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EGRESSOS DA PEDAGOGIA WALDORF NO BRASIL: REPERCUSSÕES DA EDUCAÇÃO IDEALIZADA POR RUDOLF STEINER NA VIDA DE ALUNOS Gabriela de Almeida Pacífico 1 Francine Marcondes (Orientadora) 2 RESUMO A Pedagogia Waldorf é uma abordagem educacional alternativa baseada na filosofia e na ciência de Rudolf Steiner, o criador da Antroposofia. Essa Pedagogia tem como princípio o desenvolvimento único de cada indivíduo e acredita que o ser humano não é constituído somente de um corpo físico, mas também de outros três corpos: corpo etérico, corpo astral e eu. Dessa forma, Steiner insere em seus encaminhamentos pedagógicos o componente espiritual que, para ele, é tão importante quanto o material. Consequentemente, em suas instituições pode-se encontrar características que são incomuns nas demais escolas, como: o incentivo à relação com a natureza, o convívio com o mesmo professor durante os nove anos do Ensino Fundamental, a não utilização de objetos de plástico, a não aplicação de provas ou outras atividades avaliativas pontuais, entre outras. Partindo disso, a presente pesquisa teve como objetivo geral, investigar o perfil de alunos egressos de escolas Waldorf no Brasil . Para tanto, adotou-se uma perspectiva filosófica fenomenológica e a abordagem qualitativa. Quanto aos objetivos, a investigação se classificou como exploratória, e com base em seus procedimentos, constituiu um Estudo de Campo. Os participantes foram indivíduos com idade acima de 18 anos, com os quais se fez contato através de comunidades do Facebook ligadas à Pedagogia Waldorf. De 1000 ex-alunos abordados, 68 indivíduos aceitaram participar da pesquisa, respondendo a um formulário que continha 25 questões. Tinha-se como hipótese, com base em estudos anteriores, que apesar de a Pedagogia Waldorf ser peculiar, ela não afastaria os egressos da realidade social média. Os resultados confirmam esta suposição, já que a maioria dos egressos participantes foram aprovados em vestibulares, conseguiram cursar uma faculdade, seguiram carreiras variadas (ou seja, não necessariamente carreiras artísticas), se introduziram no mercado de trabalho e enxergam-se aptos para encarar situações competitivas. Além disso, relativamente ao âmbito pessoal, tornaram-se leitores frequentes e têm adotado perspectivas religiosas variadas, contrariando a crença de que a Pedagogia Waldorf induziria seus alunos a uma religião específica. Palavras-chave: Pedagogia Waldorf. Antroposofia. Rudolf Steiner. Egressos de escolas Waldorf. 1 Aluna do quarto ano da Graduação em Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá e Professora de Educação Infantil da rede privada de Maringá. 2 Pedagoga, Mestre em Educação (Universidade Federal do Paraná) e Professora da área de Metodologia e Técnica de Pesquisa do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Cursa Doutorado em Educação para a Ciência e a Matemática na UEM.

EGRESSOS DA PEDAGOGIA WALDORF NO BRASIL: … · Os planos de Emil Molt se coadunaram com os de Rudolf Steiner, que por sua vez, tinha a intenção de fundar uma escola que pudesse

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EGRESSOS DA PEDAGOGIA WALDORF NO BRASIL: REPERCUSSÕES DAEDUCAÇÃO IDEALIZADA POR RUDOLF STEINER NA VIDA DE ALUNOS

Gabriela de Almeida Pacífico1

Francine Marcondes (Orientadora)2

RESUMO

A Pedagogia Waldorf é uma abordagem educacional alternativa baseada na filosofiae na ciência de Rudolf Steiner, o criador da Antroposofia. Essa Pedagogia tem comoprincípio o desenvolvimento único de cada indivíduo e acredita que o ser humanonão é constituído somente de um corpo físico, mas também de outros três corpos:corpo etérico, corpo astral e eu. Dessa forma, Steiner insere em seusencaminhamentos pedagógicos o componente espiritual que, para ele, é tãoimportante quanto o material. Consequentemente, em suas instituições pode-seencontrar características que são incomuns nas demais escolas, como: o incentivo àrelação com a natureza, o convívio com o mesmo professor durante os nove anosdo Ensino Fundamental, a não utilização de objetos de plástico, a não aplicação deprovas ou outras atividades avaliativas pontuais, entre outras. Partindo disso, apresente pesquisa teve como objetivo geral, investigar o perfil de alunos egressos deescolas Waldorf no Brasil. Para tanto, adotou-se uma perspectiva filosóficafenomenológica e a abordagem qualitativa. Quanto aos objetivos, a investigação seclassificou como exploratória, e com base em seus procedimentos, constituiu umEstudo de Campo. Os participantes foram indivíduos com idade acima de 18 anos,com os quais se fez contato através de comunidades do Facebook ligadas àPedagogia Waldorf. De 1000 ex-alunos abordados, 68 indivíduos aceitaramparticipar da pesquisa, respondendo a um formulário que continha 25 questões.Tinha-se como hipótese, com base em estudos anteriores, que apesar de aPedagogia Waldorf ser peculiar, ela não afastaria os egressos da realidade socialmédia. Os resultados confirmam esta suposição, já que a maioria dos egressosparticipantes foram aprovados em vestibulares, conseguiram cursar uma faculdade,seguiram carreiras variadas (ou seja, não necessariamente carreiras artísticas), seintroduziram no mercado de trabalho e enxergam-se aptos para encarar situaçõescompetitivas. Além disso, relativamente ao âmbito pessoal, tornaram-se leitoresfrequentes e têm adotado perspectivas religiosas variadas, contrariando a crença deque a Pedagogia Waldorf induziria seus alunos a uma religião específica.

Palavras-chave: Pedagogia Waldorf. Antroposofia. Rudolf Steiner. Egressos de

escolas Waldorf.

1 Aluna do quarto ano da Graduação em Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá e Professora de Educação Infantil da rede privada de Maringá.

2 Pedagoga, Mestre em Educação (Universidade Federal do Paraná) e Professora da área de Metodologia e Técnica de Pesquisa do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Cursa Doutorado em Educação para a Ciência e a Matemática na UEM.

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ABSTRACT

The Waldorf pedagogy is an alternative educational approach based on RudolfSteiner’s philosophy and science, the creator of the anthroposophy. This pedagogyhas as principle the unique development of each individual and it believes that thehuman being is not constituted only by the physical body, but also by three otherbodies: etheric body, astral body and me. Thus, Steiner inserts the spiritualcomponent among his pedagogical referrals, which according to him is as importantas the material. Consequently, between its institutions we can find characteristics thatare uncommon for other schools, such as: the incentive to the relationship with thenature, the conviviality with the same teacher over nine years of the elementaryschool, the non-use of plastic objects, the non-application of exams nor other specificevaluative activities, among others. Assuming this scenario, the present study had asmain objective, to investigate the profile of former students of Waldorf schools inBrazil. For this purpose, it was assumed a phenomenological philosophicalperspective and the qualitative approach. As for the objectives, the investigationclassified itself as exploratory, and according to its procedures. It was constituted asfield research. The participants were individuals with over 18 years old, by whichwere contacted through Facebook communities associated with Waldorf pedagogy.From 1000 former students addressed, 68 individuals accepted to participate in theresearch, answering a form containing 25 questions. According to previous studies,the research assumed the hypothesis that despite the peculiarity of the Waldorfpedagogy, it wouldn’t keep the former students from the average social reality. Theresults confirmed this supposition, once most of the alumni participants wereapproved in entrance examinations, successfully graduated in a university, pursued avariety of careers (in other words, not necessarily artistic careers), introducedthemselves in the job market and felt ready to face competitive environments. Inaddition, from the personal perspective, they became frequent readers and haveadopted varied religious perspectives, in contrast with the belief that the Waldorfpedagogy would induce its students to a specific religion.

