram afinadas afrouxando-se ou apertando-se os ns que as seguravam. Os instrumentos normalmente tinham de oito a doze cordas e homens e mulheres tocavam-nos sentados, em p, ou ajoelhados, em festas, reunies sociais e eventos cerimoniais. Geralmente eram feitos de madeira, freqentemente enfeitados e provavelmente no ecoavam muito longe. A partir de 1550 a.C., quando se inicia o Imprio Novo, os recursos instrumentais progridem e as harpas, segundo informa o egiptlogo Pierre Montet, passam a ser mais volumosas. O corpo sonoro redobra de volume e as cordas passam a ser mais numerosas. Fabricavam-se harpas portteis, harpas de grandeza mdia providas com um p e harpas monumentais que so verdadeiras obras de arte, cobertas com ornamentos florais ou geomtricos, enriquecidas com uma cabea de madeira dourada que encava na extremidade superior ou se adapta base. Com relao ao luxo de tais harpas sabemos, por exemplo, que o fara Amsis (c. 1550 a 1525 a.C.) possuia uma feita de bano, ouro e prata. Nesse perodo elas podiam medir at dois metros de altura e possuir 19 cordas. Alguns autores chegam a citar a existncia de harpas com at 29 cordas. Uma inscrio referente coroao de Tutmsis III (c. 1479 a 1425 a.C.) d bem uma idia da sofisticao que um desses instrumentos podia alcanar: Minha Majestade fez uma esplndida harpa forjada com prata, ouro, lpislazli, malaquita, e toda pedra preciosa brilhante.

As pinturas do tmulo de Ramss III (c. 1194 a 1163 a.C.) mostram muitas harpas em forma de arco. A lira, um instrumento de cordas com o formato de uma letra U, com braos retos ou curvos de comprimentos diferentes, originria da sia. Algumas eram portteis, extremamente elegantes e com no mais do que cinco cordas. Outras p odiam ser grandes e possuir um p de apoio. Seus instrumentistas aparecem representados muitas vezes como nmades estrangeiros. A primeira representao de uma lira na arte egpcia aparece no Imprio Mdio e o instrumento tornou-se bastante comum cerca de 500 anos mais tarde, j no Imprio Novo. Ela era tocada com um longo plectro seguro com a mo direita, todas as cordas sendo tangidas em conjunto, enquanto os dedos da mo esquerda silenciavam as cordas que no se desejava que soassem. Como regra o instrumento era segurado horizontalmente, com a travessa afastada do executante. Liras gigantes foram populares durante o reinado de Akhenaton (c. 1353 a 1335 a.C.) e algumas eram to grandes que podiam ser executadas a quatro mos. Depois do ano 1000 a.C. foi introduzida no Egito, tambm vinda da sia, uma lira simtrica menor, com braos paralelos e que erasegurada na posio vertical.

INSTRUMENTOS DE CORDAS ALADE

Outro instrumento de corda tambm de origem asitica, conhecido atualmente como alade e semelhante ao bandolim, parece ter sido introduzido no Egito no Imprio Novo, tendo ganho grande aceitao. Era uma pequena caixa de ressonncia oblonga, com seis ou oito orifcios, chata dos dois lados ou no formato de metade de uma pera e munida de um longo cabo ornado de bandeirolas, sobre o qual se estendiam quatro cordas. As cordas eram presas em cavilhas laterais e produziam som quando esfregadas ou tangidas. A caixa de ressonncia era necessria para amplificar o som do tremor das cordas, o que se conseguia pela vibrao do ar dentro da caixa. Uma palheta, ou seja, um pequeno e fino pedao de metal ou osso usado para ferir as cordas, ficava presa no pescoo do instrumento por uma fita. No instrumento de madeira acima, provavelmente do Imprio Novo, apenas trs cordas foram preservadas. A estatueta de uma jovem tocando um alade grande, mas com um brao curto, foi encontrada em uma tumba da XX dinastia (c. 1196 a 1070 a.C.) pela equipe do arquelogo Flinders Petrie. Finalmente, um instrumento classificado como violo pelo fato de possuir, alm das cordas, a parte posterior plana e os lados curvos, pode no ter sido muito parecido com um violo moderno. Ele deve ter sido aperfeioado se no inventado pelos egpcios.

