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EIXO BIOLÓGICO

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Unidade 8Forma e Função

Autor: Danilo Arruda Furtado

Sumário

I Convite

II Ambientação

III Evolução morfofuncional do Universo

VI Heterocronia

V Um exemplo de evolução heterocrônica

VI Homologia e homoplasia

VII Alometria

VIII Agradecimento

XIX Referências

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430 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

#M4U8 I ConviteTodos nós temos a impressão de que forma e função são, de certo modo, com-

plementares, e no campo da biologia percebe-se isto de modo muito evidente. Basta que contemplemos a nós mesmos, ou o ambiente que nos rodeia.

É a forma da sua mão que segura este livro. É a forma de cada letra ou palavra que simboliza seu significado, sua função. Cada forma em nosso Universo, seja um átomo, uma molécula, um organismo, uma comunidade, um bioma, uma galáxia, pos-sui uma função, ainda que seja, somente, a de ser/estar.

Nesta unidade serão apresentados argumentos que sustentam uma interpreta-ção integrativa (sistêmica), na qual forma e função são aspectos complementares. Esta concepção difere de outras que concebem a forma e a função como sendo manifesta-ções distintas e independentes. Procuraremos confrontar também a idéia de que forma e função são aspectos que se manifestam por todo o Universo com a visão que consi-dera a forma e função na biologia como conceitos distintos de forma e função em ou-tras áreas do saber. Muito embora possa haver uma multiplicidade de interpretações acerca do que se entende por forma e função, procuraremos nesta unidade apresentar argumentos em favor do conceito que considera forma e função como manifestações interdependentes e recíprocas em todas as escalas da natureza (microcósmica e macro-cósmica) Os argumentos estarão em favor desta interpretação estarão acompanhados de alguns exemplos morfofuncionais encontrados em diferentes escalas espaço-tem-porais (níveis de organização).

Aproveite, reflita, medite. Desenvolve tua visão do mundo (cosmovisão).

II AmbientaçãoSeria interessante familiarizarmo-nos com o tema da forma e da função tentan-

do responder mentalmente perguntas a seguir:

1- O que é forma e o que é função?

2- Quando e como se originam novas formas e novas funções?

3- Como se relacionam a forma e a função nas diferentes escalas espaço-tempo-rais?

Por favor, não se precipite. Procure, realmente, formular respostas às perguntas acima. Não tenha pressa, não receie, você conseguirá, tenho certeza. Leia-as novamen-te e então, viaje...

Veja que não foi difícil pensar em algo. Agora que construímos algo em mente será proveitoso conhecermos outras respostas possíveis. Um começo simples é compa-rar nossas concepções às definições encontradas no bom e velho dicionário da língua portuguesa:

1- Forma: limites exteriores da matéria de que é constituído um corpo, e que conferem a este um feitio, uma configuração, um aspecto particular.

2- Morfologia: tratado das formas que a matéria pode tomar; o estudo das for-mas.

3- Estrutura: conjunto formado, natural ou artificialmente, pela reunião de par-tes ou elementos, em determinada ordem ou organização.

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4- Função: Ação própria ou natural de uma forma ou de uma estrutura. Notem que a função é aqui definida como sendo uma propriedade que emana das partes (formas) ou do conjunto das partes (estrutura). Mas podem haver interpretações al-ternativas.

5- Fisiologia: parte da biologia que investiga as funções orgânicas, processos ou atividades vitais, como o crescimento, a nutrição ou a respiração.

Refletindo sobre estes conceitos, procure identificar as funções das partes que lhe compõe o corpo. Olhe o mundo ao seu redor. Perceba que ele é composto por uma incalculável diversidade de formas, e que cada forma possui uma função correspon-dente, mesmo que seja simplesmente a de existir. Repare que toda forma ocupa um espaço-tempo, desempenhando, assim, funções características e peculiares. Algo mui-to semelhante ao verbo ser/estar, ou seja, aquilo que está em algum lugar (forma), é, necessariamente, algo (função). A função pode ser concebida como a interação entre as formas do ser. Assim sendo, a interação depende de estar, isto é, de quais seres estão interagindo.

Essa percepção poderia levar-nos a desconfiar que a função de cada estrutura emerge de sua forma. Mas será sempre a forma a determinar a função? Possivelmente não. As funções também podem determinar, moldar ou transformar. Assim, podemos identificar três possibilidades: 1) da forma emerge a função; 2) da função emerge a for-ma; ou 3) tanto a forma quanto a função emergem de suas relações interdependentes. Forma e função são, portanto, aspectos complementares e interdependentes de uma mesma coisa: algo que seja ao mesmo tempo morfológico e funcional. Reveja impor-tantes conceitos no texto base do Módulo 3, escrito pelo professor Marcelo Alcântara.

Aprofundando nossa análise, verificamos que apesar de serem conceitos dife-rentes, não podemos considerar separadamente a forma de sua função sem prejuízo para sua compreensão. Podemos, todavia, conceber o mundo sob um ponto de vista morfofuncional. Isto é, onde a forma e a função são aspectos complementares e indis-sociáveis: uma unidade morfofuncional. Procure assimilar esse importante conceito.

Mas como as formas e as funções se manifestam em nosso Universo?

As formas e suas funções interagem em todos os níveis de organização do Uni-verso e essa inter-relação é sempre recíproca, isto é, a forma modifica a função, que modifica a forma, que modifica a função, e assim por diante... Das interações entre as formas e as funções surgem (emergem) novas formas e novas funções, que também passam a se inter-relacionar, gerando novamente outras formas e funções, e assim sucessivamente. Note que as formas e funções se modificam com o tempo! A própria evolução do Universo se manifesta por intermédio dessa relação recíproca e entre as formas e suas funções!

Estamos diante, meus amigos, de um ponto central do conhecimento humano. Suponho que as coisas no Universo sejam elas materiais, mentais ou morais, se ma-nifestam por meio das relações recíprocas entre a forma e a função. Seria o Universo, morfofuncional?

Fecha o livro, por favor. Contemple o Cosmos...

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432 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

Forma e Função

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III Evolução morfofuncional do UniversoO Universo pode ser compreendido e representado em uma escala espaço-tem-

poral (Osmond et al., 1981, apud Pianka, 2000) onde o espaço e o tempo são dimensões relacionadas e interdependentes (Einstein, 1916; Hawking, 2001). Os fenômenos da natureza, portanto, manifestam diferentes formas e tamanhos (escala espacial), e atu-am em diferentes velocidades (escala temporal).

Reconhecemos na escala espaço-temporal do Universo uma diversidade de ní-veis de organização que podem ser identificados a partir de suas características mor-fológicas, propriedades funcionais e história evolutiva.

A seguir, exemplificaremos algumas inter-relações morfofuncionais em níveis da organização distintos.

•PartículaseGaláxias

Vejamos primeiramente, a forma e a função na escala subatômica. Existem 4 forças fundamentais na natureza: gravitacional, eletromagnética, fraca e nuclear forte. Todas as forças da Natureza pretendem ser descritas por uma única teoria: a teoria da unificação. Segundo essa teoria, as forças poderiam ser combinadas em um estado onde as energias fossem altíssimas. Inicialmente as forças universais eram indistintas, havendo simetria entre elas. Somente após a energia diminuir ao ponto de Unificação é que as forças começaram a se diferenciar, tendo sua simetria quebrada. (Weinberg, 1987).

Primeiro separam-se a força gravitacional das demais, que continuam unifica-das em uma grande força. Em seguida, diferencia-se a força nuclear forte da força ele-trofraca. Essa quebra de simetria possibilita a formação da matéria, na forma dos pares quarks/antiquarks e dos pares léptons/antiléptons - na medida em que o Universo se expande e resfria a energia se condensa em matéria. (figura 1) Quando, por exemplo, colidem dois fótons de altíssima energia (raios-gama), um par elétron/pósitron é pro-duzido. Em resumo, energia e matéria são interdependentes e complementares: E=mc2

(Einstein, 1916).

Figura 1. Diagrama sintético da evolução do universo relacionando tempo e temperatura, enfatizando a diferenciação das forças universais.

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Todas as partículas elementares possuem antipartículas complementares, que possuem a mesma massa e carga elétrica contrária. Quando a matéria e a antimatéria entram em contato elas se aniquilam instantaneamente, convertendo suas massas em energia (aniquilação). Se o número de partículas e antipartículas fosse igual, o resulta-do seria a aniquilação de toda a matéria. Todavia existe uma assimetria no Universo: mais matéria do que antimatéria.

Os quarks que sobreviveram à aniquilação se juntaram para formar os Bárions (Prótons e Nêutrons), compostos por 3 quarks e os Mésons (Píons e Káons), formados por somente 2 quarks. A função manifestada por cada partícula sub-atômica depende de sua estrutura. Com a expansão e esfriamento do Universo, os prótons e nêutrons se combinam para formar os núcleos atômicos. Este processo é chamado de Nucleossín-tese e ocorreu quando o Universo tinha apenas 30 segundos de existência.

Com um minuto após o Big Bang, os núcleos atômicos (prótons e nêutrons) e os elétrons se combinam para formar os primeiros átomos. Foram eles, o átomo de hidro-gênio, o elemento mais abundante, perfazendo 74% da matéria do Universo e o átomo de hélio, compondo 24% da matéria. Formaram-se também, em bem menor número, átomos de lítio, e hidrogênio pesado (deutério e trítio). Este processo de combinação entre bárions e léptons é chamado de Recombinação.

Com a recombinação, o estado da matéria no Universo se transforma de plasma para a forma de um gás neutro de hidrogênio e hélio. Antes desse momento, o espaço era muito denso e opaco, pois todas as partículas do Universo, inclusive os fótons, co-lidiam freqüentemente, desviando sua trajetória. Esta curta trajetória é denominada: caminho livre médio. Com a recombinação, o caminho livre médio dos fótons aumen-ta consideravelmente, pois passa a ser do tamanho do próprio Universo, tornando-o transparente. Essa é a chamada época do último espalhamento ou do desacoplamento dos fótons.

Durante a Recombinação, formam-se regiões onde a densidade de matéria é maior. São essas flutuações na densidade da matéria que irão determinar a formação dos superaglomerados de matéria e das futuras galáxias. As flutuações na densidade de matéria após a recombinação geram um padrão heterogêneo na quantidade de radiação cósmica de fundo. A flutuação na radiação cósmica de fundo é o evento ob-servável mais antigo do Universo, já que a opacidade do Universo de plasma ionizado de antes da recombinação impede observações diretas. A distribuição assimétrica das subpartículas, os movimentos de rotação e de translação bem como a ação das forças universais levaram à aglomeração da matéria em torno de regiões atratoras, formando assim os superaglomerados de matéria. Com a aglomeração da matéria e a formação das galáxias em certas regiões surgiram os superaglomerados de matéria.