Keywords: Waldorf pedagogy. Anthroposophy. Rudolf Steiner. Former students of

Waldorf schools.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como centro a Pedagogia Waldorf que, assim como a

Antroposofia – ciência3 alternativa que propõe o estudo do homem do ponto de vista

físico e espiritual, foi criada pelo filósofo austro-húngaro Rudolf Steiner (1861-1925)

(KÜGELGEN, 1960, p. 41).

Segundo Lanz (2005, p.15) a Antroposofia:

3 Sobre a concepção da Antroposofia como ciência espiritual alternativa à ciência natural, conferir “A Ciência Oculta” (STEINER, 2003).

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[...] não é religião nem seita religiosa. Distingue-se da especulação filosóficapor seu fundamento em fatos concretos e verificáveis, e distingue-se decaminhos esotéricos como o espiritismo pelo fato de o pesquisador,conservando-se dentro dos métodos por ela preconizados, manter a suaplena consciência, sem qualquer transe, mediunismo ou estados extáticosou de excitação artificial.

Já a Pedagogia Waldorf, que é a versão antroposófica da educação, foi

iniciada por Steiner a partir da criação da primeira escola Waldorf, em 1919, em

Stuttgart, Alemanha. A decisão dessa criação veio do conselheiro comercial Emil

Molt que, no fragmento abaixo, relata parte de suas memórias:

Por meio dos contatos pessoais que tive com os meus trabalhadores, logo aidéia [sic] da iniciativa social de uma escola pertencente à fábrica ganhoumuita força […]. O verdadeiro dia do aniversário da Escola Waldorf é 23 deabril de 1919, depois da primeira palestra do Doutor Steiner para ostrabalhadores da Waldorf-Astória. Naquele momento aconteceu a primeiraReunião de Conselho; foi ali que expus a intenção da formação da escola eformalizei o pedido de que ele assumisse sua instalação e direção. (MOLT,2006, p. 62).

Os planos de Emil Molt se coadunaram com os de Rudolf Steiner, que por

sua vez, tinha a intenção de fundar uma escola que pudesse representar “uma

espécie de célula germinativa de uma vida espiritual livre” (STEINER, 2003, p. 2).

Desta forma, um movimento educacional muito peculiar foi iniciado.

As instituições de educação Waldorf vêm ganhando cada vez mais espaço no

mundo. Segundo o instituto alemão Freunde der Erziehungs Kunst Rudolf Steiner

(2016), há cerca de 1063 escolas Waldorf de Ensino Fundamental no mundo –

distribuídas em 61 países, enquanto o número de escolas de Educação Infantil se

aproxima de 2000 (FREUNDE DER ERZIEHUNGS KUNST RUDOLF STEINER,

2016).

No Brasil, não há consenso sobre a quantidade atualizada de escolas Waldorf

fundadas e que ainda estão em funcionamento. Entretanto, é seguro que há mais de

69 escolas Waldorf no país, uma vez que a Biblioteca Virtual da Antroposofia

disponibiliza um mapa com nomes, endereços e telefones de escolas Waldorf, no

qual pode-se contar este número (BIBLIOTECA VIRTUAL DA ANTROPOSOFIA,

2016).

Essa perspectiva educacional alternativa possui componentes que, em geral,

são incomuns nas escolas não Waldorf. Entre estes componentes destacam-se: a

atribuição de grande importância ao brincar livre na primeira infância; o incentivo à

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vontade de fazer em detrimento do obter-se algo pronto; o contato e o respeito com

a natureza e com as pessoas (OLIVEIRA, 2006); igualdade de gênero na subdivisão

das tarefas e nas brincadeiras; o não incentivo ao sentimento de competitividade; a

não utilização de plástico; e o emprego dos contos de fadas e outras narrativas para

o desenvolvimento da personalidade do indivíduo (PASSERINI, 2004). Além disso,

também não se utilizam livros didáticos, há intensa presença do ensino de artes e

trabalhos manuais; não há avaliações por meio de provas e o mesmo professor

acompanha uma turma do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental (RIBEIRO;

PEREIRA, 2010).

Diante destas particularidades muito se tem questionado a respeito dos

impactos desta Pedagogia na formação dos indivíduos. O que impulsionou

pesquisas tais como: 1 “Seven myts of social participation of Waldorf graduates”

(Sete mitos sobre a participação social de alunos Waldorf), de Ribeiro e Pereira

(2010), 2 e “Como vivem os alunos Waldorf”, de Jonas Bach Junior (2016). Além das

pesquisas alemãs 3 “Entwicklungen ehemaliger Waldorfschüler” (Desenvolvimentos

de ex-alunos Waldorf), de Anne Bonhoeffer et. al4 (2007 apud BACH JUNIOR, 2012,

p. 11) e 4 "Was ehemalige Waldorfschüler über ihre Schule denken” (O que os ex-

alunos Waldorf pensam de sua escola?) de Sylvia Panyr e Barz Heiner5 (2007 apud

BACH JUNIOR, 2012, p. 11).

Entre estas pesquisas pode-se destacar algumas características que

corroboram a justificação da realização de novas pesquisas sobre o mesmo objeto

no Brasil: três delas foram realizadas há mais de 6 anos (1, 3 e 4) e apenas uma

delas foi publicada em português (2), porém ela não se refere a alunos brasileiros (a

única entre elas que se refere a alunos brasileiros – a pesquisa 1 – foi publicada em

inglês).

Do ponto de vista social, a presente proposta de pesquisa se justifica como

uma forma de submeter ao estudo sistemático uma série de noções sociais

envolvidas no processo de inserção de alunos em escolas Waldorf (RIBEIRO;

PEREIRA, 2010). Além disso, preocupa-se em expor como esses alunos egressos

4 BONHOEFFER, Anne; BRATER, Michael; HEMMER-SCHANZE, Christiane. Berufliche Entwicklungen ehemaliger Waldorfschüler. In: BARZ, Heiner; RANDOLL, Dirk (Hrsg.). Absolventen von Waldorfschulen. Eine empirische Studie zu Bildung und Lebensgestaltung. Wiesbaden, VS: Verlag für Sozialwissenschaften, 2007.

5 PANYR, Sylvia; BARZ, Heiner. Was ehemalige Waldorfschüler über ihre Schule denken. In: BARZ,Heiner; RANDOLL, Dirk (Hrsg.). Absolventen von Waldorfschulen. Eine empirische Studie zu Bildung und Lebensgestaltung. Wiesbaden, VS: Verlag für Sozialwissenschaften, 2007.

