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CICLO INTEGRADO DE CINEMA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC DOC TAGV / FEUC INTEGRAÇÃO MUNDIAL, DESINTEGRAÇÃO NACIONAL: A CRISE NOS MERCADOS DE TRABALHO EL EJIDO, A LEI DO LUCRO UM FILME DE JAWAD RHALIB 2007

EL EjIDO, A LEI DO LUCRO - fe.uc.pt · el ejido, a lei do lucro: as razões do sindicato dos trabalhadores agrícolas 030 ii.3. almeria. el ayuntamiento de el ejido estuda a hipÓtese

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CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

EL EjIDO,A LEI DO LUCRO

Um FILmE DE jAwAD RhALIB

2007

CICLO INTEGRADO DE CINEmA, DEBATES E COLÓQUIOS NA FEUC

DOC TAGV / FEUC

INTEGRAçãO mUNDIAL, DESINTEGRAçãO NACIONAL:

A CRISE NOS mERCADOS DE TRABALhO

http://www4.fe.uc.pt/ciclo_int/2007_2008.htm

SESSãO 10

AS mOBILIDADES NO ESpAçO DA UNIãO EUROpEIA:

AS NOvAS LINhAS DE TENSãO

EL EjIDO, A LEI DO LUCRO (2007)

Um FilmE DE jAwAD rhAlib

DEbATE COm:

jACQUES mAzIER (UniVErSiDADE DE pAriS nOrTE)

jOAQUíN ARRIOLA pALOmARES (UniVErSiDADE DO pAíS bASCO/EhU)

jOSé REIS (FEUC)

jOãO AmADO (FDUC)

TEATrO ACADémiCO DE Gil ViCEnTE

11 DE Abril DE 2008

inTrODUçãO

QUEm TE vIU E QUEm TE vê 005

pArTE i.

SOBRE O FILmE, SOBRE EL EjIDO: ALGUNS pONTOS DE vISTA 011

i.1. SINOpSE: A ExpLORAçãO DOS TRABALhADORES AGRíCOLAS

ImIGRADOS NO SUL DA ESpANhA, UmA ESCRAvIDãO mODERNA

QUE GUARNECE OS pRATOS, à NOSSA mESA 011

i.2. A INTENçãO DO REALIzADOR 011

i.3.QUATRO QUESTõES A jAwAD RhALIB,

REALIzADOR DE El Ejido, a lEi do lucro 014

i.4. UmA SUCURSAL DO INFERNO 016

i.5. EL EjIDO: ONDE O EL DORADO é Um INFERNO 017

i.6. A vERGONhA DE EL EjIDO 018

i.7. El Ejido, a lEi do lucro 019

i.8. OS pOmARES DA vERGONhA:

Em ESpANhA, UmA pARTE DA AGRICULTURA INTENSIvA ASSENTA

NA ExpLORAçãO DOS ImIGRANTES ILEGAIS, CLANDESTINOS,

SEm pApéIS, SEm AUTORIzAçãO DE ESTADA 020

i.9. ANDALUzIA, “A LEI DA SELvA” 021

i.10. OS FRUTOS E LEGUmES DE ALmERIA ATINGIDOS

pELO USO DOS pESTICIDAS 024

i.11. El Ejido, a lEi do lucro 027

pArTE ii.

EL EjIDO, O FILmE, vISTO DE EL EjIDO, A CIDADE,

vISTO DE ALmERIA, A CApITAL 029

ii.1. EL pAíS, EL mUNDO, LA GACETA DE ALmERIA... 029

ii.2. El Ejido, a lEi do lucro:

AS RAzõES DO SINDICATO DOS TRABALhADORES AGRíCOLAS 030

ii.3. ALmERIA. EL AyUNTAmIENTO DE EL EjIDO ESTUDA

A hIpÓTESE DE DESENCADEAR ACçõES jURíDICAS

CONTRA OS RESpONSávEIS DO DOCUmENTáRIO BELGA 032

ii.4. NOvA CAmpANhA CONTRA EL EjIDO QUE DESpRESTIGIA

O SEU mODELO DE AGRICULTURA 033

pArTE iii.

EL EjIDO, O FILmE, vISTO DE pORTUGAL 037

pArTE iV.

A EUROpA, A ESpANhA, EL EjIDO NA ENCRUzILhADA DAS mIGRAçõES 039

iV.1. A ESCRAvATURA AO SUL DA EUROpA 039

iV.1.1. A vIDA Em EL EjIDO 039

iV.1.2. Em ESpANhA, Um ApARThEID DEBAIxO DOS pLáSTICOS 050

iV.1.3. A vIDA SINDICAL Em EL EjIDO 056

iV.1.4. ANDALUzIA: NO CENTRO DA ESCRAvATURA NEOLIBERAL 059

iV.2. AS mIGRAçõES E A ORGANIzAçãO EUROpEIA

DE SITUAçõES DE ESCRAvATURA 063

iV.2.1. A EUROpA ORGANIzA A CLANDESTINIDADE 063

iV.2.2. O DUpLO jOGO DA ESpANhA 068

iV.2.3. A pOSIçãO DO CONSELhO DA EUROpA 075

© El Ejido, la Loi du Profit, 2007.

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inTrODUçãO

QUEm TE vIU E QUEm TE vê

jUAn GOyTiSOlO, ESCriTOr

El País, 19 DE FEVErEirO DE 1998

DiSpOníVEl Em hTTp://www.ElpAiS.COm

No Verão de 1957 atravessei, pela primeira vez, a comarca de El Ejido, na província de Almeria. O alcatrão da recta separadora parecia o fio de uma faca evanescente: uma linha estreita, limpa com esponja por um nevoeiro de vapor, subjugada por um sol implacável; paisagem órfã, pedregosa, terras estéreis e arbustos mesquinhos. Algumas construções de um só piso ladeavam a estrada: postos de venda de olaria e de cerâmica, duas ou três lojas, casinhas caiadas e um armazém com um aspecto primitivo. Recordo que ao pararmos, eu e Monique Lange, com o nosso pequeno Renault, vários clientes de uma tasca vieram cumprimentar-nos: um automóvel com matrícula estrangeira e conduzido por uma mulher não era pão de todos os dias. Ofereceram-nos água fresca de um jarro e aceitaram em troca cigarros de uma marca para eles desconhecida. Perguntavam se, em França, havia trabalho, e disseram-nos os seus nomes e moradas com a esperança de obter um contrato. Procuravam uma saída deste mundo inospitaleiro e campestre, com o pé no estribo de um cavalo ainda imaginário. Almeria era então a Gata Borralheira das nossas províncias. Uma frase cruel, desdenhosa, abreviava os seus equívocos e desditas: “esparto, ranho e remelas”. A vista da pobreza alheia estimula sempre as línguas afiadas de quem a observa com desdém.

Em 1961 refaço o trajecto com Simone de Beauvoir, Nelson Algren e com o futuro director cinematográfico Vicente Aranda. Parámos num miradouro para ver

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a paisagem num local despovoado e contemplámos o deserto que se estendia até ao mar, ladeado por parcas manchas de verdura. Alguém havia feito uns poços e a água subterrânea alimentava umas modestas hortas. A companheira de Sartre comentou: “Que pobreza! Podíamos pensar que estamos em África!”.

Entretanto tinha começado o grande êxodo para a Europa. Em Paris, Bruxelas, Genebra – todas as cidades alemãs, francesas, belgas, suíças, holandesas – muitas dezenas de milhares de espanhóis eram facilmente identificáveis pelos seus fatos, malas e sacos nas estações de comboios e autocarros à procura de direcções e de contactos. A economia europeia tinha então necessidade de braços. Mulheres-a-dias, pedreiros, serventes, trabalhadores não especializados inseriam-se rapidamente nos circuitos de trabalho destas sociedades em crescimento, de modo aparentemente indefinido e desejosas de esquecer catástrofes recentes.

Como os seus avós e pais – emigrantes económicos e exilados políticos na Argentina, na Venezuela ou no México – os espanhóis foram recebidos com os braços abertos. Os republicanos apanhados pelos cercos em Anglés, Saint Cyprien e outras regiões do Sul de França, em Fevereiro de 1939, evocavam com uma amarga ironia a sua sorte tão diferente: “dão-lhes as boas-vindas e ignoram o tratamento que sofremos”. A história avançava, contudo, por um bom caminho e ninguém previa o que chegaria depois.

As manifestações de xenofobia e de racismo, em Dezembro de 1997, em diversos pontos de El Ejido – transformada hoje numa das comarcas mais prósperas da Espanha, graças à cultura intensiva de legumes em estufas e à exploração impiedosa da mão-de-obra estrangeira, frequentemente clandestina – forçam-nos a reflectir sobre o que aconteceu nas últimas quatro décadas e a transformação mais que sentida pelos seus habitantes neste mesmo período.

O salto económico prodigioso da miséria para uma riqueza desigualmente distribuída, mas quase como um maná caído do céu por um conjunto único de circunstâncias, iniciou-se, como sabemos, durante os últimos anos do franquismo.

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Devido ao facto de não ser acompanhado por medidas democráticas e de formação educacional, favoreceu uma população que não estava preparada para esta mudança repentina de estatuto. O acesso às vantagens materiais e técnicas das sociedades avançadas produziu-se, assim, sem uma preparação moral ou cultural adequada. O que é arcaico misturou-se com o que é novo, sem continuidade nem equilíbrio. “Em vez de uma evolução progressiva como noutros países europeus”, escrevi há 34 anos, “assistimos a uma mudança brusca dos hábitos sociais e mentais. Quer do ponto de vista moral, quer económico, pretendemos queimar várias etapas sem estar a ter em conta que nem as estruturas sociais nem os costumes podem ser improvisados da noite para o dia “.

As actuais agressões, torturas e raptos de gentes do Magrebe em El Ejido confirmam infelizmente esta análise. Embora Almeria seja tradicionalmente uma região de emigrantes nunca adquiriu uma cultura de emigração. Os contactos com outras populações foram efectuados fora dos seus limites. Por esta razão, a memória de um passado expresso na sua aspiração de fugirem da pobreza não deu azo nem a uma compreensão da miséria alheia nem a uma ética solidária. A chegada, durante os últimos quinze anos, de marroquinos e de subsarianos sem documentos para preencherem postos de trabalho que nenhum espanhol quer ocupar, e em condições indignas da nossa personalidade europeia, não despertam uma recordação de compaixão do passado nem uma simpatia activa para com as vítimas de situações vividas. Pelo contrário: os mouros e os negros escravizados nas estufas – necessários nestas, mas indesejáveis no exterior – avivam os sentimentos egoístas de superioridade e permitem aos ex-emigrantes e aos filhos de emigrantes de saborearem a encenação actual do drama das suas próprias vidas, representado hoje por actores diferentes, como uma vingança exemplar.

A paisagem física e moral em El Ejido foi transformada a um ritmo acelerado: quilómetros e quilómetros de estufas espalhadas aos lados da nova estrada; grandes hotéis para turistas, blocos imponentes de alojamentos, sucursais bancárias, urbanizações, supermercados, agências imobiliárias, clubes de alterne, sucedem-se desde Aguadulce à capital económica da comarca. O tráfego é intenso, a população

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local adapta-se como pode às flutuações da moda no vestuário e El Ejido exibe com orgulho todos os sinais externos de riqueza e de modernidade: desde os McDonald’s à Pizza Hut, aos casinos de jogo, às salas de aeróbica e às saunas tailandesas.

A aversão secular ao mouro, tão bem esmiuçada por Rodrigo Zayas e por José María Perceval, constitui o substrato histórico justificativo das bastonadas e das expedições “de punição” de uns velhos cristãos disfarçados de europeus novos e do silêncio cúmplice de populações completas de El Ejido, conquistadas por unanimidade – oh, como é heroica! – da plebe castiça de Fuenteovejuna.

A história repete-se e, da mesma maneira que a popularidade da novela granadina permitia aos leitores cultos do século XVI verter sentidas lágrimas sobre o destino triste dos Abencerragens e dos Zegrís1 desaparecidos do seu horizonte diário para melhor incomodar e humilhar a caterva visível, real, uniforme, animalizada, de mouriscos com os quais se cruzavam diariamente, as almas bondosas de hoje, as congregadas no claustro do que é politicamente correcto, atravessam centenas de quilómetros de montanhas e de desertos, através de um país vítima de infames chacinas diárias, a fim de se comoverem com o destino dramático dos sarauís remotos para se distanciar assim, com um farisaísmo arrogante, de uma xenofobia e racismo próximos, muito próximos, caldo em que cultivam as tentativas e os crimes cometidos em casa contra os mouros – marroquinos e argelinos – fugitivos da pobreza e duma guerra de extermínio de fins inconfessáveis. Como escrevia Américo Castro, “viver culturalmente exige estar sempre vigilante, ter cuidado, pois não basta ser consumidor ou instrumento da cultura estrangeira. Quando os espanhóis se derem conta do que foram e como o foram, as suas circunstâncias

1 Abencerragens é o nome em catalão de uma família de linhagem nobre com origem no Norte de África, os Banu Sarray (literalmente, ‘filhos de talabartero’), que governou Granada durante a época dos Nasridas, antes da conquista deste reino pelos Reis Católicos na Guerra de Granada, entre 1482 e 1492. Opunham-se com grandes rivalidades aos Zegris, uma família de linhagem nobre do reino de Granada. A dinastia Nasrida foi simultaneamente a última dinastia muçulmana na Península Ibérica.“Talabertero” é um artesão que trabalha o “couro bruto” de acordo com antigas técnicas, entrançando tramas para correias, cintos e jóias.

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melhorarão consideravelmente. O que é verdade é que hoje em dia não habitam a sua própria história; ou seja, não sabem realmente o que são, porque ignoram o que foram”.

Apesar dos meritórios esforços de associações como Almeria Acoge e de outros grupos defensores dos direitos humanos, o fogo xenófobo propaga-se. A predisposição das autoridades da região, tanto as do partido do Governo como as do PSOE, para esconderem os culpados – os seus eleitores potenciais – e para proibir os actos de protesto das vítimas é tão indigna como mesquinha: um verdadeiro monumento de má-fé.

A falta de memória de El Ejido não admite desculpa, e é com dor e vergonha que o digo: quem a viu e quem a vê!

© El Ejido, la Loi du Profit, 2007.

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pArTE i.

SOBRE O FILmE, SOBRE EL EjIDO: ALGUNS pONTOS DE vISTA

i.1. SINOpSE: A ExpLORAçãO DOS TRABALhADORES AGRíCOLAS

ImIGRADOS NO SUL DA ESpANhA, UmA ESCRAvIDãO mODERNA

QUE GUARNECE OS pRATOS, à NOSSA mESA

DiSpOníVEl Em hTTp://ElEjiDO-Film.blOGSpOT.COm/

Outrora deserta, a região de Almeria, no Sul da Espanha, produz hoje um terço do consumo europeu dos frutos e legumes de Inverno e gera dois terços dos lucros agrícolas do país. Um “milagre económico” nas estufas e que assenta no trabalho de cerca de 80.000 imigrantes, em que metade deles estão ilegais, sem documentos, são “os sem papéis. Num meio ambiente completamente arrasado, onde o ar está viciado pelos pesticidas e onde os lençóis feráticos começam a esgotar-se, a aldeia de El Ejido ilustra até ao absurdo esta exploração industrial dos homens e da terra incentivada pela mundialização. Driss, Moussaïd e Djibril são contratados ao dia, com um salário de miséria e, como a maior parte dos seus colegas, sem contrato de trabalho. Habitam em chabolas, pequenas construções de cartão e de plástico, sem água nem electricidade. Uma quase escravidão com a qual se enche os nossos pratos.

i.2. A INTENçãO DO REALIzADOR

TExTO GEnTilmEnTE CEDiDO pElO rEAlizADOr, jAwAD rhAlib

Sou um realizador belga de origem marroquina e acabo de terminar um filme, a que, diziam eles, se deveria chamar “queimar ou as razões da cólera”. Este filme analisa a emigração clandestina de Marrocos e as razões que levaram mais de 100.000 Marroquinos e subsarianos a tentar anualmente a grande travessia para

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alcançar a Europa. Como o indica o título, ao tentarem a travessia, estão prontos “para queimar” as suas vidas. Para os que sobreviveram à travessia do estreito do Gibraltar o Eldorado Europeu transforma-se muito rapidamente num inferno.

El Ejido, na província de Almeria, com estes 17000 hectares de terra coberta de plástico azul e branco, com a maior concentração de produção de frutos e de legumes sob estufa no mundo, representa o Eldorado para milhares de migrantes. Mas, as estufas de El Ejido são sobretudo uma manta de chumbo posta sobre um sistema de exploração da mão-de-obra imigrada.

Somos levados a verificar que os imigrantes não têm sequer acesso aos alojamentos decentes desocupados, e tentam abrigar-se vivendo em chabolas, barracas de cartão e de plástico, dispersas no meio de num labirinto de estufas. É necessário dizer que há cerca de 3500 apartamentos livres, não alugados, desocupados, em El Ejido.

Esta constatação é amarga, é dura, e deve-se ao facto de o lucro se ter tornado a palavra soberana nesta pequena cidade de 75.000 habitantes. Em todos os encontros com os imigrantes, não encontrei nenhum, com ou sem papéis, que seja pago ao salário previsto pela lei (4,51 euros a hora). Os salários variam entre 2 e 2,50 euros e a grande maioria trabalha sem contrato, até mesmo aqueles que têm uma licença de estada. Marroquinos, novos ricos e proprietários de armazéns no meio das estufas, alugam, também eles, aos migrantes, camas por 6 Euros por dia. Estes alojamentos completamente degradados, sem água, sem lavabos, sem electricidade, são ocupados por 10 pessoas em média, o que representa 1800 Euros por mês.

El Ejido é o perfeito exemplo da exploração e da degradação das relações humanas. Uma miséria social e humana digna de Émile Zola e indigna de uma democracia.

Mas, se há uma coisa que me faz temer o pior é mesmo a reeleição do Presidente da Câmara Municipal de El Ejido, Juan Encisco. Este franquista, grande

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proprietário de terrenos, proprietário da televisão local, ex-membro do Partido Popular e novo proprietário do partido de Almeria, é considerado, e com razão, um pequeno ditador da extrema direita, e não faz absolutamente nada para melhorar as condições humanas de este novos danados do século XXI.