Nos superaglomerados de matéria formaram-se inúmeros vórtices gravitacio-nais, isto é, buracos negros super massivos em torno dos quais a matéria passou a ser atraída. Formaram-se, assim, as galáxias, cujo centro é composto por um desses bura-cos negros7 (Silk, 1988; para revisão veja: The ilustrated encyclopedia of the universe, 2001).

As propriedades funcionais das partículas subatômicas (função) e sua distribui-ção espacial (forma) governaram a gênese do Universo como o conhecemos. Também a forma dos super-aglomerados de matéria e das galáxias que os constituem contribu-íram para o desenvolvimento de suas propriedades funcionais. Desde os primórdios a evolução do Universo decorre, fundamentalmente, da inter-relação morfofuncional entre seus constituintes.

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434 Módulo IV - Desenvolvimento e Crescimento

Forma e Função

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•ÁtomoseEstrelas

Os átomos de hidrogênio, hélio, lítio, deutério e trítio, formados durante a era da recombinação, se juntaram por força da gravidade formando os aglomerados de matéria, as galáxias, e em uma escala menor, as primeiras estrelas.

Átomos e estrelas; e um imenso intervalo de tempo de existência: 13,7 bilhões de anos. Durante todos esses bilhões de anos, incontáveis estrelas “nasceram, cresceram, morreram e se reproduziram”. Nascem e crescem pela condensação da matéria das nebulosas que se encontram espalhadas no interior das galáxias. Durante sua existên-cia, de cerca de bilhões de anos, as estrelas forjam em suas entranhas, por intermédio da fusão nuclear, a diversidade de átomos que podemos agrupar na tabela periódica.

As estrelas se mantém em equilíbrio dinâmico. Um jogo de forças entre a im-plosão da estrela, determinada pela força da gravidade, e a sua explosão, derivada da enorme energia liberada pela fusão dos átomos nas entranhas estelares. A morte da estrela chega quando consomem todo seu combustível, isto é, quando param de realizar a fusão nuclear e quando seu núcleo se torna muito denso e estável, formado por átomos de ferro. Seu destino depende de sua massa: grandes estrelas implodem, sucumbindo finalmente ao seu enorme peso, formando uma estrela de nêutrons ou um pequeno buraco negro; estrelas menores explodem na forma de supernovas, espa-lhando pelo espaço a pletora de átomos que criou.

Essa semeadura átomos pode, porventura, levar à condensação da matéria em uma nova estrela ou mesmo em um sistema planetário, como por exemplo, o da nossa estrela, o Sol, cujo séquito de planetas e asteróides integra um grande sistema orbital, cujos componentes pulsam ondas de eletromagnetismo e de gravidade.

Essas ondas eletromagnéticas e gravitacionais são muito importantes, pois esta-belecem os movimentos de rotação e translação dos corpos celestes. As ondas que aqui chegam determinam tempo na Terra. A gravidade e o eletromagnetismo são ondas de duplo sentido: manifestam-se tanto no sentido do próprio corpo, quanto no sentido do outro corpo.

Os dez corpos celestes que orbitam a Terra (e vice-versa) compõe vinte ondas eletromagnéticas e gravitacionais; já os seis braços da galáxia, outras doze ondas; enquanto o buraco-negro central, mais uma, pois a gravidade e o eletromagnetismo fluem somente no sentido do seu centro. Assim, os ciclos de tempo na Terra se esta-belecem pela permuta das 13 ondas eletromagnéticas e gravitacionais advindas da galáxia, com as 20 ondas geradas pelos corpos celestes do sistema solar. O eletromag-netismo do Sol determina os meses de 28 dias, enquanto o par orbital Terra-Lua esta-belece os dias e as semanas. Repare que a própria estrutura espacial do sistema solar determina quais são suas funções temporais.

•MoléculasePlanetas

A formação dos sistemas planetários e dos planetas propriamente ditos se ope-ra pela ação da força gravitacional e rotacional às quais estão submetidas a matéria. A formação dos planetas se dá pelo fenômeno da acreação, que é a aglutinação da matéria em um corpo celeste. O tamanho do planeta depende das condições iniciais do sistema planetário: sua massa inicial e sua distância da proto-estrela que está se formando no centro do sistema.

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Todavia, algo muito importante começa a acontecer na formação dos sistemas planetários. As condições de temperatura não são tão severas como nos arredores da proto-estrela, o que possibilita uma interação morfofuncional entre os átomos mais estável. Estabelecem-se as ligações químicas entre os átomos, levando à formação de uma diversidade de pequenas moléculas. Surgem algumas moléculas simples e pe-quenas. Algumas gasosas, outras líquidas e outras sólidas. A título de exemplo, po-demos citar o gás de hidrogênio, o metano, o dióxido de carbono, a amônia e a água. É possível que moléculas maiores, como aminoácidos, carboidratos, lipídeos e ácidos nucléicos, também possam ser sintetizadas durante a formação de sistemas planetá-rios, quer na superfície dos planetas ou em suas entranhas, quer na superfície de me-teoros, meteoritos, cometas ou asteróides, que naqueles primórdios, bombardeavam incessante e impiedosamente os planetas contribuindo para sua formação.

Meteoros meteoritos e cometas. Milhões de blocos de matéria colidindo e se agregando na formação dos planetas, combinando morfofuncionalmente átomos e moléculas, originando sistemas planetários como o nosso sistema solar. (figura 2)

Figura 2. Formação do sistema solar.

•VidaeBiosfera

...E foi neste pequeno planeta aqui que algo raro e maravilhoso aconteceu! Originou-se, da geoquímica da Terra, porventura também semeada por moléculas orgânicas dos meteoros e dos asteróides. Formou-se aqui uma rica composição de moléculas orgânicas e inorgânicas, um oceânico coalhado de moléculas, cujas formas, ao interagir funcionalmente, possibilitaram o surgimento (emergência) da vida. Desde sua origem, a aproximadamente 3,8 bilhões de anos vida evolui em uma espantosa diversidade e abundância de seres, com características estruturais e funcionais cons-pícuas.

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Com as interações morfofuncionais estabelecidas entre os átomos e as molé-culas; com a sustentabilidade (autopoiese) do sistema e com o estabelecimento da auto-replicação das moléculas e macromoléculas que constituíam a vida, estes seres coacervados proliferaram e permaneceram. E o planeta se locupletou de vida! Da orga-nização morfofuncional de inumeráveis átomos e moléculas a vida emergiu, forman-do concomitantemente a Biosfera! Sistemas ecológicos mantenedores da vida. E com o tempo de evolução da vida surgiram novos e mais complexos níveis de organização.

E como se originou a organização da matéria viva? Sem determinadas funções vitais a vida não pode acontecer. Os coacervados foram os primeiros seres vivos. Eram seres microscópicos constituídos por determinadas estruturas moleculares capazes de desempenhar as funções vitais: A proteção era dada pela bicamada lipoprotéica; a sen-sibilidade ao ambiente pelas proteínas transmembrana; o transporte e o movimento pela água e pelas proteínas transportadoras; a respiração pelas vias catabólicas, como a glicólise; a nutrição pelas vias anabólicas e catabólicas. , que levam em última instân-cia à síntese de proteínas; a sustentação pelas formas de suas moléculas e a reprodução por cissiparidade. (figura 3). Por nutrição aqui, entende-se a obtenção de moléculas que possam ser quebradas dentro da célula, como por exemplo, pela glicólise.

Figura 3. Coacervados e os atributos vitais.

Os coacervados eram vesículas de gordura (bicamadas lipídicas semi-permeá-veis) em cujo interior se encontram moléculas e macromoléculas organizadas em um sistema morfofuncional cooperativo e integrado, capaz de manter um metabolismo vital. Os coacervados eram vesículas lipoprotéicas capazes de armazenar e utilizar a energia na forma da molécula de glicose e de ATP. Eram “saquinhos de gordura” em cuja superfície e em seu interior se encontravam diversas formas de proteínas, cuja atividade morfofuncional estava atrelada a uma organização metabólica formada por vias bioquímicas. Essas vias bioquímicas eram muito simples nos coacervados, e uma das primeiras vias a ter sido selecionada pela natureza foi a glicólise. Essa seleção ocorreu naturalmente, pois a glicólise é a via bioquímica responsável por transportar a

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energia presente nas ligações químicas da molécula de glicose para a ligação trifosfato da molécula de ATP.

Os coacervados, portanto, eram capazes de catabolizar (quebrar) açúcares, ar-mazenando a energia resultante dessa quebra na forma de nucleotídeos de adenosina trifosfato, o ATP, a “moeda” energética utilizada para ceder energia aos processos anabólicos de síntese dos seus próprios constituintes, cuja estrutura passou, com o tempo, a ser codificada na forma de macromoléculas auto-replicantes de ácidos nuc-léicos.

Essas vesículas coacervadas podiam facilmente fusionar umas às outras, mistu-rando seu conteúdo bioquímico. Também podiam se dividir por fissão, multiplicando o número de seres, que se dispersavam pelo planeta. Era o primórdio da reprodução, geradora da abundância, da riqueza e da diversidade da vida. O que se seguiu desde então, foi a evolução dos coacervados em seres cada vez mais complexos.

Os coacervados evoluíram. Transformaram-se nos procariotos heterotróficos anaeróbicos, dependentes, assim como seus ancestrais, da nutrição via carboidratos e outras moléculas que obtinham do ambiente (fermentação). As pressões de seleção natural pela obtenção eficaz e eficiente do alimento provedor da energia essencial para a manutenção dos processos metabólicos, possibilitou o sucesso adaptativo daqueles seres que haviam desenvolvido a capacidade de produzir seu próprio alimento. Estes eram procariotos autotróficos, que faziam, e ainda hoje usam a energia da luz solar, para quebrar a molécula de água e permitir a fixação de da molécula de dióxido de carbono, sintetizando carboidratos, ou seja seu próprio alimento. Os seres fotossinte-tizantes sintetizam seu próprio alimento a partir da energia eletromagnética oriunda do sol. Os quimiossintetizantes também produzem seu próprio alimento, e eles são muito antigos. O interessante é que existem muitas bactérias fotossintetizantes cujo pigmento não é a clorofila, e todos esses fotossintetizantes são anaeróbicos. Já os qui-miossintetizantes são aeróbicos. Então, parece que a questão por trás de qual grupo de organismos se tornou dominante, ao longo do tempo, tem a ver com a eficiência na forma de obtenção de energia. Os organismos aeróbicos, autotróficos ou heterotrófi-cos, são mais eficientes na obtenção de energia do que os anaeróbicos.

