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EIAs como Instrumento de Fortalecimento da Gestão Ambiental na Amazônia Marco Antonio Chagas 1 - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos Alan Cunha 2 – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá Charles Chelala 3 – Universidade Federal do Amapá 1. Introdução Inspirado na legislação ambiental norte-americana (National Environmental Policy Act – NEPA, 1969), os empreendimentos considerados de potencial impacto ambiental, quando de sua instalação em território brasileiro, são obrigados a adotar ações preventivas capazes de assegurar a qualidade ambiental, cabendo ao Poder Público a exigência de Avaliação de Impacto Ambiental - AIA. A Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, trouxe o AIA como um de seus mais importantes instrumentos. Posteriormente, uma série de normas disciplinaram a matéria, destacando o reconhecimento do Estudo de Impacto Ambiental – EIA como principal instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA aplicado ao processo de licenciamento ambiental para instalação de empreendimentos capazes de provocar significativa alteração ao meio ambiente. O EIA, quando de sua exigência pelo órgão licenciador, deve seguir princípios e diretrizes estabelecidos em normas ambientais, sem os quais, desvirtua-se o alcance de seu objetivo maior: evitar que uma atividade econômica, que deve gerar lucro aos investidores e beneficiar a sociedade, mais tarde se torne danosa ao meio ambiente e transfira os custos desse dano à própria sociedade e ao governo. Entre as normas fundamentais que norteiam o EIA, ênfase para a Constituição Federal (Art. 225) que celebrou esse instrumento como obrigatório para empreendimentos considerados de potencial impacto ambiental, cabendo ao Poder Público a obrigatoriedade de exigi-lo previamente à instalação do empreendimento. Diretrizes e conteúdo mínimo do EIA são encontrados nas Resoluções CONAMA 01/86, 237/97 e a participação pública na Resolução CONAMA 09/87 (SANCHEZ, 2006; MILARÉ, 2007; ANTUNES, 2008). Na Amazônia, empreendimentos do setor de mineração e de energia, de mercados aquecidos em longo prazo, destacam-se pela atenção que despertam junto à sociedade quanto aos impactos gerados, valorizando, dessa forma, os EIAs e os desdobramentos do 1 Geólogo, doutorando em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo NAEA/UFPA. ([email protected]) 2 Engenheiro químico (IEPA), doutor em Hidráulica e Saneamento pela USP. ([email protected]) 3 Economista, mestre em Desenvolvimento Regional pela UNIFAP. ([email protected])

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EIAs como Instrumento de Fortalecimento da Gestão Ambiental na Amazônia

Marco Antonio Chagas1 - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos Alan Cunha2 – Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá

Charles Chelala3 – Universidade Federal do Amapá

1. Introdução

Inspirado na legislação ambiental norte-americana (National Environmental Policy Act

– NEPA, 1969), os empreendimentos considerados de potencial impacto ambiental, quando de

sua instalação em território brasileiro, são obrigados a adotar ações preventivas capazes de

assegurar a qualidade ambiental, cabendo ao Poder Público a exigência de Avaliação de

Impacto Ambiental - AIA. A Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional de Meio

Ambiente, trouxe o AIA como um de seus mais importantes instrumentos. Posteriormente,

uma série de normas disciplinaram a matéria, destacando o reconhecimento do Estudo de

Impacto Ambiental – EIA como principal instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental –

AIA aplicado ao processo de licenciamento ambiental para instalação de empreendimentos

capazes de provocar significativa alteração ao meio ambiente.

O EIA, quando de sua exigência pelo órgão licenciador, deve seguir princípios e

diretrizes estabelecidos em normas ambientais, sem os quais, desvirtua-se o alcance de seu

objetivo maior: evitar que uma atividade econômica, que deve gerar lucro aos investidores e

beneficiar a sociedade, mais tarde se torne danosa ao meio ambiente e transfira os custos

desse dano à própria sociedade e ao governo. Entre as normas fundamentais que norteiam o

EIA, ênfase para a Constituição Federal (Art. 225) que celebrou esse instrumento como

obrigatório para empreendimentos considerados de potencial impacto ambiental, cabendo ao

Poder Público a obrigatoriedade de exigi-lo previamente à instalação do empreendimento.

