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JORDENS BARNS PRIS FÖR BARNETS RÄTTIGHETER PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD VOTE! RÖSTA! ¡ VOTA! HAY BAU ! #50 2008 TOAN CAU! EL GLOBO LE GLOBE THE GLOBE O GLOBO 10 #50 2009 D É C I M O P R Ê M I O D A S C R I A N Ç A S D O M U N D O

El Globo no 50 Port

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El Globo magazine

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Page 1: El Globo no 50 Port

JORDENS BARNS PRIS FÖR BARNETS RÄTTIGHETER

PRIX DES ENFANTS DU MONDE POUR LES DROITS DE L’ENFANT

PREMIO DE LOS NIÑOS DEL MUNDO POR LOS DERECHOS DEL NIÑO

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

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VOTE! RÖSTA! ¡VOTA!

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# 50 • 2008TOAN CAU!• • •

EL GLOBO • LE GLOBE • THE GLOBE • O GLOBO• •

10# 50 • 2009

CIMO PRÊMIO D

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IANÇAS DO MUN

DO

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Page 2: El Globo no 50 Port

Thanks! Tack! Merci ! ¡Gracias! Obrigado!

Aqui estão os países e áreas onde moram as pessoas desta edição do Globo:

Os Direitos da CriançaO Que é o Prêmio das Crianças

do Mundo? .........................................................4

Celebre os direitos da criança! ......................8

Como estão as crianças do mundo? ......... 10

Cerimônia de Premiação 2008................... 12

Homenageados com o prêmio de honra .....14

Candidatos ao Herói dos Direitos

da Criança da Década .................................. 15

King Baudouin Foundation US, The ForeSight Group, Boob Design, Communication Works (África do Sul), GiverSign & Linus Bille, Cordial, Markus Reklambyrå, Twitch Health Capital, Grenna Polkagriskokeri, Ågerups, Floristen i Mariefred, ICA Torghallen Mariefred, Centas, Euronics Strängnäs, Petter Ljunggren, Lilla Akademien, Gripsholms Värdshus, Gripsholms Slottsförvaltning, Gripsholmsvikens Hotell & Konferens, Grafi kens Hus, Maria Printz & Printzens Matverk, Broccoli e Benninge Restaurangskola.

Sua Majestade, a Rainha Silvia da Suécia, Sida (Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvol-vimento), Loteria Sueca do Código Postal, Save The Children Suécia, Surve Family Foundation, Radiohjälpen, Axel & Sofi a Alms Minne, Altor, AstraZeneca, Banco Fonder, eWork, Interoute, Kronprinsessan Margaretas Minnesfond, Folke Bernadotte Akademin, Helge Ax:son Johnsons Stiftelse, Svenska Naturskyddsföreningen, Dahlströmska Stiftelsen e PunaMusta Oy.

Júri do prêmio. Todas as crianças, jovens e professores das Escolas Amigas Mundiais. Todos os Amigos Adultos Honorários, Amigos Adultos e colaboradores. Diretoria e Conselho Consultivo da Fundação Prêmio das Crianças do Mundo, direção da organização Mundo das Crianças e IFES (Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais).

Em Bangladesh: Svalorna/The Swallows, SASUS Benin: Juriste Echos Consult Brasil: Grupo Positivo (Portal Positivo, Portal Educacional, Portal Aprende Brasil) TV Cultura, SEMED-Santarém (PA), 5ª Unidade Regional de Educação/SEDUC-PA, SME-Monte Alegre (PA), SME-Juruti (PA), Projeto Rádio pela Educação/Rádio Rural de Santarém, SME-São José dos Campos (SP), SME-Balsa Nova (PR), SME-Rio Branco do Sul (PR), Comitê para a Democratização da Informática do Paraná, ONG Circo de Todo Mundo, Ofi cina de Imagens, Samuel Lago, Christiane Sampaio Burkina Faso: Art Consult et Développement Birmânia: BMWEC, Community Schools Program Burundi: Maison Shalom Camarões: SOS Villages d’Enfants Cameroun, Plan Cameroun Filipinas: Lowel Bisenio Congo Brazzaville: ASUDH/Gothia Cup Congo Kinshasa: Fordesk, APEC, APROJEDE Gambia: Child Protection Alliance (CPA) Gana: Ministério da Educação, ATWWAR – Ekua Ansah Eshon, Ghana NGO Coalition on the Rights of the Child (GNCRC), Unicef, VRA Schools Guiné: Ministério da Educação, CAMUE Guinée, Parlement des Enfants de Guinée Guiné Bissau: Ministério da Educação Nacional, AMIC Índia: City Montessori School Lucknow – Shishir Srivastava, Times of India’s Newspaper in Education, Peace Trust – Paul Baskar, Barefoot College, Tibetan Children’s Villages, CREATE, Hand in Hand Quênia: Ministério da Educação, Diretor Provincial de Educação

