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113 EGITOP EXPOSIÇÕES SOBRE A ARTE EGÍPCIA NO ENSINO MÉDIO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Valéria Metroski de Alvarenga UDESC/SEED-PR RESUMO O refletir sobre a prática, a experimentação e a formação continuada auxiliam no processo de criação de novas formas de ensinar, além de ampliar a nossa própria formação docente. Tendo por base essas premissas, objetivamos apresentar um relato de experiência apontando as diferenças e as semelhanças entre duas exposições sobre a arte e a cultura do Egito Antigo. Ambas foram realizadas por alunos do 1º ano do Ensino Médio, mas com direcionamentos distintos. Uma foi realizada em 2013 e outra em 2017 em duas escolas localizadas na região metropolitana de Curitiba. Foi possível constatar que a liberdade de criação dada na segunda exposição, na qual foi possível unir o antigo com o contemporâneo, interessou muito mais os alunos do que a primeira que tentou se manter dentro do padrão específico do conteúdo trabalhado. Palavras-chave: Ensino de arte. Arte Egípcia. Exposição na escola. Refletir sobre a prática. ABSTRACT Reflecting on practice, experimentation and continuing education helps in the process of creating new ways of teaching, as well as expanding our own teacher education. Based on these premises, we aim to present an experience report pointing out the differences and similarities between two exhibitions on the art and culture of Ancient Egypt that were carried out by students of the 1st year of High School, on the same content, but with orientations different. One was held in 2013 and another in 2017 in two schools located in the metropolitan region of Curitiba. It was possible to verify that the freedom of creation given in the second exhibition, by allowing the former to be combined with the contemporary, interested the students much more than the first one that tried to keep within the specific pattern of the content worked. Keywords: Art teaching. Egyptian art. Exhibition at school. Reflect on practice. ENTRANDO NA PIRÂMIDE Os subtópicos desse relato de experiência possuem títulos pouco convencionais, como se pode ver pelo título dessa introdução. Nesta, será apresentada a sequência do presente texto, assim como dados de onde as exposições foram realizadas, quando elas ocorreram e quem participou do processo. No subtópico intitulado “Lei da frontalidade e regras de construção” serão apresentados detalhes da primeira exposição, que foi realizada em 2013, juntamente com uma análise da mesma. Na sequência temos “A vida após a ‘morte’”, no qual

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EGITOP – EXPOSIÇÕES SOBRE A ARTE EGÍPCIA NO ENSINO

MÉDIO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Valéria Metroski de Alvarenga – UDESC/SEED-PR

RESUMO

O refletir sobre a prática, a experimentação e a formação continuada auxiliam no processo de criação de novas formas de ensinar, além de ampliar a nossa própria formação docente. Tendo por base essas premissas, objetivamos apresentar um relato de experiência apontando as diferenças e as semelhanças entre duas exposições sobre a arte e a cultura do Egito Antigo. Ambas foram realizadas por alunos do 1º ano do Ensino Médio, mas com direcionamentos distintos. Uma foi realizada em 2013 e outra em 2017 em duas escolas localizadas na região metropolitana de Curitiba. Foi possível constatar que a liberdade de criação dada na segunda exposição, na qual foi possível unir o antigo com o contemporâneo, interessou muito mais os alunos do que a primeira que tentou se manter dentro do padrão específico do conteúdo trabalhado. Palavras-chave: Ensino de arte. Arte Egípcia. Exposição na escola. Refletir sobre a prática.

ABSTRACT Reflecting on practice, experimentation and continuing education helps in the process of creating new ways of teaching, as well as expanding our own teacher education. Based on these premises, we aim to present an experience report pointing out the differences and similarities between two exhibitions on the art and culture of Ancient Egypt that were carried out by students of the 1st year of High School, on the same content, but with orientations different. One was held in 2013 and another in 2017 in two schools located in the metropolitan region of Curitiba. It was possible to verify that the freedom of creation given in the second exhibition, by allowing the former to be combined with the contemporary, interested the students much more than the first one that tried to keep within the specific pattern of the content worked. Keywords: Art teaching. Egyptian art. Exhibition at school. Reflect on practice.