Também evoluíram outros seres, no que diz respeito principalmente à sua com-plexidade interna. Foram os protoeucariotos, cujo maior tamanho, o desenvolvimento de organelas e de compartimentos intracelulares, e a maior eficiência na decomposi-ção de nutrientes possibilitou-os a ocupação de um novo nicho ecológico: o de preda-dores dos seres procarióticos e dos coacervados de menor tamanho. Estabeleceram-se as primeiras interações ecológicas. Estava montada a base da teia trófica dos ecossiste-mas: decompositores, produtores e consumidores. Foram os representantes do Reino Monera, seres unicelulares e procariotos, que deram inicio à maravilha da ecologia!

Os procariotos autotróficos, ao realizar a fotossíntese, convertiam gás carbônico e água em moléculas de glicose e de oxigênio (O2). Ocorre que o oxigênio reage facil-mente com os radicais livres das moléculas de proteína, o que muitas vezes resultava em comprometimento ou inativação de suas propriedades funcionais. O oxigênio era, portanto, muito tóxico para todos aqueles seres procariotos anaeróbicos, que depen-diam da via glicolítica para o seu sustento, e isso incluía tanto os procariotos, peque-nos, quanto os protoeucariotos, maiores.

As interações ecológicas que se estabeleceram entre os protoeucariotos e os pro-cariotos eram de natureza competitiva. Isto é, os protoeucariotos consumiam os proca-riotos, acumulando dentro de si os nutrientes, principalmente na forma de moléculas de glicogênio (via bioquímica da neoglicogênese). Custava aos procariotos menores obter a glicose, a matéria prima para a produção do ATP, e a glicose eram mais facil-

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mente encontrada em grandes concentrações no interior dos protoeucariotos. Assim, em contrapartida, os procariotos infectavam os protoeucariotos, já que além destes serem como que um “reservatório” de nutrientes, também podiam ter sua estrutura morfofuncional utilizada pelos procariotos para otimizar a sua própria reprodução.

Neste contexto surgiram pequenos procariotos aeróbicos que utilizavam o oxi-gênio como aceptor dos elétrons de sua cadeia fosforilativa. Esses seres, que possuíam uma dupla bicamada lipídica, produziam ATP a partir da geração de um gradiente de prótons entre o espaço intra-membranas e seu interior. Em verdade, podiam produzir muitos ATPs, bem mais do que necessitavam. E de modo muito mais eficiente que seus competidores, os seres anaeróbicos.

Com o acúmulo O2 na atmosfera instaurou-se a primeira grande extinção em massa, a dos seres anaeróbicos, cuja base da produção de ATP dá-se pela fermenta-ção.20 Com estas pressões de seleção natural, desenvolveram-se novas interações eco-lógicas. Algo muito bonito ocorreu em seguida com a evolução dos seres procariotos.

Interações mais harmônicas e estabeleceram entre os procariotos aeróbicos e os protoeucariotos: o mutualismo, ou simbiose, onde os procariotos aeróbicos passaram a viver em harmonia no interior dos protoeucariotos. Desta endossimbiose surgiram os eucariotos. Em um destes eventos de endossimbiose os protoeucariotos puderam oferecer a proteção e a glicose em abundância para os procariotos aeróbicos, que em contrapartida metabolizavam o oxigênio nocivo e produziam ATP em demasia. A endossimbiose voltou a ocorrer na natureza quando uma linhagem de eucariotos se associou à procariotos autotróficos fotossintetizantes, originando, assim, os eucariotos autotróficos.

Notem nestes exemplos a existência de sistemas morfofuncionais operando tan-to no exterior como no interior dos seres unicelulares! São as trocas recíprocas entre o ser e o não-ser; entre os seres vivos e seu ambiente! Estabeleceu-se um sistema ecológi-co auto-sustentável, capaz de manter a vida em equilíbrio dinâmico na fronteira entre a ordem e o caos! (GLEICK, 1990; GELL-MANN, 1994; DE DUVE, 1997).

As propriedades biofísicas (funções) das proteínas e das outras macromoléculas derivam de suas estruturas (formas). Não obstante, também a forma de cada proteína pode ser afetada pelas propriedades morfofuncionais das outras moléculas com as quais interage. (figura 4).

Como você viu no M3U11, simbiose é uma relação mu-tuamente vanta-josa entre dois ou mais organismos vivos de espécies diferentes. Na simbiose os dois organismos agem ativamente em conjunto para o proveito mútuo.

Saiba mais...

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Figura 4. Forma e função no nível molecular.

A enzima é um exemplo típico. A morfologia da enzima apresenta um sítio complementar à forma da sua molécula-substrato, a qual se acopla estruturalmente e funcionalmente (ligações químicas), catalisando a reação, que pode ser exotérmica, quando libera energia, ou endotérmica quando a absorve.

Do metabolismo celular, isto é, o catabolismo e o anabolismo que a célula re-aliza, emerge morfofisiologia de diversas e distintas moléculas e macromoléculas. O metabolismo celular emerge da diversidade morfológica das proteínas assim como a síntese e a degradação das proteínas que constituem a célula são coordenadas pelo metabolismo. É a forma-função atuando reciprocamente no nível molecular, possibili-tando a manutenção da vida!

Mas quais são as formas e funções vitais?

•CélulasePopulações

Desde a origem da vida até os dias de hoje, qualquer célula, seja ela procarióti-ca, eucariótica ou integrante dos organismos multicelulares, somente pode se manter viva caso desempenhe certas funções vitais. Assim como tudo no universo, tais fun-ções emanam de alguma estrutura. As funções básicas da vida são, portanto, desem-penhadas por componentes distintos e característicos da célula (DE DUVE, 1997).

Vejamos, então, quais as funções vitais e suas estruturas morfofuncionais neces-sárias ao seu desempenho:

1) Uma célula deve ser capaz de separar o seu conteúdo interior (organelas, mo-léculas e íons) do meio exterior, valendo-se, para isto, de uma membrana plasmática semi-permeável (bicamada lipídica), que lhe confere o atributo vital da proteção.

2 e 3) Uma célula, no entanto, não pode se isolar completamente do seu meio externo, ela também necessita ser sensível ao ambiente, para que se realizem ade-quadamente a nutrição (absorção), excreção de substâncias que seriam tóxicas a ela caso se acumulassem em seu interior e o movimento. As proteínas transmembrana, canais iônicos, transportadores, carreadores, receptores, e outros tipos de proteínas, conferem à membrana plasmática uma permeabilidade seletiva, proporcionando as funções vitais da sensibilidade ao ambiente e da nutrição. A nutrição elaborou-se nos eucariotos sem parede celular por meio do movimento de endomembranas: endocito-se e exocitose.

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Forma e Função

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4) Uma célula precisa manter a homeostase do seu metabolismo, regulando, para tanto, o funcionamento da via bioquímica da respiração celular. Toda célula pre-cisa de energia para se manter viva, o que faz da respiração uma função vital.(figura 5).

Figura 5. Forma e função no nível celular.

Lembre-se que a respiração, ao contrário do que frequentemente imaginamos não é o inspirar ar e expirá-lo para nossos pulmões. A respiração ocorre no interior de cada célula e é a via metabólica de quebra do açúcar para obtenção de energia. Como nesta via metabólica o oxigênio é o aceptor final de elétrons, nós pulmonados (e todos os outros organismos aeróbicos) precisamos transportar, de alguma forma, o oxigênio que está no ambiente externo aos nossos corpos, para o interior das nossas células (cada uma delas). No caso dos organismos pulmonados, o oxigênio é inspirado até os pulmões e distribuído para todas as células de nosso corpo através da circulação sanguínea. E é também o sangue que leva para os pulmões o dióxido de carbono que é tóxico para nós e que é eliminado na expiração.

5 e 6) Para se manter em um estado de equilíbrio dinâmico a célula também precisa movimentar seus componentes internos (moléculas e organelas) e posicioná-los em regiões específicas. O movimento não direcionado advêm da água (movimento browniano), pois tanto a osmose da água quanto a difusão de solutos gera movimento interno. Moléculas específicas, como proteínas ou ácidos nucléicos, podem servir de carreadores, e auxiliar no transporte de certas moléculas para regiões específicas da célula. O transporte ativo, por sua vez, é dependente de energia. Uma elaboração do movimento interno é o movimento da célula como um todo, seja por meio de flagelos (também chamados de undulipódios nos eucariotos, para diferenciar dos flagelos de eucariotos), cílios, pseudópodos ou de proteínas contráteis. Nos eucariotos a forma da célula e a posição de seus componentes estruturais é determinada pela organização de proteínas de citoesqueleto, como a actina, os filamentos intermediários ou a tubulina.

Metabolismo (do grego metabolis-mos, que significa "mudança", troca) é o conjunto de transformações que as substâncias

Saiba mais...

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A organização estrutural dos componentes celulares e a forma de seus componentes permitem o desempenho das funções vitais de sustentação e de mobilidade.

7) A célula deve ser capaz de se reproduzir, pois a variabilidade morfofuncional gerada no processo da reprodução possibilita a ação dos mecanismos evolutivos sobre os indivíduos da população. As estruturas moleculares envolvidas no processo de divisão celular possibilitam o desempenho da função vital da reprodução.

Perceba que qualquer tipo de célula, para permanecer viva, mantendo sua es-trutura morfofuncional, precisa desempenhar todas as funções vitais. Cada função vital é realizada por um conjunto específico e organizado de estruturas (moléculas ou organelas) atuando em sinergia.

Durante os primeiros três bilhões de anos de vida na Terra, a natureza selecio-nou, nos seres unicelulares, uma estrutura celular e um metabolismo eficaz e cada vez mais eficiente. As transformações evolutivas nos seres unicelulares manifestam-se na compartimentalização das tarefas vitais da célula. Surgiram as organelas e estruturas celulares especializadas; capazes de organizar as tare-fas vitais da célula de modo mais eficiente. (figura 6).

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Forma e Função

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Figura 6. Forma e função no nível de organelas.

Evoluíram e se diversificaram as vias bioquímicas, o metabolismo, o controle da expressão gênica, os compartimentos celulares e endomembranas e, em última ins-tância, o fenótipo celular. Formaram-se as populações e sua dinâmica morfofuncional se estabeleceu.