INSTRUMENTOS DE SOPRO

No captulo dos instrumentos de sopro podemos citar as flautas que, alis, esto entre os primeiros instrumentos musicais utilizados, aparecendo j representadas em

cacos de loua do Perodo Pr&eacute-dinstico (c. 3000 a.C.), o que nos leva a pensar que talvez tenham sido inventadas pelos prprios egpcios. Normalmente havia de trs a cinco orifcios para os dedos. Podiam ter palhetas ou no e ser formadas por um nico tubo ou por dois tubos paralelos ajustados um contra o outro. Posteriormente os tubos foram separados e colocados em um ngulo agudo. No princpio, esses instrumentos eram feitos de canas, mas evoluram para tubos manufaturados em bronze. Eles podiam ser curtos e tocados na posio horizontal, ou alcanar at o comprimento de quase um metro, sendo tocados, nesse caso, numa posio verticalmente inclinada. Tais flautas ainda so usadas no Egito atual. Na figura acima vemos um par de flautas simtricas unidas, feitas de madeira, sem a embocadura que se perdeu, e provavelmente datadas do Imprio Novo.

Os vrios tipos de tubos diferiram na construo da extremidade que era levada boca. As flautas simples, as quais eram tocadas na posio horizontal, tinham uma cunha afiada que permanecia do lado de fora dos lbios. As flautas duplas, instrumentos tocados na posio vertical, tinham bocal solto, de encaixe, fornecido com palhetas vibratrias simples, no caso de tubos paralelos, ou duplas, a exemplo do que ocorre com os modernos obos, no caso de tubos colocados em ngulo agudo. Os arquelogos nunca encontraram esses bocais. Entretanto, sabe-se que obos duplos j eram conhecidos, aproximadamente, desde 2800 anos antes de Cristo. Tinham dois tubos de comprimento desigual, sendo que o mais longo era usado para produzir sons contnuos e montonos, ou para tocar notas que o tubo mais curto no conseguia alcanar. Nas cenas militares, por sua vez, frequentemente so mostrados trompetes. Pelo menos dois trompetes de Tutankhamon (c. 1333 a 1323 a.C.) e um terceiro do Perodo Ptolomaico (304 a.C. a 30 d.C.) foram encontrados pelos arquelogos. Embora no tenham sido encontrados relevos mostrando instrumentos feitos de chifres de animais, deve-se notar que existem modelos em terracota de tais instrumentos datados do Imprio Novo. Entre os instrumentos de percusso havia o pandeiro, os crtalos e os sistros. O primeiro, tocado com as mos, podia ser redondo ou quadrado, entrou em uso durante o Imprio Novo e era empregado em banquetes e reunies sociais, bem como nas festas populares e religiosas. Figura bastante nas mos de mulheres em rituais religiosos, quando elas participam em danas sagradas e procisses ou tocam diante das divindades femininas. O som metlico dos cmbalos do pandeiro tem poder protetor, pois espantam

os espritos malficos, os inimigos em geral e os efeitos do mau olhado. Os outros dois instrumentos eram indispensveis em festas religiosas, j que eram consagrados a Htor, deusa dos festins e da msica.

Crotalo

Os crtalos eram formados por duas placas iguais, geralmente de marfim ou de madeira, apresentando um formato curvo como se fossem aspas. Batendo as duas -se metades entre si produzia-se o som. Costumavam ter um desenho entalhado nelas como, por exemplo, mos, um relicrio, uma cabea de mulher ou, mais comumente, a cabea de Htor. Pares de diferentes formas e tamanhos foram encontrados em diversos stios arqueolgicos egpcios. Os que apresentavam formato de mos parece que estavam relacionados com Htor no seu papel de mo do deus, ou seja, a mo de Atum, o qual, segundo o mito heliopolitano sobre os primrdios da criao, havia gerado Shu e Tefnut se masturbando. Acima vemos um destes instrumentos, de marfim, exposto no Museu Britnico de Londres. Um modelo de origem no egpcia, provavelmente orindo da Fencia, tinha o formato de uma pequena bota de madeira cortada pela metade no sentido longitudinal e sulcada na parte correspondente perna, enquanto que a parte cnica correspondente ao p servia como cabo. Alguns modelos de tamanho pequeno ficavam escondidos na palma das mos dos msicos, de maneira que no podem ser percebidos nas ilustraes. Acredita-se que nos relevos nos quais a mo do danarino aparece como um punho, provavelmente isso significa que ele est segurando esse crtalo menor, correspondente s nossas atuais castanholas.