Diretrizes e conteúdo mínimo do EIA são encontrados nas Resoluções CONAMA 01/86,

237/97 e a participação pública na Resolução CONAMA 09/87 (SANCHEZ, 2006; MILARÉ,

2007; ANTUNES, 2008).

Na Amazônia, empreendimentos do setor de mineração e de energia, de mercados

aquecidos em longo prazo, destacam-se pela atenção que despertam junto à sociedade quanto

aos impactos gerados, valorizando, dessa forma, os EIAs e os desdobramentos do

1 Geólogo, doutorando em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido pelo NAEA/UFPA. ([email protected]) 2 Engenheiro químico (IEPA), doutor em Hidráulica e Saneamento pela USP. ([email protected]) 3 Economista, mestre em Desenvolvimento Regional pela UNIFAP. ([email protected])

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licenciamento ambiental pelo Poder Público, principalmente quanto ao processo de

monitoramento ambiental, seguramente uma das fases da gestão ambiental bastante

negligenciada tanto pelos empreendedores quanto pelo Poder Público.

Este trabalho analisa EIAs elaborados no estado do Amapá, adotando como

procedimento metodológico a avaliação de dois estudos de casos. O primeiro refere-se ao EIA

da MMX Amapá Mineração4, elaborado para licenciamento ambiental de uma mina de

extração e beneficiamento de minério de ferro; e o segundo ao EIA da Amapari Energia para

licenciamento ambiental de uma Pequena Central Hidrelétrica de 30MW de potência de

geração de energia (Figura 01). Registre-se que ambos pertencem ao mesmo grupo

econômico, Grupo EBX, do empresário Eike Batista, mas que seguiram procedimentos de

EIA diferenciados. Os EIAs, então, são caracterizados quanto a sua gênese, avaliados quanto

ao cumprimento das diretrizes e conteúdo mínimo, além de comparados quanto aos aspectos

negativos e positivos, de modo a extrair algumas lições aprendidas.

Figura 01 – Localização da MMX (mineração de ferro) e Amapari Energia (PCH Capivara), no estado do Amapá.

4 A empresa MMX vendeu a sua participação majoritária nas minas do Amapá para a empresa “Anglo American”, cuja denominação local é “Anglo Ferrous Brasil”, em um negócio que envolveu US$ 5,5 bilhões, anunciado pela empresa em 17 de janeiro de 2008. Como a empresa que procedeu ao licenciamento do EIA foi a MMX, neste artigo a empresa Anglo Ferrous Brasil não será objeto de análise.

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2. EIA MMX Amapá Mineração (mineração de ferro)

O aumento dos preços das commodities motivaram a retomada de investimentos na

mineração no início do novo século. O Amapá, após o ciclo do manganês (1950-1990) e do

ouro (1990-2000), iniciou um novo ciclo mineral. Empresas do setor de mineração do Grupo

EBX lideraram esses investimentos, passando a deter os principais ativos das mineradoras de

ouro e ferro que detinham concessões na região da Serra do Navio, exatamente onde a

empresa ICOMI operou uma mina de manganês por 40 anos e não finalizou a recuperação da

área degradada.