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se percebem, e se posicionam tendo em vista que há um conjunto de crenças a

respeito deles (RIBEIRO; PEREIRA, 2010) que podem ou não se confirmar após um

exame sistematizado.

O interesse pela temática abordada começou logo quando a Pedagogia

Waldorf foi apresentada à pesquisadora, no segundo ano de faculdade. O tema lhe

interessou muito por ser concordante com sua perspectiva de uma metodologia ideal

de ensino e, por isso, pretende continuar estudando-a futuramente, no Mestrado. É

possível ainda afirmar que, por acreditar nessa proposta pedagógica, a

pesquisadora interessou-se em apresentá-la na instituição escolar em que atua

profissionalmente, algo que repercutiu em significativo impacto e no interesse de se

efetivar mudanças metodológicas estruturais em favor das crianças.

Assim, na intenção de expandir o conhecimento sobre a educação Waldorf,

formulou-se o seguinte problema de pesquisa: Qual o perfil de alunos egressos da

Pedagogia Waldorf no Brasil? Como a interferência desta educação impacta na vida

pessoal, acadêmica e profissional dos indivíduos participantes desta educação?

Com isso, delinearam-se os objetivos dessa pesquisa, tendo como objetivo

geral investigar o perfil de alunos egressos de escolas Waldorf no Brasil; e como

objetivos específicos: realizar uma revisão de literatura sobre as características da

atividade pedagógica Waldorf; questionar alunos egressos da Pedagogia Waldorf,

com idade acima de 18 anos de idade, para entender como eles avaliam a

repercussão desta educação em suas vidas pessoais, acadêmicas e profissionais; e

discutir os impactos da Pedagogia Waldorf na vida dos indivíduos educados em seu

contexto, diante das circunstâncias sociais e culturais em que o país se insere.

Com base em estudos anteriores, a pesquisa partiu da hipótese de que,

mesmo estudando em uma escola alternativa, os alunos egressos dessa perspectiva

pedagógica não encontram maiores dificuldades para enfrentar os desafios da vida,

em relação aos demais indivíduos, que estudaram em escolas não Waldorf, sendo

aprovados em vestibulares, concluindo cursos de graduação, escolhendo a carreira

profissional, se fixando em um trabalho, entre outras coisas.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A Pedagogia Waldorf foi introduzida em Stuttgart, Alemanha, no ano de 1919,

pelo pesquisador austro-húngaro Rudolf Steiner (1861-1925). Para isso, Steiner se

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apoiou na Antroposofia – sua proposta de ciência alternativa, fundada com a

intenção de superar os limites da ciência natural.

Para Steiner, o que faltava à ciência natural era a consideração do mundo

espiritual. A proposição de sua ciência era a tentativa de superar este limite.

Entretanto, não deveria haver, para ele, qualquer discordância entre a ciência natural

e sua ciência espiritual, além do fato de esta segunda ser mais abrangente em

relação à realidade. Nas palavras de Steiner:

Constatamos, pois, a seguinte verdade: quem investiga a essência doespírito só poderá aprender muito das Ciências Naturais. Basta imitá-las,mas sem deixar-se enganar por aquilo que alguns de seus adeptos lhequerem prescrever. Tal como as ciências pesquisam no campo físico, assimele deverá fazê-lo no campo espiritual sem, todavia, adotar as opiniões queelas formaram a respeito desse último, obcecadas em pensar sobre opuramente físico. (STEINER 1996a, p. 16).

A Antroposofia é a cosmologia de Steiner. Ela expressa sua visão de mundo

e, portanto, é também o fundamento essencial da Pedagogia Waldorf. Para Steiner,

apesar de a Antroposofia não ter sido absorvida pela comunidade científica de sua

época, ela é uma ciência. Argumentando em favor desta ideia, ele afirma que:

Assim como o cego, embora se encontre no meio de cores e de luz, não aspode perceber por falta de um órgão adequado, a Ciência Espiritual ensinaque existem muitos mundos ao redor do homem, e que este poderápercebê-lo se, para tal, desenvolver os órgãos necessários. (STEINER,1996a, p. 14).

Segundo Lanz, a Antroposofia constitui:

[...] uma ciência que ultrapassa os limites com os quais até agora esbarrou aciência ‘comum’. Ela procede cientificamente pela observação, descrição einterpretação dos fatos. E é mais que uma teoria, um edifício de afirmações.(LANZ, 2005, p. 16).

Já Kügelgen (1960) aponta que essa ciência alternativa parte do homem e

das contínuas mudanças que acontecem dentro de seu ser. Estas mudanças,

segundo Steiner, são relacionadas à atuação concomitante de processos anímicos,

físicos e espirituais.

As influências de Steiner para a criação da Antroposofia vieram,

principalmente, de autores com os quais ele teve contato antes dos 25 anos de

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idade. Immanuel Kant (1724-1804), que ele conheceu antes dos 14 anos

(HEMLEBEN, 1989), foi um ponto de partida, sobretudo para críticas.

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) e Franz Brentano (1838-1917)

foram outras grandes referências para o autor da Antroposofia. O contato com o

primeiro aconteceu na década de 1880, e foi na fenomenologia desse pensador que

ele se baseou para aprofundar suas teorias e encaminhar o desenvolvimento da

Pedagogia Waldorf.

Sobre seu objeto de estudo Brentano diz que

[...] com o intento de instituir para si um método refletido nas ciênciasnaturais, a psicologia buscava no contexto do século XIX abordar osfenômenos psíquicos como se estes fossem passíveis de tantaverificabilidade quanto os objetos de investigação das ciências naturais, istoé, os fenômenos físicos. Porém, o seu objeto é dado internamente e exigeuma forma de abordagem diferente. Ao contrário dos objetos (fenômenosfísicos) das ciências naturais que, em sua maioria, podem ser tomados eexaminados detalhadamente, os fenômenos psíquicos são dados apenas àconsciência de maneira interna, não sendo possível observá-los. (NUNESFILHO, 2013, p. 25).

O contato de Steiner com a psicologia fenomenológica de Franz Brentano

ocorreu em 1879 e foi fundamental para o desenvolvimento da psicologia

antroposófica. A teoria de trimembração de Brentano, na qual a atividade anímica

humana é subdividida entre pensar, sentir e querer tornou-se um dos pilares para a

cosmologia steineriana.

Mais tarde, as contribuições de Steiner puderam colaborar para que Brentano

visualizasse a ampliação de sua própria teoria, considerando que essas três classes

(pensar, sentir e querer) poderiam ser “interdependentes, simultâneas e

interrelacionadas” (BACH JUNIOR, 2007, p. 89).

Durante o desenvolvimento da Antroposofia, Steiner constituiu uma grande

gama de conhecimentos que foi publicada por meio de apresentações em palestras

(mais tarde transcritas) e da produção de livros e artigos. Em consequência dessas

palestras, passa a viajar por diferentes lugares da Europa, “no intuito de buscar

indicações para a aplicação de sua cosmovisão aos diferentes âmbitos da atividade

humana: arte, pedagogia, medicina, farmacêutica, terapias, agricultura,

arquitetura...” (SETZER, 2008).