Nós o WCPRC e a Votação MundialConsulte o Suplemento da Votação

O Júri do Prêmio das Crianças do MundoPág. 84 e Suplemento da Votação pág. 36–41

Gandhi votaSuplemento da Votação pág. 2

CANADÁ

EUA

MÉXICO

COLÔMBIA

BRASIL

SUÉCIA

ISRAELPALESTINA

SERRA LEOAGUINÉ-BISSAU

BOLÍVIA

GANA

BENIN

NIGÉRIA

ZIMBABWE

SUDÃO

CAMARÕES

R.D. CONGOPERU

REINO UNIDO

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www.worldschildrensprize.org

THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE FOR THE RIGHTS OF THE CHILD

Världsomröstning Votación Mundial Vote Mondial Votação Mundial

BO PHIEU TOAN CAU

Votação Mundial

Global Vote!

O PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

ESTE É

Iqbal Masih Paquistão

Iqbal Masih Paquistão

Iqbal Masih Paquistão

Iqbal Masih Paquistão

Iqbal Masih Paquistão

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

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Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

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Década Votação Mundial 2009

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Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Década Votação Mundial 2009

Asfaw Yemiru Etiópia

Asfaw Yemiru Etiópia

Asfaw Yemiru Etiópia

Asfaw Yemiru Etiópia

Asfaw Yemiru Etiópia

Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia

Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia

Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia

Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia

Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia

Maggy Barankitse Burundi

Maggy Barankitse Burundi

Maggy Barankitse Burundi

Maggy Barankitse Burundi

Maggy Barankitse Burundi

A associação dos órfãos, AOCM, Ruanda

A associação dos órfãos, AOCM, Ruanda

A associação dos órfãos, AOCM, Ruanda

A associação dos órfãos, AOCM, Ruanda

A associação dos órfãos, AOCM, Ruanda

Nkosi Johnson África do Sul

Nkosi Johnson África do Sul

Nkosi Johnson África do Sul

Nkosi Johnson África do Sul

Nkosi Johnson África do Sul

Nelson Mandela Graça Machel África do Sul, Moçambique

Nelson Mandela Graça Machel África do Sul, Moçambique

Nelson Mandela Graça Machel África do Sul, Moçambique

Nelson Mandela Graça Machel África do Sul, Moçambique

Nelson Mandela Graça Machel África do Sul, Moçambique

Dunga Mothers, Quênia

Dunga Mothers, Quênia

Dunga Mothers, Quênia

Dunga Mothers, Quênia

Dunga Mothers, Quênia

James AguerSudão

James AguerSudão

James AguerSudão

James AguerSudão

James AguerSudão

Betty Makoni Zimbabwe

Betty Makoni Zimbabwe

Betty Makoni Zimbabwe

Betty Makoni Zimbabwe

Betty Makoni Zimbabwe

Somaly MamCamboja

Somaly MamCamboja

Somaly MamCamboja

Somaly MamCamboja

Somaly MamCamboja

Maiti NepalNepal

Maiti NepalNepal

Maiti NepalNepal

Maiti NepalNepal

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Craig Kielburger Canadá

Craig Kielburger Canadá

Craig Kielburger Canadá

Craig Kielburger Canadá

Craig Kielburger Canadá

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO PELOS DIREITOS DA CRIANÇA

16–20

Pág.

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VOTE NO SEU HERÓI DA DÉCADA!

Votação Mundial 2009:15 abril –25 outubro

GLOBEN é distribuída com o apoio da Sida (Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento), Save the Children Suécia, entre outros.Box 150, 647 24 Mariefred, SuéciaTel. +46-159-12900 Fax +46-159-10860e-mail: [email protected]

Diretor responsável e editor chefe: Magnus BergmarColaboradores das edições 50-51: Andreas Lönn, Paul Blomgren, Johanna Hallin, Tora Mårtens, Ragna Jorming, Carmilla Floyd, Gunilla Hamne, Kim Naylor, Annika Forsberg Langa, Sofi a Klemming, Elin Berge, Mark Vuori, Louise Gubb, Bo Öhlén, Göte Winberg Ilustrações & mapas: Jan-Åke Winqvist, Lotta Mellgren, Karin Södergren Design:Fidelity Tradução: Tamarind (inglês, espanhol), Cinzia Gueniat (francês), Glenda Kölbrant (português), JaneVejjajiva (tailandês), Preeti Shankar (hindu), M.A Jeyaraju (tamil), Tran Thi Van Anh (vietnamita). A revista também está disponível em sueco, árabe e Farsi (persa). Foto da capa: Paul Blomgren Pré-impressão: Done Impressão: PunaMusta Oy ISSN 1102-8343

Júri do prêmio. Todas as crianças, jovens e professores das Escolas Amigas Mundiais. Todos os Amigos Adultos Honorários, Amigos Adultos e colaboradores. Diretoria e Conselho Consultivo da Fundação Prêmio das Crianças do Mundo, direção da organização Mundo das Crianças e IFES (Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais).