Nesse novo boom mineral, a empresa Mineração Pedra Branca do Amapari – MPBA

vem desenvolvendo o Projeto Amapari, cujo objetivo é extrair e beneficiar ouro de uma mina

a céu aberto, com reservas de 1,34 milhão de onças de ouro e teores médios entre 2,0 a 2,5

gramas/toneladas de minério. A MPBA passou por sucessivas transações societárias (Anglo

Gold, Grupo EBX, Wheaton River Minerals, GoldCorp, Peak Gold) e atualmente pertence a

canadense New Gold. O processo de licenciamento ambiental da MPBA iniciou no final da

década de 90 pela Anglo Gold, proprietária do projeto na época, sendo paralisado em seguida

por questões de inviabilidade econômica e conflitos com superficiários. Em 2003, o

empresário Eike Batista, presidente do Gurpo EBX, comprou o Projeto Amapari da empresa

Anglo Gold por US$ 3 milhões e, após obter as licenças apropriadas e desenvolver a

engenharia e reestruturação da mina em sete meses, vendeu à GoldCorp por US$ 160

milhões.

A manifestação de interesse na exploração de minério de ferro nas áreas tituladas para

ouro pertencentes a MPBA se dá quando o Grupo EBX, que detinha na época o controle

acionário sobre os ativos dessa empresa, celebraram entre si, “Acordo de Exploração” junto

ao Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, passando as áreas de manifesto ao

controle do Grupo EBX, especificadamente para a subsidiária MMX Amapá Mineração,

empresa criada para extrair e beneficiar minério de ferro. Nesse ínterim, a MPBA solicitou à

Secretaria do Meio Ambiente do Amapá – SEMA/AP, do Amapá a “Licença de Instalação –

LI” para exploração de minério de ferro, tendo recebido a mesma sob a condição de

apresentar um novo EIA, com prazo de elaboração definido pela SEMA/AP de apenas dois

meses.

O EIA exigido pela SEMA-AP foi então apresentado pela MMX, gerando uma série

de questionamentos quanto à legalidade do procedimento de licenciamento (não cumprimento

do Princípio da Precaução) e do conteúdo do EIA elaborado (cópia do EIA da MPBA). Nesse

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ponto, há dois aspectos a considerar, não descartando sua natureza complementar ou mesmo

excludente. O primeiro, de ordem geológica, que poderia ter levado a MMX a entender,

equivocadamente, que diante de uma área onde incidiam os títulos minerais expedidos em

nome da MPBA para mineração de ouro, caberia um mesmo EIA ou mesmo um EIA

adaptado para mineração de ferro, a considerar ambas as jazidas estarem inseridas sob o

mesmo contexto geológico (Figura 02) e, portanto, de mesma área de influência direta para

avaliação de impactos.

Fonte: IEPA (2002)

Figura 02 – Contexto geológico das minas de ouro (MPBA) e ferro (MMX).

O segundo aspecto, de natureza econômica, ou como se diz na linguagem dos

negócios, “janela de oportunidades”, permitindo inferir uma situação em que o investidor

projeta compromissos para acesso e valorização de ações junto aos mercados de capitais,

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inclusive com contratos de venda de minérios antecipados, tornando o licenciamento

ambiental um risco assumido, principalmente pela morosidade desse rito pelo Poder Público.

Esse parece ter sido o aspecto mais provável para justificar os problemas detectados no EIA

da MMX pelo Ministério Publico Estadual e Federal (MPF, 2007), fato este que

posteriormente ocasionou um considerável desgaste da empresa junto a sociedade local.

3. EIA Amapari Energia (PCH Capivara)

O setor mineral é grande consumidor de energia elétrica. A demanda das mineradoras

MMX e MPBA é da ordem de 40MW. A indisponibilidade de oferta de energia no Amapá

levou o Grupo EBX a investir na geração independente de energia, primeiramente através da

construção de uma termoelétrica de 23 MW de potência e, em seguida, na construção de uma

Pequena Central Hidrelétrica – PCH, denominada PCH Capivara, com 30 MW de potência.