Neste esforço, Steiner e Molt desenvolvem o interesse por fundar uma

escola, que seria apoiada em conhecimentos antroposóficos. Inspirados no nome da

fábrica de cigarros que financiou a realização do projeto (Waldorf-Astória), a

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nomearam como Escola Waldorf. A primeira destas escolas foi, portanto, estruturada

para os filhos dos funcionários desta fábrica (MOLT, 2006).

Seria aplicada, nas instituições que abordassem essa pedagogia, a visão de

homem antroposófica. Nesta visão, cada ser humano é formado por quatro corpos

(físico, etérico, astral e eu), e da interação entre eles se originam quatro

temperamentos, cada qual ligado a um elemento da natureza: colérico/fogo,

sanguíneo/ar, fleumático/água e melancólico/terra (STEINER, 1996b).

Em muitas de suas palestras, Steiner dedicou-se a oferecer caracterizações

baseadas nesta teoria, como segue:

Via de regra, as crianças melancólicas são delgadas; as sangüíneas [sic]são as mais proporcionais; as que têm ombros mais salientes são asfleumáticas; as que possuem constituição atarracada, de modo que acabeça quase afunda no corpo, são as coléricas. (STEINER, 1999, p. 32).

Steiner idealizou a escola com o objetivo de buscar “tanto no aspecto

pedagógico quanto no seu modelo institucional autogestor, o princípio da liberdade

no exercício do pensar, da igualdade no plano político-jurídico, e da fraternidade no

seu modelo econômico-administrativo.” (SILVA, 2010, p. 116).

A educação é voltada para o ser humano como indivíduo único no presente,

mas também visando seu desenvolvimento à luz de um estudo da ontogênese.

Steiner explica isso utilizando-se de uma analogia:

A existência toda é como uma planta, não abrangendo apenas o que seapresenta à vista, mas contendo em seu âmago um estado futuro. Quem vêuma planta apresentando apenas folhas sabe perfeitamente que ela terá,dentro de algum tempo, flores e frutos; contudo, a planta já possui, demaneira invisível, a disposição para essas flores e frutos. Mas como poderiaopinar sobre o aspecto desses órgãos alguém que se limitasse a estudar naplanta apenas o que ela apresenta ao olhar do observador no momentopresente? Só poderá fazê-lo quem conhece sua natureza íntima. (STEINER,1996a, p. 9).

O brincar livre é, nas escolas Waldorf um dos principais componentes da

educação na primeira infância, dado que o brincar está além de uma atividade

corriqueira, sendo uma das formas pelas quais a criança aprende com seriedade

(STEINER, 2000, p. 66). Além disso, as instituições Waldorf devem estar em contato

com a natureza (OLIVEIRA, 2006), “pois esta desenvolve a criança por meio do

organismo toráxico – pela respiração, alimentação, movimentação, etc.” (STEINER,

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2003, p. 76).

Seria incentivado o “fazer” em detrimento do “obter pronto”, pois a ausência

de participação na construção dos próprios objetos tem causado nas pessoas, entre

outras coisas, “a falta de consciência das específicas tarefas de uma época […]”

(STEINER, 2003, p. 7). Também por isso, há intensa presença de trabalhos manuais

e do ensino de arte nas escolas Waldorf.

Sobre atividades artísticas, Steiner explica que são importantes por atuarem

sobre a formação da vontade. A criança se sente feliz ao fazer e apreciar o belo

(STEINER, 2003, p. 34). E, através do ensino de arte, pode ser inserido também o

ensino intelectual da escrita e da leitura (STEINER, 2003, p. 76). Os contos de fadas

têm participação plena na educação idealizada por Steiner. Sobre eles Lanz (2005)

afirma que:

[...] contêm em suas imagens fatos e processos autênticos da evoluçãoespiritual do homem. A criança extrai dos contos profundas verdades,embora numa forma primitiva mas, justamente por isso, adequada aosprimeiros anos de vida. (LANZ, 2005. p. 85).

O professor deve estar preparado e nutrido de conhecimento, principalmente

sobre a evolução humana, para ser mediador dos indivíduos (STEINER, 2003, p.

11). De seu envolvimento com a versão antroposófica deste conhecimento, surgem

as práticas alternativas acima, entre muitas outras, que caracterizam o impulso

Waldorf e foram motivos de sua proliferação por todo o mundo.

3 METODOLOGIA

O presente trabalho adotou uma perspectiva filosófica fenomenológica. Esta

perspectiva é entendida como um método expositivo, uma vez que se detém em

descrever fenômenos e não em explicá-los ou buscar relações causais. Volta-se

para as coisas mesmas como elas se manifestam. Na perspectiva fenomenológica

não se busca o estabelecimento de certezas inquestionáveis, mas interrogam-se

situações para analisá-las (SADALA, 2004, p. 2).

Ao afirmar que o fenômeno é o que se mostra em um ato de intuição ou depercepção, a Fenomenologia está dizendo que não se trata de um objetoobjetivamente posto e dado no mundo exterior ao sujeito [...] [para] serobservado, manipulado, experimentado, medido, contado por um sujeito

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observador. Não se trata, portanto, de tomar sujeito e objeto comogeneticamente separados no desenrolar do processo de conhecer. Mas estáafirmando que o fenômeno é o que se mostra no ato de intuição efetuadopor um sujeito individualmente contextualizado […] (BICUDO, 2011, p. 30).

Coerentemente com a exposição acima, a pesquisa utilizou uma abordagem

qualitativa na busca de se investigar o perfil de egressos de escolas Waldorf no

Brasil. Entende-se o termo “pesquisa qualitativa” por uma pesquisa que:

[...] não procura enumerar e/ ou medir os eventos estudados, nem empregainstrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focosde interesses amplos, que vão se definindo à medida que o estudo sedesenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas,lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com asituação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo aperspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo.(GODOY, 1995, p. 58).

Quanto aos objetivos, essa pesquisa classificou-se como exploratória, por ter

“[...] como objetivo principal, o aprimoramento de ideias [sic] ou a descoberta de

intuições.” (GIL, 2002, p. 41). Já com base nos procedimentos, ela constituiu-se

como estudo de campo, que é uma das ramificações da pesquisa de campo,

segundo a definição de Gil (2002, p. 52). Nas palavras do autor:

O estudo de campo constitui o modelo clássico de investigação no campoda Antropologia, onde se originou. Nos dias atuais, no entanto, suautilização se dá em muitos outros domínios, como no da Sociologia, daEducação, da Saúde Pública e da Administração. (GIL, 2002, p. 41).

Entre suas características principais, pode-se afirmar que o estudo de campo

prioriza a profundidade em detrimento do alcance. Uma de suas características

marcantes é apresentar maior flexibilidade do que estudos da tipologia

“levantamento”. Segundo Gil (2002, p. 53), o estudo de campo é desenvolvido “por

meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevistas com

informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo”.

Porém, essa pesquisa se diferenciou da definição apresentada por este autor quanto

ao aspecto da presença do pesquisador no local de estudo, pois teve como enfoque

uma comunidade não geográfica, com a qual se teve contato via internet.