Em Bangladesh: Svalorna/The Swallows, SASUS Benin: Juriste Echos Consult Brasil: Grupo Positivo (Portal Positivo, Portal Educacional, Portal Aprende Brasil) TV Cultura, SEMED-Santarém (PA), 5ª Unidade Regional de Educação/SEDUC-PA, SME-Monte Alegre (PA), SME-Juruti (PA), Projeto Rádio pela Educação/Rádio Rural de Santarém, SME-São José dos Campos (SP), SME-Balsa Nova (PR), SME-Rio Branco do Sul (PR), Comitê para a Democratização da Informática do Paraná, ONG Circo de Todo Mundo, Ofi cina de Imagens, Samuel Lago, Christiane Sampaio Burkina Faso: Art Consult et Développement Birmânia: BMWEC, Community Schools Program Burundi: Maison Shalom Camarões: SOS Villages d’Enfants Cameroun, Plan Cameroun Filipinas: Lowel Bisenio Congo Brazzaville: ASUDH/Gothia Cup Congo Kinshasa: Fordesk, APEC, APROJEDE Gambia: Child Protection Alliance (CPA) Gana: Ministério da Educação, ATWWAR – Ekua Ansah Eshon, Ghana NGO Coalition on the Rights of the Child (GNCRC), Unicef, VRA Schools Guiné: Ministério da Educação, CAMUE Guinée, Parlement des Enfants de Guinée Guiné Bissau: Ministério da Educação Nacional, AMIC Índia: City Montessori School Lucknow – Shishir Srivastava, Times of India’s Newspaper in Education, Peace Trust – Paul Baskar, Barefoot College, Tibetan Children’s Villages, CREATE, Hand in Hand Quênia: Ministério da Educação, Diretor Provincial de Educação

para as Províncias Western e Nyanza, CSO Network para as Províncias Western e Nyanza – Betty Okero Mauritânia: Association des Enfants et Jeunes Travailleurs de la Mauritanie México: Secretaria de Desenvolvimento Humano Governo de Jalisco – Gloria Lazcano Moçambique: Ministério da Educação e Cultura, SANTAC (Southern African Network Against Traffi cking and Abuse of Children), Graça Machel Nepal: Maiti Nepal Nigéria: Ministério Federal da Educação, Ministérios da Educação em Kogi State, Lagos State, Ogun State, e Oyo State, Unicef, Royaltimi Talents Network – Rotimi Samuel Aladetu, CHRINET, Children’s Rights Network – Moses Adedeji Paquistão: BLLFS, BRIC, PCDP Ruanda: AOCM Senegal: Ministério da Educação, Ministério da Mulher, da Família e do Desenvolvimento Social, EDEN - Lamine Gaye, Save the Children Suécia, Unicef África do Sul: Ministério da Educação, Departa mento Nacional de Educação, Departamentos de Educação do Leste, Oeste e Norte do Cabo, Departamento de Educação do Noroeste e Departamento de Desenvolvimento Social, Distrito Municipal de Bojanala Platinum e Departa mento de Educação, Distrito de Educação de Qumbu, Marlene Winberg Tailândia: Ministério da Educação, Duang Prateep Foundation República Tcheca: Vzajemne Souziti Uganda: Associação dos Governos Locais de Uganda – Gertrude Rose Gamwera, Wakiso District, BODCO, GUSCO Reino Unido: Diretor dos Direitos da Criança da Inglaterra – Roger Morgan, Oasis School of Human Relations Vietnã: Comitê para População, Família e Crianças do Vietnã – CPFC, Voz do Vietnã – VOV Children’s Programme, Nguyen T.N. Ly, Save the Children Suécia Zimbabwe: Girl Child Network

o WCPRC e a Votação MundialConsulte o Suplemento da Votação Obrigado à vaca!

Pág. 67

Meu guarda-roupasSuplemento da Votação pág. 5

Bola de meia Pág. 53

Bola de folha de bananeira Pág. 72

Bola de jornal Pág. 78

… e uma bola de futebol comum!

SUÉCIA

MOÇAMBIQUE

ISRAEL PAQUISTÃOPALESTINA

RUANDA

ÁFRICA DO SUL

BURUNDI

ÍNDIANEPAL

TIBETE

TAILÂNDIA VIETNÃGANA

BENIN

NIGÉRIA

ZIMBABWE

SUDÃO

CAMARÕES

ETIÓPIA

BURMA

R.D. CONGO

QUÊNIA

BANGLADESH

CAMBOJA

REINO UNIDO

Bola de sacolas de plásticoPág. 25

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Page 4: El Globo no 50 Port

4

Olá Amigo Mundial! O Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança (WCPRC) pertence a você e a todas as outras crianças e jovens menores de 18 anos do mundo! Sua escola (ou grupo) é uma das quase 50.000 Escolas Amigas Mundiais, com 22 milhões de alunos, em 94 países. E esse número cresce rapidamente.