A PCH Capivara é o primeiro empreendimento de geração de energia hidrelétrica que

objetiva colocar em prática o inventário hidrelétrico realizado, em 1999, pela Eletronorte, na

bacia do Rio Araguari. O aproveitamento identificado pelo inventário como “Água Fria”,

projetou uma capacidade de geração da ordem de 73MW, sendo considerado o de melhor

custo-benefício entre os demais aproveitamentos mapeados. A Amapari Energia5 solicitou

junto a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL autorização para revisão dos estudos

de inventário hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Amapari, incluindo o aproveitamento

Água Fria, tendo os estudos indicados a viabilidade para implantação de uma PCH, no local

conhecido como Capivara, com reservatório reduzido a 12,9 km2, de modo a não afetar a

Zona de Amortecimento (10 Km) do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, criado

em 2002 pelo Governo Federal. O EIA da PCH Capivara foi elaborado entre 2007 e 2008,

estando em fase de avaliação pela SEMA-AP para expedição da Licença Prévia.

5 A Amapari Energia é um consórcio das empresas MPX (Grupo EBX) e Eletronorte.

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4. Avaliação Comparativa dos EIAs

O quadro 01 apresenta uma comparação dos EIAs quanto ao cumprimento das

diretrizes estabelecidas pelo artigo 5o, da Resolução CONAMA 01/86.

Quadro 01 – Comparação de cumprimento de diretrizes nos EIAs

Diretrizes EIA MMX EIA PCH Capivara

I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto.

- Alternativa Tecnológica: apresenta apenas uma alternativa.

- Alternativa Locacional: o projeto apresenta rigidez locacional.

- Hipótese de Não Execução: apresenta somente um cenário futuro sem o empreendimento.

- Alternativa Tecnológica: apresenta uma comparação entre a alternativa hidrelétrica e termoelétrica de mesma potência.

- Alternativa Locacional: o projeto apresenta rigidez locacional.

- Hipótese de Não Execução: apresenta somente uma análise da oferta/demanda de energia no Amapá.

II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade.

- Utiliza matriz de integração, complementado com método ad hoc.

- Conjugação das seguintes metodologias: modelos matemáticos, comparação e extrapolação, experimentos de laboratório e de campo, sistema de informação geográfica, matriz de integração e método de julgamento de especialistas ad hoc.

III - Definir os limites da área geográfica a ser direta (AID) ou indiretamente (AII) afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza.

- AID: Bacia do Rio Amapari para os meios físico e biótico; municípios de Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari para o meio socioeconômico.

- AII: Todo o estado do Amapá, chegando ao nível da União (impacto fiscal e macroeconômico).

- AID: Área afetada pelo Reservatório, com subdivisão de “População Diretamente Afetada” para os ribeirinhos (meio socioeconômico) - AII: Bacia do Rio Amapari para os meios físico e biótico; municípios de Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari para o meio socioeconômico.

IV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade.

- Considera: 1) Plano Amapá Produtivo de Desenvolvimento Sustentável (inexistente); 2) Projeto de Desenvolvimento Sustentável e Melhoria da Qualidade de Vida; 3) Programa de Melhoria da Qualidade de Vida Urbana e Rural do Amapá; 4) Programa Comunidades Duráveis

- Considera: 1) Mineração de Manganês - ICOMI – 1950/1998; 2) Programa de Integração Mineral em Municípios da Amazônia - PRIMAZ/Área Amapá/Município de Serra do Navio – 1997; 3) Estudos dos Aproveitamentos Hidrelétricos no Estado do Amapá – 1999; 4) Corredor da Biodiversidade do Amapá – 2003; 5) Projeto de Assentamento Perimetral Norte; 6) Mineração de Ouro - PROJETO AMAPARI – 2004; 7) Mineração de Ferro - PROJETO MMX AMAPÁ.

Fonte: Natrontec (2006); Ecotumucumaque (2008).

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O quadro 02 traz uma comparação do conteúdo mínimo dos EIAs, conforme artigo 6o, da Resolução CONAMA 01/86.

Quadro 02 – Comparação entre os conteúdos mínimos do EIAS

Conteúdo Mínimo EIA MMX EIA PCH Capivara

I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto.

- Dados secundários para os meios físico e biótico; pesquisa de campo para o meio socioeconômico.