A revisão bibliográfica foi desenvolvida com base, principalmente, em leituras

primárias de Rudolf Steiner. Além deste, considerou-se como centrais as produções

de autores como: Helmult von Kügelgen (1960), Rudolf Lanz (2005), Jonas Bach

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Junior (2007; 2012; 2016), Marcelo da Veiga, Tania Stoltz e Yohanes Hemleben

(1989).

Foram participantes da pesquisa, ex-alunos Waldorf que agregavam todas as

seguintes características: eram membros de comunidades da Pedagogia Waldorf do

Facebook; aceitaram participar da investigação; moravam no Brasil durante a

pesquisa; eram ativos em redes sociais; tinham idade acima de 18 anos.

A delimitação da idade dos participantes ocorreu tão somente com base na

necessidade de realizar-se a pesquisa com indivíduos maiores de 18 anos e que,

possivelmente, pudessem ter ingressado no Ensino Superior e na vida profissional.

Estes foram localizados por meio de comunidades relacionadas à Pedagogia

Waldorf no Facebook. O primeiro contato com eles foi estabelecido por meio da

veiculação de mensagens de convite em postagens gerais nestas comunidades ou

de mensagens inbox (ou seja, aquelas destinadas unicamente ao indivíduo, por

meio de sua página pessoal). No segundo caso, a abordagem era realizada a partir

de diálogos diretos, iniciados da seguinte forma: “Olá, tudo bem? Você estudou em

uma Escola Waldorf?”. Se a resposta fosse positiva, a pesquisadora se apresentava

como sendo aluna da Universidade Estadual de Maringá, explicava que estava

desenvolvendo uma pesquisa sobre o perfil de egressos da Pedagogia Waldorf no

Brasil e perguntava se o indivíduo tinha o interesse em participar dessa pesquisa.

Com a confirmação do participante, a pesquisadora lhe enviava o link de um

formulário desenvolvido no Google Formulários (https://docs.google.com/forms/u/0/).

Procurando-se encontrar (aleatoriamente) uma quantidade mínima de 50

voluntários que atendessem aos critérios estabelecidos anteriormente, foi realizado

o contato com aproximadamente 1000 ex-alunos Waldorf, no período de 55 dias (de

02 de agosto a 26 de setembro de 2016). Desses 1000 alunos egressos que foram

abordados, 68 participaram da pesquisa.

Considerou-se o número obtido como suficiente (diante da quantidade total de

ex-alunos Waldorf brasileiros), tendo-se em vista o caráter do estudo de campo, que

não visa atingir uma amostra estatisticamente significativa da população em foco (tal

qual o levantamento), mas sim um aprofundamento em relação à análise dos relatos

obtidos.

Para todos os participantes foram informados os objetivos da pesquisa, o tipo

de perguntas que seriam destinadas a eles e a possibilidade de se desistir a

qualquer momento.

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A coleta de dados foi realizada por meio de um formulário online, que foi

elaborado com base na pesquisa “Seven myts of social participation of Waldorf

graduates” (Sete mitos sobre a participação social de graduados Waldorf), de Ribeiro

e Pereira (2010), e em características que estão relacionadas às noções sociais

relativas à Pedagogia Waldorf. Como instrumento de veiculação das questões,

utilizou-se a ferramenta Google Formulários, por meio da qual foram estruturadas

questões em que o indivíduo pudesse responder algumas perguntas apenas com

um “click” e outras de forma dissertativa.

O retorno do formulário era automático e ocorria mediante a confirmação das

respostas pelo participante. Ao todo, 25 questões foram aplicadas.

Entretanto, somente 14 foram selecionadas para figurarem na pesquisa em função

da riqueza e quantidade de dados coletados (Ver Apêndice A). Tais questões

centraram-se em como a vida do participante se desenvolveu após sua saída da

instituição escolar, concentrando-se sobretudo na condição atual de sua vida

profissional, acadêmica e pessoal. A filtragem das 14 questões a serem

apresentadas (entre as 25 que foram propostas aos participantes) foi feita com base

no critério de relevância em relação ao alcance do objetivo geral da pesquisa. Após

esta seleção, que foi subsequente à tabulação dos resultados, foi eleito um rol de

categorias para o desenvolvimento de gráficos, apenas para uma visualização mais

objetiva dos resultados obtidos.

A análise de dados foi feita com base nos pressupostos da fenomenologia,

portanto, tomou-se o relato do indivíduo como uma realidade (SADALA, 2004). E

ainda, como referencial teórico da pesquisa, a obra de Rudolf Steiner foi o

fundamento principal para a análise dos resultados.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Quanto aos egressos da Pedagogia Waldorf, existem várias noções sociais

compartilhadas, bem como dúvidas: Por que colocar meu filho em uma escola

Waldorf? O que será ensinado a ele nessas instituições? E depois da escola

completada, como meu filho se portará diante do mundo? Ele estará apto para levar

uma vida sem mais dificuldades comparado aos inidvíduos que estudaram em

escolas não-Waldorf? Terá alguma dificuldade em assuntos competitivos?

Sobre isso, Bach Junior (2016) demonstra certa indignação quando diz que

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muita atenção é dada a alguns assuntos específicos (ligados à competitividade do

mundo atual, por exemplo), mas que

É extremamente raro alguém perguntar pelos hábitos de vida dos ex-alunos,por suas preferências culturais, sua relação com a espiritualidade oureligião, sobre seu estado de saúde, etc. Ou seja, o campo de perguntas émuito rico, abre para tantas janelas que permitiriam mostrar as diversasfacetas e implicações do que significou a oportunidade de ter sido estudanteWaldorf. (BACH JUNIOR, 2016, p. 9).

Visando contribuir com a expansão de conhecimentos de pesquisas como as

de Bach Junior (2016) e de Ribeiro e Pereira (2010), a presente investigação voltou-

se ao perfil dos egressos Waldorf no Brasil.

As respostas tabuladas, foram obtidas por meio de um formulário aplicado a

68 participantes. Tais indivíduos com idade entre 18 e 54 anos, sendo 43 mulheres e

25 homens.

Apesar de a coleta de dados ter sido desenvolvida por meio da abordagem

aleatória de participantes (que tinham relação com a Pedagogia Waldorf) em redes

sociais, quando lhes foi dirigida uma questão sobre a localidade das escolas que

frequentaram, as únicas duas cidades citadas foram São Paulo e Curitiba, sendo

São Paulo a resposta da maioria, com o percentual de 72%.

Quando questionados sobre ter ou não frequentado escolas não Waldorf e,

em caso positivo, se sentiram alguma dificuldade de adaptação, vinte e seis dos 68

participantes afirmaram não ter frequentado escolas não Waldorf durante toda a vida

escolar. Entre os 42 restantes (e que, portanto, estudaram em outras escolas antes

ou depois de estudar em escolas Waldorf), 11 não sentiram qualquer dificuldade de

adaptação; 17 sentiram dificuldades de adaptação por razões diversas (desses,

quatro estudaram primeiramente em escolas não Waldorf e depois foram para

escolas Waldorf, e 13 estudaram em escolas não Waldorf depois das escolas

Waldorf); cinco não classificaram suas experiências como “dificuldades”, mas

notaram a diferença; cinco se adaptaram bem; dois não responderam à questão; e

um afirmou ter preferido a outra instituição à Waldorf. Algumas respostas ilustram

melhor as diferentes experiências relatadas6:

6 Por se tratarem de respostas obtidas via internet (onde os usuários utilizam a linguagem escrita de maneira informal), os “erros” de ortografia e gramática apresentados no preenchimento dos formulários foram corrigidos para apresentação na pesquisa.