Esse ano é a décima edição do WCPRC. Iremos celebrar essa data votando no Herói dos Direitos da Criança da Década, nos dez anos da Votação Mundial. Em 2009, o WCPRC ocorre de 15 de Abril a 25 de Outubro. No dia 20 de Novembro, no 20° aniversário da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, você e as crianças de todo o mundo irão revelar qual dos 13 candidatos é o seu Herói da Década!

No ano 2000, a escola Montessori Droppen, da cida-

de sueca Haparanda, tornou-se a primeira Escola Amiga Mundial. Ela é também a Escola Amiga Mundial sediada mais ao norte do plane-ta. O pátio da escola é coberto por uma densa camada de neve durante seis meses no ano. Nos

intervalos, as crianças fazem bolas de neve e atiram umas nas outras.

A segunda Escola Amiga Mundial que se registrou no ano 2000 tem tanta areia quanto a primeira tem em neve. A luta que as crianças da escola Gacomo Dheer, da Somália, África, experimen-taram não lembra em nada as disputas com bolas de neve das crianças em Haparanda. É uma guerra de verdade, com granadas e minas terrestres.

Prêmio das Crianças do Mundo em todas as disciplinasOs 13 candidatos à Herói da Década das Crianças são pes-soas e organizações homena-geadas com o prêmio da vota-ção das crianças, o Prêmio dos Amigos Mundiais, e o do júri infantil, o Prêmio das Crianças do Mundo, durante

os primeiros nove anos do WCPRC, de 2000 a 2008.

Há mais informações sobre os nomeados e as crianças pelas quais eles lutam no www.worldschildrens-prize.org.

Esse ano, o período do WCPRC é diferente do usual. Ele ocorre de 15 de Abril a 25 de Outubro. Você pode deci-dir quando irá promover o seu Dia da Votação Mundial, porém aqui apresentamos algumas datas particular-mente adequadas:– 15 Setembro: Dia

Internacional da Democracia da ONU

– 21 Setembro: Dia Internacional da Paz da ONU

– 5 Outubro: Dia Internacional da Criança da ONU

– 24 Outubro: Dia Internacional da ONU

Seu prêmio pelos seus direitos

CRIANÇAS POR UMA MUDANÇA

As crianças que participam do WCPRC são agentes de mudanças. Elas atuam de forma ativa para assegurar um notável respeito pelos direitos da criança. No suplemento da Votação Mundial, muitas crianças explicam como elas gostariam que as coisas

Votação Mundial na Nigéria.

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A escola Gacomo Dheer, na Somália, foi a segunda Escola Amiga Mundial.

Muitas escolas trabalham com o Prêmio das Crianças do Mundo durante várias semanas ou meses, em dife-rentes disciplinas, até mesmo matemática! Uma boa pro-posta para estudar os direitos da criança e o prêmio segue nesta ordem:

1. Os Direitos da Criança no seu país Você pode começar apren-dendo mais sobre os direitos da criança com a ajuda da revista do prêmio (pp. 8–11) e no www.worldschildrenspri-ze.org. Se você mora em um país onde há muitas escolas Amigas Mundiais, você rece-berá junto com as revistas, um folheto informativo sobre a situação dos direitos da criança no seu país.

– Graças à revista O Globo, aprendi sobre meus direitos. Eu gostaria que todas as crianças do mundo partici-passem todos os anos da Votação Mundial. Sei que muitos adultos em meu país não sabem que os Direitos da Criança existem, diz Massala, de Brazzaville, capi-tal do Congo.

– Devemos ensinar aos adul-tos quais são nossos direitos, diz Adou, da Costa do Marfim. Koffi, da Costa do Marfim, não confia nos adultos:

– Nós, crianças, devemos lutar por nossos direitos. Eles não serão conquistados facil-mente. Eu não entendo por-que os adultos não respeitam os direitos da criança.

– Eu gostaria que existisse um ministro para as crianças. Uma criança ministro se cer-tificaria que nossos direitos fossem respeitados, pensa Coumba, do Senegal.

– Muitos adultos não acre-ditam que as crianças tenham opiniões sobre temas como escola e sociedade, diz Carine, do Brasil. Aishwarya, da Índia, concorda: – Os adultos nos subestimam. Deveríamos ter a chance de expressar nossas opiniões sempre, como fazemos no WCPRC. As crianças são a maior possibilidade de desen-volvimento para o mundo. Como estão os direitos da criança em sua vida? Em casa? Na escola? No lugar onde você mora e no seu país? Os políticos escutam as crian-ças? O que deveria mudar? Os adultos tratam bem as crian-ças, ou alguma coisa deveria ser diferente? Como você e seus amigos podem falar para seus pais, professores, políti-cos, jornalistas e outros adul-tos que os direitos da criança não estão sendo respeitados e como as coisas deveriam ser?

Ayanda da África do Sul sabe o que dizer:

– Vocês, adultos, devem me tratar da mesma forma como queriam ser tratados quando eram crianças!