Hoje, decidi partir ao encontro dos migrantes, à procura da história destes anónimos, que se dissolvem no cemitério das estufas. Destes desconhecidos, destes não contabilizados de um comércio da miséria. Quero ver, mostrar e compreender estes homens, o seu profundo mal-estar e o impasse da imigração clandestina. Uma pergunta à qual eu sou muito sensível enquanto imigrante. Porque a questão da emigração clandestina é feita diariamente na nossa “União Europeia”, e os partidos de extrema direita fazem dela a base da sua estratégia política, o seu fundo político.

El Ejido, a lei do lucro põe em destaque a vida dos imigrantes de El Ejido, os que construíram a riqueza desta pequena cidade, através da história de Moussaid, Driss e Djibril, dois marroquinos e um maliano, todos sem papéis. Filmados no seu dia a dia, sem nenhuma outra intenção que não seja a de mostrar com os seus “testemunhos” como eles se vêem e como vêem o mundo que os rodeia.

A escolha dos três intervenientes não se fez aleatoriamente. Em primeiro lugar, deveu-se à minha escolha de querer pessoas que tinham desejo de testemunhar. Medir o seu envolvimento. Outros partem, e inicialmente, eu tinha pensado em recorrer a “perfis que fossem significativos “. Pessoas com uma vida. No entanto, apercebi-me e muito rapidamente que qualquer vida é rica de mil emoções, de explosões de revolta, de outras reivindicações.

Eis pois porque é que a minha escolha incidiu definitivamente sobre Moussaid, Driss e Djibril, os que tinham realmente desejo de entrar na história. Todos me testemunharam o seu sincero compromisso. Através deste documentário o meu objectivo principal é o de sensibilizar a opinião pública sobre as causas e as consequências da produção de legumes que provêm de El Ejido e que enchem as prateleiras dos nossos supermercados. As minhas entrevistas com Moussaid,

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Driss e Djibril, servirão de fio condutor. Retratos, encontros, previsíveis e sem fingimentos, virão enriquecer as sua histórias.

Ajudado neste objectivo pelas minhas origens, a comunidade imigrada, marroquina e africana, estava pronta para confiar em mim, contar o seu mal estar. Falaram das suas reivindicações e testemunharam sobre as suas condições de vida indignas, compartilharam a sua vergonha. Revelar a verdade sobre as suas vidas de inferno virá talvez exorcizar a ideia de terem queimado as suas vidas. Dispostos a criarem uma ferida suplementar pelo contar das suas condições inumanas.

Quereria fazer um documentário sobre as vidas, os combates completamente diferentes dos que nós conhecemos aqui e ao mesmo tempo tão semelhantes. Moussaid, Driss e Djibril sonham com o Eldorado e as suas histórias serão vistas através dos olhos de um belga de origem marroquina. Quero fazê-lo com o olhar que olho o que é o humano quando este é confrontado à miséria. Até onde me levarão eles?

i.3. QUATRO QUESTõES A jAwAD RhALIB,

REALIzADOR DE El Ejido, a lEi do lucro

jEAn miChEl lAliEU

l’ECHO, 19 DE Abril DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.lEChO.bE

P. Como é que nasceu a ideia deste filme?

R. Parti de um “fait divers” que se desenrolou em El Ejido. Em 2000 um imigrante marroquino tentou roubar o saco duma espanhola e acidentalmente matou-a. Foi preso pela polícia, mas a população aproveitou-se para lançar uma autêntica caça ao árabe e ao africano.

A cidade viveu 3 dias de distúrbios sociais. Eu fiz a cobertura destes acontecimentos para um jornal marroquino. Fui tratado de todos os nomes. Foi isto que me deu a ideia de me interessar pelas condições de vida dos marroquinos.

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P. Obteve testemunhos dos trabalhadores clandestinos e de patrões. As pessoas falavam facilmente consigo?

R. As minhas origens marroquinas permitiram-me criar relações de confiança mais simples com esta população saída da imigração clandestina. Mas, nem pensar em falar abertamente face às câmaras. Estas pessoas não são facilmente admitidas em El Ejido. Tive que aproveitar períodos de férias, quando os proprietários espanhóis saíram da região para poder rodar bocados de filme e entrevistas.

Contudo, um dos proprietários das estufas aceitou falar comigo. Para os outros, as minhas origens marroquinas representavam uma barreira. Foi pois um outro membro da equipa que teve que realizar certas entrevistas.

P. Quais são os objectivos que espera alcançar com este documentário?

R. Há nele duas mensagens essenciais. A primeira, é que é necessário que os africanos ganhem consciência do que é este “Eldorado europeu” e deixem de vir para o mar. Mas, isto não é fácil. Mostrei este filme a populações africanas: as pessoas pensam que eu lhes minto Porque eles vêem regressar aos seus países aqueles que se considera que tenham tido sucesso. É uma miragem muito forte. Eu espero que o filme permita afastar algumas pessoas deste “sonho”, mas isto será muito complicado. Por outro lado, é necessário mostrar aos consumidores a realidade sobre as condições de produção dos frutos e legumes que eles consomem. É necessário que se comecem a interrogar sobre a origem social e ambiental dos produtos antes de os comprar.

P. É também um combate contra a escravatura…

R. Efectivamente, espero deste filme que ele permita a estes trabalhadores imigrados obterem as condições de vida aceitáveis e um salário decente. Espero também uma reacção da sociedade civil relativamente a estas condições de exploração.

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i.4. UmA SUCURSAL DO INFERNO

philippE SimOn

CinErgiE, 13 DE FEVErEirO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.CinErGiE.bE/pDF.php?pG=CriTiqUE&iD=883

Estamos em pleno delírio, um delírio de Cristo, um delírio da embalagem que vê todo um “país” desaparecer sob quilómetros de tela plástica para produzir os frutos e os legumes com os quais se vai alimentar diariamente uma boa parte da Europa. Este delírio, são dezassete mil hectares de estufas dedicadas à agricultura intensiva que transformou, num quarto de século, um antigo deserto numa muito moderna sucursal do inferno. [... ]

El Ejido, a lei do lucro, o último filme documentário de Jawad Rhalib faz a radiografia implacável desta comunidade de trabalhadores, preocupando-se mais particularmente com a situação de alguns imigrantes marroquinos. Una análise terrível da situação em que não se ignora nenhuma das condições de vida dramáticas nas quais cada um deles se debate, e o filme chega a tornar sensível a situação contraditória dos imigrantes que evoluem dificilmente entre o sonho de um sucesso ligado à Europa e a evidência afectiva que “Marrocos, é melhor”. Com uma grande inteligência, e muita precisão no tom, mostra como é que pela sobrevivência individual se procuram solidariedades e como é que a competição quebra muitas formas de resistência. Entre aqueles que rebentam nas barracas insalubres e aqueles que têm tido vagamente algum êxito, reproduzem as atitudes dos outros empresários, El Ejido, a lei do lucro ultrapassa os limites da constatação para realmente se interrogar sobre a desmesura de um modo de vida onde a grande maioria de nós não se reencontra.

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i.5. EL EjIDO: ONDE O EL DORADO é Um INFERNO

pAmElA TAylOr

Human rigHts tribunE, 13 DE mArçO 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.hUmAnriGhTS-GEnEVA.inFO/Spip.

php?ArTiClE1278

A Espanha é um dos últimos países em Europa a fazer a transição de fornecedor de trabalhadores migrantes para explorador destes. Em nenhuma parte isto é tão evidente como na cidade de EL Ejido, o tema de um dos filmes da série sobre imigração que será projectado no festival cinema Human Rights Film Festival em Genebra, El Ejido, a lei do lucro. [...]

Filmado ao longo duma região que foi um antigo deserto e não longe dos recursos turísticos da Costa del Sol, o documentário mostra, quilómetro após quilómetro, de tendas com plásticos brancos ondulantes, ou seja, de estufas, tantas até se perderem de vista. Sob estes telhados branco bem quentes, os emigrantes de Marrocos, Roménia, Mali e Senegal apanham e escolhem tomates, frutos e vegetais, com temperaturas acima dos 40 graus.

O retrato que Jawad Rhalib faz destes trabalhadores emigrantes é também um trabalho de proximidade, de uma certa intimidade, de muito pessoal, mostrando, por dentro, as casas que eles próprios tinham construído, fora das folhas de plástico, um ghetto de cor branca com muito do lixo putrefacto e os caminhos enlameados que descrevem meandros desde a incómoda Casablanca.

As entrevistas de Rhalib revelaram uma amostra transversal da sociedade dos nómadas iletrados aos trabalhadores educados, mas muito pobres que têm em comum um desejo: um impulso desesperado de saírem de seu país e de apoiar as suas famílias. [...]

Driss EL Yazami, da Federação Internacional dos Direitos do Homem (FIDH), disse que o maior problema ainda é que a exploração migrante não é

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exclusiva da Espanha. “Portugal, Itália, Alemanha, Suiça, todos nós temos tido estes problemas e não desde há muito tempo e podemos vê-los claramente hoje na África do Sul e ao longo da fronteira USA-Mexico, com as maquiladoras.”

Os analistas concordaram que tais documentários, mesmo se nada mais resulta da sua difusão, devem contribuir, pelo menos, para informar os consumidores bem esclarecidos devem estes questionar-se sobre os produtos que compram e mesmo boicotá-los.

“Pouco mais podemos fazer,” disse Francois Héran, director do Instituto Nacional de Estudos Demográficos “(INED). “O que é melhor, nenhum emprego ou emprego explorado?” Os trabalhadores nos campos do EL Ejido sabem a resposta que dariam a esta pergunta.

i.6. A vERGONhA DE EL EjIDO

mAlikA ES-SAiDi

lE JOurnal du mardi, 27 DE Abril DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.jOUrnAlDUmArDi.bE

Eis-nos perante um filme militante a não perder. Embora nos deixe às vezes com a nossa fome de querer saber mais, nomeadamente sobre as personagens do filme, El Ejido, a lei do lucro recorda-nos sem rodeios a nós e às nossas barrigas pançudas ocidentais o que se deve, ainda, a África e aos seus recursos humanos.

São quase 80.000 imigrantes, maioritariamente sem papéis a fazerem viver uma região, anteriormente desértica, Almeria. Graças a eles, são dois terços dos lucros agrícolas da Espanha que são assegurados. Este “milagre económico” assenta sobre braços anónimos enquanto os agricultores, estes, insaciáveis “exploradores” tomaram o gosto pelo esclavagismo dos tempos modernos. Alojados em infames e frágeis cabanas feitas de plástico e de papel, os “explorados” quanto a eles têm apenas que se calar quando são fustigados com insultos ou observações racistas. Enquanto o fruto do seu duro labor se encaminha regularmente para o Norte da Europa que

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assim terá coberto um terço do seu consumo de Inverno em frutos e legumes, os “explorados”, que os seus camaradas chamam Driss, Moussaïd e Djibril, interrogam-se como se chegou até aqui. Fugiram duma miséria para encontrarem uma outra, mais insuportável porque aqueles de quem gostam, a sua família, permaneceram longe. A humanidade em chama lenta. Mas, o mais intolerável é, de resto, este sistema ao qual a maioria das políticas parece aderir, dado que subsiste, baseado no empobrecimento e seguidamente na falência dos agricultores do Sul que não podem seguir o ritmo infernal, largamente subsidiado pela Europa, que é este reservatório de “comida de má qualidade”. E o ventre da Europa, El Ejido, é hoje considerado a maior concentração de cultura sob estufa no mundo, continua sempre a aumentar. O filme de Jawad não o fará explodir, mas poderá ser esta posição firme que leva à tomada de consciência.

i.7. El Ejido, a lEi do lucro

VirGinE Félix

tElErama, 4 DE mAiO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.TElErAmA.bE

Gostam de tomates? Antes de irem encher o vosso cesto, façam uma paragem em El Ejido. Depois de terem visto este filme, tão comovente como que arrasador, os legumes à vossa mesa passarão a ter, sem dúvida, um gosto bem amargo. Situada em Andaluzia, na província de Almería, El Ejido é a cidade de todos os superlativos: o maior alinhamento de estufas no mundo, mas também uma das maiores concentrações de bancos por quilómetro quadrado.

Nesta povoação entre as mais próspera do Sul da Espanha, 90% dos habitantes são proprietários de estufas e todo o mundo ou quase se aproveita dos lucros gerados pela produção intensiva de frutos e de legumes. Excepto, certamente, para os que lá trabalham e no duro. São marroquinos, malianos e senegaleses chegados clandestinamente a esta cidade às portas da Europa e dispostos a tudo para trabalhar. Para eles, El Ejido rimava com eldorado. Para eles, El Ejido tornou-se um inferno dentro das estufas, com condições de trabalho tremendas (45 °C debaixo

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do plástico). Salários de miséria (1,5 ou 2 euros por hora). Alojamentos dignos de bairros de lata (as chabolas, feitas de materiais de recuperação, sem água nem electricidade) onde os detritos se amontoam desde que a câmara deixou de recolher o lixo. Clandestinidade que dá aos empregadores todos os direitos, e nenhum escrúpulo, entre discursos racistas e rejeição da responsabilidade sobre os outros - a grande distribuição que esmaga os preços. Quanto aos gerentes da cooperativa local, juram com a mão sobre o coração que nenhum clandestino está aqui empregado.

Elo a elo, Jawad Rhalib sobe a cadeia desta escravidão moderna a dois passos de nós. Com um sentido estético que não retira nenhuma força ao seu tema, filma a violência escondida desta “Europa do plástico”. E mostra toda a sua humanidade para com estes trabalhadores fantasmas. Um filme indispensável.

i.8. OS pOmARES DA vERGONhA: Em ESpANhA,

UmA pARTE DA AGRICULTURA INTENSIvA ASSENTA

NA ExpLORAçãO DOS ImIGRANTES ILEGAIS, CLANDESTINOS, SEm pApéIS,

SEm AUTORIzAçãO DE ESTADA

El EJidO, a lEi dO luCrO

lOUiS mOriCE

téléCinéObs, 19 DE mAiO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://ClUbObS.nOUVElObS.COm/

ArTiClE/2007/05/19/20070519.TElEObS344199.xml

Nas prateleiras dos frutos e legumes, o cliente encontra o quilo de tomates ligeiramente mais barato. O filme de Jawad Rhalid mostra que não conhecemos o seu verdadeiro preço. Em Espanha, nas estufas de El Ejido (Andaluzia), descobrimos o que é que ele custa em termos de miséria, de exploração humana, de humilhação. O direito do trabalho não é aplicável aos sem papéis e os produtores não se enganam contratando clandestinos vindos da África, mas também da Europa de Leste. El Ejido assemelha-se a um mar de plástico de 17.000 hectares. Sob as cobertas crescem os legumes que irão abastecer a Europa, os pimentos, as courgetes e outros legumes, durante todo o ano. Sob as cobertas das estufas trabalham homens, a mais de 40° C.

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Ganham pouco mais de 2 euros por hora. Ao lado das estufas, há cabanas, ou coberturas apenas. Os trabalhadores vivam apinhados nestes bairros de lata de que os homens do lixo se recusam aproximar.

Apanhado na engrenagem, Djibril sente-se como um morto vivo. “Aqui, acreditar-se-ia que estamos no Darfour. Mas, ainda que se viva melhor no nosso país, permanece-se na mesma: aqui, pode-se esperar um futuro melhor.” O futuro tarda a garantir as suas promessas e as autoridades tardam em reagir.” A situação não é nova. Em Fevereiro de 2000, rebentaram as violências racistas. Desde aí, não se alterou nada. Sim, um pouco: os espanhóis que denunciam este drama são postos de lado pela sua comunidade. O tomate assume um gosto amargo.

i.9. ANDALUzIA, “A LEI DA SELvA”

pASCAl FlEUry

DOSSiEr hiSTOirE ViVAnTE

la libErté, 30 DE mArçO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.lAlibErTE.Ch/inDEx.php?COnTEnU=DOSSiErS&

DOSSiErS=2&DOSSiEr=307

Trabalhadores imigrados em El Ejido os sem documentos continuam a ser explorados na agricultura intensiva

Testemunho dum ex-sindicalista, Gerard Forster

Sete anos depois dos violentos distúrbios racistas contra os trabalhadores imigrados de El Ejido em Espanha e apesar dos acordos assinados entre patrões, trabalhadores e sindicatos a situação dos imigrantes não melhorou, neta “paraíso do ouro verde” que abastece toda Europa em frutas e legumes.

Desde a sua passagem à reforma o antigo presidente da Union Syndicale Vaudoise foi cinco vezes à Andaluzia visitar os sem documentos, levando o seu apoio ao Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas (SOC). Estávamos ainda em Novembro e

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repartiria em Abril para a inauguração de novas instalações do sindicato, em Santo Isidro do lado Este das estufas que se estendem sobre dezenas de quiilómetros. Entre duas viagens, dá-nos o seu testemunho e evoca os seus projectos de entreajuda enquanto a TSR difunde esta semana2 o documentário El Ejido, a lei do lucro.

P. Depois dos distúrbios de Fevereiro de 2000 foram assinados acordos para melhorarem a situação dos trabalhadores imigrados de El Ejido. Em que situação estamos hoje?

R. Pegue na situação do ano 2000 e decalque-a sobre a de 2007! Os trabalhadores, que se estimam em 80.000 na região de Almeria, têm uma convenção colectiva de trabalho negociada desde há vários anos. Simplesmente, esta nunca foi aplicada. É a lei da selva. As autoridades pretendem que tudo vai bem, uma vez que 30.000 imigrados receberam autorizações de estada aquando da grande amnistia de 2005. Mas, a proporção de pessoas que estão clandestinas é sempre enorme, talvez 40 a 50% não têm documentos. Os patrões preferem-nos porque lhes poupam as prestações para a Previdências Social. Segundo o acordo colectivo de trabalho, o salário deveria ser de 40,8 euros por uma jornada de trabalho de 8 horas. Mas eu nunca ouvi nenhum trabalhador dizer-me que ganhava mais de 32 euros. E as horas suplementares e as férias não são pagas. Os patrões começam agora a implantar também estufas em Marrocos. Os salários aí são cinco vezes mais baixos que em El Ejido.

P. O problema é também social e ecológico

R. Os imigrados vivem frequentemente em chabolas, as pequenas casas de cartão e de plástico. A maior parte não tem nem água, nem electricidade, nem casa de banho. Outros vivem nos currais que os proprietários recusam transformar em verdadeiros alojamentos. As estufas vão crescendo diariamente. Estas ocupam já uma área de 40.000 hectares, o equivalente a 40.000 campos de futebol.