- Dados primários para os meios físico, biótico e socioeconômico.

II - Análise dos impactos ambientais do projeto.

- Utilização de metodologia usual e inadequadas.

- Conjugação de metodologias adaptadas e contextualizadas ao caso. “Análise por múltiplos critérios”.

II - Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos.

- Apresenta matriz de identificação dos impactos e medidas mitigadoras para as fases de construção e operação. Não considerou a sinergia e cumulatividade dos impactos das minerações de ferro (MMX) e de ouro (MPBA).

- Apresenta matriz de identificação dos impactos e medidas mitigadoras para as fases de construção e operação. Considerou a sinergia e cumulatividade dos impactos da PCH Capivara e UHE Coaracy Nunes.

IV - Elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento.

- Apresenta Plano de Gestão Ambiental. Não apresenta programa de compensação ambiental e estudos arqueológicos se reportam a MPBA.

- Apresenta Plano de Gestão Ambiental Básico, com detalhamento dos programas para os meios físico, biótico e socioeconômico.

Fonte: Natrontec (2006); Ecotumucumaque (2008). O quadro 03 traz uma avaliação comparativa entre os EIAs da MMX e Amapari

Energia, considerando pontos críticos quanto a extrair algumas lições aprendidas do processo

de licenciamento ambiental:

Quadro 03 – Avaliação síntese comparativa

Aspectos Comparativos EIA MMX EIA PCH Capivara

I – Princípio da Precaução - Não cumprido - Cumprido

II – Termo de Referência - Inexistente - Existente

II - Diretrizes - Atendido parcialmente - Atendido

III – Conteúdo Mínimo - Atendido parcialmente - Atendido

IV – Audiências Públicas - Realizadas 03: Macapá, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio

- Realizadas 02: Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari

V – Medidas Compensatórias - Não apresenta - Apresenta

Fonte: Natrontec (2006); Ecotumucumaque (2008).

Os quadros 01, 02 e 03 permitem uma análise comparativa entre os dois EIAs,

possibilitando um amplo campo de interpretações sobre os diferentes procedimentos

metodológicos adotados, sem, entretanto, perder de vista que os setores de mineração e

energia apresentam mais especificidades que os distanciam do que os aproximam. Dessa

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forma, para evitar comparações grosseiras, optou-se por uma avaliação comparativa do

cumprimento do formalismo do instrumento de gestão ambiental, complementada pela

interpretação do que se considerou inovação no desenvolvimento dos estudos.

Quanto ao formalismo, percebe-se que os EIAs analisados apresentam algumas

diferenciações, como no caso do EIA da MMX não elaborado previamente à instalação do

empreendimento (Princípio da Precaução), além de atender parcialmente as diretrizes e o

conteúdo mínimo exigidos pela Resolução CONAMA 01/86.

Quanto as inovações dos EIAs, consideradas tão importante quanto o formalismo,

percebe-se que o EIA da Amapari Energia oferece alguns aspectos que o diferencia do EIA da

MMX, sendo destacados em seguida.

5. Inovações Científicas e Metodológicas do EIA Amapari Energia (PCH Capivara)

As principais inovações científicas e metodológicas do EIA da PCH Capivara,

consideradas importantes nesta investigação, foram:

1) Opção pela coleta, uso e análise de dados primários em detrimento dos secundários

(contudo, não desprezando a importância desses últimos), nas três dimensões

básicas do EIA: Meio Físico, Biótico e Socioeconômico;

2) Produção de conhecimentos técnico-científicos minimamente confiáveis (obtidos

nas campanhas dos meios físico, biótico e socioeconômico), com o uso de métodos

e técnicas que se aproximaram do estado da arte do conhecimento. Por exemplo, o

monitoramento da qualidade da água e uso de sistemas de modelagem para

elaboração de cenários ambientais em trechos de interesse próximos aos locais de

impacto do futuro empreendimento;

3) Aumento da base de dados sobre a biodiversidade regional, a considerar os

inventários realizados do meio biótico (flora e fauna), contribuindo dessa forma,

para definição de políticas integradas para conservação da natureza.