2. Os Direitos da Criança no mundo No suplemento da Votação Mundial, você pode ler mais sobre o que crianças e adoles-centes de diferentes países pensam sobre os direitos da criança, o Prêmio das Crianças do Mundo e a Votação Mundial. Você tam-bém pode aprender sobre os direitos da criança no mun-do, a partir da leitura das experiências de vida das crianças do júri (veja a histó-ria de Bwami nas páginas 36–41, do suplemento e as histórias de todas as crianças do júri no www.worldschil-drensprize.org).

3. Conheça os candidatos Depois de descobrir e discutir os direitos da criança, é hora de conhecer os candidatos ao prêmio desse ano e as crian-ças por quem lutam. Nas páginas 16–83 da revista do

prêmio, você irá conhecer os candidatos e as crianças pelas quais eles lutam por uma vida melhor. Como você certamente irá perceber, todos os nomeados ao prêmio promovem ações fantásticas pelas crianças. E os sentimentos e pensamen-tos das crianças são exata-mente como seriam os seus, se você tivesse vivido as mes-

Seu prêmio pelos seus direitos

fossem. Na página 42, James de Gana diz: “O chicote é rei na nossa escola”. O castigo físico é proibido em 23 países. Como é no seu país? Escreva para o WCPRC através do [email protected] e conte qual é a situação na sua casa, na sua escola, e o que você pensa sobre isso. Os participantes têm a chance de ganhar uma camiseta do WCPRC e um CD da Gabatshwane.

A escola Montessori Droppen, em Haparanda, Suécia, foi a primeira Escola Amiga Mundial no ano 2000. Hoje, há cerca de 50.000 Escolas Amigas Mundiais.

Votação Mundial na R.D. do Congo.

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O WCPRC e a Votação Mundial não são uma

competição. Todos os candi-datos realizaram ações fantás-

ticas pelos Direitos da Criança e, por isso, serão homenageados na

cerimônia do prêmio.

mas experiências que elas. Elas são como você. Você pode ler a revista do prêmio como dever de casa. Pode fazer uma exposição ou peça teatral sobre os candidatos ao prêmio e os direitos da crian-ça. Quem sabe uma ”viagem” como repórter, aos países dos candidatos. Seu professor pode encontrar mais idéias sobre como trabalhar com o WCPRC no Manual do Professor e na seção do site do prêmio dedicada a eles.

Para fazer uma escolha jus-ta, você precisa conhecer bem e igualmente todos os candi-datos ao prêmio e as crianças pelas quais eles lutam. Normalmente, são concedi-dos três prêmios:

Global Friends’ Award (Prêmio dos Amigos Mundiais), que é o seu prê-mio e o de todas as outras crianças votantes. Na primei-ra Votação Mundial, em 2001, votaram 19.000 crianças. Em 2008, 6,6

milhões de crianças votaram. World’s Children’s Prize

(Prêmio das Crianças do Mundo) é o prêmio do Júri Infantil.

World’s Children’s Honorary Award (Prêmio de Honra das Crianças do Mundo) que é entregue ao(s) candidato(s) que não receber nenhum dos outros dois prêmios.

Em 2009, ao invés dos prê-mios usuais, haverá um prê-mio ao Herói dos Direitos da Criança da Década.

4. Organize e seja responsável pelo seu Dia da Votação Mundial Depois de conhecer todos os candidatos, algumas escolas confeccionam cartazes eleito-rais e promovem discursos. Por se tratar da sua votação, é importante que vocês, crianças e adolescentes, aju-dem a organizá-la. No suple-mento da Votação Mundial, você pode ler sobre como a votação é promovida em todo

o mundo. Para realizar uma Votação Mundial democráti-ca, você precisa: • Registro Eleitoral. Uma lis-

ta com o nome de todos os votantes que têm direito a voto na sua Votação Mundial.

• Cédulas eleitorais. Você pode cortar as cédulas das publicações que recebeu. Ou, se não forem sufi cien-tes, pode copiar o modelo que está na última página do suplemento da Votação Mundial ou criar sua pró-pria cédula. Se você não tem papel sufi ciente, cada eleitor escreve um número de 1 a 13 para a sua ou seu candidato(a) num papel de rascunho.

• Cabine eleitoral. Para que ninguém veja em quem você vota.

• Urna eleitoral. Todas as cédulas eleitorais devem ser colocadas dentro da mesma urna. Você não deve ter uma urna para cada um dos candidatos, pois assim as pessoas saberão quem vota em quem.

• Tinta contra fraude. Anote na lista de eleitores quem já votou, ou então pinte um dedo depois que o eleitor depositar seu voto na urna.

• Mesário. Marca na lista o nome das crianças votantes e entrega as cédulas eleito-rais.

• Fiscal eleitoral. Fiscaliza a votação, a marcação com tinta e a apuração dos votos.

• Apuradores. Contam os votos e enviam o resultado da votação.