O resultado dessa evolução foi uma incrível diversidade e uma incalculável quantidade de seres unicelulares vivendo no planeta por quase três bilhões de anos ininterruptos. Então, há cerca de 700 milhões de anos surgiram os primeiros orga-nismos multicelulares. Como sabemos disso? Através do registro fóssil. Esta fauna pluricelular é conhecida como fauna de Ediacara. Pode parecer, pela forma como es-crevemos que o evento da pluricelularidade surgiu.como um passe de mágica, de um dia para outro. Não foi isto que de fato ocorreu, embora, no registro fóssil tenhamos esta sensação, porque as rochas imediatamente inferiores à de Ediacara, e que perten-cem a uma era anterior, não têm fósseis de organismos pluricelulares. Isto indica que, uma vez aparecidos os primeiros organismos pluricelulares, houve um evento rápido (rápido em termos geológicos) do que chamamos de radiação adaptativa e muitos ou-tros grupos de animais multicelulares parecem ter surgido em apenas alguns milhões de anos. Milhões de anos, para a idade da Terra é como se fosse para nós alguns dias de nossa vida.

•MulticelularidadeeComunidades

Nos seres multicelulares, a diferenciação celular em tipos morfofisiológicos distintos, e o conseqüente desenvolvimento dos tecidos, órgãos e sistemas, permite a cada tipo celular a especialização no desempenho funcional de uma ou mais funções vitais.

A organização tissular, orgânica e sistêmica, otimiza o desempenho das fun-ções celulares, que passam a ocorrer de modo mais eficiente e/ou com um menor custo energético para se desenvolver e para se manter. A multicelularidade pode ser compreendida, de certa maneira, como um tipo de “simbiose” que se estabelece entre

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populações de células distintas do organismo, mais especializadas no desempenho de certas tarefas vitais. Essa concepção dos organismos, seus sistemas, órgãos e tecidos, implica em reconhecer que as interações estabelecidas entre as células do corpo são, de certa forma, análogas às interações ecológicas que se estabelecem em uma popu-lação de uma espécie (no caso de células de um mesmo tecido ou órgão) ou em uma comunidade ecológica (no caso das interações entre órgãos e tecidos distintos). Será mesmo possível?

Atividade complementar: Enumere quais analogias você poderia perceber en-tre as relações existentes em populações de organismos e aquelas entre célu-las de um mesmo tecido. Você concorda que seja possível estabelecer este tipo de analogia? Discuta os pontos fortes e fracos deste argumento. Faça o mesmo pensando agora em termos das interações entre espécies de uma comunidade ecológica. Será que poderíamos imaginar, em relação à biosfera como um todo, que cada ser vivo é análogo a uma célula de um organismo pluricelular? Que argumentos você pode apresentar, a favor e contra esta concepção?

Nos organismos, os tecidos, os órgãos e os sistemas são especializados em de-sempenhar, com maior eficiência e especificidade, algum ou alguns dos atributos vi-tais. Isto significa que cada tipo celular possui estruturas (formas) que desempenham uma fisiologia (função) específica. A morfofisiologia dos tecidos, dos órgãos e dos sistemas deve necessariamente continuar a desempenhar as funções vitais para que o organismo sobreviva. (figura 7).

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Figura 7. Forma e função no nível de tecido, de órgão e de sistema.

O sistema respiratório, por exemplo, está relacionado com a manutenção da ho-meostase do metabolismo celular. O ritmo metabólico se modifica com as alterações na concentração de ATP disponível. A respiração celular é a conversão da energia presente nas ligações químicas na molécula de glicose em energia, armazenável em moléculas de ATP para que possa ser utilizada nos processos metabólicos da célula. A formação de moléculas de ATP depende da oxigenação das células, pois, como já vimos, o oxigênio é o aceptor final dos elétrons da cadeia fosforilativa da respiração celular. Ao receber os elétrons, cada uma das duas moléculas do oxigênio molecular se liga a duas moléculas de hidrogênio, formando, ao final da reação, duas moléculas de água. O sistema respiratório se encarrega da captação do oxigênio da atmosfera e da excreção do gás carbônico, que, como sabemos é um dos produtos da respiração celular, cujo excesso a célula rejeita por se tornar nocivo.

O sistema tegumentar e o sistema imune se encarregam da função vital da pro-teção. A diversidade morfológica do revestimento externo dos seres vivos possibilita o desempenho de funções variadas, como por exemplo, a proteção contra predação e contra patógenos a proteção contra a desidratação, a regulação da temperatura cor-pórea, a secreção de substâncias repelentes e/ou atrativas, bem como a captura de alimento (por exemplo, boca, dentes, probócides, etc).

Atividade complementar – Pesquise de que maneira e em que grupos de orga-nismos, o sistema tegumentar, está envolvido na proteção contra desitratação, regulação da temperatura e produção de substâncias repelentes.

O sistema nervoso, e também o sistema imune, são especializados na função vital de sensibilidade ao ambiente. Enquanto que o sistema nervoso processa as in-formações externas e internas acerca do ambiente, o sistema imune identifica sinais químicos internos que possam representar perigo para o organismo. Note, todavia, que todos os sistemas estão interligados. Células receptoras sensoriais transduzem

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o sinal físico ou químico do ambiente em uma atividade eletrofisiológica das células, que conduzem então a informação entre seus neurônios interconectados, integrando-a e a pelo menos dois destinos: aos centros de seleção das informações que deverão ser memorizadas (hipocampo, por exemplo) e aos motoneurônios que irão coordenar a atividade do aparelho locomotor. Assim sendo, podemos identificar uma natureza sensório-integrativa-motora no sistema nervoso. A sensibilidade ao ambiente, portan-to, possibilita a coordenação do movimento, do comportamento e portanto do de-sempenho ecológico do organismo, isto é, seu comportamento e suas interações com outros seres vivos e com o ambiente.

O sistema digestivo e o sistema excretor desempenham, com mais eficiência, a tarefa de nutrição e de excreção. A transformação, a quebra do alimento em unidades menores e a absorção dos nutrientes se efetua no sistema digestivo. A absorção do alimento pelos intestinos transfere os nutrientes para a corrente sanguínea. Não só os nutrientes mas também o refugo do metabolismo é conduzido pelo sistema circula-tório. O refugo metabólico na circulação passa pelos rins e destes para o restante do sistema excretor, onde é processado e finalmente excretado.

O aparelho locomotor, composto pelos sistemas muscular, esquelético e arti-cular, atuam em sinergia para efetivar a sustentação e o movimento do corpo. É a morfofisiologia integrada desses sistemas que efetiva o comportamento.

O sistema circulatório e o sistema linfático, por sua vez, otimizam o movimento da matéria e do aporte de energia pelo interior do corpo. Conduzem o oxigênio e os nutrientes para as células, recebendo em troca o refugo de seu metabolismo, que é então destinado aos órgãos do sistema excretor È bom lembrar que o sistema circula-tório também conduz os macrófagos, relacionados ao sistema de defesa do organismo, rapidamente, para qualquer parte do corpo.

Já o sistema reprodutor, é claro, se encarrega da função vital da reprodução. Como veremos logo a seguir, foi justamente essa a primeira função vital a se especia-lizar com o aparecimento da diferenciação celular nos organismos multicelulares que primeiro surgiram na Terra (colônias).

A especialização nas tarefas vitais revela-se vantajosa sob o ponto de vista evo-lutivo, pois está implicada à economia de energia expansiva, que é a energia neces-sária para o desenvolvimento do organismo e para a sua reprodução (VAN VALEN, 1976). A energia economizada pode, porventura, ser realocada tanto para a reprodu-ção de mais descendentes, quanto para o crescimento exuberante (aumento em tama-nho) do corpo ou de parte dele ou ainda, promovendo o desenvolvimento de corpos com formas diferentes e muitas vezes mais complexas.

Cada tipo celular tem seu padrão morfofuncional característico, sejam eles seres unicelulares ou células de um organismo. Essas características não são “inven-ções” totalmente novas e originais. A natureza está constantemente reorgani-zando e remodelando as estruturas preexistentes, ou seja, gerando novas pos-sibilidades de interação entre as formas e permitindo a emergência de novas funções (GOULD, 1977, 2002; DAVIDSON, 2001). Esse potencial de cooptar ca-racteres para que passem a desempenhar novas funções em um novo contexto foi amplamente explorado durante a evolução dos seres multicelulares. Assim, as pressões de seleção natural sobre o desempenho das funções vitais da célula passaram a atuar também sobre a morfofisiologia dos tecidos, órgãos e siste-mas, bem como do organismo como um todo. A vida multicelular, portanto, deslocou o alvo da seleção natural, que passou a atuar não somente sobre a célula, mas sobre o organismo.

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Nos organismos multicelulares, a fisiologia dos tecidos, dos órgãos e dos sis-temas emerge da organização interativa entre os diferentes tipos morfológicos de cé-lulas que os compõe. De modo complementar, a fisiologia manifestada é capaz de transformar a morfologia das células, modificando tanto a quantidade quanto a di-versidade de seus constituintes, controlando o ciclo celular, a proliferação e também a morte natural das células. Ou seja, a gênese morfofuncional dos tecidos, órgãos e sis-temas deriva de três eventos: a diferenciaçãofenotípica; a velocidade de proliferação celular (ciclo celular); e a morte celular programada.

A vida unicelular apareceu muito cedo na história do planeta Terra, há cerca de 3,8 bilhões de anos. A vida multicelular, por sua vez, só veio a ocorrer há aproxima-damente 700 milhões de anos (NARBONNE et al., 1997; CONWAY-MORRIS, 1998; JENSEN et al., 1998).

É provável que a multicelularidade tenha se originado a partir de microrganis-mos unicelulares coloniais, mas também é possível ter evoluído com a associação de seres unicelulares distintos. Mas como? As proteínas de adesão, presentes nas mem-branas das células, e o conseqüente desenvolvimento de uma matriz extracelular fo-ram selecionados pela natureza, permitindo que as células permanecessem aderidas após a divisão celular. (figura 8).

Figura 8. Forma e função no nível de tecido. O aparecimento da multicelularidade.

O coletivismo celular proporcionou alguns benefícios, vejamos:

1) a diferenciação celular. Células geneticamente idênticas de um mesmo or-ganismo expressam diferencialmente seus genes, permitindo assim a especialização em certas tarefas vitais. Mutações nos programas genéticos de desenvolvimento das células precursoras resultam em modificações no fenótipo celular final;

2) a associação e a cooperação na aquisição e distribuição dos nutrientes;

3) a diversidade biológica, fruto de modificações na regulação dos programas de desenvolvimento morfofisiológico dos tecidos, órgãos e sistemas do organismo;

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4) as implicações evolutivas resultantes do fato de que todas as células do or-ganismo descendem de uma única célula progenitora totipotente. Em primeiro lugar, apenas as mutações que afetam as células progenitoras são relevantes para o destino evolutivo dos organismos. Isto é verdadeiro apenas para os organismos não modula-res e aqueles que não apresentam crescimento vegetativo. Em plantas, mutações so-máticas podem sim, ser herdadas. Depende de em que célula ela ocorre e que tecido é gerado a partir desta célula. Se for o tecido responsável pela produção de uma flor, então a mutação somática pode sim ser herdada. O mesmo vale para animais modula-res. (Veja a unidade de organismos modulares neste mesmo Módulo).