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BRU: “Estudei em escola pública estadual e em escola particular tradicionalantes de estudar na Waldorf. Para mim a escola estadual era difícil porqueera enorme e impessoal. Depois de completar o ensino médio na Waldorf fizcursinho e também foi uma adaptação bem difícil, parecia que o mundobonito, forte e potente que a gente produzia diariamente na Waldorf tinhasido engolido pela produtividade e seriação do ensino no cursinho.”(RESPOSTA 20).

SOP: “Sim, no início fiquei um pouco confusa com a presença de váriosprofessores [na escola não Waldorf]. Mas me adaptei bem rápido.”(RESPOSTA 21).

AND: “Estudei no [...] [nome de uma escola], que gostava muito mais do queda Waldorf. Custei a me adaptar a falar o verso da manhã (achava aquilolavagem cerebral), não poder jogar futebol (achava ridículo proibir no Brasil),achava que perdia muito tempo com aulas de artes.” (RESPOSTA 34).

ELI: “Sim, durante os três anos do ensino médio. A adaptação em relaçãoaos conhecimentos exigidos foi muito tranquila [na escola não Waldorf] (euera a melhor estudante da classe). No entanto, tive dificuldades decompreender os diversos comportamentos de desrespeito por parte demeus colegas, desde com os próprios professores até com a estrutura docolégio (conversavam a todo momento em aula e jogavam lixo no chão - porexemplo).” (RESPOSTA 44).

AAR: “Sim. Antes da Waldorf estudei num colégio tradicional e tinhadificuldade em entender a pressão que os professores colocavam emaprender os conteúdos passados em aula. Era uma pressão desnecessária.Já no 6° ano falava-se em vestibular.” (RESPOSTA 53).

TEO: “O salto da Waldorf para o ensino superior (cursado na USP) trouxealgumas dificuldades principalmente para me adaptar à lógica deverificações e provas no encerramento das disciplinas.” (RESPOSTA 63).

Em alguns dos relatos acima, percebe-se como o ensino, na Pedagogia

Waldorf, age internamente no indivíduo. Steiner (2003) indica este ideal ao afirmar

que na escola é necessário que

[...] uma ciência [...] não seja simplesmente ciência, que seja ela própria vidae sensibilidade, e que no momento em que afluir para a alma humana comosaber desenvolva ao mesmo tempo a força de viver nela como amor, a fimde jorrar como querer efetivo, como trabalho imerso no calor anímico.(STEINER, 2003, p. 4).

Em relação à vida acadêmica dos participantes, a pesquisa buscou

compreender uma ampla gama de fatores. Haviam eles buscado uma continuidade

de estudos após o Ensino Médio? Qual o grau de dificuldade encontrado para

ingressar no Ensino Superior? Em que idade isso aconteceu? Em universidades

públicas ou particulares? Quantos deles chegaram a concluir um curso de Ensino

Superior?

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Neste sentido a questão inicial aos participantes foi relativa à passagem por

cursos “pré-vestibular”. Para esta questão, 36 participantes responderam não ter

feito curso pré-vestibular, enquanto 32 responderam que fizeram.

Relativamente à idade em que tinham prestado o primeiro vestibular, 38

participantes responderam que tinham 18 anos. Entre os 30 demais, 10 tinham 17

anos; sete tinham 19 anos; cinco tinham 20 anos; quatro tinham 16 anos; e quatro

não prestaram vestibular, sendo que, três desses quatro, têm idade abaixo de 20

anos, podendo a idade ser o motivo para não o terem prestado.

Quanto à natureza da instituição de Ensino Superior, entre os 64 participantes

que prestaram vestibular, 31 afirmaram ter prestado em instituições públicas; 25 em

instituições privadas e três não especificaram a natureza da instituição.

No artigo “Seven myths of social participation of Waldorf graduates”, de

Ribeiro e Pereira (2010), relata-se que entre os 135 egressos Waldorf participantes,

3% estavam cursando Ensino Médio; 17% tinham Ensino Superior incompleto; 58%

tinham Ensino Superior completo e 22% tinham curso de especialização (RIBEIRO;

PEREIRA, 2010). Na presente pesquisa, entre os 68 alunos participantes, quatro

têm Ensino Médio completo, 15 ainda estão cursando o Ensino Superior e 49

concluíram o Ensino Superior, sendo que, destes últimos 12 concluíram curso de

Especialização, cinco fizeram Mestrado e dois fizeram Doutorado.

Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o

percentual de brasileiros que cursaram uma graduação até 2014 era de 13,1%.

Neste mesmo ano o percentual de pessoas que ainda estavam cursando o mesmo

nível de ensino era de 3,9% (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E

ESTATÍSTICA, 2015, p. 97). Comparado a este índice, o número de ex-alunos

Waldorf que cursam ou cursaram Ensino Superior tende a ser alto (considerando-se

que a pesquisa foi desenvolvida a partir da seleção aleatória de participantes).

Sobre em que idade iniciaram a vida de trabalho, foi constatado que uma

maioria teve seu primeiro emprego com menos de 20 anos, representando 39 das

respostas; 23 iniciaram a vida profissional dos 20 aos 24 anos; e 6 nunca

trabalharam, sendo que cinco desses seis têm idade inferior a 21 anos. No Brasil, o

Ensino Médio termina aos 17 anos quando cursado sem reprovas, e as faculdades

duram de quatro a cinco anos. Além disso, esses cinco indivíduos prestaram seu

primeiro vestibular com 17 ou 18 anos. Assim, é provável que essas pessoas não

estejam trabalhando por estarem se dedicando à vida acadêmica.

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A partir dos dados levantados na pesquisa de Bach Junior (2016), observa-se

que a taxa de alunos Waldorf desempregados é cinco vezes menor do que a média

do país. É possível que o motivo para isso seja o fato de que

A pedagogia Waldorf estimula ao longo dos anos escolares a familiaridadedos alunos com diversos campos que exploram as habilidades humanas.Isso pode ser um fator de desinibição, criatividade e resiliência diante dosdesafios que a vida e o destino vão apresentando aos egressos. (BACHJUNIOR, 2016, p. 29).

Quando questionados sobre há quanto tempo atuam no mesmo emprego, 19

participantes responderam “menos de um ano”, enquanto 17 indivíduos

responderam de 1 a 4 anos. Isso pode estar relacionado com o fato de grande parte

dos participantes terem idade entre 20 e 25 anos, podendo ter iniciado a vida

profissional somente após o término da vida acadêmica. A quantidade de

participantes que estão trabalhando há mais de 6 anos no mesmo emprego também

aparece com um número significativo: 16 indivíduos. Cinco indivíduos trabalham no

mesmo emprego de 4 a 6 anos; oito indivíduos não estão trabalhando e três não

responderam à questão.