ENTRANDO NA PIRÂMIDE

Os subtópicos desse relato de experiência possuem títulos pouco

convencionais, como se pode ver pelo título dessa introdução. Nesta, será

apresentada a sequência do presente texto, assim como dados de onde as

exposições foram realizadas, quando elas ocorreram e quem participou do processo.

No subtópico intitulado “Lei da frontalidade e regras de construção” serão

apresentados detalhes da primeira exposição, que foi realizada em 2013, juntamente

com uma análise da mesma. Na sequência temos “A vida após a ‘morte’”, no qual

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serão apresentados o processo de confecção e os resultados da segunda exposição,

realizada em 2017. Por fim, temos o subtópico denominado “Fechando o esquife”.

Neste, apresento as minhas considerações finais sobre as exposições apontando

semelhanças e diferenças entre elas. Em meio a tudo isso, há algumas considerações

a respeito da formação docente.

A formação do professor deve ser um processo contínuo, visto que:

A melhoria da qualidade de ensino de Arte exige adaptações em diversas instâncias do sistema escolar e, mais do que nunca, no papel do professor de Arte, que, como protagonista das ações, garantirá a efetividade das mudanças, primordialmente através de sua atualização e da conseqüente inovação de suas práticas. (RANGEL; PLETITSCH, 2012, p.979)

Ao longo da minha experiência docente, fui buscando novas formas de abordar

o conteúdo da Arte e da Cultura Egípcia no Ensino Médio, dentre elas: exposições

coletivas dos trabalhos realizados (com mais de uma turma organizando a mesma

exposição), mediação dos próprios alunos para os demais alunos da escola e visitas

ao museu Egípcio de Curitiba (PR). Neste relato de experiência apresentarei o

processo de organização de duas exposições, realizadas nos anos de 2013 e 2017,

em escolas distintas, localizadas na região metropolitana de Curitiba, com alunos de

1º anos do Ensino Médio, com faixa etária entre 15 a 19 anos.

A escolha desse tema/conteúdo ocorreu devido a orientação das Diretrizes

Curriculares Estaduais da Educação Básica – Arte (DCE-Arte, 2008), além do

planejamento coletivo no início do ano letivo que foi realizado com os demais

professores de Arte nos relativos anos de organização das exposições. Os objetivos

desses trabalhos foram os seguintes: (1) identificar as caraterísticas da pintura, da

escultura e da arquitetura no Antigo Egito; (2) compreender aspectos da

tridimensionalidade; (3) explorar materiais possíveis para confecção de esculturas e

(4) realizar uma exposição em grupo. O encaminhamento metodológico utilizado nos

dois momentos foi o mesmo, a saber: a abordagem triangular, a qual consiste em

contextualizar (teorizar), apreciar (leitura de imagens, fruição) e fazer (produzir

trabalhos artísticos). (BARBOSA; CUNHA, 2010).

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Quanto aos processos de ensino-aprendizagem e a organização do produto

final, estes se desenvolveram de formas semelhantes, a saber: inicialmente houve a

apresentação de conteúdos sobre Arte e Cultura no Egito Antigo (textos, vídeos, slides

com imagens diversas, leitura das mesmas e pesquisa na internet); posteriormente,

foi realizado o planejamento conjunto sobre a exposição, a confecção de trabalhos e

a montagem na primeira exposição. No entanto, esse processo se inverteu na

segunda exposição, como será detalhado mais adiante. Como as exposições foram

realizadas em espaços da escola pouco frequentados (auditório e laboratório de

ciências), os outros professores das duas instituições foram convidados a

acompanharem suas turmas para visitação. Nas duas exposições houve mediação

dos próprios alunos que realizam os trabalhos. Por fim, os alunos do 1º ano fizeram

uma visita ao Museu Egípcio de Curitiba1. A teorização, a organização e o trabalho

final das duas exposições duraram em média um mês.

LEI DA FRONTALIDADE E REGRAS DE CONSTRUÇÃO

“Todos sabemos que o Egito é a terra das pirâmides [...]. Por mais remotas e

misteriosas que pareçam, elas nos revelam muito da sua história.” (GOMBRICH,

1993, p.31). Mais do que contar uma história, a exposição de 2013, pretendia mostrar

alguns elementos comuns da Cultura Egípcia, tal como pode ser visto na figura 1:

1 Link do site do museu. Disponível em: http://museuegipcioerosacruz.org.br/ Acesso em 03 jul. 2017.

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Figura 1. Foto da exposição realizada no auditório da escola, 2013.