2 N.T. O referido documentário foi exibido nos dias 1 e 2 de Abril de 2007.

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As velhas instalações foram transformadas em estufas mais altas, mais eficientes, do tipo holandês, o que lhes permite uma melhor regularização da temperatura e das plantas de tomates mais altas. Este melhor arejamento beneficia também os trabalhadores, submetidos a temperaturas que ultrapassam frequente e largamente os 40 graus. As culturas de tomates, courgetes, melões e outras são feitas com muito adubo e pesticidas. As pessoas da Andaluzia dizem que não há nenhum problema com a água, mas os lençóis freáticos estão cada vez mais reduzidos. Existem já fábricas de dessalinização da água do mar, mas será necessário muitas mais.

P. Na zona, sente-se um racismo latente…

R. Outrora, as pessoas da Andaluzia eram os esquecidos de Espanha. Agora, que têm mais dinheiro, não têm necessidade de voltarem a serem pobres. Alguns fazem esforços relativamente aos trabalhadores imigrados, mas permanecem discretos com o medo de serem incomodados pelos outros. A região de Almeria é conhecida pelas suas relações muito duras para com os trabalhadores. Com o crescimento explosivo das cidades, desenvolveu-se a xenofobia. Os patrões que têm uma escolha quase que infinita de mão-de-obra não querem que os trabalhadores se fixem, se organizem melhor ou se defendam.

Com a abertura das fronteiras europeias, as pessoas dos países de Leste vieram engrossar estas fileiras. Alguns, como os romenos, foram enquadrados por máfias, que lhes encontram um apartamento e emprego, mas que se pagam pelos serviços prestados. Nalguns locais, nomeadamente em Roquetas de Mar, os negros que, em cada manhã, esperavam encontrar emprego foram destronados pelas gentes de Leste, mais numerosas e melhor organizadas.

P. Todo o mundo está ao corrente destes problemas. Então porquê este deixar andar?

R. O sindicato (SOC) tem muito poucos aderentes e pessoal. Este procura fazer com que se apliquem as convenções de trabalho, mas as discussões com os patrões

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revelam-se ser muito tensas. O problema é que lá, toda a gente tem a sua própria terra e se aproveita da situação. A maior parte deles são pequenos patrões, patrões que trabalham com os seus trabalhadores. O Estado procede também a controlos, mas têm apenas 5 inspectores para toda a região. À escala europeia, o problema acaba de ser discutido pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na base de um relatório apresentado por John Dupraz. Mas, trata-se apenas de recomendações.

P. Defende um boicote na Suíça aos produtos das estufas com origem na Andaluzia?

R. Um boicote não me incomodaria mesmo nada, mas este nunca aconteceria. Toda a Europa é compradora dos seus produtos. Os frutos e legumes são enviados até ao Canadá e até Moscovo. O que se poderia aconselhar às pessoas, é de olharem para os produtos que eles vão comprar. E de consumiram de preferência os produtos da época, mesmo que isto pareça utópico.

i.10. OS FRUTOS E LEGUmES DE ALmERIA

ATINGIDOS pELO USO DOS pESTICIDAS

FrAnçOiS mUSSEAU

libératiOn, 23 DE Abril DE 2007

ArTiGO DiSpOníVEl Em hTTp://www.libErATiOn.Fr/ACTUAliTE/

ECOnOmiE_TErrE/249305.Fr.php

“El pimiento sucio”, o pimento empestado. Basta pronunciar esta frase, para que vos olhem de lado. Nos 26.500 hectares do maior pomar da Europa é difícil de encontrar algum agricultor (entre os 16.000 existentes) que esteja disposto a mostrar as suas estufas. A razão desta paranóia colectiva tem a ver com o seguinte nome: isophenphos methyl.

Depois dos resíduos deste pesticida ilegal terem sido detectados, no final de 2005, nos pimentos exportados para a Alemanha, a inquietação aumentou na zona de Almeria. (Andaluzia) E com razão: as culturas intensivas – nas estufas -

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de frutos e de legumes são o principal motor da actividade económica da região. Ora, favorecendo este escândalo que atravessou toda a Europa, como um rastilho de pólvora, a má reputação prejudicou os invernadores (estufas) dos arredores de Almeria, a única zona de Espanha que vive sem qualquer subsídio.

Ostracismo. Em Janeiro a Inglaterra, a Finlândia e a Hungria também encontraram vestígios do isophenphos methyl nos pimentos vindos de Almeria. Com a Alemanha, apresentaram queixa junto de Bruxelas que colocou este produto tóxico na sua lista negra. No mês de Fevereiro, novo duro golpe para a agricultura intensiva de Almeria: as autoridades sanitárias holandesas detectam nos tomates vestígios de um outro pesticida proibido. “Mesmo se isto se refere a uma pequena minoria de explorações, o mal atinge todo o sector e ameaça uma região inteira” lamenta-se Juan Carlos Perez, da Coexphal, a principal associação de cooperativas de produtos hortícolas e frutíferas.

Em 2006, as 16.000 explorações de Almeria produziram 2.8 milhões de toneladas de frutos e legumes, ou seja, 1,3 mil milhões de euros. Nesta região, os efeitos dum boicote parcial fazem-se sentir. Segundo a Coexphal desde o início da crise, a produção das variedades de pimento caiu 15% e a sua comercialização 30%. A baixa fez-se sentir principalmente na Alemanha, o mercado número 1.

Os pequenos agricultores da zona (cada propriedade tem, em média, 2 hectares) vivem este ostracismo como uma calamidade. E isto tanto mais quanto as autoridades de Andaluzia reagiram com severidade: vinte e cinco sociedades exportadoras de pimentos foram suspensas e condenadas a pagarem 125 mil euros de multas; quarenta explorações agrícolas foram paralisadas e multadas. Mas, é necessário não generalizar, diz-nos Gomez Ferron, um dos raros exploradores que mostra as suas culturas. “No seu conjunto temos com que ficar orgulhosos. Em 30 anos passou-se de uma economia de subsistência para um modelo de cultura intensiva que fornece o resto do continente durante os doze meses do ano” diz-nos ele.

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Na região, toda a gente reconhece que a questão dos pesticidas, cujo custo ultrapassa largamente o dos adubos, é um autêntico quebra-cabeças. “É um caos absoluto” diz José António Aliaga, responsável da província pela agricultura. “Eu não tenho dúvidas que alguns produtores são faltosos. Mas, certos produtos fitossanitários são autorizados aqui e proibidos na Alemanha ou na Holanda. Outros há que até há pouco tempo eram lícitos e foram depois proibidos sem que nenhuma informação tenha sido dada”.

Depois de 1997, o número de pesticidas autorizados passou de 200 para …20. Paralelamente, como o confirma a Associação Espanhola de Protecção das Plantas (AEPLA), o mercado dos pesticidas ilegais, frequentemente mais barato, aumentou e está a crescer sem parar. O diktat dos distribuidores que exigem frutos lisos e sem manchas é tal que o uso dos pesticidas é estimulado, insiste Juan Carlos Perez, da Coexphal. Poder-se-ia retirar 80% dos produtos que a qualidade dos produtos hortícolas e dos frutos não seria alterada. Outra dificuldade local: as muito altas temperaturas (que atinge os 50ºC) e o clima semi-árido estão na origem de epidemias mais agudas do que em qualquer outra parte da Europa. Nas estufas da Holanda, as coisas são bem mais fáceis, sublinha José Antonio Aliaga.

Controlo biológico. A solução? Esta passa, diz-se aqui, pelo reforço do “controlo integrado”, isto pela utilização de inspecções com critérios harmonizados nas explorações hortofrutícolas.

Outra pista que eliminaria o recurso aos pesticidas: o controlo biológico (muito utilizado na Holanda). Exemplo: com a implantação dos insectos baptizados de nesidiocoris matam-se as moscas brancas, uma praga para os legumes. Da mesma maneira, os orius liquidam as temíveis thrips, capazes de reduziram uma colheita inteira a nada.

Entre Almeria e El Ejido não longe do mar, no meio de milhares de plásticos cobrindo as estufas, o agrónomo Lola Fernandez mostra as picadas superficiais das moscas brancas sobre os pimentos vermelhos. Encontramo-nos em Las Palmeras,

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um centro experimental gerido pela região da Andaluzia onde se desenha a cultura intensiva de amanhã.

Desde o Outono, Lola vê desfilar centenas de agricultores que vêm estudar as técnicas do controlo biológico que estão sob estudo de 400 técnicos recentemente formados. “A sobrevivência económica de Almeria, já ameaçada pela concorrência dos frutos e legumes de Israel, de Marrocos e da Turquia, depende disso. A médio prazo a nossa região será líder, diz, optimista, Juan Carlos Perez. Segundo a Coexphal, a superfície sob controlo biológico passará, depois de 2008, de 1.000 a 6.000 hectares. O suficiente para acalmar os consumidores do resto da Europa?

I.11. El Ejido, a lEi do lucro

CAThErinE béDAriDA

lE mOndE, 21 DE mAiO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.lEmOnDE.Fr

Em 2000, um ladrão marroquino mata uma Espanhola, em El Ejido, no Sul da Espanha. Na sequência deste crime, os Espanhóis da cidade entregam-se a três dias de motins racistas e de caça ao homem. “Eu estava no local para cobrir o acontecimento”, recorda-se o cineasta belga Jawad Rhalib, e trataram-me por “mouro de merda”. Voltou em 2006 para fazer um filme sobre a condição dos trabalhadores agrícolas marroquinos, “estes escravos que enchem os nossos pratos”, empregados na cultura de legumes e de frutos nos 17.000 hectares de estufas. Exportadas para toda a Europa, estas culturas fazem a prosperidade dos empresários de El Ejido, uma cidade em que abundam os bancos. Mas, a mão-de-obra africana, que permite esta riqueza, vive e trabalha numa situação indigna.

São pagos entre 2 e 2,50 euros da hora, enquanto o salário mínimo está fixado em 4,50 euros, e vivem em chabolas, abrigos de cartão e de plástico, que eles mesmos arranjam. Nestes bairros de lata, sem água nem electricidade, iluminam-se à luz das velas. Cheios de sede após horas de trabalho nas estufas onde a temperatura atinge os 40°C, às vezes são levados a extrair a água dos charcos. Suja de pesticidas

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e de produtos químicos utilizados pelos agricultores, esta água provoca problemas renais. A câmara municipal ignora estes bairros de lata: não há nem posto de polícia nem de recolha dos lixos. “Em Marrocos, era pobre mas vivia-se sob um verdadeiro tecto e tinha-se chuveiros”, explica um trabalhador. Vários de entre eles são titulares de diplomas universitários, mas não puderam encontrar emprego no seu país.

Interrogados, os proprietários não se comovem com estes tratamentos e têm, sem o mínimo dos embaraços, comportamentos racistas. “Fui imigrado em França, era insultado, vivia mal. Então não compreendo que se faça um tal barulho a propósito dos marroquinos aqui”, explica um deles. Leïla, uma marroquina, é a proprietária de uma empresa de cultura de tulipas. Associada a um jovem holandês de look relaxado, acha normal explorar os seus compatriotas. “Damos-lhes trabalho”, explica.

Uma mulher espanhola de El Ejido, Mercedes, é uma das raras a manifestar a sua solidariedade e a preocupar-se com os estragos ecológicos causados por esta agricultura intensiva. Mas, o protesto parece impossível: cada mês, alguns 600 novos imigrantes desembarcam de África, com ou sem papéis, condenados a sujeitarem-se tal exploração.

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pArTE ii.

EL EjIDO, O FILmE, vISTO DE EL EjIDO, A CIDADE,

vISTO DE ALmERIA, A CApITAL

ii.1. EL pAíS, EL mUNDO, LA GACETA DE ALmERIA...

tEl quEl, 17 DE mArçO DE 2008

DiSpOníVEl Em hTTp://www.TElqUEl-OnlinE.COm/284/SEmAinE_ArTS_284.ShTml

El Pais, El Mundo, La Gaceta de Almeria… A imprensa espanhola atacou solidariamente, esta semana, El Ejido, a lei do lucro, o documentário de Jawad Rhalib, com o qual obteve o prémio do melhor documentário no Fespaco 2007 em Ouagadougou. O documentário, faz o testemunho dum grupo de trabalhadores do Maghreb, sobre as suas condições de vida nas estufas agrícolas da província de Almeria, no Sul da Espanha (17.000 hectares de terras cobertas), suscitou uma violenta reacção por parte do Presidente da Câmara Municipal de El Ejido, Juan Encisco, que afirmou nas colunas do diário El País, a 24 de Julho, que o documentário faz parte “de uma campanha organizada pelos países centro - europeus para desacreditar a produção de legumes da província”. Objecto da controvérsia: uma afirmação reiterada no documentário e segundo a qual “os empresários recusam fornecer aos trabalhadores emigrados documentos de estada”. O diário madrileno além disso acrescentou que Rhalib omitiu precisar no seu documentário que “a maioria dos que quebraram os seus contratos no sector agrícola pertence à vaga do último processo de regularização de 20.000 estrangeiros”. Por seu lado, a COAG, organização agrária ligada à Câmara Municipal de El Ejido, acusou o documentarista, na Gaceta de Almeria, no mesmo dia, de “falsificar a realidade” e apelou a que se tomem medidas para proibir a sua divulgação no canal Arte em Maio de 2008. Obviamente, não há até hoje nenhuma reacção oficial pelo lado marroquino…

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ii.2. El Ejido, a lEi do lucro: AS RAzõES DO SINDICATO

DOS TRABALhADORES AGRíCOLAS (SOC)

aliCantE COnfidEnCial, 15 DE AGOSTO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://AliCAnTECOnFiDEnCiAl.blOGSpOT.COm/2007/08/

El-EjiDO-lA-lEy-DEl-bEnEFiCiO-lAS.hTml

Almeria “Desde o início da aventura capitalista e, sem dúvida, desde o preciso momento em que pela primeira vez o homem utilizou conscientemente o homem para transformar a natureza em seu proveito próprio, duas ideologias delimitam e balizam os acontecimentos que resultam da capacidade humana. Uma é a de justificação e chama-se liberalismo e a outra é a da resistência e de transformação, porque está animada de um sentimento de injustiça.

El Ejido, a lei do lucro tem sido pasto da actualidade durante estas últimas semanas em Almeria.

El Ejido, a lei do lucro mostra a realidade sócio-laboral dos imigrantes na zona de Almeria e as organizações agrárias COAG e ASAJA estão em pé de guerra. E com razão. O que está em jogo é o futuro de “um dos pilares económicos da província, base do sustento de dezenas de milhares de famílias”, a agricultura. Querem mesmo impedir a sua difusão, mas, do que é que têm medo, se pensam que o que estão a fazer, o fazem bem? Que se difunda o filme! A opinião pública tem direito a saber verdade. A Espanha é um país de direitos e de liberdades.

El Ejido, a lei do lucro não é “um ataque injustificado contra a agricultura do município”, é a crítica geral dum sistema económico desumanizado, onde só conta o lucro. El Ejido serviu de pretexto a Rhalib para mostrar a miséria dos trabalhadores imigrantes indefesos, explorados em todas as câmaras da província de Almeria.

Os porta-vozes dos agricultores poderão notar que esta crítica não é nova se consultarem o Informe Especial del Defensor del Pueblo Andaluz no Parlamento sobre

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El alojamiento y la vivienda de los trabajadores inmigrantes en el Poniente almeriense y Campo de Níjar (Fevereiro de 2001).

Se é verdade que o “filme incide no tema da imigração para lançar graves acusações” a nossa postura no Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas (SOC-SAT) situa-se na defesa dos direitos de todos os trabalhadores.

Vimos o documentário e concordamos com o realizador em que:

1. Se aqui os trabalhadores do campo são quase todos estrangeiros eles recebem muito menos do que o estipulado pelos acordos colectivos de trabalho. Temos provas porque já antes tínhamos realizado um estudo comparativo em que se demonstra que o Acordo Colectivo do campo de Almeria é o que reúne as piores condições de toda a Andaluzia e de Espanha e mesmo assim não se cumpre!

Convidamos de resto as organizações sindicais e as organizações empresariais para um debate sobre esta insustentável situação, mas não foi aceite. Preferem continuar a esconderem-se e a fugirem de um debate profundo sobre a condição do trabalhador agrícola imigrado em Almeria. A imprensa, por seu lado, também não quis publicar nada sobre este estudo, talvez para não prejudicar a imagem da província de Almeria.

2. Sim, há violação dos “ direitos fundamentais “ destes trabalhadores.

Com a COAG e ASAJAestamos de acordo quando apontam o dedo ao governo em matéria de imigração, mas mais uma vez recusamos a contratação na origem como solução. É um sistema de escravatura que prende o trabalhador ao empresário durante anos e que, afinal, pode negar a regularização do imigrante. Temos muitíssimos casos, aqui, em Almeria.

A partir do SOC reiteramos a nossa disponibilidade para um diálogo entre

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todos para procurar encontrar uma solução duradoira em Almeria. É um desafio que há que colocar desde um ponto de vista humano. Não se trata de dar esmola “a pessoas que foram sujeitas a extorsão e enganadas por máfias organizadas nos seus países de origem e que, graças à hospitalidade das gentes de Almeria, encontram em muitos casos roupa e comida para poderem sobreviver”.

Trata-se de dignificar o trabalhador, senhores da COAG. As aspirações duma pessoa a viver em condições dignas não estão só ligadas à roupa e à comida. São mais profundas.

ii.3. ALmERIA. EL AyUNTAmIENTO DE EL EjIDO ESTUDA A hIpÓTESE

DE DESENCADEAR ACçõES jURíDICAS CONTRA OS RESpONSávEIS

DO DOCUmENTáRIO BELGA

EurOPa PrEss, 17 DE jUlhO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.EUrOpAprESS.ES

El Ayuntamiento de El Ejido (Almeria) enviou ao seu gabinete jurídico a co-produção franco-belga-marroquina “El Ejido, a lei do lucro” para que estude a hipótese de desencadear alguma acção jurídica contra a equipa que realizou o documentário por “deturpar e falsear” a realidade das condições laborais e de vida dos imigrantes que trabalham no sector agrícola.

Assim o anunciou hoje à imprensa o primeiro edil, Juan Enciso que, não obstante, considera dar a menor importância a este filme e centrar os seus esforços da sua equipa na promoção dos produtos hortícolas da zona, objectivo prioritário que o levou a assinar um convénio com a Universidade de Almeria para realizarem um curso de Verão sobre esta matéria.