Como o programa genético de desenvolvimento, responsável pela organização dos tecidos do corpo, está presente no genoma de cada célula progenitora, as muta-ções que afetam os genes reguladores dessas células participam efetivamente da evo-lução e da diversificação das formas e funções dos seres e de suas estruturas internas. Em segundo lugar, a seleção natural passa a atuar, não somente sobre as células, mas também, e principalmente, sobre o organismo como um todo! Assim sendo, a evolu-ção dos seres multicelulares acontece dentro dos limites estabelecidos pelo programa genético do desenvolvimento preexistente e pelas contingências históricas, isto é, de-pende dos genes herdados, do controle do desenvolvimento e do contexto ambiental em que se encontra o ser. Percebemos, aqui, a íntima relação entre a evolução e o desenvolvimento. Essa relação é concebida como algo integrado e interdependente: evo-devo (GOULD e ELDREDGE, 1977; GOULD, 1977, 2002; DE DUVE, 1997; DAVI-DSON, 2001).

Nos seres coloniais, a reprodução foi a primeira propriedade vital a ser espe-cializada por um tipo celular específico: a célula totipotente. Exemplos atuais dessa antiga forma de vida são as algas verdes do gênero Volvox, que possuem células somá-ticas, cujas filhas são sempre células somáticas, e células totipotentes, especializadas na reprodução, pois podem originar ambos os tipos celulares (KIRK, 2001).

Inicialmente, dois tipos de células resultam da proliferação celular, células so-máticas e células reprodutivas, contudo, ambas possuíam o mesmo número de cro-mossomos. Isso significa que a reprodução era assexuada por partenogênese. Nos animais, o aparecimento das células reprodutivas com metade dos cromossomos im-plicou, por sua vez, na separação dos sexos, ou seja, na reprodução sexuada. A maio-ria das algas, fungos e plantas não funcionam assim. A meiose é um tipo de divisão celular associada à redução do número de cromossomos, à recombinação e, portanto ao aumento e manutenção de novas combinações de genes em populações de organis-mos. Mas, não necessariamente associada à reprodução sexuada.

Nos organismos haplobiontes haplontes e nos diplobiontes a meiose ocorre na formação de esporos, não de gametas. Os esporos nunca se fusionam com outros es-poros e, assim, não produzem células diplóides. Portanto não há fecundação, não há sexo. Contudo, os esporos germinam e formam organismos multicelulares haplóides. Quando você vê um musgo (ou aquilo que a gente reconhece como musgo) o que a gente vê é um organismo pluricelular, macroscópico haplóide. Este indivíduo haplói-de produz gametas por mitose (todos os gametas são idênticos entre si. É a dispersão dos esporos (que são geneticamente diferentes) e a distribuição dos indivíduos ha-plóides na população que garantem a variabilidade genética da população.) Feita esta distinção, nos seres com reprodução sexuada, formaram-se os gametas femininos, que possuem a estrutura necessária para iniciar o desenvolvimento do organismo, e os gametas masculinos, capazes de desencadear o desenvolvimento.

A reprodução sexuada se efetua por intermédio da fecundação, ou seja, a união do gameta masculino com o feminino, gerando uma célula totipotente, cujo fenótipo é

Totipotência é a capacidade de uma única célula, o zi-goto, por exemplo, de originar todas as células diferen-ciadas no orga-nismo, incluindo os tecidos extra-embrionários.

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Forma e Função

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chamado de zigoto. Todo organismo animal se desenvolve a partir desta única célula, o zigoto (exceto os fungos – haplobiontes haplontes – boa parte das algas – haplo-biontes haplontes ou diplobiontes – e todos os organismos haplóides do ciclo de vida diplobionte, característico de todas as plantas).

Durante o desenvolvimento, o fenótipo das células que ainda não atingiram o estágio de maturação, as chamadas células precursoras ou células-tronco, diferen-ciam-se várias vezes. A diferenciação ocorre por meio de modificações na expressão gênica em resposta às mudanças no metabolismo celular, induzidas por fatores intrín-secos e extrínsecos.

Modificações metabólicas alteram a expressão gênica e, conseqüentemente, o programa genético do desenvolvimento da célula, que passa a assumir formas e fun-ções distintas, até assumir um fenótipo estável, o chamado fenótipofinaloufenótipoterminal. As células precursoras assumem diversos fenótipos transitórios assumirem características morfológicas e funcionais do fenótipo final. Exemplos de fenótipos ter-minais são as células já diferenciadas do corpo, como os miócitos cardíacos (células do músculo cardíaco), os adipócitos (células adiposas) ou os neurônios. No caso do sistema nervoso, os neurônios se diferenciam a partir da modificação fenotípica das células precursoras chamadas de neuroblastos.

Modificações no programa genético do desenvolvimento geram variedade mor-fofisiológica nos indivíduos de uma população, influenciando diretamente o curso da evolução das espécies! A alterações evolutivas na regulação da expressão gênica podem derivar, por exemplo, de mutações pontuais que codificam certos aminoácidos dos domínios dos fatores de transcrição, que passam a interagir com outros segmentos do DNA; ou mais freqüentemente, dos rearranjos de fragmentos de DNA, através de translocações, inserções, duplicações, deleções, transposições fusões e fissões (DAVI-DSON, 2001; GOULD, 2002).

Figura 9. Tipos de alterações cromosômicas

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As modificações nos sistemas de regulação da expressão gênica de células pre-cursoras podem desviar o desenvolvimento fenotípico antes que se atinja o fenótipo terminal, ou estender o programa de diferenciação terminal, desenvolvendo um novo fenótipo celular. Essas modificações espaço-temporais no programa genético do de-senvolvimento são chamadas de heterocronia, que estudaremos mais adiante.

•SeresvivoseEcologia.

Os seres vivos interagem com seu ambiente. As interações ecológicas se estabe-lecem entre os seres de uma mesma espécie (interações intraespecíficas), entre seres de diferentes espécies (interespecíficas) e também com o meio abiótico. Uma das con-seqüências dessas interações é a seleção natural dos organismos mais bem adaptados. A seleção natural depende de três processos (Darwin, 1859; Dobzhansky, 1968; Gould e Eldredge, 1977; Mayr, 1998): (1) a variabilidade de indivíduos em uma população, cujos códigos genéticos são distintos; (2) a herança dos caracteres dos progenitores; e (3) o sucesso diferencial das progênies dos diferentes indivíduos, efetivado pelas proporções de descendentes também aptos nas sucessivas gerações. Os diferentes re-sultados de sucesso da prole selecionam indivíduos com diferenças genéticas, direcio-nando a evolução da população. Esse movimento gera especiação, se por ventura uma população sofrer algum tipo de isolamento reprodutivo em relação a outras popula-ções, ou se ocorrerem fenômenos de vicariância ou dispersão46 (Rosen, 1978). Neste caso, as condições ambientais particulares de cada população promovem pressões de seleção natural diferentes sobre cada população isolada.

As espécies ocupam nichos ecológicos. Algo semelhante ocorre em níveis acima de espécies: dos gêneros aos filos. Grupos de seres ocupam zonas adaptativas, que são as condições do meio ambiente que podem ser potencialmente ocupa-das por cada táxon.

Muito desse sucesso diferencial resulta das adaptações e interações morfofun-cionais, comportamentais e ecológicas que os indivíduos realizam com o seu meio am-biente. A seleção natural dos organismos bem adaptados possibilita que as estruturas morfofisiológicas e os genes permaneçam no tempo.

Vejamos agora um exemplo mais específico. No suceder das gerações, subme-tido às pressões da seleção natural, e demais mecanismos evolutivos, o tecido ner-voso tem seu desenvolvimento modificado, possibilitando o desempenho fisiológico e comportamental adequado à sobrevivência dos indivíduos portadores de tais mo-dificações e à conseqüente perpetuação de populações de determinadas linhagens. Tais modificações evolutivas na estrutura do sistema nervoso se efetuam, no nível molecular, através da preservação das mutações vantajosas nas regiões promotoras e estruturais dos genes que codificam proteínas estruturais, enzimas e fatores de trans-crição, que participam tanto dos programas genéticos de desenvolvimento das células precursoras, quanto do fenótipo maduro, isto é claro, caso o indivíduo portador dessa mutação sobreviva até a vida adulta e deixe descendentes que também sejam portado-res dessa mutação. Mais ainda, para que a mutação possa se fixar na população ou os portadores dessa mutação têm maior capacidade de se reproduzir do que os demais ou, a população é pequena o suficiente para que essa mutação possa ser fixada por deriva gênica, isto é, ao acaso. Todavia, além da determinação genética, a morfolo-gia e a fisiologia do sistema nervoso dos indivíduos também são influenciadas pelo meio-ambiente, interno ou externo. Essa potencialidade dos neurônios é definida pelo termo plasticidade. (Figura 10).

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Embora a plasticidade resultante se esgote no indivíduo, uma vez que não é transmitida às gerações posteriores, pois não está codificado nos genes, o potencial plástico do sistema nervoso é uma característica hereditária (Furtado, 2003; Rocha et al., 2003).

Figura 10. Plasticidade do sistema nervoso

Embora a plasticidade resultante se esgote no indivíduo, uma vez que não é transmitida às gerações posteriores, pois não está codificado nos genes, o potencial plástico do sistema nervoso é uma característica hereditária (Furtado, 2003; Rocha et al., 2003).

Por outro lado, o potencial que se manifesta no desenvolvimento inicialmente exuberante dos componentes do sistema nervoso (células e conexões em quantidade extranumerária), seguido de eventos regressivos (diminuição do número de células e conexões) determinados pelo ambiente, permite que o sistema nervoso se ajuste tanto às variáveis que o meio ambiente apresenta, quanto às alterações evolutivas em outros tecidos do corpo, como as ocorridas em músculos, ossos, vísceras ou receptores sen-soriais. Em outras palavras, muitas das modificações ocorridas ao longo da evolução do desenvolvimento do sistema nervoso estão atreladas às modificações ocorridas em outras estruturas corporais. Algo semelhante a uma coevolução, mas só que manifesta em partes de um mesmo organismo.

É plausível supor que esta plasticidade, que o sistema nervoso de organismos complexos possui, contribua para a manifestação individual dos comportamentos es-tereotipados, bem como para a capacidade de aprendizado e memorização de novos e complexos comportamentos. Presume-se que a ontogenia (desenvolvimento) do sis-tema nervoso dependa de mecanismos genéticos e de influências epigenéticas, isto é, das interações que as células realizam com o seu ambiente.