Fonte: arquivo pessoal da autora

A partir da figura 1, podemos observar que toda a exposição foi pensada com

vista frontal e visando um certo equilibro através de uma tendência à simetria. Em seu

conjunto ela tentou seguir as estruturas de representação no Egito Antigo, tais como:

(1) a lei da frontalidade, a qual, segundo Gombrich (1993), consistia em representar a

plenitude das coisas e não apenas um momento fortuito/fugidio. Os artistas

desenhavam e/ou pintavam de memória, de acordo com regras específicas, tentando

evidenciar a máxima clareza das coisas. No que se refere a representação do corpo

humano em superfícies bidimensionais:

A cabeça eram mais facilmente vista de perfil, de modo que eles a desenhavam lateralmente. Mas, se pensarmos no olho humano, é como se fosse visto de frente que usualmente o consideramos. Portanto, um olho de frente era plantado na vista lateral da face. A metade superior do corpo, os ombros e o tronco, são vistos melhor de frente, pois assim observamos como os braços se ligam melhor ao corpo. Essa é a razão pela qual os egípcios, nessas imagens, nos parecem tão estranhamente planos e contorcidos. [...] Não se deve pensar que os artistas egípcios pensavam que os seres humanos

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tinham tal aparência. Seguiam meramente uma regra que lhes permitia incluir tudo o que consideravam importante na forma humana. Talvez essa estrita adesão à regra tivesse a ver com a finalidade mágica da representação pictórica. Pois, como poderia um homem com o seu braço “perspectivado” ou ‘cortado” levar ou receber as necessárias oferendas a um morto? (GOMBRICH, 1993, p.35-36).

Além disso, outro elemento presente nas imagens dessa exposição, que possui

relação direta com a representação visual do Egito Antigo era a (2) a hierarquia na

representação das imagens, a qual indicava que quanto maior era a figura

representada maior era o seu poder. Outro elemento que também aparece é (3) a

escrita realizada através de desenhos, dentre eles os hieróglifos, que era a escrita

sagrada. Sendo que “em toda a volta da câmara funerária, eram escritas fórmulas

mágicas e encantamentos para ajudá-lo [o faraó] na sua jornada para o outro mundo.”

(GOMBRICH, 1993, p.32-33). A partir disso, os alunos reproduziram alguns desses

símbolos, que coletaram da internet, para ajudar na possível significação compositiva

da exposição, tal como pode ser vista na figura 2:

Figura 2. Detalhe da exposição de 2013.

Fonte: arquivo pessoal da autora

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E, por fim, para completar o cenário, foram realizadas (4) as pirâmides, os

amuletos, o sarcófago e a múmia. Esta última não podia faltar, afinal, “era para a

múmia do rei que a pirâmide fora erigida, e seu corpo ficava depositado justamente

no centro da gigantesca montanha de pedra, num pétreo esquife.” (GOMBRICH, 1993,

p.32-33). Inicialmente apenas os monarcas tinham direito a esses ritos, mas

posteriormente os nobres também aderiram o procedimento. A maioria dos alunos

queria fazer a múmia, ou até mesmo mais de uma, porém eles foram divididos em

grupos e cada um ficou responsável por uma parte dos trabalhos que seriam expostos.

A imagem da múmia confeccionada pelos alunos, pode ser vista a seguir:

Figura 3. Detalhe da exposição de 2013.

Fonte: arquivo pessoal da autora

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Essa múmia, em tamanho natural, foi realizada com jornal amassado, durex

largo, faixa de gase e foi colocado um cabo de vassoura dentro da escultura para

mantê-la em pé. Essa é uma figura central quando pensamos no Egito Antigo e ainda

hoje gera muita curiosidade.