O sistro

O sistro era uma espcie de chocalho, frequentemente feito de bronze, e apresentava uma cabea de Htor colocada no extremo de um cabo com formato de haste de papiro. No lugar dos chifres da deusa, e muito mais compridos do que eles, havia um arco metlico cruzado horizontalmente por trs ou quatro pequenas hastes tambm de metal que atravessavam pequenos cmbalos, igualmente metlicos. Cada uma das hastes era freqentemente feita de material diferente e interpretadas como representaes dos quatro elementos que formam o mundo vivo: a terra, o ar, o fogo e a gua. Os sistros com apenas trs hastes, como este ao lado datado do Perodo Tardio (c. 712 a 332 a.C.), simbolizavam as trs estaes: cheia, semeadura e colheita. Ao se agitar o sistro, as peas soltas soavam em conjunto. Um certo grau de afinao era possvel e enquanto alguns dos instrumentos produziam um som rouco enervante, outros emitiam sons descritos como "de doce fascnio". Essa forma do instrumento comea a surgir no Imprio Mdio. Anteriormente, porm, desde o Imprio Antigo, existia outra forma de sistro, menos barulhenta. Sempre com cabo em forma de papiro, apresentava um recipiente fechado e lindamente decorado com a cabea da deusa, dentro do quais sementes produziam sons semelhantes aos de juncos de papiro agitando-se. O receptculo costumava ter a forma de uma pequena capela representando o espao sagrado no qual o primeiro som que criou o universo aconteceu. O relicrio pode simbolizar tambm a

casa de canas construda para abrigar Htor quando ela deu luz a seu filho, Ihy, um deus-criana da msica. O prprio nome de Htor significa casa de Hrus e a imagem do falco aparece freqentemente aninhado em cima do relicrio do sistro. Tambm instrumento da deusa gata Bastet era, nesse caso, encimado por um rosto de gato ou por um gato sentado em cima do relicrio. No caso do primeiro modelo, o gato aparecia se espreguiando por sobre o topo do arco metlico. Quando usados como amuletos de casamento, os sistros mostravam cestas de gatinhos presas nas laterais do arco, caso em que os gatinhos representavam a prole. Com o tempo o cabo passou a ser feito no apenas de bronze, mas tambm de faiana ou prata embutida com esmaltes e aparecia com frequncia na forma do deus ano Bes. Outra forma que o cabo do sistro podia tomar era a do chamado pilar Djed, objeto que foi interpretado como a coluna vertebral do deus Osris. No culto de outros deuses, como Ptah e at mesmo Aton, os sistros tambm foram utilizados. A origem do instrumento parece ter sido a Nbia, onde surgiu como componente dos ritos de fertilidade locais, ou talvez tenha evoluido de um ritual arcaico que consistia em cortar brotos de papiro com caules longos, sec-los, segur-los em forma de arco e sacudi-los rtmicamente para abrir o corao da pessoa deusa Htor. Os brotos de papiro secos contm um certo nmero de sementes soltas que produzem um som sibilante musical quando so chacoalhadas. A palavra egpcia seshesh, que significa sussurrar, deu origem ao nome egpcio do instrumento, seshest, onomatopaico, lembrando uma das mais protetoras e antigas deusas do Egito, a deusa-naja Wadjit, que se acreditava pudesse ser chamada sussurrando sons e encantada atravs de msica rtmica. Alguns dos sistros mais antigos apresentam hastes na forma de serpentes, reminiscncia dos velhos rituais de colheita. Agitando-se o sistro pelo cabo produzia-se um som agudo e prolongado muito apropriado para acompanhar ou ritmar o canto. Acreditava-se que ele tivesse virtudes de apaziguamento, aliviasse as mulheres no parto, afastasse os malefcios e abran dasse os modos das pessoas. Eram sempre tocados em momentos de alto significado religioso como, por exemplo, quando chegavam os que estavam de luto, quando o fara e a rainha apareciam, quando as cantoras comeavam a cantar. As sacerdotisas de Htor e as de Bastet costumavam agit&aacute-los como parte dos rituais que realizavam e, ao que parece, supunha-se que eles estimulavam a fecundidade. A prpria forma do