A sua equipa insiste, assim, em assinalar a inconveniência de não dar importância ao filme para aumentar a repercussão do mesmo, já que – explicaram – a sua distribuição se limitava aos circuitos alternativos até que se gerou a polémica e este passou a ser difundido, pelo Canal ARTE da televisão francesa e alemã.

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Na mesma linha se pronunciou, o reitor da Universidade de Almeria, Pedro Molina, que apostou no trabalho conjunto da instituição académica e do Ayuntamiento de El Ejido, para, através de iniciativas como o curso de Verão, “defender o sector agrícola das continuadas agressões de que está a ser vítima com uma clara motivação – de intenções comerciais”.

Por outro lado, fontes da subdelegação do Governo Central em Almeria indicaram à Europa Press que já foi formalizado o pedido de reunião com o seu titular, Miguel Corpas, pela organização agrária COAG, pois que, de momento, só a Administração Central conhece os pormenores do polémico documentário através do que foi publicado nos meios de comunicação.

ii.4. NOvA CAmpANhA CONTRA EL EjIDO QUE DESpRESTIGIA

O SEU mODELO DE AGRICULTURA

jOSé ESTEbAn rUiz

idEal, 17 DE jUlhO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://ww.iDEAl.ES

“É o n-ésimo ataque contra a agricultura de Almeria, neste caso centrado em El Ejido. Um documentário que, sem ser rigoroso e de uma maneira tendenciosa, denuncia situações que se produzem neste município, faltando à verdade e manipulando os factos. Tudo é feito com interesses ocultos que nos causam muito prejuízo, não só na agricultura da província, mas também ao país” denunciou Andrés Góngora, secretário provincial de COAG, face ao novo documentário, neste caso, belga, mas produzido conjuntamente com a França e com Marrocos – contando com financiamentos da Fundação Assan II, criada pelo governo de Marrocos – e em que se desprestigia, uma vez mais, a agricultura de Almeria. Este filme, El Ejido,a lei do lucro, é realizado por Jawad Rhalib e desenvolve, segundo denuncia a organização COAG, vários estereótipos que se associam ao município de El Ejido desde os incidentes do ano 2000.

O responsável máximo desta associação assegura que no conteúdo do filme

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se manipulam palavras de empresários do sector que um dia acederam a colaborar com o realizador e o que o autor deturpou com o objectivo de dar uma visão diferente da realidade.

Góngora explicou que a produção cinematográfica procura “defender os imigrantes na sua situação laboral e social numa zona em que emerge economicamente à custa deles”. Neste sentido, matizou que, não realiza nenhuma defesa deste colectivo, pois que “é um ataque contra o sistema de produção agrícola de Almeria”.

A partir desta posição, a organização acredita que há uma intenção pré-concebida, em que os meios de comunicação social se aproximam da província de Almeria “com uma ideia preconcebida da sua agricultura e sem a necessária seriedade para tratar um tema, que requer que se tenham em conta todas as fontes de informação possíveis”. O secretário provincial, considera que “nestes casos é mais fácil fixar um conjunto de chabolas e atirar a culpa do problema, que é de todos, para cima dos agricultores, sem que estes sejam responsáveis pela imigração ilegal ou pelo tráfico de seres humanos, que, infelizmente, é um fenómeno global que afecta muitos países do mundo, não só a Espanha”.

Este exclusivo tratamento centrado num determinado sector – quando o problema é generalizado - demonstra, segundo a COAG, a existência de uma campanha dirigida desde a Europa Central para desprestigiar a produção de frutas e hortaliças em Almeria, de que não destacam nenhum aspecto positivo. Góngora insiste em que “há vários grupos de pressão nesta zona do continente interessados em converter em pesadelo o que se chama ‘milagre de Almeria’”.

Por tudo isto a Coordenadora agrária pôs mãos à obra e iniciou uma denúncia pública que espere se venha a concretizar num “processo civil contra a produtora do filme”. Para isso, foi solicitada uma reunião na Sub-delegação do Governo para estudarem o assunto de modo conjunto e acordarem as possíveis medidas que se possam tomar. Igualmente, a organização ofereceu a sua colaboração ao

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Ayuntamiento de El Ejido para a hipótese de que decida assumir algum tipo de acção contra o vídeo.

Para Góngora, o Estado deve actuar contra estas campanhas. Na sua opinião, “há que sentar no banco dos réus quem está a prejudicar a província”. Neste sentido, destaca que por estes ataques, “Almeria está a perder a sua posição de privilégio no mercado, afectando a sua imagem e deitando a perder muitos anos de duro trabalho”.

© El Ejido, la Loi du Profit, 2007.

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pArTE iii.

EL EjIDO, O FILmE, vISTO DE pORTUGAL

DiSpOníVEl Em hTTp://mOlESqUinA.blOGSpOT.COm/2007/11/

DOCS-FOr-All-All-FOr-DOC.hTml

Para a devida dose de lição, «El Ejido, la Loi du Profit» supera a forma pelo seu trágico conteúdo. Jawad Rhalib é o jovem realizador belga, de origem marroquina, que nos leva até, talvez, à maior vergonha ibérica contemporânea. É o sonho dos imigrantes magrebinos que é logo desfeito no momento em que chegam a esta zona da província de Almeria. El Ejido mantém das maiores concentrações de estufas do mundo. Um mar de plástico que se estende desde o interior até mesmo à borda da água. Lugar, aqui ao nosso lado (!!), onde as condições de vida, os direitos humanos e a dignidade que nos pertence parecem ter desvanecido no ar à muito tempo, para reinar, de cabeça bem dentro da terra, ‘la loi du profit’.

Nem dá para contar os exemplos que surgem diante da câmara. São pessoas, algumas licenciadas, que nos defrontam com uma pura e simples verdade: a desgraça em que vivem. Ou como chega a ser dito pelo realizador após uma pergunta minha: «Nem é o facto de ali não haver democracia, é que ali não há mesmo nada». Será que não nos compete fazer alguma coisa? Compreendo perfeitamente o problema e o debate que esta questão pode levar a merda foi ali feita, da mais alta corrupção aos mais pequenos ‘fechar de olhos’, e muita coisa é realmente oferecida a estes imigrantes completamente ilegais, bem como um outro ‘fechar de olhos’ que tanto os ajuda. Prefiro não criticar a questão da imigração, pois esse debate levaria a mil posts e argumentos variados. Sendo objectivo perante a realidade de hoje, é preciso que se trabalhe aqueles campos, é preciso alimentar a Europa, é preciso que aquela zona produza o que produz. Mas será que não se pode respeitar quem ali trabalha?

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Não se pode dar-lhes o mínimo!? - já nem digo o que merecem. Que eles entraram ilegalmente na Europa todos sabemos. Que temos de arranjar soluções para esses problemas maiores, tudo bem. Mas a questão de El Ejido já dura à demasiados anos, pois as condições em que vivem aqueles que lá trabalham nunca melhoraram. Até a Mercedes, funcionária de uma pequena instituição de solidariedade que havia em El Ejido, que lutava diariamente pela melhoria da vida de todos os imigrantes que ali residem ao mesmo tempo que acompanhava os poucos jornalistas que ali vinham reportar aquela desgraça. Até ela foi obrigada a deslocar-se dali para um outro sítio a mais de 3 horas de distância, com o óbvio propósito de manter aquela situação ainda mais escondida e não-discutida do que já estava. Uma vergonha tremenda e assustadora, mesmo aqui ao nosso lado. Não é meu propósito berrar contra políticos que não se vão mexer muito cedo, mas sim tentar dar melhores condições de vida àqueles que ali chegam e vivem. Estarei no activo para lutar contra esta questão.

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pArTE iV.

A EUROpA, A ESpANhA, EL EjIDO NA ENCRUzILhADA DAS mIGRAçõES

iV.1. A ESCRAvATURA AO SUL DA EUROpA

iV.1.1. A vIDA Em EL EjIDO

RELATÓRIO SOBRE A SITUAçãO ACTUAL DE EL EjIDO E NA pROvíNCIA

DE ANDALUzIA NA SEQUêNCIA DA vISITA DUmA mISSãO INTERNACIONAL

COORDENADA pELO FÓRUm CívICO EUROpEU

fórum CíviCO EurOPEu

limAnS, FrAnçA, 12 DE jAnEirO DE 2004

DiSpOníVEl Em hTTp://www.CiViC-FOrUm.OrG/inDEx.php?lAnG=Fr&SiTE

=miGrATiOn&ArTiClE=476

Contexto

Em Abril de 2000, o Fórum Cívico Europeu (FCE) enviou uma comissão de inquérito a El Ejido para tentar compreender as causas, o desenvolvimento e as consequências dos motins racistas que se desenrolaram a 5, 6 e de 7 de Fevereiro contra os trabalhadores marroquinos que trabalham nas estufas na província de Almeria.

Desde Agosto de 2003, o FCE recebeu informações alarmantes sobre a situação em El Ejido, nomeadamente em relação a uma série de agressões contra trabalhadores marroquinos. É por esta razão que o FCE propôs que Gabriel M’Binki, um dos dois delegados do SOC, em Almeria, fosse convidado para intervir aquando do seminário sobre “Assalariadas agrícolas e migração: Sair da escravatura” que teve lugar a 13 de Novembro no Fórum Social Europeu em St.-Denis.

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Foi depois destas discussões em Paris que o FCE e a Confederação Campesina decidiram enviar uma nova missão à região de Almeria de 13 a 16 de Dezembro. Este momento era particularmente propício, porque estas datas coincidiam com uma conferência que o SOC tinha decidido organizar em El Ejido sobre a imigração no sector agrícola.

As principais observações da missão

A região na província de Almeria onde se encontram, quase como se dum só dono se tratasse, mais de 35.000 hectares de estufas chama-se o Poniente. Trata-se, parece, da maior concentração de produção de frutos e de legumes em estufa no mundo, este mar de plástico mesmo visível da lua! Durante a estação alta, mais de 1000 camiões deixam a região diariamente.

A duração da visita era demasiado curta para permitir um inquérito exaustivo sobre todos os aspectos desta problemática. Contudo, pudemos constatar que não houve nenhuma melhoria da situação, quase quatro anos depois dos motins racistas de Fevereiro de 2000. Quase nada não foi feito para concretizar os onze pontos do acordo assinado a 12 de Fevereiro de 2000 entre os trabalhadores imigrados, as associações de empresários e os sindicatos. Isto era particularmente evidente nos domínios do alojamento, no incumprimento das convenções colectivas e no estado das relações entre certas autoridades sobretudo municipais e as comunidades imigradas.

O Poniente apresenta um dos exemplos mais espectaculares que Nicolas Duntze da Confederação Campesina chamou “um universo concentracionário”. Um universo no qual se leva ao extremo a lógica da industrialização de uma agricultura fora de solo: submissão total à grande distribuição, destruição do meio ambiente devida à utilização maciça de produtos químicos, utilização de enormes quantidades de água numa zona árida, não cumprimento dos direitos do homem, dos direitos sociais e de trabalho da mão-de-obra sobre a qual assenta este “milagre económico”, racismo como elemento estruturante do sistema...

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Toda a economia local depende deste modelo de produção e muito poucas pessoas na região o colocam em questão ou denunciam os seus abusos. Pode-se constatar uma extensão da zona das estufas, às vezes em lugares escavados na montanha com enormes máquinas.

O governo central tem igualmente uma grande responsabilidade, sobretudo no que diz respeito à sua política de imigração. Apesar da evidência que numerosos sectores da economia espanhola dependem fortemente da mão-de-obra imigrada sem papéis, Madrid não dá praticamente nenhuma possibilidade de regularização.

A composição da mão-de-obra

Se há alguma mudança desde 2000, é na composição da mão-de-obra. Durante estes três últimos anos o fenómeno da chegada de novos migrantes que vêm da Europa do Leste, já visível em 2000, acentuou-se fortemente. De acordo com o SOC, autocarros inteiros chegam regularmente dos países bálticos e doutros países do Leste.

É muito difícil estimar o número exacto, porque uma forte proporção não tem papéis. O SOC pensa que a mão-de-obra se reparte meio por meio entre as pessoas do Leste e a América Latina, por um lado, e os trabalhadores marroquinos e da África negra, por outro lado. Parece evidente que há uma vontade por parte dos empregadores de substituir este segundo grupo de trabalhadores pelo primeiro porque estes mostraram a sua capacidade de mobilização aquando da greve de Fevereiro de 2000 e aquando da campanha para a regularização dos sem papéis em 2001.

A situação social é muito tensa, porque há sempre uma forte população magrebina e africana na zona que tenta frequentemente, mas em vão, encontrar trabalho, mesmo por algumas horas. Os pateras continuam a chegar às praias andaluzas, e a província de Almeria representa para muitos novos recém-chegados o lugar onde tentam encontrar um primeiro trabalho que lhes permitirá voltar a procurar, depois, noutro lugar em Espanha ou na Europa.

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Convenção colectiva e exploração salarial

“Os signatários abaixo puseram-se de acordo para que as associações de empresários e os sindicatos se comprometam a participar na aplicação da convenção colectiva da campanha em vigor, sensibilizando os seus associados e membros de modo a que seja respeitada e intervir sempre que haja queixas por incumprimento destas, denunciando os infractores à justiça se necessário” (Acordo, 2.a parte, Ponto 1)

“Será formada uma comissões de ligação para o acompanhamento da aplicação da convenção colectiva da campanha entre os representantes dos imigrantes e as organizações sindicais signatárias do presente acordo” (Ponto 2, 2.a parte)

De acordo com a convenção colectiva em vigor até 31 de Dezembro de 2003, o salário devia ser de 4,51 eurospor hora ou 36,08 euros por dia. Em todos os nossos encontros com imigrantes na região, não encontramos nenhum que seja pago a esta salários. Isto é tanto verdade para os que têm papéis como para os que os não têm. O salário mais elevado mencionado era de cerca de 3,50 euros por hora, enquanto o mais baixo era de 20 euros por dia no qual às vezes se trabalha até dez horas. A grande maioria dos trabalhadores trabalha sem contrato, mesmo os que têm uma licença de estada.

A diferença entre os imigrantes com ou sem papéis encontra-se sobretudo no nível de pressão que pode exercer o proprietário. Parece que os proprietários perguntam sistematicamente se os marroquinos e africanos negros têm papéis - o que acontece menos com os migrantes de Leste ou da América Latina. Uma das razões é que a polícia controla sistematicamente os migrantes magrebinos e africanos, mas muito raramente os outros. As condições de trabalho são tão más que a maior parte dos imigrantes que conseguem fazer-se regularizar deixam a região para procurar trabalho noutro lugar.

Se os africanos sem papéis querem trabalhar, devem aceitar as condições ainda piores que os outros e trabalhar mais longas horas. É por isso que numerosos

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agricultores preferem os sem papéis. É este colocar em concorrência das diferentes comunidades imigradas que permite aos empregadores reduzirem ainda mais os salários. De acordo com o SOC, hoje os trabalhadores que vêm dos países de Leste estão prontos a trabalhar por menos dinheiro que os marroquinos sem papéis recebiam há três anos.

De acordo com Gabriel M’Binki do SOC, há apenas seis inspectores do trabalho na região para “controlar” 200.000 empresas (agrícolas ou não).

O alojamento

“Realojar urgentemente todos os imigrantes cujos alojamentos foram danificados e que actualmente se encontram pobres” (Ponto 1 da 1a parte do Acordo)”.

“Pôr em marcha programas de alojamentos sociais para imigrantes e para espanhóis pobres, de modo que todos os grupos sociais beneficiassem e assim se evitem os guetos. Construção de lares para imigrantes sazonais únicos ou solteiros que se encontram na zona durante as campanhas de colheita “(1a parte, Ponto 5).

Uma das coisas que mais nos espantou é que pode-se andar horas e horas de automóvel nas estradas que contornam as estufas, sem se estar a ver lugares onde habitam as dezenas de milhares de trabalhadores que fazem andar este “milagre económico”. Foi apenas quando Gabriel e Abdelkader do SOC nos conduziram por caminhos entre as estufas ou por terrenos vagos que começámos a compreender. Descobrimos um mundo paralelo, de miséria pavorosa, os lugares que nunca pode merecer a denominação de alojamento.

Os migrantes magrebinos e africanos negros mais afortunados habitam em cortijo, vários deles por cortijo, antigas construções ou currais agrícolas de pedra abandonadas pelas famílias de agricultores no seguimento da forte expansão económica tornada possível pela instalação das estufas. Outros, verdadeiramente na

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parte inferior da escala, tentam proteger-se em chabolas, pequenas construções de cartão e de plástico. Numerosos trabalhadores devem dormir em armazéns onde são armazenados os adubos e os pesticidas.

Fizemos uma visita a três sítios onde vivem magrebinos. Nos dois primeiros lugares havia apenas uma pequena “aldeia” de chabolas perto de depósitos selvagens de desperdícios ou charcos de água fortemente poluída, sem dúvida, por produtos químicos utilizados nas estufas. No terceiro lugar, várias chabolas tinham sido erigidas ao lado de um cortijo, onde vivia a única mulher que encontrámos. Esta construção era alugada aos migrantes pelo proprietário que pôs à disposição só uma torneira de água que nem sempre funciona. Às vezes os habitantes são obrigados a usar a água dum charco ao lado de uma estufa. Esta água não é limpa e provavelmente é mesmo fortemente poluída.

Os habitantes de todos estes lugares contaram-nos a mesma história: que são quase todos eles sem papéis, que chegam a encontrar trabalho apenas durante alguns dias por mês – aquando as colheitas são particularmente grandes ou para trabalhos muito duros – e que sobrevivem graças a um forte espírito de solidariedade e de partilha.

A mesma coisa é verdadeira para os migrantes originários de vários países da África ocidental (Guiné, Mali, Mauritânia, Senegal...) que encontramos noutro lugar. Eles são 188 a viverem em chabolas que estavam instaladas dentro de uma estufa abandonada e metade destruída. Explicaram-nos que estão todos eles sem papéis e que todos sabem que estão lá, mas que são tolerados na condição de continuarem a ser invisíveis aos olhos dos autóctones. Saem muito cedo de manhã para procurar trabalho e voltam imediatamente após o trabalho para a “casa deles”. Se vão à cidade durante o dia, correm o risco de ser apanhados pela polícia e eventualmente expulsos ou então de sofrer intimidações ou agressões.

Isto explica o facto de as chabolas e cortijo estarem mais afastados das cidades do que há três anos. No ano posterior aos motins, certos municípios, sobretudo El Ejido, destruíram um grande número de alojamentos considerados demasiado próximos das zonas urbanas.