•Homemehumanidade

O Homem é o mais claro exemplo de que as variações comportamentais expõem diferencialmente os indivíduos de uma população à diferentes pressões de seleção na-

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tural. Basta que observemos a história evolutiva dos hominídeos para percebermos o quanto o comportamento e também o desenvolvimento da cultura e da tecnologia contribuíram para o sucesso adaptativo de nossa espécie. A humanidade possibilitou a emergência novos níveis de organização, tanto de natureza material quanto de na-tureza mental. Desenvolvemos as aldeias, as cidades, os estados e, depois, as nações; organizamos-nos, no início de nossa evolução em famílias e clãs, depois em tribos, po-vos, e finalmente, em sociedades modernas Podemos identificar facilmente o resulta-do da imensa complexidade morfofuncional de nossa vida diária e em nossa estrutura sócio-cultural.

•Universomorfofuncional

Conforme vimos, o Universo manifesta-se pela emergência e evolução de pro-priedades morfofuncionais nas diferentes escalas do espaço-tempo, desde sua gênese. Passando da organização subatômica inicial da matéria até a emergência da vida no caldo coacervado, o Universo evoluiu. Organizou-se de modo cada vez mais comple-xo, mantendo-se em equilíbrio, sobrevivendo, permanecendo no tempo, como ain-da hoje fazem a enguia, as estrelas, os observadores e os observatórios astronômicos (Cortázar, 1972).

É a ordenação do espaço e sua permanência no tempo que potencia e alimenta a tendência oposta à desordem entrópica. A evolução gerou uma diversidade incrível de seres vivos com adaptações e ecologia particulares, onde os animais se comportam e interagem morfofuncionalmente com a natureza, como o fazem as enguias em seu movimento ondulatório, pois durante os anos de sua vida, e à milhões de anos, em um movimento instantâneo, capturam a presa e sobrevivem...

Qualquer interação ecológica é uma modificação do espaço e do tempo. A mo-dificação do espaço, a morte de uma presa, no caso da predação, por exemplo é a mor-fologia da interação ecológica da predação. O mesmo raciocínio pode ser extendido para qualquer das demais interações.

Mas antes de prosseguir pergunte-se sobre o que você entendeu até agora. Por favor, não insista em prosseguir, repasse mentalmente as principais idéias ex-postas até aqui e certifique-se que as compreendeu. Caso você ainda não se sinta seguro (a), não vacile, reveja o conteúdo para assimilá-las plenamente, pois elas são indispensáveis para a compreensão do que vem a seguir...

VI HeterocroniaVimos que a forma e sua funcionalidade são interdependentes, e que se mani-

festam em todos os níveis de organização do Universo. Vimos também que a evolução do Cosmos resulta das relações recíprocas entre forma e função, que geram diversida-de e complexidade.

Mas como se manifestam as relações entre forma e função nos seres vivos? A resposta é simples: tais relações se manifestam no desenvolvimento e na evolu-ção dos seres!

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A idéia de evolução, ou filogenia, e de desenvolvimento, ou ontogenia, são semelhantes, porém, com uma diferença substancial. O desenvolvimento se refere ao tempo relativo à vida dos organismos, enquanto a evolução se refere a um tempo supra-individual,queincluiavidadegeraçõesdeindivíduos.

Compreendida essa diferença, repare algo muito interessante e surpreendente! Após a divisão celular, as células desenvolvem um fenótipo. Os tecidos e os órgãos, sejam eles de plantas ou de animais têm um desenvolvimento e um crescimento. Os organismos também crescem e se desenvolvem. Os indivíduos aprendem e ensinam. As populações aumentam e diminuem. As comunidades se sucedem. Os ecossistemas e biomas evoluem. Os sistemas solares se formam e as galáxias se desenvolvem. Todas as coisas no Universo estão em desenvol-vimento e em evolução! Nós inclusive, agora e sempre! (Tabela 1).

Tabela 1. A atuação da evolução nos diferentes níveis de organização do Universo.

Conforme exposto, o desenvolvimento e a evolução manifestam-se espaço-tem-poralmente. No tempo, a manifestação do desenvolvimento e da evolução refere-se à sucessão e à duração dos eventos. No espaço, revela-se por meio das modificações no tamanho e/ou na forma das estruturas. A combinação desses parâmetros nos permi-te classificar o desenvolvimento do organismo, ou de suas estruturas, em diferentes tipos.

Em relação ao espaço, o desenvolvimento pode ocorrer de modo progressivo ou regressivo. Em relação ao tempo, o desenvolvimento dos caracteres ou dos indivíduos pode ser retardado ou acelerado. A combinação dessas quatro possibilidades resulta no tipo de desenvolvimento observado. Essa mesma classificação também pode ser adotada para se categorizar a evolução.

Para identificarmos o tipo de evolução, é preciso que sejam comparadas as ca-racterísticas morfológicas e/ou fisiológicas atuais com aquelas do ancestral. As mo-

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dificações evolutivas ocorridas pela mudança nos padrões de desenvolvimento são as chamadas heterocronias. As heterocronias promovem diferenças morfofisiológicas nos indivíduos (hetero), em virtude de modificações no ritmo de desenvolvimento (cronos). São seis as possibilidades de evolução heterocrônica.48 e 49 (figura 10).

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Figura 11. Heterocronia.

Dos seis tipos de mutações heterocrônicas, duas delas se caracterizam por um retardo no desenvolvimento, outras duas por uma aceleração no desenvolvimento, enquanto as duas restantes manifestam um desenvolvimento simultaneamente acele-rado e retardado no que se refere ora à forma, ora ao tamanho do caractere em questão.

Em resumo, a heterocronia no desenvolvimento possibilita que distintas partes do corpo ou os órgãos reprodutivos possam se desenvolver em diferentes velo-cidades, seja mais rapidamente (aceleração), seja mais lentamente (retardo), em relação ao desenvolvimento de seu ancestral. (HAECKEL, 1866; VON BAER, 1828, apud GOULD, 1977; DAVIDSON, 2001).

Mas como as formas e os tamanhos das partes dos corpos podem ter seu desen-volvimento alterado?

O desenvolvimento do corpo ocorre por meio do estabelecimento de territó-rios morfogenéticos. Cada território morfogenético possui o potencial de desenvolver uma parte específica do corpo (figura 11). Isso ocorre por conta do comprometimento fenotípico que cada célula precursora tem em se diferenciar em outra(s) célula(s) com morfofisiologias específicas. Esse comprometimento na diferenciação celular resulta na formação dos diferentes tecidos, órgãos e sistemas.

Territórios mor-fogenéticos são regiões morfofun-cionais do embrião que têm o poten-cial de desenvolver partes específicas do corpo. Modifica-ções na especifica-ção dos territórios morfogenéticos alteram o desen-volvimento do cor-po, promovendo a evolução.

Saiba mais...

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Figura 12. Territórios morfogenéticos.

O comprometimento fenotípico é estabelecido pelo programa genético do de-senvolvimento. Cada indivíduo, de cada espécie manifesta um programa ge-nético do desenvolvimento diferente. A evolução ocorre com as modificações na duração dos eventos do desenvolvimento; as modificações na intensidade (velocidade, quantidade, concentração) em que eles ocorrem; ou ainda com as alterações na seqüência em que os eventos de diferenciação ocorrem.

Quanto mais precoce for o desvio no programa do desenvolvimento, maiores são as chances de os organismos apresentarem diferenças morfofisiológicas significati-vas. Nos seres sexuados, a evolução ocorre por meio de mutações nas células da linha-gem reprodutiva do ancestral que modificam (heterocronia) o controle do programa genético de desenvolvimento dos descendentes.

Alterações no programa genético do desenvolvimento podem ocorrer de modo independente em diferentes regiões do embrião, isto é, em diferentes territórios mor-fogenéticos. Essas alterações independentes resultam em crescimento diferencial das partes do corpo (heterocronia). Se as alterações podem ser mensuradas, consequente-mente pode-se medir também a taxa de crescimento de determinadas estruturas com-parando suas medidas com as do corpo (alometria). Essas taxas de crescimento alomé-trico podem ser obtidas tanto durante o desenvolvimento, comparando-se diferentes idades de uma mesma espécie, quanto na evolução, comparando a espécie com seus ancestrais. Mais adiante retomaremos a discussão sobre a alometria. Por ora vamo-nos ater ao tema da heterocronia.

A alteração do padrão de desenvolvimento conduz a alterações morfofisioló-gicas no corpo dos indivíduos, submetendo-os, conseqüentemente, a distintas pressões de seleção natural.

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Vejam que a evolução e o desenvolvimento são eventos morfofuncionais muito semelhantes. Mais do que isso, a evolução e o desenvolvimento são fenômenos inter-dependentes. (figura 51). Mas qual é essa relação de interdependência entre a evolução e o desenvolvimento? A resposta é simples: a evolução (filogenia) resulta das modi-ficações morfofuncionais no programa do desenvolvimento (ontogenia) sofridas ao longo das gerações. Ou seja, a filogenia resulta da evolução do desenvolvimento!

Figura 13. Evolução do programa genético do desenvolvimento por meio da heterocronia gera a diver-sidade morfofisiológica nos seres multicelulares.

Essa evolução do desenvolvimento também é conhecida pela sua abreviação: evo-devo. Se compararmos o desenvolvimento das diferentes espécies, a primeira im-pressão é que a ontogenia recapitula a filogenia, mas não se trata de uma recapitulação propriamente dita como veremos mais adiante nesta unidade.

Mas voltemos ao desenvolvimento heterocrônico. Os seis tipos de heterocronia, podem resultar da mudança na intensidade (aumento, diminuição ou supressão) da expressão de certos genes reguladores, ou ainda, da expressão de novos genes re-guladores, o que possibilita o desenvolvimento de um fenótipo terminal diferente.52 Qualquer tipo celular, qualquer tecido, órgão ou sistema, teve necessariamente, uma origem evolutiva!

Os três principais fatores que contribuem para a histogênese e a organogênese dos seres multicelulares são: a proliferação celular, a diferenciação fenotípica e a morte celular programada (apoptose) (VON BAER, 1828, apud GOULD 1977; GOULD, 1977, 2002; DAVID, 2001; ZELDITCH e FINK, 1996).

Assim sendo, a evolução morfofisiológica dos tecidos, órgãos e sistemas, depen-de de modificações nos padrões de desenvolvimento desses mesmos três fatores: 1) modificações na velocidade de proliferação celular; 2) desvios no programa genético do desenvolvimento das células precursoras que resultam no desenvolvimento de um novo tipo celular; e/ou 3) modificações na indução espaço-temporal de morte celular

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programada. Lembre-se que as modificações heterocrônicas podem se manifestar em territórios morfogenéticos específicos, possibilitando que partes específicas do corpo tenham regulado seu desenvolvimento de modo relativamente independente.