instrumento tinha conotaes com a juno das energias masculina e feminina: sua parte superior continha as sementes ou cmbalos, simbolizando o ventre da mulher e o cabo alongado simbolizava o falo do homem. Quando se manifestava sob a forma da deusa Nebethetepet, conhecida como Senhora da Vulva, Htor era representada como um sistro com o desenho de um relicrio incorporado nele. Nos festivais, os msicos, cantores e danarinos andavam em procisso no exterior dos templos e os sacerdotes transportavam um relicrio que abrigava a esttua da divindade. Frequentemente o que se pretendia no era produzir msica agradvel, mas um som rtmico que criasse um estado de xtase religioso, ou simplesmente bastante barulho para espantar os espritos nocivos. Os crtalos e os sistros eram dois instrumentos bastante teis para tal propsito. Outro instrumento da mesma categoria so os cmbalos, constitudos por um par de pratinhos metlicos. Ligeiramente cncavos, eles possuem salincias no centro de suas partes superiores, nas quais so amarrados atilhos curtos que os prendem aos dedos. Eram usados aos pares em cada mo, um deles preso na primeira junta do polegar e o outro atado no dedo mdio. Sons vibrantes so produzidos golpeando-se os cmbalos diretamente um contra o outro, ou batendo-se com um deles na borda do outro. Ainda hoje eles so usados nas apresentaes de dana do ventre. No Perodo Tardio (c. 712 a 332 a.C.) surgiram pratos maiores, com cerca de 15 centmetros de dimetro, formados por um par de discos cncavos e preso cada um deles a uma das mos dos msicos por meio de correias de couro. Tambm na mesma poca aparecem pequenos sinos. Ainda no captulo da percusso havia os tambores, percutidos com as mos, usados tanto com funes religiosas quanto em desfiles militares. Uma mulher tocando um tambor redondo era o smbolo para "alegria" entre os egpcios. Deusas como Htor, sis e Sekhmet, ou deuses como Bes e Anbis foram representados vrias vezes tocando tambores. Na maioria das ilustraes que mostram cenas da corte ou dos grandes templos, aparecem mulheres como tocadoras de tambor. Os homens costumam aparecer mais como tocadores de tambores militares. Havia basicamente dois tipos de tambores. Um dos modelos tinha o formato de pandeiros, mas bem maiores e sem os cmbalos metlicos na lateral, redondos ou retangulares, com armao de madeira, cujo dimetro muito maior que sua profundidade. Esse instrumento talvez tenha sido desenvolvido por mulheres que usavam peneiras para limpar os gros. Suas formas so as mesmas e