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Todos os migrantes encontrados precisaram-nos que não tinham nenhum lugar colectivo, um bar ou local de encontro onde possam ir descansar. Alguns tinham um elevado nível de estudos, como, por exemplo, um marroquino de cerca de trinta anos que tem um doutoramento em direito e fala quatro línguas perfeitamente, mas que vive numa chabola num terreno vago perto de El Ejido. É difícil de calcular o número de pessoas que vivem nestas condições. Os representantes do SOC pensam que pelo menos 4000 migrantes habitam na pior forma de alojamento, as chabolas.

No que diz respeito aos cortijos, de acordo com Juan Carlos Checa do Laboratório de Antropologia Social da Universidade de Almeria, o aluguer deste tipo de alojamento aos migrantes tornou-se uma fonte muito importante de rendimentos para as famílias proprietárias. “Com o alojamento o ganho é total, porque o proprietário investe quase nada na sua construção. O equipamento da casa, se existe, deve ser comprado pelos imigrantes. Os imigrantes ocupam os alojamentos que nós, os espanhóis, não queremos alugar.” Os migrantes têm, eles, poucas escolhas. São quase sempre totalmente excluídos dos apartamentos nas concentrações urbanas.

Os migrantes pagam 3 euros por dia para tais alojamentos. No Poniente os cortijos são ocupados por 2,8 pessoas em média, o que faz 252 euros por mês por alojamento. A proporção é mais elevada em El Ejido onde se contam alojamentos de 13m2 com oito habitantes.

Juan Carlos Checa também nos informou que um grande número de apartamentos vazios na região poderia ser posto à disposição dos trabalhadores migrantes pelos municípios. Haveria cerca de 6000 apartamentos desocupados em Roquetas del Mar e cerca de 3500 em El Ejido. Isto é mais uma prova da falta de vontade por parte das autoridades locais.

Relações entre as autoridades locais e as comunidades imigradas

“Insistir junto das câmaras municipais da região de modo a que sejam instalados gabinetes de assistência aos imigrantes “ (Acordo, 2.a parte, Ponto 4)

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“Promover e desenvolver programas interculturais para ajudar à sensibilização social e à integração dos imigrantes na sociedade em cooperação com as administrações em causa.” (Ponto 5, 2.a parte).

“Criar uma comissão permanente formada pelos signatários do presente acordo para garantir a aplicação, e reforçar o clima de diálogo e de negociação iniciado.” (Ponto 6, 2.a parte).”

A política de certos municípios na zona aparenta-se ao regime de apartheid. Quer-se aceitar os trabalhadores migrantes nas estufas, mas não nos centros das cidades. Todos concordam em dizer que o município de El Ejido é mais intransigente e mais racista neste domínio. Noutros, como em Roquetas del Mar, é mais difícil para um imigrante obter a autorização para a abertura de um bar ou de um pequeno locutorio (posto telefónico).

A atitude da câmara municipal de El Ejido é efectivamente revelada pelo facto de ter recusado atribuir uma sala para a conferência sobre a imigração organizada pelo SOC a 13 e a 14 de Dezembro. Apesar do facto deste encontro internacional ser a primeira tentativa em abordar este assunto em El Ejido, o SOC teve que recorrer a um marroquino que tem um locutorio.

Para imaginar o ambiente na cidade basta saber que automóveis de polícia circularam sistematicamente em frente de um café onde comemos, e que os gerentes do locutório e do café sofreram pressões e agressões após a conferência e a nossa partida.

Nenhum esforço foi efectuado desde 2000 pelas autoridades locais para desenvolver os programas interculturais previstos pelo Acordo.

Agressões contra migrantes marroquinos em El Ejido

Sempre existiram agressões contra os imigrantes na zona, sobretudo contra os que vêm do Magrebe. O ponto culminante foi certamente o dos motins de Fevereiro

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de 2000. Depois de Agosto de 2003 houve uma nova série de ataques físicos, dos quais uma parte foi exposta pelo SOC e pela Associação das Mulheres Progressistas de El Ejido que as denunciaram às autoridades e à imprensa em Novembro. Antes desta denúncia pública, a polícia não tinha reagido, apesar do facto de que tinha conhecimento de certos casos de agressões.

Trata-se de uma quinzena de migrantes que foram vítimas de agressões brutais, todos em El Ejido, por parte de homens que circulam pela noite em automóveis armados com tacos de basebol ou barras de ferro. Todas as vítimas tiveram que ser hospitalizadas. Entre elas, Hassan Ajaji corre o risco de perder a vista duma pancada com um taco de basebol em plena cara. Driss Zaik tem o maxilar partido e El Mahdi Belkacem tem um braço partido. Durante os vários dias que durou a nossa visita, houve mais três novas agressões, das quais uma à facada. De acordo com o SOC, o número verdadeiro de agressões seria de pelo menos quarenta. Com efeito, frequentemente os imigrantes não denunciam as agressões, porque não têm papéis e temem ser expulsos.

O Secretário Geral do SOC, Diego Cañamero, rejeita a versão da polícia que defende que os agressores eram jovens vadios. Segundo ele, a maneira de operar e o facto de em certos casos os agressores levaram capuzes mostram que agiram com premeditação e estão bem organizados.

Inicialmente, o Subdelegado do governo, Francisco Laínez, negou que haja uma vaga de racismo em El Ejido e anunciou que procedimentos de expulsão iam ser lançados contra as vítimas das agressões porque estão todos (excepto um) no país de maneira irregular. Estas declarações foram acolhidas com espanto por muitas organizações e Laínez teve que as rectificar depois, dizendo que deviam permanecer no país durante a duração dos procedimentos judiciais.

O Defensor do Povo andaluz José Chamizo, anunciou a abertura de um inquérito relativo a acusações levadas pelo SOC no seguimento das actuações da polícia (agressões num comissariado contra dois imigrantes que foram expulsos

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seguidamente de maneira ilegal, recusas em registar as queixas apresentadas por imigrantes em El Ejido). Chamizo insistiu no facto de os imigrantes irregulares gozarem do direito de apresentar queixa. Sublinhou igualmente a urgência de os proteger melhor na província de Almeria. Por outro lado, Chamizo incentivou os migrantes atacados a pedir a regularização do seu estatuto na Espanha, com o motivo de terem colaborado com a justiça.

O “Conselheiro do Interior” andaluz, Alfonso Perales, lançou um apelo para que “parassem de criminalizar os imigrantes colectivamente porque isto incentiva as atitudes xenófobas”. Pelo contrário, seria necessário reconhecer a importante contribuição trazida por estas imigrantes ao desenvolvimento da Andaluzia.

Três jovens espanhóis foram mandados parar pela polícia, acusados de terem cometido pelo menos uma parte das agressões. Desde estas detenções, ocorreram vários novos ataques.

Durante a nossa visita, dois membros da delegação acompanharam Abdelkader Shasha e a vítima da agressão à facada à polícia para apresentar uma queixa. A presença de cidadãos espanhóis e franceses incentivou visivelmente a polícia a tomar seriamente a queixa e a adoptar uma atitude cortês, o que não costuma ser o caso. Seria necessário velar por que este tipo de acompanhamento se tornasse a norma.

Surpreendemo-nos ao saber que o funcionário de polícia tinha aconselhado o marroquino que evite andar sozinho, que ande antes em grupo – o que significa admitir que há o risco permanente de ataques racistas, facto negado por outros responsáveis da polícia. É necessário acrescentar que, no mesmo dia, aquando das nossas visitas aos marroquinos nas chabolas, explicaram-nos que quando vários marroquinos andam na cidade, são muito frequentemente incomodados pela polícia...

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Acidentes de trabalho e doenças causadas pela utilização de produtos químicos

Aquando da conferência do SOC, Abdelkader Shasha apresentou-nos o caso particularmente terrível de um migrante gravemente deficiente, ao que parece após tratamentos que lhe mandaram efectuar numa estufa com a utilização de produtos químicos. Foi atingido de indisposição e caiu em coma situação esta que durou cerca de duas semanas. Agora já não pode andar e tem que ser sempre ajudado pelo seu irmão vindo especialmente há oito meses de Marrocos. Está nesta situação desde há oito meses. Vive, como os outros migrantes, em condições desumanas e só agora é que o SOC teve conhecimento do seu caso.

Aquando da conferência de imprensa e do nosso encontro com o Subdelegado, Diego Cañamero insistiu no facto de ser urgente lançar, em grande escala, um inquérito exaustivo sobre este caso e sobre o abuso de produtos químicos nas estufas. De acordo com os marroquinos que encontramos, há regularmente casos de migrantes que sofrem de indisposição ou pior que devem ser conduzidos ao hospital em Almeria. É habitual pedir-se aos trabalhadores que façam tratamentos químicos sem quase nenhuma protecção. Por outro lado, também ouvimos falar de pelo menos dois casos onde migrantes morreram afogados em charcos de água utilizadas para a irrigação nas estufas. Parece que os empregadores pediram aos migrantes que manipulassem produtos tóxicos, que estes desmaiaram-se e caíram no charco.

Conclusões

Neste ambiente de violência e de exploração devemos temer que as tensões continuem a aumentar e que se chegue a acontecimentos tão graves como os de Fevereiro de 2000. É por esta razão que é importante que as organizações sindicais, de defesa dos direitos do homem e os jornalistas de diferentes países europeus visitem a zona, se informem sobre a realidade e se mostre que a situação é seguida através da Europa. Este tipo de presença europeia presta um real apoio

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às organizações como o SOC e a Associação das Mulheres Progressistas todos eles sujeitos constantemente a pressões e ameaças.

É essencial continuar a sensibilizar a opinião pública europeia sobre as condições nas quais são produzidos os legumes que preenchem as prateleiras dos supermercados em todo o continente. É urgente prestar um apoio consequente ao SOC a fim de lhe permitir abrir novos escritórios no Poniente.

iV.1.2. Em ESpANhA, Um ApARThEID DEBAIxO DOS pLáSTICOS

ATAQUES A ImIGRANTES Em EL EjIDO: Em ESpANhA,

Um ApARThEID SOB pLáSTICO

ViCTOr AnGEl llUCh

lE mOndE diPlOmatiquE, mArçO DE 2000

DiSpOníVEl Em hTTp://www.mOnDE-DiplOmATiqUE.Fr/2000/03/llUCh/13412

O desenvolvimento espectacular das culturas sob estufa, na Andaluzia, assenta na sobre-exploração de uma comunidade imigrada, essencialmente marroquina, à qual não é sequer permitida a simples reivindicação dos seus direitos sociais. Relegada para fora das cidades, desprezada exactamente pelas suas próprias condições de existência indignas a que a sujeitam, esta população é temida igualmente devido aos comportamentos marginais provocados, numa minoria dos seus membros, pela sua situação marginalizada. Muito mais do que o assassinato de uma Espanhola jovem por um marroquino desequilibrado, este contexto explica a vaga de violência racista que se abateu sobre El Ejido de 5 a 7 de Fevereiro passado.

“Tudo isto, é uma armadilha... O meu irmão está em Marrocos e queria vir. Disse-lhe: não venhas, isto aqui é horroroso.” Em contra-luz, a armadilha de que fala Ahmed Zenoun assemelha-se ao mar, um mar geométrico, cruzado, mate e parcelado, recortado por bandas. Um mar que prolongaria o horizonte marinho e alcançaria, como se de só uma vaga se tratasse, a montanha, mantendo-se em seguida, os tons de azul e branco, sobre os flancos. De tempos em tempos, uma árvore fura, uma figueira da crueldade. Algumas raras zonas continuam a estar ainda

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vazias, divididas por quarteirões, mas vazias e cobertas de moitas rasteiras às quais se penduram, aos milhares as extremidades de plástico esgarçadas. São as estufas de El Ejido, 17.000 hectares de terra coberta de plástico azul e branco.

Por cima dos muros de plástico movediços, um céu sem horizonte. E o silêncio. Distante, o mais distante possível da estrada alcatroada, a roupa pendurada nas cordas. Os trabalhadores imigrados vivem aí, dispersos, afastados uns dos outros, relegados para o centro do labirinto das estufas ou rejeitados para os flancos da montanha. São párias que se querem mudos, invisíveis e sem direitos. Vivem entre os muros de uma velha alvenaria com o tecto desmoronado e tapado por uma coberta de plástico. Ou nas carcaças destes dois “combi” postos de costas com costas sobre eixos. Ou em armazéns, ao lado dos pesticidas e dos adubos.

Aqui, duas paletes postas uma contra a outra e protegidas por uma coberta de plástico. Ao meio, um buraco: a fossa do momento. Noutro lugar, entre armazém e tanque de água de irrigação que serve também para a cozinha e o lavabo, guarita de betão, estreito, sem janela. Dentro, lavabo, espelho e “local de descanso”. Muros e chão, sem nada, nus. Olhamos para dentro das estufas: culturas fora do solo. Pimentos, tomates, pepinos, beringelas, melancias e flores de acordo com as estações. Sob as cobertas, formas remotas: os trabalhadores no trabalho.

Não há luz, não há água

Cortijo de trabalhadores imigrados. O termo oculta tal memória evocadora de olivais, de rebanhos, de extensões calmas abertas ao sol, que nos surpreendemos quando os trabalhadores imigrados empregam esta palavra para falar dos casebres em que habitam. “Antes de vir, eu sabia o que se passava aqui. Mas não querias acreditar, irrita-se Hazroud. Habita-se assim, cinco pessoas. O tecto, é de plástico. Não há luz, não há água, não há chuveiro. Nada. Não há casa de banho... Todos sabem como se vive aqui. Mas, as pessoas aqui não querem alugar-nos uma casa porque não gostam dos marroquinos. Ainda que se pague, não querem.”

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Seguidamente o olhar vira-se para baixo, olha para os colchões de espuma, para o fogão, para as paredes cheias de fendas. A suportar condições de vida indignas, ao as revelar para nos dar o seu testemunho e a prova, expõe-se assim à vergonha de si-mesmo… Revelar a verdade leva a infligir-se uma ferida suplementar. “Quando alguém encontra trabalho, o patrão diz-lhe: ‘tu vais dormir aqui.’ E como o outro não pode encontrar alojamento, a exploração começa. “Pago-te apenas 3500 pesetas, dado que te dou onde dormir.” Aqui, é assim desde há mais de vinte anos, desde que a agricultura começou a desenvolver-se. Estas pessoas não souberam assumir a riqueza que lhes veio à mão. Fizeram um ensaio de estufas que andou bem, mas não receberam uma cultura para saber como se trata com as pessoas. Há uma super-riqueza, os produtos Almeria vão agora para toda a parte no mundo. Mas, a situação do imigrante essa vai cada vez pior.”

Impossível não pensarem no que lhes falta, nas relações humanas, nas mulheres, na família. De tempos a tempos, chama-se a família, sorri Hazroud. Não se pode dizer muita coisa... Começa-se a falar do que nos falta, mas não se diz a verdade. Para não ferir a família. Por vezes, diz-se “isto começa a melhorar”, apesar de não melhorar de forma alguma.

Um estudo efectuado pela Acoje (Associação de Ajuda aos Trabalhadores Imigrados) de Almeria assinalava em Junho de 1999: “dos 260 alojamentos, nos quais vivem 1.150 pessoas, apenas 33% podem ser considerados como respeitando as normas, 42% são simples lojas agrícolas, 15% das casas estão semi-destruídas, não são habitáveis e 10% são cortijos em ruína. A maioria não tem água corrente; 60% dos alojamentos estão situados em zonas de disseminação, à margem dos núcleos de povoamento das cidades.” O relatório concluía com um aviso premonitório: “Isto significa que há poucas possibilidades, para não dizer nenhuma, para os imigrantes avançarem na integração na sociedade de Almeria…Uma boa parte da população vê os imigrantes como marginais “porque vivem em casas que não queremos para nós”. Se não desejamos que se produzam aqui as confrontações que a imigração gerou noutros países, é ainda tempo de os evitar. Mas, não estamos a tomar este caminho”.

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“Relegados para longe das cidades, a isto acrescenta-se, muito classicamente, a discriminação racial nos lugares públicos. Os trabalhadores magrebinos são indesejáveis nos bares e nos cafés. A recusa em os servir é sistemática. Brahim: “Querem-nos nas suas estufas e nas nossas casas. Não nos querem ver nos cafés, nem nas ruas, nem nada. Só nos querem, exactamente, ver a trabalhar. “

O trabalho, é em primeiro lugar, a contratação, de manhã entre 6 e as 8 horas, na praça de El Ejido ou na parte superior de uma das suas avenidas. Os trabalhadores agrícolas esperam, em grupos sobre os passeios e sobre a linha da calçada, sobre o lancil. Automóveis de empresários que chegam, pick-ups, Land-Rovers, automóveis de turismo. Febres rápidas quando uma delas estaciona. Os trabalhadores convergem em grupo: porta-vozes, negociações, às vezes, emprego. Rivalidades sem ódios entre os trabalhadores. Alguns problemas de precedência – um diz que estava lá antes do outro, ou um diz ao outro que sobe com ele no furgão que é ele que foi escolhido e não o outro... Tensões, não discordâncias. Os automóveis voltam a partir, com dois, três, às vezes quatro trabalhadores. “O patrão vem, escolhe, leva uma pessoa e, se gosta, retoma-a no dia a seguir....” Emprega-o nesse dia. Paga-lhe no fim. Se é bom, se retoma no dia seguinte, paga-lhe no final do dia seguinte. Fixa-lhe um outro lugar e vem procurá-lo... Se não o leva, retorna ao alojamento, a dormir todo o dia... Sem trabalho.”

O problema, concorda Larbi, é quando o trabalho falta. O proprietário está lá e trabalho todos o querem. Então propõe o preço que quer. Às vezes, diz que tem necessidade de dez pessoas, aí está, é 4.000 pesetas e. não há negociação. “O recrutamento de trabalhadores clandestinos tem lugar à luz do dia.” Nenhum controlo de polícia. “A polícia?” Não querem saber de nós... Sabem que estás aqui, eles não nos falam, não há problema. Não há inspecção de polícia. Vê-te na rua, não há problema.”