Um dado interessante a respeito da mudança dos rituais fúnebres dessa época

está diretamente relacionado com a arte:

Outrora, num passado sombrio e distante, era costume, quando morria um homem poderoso, que seus servos e escravos o acompanhassem na sepultura. Sacrificavam-nos para que o senhor chegasse ao além com um séquito condigno. Mais tarde esses horrores foram considerados cruéis, ou quiçá onerosos demais, e a arte acudiu para ajudar. Em vez de servidores de carne e osso, aos poderosos da Terra passaram a ser oferecidos imagens como substitutos. As pinturas e os modelos encontrados em túmulos egípcios estavam associados à ideia de fornecer servos para a alma no outro mundo. (GOMBRICH, 1993, p.33).

Associo esse poder da imagem e da representação ao poder que a confecção

dos trabalhos realizados pelos alunos possui, pois o fato de fazer releituras dos

símbolos egípcios permitiu que os alunos se apropriassem dos conteúdos para além

da teoria ou da fruição. No entanto, pode-se dizer que, assim como a arte produzida

no Egito Antigo “era bastante padronizada, não dando margem à criatividade ou à

imaginação pessoal”, (PROENÇA, 2006, p.19) tanto a confecção dos trabalhos quanto

o resultado final da exposição de 2013 tentou seguir esses preceitos, mesmo que de

modo implícito.

A VIDA APÓS A “MORTE”

Precisamos pensar que a “[...] escola [é] como um ‘laboratório de pesquisa’,

donde brotam as questões a serem investigadas, aprofundadas e discutidas.”

(RANGEL; PLETITSCH, 2012, p.978). Nesse sentido, entre 2013 e 2017 houve uma

mudança na concepção de ensino-aprendizagem e na forma de organização e

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transposição dos conteúdos previstos devido a estudos e cursos que realizei2.

Portanto, é importante ressaltar que houve uma mudança na forma de abordagem da

exposição de 2017. Em 2013 a orientação era para que os alunos pesquisassem sobre

a arte e a cultura do Egito Antigo e reproduzissem os elementos de acordo com suas

características, mas em suportes distintos. Já em 2017, a orientação era para que os

alunos relacionassem elementos dessa cultura egípcia com aspectos da atualidade.

O resultado da exposição pode ser visto a seguir:

Figura 4. Foto da exposição realizada no laboratório de ciências da escola, 2017.

Fonte: arquivo pessoal da autora

A exposição foi montada de modo circular (360º). Como na escola não tinha

espaço suficiente para a exposição, a sala destinada ao laboratório de ciências foi

utilizada para esse fim por uma semana. Infelizmente, a pia não pôde ser encoberta

2 “[...] através da freqüente atualização dos conhecimentos, os professores [...] passam a lançar um

olhar renovado e crítico sobre suas práticas, identificando nelas os problemas que demandam uma investigação científica mais aprofundada e fazendo com que o próprio ensino não se limite à mera transmissão de conhecimentos, mas converta-se em um processo contínuo de produção desses.” (RANGEL; PLETITSCH, 2012, p.987)

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porque a funcionária da limpeza a utilizava com frequência para limpar a escola.

Então, a pia tive que ser incorporada à exposição em seu estado original. A seguir,

outra vista da exposição:

Figura 5. Foto da exposição realizada em 2017.

Fonte: arquivo pessoal da autora

A partir das figuras 4. e 5. é possível termos uma visão quase panorâmica da

exposição, na qual podemos ver uma pirâmide colorida feita de arame e papel.

Algumas pessoas que visitaram a exposição associaram as cores do arco-íris à

bandeira LGBT, assim como a defesa da causa. Além das inúmeras múmias humanas

realizadas, muitos animais “foram mumificados”, tais como gatos, cachorros e um

gavião. Lembro que quando disse que os alunos poderiam “mumificar” animais para

exposição, um aluno achou que era para matar um animal e empalhá-lo, enquanto

que outro queria simplificar o trabalho mumificando um mosquito.

Na figura 5. é possível ver uma cadeira ao lado de uma múmia porque os alunos

criaram o cantinho da selfie com a múmia. Além disso, havia a mostra dos amuletos

confeccionados pelos alunos utilizando madeira, argila ou sabão, os quais também

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mesclavam o antigo com o contemporâneo. Uma aluna resolveu colocar uma frase na

parte de cima da porta do laboratório para as pessoas lerem na saída “Quem vive de

passado é museu!”, enquanto que outro aluno escreveu uma faixa ao lado do cantinho

da selfie: “# MUMIFICA A DICA”. Para essa exposição foram confeccionadas quatro

múmias humanas. Cada uma com características e formas distintas de acordo com a

criatividade dos alunos, mas a atração principal da exposição foi a “Gibidheisa”, como

podemos ver a seguir:

Figura 6. Foto da exposição de 2017 (detalhe).