4) Geração de produtos científicos inéditos da bacia hidrográfica do rio Amapari:

Atlas da climatologia sazonal para a precipitação e temperatura, geologia,

qualidade da água, hidrologia, ruído e até cálculos e estimativas de emissão de

gases poluentes de termelétricas, para avaliar o efeito negativo do uso de

combustíveis fósseis para o caso alternativo destes em substituição ao de geração

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hidráulica, etc. O Atlas do EIA foi produzido a partir de técnicas modernas de

geoprocessamento, com a elaboração, uso e tratamento das imagens e mapas

apresentados no formato A3, com excelente qualidade e quantidade de imagens,

cujas riquezas de detalhes podem ser observadas na Figura 03;

a)

b) Fonte: Ecotumucumaque (2008).

Figura 03 – a) Bacia Hidrográfica do Rio Amapari, disponível no “Atlas do EIA da PCH Capivara”; b) Detalhe do local de impacto com seções de coleta (qualidade da água).

5) Geração e otimização de produtos técnico-científicos que se apresentavam

historicamente indisponíveis ou inacessíveis em outros estudos semelhantes.

Exemplos foram os mapas integrados com informações da geomorfologia e cortes

longitudinais para análise de cotas hidráulicas dos sistemas físicos hidrológicos da

bacia hidrográfica (análise da capacidade de autodepuração dos corpos d’água e

limnologia de reservatório);

6) Geração de informações técnico-científicas que extrapolam as áreas científicas

restritas somente aos impactos ambientais do empreendimento. Isto é, superação

de lacunas de conhecimento técnico limitados pela conjuntura atual de Ciência e

Tecnologia e Meio Ambiente locais, tais como: gestão ambiental, geografia,

climatologia, recursos hídricos, engenharia, geologia, ecologia, biologia,

antropologia, ciências sociais, economia, geoprocessamento, etc.;

7) Elaboração e confecção dos diagnósticos pensados como “estruturas de

informações técnicas” úteis a posteriori do próprio Plano Básico Ambiental do

empreendimento. Isto é, como instrumento básico para outras áreas do

conhecimento técnico de interesse, como o interesse educativo para os diversos

níveis de escolaridade, desde o nível fundamental até o de pós-graduação Stricto

sensu;

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8) Superações técnicas que geraram o que se pode denominar de uma “re-engenharia

do conhecimento crítico científico-tradicional local”, uma vez que a obtenção de

informações primárias permite a construção mais ampla, eficiente e integrada

desse conhecimento útil à tomada de decisão nos planos espacial e temporal do

empreendimento hidrelétrico;

9) Fácil disponibilização, para a população, do conhecimento técnico-científico

gerado no estudo, que normalmente não tem sido apropriado pela sociedade local

(escolas, instituições, organizações, etc.), induzido pela construção de know how e

expertise locais adquirido por este tipo de estudo.

Com relação às inovações científicas e metodológicas introduzidas na identificação

dos impactos do meio socioeconômico, destaca-se, inicialmente, o completo levantamento de

moradores ribeirinhos do rio Amapari, a montante do eixo da PCH Capivara, com

identificação de seus modos de vida, formas de produção, relações sociais, históricos e

trajetórias. Registre-se que este acervo da região, que inexistia anteriormente ao EIA, está

fartamente documentado em base de dados e em arquivos de imagem (fotos digitais) e de voz

(gravações digitais).

No aspecto metodológico, pode-se afirmar que o EIA da PCH Capivara também

inovou aplicando o cruzamento das tipologias de ribeirinhos identificados com sua

localização no Rio, gerando assim uma matriz de vulnerabilidade ao impacto sócio-ambiental

da PCH, conforme estes dois parâmetros.