Repare a semelhança entre desenvolvimento e evolução. A forma, o tamanho e as funções das células, dos tecidos, dos órgãos e dos sistemas estão sujeitos a altera-ções em seus padrões de desenvolvimento.

Podemos concluir que a grande parte da evolução da diversidade morfofisioló-gica/comportamental/ecológica que os seres multicelulares apresentam, e apresenta-ram nestes quase oitocentos milhões de anos de existência, resultam da evolução da heterocronia do desenvolvimento. Um exemplo claro é a modificação heterocrônica sofrida na proporção entre o tamanho da mandíbula e o tamanho do crânio (e cérebro) ao logo da evolução da cabeça dos hominídeos.

Agora note algo surpreendente: a heterocronia também ocorre, de certo modo, na escala da célula! Depois que a célula nasce tem início o ciclo celular, um desenvol-vimento morfofuncional que se estabelece até o fim do ciclo, quando ocorre uma nova mitose ou a morte da célula.

Cada tipo de célula tem um ciclo celular padronizado e esse ciclo pode ser en-tendido como o desenvolvimento da célula. O fenótipo que a célula desenvolve de-pende do ritmo de modificações na quantidade e/ou tipos de proteínas presentes no início do ciclo celular e depende da interação com o seu meio ambiente. O surgimento de novos fenótipos celulares pode ocorrer pela supressão/modificação na quantidade de genes expressos pela célula e/ou pela expressão de genes diferentes. Esse padrão “heterocrônico” da expressão das proteínas que determinam o fenótipo celular permi-te-nos fazer uma analogia com a evolução por heterocronia que ocorre com os tecidos, órgãos e sistemas dos organismos. Vejamos isto um pouco mais a fundo, concentran-do-nos em identificar os padrões morfofuncionais envolvidos.

A associação entre as proteínas fatores de transcrição e seus sítios complemen-tares específicos na espiral genética orquestram os padrões de expressão gênica, e esse padrões se modificam durante o ciclo celular. A quantidade e os tipos de fatores de transcrição que se encontram associados às regiões reguladoras e promotoras da transcrição no DNA, determinam não só a expressão dos genes, como também sua intensidade. Essa composição morfofuncional enovela e desenovela o cromossomo, permitindo a separação das fitas de DNA pelo complexo RNA-polimerase, e conse-quentemente sua transcrição em uma sequência de nucleotídeos que formam a fita de ácido ribonucléico, o RNA mensageiro.

Estabelece-se, um movimento de forças atômicas e mecânicas à medida que as moléculas se associam morfofuncionalmente, milhares, simultaneamente, o tempo todo, em em sítios específicos em regiões reguladoras do DNA, como em um frenesi de rapidez milesimal capaz de gerar uma miríade de ácidos nucléicos, mensageiros codificantes da estrutura das proteínas que constituem a célula. Transcritos os RNAs, as proteínas e as enzimas contribuem para a homeostase metabólica da célula.

Assim, a cada momento do ciclo celular, determina-se o desenvolvimento das características morfofuncionais da célula. As características morfofuncionais das cé-lulas precursoras determinam, por sua vez, o destino fenotípico das gerações de suas células filhas e, por conseguinte, o desenvolvimento morfofisiológico de todo o orga-nismo.

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A expressão gênica, você se lembra, é coordenada pela atividade de fatores de transcrição que regulam a expressão de outros fatores de transcrição, em uma cascata de regulação que culmina na expressão de um grande conjunto de genes que determi-nam o fenótipo da célula. Os genes que regulam a expressão de outros genes regula-dores do desenvolvimento são chamados de genes homeóticos (figura 13), e existem muitas famílias deles (CARROLL, 1995; DE ROSA et al., 1999; GREER et al., 2000; KAPPEN, 2000; MILLER et al., 2000; MANZANARES et al., 2000; DAVIDSON, 2001). Você já ouviu falar desses genes homeóticos na unidade “Desenvolvimento e Cresci-mento”. Estes genes são os mesmos do kit de ferramentas discutido naquela unidade.

Mutações, permutas ou translocações nas regiões reguladoras dos genes ho-meóticos ou nos domínios protéicos de associação com o DNA, podem influenciar o desenvolvimento morfológico do animal. Uma vez que esses genes são expressos muito cedo na ontogênese é possível que as mutações possam resultar em inovações benéficas para os animais, sendo, portanto, passíveis de serem selecionados positiva-mente67, mas por outro lado, podem resultar em conseqüências funestas (figura 14).

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Figura 14. Modificações no programa genético do desenvolvimento.

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Atividade complementar A) Cite ao menos um exemplo no reino animal para cada um dos seis tipos de heterocronia.

B) Faça o mesmo exercício, agora com exemplos de tecidos, órgãos ou sistemas. Se preferir, resolva-os na forma de tabela.

V Um exemplo de evolução heterocrônicaDurante a evolução houve uma tendência a uma maior complexidade dos teci-

dos, órgãos, sistemas e aparelhos. Por exemplo, no sistema nervoso se observa um au-mento da massa encefálica em relação à massa corporal, quando comparados peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Vejamos esta evolução mais a fundo. Durante o desenvolvimento, o tubo neural sofre uma série de especificações morfogenéticas nos eixos antero-posterior, dorso-ventral e interno-externo. Essas mudanças nos padrões de expressão gênica no epitélio germinativo concorrem para a definição do fenóti-po das distintas populações celulares do sistema nervoso. Tal fenômeno continua a ocorrer, em certas ocasiões, também nos locais onde determinadas células iniciam sua diferenciação. São populações de células desempenhando um metabolismo capaz de influenciar o destino fenotípico de suas circunstantes, especificando territórios morfo-genéticos, influenciando a proliferação e a também diferenciação celular.

A ontogenia do sistema nervoso se manifesta inicialmente, formando conjuntos exuberantes de neurônios interconectados. Durante a especificação do neuroepitélio, o plano antero-posterior do tubo neural se diferencia nas distintas populações de células do prosencéfalo, do mesencéfalo, do rombencéfalo e da medula.

O prosencéfalo, prosseguindo seu desenvolvimento, se segmenta em dois gran-des territórios morfogenéticos, à frente o telencéfalo e atrás o diencéfalo. Concomitan-temente, o rombencéfalo se divide nas populações do metencéfalo e do mielencéfalo. No plano dorso-ventral três regiões morfofuncionais podem ser identificadas ao longo de toda a longitude do sistema nervoso: a região dorsal, de natureza sensorial, a região intermediária, de natureza integrativa e a região ventral, de natureza motora.

Em todos os cordados, o mielencéfalo e metencéfalo (rombencéfalo) contêm os centros moduladores de funções vitais básicas, como a respiração, nutrição, circula-ção, reprodução, locomoção etc. Essas regiões estão presentes nos cordados vivos e, provavelmente, também nos mais antigos ancestrais.

O restante do cérebro, excetuando o sistema olfativo, são aquisições evolutivas dos vertebrados, como sugere o estudo do sistema nervoso dos anfioxos (Holland e Holland, 1999). Foi justamente nessas novas estruturas que mais modificações evolu-tivas continuaram a aparecer, em conseqüência, principalmente, do desenvolvimento heterocrônico do sistema nervoso, cuja velocidade de crescimento das estruturas pôde ser modificada diferencialmente. Na filogênese dos vertebrados houve uma tendência de crescimento e de aumento de complexidade morfofuncional, proporcionada pelo prolongamento do período de desenvolvimento. Embora esse prolongamento signi-fique também um aumento na energia investida na proliferação, as potencialidades de desenvolvimento do corpo e de seus tecidos são, em contrapartida, também in-crementadas. No plano antero-posterior, podem ser identificadas no sistema nervo-so dezessete regiões, ao serem caracterizadas de acordo com a foram e a função que apresentam, ainda que as funções desempenhadas não lhes sejam exclusivas. Trata-se de divisões classificadas segundo as generalidades nas formas e nas funções destas grandes regiões. Se observadas minuciosamente, tais divisões apresentam uma miría-de de sub-regiões morfofuncionais. Todavia, tanto o número de células e áreas quanto

Durante o desen-volvimento embrio-nário, o encéfalo é originado a partir de uma vesícula única que se divide em três partes: o prosencéfalo (ou encéfalo anterior), o mesencéfalo (ou encéfalo médio) e o rombencéfalo (ou encéfalo posterior).Para relembrar sobre o Sistema Nervoso Central e suas funções volte a Unidade 9 do Módulo 3.

Saiba mais...#M4U8

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a complexidade dos circuitos morfofuncionais variam muito mais entre os animais pertencentes a diferentes classes ou ordens (grandes táxons) do que entre animais de uma mesma família ou gênero (pequenos táxons).

VI Homologia e homoplasiaO termo homologia, introduzido por Owen em 1843, portanto antes do livro

Origem das espécies, de Charles Darwin (1859), referia-se à idéia de semelhança de um mesmo órgão em diferentes animais, sob uma variedade de formas e funções. Des-de então, várias definições de homologia foram apresentadas e discutidas: (Simpson, 1944; Campbell e Hodos, 1970; Mayr, 1988; Striedter, 1998; Striedter e Northcutt, 1991; Striedter, 2002) e todas elas salientam que, para serem homólogos, as estruturas que se comparam devem estar, de alguma forma, presentes na condição ancestral.

Assim, um caráter presente em dois ou mais táxons é homólogo se esse ca-ractere é também encontrado no ancestral comum desses táxons. Respeitada a condição de ancestralidade comum, os caracteres que se compara são conside-rados homólogos, ainda que sejam muito diferentes (Striedter e Northcutt, 1991; Striedter, 1998, 2002).

Identificam-se alguns tipos de homologia (figura 15): 1- a homologia transfor-macional, que implica a conservação da característica ancestral em apenas um dos táxons descendentes, enquanto no (s) outro (s) táxon (s) o caractere se transforma em uma forma diferente e 2- a homologia estática, que implica a conservação do caráter nas distintas linhagens. Os caracteres homólogos são chamados plesiomórficos, caso os caracteres do ancestral tenham sido conservados nas linhagens subseqüentes; ou apomórficos (sinapomórficos), caso sejam caracteres derivados.

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Figura 15. Homologias e homoplasias.