Fonte: arquivo pessoal da autora

“Gibidheisa” é o nome dessa múmia. Esse título foi criado a partir das iniciais

nos nomes das quatro alunas que realizaram o trabalho. O grau de envolvimento, e

até mesmo de afetividade, que os alunos desenvolveram em relação aos trabalhos foi

surpreendente. Muitos ficavam abraçando e/ou tirando fotos junto com a múmia. No

que se refere aos materiais utilizados para o trabalho, esses foram: jornal, fita adesiva

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e faixa, além dos apetrechos prontos, tais como os óculos de sol e o fone de ouvido.

Para sustentar o corpo da escultura de papel, as alunas também utilizaram um cabo

de vassoura. Porém, como elas quiseram fazer a múmia se movimentando eles

também colocaram arame na parte interna e mesmo assim foi difícil equilibrar todo o

corpo criado em uma só perna. Outro trabalho que chamou a atenção do público está

representado na figura 7:

Figura 7. Foto da exposição de 2017 (detalhe).

Fonte: arquivo pessoal da autora

O “Faraó Emoji” foi uma das atrações da exposição. Um aluno, inspirado na

máscara de enterro do sarcófago do Tutancâmon, resolveu fazer um emoji chorando

de tanto rir com a túnica do faraó. E ao lado dele foram colocados dois gatos

mumificados. Um com um colar de coração partido e outro com roupinha e com um

celular embaixo do corpo. Eu até diria com o celular embaixo das patas, mas o gato

não possuía patas.

Pouco depois de ter realizado essa exposição com os alunos, encontrei nas

redes sociais a seguinte afirmação: “a internet é o retorno ao Antigo Egito: delineador

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estranho, obsessão com gatos, adoração a políticos como deuses e comunicação por

desenhos.” (autor desconhecido). Essa frase exemplifica grande parte do recorte da

exposição apresentado acima. Além disso, a comunicação por desenhos, no caso a

utilização de emoji, tem sido muito usual a partir do avanço das Tecnologias da

Informação e Comunicação (TICs) como forma de dinamizar o processo de interação

virtual. Até mesmo os símbolos que os alunos representaram nos papéis, mesclando

o antigo com o atual, foram carregados de emoji, logomarcas de produtos famosos,

entre outras coisas, juntamente com os hieróglifos tradicionais. Por fim, outro trabalho

que foi destaque na exposição se encontra a seguir:

Figura 8. Foto de escultura realizada por um aluno (mais dois detalhes), 2017.

Fonte: arquivo pessoal da autora

Um aluno quis representar um cachorro, porém ao invés de representá-lo

apenas “mumificado” ele colocou um zíper aberto para mostrar as entranhas do animal

(o efeito foi realizado com tinta guache). Ele também deixou a escultura sem uma

orelha e colocou tinta vermelha, juntamente com grãos de arroz, para dizer que os

vermes já haviam começado a se alimentar do cachorro em decomposição. Esse foi

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o único aluno que quis representar a parte interna do animal, para além da

mumificação.

Por fim, a arte para a eternidade se transforma na arte para reafirmar a

efemeridade da nossa vida contemporânea. Por mais que os alunos, durante o

processo de confecção das esculturas, tenham demonstrado um certo apego pelo

objeto que estava sendo (ou foi) construído, após uma série de fotos da exposição e

selfies com as múmias, no momento da desmontagem da mesma, eles resolveram

esquartejar as múmias humanas. Os próprios alunos que fizeram as esculturas,

juntamente com a ajuda dos colegas, destruíram-nas em um ritmo frenético e

começaram a brincar de vôlei e futebol com a cabeça de uma delas. Outros pegaram

braços e/ou pernas e, fingindo que estes eram espadas, ficaram brincando de luta.