desde a antiguidade se acredita que a peneira para gros e esse tipo de tambor compartilhem uma origem comum. Um dos nomes mais velhos registrados para esse instrumento do antigo idioma sumrio, no qual a palavra que o designa tambm significa "peneira de gros". O outro modelo de tambor tinha o formato de barril, inicialmente feitos com troncos de rvores escavados e que se tornaram populares em bandas militares. At hoje nenhuma imagem foi encontrada que mostre os tambores, de qualquer modelo, sendo tocados com baquetas. A batida do tambor era comparada ao pulsar da vida, semelhante ao som da batida do corao que ns ouvimos no tero materno. O instrumento tambm era relacionado com a lua e a fertilidade. Do ponto de vista cronolgico, os tambores s apareceram de fato a partir do Imprio Mdio. Primeiro surgiram os de formato de barril. Uma das mais antigas representaes de tambor em um contexto religioso pode ser vista na tumba de Kheruef, um funcionrio da corte de Amenfis III (c. 1391 a 1353 a.C.), Ali existe uma cena na qual duas mulheres, provavelmente sacerdotisas, tocam tambores enquanto um pilar djed erguido ritualmente em um festival. Foram encontradas algumas das peles destes tambores pintadas com cenas simblicas. Duas delas, do Imprio Novo, achadas em Tebas, mostram sis dando vida a Osris. Htor e Bes aparecem na fi ura entre um g grupo de mulheres que tocam tambores. Isso ilustra o poder do tambor de invocar criao e ressurreio e seu uso em rituais relacionados com tais atos. Outras duas peles, estas do Perodo Ptolomaico, mostram sacerdotisas que tocam tambor diante de sis que aparece sentada em seu trono. Cena parecida existe em um relevo em pedra da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.) no qual quatro mulheres, identificadas como sacerdotisas no texto que acompanha a cena, tocam tambores diante de Htor e Mut. Uma funo bastante prtica exercida pelos tambores era a de marcar com sua batida o ritmo dos remadores nos barcos que velejavam pelo Nilo. Essa misso tambm lhes era confiada na esfera divina: frequentemente so mostradas sacerdotisas tocando tambores no acompanhamento dos barcos sagrados das deidades em procisses rituais. E ainda mais: na viagem diria que R fazia velejando pelas guas celestiais, uma mulher toca tambor em seu barco, marcando os ritmos naturais do universo. Durante sculos e sculos os tambores continuaram a ser usados em cerimnias religiosas. No apenas na poca dos Ptolomeus, mas tambm no Perodo Romano (30 a.C. a 395 d.C.) o instrumento continuou figurando em cenas de culto. Podemos v-lo tocado por

sacerdotisas no templo de Htor em Dendera, no templo de Mut em Karnak, no templo de Hrus em Edfu, no templo de sis em Philae e em outros ainda. As paredes das tumbas mostram com constncia mulheres tocando tambor ao receberem o morto no alm. O instrumento figurava entre os pertences funerrios enterrados com o defunto e, por exemplo, a me de Senenmut, o arquiteto da rainha Hatshepsut (c. 1473 a 1458 a.C.), foi enterrada junto a seu tambor. Finalmente devemos citar um utenslio curioso: um misto de instrumento musical e colar denominado menat. Eram largos e pesados colares feitos com prolas ou contas coloridas de cermica, pedra dura ou metal precioso, montadas em semicrculo formando um grande crescente. A borda externa podia ou no ser guarnecida por pingentes. Eram dotados de longos contrapesos, os quais equilibravam seu peso considervel quando eram colocados no dorso do portador. Ao serem agitados nas festividades produziam o rudo caracterstico do choque das miangas. Esse som transmitia vida e poder, tornava as jovens mulheres fecundas, mas tambm favorecia o renascimento espiritual do ser no alm-tmulo. com esse objetivo que a deusa Htor oferece um destes colares ao fara Seti I (c. 1306 a 1290 a.C.), como mostra a figura acima. Esses instrumentos tambm eram empunhados e agitados principalmente pelas sacerdotisas de Htor, sendo que as mais experientes dentre elas tocavam o crtalo com uma mo e o menat com a outra. A executante podia usar o colar no pescoo ou, levando-o nas mos, apresent-lo pessoa a quem desejasse oferecer boas vibraes. Diversos estudiosos concordam que o menat simbolizava prazer e jbilo, tanto do ponto de vista da fertilidade, quanto da perspectiva da satisfao sexual. As suas fileiras de contas e o contrapeso de aparncia flica parecem combinar os princpios feminino e masculino em ao. Ele evocava a unio de sis e Osris na criao de Hrus e ao ser oferecido aos mortos, o instrumento permitia a revitalizao deles no outro mundo. Em uma pintura tumular do Imprio Mdio podemos ver que um grupo de danarinas, musicistas e cantoras entrega o menat ao dono da tumba em meio a uma festa. Elas balanam o instrumento e dizem: Para aumentar sua vitalidade, o colar de Htor. Que ela o abenoe... Para aumentar sua vitalidade, as gargantilhas de Htor. Que ela prolongue sua vida para o nmero de dias que voc desejar...