O Dia da Votação Mundial Decida a data da sua Votação Mundial com antecedência. Na África do Sul, no México e no Brasil, por exemplo, todas as escolas de um mesmo muni-cípio escolheram um único dia para a promoção da Votação Mundial, em todas as escolas. Alguns países, estão pensando em introduzir um Dia da Votação Mundial nacional.

Agora que você é especialis-ta em direitos da criança, já sabe como exigir respeito por estes direitos. Você sabe tudo sobre os candidatos ao prêmio e as crianças que eles ajudam. Também já conhece seus prêmios e sabe como uma Votação Mundial democrática funciona. Boa sorte com seu Dia da Votação Mundial! Compartilhe com o WCPRC e diga como foi e o que você pensa sobre os direitos da criança, o WCPRC e a Votação Mundial.

Convide a imprensaNão se esqueça de convidar a imprensa, rádio e TV para participar do seu Dia da Votação Mundial! Conte aos jornalistas sobre os direitos da criança e como eles poderiam ser mais respeitados. Explique a eles sobre o WCPRC e o tra-balho dos nomeados. Envie cópias de reportagens publica-das para o WCPRC e nos con-te o que você fez.

Hora para celebrar! O seu Dia da Votação Mundial é uma data impor-tante. Não se esqueça de cele-brar! No Deserto de Thar, no Paquistão, os alunos celebram a Votação Mundial dançando e tomando chá com biscoitos ao pôr do sol. Em Santarém, no Brasil, há uma apresenta-ção de dança e são servidas frutas da Amazônia. Na Suécia, são servidos bolos decorados com o arco-íris do WCPRC.

Informe o resultado da sua votação para todos os candidatos Não se esqueça de informar o resultado da votação na sua

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Votação Mundial para as crianças da Índia, órfãs devido ao Tsunami.

Meena vota na Votação Mundial, no deserto de Thar, no Paquistão.

ATENÇÃO! Não é uma disputa!

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Page 7: El Globo no 50 Port

7

7

O júri escolhe os candidatos ao prêmio

O júri infantil internacional de 2008 com a Rainha Silvia da Suécia, após a cerimônia do prêmio.

AMIGOS ADULTOS DE HONRAHá adultos especiais que são patronos do Prêmio das Crianças do Mundo. Eles são chamados de Amigos Adultos de Honra. Alguns são patronos em todo o mundo, outros em seus países. A Rainha Silvia foi a primeira Amiga Adulta de Honra. Entre eles estão Nelson Mandela, Graça Machel, o primei-ro ministro Xanana Gusmão, do Timor Leste, o presidente e ganhador do prêmio Nobel da Paz José Ramos Horta, do Timor Leste, o ganhador do prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz, a ex-chefe do Unicef Carol Bellamy, dos EUA, o ex-presidente do Conselho de Segurança da ONU e ex-assistente do secretário geral da ONU para crianças em situação de conflito armado, Olara Otunnu, Uganda, o chefe indígena Oren Lyons, da Nação Onondaga (EUA), o filósofo Ken Wilber, dos EUA e a top model e ex-refugiada Alek Wek, do Sudão e Reino Unido. Envie sugestões de pesso-as que você gostaria de ver como um Amigo Adulto de Honra e apresente suas razões!

O Amigo Adulto de Honra Nelson Mandela sorri ao ler os quadrinhos sobre sua vida na revista O Globo.

A Rainha Silvia da Suécia.

Convide mais pessoas para se tornarem Amigos Mundiais!Muitas escolas e estudantes no mundo não sabem que são bem vindos a se tornarem Escolas Amigas Mundiais. Você e sua escola podem convidar outras escolas da vizi-nhança! Tornar-se uma Escola Amiga Mundial é gratuito. Para registrar uma escola, precisamos do nome da escola, endereço postal, uma pessoa da escola como nosso contato (professor ou diretor) e o número total de alunos matriculados. Enviaremos à escola o diploma de Amiga Mundial. O diploma concede à escola o direito de traba-lhar com o Prêmio das Crianças do Mundo e o direito de voto para todos os alunos menores de 18 anos na Votação Mundial.

Elas lutam pelos Direitos da Criança. Cada criança do júri representa todas as crianças do mundo que vivenciaram semelhantes violações aos Direitos da Criança, ou lutam por eles. Você pode aprender sobre diferentes aspectos dos Direitos da Criança lendo sobre as crianças do júri no suplemento da Votação Mundial e no www.worldschil-drensprize.org. É difícil ser membro do júri. Milhões de crianças em todo o mundo vão ter uma amostra e aprender com a vida de cada uma das crianças do júri. Por isso, são as violações aos Direitos da Criança pelas quais você passou, ou a sua luta pelo respeito aos Direitos da Criança e sua história de vida, que decidem se você pode fazer parte do júri. As crianças do júri devem, se possível, representar todos os conti-nentes e todas as principais religiões.