Isso aconteceu porque ninguém queria levá-las para casa. O contrário aconteceu com

os gatos, os amuletos e o cachorro. Os alunos não os destruíram e quiseram levá-los

embora, inclusive alguns pediram para o colega, que era o autor do trabalho, doar a

peça. Em geral, a eternização do trabalho ficou presente apenas na fotografia.

FECHANDO O ESQUIFE

Considero que foi muito estimulante para os alunos, e para mim, montar

exposições em conjunto (com mais de uma turma). Assim como a mediação das

exposições para outros alunos foi uma experiência enriquecedora para os alunos,

visto que eles puderam falar sobre seus próprios trabalhos e sobre o conteúdo

estudado. Além disso, muitos alunos tiveram a experiência de visitar um museu pela

primeira vez. Em geral, foi possível constatar que os alunos gostaram mais de mesclar

o antigo com o atual, pois havia mais possibilidades de criação.

Quanto às semelhanças entre os processos de organização desses dois

trabalhos, é possível dizer que a apresentação, a contextualização e apreciação dos

conteúdos sobre Arte e Cultura no Egito Antigo (textos, vídeos e slides com imagens),

assim como a visita ao Museu Egípcio (Curitiba) e as mediações dos trabalhos foram

aspectos que apresentaram poucas mudanças. Outra semelhança constatada foi em

relação aos materiais utilizados para a confecção dos trabalhos, a saber: jornal, papel

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machê, fita adesiva, faixa de curativo, papelão, papel higiênico, papel espelho, papel

toalha, papel bobina, pincel atômico, pincéis, régua, lápis, tinta guache, tesoura, argila,

sabão/sabonete, madeira, arame, tecidos e objetos prontos. Quase não houve

mudança nesse aspecto. Cabe ressaltar que a maioria dos materiais foram comprados

pelos alunos e/ou pela autora, visto que as escolas não contavam com muitos

recursos financeiros para nos auxiliar.

No que se refere as diferenças, é possível destacar que na primeira exposição

o planejamento coletivo foi anterior a confecção de trabalhos; não houve escolha

criativa de título para a exposição e os alunos não podiam “inovar” muito para não

“fugir” do conteúdo. Enquanto que o planejamento da montagem da exposição de

2017 foi posterior a confecção dos trabalhos; houve a escolha de título criativo com

votação (o que ganhou foi o Egitop) e a possibilidade de mesclar o antigo com o atual

nos trabalhos.

Todos esses fatores apontam que é importante refletir sobre a própria prática e

que é necessário buscar maneiras novas de abordar o mesmo conteúdo, pois esse

processo faz parte da atuação e da formação continuada do docente. Dar voz aos

alunos e tentar organizar os conteúdos de forma que eles tenham maior interesse em

participar das atividades se faz necessário, ainda mais nos dias atuais onde cada vez

menos os alunos se interessam pelas atividades propostas em sala de aula. Além

disso, eles são muito criativos e podem nos surpreender. Enfim, estamos fechando o

esquife no momento, mas é provável que em breve “a múmia” ressuscite novamente

para, junto com seus novos “súditos”, criar novas exposições.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae e CUNHA, Fernanda Pereira da (Orgs.). Abordagem Triangular no

Ensino das Artes e Culturas Visuais. São Paulo: Cortez, 2010.

GOMBRICH, E. H. A História da Arte. 15º ed. tradução: Álvaro Cabral. Guanabara,

Koogan. Rio de Janeiro, 1993.

MUSEU EGÍPCIO – Ordem Rosa Cruz (AMORC). Curitiba (PR).

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica – Arte, 2008.

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PROENÇA, Graça. História da Arte. 16º ed. São Paulo: Editora Ática, 2006. RANGEL, Danuza da Cunha; PLETITSCH, Vera Lucia. Formação de professores de Artes Visuais e educação continuada. Anais do 21º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – Rio de Janeiro: ANPAP, 2012.

Valéria Metroski de Alvarenga

Doutoranda e mestra em Artes Visuais pela UDESC. Possui licenciatura e bacharelado em

Artes Visuais pela UFPR. É professora da Educação Básica pela SEED/PR lecionando para

turmas do Ensino Médio e da EJA. É membro do Grupo de Pesquisa: Educação, Arte e

Inclusão. E-mail: [email protected]