Segundo reportagem do jornal Estadão, página Economia & Negócios, de

maio de 2014, a permanência média no emprego alcançou (no referido ano) o índice

mais alto desde o início da pesquisa em 2002. O número chegou a ser de 161,2

semanas, o que equivale a um pouco mais que três anos (ESTADÃO, 2014). A

média entre os alunos egressos participantes, calculada a partir de aproximações

realizadas por meio das respostas obtidas, é consideravelmente mais alta: 190

semanas.

No que concerne à questão da competitividade, um dos diferenciais da

Pedagogia Waldorf é a forma de ensino que visa fazer uso de metodologias que

desestimulem o ímpeto competitivo, o individualismo e o isolamento. Neste sentido,

o objetivo é que o aprender torne-se algo a ser feito em grupo e de forma lúdica.

Por outro lado, considerando que muitos processos sociais se baseiam na

competitividade, esta pesquisa preocupou-se em questionar os egressos Waldorf

sobre o sentimento que têm em relação a este fator, em situações como uma

seleção de emprego, por exemplo. Sentiriam estes indivíduos algum tipo de

desvantagem em relação a pessoas que estudaram em escolas não Waldorf?

Recorrendo, novamente, aos dados da pesquisa Seven myths of social

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participation of Waldorf graduates, de Ribeiro e Pereira (2010), na qual a mesma

pergunta foi direcionada aos participantes, observam-se os seguintes resultados:

Of the respondents, 38% thought competitiveness in the job market and ahumanistic background were completely different things; for them, to beprepared or not for competition was essentially a personal question, soWaldorf education did no harm; 36% thought Waldorf education helpedbecause it prepared them to think and act in flexible ways and that thesewere positive when they were seeking a job; 11% said it is a personalquestion, but Waldorf education gave them elements that helped in somecompetitive situations or gave them some ethical support; 9% thought theywere harmed by Waldorf education because they did not feel prepared forany kind of competitiveness; 5% believed Waldorf education provided for ahard beginning as far as competition was concerned, but after some timethey found their way, and 1% did not know how to answer the question.(RIBEIRO; PEREIRA, 2010, p. 34).

Quanto à presente pesquisa, a resposta da maioria foi “não”, com o total de

54 pessoas optando por essa alternativa. Treze disseram que “sim, sentiram

dificuldades em situações de competitividade” (sobretudo durante a vida acadêmica

ou no vestibular). Uma pessoa não respondeu à questão.

Alguns dos participantes que disseram não haver sentido desvantagens ainda

ressaltaram o contrário. Estes sentiram que tinham até mesmo mais preparação

para algumas situações específicas de competitividade, como segue:

ROG: “Não, pelo contrário. Passei em medicina USP (fiz dois anos e vi quequeria o que faço hoje), Administração/USP. Trabalhei na multinacional 3M,fiz dois Doutorados (USP e FGV) e sou docente na USP. Tudo isso emambiente competitivo. Considero que a educação Waldorf foi chave paraque eu desenvolvesse os estímulos racionais, emocionais, existenciais esociais para o pensar criativo.” (RESPOSTA 38).

CYN: “Não senti. Ao contrário, às vezes me sinto mais preparada, commaior articulação, maior facilidade de argumentação, maior bagagem dereferências culturais e de experiências de vida, bem como maior liderança ecapacidade de trabalhar em coletivos de forma harmônica.” (RESPOSTA39).

HEL: “Não, sinto que tenho habilidades e conhecimento desenvolvido comvárias aulas de artes que as outras pessoas não têm, momentos sociaiscomo juntar com amigos para montar uma festa é sempre diferente poisquero fazer tudo manualmente enquanto que todos querem comprar, esempre que fazemos juntos sai bem melhor. No trabalho a desenvolturacom comunicação em público (que eu sinto que foi quebrada com o teatro)ajuda muito!” (RESPOSTA 59).

Entre as respostas “sim”, aparecem os relatos:

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MON: “Sim, [na Pedagogia Waldorf] o ensino de Exatas e Biológicas erafraco em comparação” (RESPOSTA 34).

CLA: “Sim, pois estava mais acostumada ao sistema de avaliações e ensino[da Pedagogia Waldorf].” (RESPOSTA 45).

Com relação à leitura, dentro das escolas Waldorf há a introdução menos

precoce (em relação às escolas não Waldorf), já que até os 7 anos nenhuma prática

de pré-alfabetização é desenvolvida (OLIVEIRA, 2006). No entanto, a presença de

contos é uma constante desde a Educação Infantil (PASSERINI, 2004). Além de que,

no Ensino Fundamental, todos os dias, pela manhã, um verso é recitado por toda a

escola, e as crianças que nasceram naquele dia da semana recitam seu verso

individual (composto pela professora da turma). A alfabetização, iniciada aos sete

anos, é feita por meio da arte (BERTALOT, 1995).

Dessa forma, no intuito de saber com qual frequência continuaram as leituras

de alunos egressos Waldorf, foi formulada a questão “Quantos livros você lê por

ano?”. De acordo com os relatos registrados, 23 participantes leem menos do que 5

livros por ano; 26 leem de 5 a 10; 10 leem de 10 a 15 livros; 4 leem de 15 a 20 livros

e 2 leem mais que 20 livros.

Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro e aplicada pelo IBOPE

Inteligência (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2016), constatou-se que a média de livros

lidos/ano entre os brasileiros, é de 4,96. Tal média é ligeiramente diferente entre os

estados da região sul (4,41 livros/ano) e sudeste (5,96 livros/ano), que são as

localidades de moradia dos participantes da presente pesquisa. A média obtida entre

estes participantes da presente pesquisa, entretanto, é significativamente maior que

a média nacional e de suas regiões, sendo aproximadamente 7 livros/ano.

Um aspecto muito presente nas instituições Waldorf é a espiritualidade. A

escola concebe os alunos como seres anímico-espirituais (STEINER, 2003; 2000;

1999; 1996a; 1996b) e, embora isto não esteja presente de forma discursiva nas

práticas pedagógicas, é perceptível no tratamento, na forma de organização das

atividades, etc. (OLIVEIRA, 2006). Em função desta particularidade, há uma noção

social compartilhada, segundo a qual a educação Waldorf imprimiria uma tendência

padronizada em relação à religiosidade do indivíduo, ou até mesmo se configuraria

como uma educação religiosa (BACH JUNIOR, 2016; RIBEIRO; PEREIRA, 2010).

Na pesquisa de Bach Junior (2016), feita com 630 egressos da Pedagogia

Waldorf canadenses e estadunidenses, chegou-se aos seguintes resultados: em

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primeiro lugar predominou a religião protestante (também predominante em relação

à população geral estadunidense), em segundo apareceu o catolicismo e em terceiro

o cristianismo (predominantes no Canadá). Ainda apareceram religiões como:

budismo, judaísmo, testemunha de Jeová, entre outras. Tendo-se perguntado aos

participantes se algum deles se sentiu pressionado ou induzido a seguir por algum

caminho religioso, 80% disseram que não. Desses, a maioria “concorda que as

escolas Waldorf possuem abertura em relação a todas as religiões do mundo.”

(BACH JUNIOR, 2016, p. 37).