As crianças do júri, que vêm de cerca de 15 países, são especialistas em Direitos da Criança a partir de sua pró-pria experiência de vida. Elas foram, por exemplo, sol-dados-mirins, escravas, refugiadas ou crianças de rua.

escola, com o número de votos que cada um dos 13 candidatos recebeu, até o dia 25 de outubro. Os votos do mundo inteiro serão conta-dos em conjunto. O resulta-do pode ser informado atra-vés da urna disponível no site www.worldschildrensprize.org, por e-mail para [email protected], pelo fax +46 159 108 60 ou pelo correio para WCPRC, Box 150, 647 24 Mariefred, Suécia. Em alguns países, as escolas enviam o resultado da Votação Mundial para os coordenadores do WCPRC em seu país de origem.

Cerimônia do prêmio 2010No dia 20 de Novembro, crianças de todo o mundo

irão revelar quem é o seu Herói dos Direitos da Criança da Década. Se você quiser saber o resultado, confira www.worldschil-drensprize.org. A cerimônia de premiação sempre se rea-liza no meio do mês de Abril, em memória à Iqbal Masih, do Paquistão, o primeiro agraciado com o WCPRC, que foi assassinado no dia 16 de Abril de 1995. O Herói da Década irá receber seu prê-mio em Abril de 2010.

5. Exija respeito! Quando o seu país ratificou a Convenção dos Direitos da Criança da ONU – todos os países do mundo o fizeram, com exceção dos Estados Unidos e da Somália – seu

país se comprometeu a fazer todo o possível para que os direitos da criança sejam res-peitados. Seu país deve infor-mar às pessoas, adultos e crianças, o que são os direi-tos da criança, numa lingua-gem acessível a todos. O WCPRC ajuda o seu país a fazer isto. Agora que você é especialista em direitos da criança, você pode lembrar e ensinar aos adultos o que são os direitos da criança em casa, na escola, para jorna-listas e políticos. Você tam-bém pode expressar suas rei-vindicações, para que os direitos da criança sejam res-peitados! Deixe que seus pais leiam essa revista.

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os Direitos da CriançaA Convenção dos Direitos da Criança da ONU consiste em 54 artigos. Abaixo apresentamos uma versão resumida. Nem todos os artigos são apresentados aqui. A Convenção na íntegra está disponível em: www.worldschildrensprize.org.Princípios Básicos da Convenção • Todacriançatemosmesmosdireitoseomesmovalor.• Todacriançatemdireitoatersuasnecessidadesbásicas

satisfeitas. •Todacriançatemdireitoaproteçãocontraaviolênciae

a exploração. • Todacriançatemdireitoaexprimirsuasidéiaseaser

respeitada.

Artigo 1Todos os menores de 18 anos, no mundo inteiro, têm esses direitos acima mencionados.

Artigo 2Toda criança tem o mesmo valor.

Toda criança tem os mesmos direitos. Nenhuma pode ser discriminada.

Você não pode ser tratado/a de forma diferente por sua aparência, cor de pele, sexo, língua, religião e opinião.

Artigo 3Aqueles que tomam decisões que afetam as crianças devem, antes de tudo, pensar no que é melhor para elas.

Artigo 6 Você tem o direito à vida e a um desenvolvimento saudável.

Artigo 7 Você tem direito a um nome e a uma nacionalidade.

Artigo 9Você tem direito a viver com seus pais, desde que isso não seja prejudicial à você. Você tem direito de crescer, se possível, na companhia dos seus pais.

Artigos 12–15 Toda criança tem direito de dizer o que pensa. As crian-ças devem ser consultadas e sua opinião deve ser respeita-da em todas as decisões que lhe dizem respeito: no lar,

na escola, junto às autorida-des e nos tribunais.

Artigo 18Seus pais têm a responsabili-dade conjunta pela sua edu-cação e desenvolvimento. Eles devem sempre pensar no que é melhor para você.

Artigo 19 Você tem direito à proteção contra toda forma de violên-cia, contra os maus tratos e os abusos. Você não pode ser explorado por seus pais ou outros responsáveis pela sua tutela.

Artigos 20–21 Você, que foi privado/a do convívio familiar, tem direito a receber proteção especial.

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20 de Novembro é um dia de comemoração para todas as crianças do mundo. Em 1989, nesta data, a ONU aprovou a CONVENÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA, que celebra seu 20° aniversário este ano! Ela também é chamada de CONVENÇÃO DA CRIANÇA e se destina a você e a todas as crianças menores de 18 anos. Todos os países, com exceção da Somália e dos EUA, ratifica-ram (se comprometeram a seguir) a Convenção da Criança. Isso significa que eles são obrigados a levar em consideração os direitos da criança e escutar o que as crianças têm a dizer.

os Direitos da CriançaArtigo 22 Se você for obrigado/a a fugir do seu país natal, terá os mes-mos direitos que as crianças do país que o/a receber. Se tiver fugido sozinho/a, terá direito à ajuda especial. Se possível, você será reunido/a à sua família.