Embora estejamos tratando de cada instrumento individualmente, bvio que eles podiam ser usados em conjunto. Harpa e flauta, por exemplo, eram usadas juntamente com vrios instrumentos de sopro, com e sem palhetas, feitos de madeira ou metal. No Imprio Antigo, poca na qual as orquestras eram quase sempre formadas por homens, um grupo podia ser formado por cantores, tocadores de crtalos, algumas harpas, um flauta horizontal e outra vertical, para ficarmos apenas em uma das combinaes possveis. Um conjunto bem grande mostrado numa tumba do Imprio Mdio pertencente justamente a um professor de canto chamado Khesuwer. Ali ele aparece treinando dez tocadoras de sistro e dez executantes de crtalos, organizadas em fileiras, o que indica um desempenho altamente disciplinado. O Imprio Novo nos oferece o espetculo de orquestras femininas. As instrumentistas marcam o compasso batendo palmas e tocam os vrios instrumentos, ora em p, ora sentadas. Numa cena de dana encontrada em Amarna podemos ver dez jovens, algumas com pandeiros e outras com crtalos nas mos. Generalizando um pouco, podemos dizer que a msica ritual dos templos era em grande parte constituda pelo chocalhar do sistro, acompanhado por canto, s vezes tambm contando com a participao de harpa e/ou de percusso. Cenas de reunies sociais e de festivais religiosos mostram conjuntos de instrumentos, tais como liras, alades, flautas simples e duplas, crtalos, tambores e a presena, ou no, de cantores, em uma variedade de situaes. Provavelmente a primeira notcia que temos de uma orquestra completa executando um concerto datada de cerca de 250 a.C. O evento ocorreu em um festival para o fara Ptolomeu II (285 a 246 a.C.), no qual 600 msicos tocaram simultaneamente.

A Msica, o Canto e a DanaEmbora os antigos egpcios no tivessem um termo especfico que correspondesse nossa palavra msica, executavam e ouviam uma excepcional variedade dela. Alguns instrumentos musicais j eram conhecidos desde os primeiros tempos e muitos deles foram encontrados pelos arquelogos. Nos tmulos eram frequentemente representadas cenas de banquetes nas quais msicos, cantores e bailarinos apareciam em destaque. o caso, por exemplo, deste harpista cego de um tmulo da XII dinastia. Tais representaes se intensificaram no Imprio Novo (c. 1550 a 1070 a.C.). Como nestas festas domsticas geralmente homens

e mulheres ficavam em ambientes separados, era usual que as mulheres tivessem moas que tocavam para elas, enquanto que os homens escutavam outro conjunto de msicos masculinos. Infelizmente no temos documentao sobre as melodias, os rtmos e os passos das danas. Apesar disso, possvel reconstituir um pouco da vida musical, dos instrumentos e dos msicos do Egito antigo, graas ao que temos: as palavras das canes; as ilustraes mostrando msicos, cantores e danarinos; a denominao das pessoas que exerciam tais profisses e os instrumentos depositados como objetos funerrios e encontrados em tumbas de quase todas as pocas da histria egpcia. Nos relevos achados at hoje jamais aparecem msicos tendo sua frente um papiro como partitura. Isso levou os arquelogos a suporem que os egpcios no tinham um sistema musical escrito. Os principais instrumentos utilizados eram, sem dvida, flautas, clarinetes e harpas, empregados principalmente por ocasio de festividades religiosas ou da vida cotidiana para execuo de uma msica circunstancial. Juntavam-se a eles o duplo obo, a trombeta, o alade e a lira. Os instrumentos de percusso normais eram o pandeiro e o tambor, enquanto que os sistros e crtalos eram utilizados como instrumentos de percusso em rituais. Embora o rtmo musical fosse marcado pelos percussionistas, essa funo era s vezes substituda pelas palmas. Ainda que houvesse manifestaes musicais nos lares, eram os msicos dos cultos e dos templos que realizavam a maior parte dos eventos nos quais a msica tivesse importncia. As pessoas acreditavam que os deuses apreciavam e eram pacificados pelas manifestaes musicais. Papel de destaque teve, a partir do Imprio Novo, as cantoras desta ou daquela divindade, cuja funo consistia justamente em oficiar como executantes do respectivo templo nas cerimnias de culto. sabido que apenas o fara e os sumo sacerdotes podiam ver as esttuas de culto das divindades que ficavam nos santurios dos templos. Portanto, se msicos tocavam diante dessas esttuas, pressume-se que teriam que ser cegos. De fato, harpistas masculinos cegos so mostrados em algumas paredes das tumbas, como o que vemos no alto desta pgina, o que leva a concluir, tambm, que no havia discriminao social com relao aos deficientes fsicos. Em sntese, as atividades musicais faziam parte dos rituais dirios dos templos, apareciam com grande destaque nos festivais dedicados aos deuses e ainda