Na presente pesquisa, indagou-se aos participantes se eram seguidores de

alguma religião e, em caso positivo, qual. Trinta participantes afirmaram que não

tinham religião; 7 responderam ter uma espiritualidade livre de religião e 3 são ateus

(totalizando 40 pessoas que não seguem uma religião); 11 são católicos; 9 são

cristãos; 4 são espíritas; e 4 são de outras religiões (judaísmo, budismo, etc.).

Destacam-se algumas respostas

AIN: “Não. Apesar de ter frequentado a colônia da comunidade de cristãospor muitos anos e ter ido a muitos cultos, me considero mais holística.Acredito em energias, cosmos, e ainda misturo candomblé com budismo.”(RESPOSTA 23).

CYN: “Sim. Tive uma formação cristã esotérica, mas hoje tenho diferentespráticas espirituais holísticas, como o zen e ho'ooponopono.” (RESPOSTA37).

TEO: “Não tenho religião específica, mas sigo orientação espiritual norteadapor um eixo sincrético de religiões afro-brasileiras.” (RESPOSTA 66).

Quanto às religiões citadas, apareceram duas respostas de indivíduos queacreditam ter sua própria religião, são elas

AND: “Poliexoteísta.” (RESPOSTA 38).

ELI: “Não oficialmente. Acredito ter minha própria religião. Um dos meusprincipais guias é Arcanjo Miguel.” (RESPOSTAS 47).

O Brasil ainda é a maior nação católica do mundo, segundo pesquisa

realizada pelo IBGE em 2010. Em seguida, aparece a religião evangélica, espírita,

outras e sem religião ou sem declaração (Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, 2015).

Nota-se que os resultados entre egressos Waldorf são divergentes da média

nacional. Entretanto, não indicam que haja algum tipo de padronização religiosa por

conta da escolarização. É possível refletir sobre este resultado com base em

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Kügelgen (1960), quando este relata (de acordo com a perspectiva Waldorf) que a

ideia da escola não é induzir o indivíduo a uma religião específica, mas sim

aproximá-lo do espírito. Em suas palavras:

A educação Waldorf não pretende introduzir na escola relações funcionais,conceitos globais, mas apenas reestabelecer a totalidade, a integridade davida espiritual do homem, concebido como um microcosmo, e das forçasativas da natureza. (KÜGELGEN, 1960, p. 72).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como base a Pedagogia Waldorf, criada por Rudolf Steiner

segundo os pressupostos da Antroposofia. Seu principal objetivo era investigar o

perfil de alunos egressos de escolas Waldorf no Brasil, para entender um pouco

mais sobre o impacto desta forma peculiar de educação em suas vidas.

Como método para se encontrar tais indivíduos, adotou-se a procura via

comunidades destinadas a alunos que já estudaram nas escolas Waldorf, inseridas

na rede social Facebook. Foi estabelecido contato com cerca de 1.000 pessoas

(ligadas à Pedagogia Waldorf) aleatórias, enviando-se, primeiramente, um texto

inbox que dizia: “Olá, tudo bem? Você estudou em uma Escola Waldorf?”. A partir da

resposta a esta pergunta, lhe era enviado o convite para participar da pesquisa e,

em seguida, o link do Formulário online, elaborado a partir da ferramenta Google

Formulários. Os participantes da pesquisa totalizam um número de 68 indivíduos,

maiores de 18 anos, que haviam estudado por mais de um ano em escolas Waldorf

e moravam no Brasil.

Apesar de algumas pesquisas semelhantes já terem sido desenvolvidas

(BACK JUNIOR, 2016; 2012; RIBEIRO; PEREIRA, 2010), ainda há muitas dúvidas

sobre os egressos da Pedagogia Waldorf. A partir da coleta de dados, a presente

pesquisa pode contribuir para a progressiva solução destas dúvidas, bem como para

ajudar a esclarecer a pertinência, ou não, de algumas noções sociais compartilhadas

sobre os egressos desta educação alternativa.

Quanto à questão da formação para situações de competitividade, tanto na

pesquisa de Ribeiro e Pereira (2010) e de Bach Junior (2016) quanto na presente

pesquisa, obteve-se maioria em torno de percepções de que a Pedagogia Waldorf

não oferece empecilhos e pode até colaborar.

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Outro assunto que gera atenção é o receio de que os alunos Waldorf sejam

influenciados a seguirem alguma cultura religiosa específica. A maioria dos

participantes da pesquisa de Bach Junior (2016), desenvolvida no Canadá e Estados

Unidos, se disseram protestantes (em conformidade com os índices nacionais

estadunidenses), seguida pela religião católica e pelo cristianismo (estes

predominantes no Canadá). Já Ribeiro e Pereira (2010) apresentam em seus

gráficos que mais da metade dos participantes disseram seguir suas próprias

crenças, ocupando o primeiro lugar de votação, seguido por cristianismo e

catolicismo. Na presente pesquisa, a maioria dos egressos Waldorf se apresentou

como “sem religião”, estando em segundo e terceiro lugar as prevalências do

catolicismo e do cristianismo, respectivamente. Percebe-se, quanto a esta questão,

portanto, a constância da não uniformidade.

Questões como prestar e ser aprovado em vestibulares também aparecem

com bastante frequência quando o assunto são os egressos Waldorf. Nos textos de

Bach Junior (2016) e Ribeiro e Pereira (2010), apresentam-se resultados que

indicam que não há maior dificuldade entre os egressos Waldorf do que entre a

média geral. A presente pesquisa corroborou esse mesmo resultado.

Com isso, defende-se a relevância de que outras pesquisas nesse âmbito

sejam realizadas – abordando outras questões e egressos reunidos em contextos

diferentes –, para que noções sociais que tenham se fixado possam ser examinadas

de forma mais sistemática. Ainda em relação a esta pesquisa existem muitos outros

resultados (já coletados) a serem apresentados e discutidos em novos trabalhos,

como por exemplo os que se referem aos hábitos de saúde, aos hobbies, e aos

hábitos alimentares dos egressos Waldorf.

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Apêndice A – Questões do Formulário online aplicado aegressos da Pedagogia Waldorf

1. Nome:

2. Idade:

3. Durante quanto tempo você estudou em uma escola Waldorf? De que ano a queano? Em que cidade se localizava a instituição?

4. Você é adepto de alguma religião? Qual?

5. Você estudou em alguma escola não Waldorf? Se sim, como foi sua adaptação?Destaque em que aspectos você sentiu maior dificuldade.

6. Quantos livros você lê por ano?

Menos do que 5 livros.

De 5 a 10 livros.

De 10 a 15 livros.

De 15 a 20 livros.

Mais do que 20 livros.

7. Você está lendo algum livro no momento? Qual é o título?

8. Qual é o seu grau de escolaridade:

Educação Básica completa.

Ensino Superior completo.

Especialização completa.

Mestrado completo.

Doutorado completo.

9. Em situações de competição, você sentiu desvantagens em relação a pessoasque estudaram em escolas não Waldorf? Se sim, por que?

10. Você fez algum curso pré-vestibular?

11. Com quantos anos você prestou seu primeiro vestibular? Para que curso?

12. Para que cursos e instituições você prestou vestibular?

13. Com quantos anos você começou a trabalhar?

14. Há quanto tempo você está no trabalho atual?