Em contrapartida, a submissão ao empregador, a aceitação silenciosa e total da exploração económica são imperativos se se quer obter uma regularização. Esta passa por um pré-contrato, estabelecido pelo empregador ele próprio, e um regresso

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ao país a fim de obter um visto de entrada e o número de contratos atribuídos cada ano é estipulado no âmbito de uma política de “contingentes.” “É a cólera e é o desespero...” Há um empresário que diz que tem necessidade de si, você trabalha, ele diz que vai fazer-lhe os papéis. E quando chega a altura, começa a dizer que tem problemas, que não tem tempo e deixa tudo para o ano seguinte... É uma tortura, durante dois anos, três anos... Sabe que vais opor-te a todo o trabalho que lhe vai dar, para o explorar a fundo. Sabe efectivamente que se um dia tens os papéis, vais mudar de trabalho, que vais procurar trabalho noutro lugar. Sem papéis, continuas sempre o mesmo. Dependes destes papéis...

Em tais condições de exploração, a regularização tanto esperada, à qual se sacrificou tanto, produz um efeito perverso. O fruto revela-se estar envenenado: “Quando tens os papéis, o empresário não te quer mais.” Vai ser necessário que pague a segurança social. Vai ter que remunerá-lo a 4.700 pesetas em vez das 4.000. Para ele, é dinheiro perdido.” Tudo se desmorona de novo. Certos imigrantes regularizados são obrigados aceitar as condições de trabalho e de salário dos clandestinos sob pena de conhecerem o desemprego e de perderem os direitos adquiridos. Tudo estava instalado, por conseguinte, para a explosão racista, e foi suficiente uma faísca a 5 de Fevereiro passado para incendiar uma população local assente na ignorância, no ódio e no medo, alimentada de fantasmas e de discursos xenófobos servidos em concordância por uma parte dos meios de comunicação social, das organizações políticas e dos poderes públicos que actuam a partir da seguinte equação: magrebinos = perigo.

O assassinato de uma espanhola e a detenção dum jovem marroquino desequilibrado deitaram o fogo às emoções. Durante três dias, de 5 a 7 de Fevereiro, a violência racista encheu a cidade, tendo como alvo os imigrantes. Durante setenta e duas horas, hordas de agricultores armados de barras de ferro e às quais se juntavam os adolescentes dos colégios bateram, perseguiram-nos nas ruas e espancaram-nos até suas casas, nas estufas. As estradas foram cortadas, foram barricadas, e muitas destas arderam. No espaço concentracionário em que se tornou El Ejido, as lojas dos residentes marroquinos foram devastadas, os seus

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alojamentos destruídos e queimados, a mesquita foi assaltada, os textos sagrados profanados. Alguns fugiram para as encostas da montanha para salvar a sua vida. Outros esconderam-se nas estufas ou tentavam proteger os seus alojamentos e impedir que a fúria chegasse até a eles.

A sala da Associação de Ajuda aos Trabalhadores Imigrados, Acoje, foi inteiramente devastada pelos agricultores que acusavam os seus membros de “ensinar os seus direitos aos imigrantes de modo que estes pudessem reinvindicá-los”. De acordo com Juan Miralles, “isto foram três dias de demência e ninguém podia saber até onde iria. No entanto, teria sido fácil evitar esta situação intervindo desde o início. Os poderes públicos tudo deixaram fazer. O município alimentou directamente a pressão dos agricultores. Ninguém travou a loucura que se desenvolvia. Pelo contrário, deixou-se que esta durasse até os diferendos entre as comunidades se tornarem inconciliáveis.” E acrescenta: “Continuo a estar admirado pelo sangue frio da comunidade do Magreb. Se tivessem replicado à medida do lhes foi feito, não sei o que se teria passado... Muitos fugiram para a cidade, alguns para o interior, outros partiram para Marrocos. São infelizmente os que estavam mais integrados que fugiram, ou seja as famílias.”

Enquanto esta perseguição brutal se desenrolava – mais de quarenta feridos, o comércio local posto a saque, os veículos e as habitações queimados –, a atenção dos meios de comunicação social e dos governos da União Europeia concentrava-se na chegada ao poder, na Áustria, de uma coligação conservadora-extrema direita. Não que o acontecimento seja negligenciável e que não seja necessário preocuparmo-nos. Mas a boa consciência anti-racista exprimia-se aí com poucas despesas.

No entanto, no mesmo momento, este racismo que os governos europeus pretendiam combater na Áustria explodia na Espanha, concreto, criminoso, condenável imediatamente e sem rodeios. Preocupar-se com um não devia impedir de denunciar o outro. Só que, este último, invadia a Espanha, sob um governo que se diz também ligado como os outros catorze a estes “valores comuns europeus” rapidamente mostrados e publicitados em voz tão alta e tão forte.

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Teria sido necessário atacar directamente a economia subterrânea, denunciar a política migratória do poder espanhol. Nenhum governo da União Europeia protestou.

Extremamente apoiado numa petição assinada por 8.500 habitantes de El Ejido, Juan Enciso, o Presidente da Câmara Municipal (direita) de EL Ejido, recusou à Cruz Vermelha a instalação de acampamentos provisórios destinados a alojar os trabalhadores imigrados que perderam o seu alojamento e que dormem sob o plástico das estufas. Desde o fim dos acontecimentos, os empresários de Almeria recorreram a trabalhadores imigrados romenos e lituanos. “Com os marroquinos, dizem, acabou-se. Estes dão demasiados problemas.”

A esta posição responde Juan Miralles: “Uma vez mais, crê-se que são os imigrantes que criam o problema.” As pessoas dizem: se eliminamos os marroquinos, elimina-se o problema, enquanto este é de ordem social, humana, administrativa; é uma questão de alojamentos, de direitos, de documentos, etc. Agora, vai haver conflitos, rivalidades muito fortes nos locais de trabalho. Mas, o que é mais grave, é que os habitantes de El Ejido pensam ter feito uma boa coisa, uma boa limpeza. E, assim, amanhã se o problema ressurge com outra comunidade, o que é que se passará então?

Iv.1.3. A vIDA SINDICAL Em EL EjIDO

NO mAR DE pLáSTICO DE EL EjIDO, OS TRABALhADORES ORGANIzAm-SE

fórum CíviCO EurOPEu

limAnS, FrAnçA, 28 DE FEVErEirO DE 2005

hTTp://www.CiViC-FOrUm.OrG/inDEx.php?lAnG=Fr&SiTE

=miGrATiOn&ArTiClE=625

Com 32.000 hectares (320 km2!) de plástico, a província de Almeria na Andaluzia pode considerar-se a maior concentração de produção intensiva sob estufa do mundo.

Aí se produzem cerca de 3 milhões de toneladas de legumes por ano, e metade é exportada para Europa (sobretudo para a Alemanha e França).

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O preço a pagar: um meio ambiente destruído, um ar viciado pelos pesticidas, uma paisagem sem árvores, sem pássaros, sem insectos, o esgotamento dos lençóis freáticos…

Durante a estação alta, no Inverno, mais de mil camiões partem diariamente carregados de tomates, courgetes e pimentos para os mercados do Norte por conta das grandes multinacionais da distribuição que impõem aos produtores preços cada vez mais baixos.

Este “milagre económico” é possível apenas graças à exploração de uma mão-de-obra desprovida de direitos: cerca de 80.000 imigrantes provenientes do Magrebe, da África negra, e mais recentemente da América Latina e da Europa do Leste, cuja metade está sem papéis. São contratados ao dia, de acordo com as necessidades, por um salário de miséria, quase todos sem contrato de trabalho.

As condições de vida dos migrantes são catastróficas. Num contexto de exclusão social e de racismo, a grande maioria é forçada a habitar em construções agrícolas abandonadas ou abrigos do acaso, feitos de restos de plástico e de cartão. Sem electricidade, sem água corrente, nem instalações sanitárias. Só a solidariedade muito forte que os liga entre si lhes permite suportar o intolerável.

Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas (SOC)

O SOC bate-se desde há quase 30 anos pelos direitos dos jornaleiros andaluzes. Tradicionalmente implantado nas regiões de Andaluzia dominadas pelos latifúndios, defende uma reforma agrária. Desde os motins racistas de Fevereiro de 2000, em El Ejido, contra os imigrantes marroquinos, o SOC decidiu implantar-se na região das estufas. Instalou um gabinete em Almeria, a capital da província, com dois representantes: Abdelkader Shasha (Marroquino) e Gabriel M’Binki Ataya (Senegalês). Trabalham num ambiente difícil e perigoso. Pelo facto de denunciarem os abusos e os ataques dos quais são vítimas os trabalhadores imigrados, são expostos a todas as espécies de ameaças.

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O SOC é o único sindicato verdadeiramente empenhado na defesa dos direitos dos trabalhadores agrícolas nesta zona. Tem necessidade de um apoio político e financeiro duradouro.

O Fórum Cívico Europeu acompanha rigorosamente a situação em Andaluzia desde há cinco anos. Em colaboração com o SOC, várias delegações de observadores foram à região de Almeria.

A auto-organização dos imigrados

É extremamente difícil para os migrantes organizarem-se. A região das estufas é muito vasta e os imigrantes, fortemente dispersados, não têm praticamente nenhum lugar onde se encontrar. Partem cedo, de manhã, à procura de um trabalho de pelo menos algumas horas e retornam às suas moradas à noite. Na cidade, os sem papéis podem ser mandados parar pela polícia e serem expulsos, e todos correm o risco de serem vítimas de intimidações e de violências. Além disso, devem fazer face à muito grande precariedade e não podem vir ao escritório do SOC, em Almeria.

Por todas as razões, o sindicato considera que é indispensável abrir salas perto dos alojamentos dos imigrantes. Estas salas seriam ao mesmo tempo lugares de encontro, de reunião, de informação e de organização.

A primeira sala deveria ser instalada em El Ejido onde os migrantes são fortemente atingidos pela exclusão e pela repressão. No contexto actual de ameaças e de pressões, é impossível que o SOC encontre um local para alugar. Por conseguinte decidiu comprá-lo. Para poder adquirir esta primeira sala, é necessária uma soma total de 90.000 euros. O SOC não pode assumir por si só o custo de tal projecto. É por isso que uma campanha de apoio é hoje lançada em diferentes países da Europa. Para se organizarem, os imigrantes têm necessidade da nossa ajuda.

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iV.1.4. ANDALUzIA: NO CENTRO DA ESCRAvATURA NEOLIBERAL

rémi DAViAU

ExTrACTO DA lEttrE d’attaC 45 n°42, VErãO DE 2007

DiSpOníVEl Em hTTp://www.lOCAl.ATTAC.OrG/ATTAC45/Spip.php?ArTiClE328

O Sul da Andaluzia constitui, desde há uma vintena de anos, um milagre económico; e também uma zona cinzenta e nebulosa, no limite de uma fortaleza Europa que se acomoda com eficácia e unanimidade a um tratamento quase feudal da mão-de-obra e uma fuga ecológica para a frente, que não deixa de ser suicida. E por duas actividades que, numa preocupação comum de rentabilidade o mais imediata possível, aproveitam até ao seu esgotamento e no mais curto espaço de tempo possível e custe o que custar, os recursos disponíveis: a indústria do turismo, que, por todas as maneiras possíveis (desqualificação de zonas protegidas, reciclagem de terrenos não destinados a construção...) betonou as costas mediterrânicas de complexos faraónicos; e a agricultura intensiva, com as suas estufas que cresceram nos 40.000 hectares, dos quais metade em torno de El Ejido (1000 habitantes em 1960, 50.000 hoje). Mergulhemos nós nas terras e visitemos o “mar de plástico”, zona completamente de não-direito.

A uma meia hora de El Ejido, um passeio em automóvel pela zona das estufas dá a medida: o plástico a perder de vista, uma extensão geométrica imensa, dividida por estradas rectilíneas, sem indicações; um gigantesco labirinto de cobertas construído sobre uma terra árida e desértica. Ao meio de tarde, hora de descanso, dá-se uma volta e acabamos por encontrar, aqui e ali, construções ligadas às estufas: pequenos bairros degradados de madeiras, de cartão e de plástico, sem condições de higiene, (não há água, não há luz, não há electricidade), tendo por perto grupos de homens na sua maioria marroquinos. Não têm realmente o hábito das visitas – excepto a da polícia – e é com uma curiosidade benevolente que nos acolhem; um deles convida-nos a entrar na sua “casa”, abre uma porta (fechada à chave) que abre para uma dezena de metros quadrados de intimidade recreada, entre quatro colchões, um espelho e um canto a servir de cozinha. Sobre a porta do abrigo ao lado, uma inscrição, a giz, em árabe: “cabeleireiro”.

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O lucro devora os homens...

Têm todos a mesma história: vindos procurar a sorte na Europa, desembarcados clandestinamente na Espanha, encontram um trabalho no local... e aí permanecem até à hipotética regularização. Fazem parte dos 90.000 imigrantes (da América Latina, do Magrebe, da África negra e da Europa central) que se reencontram na região para a estação agrícola. Sem papéis, estão à disposição dos grandes proprietários agrícolas que os empregam à tarefa. Não há contrato de trabalho, não há nenhuma segurança de emprego, não há protecção social, não há nenhum direito que os proteja. Dormem em construções em ruína, nos armazéns de adubos; enquanto outros constroem, quase sem nada, estas cabanas improvisadas. Indispensáveis ao “milagre económico”, são tolerados enquanto continuarem a ser invisíveis: pouco ou nenhum espaço colectivo, nem representações, centros da cidade quase proibidos, e a polícia, por uma perseguição contínua, encarrega-se de velar por isso. Integração zero.

Discriminação, repressão, negação dos direitos mais elementares asseguram evidentemente a adaptabilidade da mão-de-obra. O reverso da medalha, são as deploráveis vagas mediáticas provocadas por inevitáveis excessos: violências verbais e físicas, perseguições brutais, motins racistas (recordamos os que agitaram El Ejido durante três dias, em Fevereiro de 2000), assassinatos (como o de 2005, na mesma cidade, de Hosni Azzouz, trabalhador marroquino e militante no SOC). E desde os movimentos de protesto dos sem papéis dos anos 2000 e 2001, os empregadores diversificaram a sua mão-de-obra, privilegiando uma nova população, diferente pela sua língua, pelos seus hábitos: mulheres que vêm de Europa central. Não organizadas, e ainda mais baratas! Numerosos trabalhadores marroquinos permaneceram sobre a região, de repente completamente disponíveis... para os momentos da grande produção...

e o planeta

Eles trabalham nas colheitas e no acondicionamento de frutos e de legumes: pimentos, tomates, beringelas, morangos... Toda uma agricultura fora de solo intensiva

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em técnicas muito evoluídas que esgotam, numa corrida para a frente, os recursos naturais: irrigação maciça que provoca uma drenagem dos lençóis freáticos (ao ponto de a água ter de ser trazida do norte); utilização forçada de adubos e de pesticidas que provocam a poluição e doenças diversas... O absurdo ecológico completa-se com os milhares de quilómetros percorridos seguidamente em camião, para mais e maior prazer dos consumidores da Europa inteira, que reencontram estes produtos nas prateleiras da grande distribuição, que é com efeito o elo principal da cadeia. A grande distribuição, empresas transnacionais que asfixiam o circuito alimentar local e a rede de distribuição de proximidade vendendo todo o ano alimentos sem gosto; que pretendem instalar normas sanitárias sobre as condições de produção (limites sobre a utilização dos pesticidas, etc.), mas impõem ritmos de produção elevados; que pressionam produtores, fornecedores e sobretudo trabalhadores agrícolas, a única e verdadeira variável de ajustamento, para obterem margens fabulosas.

Para não deixar fazer!

No território da União, um sistema de exploração desenfreada de seres humanos e recursos naturais é posto em prática para satisfazer as exigências de multinacionais entre as mais potentes da Europa, com a cumplicidade de grandes proprietários. Consequências numerosas, e em todos os planos: colocar em concorrência e desencadear tensões entre populações, degradação dos direitos sociais, gestão dos recursos (muito) a curto prazo, mas também destruição de tecidos locais, deterioração da qualidade alimentar... O mar de plástico é um campo de trabalho com os muros tão insuperáveis como invisíveis. É também um espaço emblemático que denuncia a nossa vida de produtivismo e de desperdício, a nossa facilidade em integrar a escravidão como um elemento da mecânica indispensável à criação da riqueza ocidental - com, a chegada, cortes de carrinhos empurradas nos supermercados, cheios de produtos alimentares industriais (frangos de aviário, tomates andaluzes, percas do Nilo..).

Nestes lugares, poucos ousam defender estes trabalhadores e denunciar a situação. Na primeira linha bate-se o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas

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(SOC), membro da rede via Campesina: “o SOC existe desde há mais de 30 anos”, conta Federico, membro permanente do sindicato; “sobretudo na parte oriental da Andaluzia.” Batemo-nos pelos direitos dos trabalhadores sazonais nos latifúndios. O sindicato empenha-se numa reforma agrícola, lutamos pela ocupação dos terrenos dos latifúndios ou do Estado que não são utilizados: empregam-se e formam cooperativas de trabalhadores agrícolas. Trabalha-se também para que haja uma agricultura ecológica: o nosso objectivo é manter a vida nos campos, e impedir a política europeia que tenta substituir a agricultura campesina pela agricultura industrial.” O trabalho do SOC (actividades de conselho, diligências administrativas e acção sindical, defesa contra as agressões racistas...) significa que é regularmente o alvo de ameaças, de intimidações, ou mesmo de devastações das suas salas. O que não o impede de efectuar campanhas regulares, com a ajuda financeira de uma rede europeia (sindicatos e fundações, Fórum Cívico Europeu, Attac Mar Mediterrâneo...), para assegurar a sua independência e a sua visibilidade, em especial pela abertura de novas salas na região.

Onde quer que se esteja, existe felizmente meios para lutar: ajudar o SOC (nos seus apelos regulares a apoio financeiro); responder às campanhas europeias, procurar as alternativas à influência da grande distribuição, e apoiar as iniciativas solidárias de internamento do circuito alimentar, como os AMAP (Associação para a Manutenção da Agricultura Artesanal). E, sobretudo, não deixar esta zona na sombra e no silêncio, porque aqui, como é frequente, o isolamento é a primeira condição para tudo se perpetuar...

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iV.2. AS mIGRAçõES E A ORGANIzAçãO EUROpEIA

DE SITUAçõES DE ESCRAvATURA

iV.2.1. A EUROpA ORGANIzA A SUA CLANDESTINIDADE

niChOlAS bEll

lE mOndE diPlOmatiquE, Abril DE 2003

DiSpOníVEl Em hTTp://DiplO.UOl.COm.br/imprimA622

E hTTp://www.mOnDE-DiplOmATiqUE.Fr/2003/04/bEll/10087

A produção intensiva de frutos e legumes na Europa tem sido campo livre de práticas de trabalho ilegal, como horas-extraordinárias não declaradas dos assalariados permanentes até de formas ilegais, e até esclavagistas, de recrutamento de mão-de-obra agrícola.