faziam parte dos ritos religiosos mais pessoais como era o caso, por exemplo, dos nascimentos e falecimentos. Canto e dana tambm fazia parte integrante da vida musical egpcia. Em um papiro do Imprio Novo, conhecido como Os Ensinamentos de Ani, est dito que o canto, a dana e o incenso so o alimento dos deuses. Pelo menos um instrumento acompanhava quase todas as canes entoadas. O desenvolvimento meldico e a estrutura rtmica da msica e do canto eram indicados pelos movimentos das mos e por gestos transmitidos aos respectivos msicos atravs da mmica por uma espcie de lderes, denominados atualmente de quirnomos ou quironomistas. A realidade que em vrios relevos do Imprio Antigo (c. 2575 a 2134 a.C.), ao lado dos instrumentistas, vemos um personagem que faz sinais com as mos havendo uma relao entre a posio das mos do instrumentista e os sinais deste personagem. Ao que parece, tais sinais foram a mais antiga forma de notao musical. Considerando que nos desenhos podem aparecer at trs quironomistas na mesma cena, parece claro que eles no dirigiam o conjunto como se fossem maestros, mas realmente indicavam as notas que deveriam ser tocadas. Os quirnomos desapareceram a partir do Imprio Novo. Os cantos assim estruturados comportavam diferentes gneros meldicos. Podemos muito bem distinguir os cantos do trabalho de camponeses, de pastores, de pescadores, das mulheres ceifeiras e dos artfices e, ainda, as canes de amor, de entretenimento e, por ltimo, mas no menos importante, os cantos fnebres. Cantar era um elemento fundamental, por exemplo, dos ritos associados com a agricultura. As ceifeiras poderiam cantar um lamento, acompanhado por uma flauta, para expressar sua tristeza pelo primeiro corte da colheita, ato que se pensava siombolizar um ferim ento em Osris, o deus da vegetao. Tambm dispomos de informaes referentes formao dos cantores e cantoras. Eles eram instrudos em verdadeiras escolas de canto e tinham uma importante posio dentro da corte faranica. egpcio o primeiro msico d histria universal a cujo nome chegou at ns: chamava-se Khoufouankh, tocava no palcio do rei Userkaf (c. 2465 a 2458 a.C.), da V dinastia, ocupava o posto de cantor, diretor dos cantores e flautista da corte. Por seu prestgio teve permisso de erigir seu tmulo, primorosamente decorado, nas proximidades das pirmides de Giz.