No EIA foram identificadas oito modalidades de ribeirinhos ocupando a área que será

diretamente afetada pelo reservatório: i) Ribeirinhos produtivos que moram na propriedade

com a família; ii) Ribeirinhos produtivos com outros empregos complementares na cidade; iii)

Ribeirinhos com lotes, alguns cultivos e moradia intermitente; iv) Ribeirinho com criação de

gado; v) Ribeirinhos garimpeiros; vi) Ribeirinhos idosos; vii) Áreas que estavam abandonadas

e estão sendo retomadas e viii) Áreas com culturas ou criação e sem moradia.

Com relação à localização no Rio, o estudo procedeu a um “micro-zoneamento”

ecológico econômico, classificando cada área de acordo com maior impacto socioeconômico

produzido pela PCH. Foram as áreas I – Eixo; II – Montante; III – Sucurijú e IV – Jusante.

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Fonte: Ecotumucumaque (2008)

Figura 04 – Mapa com “micro-zoneamento” de impacto socioeconômico.

Assim, como se verifica na figura 04, conforme sua tipologia e sua localização, os

moradores ribeirinhos (ou as sua ocupações) foram hierarquizados atribuindo-lhes gradações

de vulnerabilidades aos impactos produzidos pela PCH.

6. Lições Aprendidas

Percebe-se, ao analisar os EIAs da MMX para mineração de ferro e da Amapari

Energia para produção de hidroeletricidade, que as diferenças de qualidade desses estudos se

deram na proporção direta do esforço amostral para coleta de dados primários. Enquanto o

EIA da MMX se apropriou de grande quantidade de dados secundários para elaboração do

diagnóstico ambiental, a maioria extraídos do EIA da MPBA, dificultando dessa forma uma

avaliação de impactos mais qualificada e definição de programas de monitoramento

exeqüíveis; o EIA da PCH Capivara demonstrou uma maior afinidade com a realidade local,

muito provavelmente pela maior experimentação em campo e desdobramentos do que é

possível de ser cumprido e projetado em nível de mitigação dos impactos e monitoramento,

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sem, entretanto, deixar de reconhecer que a complexidade do estudo remete a equívocos, erros

e, por que não, aprendizado.

Como lições aprendidas, observam-se: 1) os EIAs têm dado uma grande contribuição

para produção de informações científicas sobre determinadas regiões, mormente os

diagnósticos dos meios físico, biótico e socioeconômico; 2) os EIAs têm permitido o

aperfeiçoamento do processo de licenciamento ambiental, na medida em que o Ministério

Público tem se mostrado cada vez mais atento ao cumprimento da legislação ambiental; 3) os

EIAs são instrumentos de complexa análise e requerem maior qualificação do Poder Público

para cumprimento das prerrogativas do licenciamento e posterior monitoramento ambiental;

4) os EIAs são analisados pelo Poder Público com visão preservacionista, valorizando muito

mais aspectos dos meios naturais (físico e biótico) em detrimento do meio socioeconômico.

Como conclusão, observou-se que os EIAs têm se configurado como um importante

instrumento prático para o desenvolvimento científico e ambiental, além de permitir a

identificação de fragilidades na gestão ambiental pública e privada.

Referências

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2008.

ECOTUMUCUMAQUE. Estudo de Impacto Ambiental da PCH Capivara – Amapari Energia S.A. Ecotumucumaque: Macapá, 2008.

IEPA. Macrodiagnóstico do Estado do Amapá: primeira aproximação do ZEE. Macapá: IEPA/ZEE, 2002.

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: A Gestão Ambiental em foco. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Informação Técnica no 191/07 – 4ª CCR. Brasília, 2007.

NATRONTEC. Estudo de Impacto Ambiental do Projeto Ferro Amapá – MMX Amapá Mineração Ltda. Natrontec: Rio de Janeiro, 2006.

SANCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de Textos, 2006.

WEB site consultados:

http://www.ebx.com.br, consulta em 10/10/2008