A produção intensiva de frutos e legumes figura entre os sectores menos regulamentados da Política Agrícola Comum (PAC) e, portanto, um dos mais expostos ao liberalismo selvagem. “O empregador deve ter constantemente ao seu alcance uma determinada quantidade de mão-de-obra para que possa realizar a colheita em quaisquer circunstâncias climáticas ou económicas”, escreve Jean-Pierre Berlan, investigador do Institut national de la recherche agronomique – Inra (Instituto Nacional da Pesquisa Agronómica). “É preciso um exército de reserva de operários agrícolas que seja assegurado pela mão-de-obra imigrante clandestina. Há uma autêntica articulação, uma complementaridade entre imigração clandestina e imigração oficial.” Ele se refere ao “modelo californiano”, criado no século XIX, mas essa constatação vale também para a Europa actual. Com um detalhe: hoje em dia deve-se falar mais genericamente de “trabalho não declarado”, que é realizado tanto pelos nativos como por imigrantes.

Um dos raros estudos de campo europeus, realizado por sindicalistas de seis países, confirma: “As informações heteróclitas claramente mencionam práticas de trabalho ilegal, clandestino, que tendem a se desenvolver, a se intensificar, a se disseminar. Isso abarca desde o aumento de horas-extraordinárias não declaradas dos assalariados permanentes até o desenvolvimento de formas ilegais, e às vezes até

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esclavagistas, de recrutamento de mão-de-obra agrícola, passando pelas formas mais atípicas e flexíveis de trabalho ocasional”.

Uma reserva de desempregados

Acrescenta-se a esse quadro o papel decisivo das grandes cadeias de distribuição que exercem uma pressão infernal sobre os produtores. Estes últimos tornaram-se verdadeiros capatazes que buscam saídas comprimindo, a todo o custo, o único item sobre o qual têm domínio: o emprego. Tomando como exemplo a venda de verduras e legumes, Denis Brutsaert explica: “Agora os pedidos não são recebidos pela manhã, mas em função da procura dos grandes supermercados. A qualquer momento do dia, os compradores telefonam para dizer que precisam de um camião, uma palete, três paletes a tal hora, em tal lugar. É, portanto, impossível ter mão-de-obra fixa, pois de repente é preciso quinze pessoas durante duas horas. É preciso um exército de reserva, de desempregados, dependentes do rendimento mínimo, clandestinos ”.

A situação tornou-se absurda e insustentável para os produtores. Em 12 anos, 43% das áreas de cultivo desapareceram em Bouches-du-Rhône. Algumas empresas francesas e espanholas investem em Marrocos para reduzir ainda mais suas despesas salariais. Ao mesmo tempo, os lucros dos supermercados sobem vertiginosamente: entre as dez maiores fortunas da França, cinco são provenientes da grande distribuição.

O resultado é desastroso para os assalariados. Essas condições de trabalho miseráveis foram reveladas de maneira surpreendente por motins racistas e brutais que rebentaram em Fevereiro de 2000 em El Ejido, na Andaluzia, contra trabalhadores agrícolas marroquinos. A presença maciça de imigrantes clandestinos a trabalhar na agricultura na Espanha foi novamente posta em evidência quando houve um trágico acidente na estrada, perto de Múrcia, em Janeiro de 2001, que causou a morte de 12 trabalhadores agrícolas clandestinos equatorianos. Todos trabalhavam por uma remuneração de 2,41 euros à hora. Foi necessária essa tragédia

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para que se soubesse que havia 20 mil equatorianos clandestinos na região e 150 mil em Espanha. A situação é, certamente, mais espectacular na região do El Ejido, mas os abusos estão em toda a parte na Europa.

Degradação do trabalho na Europa

Na Grã-Bretanha, os gangasters organizam equipas de trabalhadores, provenientes cada vez mais dos países do Leste, e determinam o nível de salário e as condições de trabalho.

Na Holanda, um dos primeiros países do mundo a intensificar a sua agricultura, um terço dos trabalhadores clandestinos, calculados em 100 mil, encontram-se na produção de flores e legumes. Por toda a parte, ou quase, se recorre a uma gama de “recursos humanos”, muito ampla e constituída por quatro categorias: os nacionais legais que, no entanto, fazem um grande número de horas-extraordinárias mal pagas ou não pagas; os nacionais não declarados (desempregados, dependentes de renda mínima...); os imigrantes legais, com ou sem contrato, cujas horas de trabalho ultrapassam igualmente os limites prescritos e, finalmente, os imigrantes clandestinos.

Na França existe um dos mais antigos estatutos do trabalho sazonal agrícola na Europa, os contratos OMI3. Encontram-se contratos semelhantes em outros países europeus. Por exemplo, o estatuto Erntehelfer (auxílio às colheitas) foi introduzido na Áustria em Maio de 2000. “As pessoas contratadas, cujo número máximo é de 7 mil, não podem ficar mais do que seis semanas. A segurança social é inexistente, os salários ínfimos, a organização sindical ausente. O empregador não contribui nem para caixão fundo de desemprego, nem para o de aposentação. Assim ele economiza 15,5% do salário bruto.”

3 N.T. OMI é o acrónimo de Office des migrations internationales. Contractos OMI são contractos excepcionais essencialmente aplicados na agricultura e o Office des migrations internationales é o organismo ao qual os empregadores se devem dirigir quando pretendem contractar no estrangeiro trabalhadores sazonais e depois de terem solicitado uma autorização à Direction Départementale du Travail et de l’Emploi (DDTE).

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Em 1991, a Alemanha introduziu o estatuto do trabalho sazonal nos sectores agrícola, florestal e hoteleiro. O contrato foi limitado a três meses. Em 2000, 220 mil novas cartas de permanência foram emitidas para trabalhadores sazonais agrícolas. Teoricamente, após 1998, um contingente foi fixado em 180 mil, mas o governo definiu um “grande número de excepções, tais como o perigo de falência causada por uma mão-de-obra muito onerosa”... Avalia-se que há tantos trabalhadores não-declarados quanto trabalhadores que dispõem de registro legal. Aproximadamente 90% dos imigrantes contratados pelos agricultores alemães são polacos. Estão dispostos a trabalhar muitas horas por muito pouco dinheiro, pois a relação entre os salários na Polónia e na Alemanha é de 1 para 10.

A Lei revoga o direito ao trabalho

Esses estatutos de sazonais trazem em si muitos efeitos perversos. A obrigação de voltar imediatamente para o país de origem torna quase impossível qualquer queixa contra os abusos. Além do mais, o tempo passado por um trabalhador sazonal na Europa Ocidental não é levado em conta como tempo de permanência em território nacional, se um dia ele quiser regularizar a sua situação. Um clandestino em França, por exemplo, que está no país há alguns anos, pode às vezes obter uma permissão de estadia por um ano. Um operário com contrato OMI de oito meses por ano e vigência de vinte e cinco anos, por sua vez, não tem nenhum direito.

Graças a estes estatutos temporários, os poderes europeus cimentam uma forma intolerável de segregação no mercado de trabalho. Segundo Alain Morice, investigador do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) em migrações e sociedade, “pode-se bem imaginar que, pouco a pouco, de revogação em revogação, de aniquilação em aniquilação, de tal ou qual artigo do Código do Trabalho, se venha a aceitar completamente o trabalho ilegal pela simples razão de que a própria noção de legalidade teria feito um recuo considerável. Quando se vê, por exemplo, o trabalho agrícola, percebe-se que o Código Rural é uma gigantesca soma de revogações do direito positivo em matéria de trabalho.”

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Contratação de substituição parcial

A Europa está a criar uma sub-classe de trabalhadores temporários, que são substituídos através de uma rotatividade permanente. Os imigrantes não terão, certamente, direito de viver de maneira normal com as suas famílias. O crescimento da União Europeia em direcção aos países da Europa central tende a facilitar esta operação. A destruição do pequeno campesinato polaco, por exemplo, obrigou muitos milhares de pessoas a buscarem outra fonte de rendimento. Dessa forma, observou-se a concorrência por empregos pouco qualificados entre os migrantes tradicionais do Sul e os do Leste, para grande proveito dos empregadores.

A presença de uma imigração legal ou ilegal “invisível” é um trunfo particularmente precioso. “No Ocidente, a invisibilidade está na brancura da pele, assim como no facto de pertencer a uma cultura o mais cristã possível. Vê-se esta tendência ao ‘branqueamento estabelecer-se aqui ou ali. Assim, após os motins racistas em El Ejido, assiste-se à contratação de substituição parcial”. Um outro exemplo espectacular da substituição dos imigrantes ocorreu esta primavera em Huelva, uma região andaluz célebre pela sua produção de morangos. Em cada ano, 55 mil operários sazonais são empregados ali de Março a Junho. Tradicionalmente, esses operários são espanhóis, porém há alguns anos encontram-se ali aproximadamente 10 mil imigrantes, quase todos originários do Magreb e não declarados. Em 2001, após o grande movimento dos sem-documentos na Espanha, 5 mil deles receberam permissões limitadas para a colheita de morangos na província de Huelva. No início da estação, eles esperam no local, pois tinham papéis oficiais. Com grande surpresa vêem chegar milhares de jovens polacas e romenas que começam a colher os frutos, quase sempre recebendo menos do que eles teriam recebido. O governo espanhol decidiu oferecer contratos para o mesmo trabalho a 6.500 polacos e a mil romenos, em sua grande maioria, mulheres.

Empresários satisfeitos

Milhares de magrebinos encontraram-se, assim, na rua, privados de tudo, sem emprego, sem moradia e sem esperança. A situação tornou-se muito tensa,

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provocando uma onda de racismo contra esses mouros – denunciados como sujos, com a barba por fazer e preguiçosos. Quatro mil pessoas protestaram em Huelva contra a “insegurança civil” e, pela primeira vez, foi possível ver cartazes do partido de extrema-direita, o Partido da Democracia Nacional.

Os magrebinos acabaram por participar na colheita de morangos. Na busca desesperada por qualquer trabalho, acabaram por ficar na região. Eles “constituíram um exército de reserva muito importante para trabalhar nos dias de feriado e nos picos de produção, o que as trabalhadoras do Leste não faziam. Os únicos beneficiários desta situação foram os empregadores, que se declararam muito satisfeitos com a estação, uma das mais rentáveis. ”

iV.2.2. O DUpLO jOGO DA ESpANhA

ClAUDiA ChArlES, jUriSTA, inVESTiGADOrA nO GiSTi

(GrOUpE D’inFOrmATiOn ET DE SOUTiEn DES immiGréS)

PlEin drOit, 73, jUlhO DE 2007

Desde o final dos anos 90 e mais ainda desde meados dos anos 2000, a Espanha utiliza meios técnicos, humanos e financeiros cada vez mais sofisticados a fim de tornar as suas fronteiras, nomeadamente marítimas - que são também as da Europa - cada vez mais difíceis de atingir. De passagem, as autoridades espanholas “esquecem-se” de respeitar alguns dos seus compromissos internacionais, nomeadamente o direito de asilo. Mas, não fecham contudo as suas portas à imigração. A Espanha é com efeito o país da União Europeia que, desde há uma década, emitiu o maior número de autorizações de estada a estrangeiros. Em 2005, um processo de regularização excepcional permitiu conceder títulos de estada a aproximadamente 600.000 estrangeiros e com base em certos critérios, nomeadamente o de dispor de um contrato de trabalho e contribuir para a segurança social. Depois, a chegada de novos trabalhadores migrantes, necessária para manter uma taxa de crescimento elevada apesar de uma demografia que declina, não terminou. Mas, a Espanha aplica uma estrita política de imigração escolhida, o “acolhimento” de uns têm por corolário a rejeição de outros, os que não correspondem aos perfis económicos,

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mas também étnicos, privilegiados. Com efeito, lançou-se numa verdadeira perseguição aos cidadãos subsarianos que tentam chegar às suas costas. No melhor dos casos, estes poderão permanecer em solo espanhol em situação irregular e virão engrossar a onda de “trabalhadores disponíveis para os trabalhos muito duros e mal pagos”.

Na verdade, cada vez mais frequentemente, tomando riscos crescentes para escapar aos dispositivos de vigilância, eles morrem no mar. Desde os acontecimentos do Outono 2005, são cada vez menos frequentemente vítimas das balas marroquinas ou espanholas nas fronteiras dos enclaves de Ceuta e de Melilla do que das intempéries marítimas para as quais são lançados com a militarização das fronteiras. A via marroquina para a UE está com efeito quase fechada. São as chegadas, consideradas “maciças”, dos cayucos às Canárias que fazem os grandes títulos da actualidade. Estes barcos da sorte e outras embarcações “caixotes de lixo” transportam sobretudo africanos, mas também paquistaneses, indianos, afegãos, iraquianos, etc. Segundo a imprensa espanhola, foram 31.787 as pessoas que chegaram às costas das ilhas Canárias em 2006 (ou seja vinte vezes menos que o número de pessoas regularizadas em 2005). Trata-se do número mais elevado desde o ano 2002, que ascendeu a 9.929 pessoas. Desde o início do ano 2007, as autoridades espanholas congratulam-se, contudo, com a redução drástica do número destes cayucos e atribui-o à eficácia dos meios instalados para travar o que qualificam de “drama humano”, quando são estes mesmos dispositivos que contribuem para o aumento do perigo a que os migrantes se sujeitam.

Desde o final dos anos 90, a Espanha implantou, sobre as costas andaluzas primeiro e depois sobre as costas das Ilhas Canárias o Sistema integrado de vigilância externa (SIVE), uma espécie de blindagem electrónica das fronteiras espanholas apoiada sobre uma vigilância à distância muito sofisticada. Numerosas estações de detecção equipadas com radar, câmaras térmicas e de infravermelhos, controlam um perímetro de 20 quilómetros.

Desde o final de 2003, a Guardia civil completou este equipamento com detectores sensoriais que podem detectar batimentos de coração à distância. Uma antena satélite envia em tempo real as informações a um centro de controlo da

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Guardia civil. As imagens permitem saber que tipo de barco foi localizado, quantos pessoas se encontram a bordo, etc. Com base nestes dados, o centro de controlo pode decidir do envio de tropas de intervenção móveis que têm por missão interceptarem os pateras ou cayucos. No arquipélago das Canárias, o centro de controlo é baseado em Fuerteventura. Três estações com radares fixos e um móvel são repartidas por esta ilha e a de Lanzarote.. De acordo com a Associação Para os Direitos do Homem em Andaluzia (APDHA), as autoridades espanholas prevêem a aplicação deste sistema na região de Murcia e Valência bem como sobre o resto do Mar Mediterrâneo espanhol, nomeadamente nas Ilhas Baleares, com um investimento de 232 milhões de euros.

Estes dispositivos técnicos são completados por meios diplomáticos e financeiros. As autoridades espanholas encontraram de repente interesse em trabalhar com países onde até então não tinham sequer representação consular. Este trabalho diplomático contudo tinha sido precedido de negociações e de acordos com Marrocos e um acordo bilateral de readmissão tinha sido assinado em Madrid, a 17 de Março de 1992. Em 2003, as disposições deste acordo “foram reactivadas”, e prevêem a obrigação de readmissão dos cidadãos dos dois países que residem de maneira irregular no território do outro Estado. O acordo estipula igualmente a readmissão de qualquer pessoa em estada irregular num dos Estados após ter transitado pelo território de outro país signatário.

Assim, Marrocos deve readmitir qualquer pessoa que tenha passado pelo seu território para tentar atingir o solo europeu, cabendo a Marrocos organizar seguidamente o afastamento para os países de origem. É em virtude deste acordo que as autoridades espanholas procederam ao reenvio dos cidadãos subsarianos desde os enclaves de Ceuta e de Melilla, sem que nenhum destes migrantes beneficie das garantias previstas pela lei espanhola: notificação da decisão, ajuda jurídica, acesso a um intérprete.

Os objectivos do “Plano para África”

Em Março de 2006, após as chegadas de cayucos às costas das Canárias, a Espanha decidiu elaborar um “plano choque” que consiste principalmente numa

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ofensiva diplomática a fim de multiplicar “acordos quadros de cooperação migratória e de readmissão” com os países da África Ocidental. A abertura de embaixadas no Mali, em Cabo Verde, no Sudão, na Gâmbia, na Guiné Bissau e na Guiné Conakry está prevista. Esta multiplicação das representações consulares é completada pelo envio de um “embaixador especial encarregado das questões de imigração” em Dacar. Este “plano para África”, que tinha sido apresentado como um programa de ajuda ao desenvolvimento destes países, não esconde o seu verdadeiro objectivo - para além da luta contra a imigração clandestina - quando afirma procurar “reforçar e diversificar as trocas económicas, e promover os investimentos, sem estar a esquecer a importância crescente da região subsahariana, em especial o Golfo da Guiné, para a nossa segurança energética e para as oportunidades que terão as empresas espanholas em passar acordos em matéria de hidrocarbonetos”.

Os resultados do “Plano para África” não se fizeram esperar: a partir do Junho de 2006, a Espanha pôde instaurar, conjuntamente com o Senegal e a Mauritânia, patrulhas marítimas para impedir a saída dos barcos desde as costas destes dois países. Acordos de assistência técnica, financeira e de cooperação migratória foram assinados igualmente com a Guiné-Bissau, o Mali, a Guiné Conakry, a Gâmbia, o Gana, a Argélia. Foram iniciadas negociações com Cabo Verde. Estes acordos são acompanhados de ajudas financeiras como a concedida à Mauritânia: de acordo com um artigo publicado no El País, 500.000 euros foram concedidos a este país para apoiar o processo de transição democrático, 450.000 euros para ajudar a pesca artesanal e 50.000 euros para a alimentação das crianças no âmbito de um programa da O.N.U.