Estamos tambm bem informados esclarece o professor de egiptologia da Universidade de Constana, Wilfried Seipel sobre os diferentes gneros coreogrficos em uso desde o Imprio Antigo graas s numerosas representaes conservadas nas tumbas. Do Imprio Antigo ao Imprio Novo, e ainda no Perodo Tardio (c. 712 a 332 a.C.), havia diferentes danas, algumas calmas, srias, outras, ao contrrio, cheias de vida, exuberantes, para no dizer orgisticas. A maior parte era executada por moas jovens ou mulheres, mas encontramos excepcionalmente algumas danas complicadas executadas por homens. As danarinas representadas nas tumbas do Imprio Novo, com seus longos penteados ou suas grandes perucas, enfeitadas com colares e brincos, esto frequentemente vestidas com longas vestes de linho transparente, que mais revelam o corpo do que o escondem, mas s vezes no trazem mais do que um simples cinto estreito apertado ao redor dos quadris. Crtalos nas mos, essas jovens moas, alegremente, rodopiavam sobre si mesmas e mantinham toda a audincia sob o encantamento de sua graa e de seus atrativos. Estatuetas femininas com os braos levantados ou pinturas em cermica sobre o tema da dana, datadas do perodo pr-dinstico, ou seja, muito anteriores a 3000 anos a.C., demonstram que esta uma manifestao artstica bem antiga para os egpcios. Danas podiam ocorrer durante cerimnias religiosas e, ainda, em banquetes e festas populares. Ao trmino das colheitas, por exemplo, os camponeses danavam em sinal de alegria. As danas relacionadas aos ritos agrcolas tinham dois objetivos principais: estimular o crescimento da vegetao e agradecer aos deuses os bons resultados. Em um conto intitulado O Nascimento das Crianas Reais, datado do Imprio Mdio, as parteiras que chegam casa de uma mulher que est em trabalho de parto chegam disfaradas como danarinas, quando na realidade so deusas. Pode muito bem ter sido comum que as danarinas tenham tido um papel relevante na hora dos nascimentos. Havia tambm danas guerreiras, simbolicamente representando a vitria almejada. Entretanto, de modo geral, bailarinos e bailarinas eram profissionais do ofcio e costumavam fazer parte do pessoal adjunto aos templos. Embora alguns passos pudessem ser come-didos, delicados e graciosos, havia tambm verdadeiras danas acrobticas, como bem retratam vrios relevos antigos. Em alguns deles se percebe, perfeitamente, a musculosidade das pernas das bailarinas, atestando que faziam dessa atividade a sua profisso. A figura acima, uma ostraca de calcrio com 16,8 cm de

largura da XIX dinastia (c. 1307 a 1196 a.C.), proveniente de Deir el-Medina, a aldeia situada a oeste de Tebas que abrigava construtores de tmulos, mostra o esboo de uma danarina acrobtica. Observe a curiosa posio do brinco que "cai para cima". A coreografia podia reunir grupos ou pares, mas sempre do mesmo sexo, e na maioria das vezes eram as mulheres que se exibiam, sobretudo nas danas funerrias das quais s elas participavam. Aqui o objetivo era o de alegrar o esprito do morto e espantar os maus espritos. Nas principais cerimnias em que o fara comparecia como, por exemplo, quando se erigia o pilar djed, um rito cujo objetivo era dar vida ao deus Osris; na festa do Heb Sed, um festival no qual o rei passava por um sacrifcio simblico de morte e ressureio; ou na festa de Opet, a maior festividade do ano, na qual Amon era carregado em barcos dourados nos ombros dos sacerdotes, a dana tambm estava presente. A deusa Htor e o deus Bes eram divindades protetoras da msica e da dana. Algumas bailarinas costumavam tatuar a perna com imagens do deus Bes. Nas festividades oferecidas no apenas deusa Htor, mas tambm deusa Bastet, a coreografia assumia grande destaque. Em festividades religiosas podia haver a presena de bailarinos estrangeiros, tais como nbios e lbios, o que ocorreu principalmente no decorrer do Imprio Novo. Desde os tempos da V dinastia (c. 2465 a.C.) que anes com mscaras leoninas parecem ter sido reunidos aos grupos de mulheres que cantavam e danavam em ocasies religiosas. Em alguns casos em que as danas tinham carter cmico, era muito apreciada a presena de pigmeus.

Fonte arqueolgica principal Fragmento de parede da tumba de alto funcionrio egpcio.Fragmento de pintura mural da tumba de Nebamon, escriba dos celeiros, da XVIII dinastia (c. 1550 a 1307 a.C.), mostrando uma cena de banquete.