Dependendo do contexto, além desse conceito de homologia filogenética, ou-tros dois conceitos podem ser adotados: 1- a homologia seriada, que significa a cor-respondênciaentreestruturasqueocupamposiçõesespaciaisdistintasemumase-quência de estruturas semelhantes, como exemplo, as diferenças entre as vértebras cervicais e lombares ao longo da coluna vertebral de um mamífero; 2- a homologia sexual, que é a correspondência entre estruturas do macho e da fêmea, que se desen-

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volvem a partir de primórdios embrionários idênticos. O ovário é homólogo sexual dos testículos, e o clitóris é um homólogo sexual do pênis. A homoplasia, por sua vez, é o termo que define caracteres semelhantes em sua forma ou função, sem que tenham derivado de um ancestral comum (caracteres análogos). Três tipos de homoplasia são reconhecidos: 1- a homoplasia paralela (paralelismo), que nomeia a evolução inde-pendente de caracteres semelhantes a partir de um mesmo caráter ancestral distante; 2- a homoplasia convergente (convergência), que define a evolução independente de caracteres semelhantes a partir de diferentes caracteres ancestrais, envolvendo adap-tação a condições ecológicas similares; 3- a homoplasia casual (similaridade casual), onde caracteres semelhantes evoluem de forma independente, sem relação de ances-tralidade e sem envolver adaptações a condições ecológicas similares.

Uma vez que as modificações evolutivas advém das modificações no progra-ma genético do desenvolvimento, não só os caracteres manifestados pelos organismos adultos, mas principalmente as etapas do desenvolvimento ontogenético devem ser comparadas para uma apreciação mais verossímil das condições de homologias e ho-moplasias entre os caracteres.

O estudo da ontogenia é uma ferramenta poderosa na caracterização da evolu-ção dos tecidos do corpo, porque a grande maioria, senão todas as mudanças morfo-funcionais que se evidenciam nos seres, resultam de modificações nos padrões gené-ticos do desenvolvimento (Duboule, 1994; Mayr, 1998; Davidson, 2001; Gould, 2002).

Uma mutação no programa genético de desenvolvimento desvia a morfogênese do organismo em algum momento específico do desenvolvimento. O desenvolvimen-to, até então, recapitula o padrão de desenvolvimento que ocorria com seu ancestral (von Baer, 1828, apud Gould, 1977). Por esse motivo, parece apropriado reconhecer ho-mologia entre estruturas de dois organismos caso elas se desenvolvam em territórios morfogenéticos comuns. Esse tipo de homologia é chamada de homologia de campo (field homology), (Puelles e Medina, 2002).

A modificação ou a conservação do programas genéticos de desenvolvimento se reflete na proliferação, na diferenciação e na morte celular. Modificações na proli-feração tendem a alterar o tamanho da estrutura. Mudanças nos padrões de diferen-ciação celular, por sua vez, tendem a alterar a forma do caractere, enquanto a morte celular pode modificar tanto a forma quanto o tamanho da estrutura.

Portanto, são homólogas as estruturas de diferentes organismos que possuem a mesma origem ontogenética e filogenética. Estruturas homólogas podem ou não ma-nifestar as mesmas funções.

A análise cladística moderna infere as características dos corpos dos animais ancestrais através da identificação de caracteres presentes dentro e entre os grupos fi-logenéticos atuais, usando o grau de semelhança e a parcimônia na tentativa de distin-guir caracteres ancestrais homólogos de caracteres semelhantes homoplásicos (Willey, 1981, Butler,1994a, 1994b; Kaas, 2002).

Mas como podemos discernir se os caracteres comparados são homólogos ou homoplásicos?

Vejamos as possibilidades com um exemplo. Várias evidências podem ser uti-lizadas na busca por homologias e homoplasias no sistema nervoso dos animais. As evidências podem ser reconhecidas em diferentes níveis da organização biológica, por exemplo: na ecologia e no comportamento do organismo, na morfofisiologia das regi-ões do cérebro e das células, no programa de expressão gênica, na estrutura do geno-ma e na atividade das macromoléculas orgânicas.

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465Consórcio Setentrional de Ensino a Distância

É possível individualizar alguns critérios de homologias estruturais e funcio-nais, nos distintos níveis de organização biológica, comparando-se: (1) as seqüências de nucleotídeos do DNA; (2) os padrões de expressão gênica durante o desenvolvi-mento e no organismo já maduro; (3) a diversidade de proteínas específicas e macro-moléculas características de determinadas populações celulares, ou seja, a comparação do fenótipo molecular; (4) a atividade dessas proteínas e do metabolismo celular; (5) o fenótipo celular, isto é, a posição do corpo celular, a morfologia da célula e o padrão de estabelecimento e distribuição de suas conexões; (6) a topografia, a morfologia e a fisiologia das regiões, áreas e núcleos do cérebro em desenvolvimento e do cérebro amadurecido; (7) a topologia, ou anatomia macroscópica do cérebro; (8) o compor-tamento dos animais e (9) a ecologia dos seres. Não obstante, para uma apreciação criteriosa das relações de homologia, deve-se, sempre que possível, tomar vários ou todos esses critérios em conjunto.

Além dos referidos critérios de homologia, derivados da análise comparativa dos diversos tipos de sistema nervoso nos animais atuais, também contribuem para a imaginação da organização dos cérebros dos animais extintos, a reconstituição do corpo dos animais a partir do registro fóssil, o estudo paleontológico das filogenias e o estudo da paleoecologia. A observação da morfologia das caixas cranianas e as rela-ções entre área ou volume que as regiões de diferentes modalidades sensoriais apre-sentam, bem como o provável desempenho ecológico dos animais ancestrais, podem ser obtidas a partir da análise de fósseis.

O fenótipo bioquímico e estrutural (morfofuncional), as interações que estabele-cem, e os territórios morfogenéticos onde nascem as células são considerados excelen-tes critérios de homologia entre tipos celulares, porque se baseiam na conservação dos genes que controlam o desenvolvimento de estruturas que desempenhavam funções importantes no organismo ancestral, e que freqüentemente, tendem a continuar de-sempenhando nas gerações subseqüentes.

VII AlometriaJá vimos durante o desenvolvimento, as modificações morfofuncionais ocor-

ridas com o corpo e suas partes resultam de alterações no programa de desenvolvi-mento. Vimos também que a descendência comum e a heterocronia determinam as relações de homologia e homoplasia entre caracteres de diferentes organismos. Agora veremos como podemos quantificar a taxa de modificação morfofisiológica ocorrida no desenvolvimento do organismo ou durante sua história evolutiva.

As modificações morfofisiológicas (forma, tamanho, peso, atividade, velocida-de, temperatura...) podem ser quantificadas por intermédio de uma relação alométrica, isto é uma comparação entre as propriedades mensuráveis das partes em comparação com o corpo todo. A alometria é a mensuração do crescimento relativo de uma parte em relação ao organismo por inteiro, ou a algum outro padrão. Essa medida pode ser utilizada na interpretação da evolução da forma, do tamanho e, conseqüentemente, de suas funções. As alterações no tamanho ou a mudança na forma são adaptativas, tanto do ponto de vista ontogenético, como do filogenético (Hildebrand & Goslow, 2006).

Se duas estruturas corporais crescem a taxas distintas, então, conforme o tama-nho é alterado as proporções corpóreas também o são. A alometria pode ser aplicada tanto ao estudo da ontogenia como da filogenia, pois ela deriva do desenvolvimento heterocrônico.

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Um exemplo de alometria no desenvolvimento é a mudança na proporção do tamanho do crânio e da mandíbula nos humanos. Quando comparados bebês e adul-tos humano, nota-se claramente que a proporção entre o crânio (grande) e a mandí-bula (pequena) dos bebês se inverte com o desenvolvimento. Todavia, quando esses mesmos caracteres são comparados do ponto de vista evolutivo, percebe-se o con-trário. Na evolução dos hominídeos, houve um pronunciado aumento no tamanho relativo do crânio em relação ao tamanho da mandíbula. Mostrando que do ponto de vista evolutivo, a cabeça dos hominídeos tendeu a manter seu aspecto juvenil na fase adulta. Esse tipo de heterocronia é chamada de neotenia.

Mas como podemos medir a taxa de crescimento? A medida da alometria se ba-seia na correlação entre duas variáveis. O coeficiente alométrico (a) refere-se à diferen-ça de crescimento entre duas características mesuráveis de um organismo, sendo uma delas a variável independente (x) e outra a variável dependente (y). Na escolha da va-riável independente deve-se dar preferência às características que melhor expressam a totalidade do organismo. Já a variável dependente é aquela que se pretende estudar.

A medida da alometria pode ser quantificada aplicando-se a fórmula:

a=y/x.bOnde: a é o coeficiente alométrico; x é a medida de uma característica; b é uma

constante; y é a outra característica.

Ao se estudar o desenvolvimento ou a evolução do tamanho ou do peso de al-guma parte do corpo, é comum utilizar o tamanho ou o peso do corpo como variáveis independentes.

Podemos, por exemplo, avaliar o crescimento relativo do peso ou do volume do cérebro durante o desenvolvimento do organismo bem como a evolução do desen-volvimento, isto é, sua história evolutiva; Também podemos estudar o crescimento das plantas, avaliando, por exemplo, a proporção entre a biomassa subterrânea e a biomassa aérea de uma planta. É possível medir o coeficiente alométrico durante o desenvolvimento ou na evolução, de praticamente qualquer parte do organismo, seja um tecido, um órgão ou todo um sistema.

Vejamos agora um exemplo bem específico de comparação entre as taxas alo-métricas de diferentes espécies. (figura 16).

Figura 16. Alometria.

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Na figura 16, as seis linhas de regressão representam equações alométricas para seis populações distintas quanto à idade ou a ancestralidade. Essas linhas represen-tam neste exemplo, as relações alométricas entre o crescimento das patas e da coluna de seis espécies ou populações de uma espécie. Observe atentamente a figura e tenho certeza que irá compreender este exemplo.

As espécies A e C possuem a mesma relação alométrica (mesma inclinação de reta) em relação ao tamanho corporal e ao comprimento relativo do membro. Porém, na espécie C os membros e a coluna crescem em uma taxa equivalente, enquanto na espécie A, os membros têm uma taxa de crescimento maior que a da coluna. A análise dessa situação indica que asa espécies A e C são mais distintas do que aparentam.

O mesmo pode ser verificado com a comparação das espécies D e E. Ambos são maiores que A e C, mas apresentam as mesmas proporções. Todavia, a espécie C difere mais da espécie E do que da espécie D, uma vez que, tanto C quanto E diferem não somente na taxa de crescimento corporal como também na taxa de crescimento relativo dos membros e da coluna.

Na espécie B os membros crescem mais rapidamente que a coluna, enquanto a espécie F a coluna cresce proporcionalmente mais rápido que os membros.

Assim, podemos concluir que as modificações heterocrônicas no programa de desenvolvimento modificam as taxas de crescimento das partes do corpo resultando em modificações morfofuncionais nos fenótipos. Essa variabilidade é um componente crucial para a evolução das espécies.

VIII AgradecimentoAgradeço tua dedicação e companhia.

Agora continua... Desenvolve tua visão de mundo...

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