Esta externalização do controlo das fronteiras espanholas – e por conseguinte europeias – provoca violações dos direitos fundamentais. O caso da embarcação Marine I é um bom exemplo. Esta embarcação teve uma avaria a 31 de Janeiro de 2007 nas águas internacionais em frente das costas mauritanas e transportava 369 pessoas. Foi socorrido pela embarcação espanhola de salvamento marítimo Luz del mar, mas é apenas a 12 de Fevereiro que as autoridades mauritanas aceitaram a entrada do navio no porto de Nouadhibou, na condição de as pessoas presentes

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sejam repatriadas para o seu país de origem e que seja o governo espanhol a tomar a responsabilidade de todas as operações. Entre 12 e 14 de Fevereiro, mais de cem agentes de polícia espanhóis vieram identificar as 369 pessoas e determinar a sua nacionalidade. Estas foram fechadas seguidamente numa antiga sala de preparação do peixe, sem que nenhuma informação lhes tenha sido dada sobre a sua situação individual. Entre estas pessoas, 35 declararam ser nacionais da Birmânia, do Sri-Lanka ou do Afeganistão e retornaram às ilhas Canárias para apresentar pedidos de asilo. Nove destas pessoas (os cidadãos do Sri-Lanka) foram objecto de uma decisão de rejeição do seu pedido de asilo – apesar do parecer favorável dado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) – e retornados para o seu país de origem. Outro grupo de 35 cidadãos, da Costa de Marfim, Libéria, Serra Leoa e da Guiné Conakry foi retornado para Cabo Verde, seguidamente para a Guiné Conakry. Durante a sua “estada” em Cabo Verde, estas pessoas foram fechadas sem que ninguém as notifique com a mínima decisão administrativa ou judicial tomada contra si. Os outros ocupantes da Marinha I – excluídos vinte e três entre eles – de nacionalidade indiana ou paquistanesa, finalmente aceitaram um “regresso voluntário” que teve lugar a 27 e 28 de Março.

De acordo com os diferentes testemunhos, nomeadamente os das associações espanholas, nenhuma autoridade estava presente para verificar que o direito de asilo era respeitado. O ministro espanhol dos negócios estrangeiros, Miguel Angel Moratinos, no entanto, tinha assegurado que representantes do ACNUR estariam no local e tomariam a seu carga os que solicitariam uma protecção. Mas, de acordo com estas associações, os únicos dois “observadores” estacionavam fora do local em que os migrantes foram fechados “a fim de redigir um relatório de observação”. Os 23 passageiros que “não tinham cooperado” com as autoridades espanholas, foram transferidos para a Península Ibérica a 21 de Maio passado, ou seja, mais de cem dias após a sua chegada à Nouadhibou.

Esta utilização de múltiplos meios para evitar a chegada de migrantes subsarianos ou asiáticos ao território espanhol poderia levar a pensar que a Espanha fecha as suas portas à imigração. Ora, ao mesmo tempo onde persegue os barcos

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que se aproximam das suas costas, atribui títulos de estada a centena de milhares de outros estrangeiros.

De acordo com um documento do Observatório Permanente da Imigração do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais espanhol, havia, a 31 de Março de 2007, 3.236.743 estrangeiros em situação regular neste país, ou seja, um aumento de 7,11% num trimestre. 68,2% destas pessoas são da competência do regime geral dos estrangeiros e 31,8% são cidadãos de um dos Estados-Membros da União Europeia. Entre os estrangeiros não comunitários, nomeadamente os da América Latina, as mulheres são maioritárias - devido particularmente à importância do sector dos serviços de apoio às pessoas e aos empregos domésticos, incluindo o apoio domiciliário às pessoas idosas. Mais de 80% destes estrangeiros são de idade compreendida entre os dezasseis a sessenta anos. Enfim, entre os cidadãos de países terceiros, 11,69% dispunham de uma primeira autorização de residência, 40,64% de uma autorização de residência renovada uma primeira vez (trata-se dos que tivessem beneficiado do processo de regularização entre Fevereiro e Maio de 2005) e 31,75% dispunham de um título de estada permanente. As nacionalidades mais numerosas instaladas na Espanha são os marroquinos (575 460), seguidos pelos equatorianos (394 040), os romenos (264 928) e os colombianos (237 468). O número de ingleses está longe de ser negligenciável (179 202), sobretudo quando comparado ao dos cidadãos da África do Oeste, objecto, no entanto, de todas as atenções do “Plano para África”: os senegaleses (30 177) são mais numerosos; seguem seguidamente, mas de longe, apesar das acusações recorrentes de “invasão”, os cabo-verdianos (2 456), os da Costa do Marfim (1 128), os do Gana (9 507), os da Guiné (3 446) ou ainda os da Mauritânia (8 142).

Para os senegaleses, a esperança de poderem vir, além disso, em grande número trabalhar na Espanha foi rapidamente quebrada. Com efeito, ao mesmo tempo que assinava um acordo de readmissão, o Senegal aceitava que uma quota, estabelecida pelas autoridades espanholas, de 4.000 dos seus cidadãos, seja autorizada de aceder ao mercado espanhol de trabalho “nos dois próximos anos” com a condição de as pessoas em causa beneficiarem de um contrato de trabalho. Desde os meados de

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2006, este acordo permaneceu quase letra morta: inicialmente, e a fim de mostrar a exemplaridade destes acordos de “cooperação”, 73 Senegaleses obtiveram um contrato de trabalho junto de uma empresa de limpeza; em Fevereiro de 2007, a imprensa senegalesa referiu de novo a partida de 67 outros jovens, também com um contrato de trabalho de uma duração de doze meses, seleccionados por uma comissão composta de dois representantes do ministério senegaleses da juventude e do emprego, um representante do ministério do interior senegalês e três representantes “dos repatriados da Espanha”.

Um dos motores do crescimento

Estes números são meramente anedóticos comparados com os 190.000 romenos e os 37.000 búlgaros que a Espanha vai autorizar a trabalhar este ano, no âmbito do período transitório aplicável aos trabalhadores cidadãos dos novos países da UE que desejam exercer uma actividade assalariada no território de um outro Estado-Membro da União. São mesmo ridículos face aos 400.000 a 600.000 estrangeiros que deverão ser regularizados em 2007 devido ao arraigo, regularização permanente, inscrita na lei, de pessoas que demonstram que vivem na Espanha pelo menos desde há três anos e que disponham de um contrato de trabalho.

Não se trata por conseguinte somente da continuação de um fenómeno em marcha desde há dez anos na Espanha, país da União Europeia que “acolheu” – ou antes seleccionou – o maior número de estrangeiros, bem longe, à frente da Alemanha ou da Itália, a imigração sendo “um dos motores do crescimento sustentado duravelmente” do qual beneficia este país desde há vários anos.

“Fechando-se com dupla segurança, a Europa procura doravante escolher os seus imigrantes através de uma política de imigração voluntariosa e escolhida” escrevia um editorialista argelino. Podemos apenas concordar com esta posição a este propósito e mesmo prolongá-la. Este utilitarismo migratório destinado a favorecer a chegada de estrangeiros necessários para o funcionamento de segmentos inteiros da economia (a agricultura intensiva em Andaluzia, os serviços de apoio a pessoas...) reforça-se com

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efeito de uma política xenófoba ou mesmo racista. Enquanto os migrantes europeus ou hispânicos conseguem obter títulos de estada – provisórios para muitos deles e enquanto não procurarem organizar-se para melhorar as suas condições de trabalho e de remuneração – as pessoas originárias da Ásia ou da África estão sob os fogos cruzados da guerra aos migrantes iniciada pelo governo espanhol e pela UE. Embora estes últimos sejam muito minoritários entre o conjunto dos migrantes, são objecto de uma verdadeira encenação que visa demonstrar que o governo de Madrid defende a Península Ibérica contra uma invasão meramente fantasmagórica. Estas considerações de política interna e europeia fazem pouco caso dos direitos fundamentais dos exilados asiáticos ou africanos, sacrificados em nome da livre escolha de imigrantes úteis.

iV.2.3. A pOSIçãO DO CONSELhO DA EUROpA

A AGRICULTURA E O EmpREGO IRREGULAR NA EUROpA

ASSEmblEiA pArlAmEnTAr DO COnSElhO DA EUrOpA, 24 DE jAnEirO DE 2007

rECOmEndaçãO 1781 (2007)

DiSpOníVEl Em hTTp://ASSEmbly.COE.inT/mAinF.ASp?link=/DOCUmEnTS/

ADOpTEDTExT/TA07/FrEC1781.hTm#p17_104

1. A Assembleia Parlamentar está preocupada pelos numerosos casos de incumprimento da legislação social relativos às relações entre empregadores e empregados e que atingem mais particularmente a mão-de-obra estrangeira no sector agrícola. Recorda os seus diferentes trabalhos sobre o assunto e nomeadamente a sua Resolução 1509 e Recomendação 1755 sobre os direitos fundamentais dos migrantes irregulares, a sua Recomendação 1767 (2006) e Resolução 1521 (2006) relativas à chegada maciça de migrantes irregulares sobre as margens da Europa do Sul, a sua Resolução 1501 (2006) e Recomendação 1748 (2006) relativas às migrações de trabalho provenientes dos países da Europa Central e Oriental: estado presente e perspectivas e a sua Recomendação 1618 (2003) relativa aos migrantes que ocupam um emprego irregular no sector agrícola dos países do Sul da Europa.

2. A Assembleia recorda a Convenção europeia relativa à protecção social dos agricultores (STE 83) e nomeadamente o seu Artigo 3 segundo o qual “qualquer parte

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contratante assegurará aos agricultores, aos membros das suas famílias e, se for caso disso, aos assalariados que empregam, uma protecção social comparável à da qual gozam os outros grupos da população (...)”. A Assembleia recorda os princípios enunciados na Carta Social Europeia Revista, (STE nº163) que estipulam nomeadamente que “todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho equitativas” e “têm direito à dignidade no trabalho” (Parte I, artigos 2 e 26), bem como a Convenção sobre a luta contra o tráfico dos seres humanos. Recorda igualmente a Convenção 184 e a Recomendação 192 sobre a segurança e a saúde na agricultura, da Organização Internacional do Trabalho, adoptada em Junho de 2001 e a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes e os membros da sua família, entrada em vigor em Março de 2003, e lamenta que apenas três Estados-Membros do Conselho da Europa (o Azerbeijão, a Bósnia-Herzegovina e a Turquia) tenham ratificado este instrumento.

3. Desde há uma dezena de anos, o sistema de fluxos tensos atinge o abastecimento em frutos e legumes e as pressões internacionais para a liberalização dos mercados agrícolas são constantes. As consequências para os produtores que não podem fazer face ao afluxo de produtos a baixos preços são dramáticas e a tendência geral está no desaparecimento dos pequenos empresários em proveito dos grandes grupos agro-alimentares. A corrida aos preços cada vez mais baixos atinge directamente os assalariados destes sectores que devem adaptar o seu trabalho à evolução do mercado, com o risco de perder o seu emprego, tendo sido a mão-de-obra que se tornou a variável de ajustamento.

4. A agricultura não é o único sector económico na Europa que depende fortemente da exploração de uma mão-de-obra ilegal, frequentemente estrangeira e clandestina, mas os frutos e legumes são o único sector agrícola intensivo que, embora mecanizado, necessite do emprego de muita mão-de-obra. O recurso à mão-de-obra ilegal é doravante uma característica da agricultura, sobretudo nas actividades sazonais. Esta situação cria vantagens económicas e uma distorção da concorrência da qual se aproveitam os empresários menos escrupulosos com o corolário do abuso ou da privação total dos direitos sociais dos trabalhadores agrícolas.

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5. A Assembleia está consciente do facto que o problema atinge o conjunto do continente e ultrapassa as competências nacionais dos Estados. Redes internacionais de tráfego de mão-de-obra ilegal desenvolvem-se utilizando a situação de vulnerabilidade na qual se encontram os migrantes à procura de trabalho e que estão prontos a tudo para poder melhorar as condições de vida da sua família no seu país de origem e actuando sobre as diferenças entre as legislações nacionais aplicáveis e à ausência de uma regulamentação europeia na matéria.

6. A Assembleia constatou que o trabalho ilegal pode infelizmente cobrir formas de exploração que condena como incompatíveis com uma sociedade moderna, aos direitos do homem e aos valores defendidos pelo Conselho da Europa.

7. A Assembleia nota que as pessoas que têm um emprego irregular são muito frequentemente as que estão numa situação irregular e que são expostas duplamente à exploração, como trabalhadores ilegais e como migrantes irregulares.

8. A Assembleia considera que todos os trabalhadores agrícolas, quer sejam permanentes ou sazonais, são homens e mulheres que têm direito ao respeito e à dignidade humana. Por conseguinte, devem beneficiar dos mesmos direitos que os outros trabalhadores, na aplicação das legislações nacionais e internacionais em matéria de direito do trabalho.

9. A fim de pôr termo à disparidade das regulamentações é necessário submeter as condições de trabalho na agricultura a um quadro jurídico vinculativo adaptado às diferentes situações dos trabalhadores, que sejam permanentes ou sazonais, estrangeiros ou nacionais. Isto permitiria igualmente estimular a mão-de-obra nacional, frequentemente deficiente em quantidade. Este quadro jurídico deve ser acompanhado das sanções aplicáveis aos infractores e de meios de controlo relevantes e eficazes.

10. Para esse efeito, a Assembleia recomenda ao Comité de Ministros que convide os Estados-membros:

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10.1 a redigir e a aplicar as convenções colectivas que governam o trabalho na agricultura, nomeadamente o trabalho sazonal, tendo em conta a especificidade do sector e o ritmo de trabalho que impõe, precisando, principalmente, a segurança social, os salários, o tempo de trabalho, as horas suplementares e as condições de alojamento, assegurando-se, ao mesmo que os sistemas de renovação dos contratos sejam controlados por um organismo independente a fim de evitar qualquer tipo de pressão sobre os empregados;

10.2. a prever a aquisição progressiva de direitos para os beneficiários de autorizações de trabalho renovadas entre os quais, o direito à estada longa, ao agrupamento familiar e à reforma;

10.3. a instaurar sistemas de controlo rigorosos e eficazes acompanhados de sanções dissuasivas e rápida contra as infracções ao direito do trabalho;

10.4. a instaurar uma melhor cooperação transfronteiriça para lutar contra as redes de tráfego de mão-de-obra, desenvolvendo nomeadamente a rede de centros nacionais de contacto para a melhoria das informações sobre as migrações que poderia ser estendida aos Estados não membros da União Europeia a fim de coordenar os instrumentos de luta contra as redes de mão-de-obra ilegal;

10.5. a garantir que os migrantes irregulares, incluindo os que trabalham no sector agrícola, beneficiam, no mínimo, dos direitos definidos na Resolução 1509 (2006) da Assembleia sobre os direitos fundamentais dos migrantes irregulares;

10.6. a atacar as causas primeiras do recurso aos migrantes irregulares no sector agrícola, incluindo os factores económicos, a falta de mão-de-obra local, as restrições ao recrutamento das pessoas vindas do estrangeiro, a complexidade dos procedimentos administrativos bem como os empregadores pouco escrupulosos;

10.7. a dar à situação dos migrantes irregulares, incluindo na agricultura, uma resposta equitativa e humana, examinando as opções para a sua regularização ou o seu regresso no país de origem;

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10.8. a concluir acordos de readmissão entre países de acolhimento e de origem para os imigrantes irregulares, acompanhados de programas específicos de educação e formação bem como de projectos de cooperação e desenvolvimento económico nos países de origem;

10.9. a organizar, em cooperação com as organizações profissionais agrícolas e os sindicatos, grandes campanhas de informação sobre os empregos da agricultura e promover a formação e o recrutamento da mão-de-obra local criando ao mesmo tempo as condições de trabalho adequadas ao respeito e ao reconhecimento do trabalho realizado.

10.10. a convidar os mediadores nacionais e regionais a examinar a situação precária dos trabalhadores irregulares empregados na agricultura.

11. A Assembleia recomenda igualmente ao Comité dos Ministros que encarregue o Comité Europeu para a Coesão Social (CDCS):

11.1. de encarar a elaboração de um protocolo adicional à Convenção europeia relativa à protecção social dos agricultores) instituindo um mecanismo de acompanhamento desta convenção;

11.2. de elaborar um protocolo adicional à referida Convenção, relativo à protecção social dos trabalhadores sazonais no sector agrícola.

12. Além disso, a Assembleia convida os Estados-Membros que ainda não o tenham feito:

12.1. a assinar e/ou ratificar a Convenção relativa à protecção social dos agricultores);

12.2. a assinar e/ou ratificar a Convenção 184 sobre a segurança e a saúde na agricultura da Organização internacional do Trabalho e levar a efeito a recomendação 192 que lhe está relacionada;

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12.3. assinar e/ou ratificar a Convenção internacional das Nações Unidas sobre a protecção dos direitos dos trabalhadores migrantes e os membros da sua família.

12.4. a assinar e/ou ratificar a Carta Social Europeia revista;

12.5. a assinar e/ou ratificar a Convenção sobre a luta contra o tráfico dos seres humanos.

13. A Assembleia convida igualmente o Comissário dos Direitos do Homem do Conselho da Europa a examinar a exploração dos trabalhadores do sector agrícola no âmbito dos seus trabalhos país por país.

14. Por último, a Assembleia convida os sindicatos nacionais e europeus a promover e defender os direitos dos trabalhadores sazonais, em especial no sector agrícola.

© El Ejido, la Loi du Profit, 2007.

Globalização é um daqueles termos que passaram directamente da obscuridade

para a ausência de sentido, sem qualquer fase intermédia de coerência.

Mas deixem-me dizer apenas o seguinte: a globalização é também muito importante

e é totalmente consistente com mais e melhores empregos,

salários decentes e empregos decentes.

Robert Reich, ministro do trabalho da Administração Clinton

Defino globalização como a liberdade para o meu grupo de investir onde quiser,

o tempo que quiser, para produzir o que quiser, comprando e vendendo onde quiser,

suportando o mínimo de obrigações possíveis em matéria de direito do trabalho

e de convenções sociais.

Asea Brown Bovery (Presidente do grupo ABB, 12ª empresa mundial)

Juntem o pior do capitalismo com o pior do comunismo e terão uma ideia

do rumo que a globalização está a tomar.

Alain Supiot

Ciclo organizado pelos docentes da disciplina de Economia Internacional

da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Colaboração do Núcleo de Estudantes de Economia da Associação Académica de Coimbra

Apoio da Coordenação do Núcleo de Economia da FEUC

Com o apoio das instituições:

Caixa Geral de Depósitos

Fundação Luso-Americana

Fundação para a Ciência e Tecnologia

Fundação Calouste Gulbenkian

Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC

DOC TAGV / FEUC

Integração Mundial, Desintegração Nacional:

a Crise nos Mercados de Trabalho

Textos seleccionados, traduzidos e organizados por:

Júlio Mota

Luís Peres Lopes

Margarida Antunes