Artigo 23 Toda criança tem direito a uma vida digna. Se você é portador de uma deficiência, tem direito a cuidados especiais.

Artigo 24 Caso fique doente, tem direito a receber a ajuda e o tratamento médico necessários.

Artigos 28–29 Você tem direito a ir à escola e aprender conhecimentos importantes, como por exem-plo, o respeito pelos direitos humanos e por outras culturas.

Artigo 30 As idéias e crenças de todas as crianças devem ser respeitadas. Você, que faz parte de algum grupo minoritário, tem direito à sua língua, cultura e religião.

Artigo 31 Você tem direito a brincar, a descansar, ao tempo livre e a um meio ambiente saudável.

Artigo 32Você não pode ser forçado/a a realizar trabalhos perigosos e prejudiciais à saúde, ou que prejudiquem seu desempenho escolar.

Artigo 34 Você não pode ser explorado/a ou obrigado/a a se prostituir. Se for maltratado/a, terá direito à ajuda e proteção.

Artigo 35 Ninguém tem direito a raptá-lo/a ou vendê-lo/a.

Artigo 37 Você não pode ser castigado de forma cruel e humilhante.

Artigo 38 Você não pode ser recrutado/a como soldado e participar de conflito armado.

Artigo 42Toda criança e adulto devem conhecer a Convenção dos Direitos da Criança. Você tem direito a receber informação e a conhecer os seus direitos.

Eu exijo respeito aos direitos da criança!

TribunA infAnTil

Pelos DireiTos DA CriAnçA

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2,2 BILHÕES DE CRIANÇAS MENORES DE 18 ANOS80 milhões destas crianças vivem na Somália e nos Estados Unidos, países que não se comprometeram a respeitar os direitos da criança. Todos os demais assumiram o pacto de defender esses direitos.

Saúde e atendimento médicoVocê tem direito a uma alimenta-ção saudável, à ter acesso à água potável e receber atendimento médico.

Todos os dias, 25.000 crianças menores de cinco anos morrem (9,2 milhões anualmente) de doenças causadas pela fome, falta de água potável, assistência médica e condições inadequadas de higiene. A vacinação contra as doenças infantis mais comuns salva 3 milhões de vidas todo ano. Entretanto, 1 em cada 5 crianças nunca é vacinada. Todos os anos, 1,4 milhões de crianças morrem de doenças que poderiam ser pre-venidas através de vacinas. 6 para cada 10 crianças dos 50 países mais pobres não têm acesso à água limpa. Todos os anos, 1 milhão de pessoas morrem de malária, a maioria são crianças. Somente 1 para cada 3 crianças recebe tratamento para malária e apenas 1 para cada 4 crianças nos países com malária dorme protegida por mosquiteiro.

Nome e nacionalidadeAo nascer, você tem o direi-to de receber um nome e ser registrado como cida-dão do seu país natal.

Todos os anos, 136 milhões de crianças nas-cem no mundo. Porém, cerca de 48 milhões nunca são registradas. Isso signi-fi ca que não há nenhum documento que prove sua existência!

Sobrevivência e desenvolvimentoToda criança tem direito à vida. Os países que ratifi caram a Convenção dos Direitos da Criança devem se esforçar ao máximo para que as crianças sobrevivam e se desenvolvam.

1 em cada 14 crianças (1 em cada 7 nos países mais pobres) do mundo morre antes de completar cinco anos, na maioria das vezes, devido a doenças que poderiam ser evitadas.

Casa, roupa, comida e segurançaVocê tem direito à moradia, alimentação, roupas, educação, atendimento médico e segurança.

Mais da metade das crianças do mundo vivem na pobreza. Cerca de 700 milhões de crianças contam com menos de 1,25 dólar por dia para viver. Outras 500 milhões de crianças vivem com menos de 2 dólares por dia

Crianças com necessidades especiaisAs crianças portadoras de defi ciências têm os mesmos direitos que qualquer outra criança. Elas têm o direito de receber apoio e desfrutar de uma vida plena, que possibilite sua participação ativa na comunidade.

As crianças portadoras de necessidades especiais estão entre as mais vulneráveis do mundo. Em muitos países, elas não podem frequentar a escola. Muitas são tratadas como se tivessem menos valor e são escondidas. Há 110 milhões de crianças com necessidades especiais no mundo.

Como estão as crianças no mundo?

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Trabalho infantil nocivo Você tem direito de receber proteção contra a exploração econômica e contra o trabalho prejudicial à sua saúde e/ou que o impeça de frequentar a escola. O trabalho é proibido para todas as crianças menores de 12 anos.

Cerca de 240 milhões de crian-ças com idade entre 5 e 14 anos trabalham. Para 3 entre cada 4 delas, o trabalho é nocivo à sua segurança e saúde. Cerca de 8 milhões estão sujeitas às piores formas de trabalho infantil, como por exemplo, a escravidão por dívidas, a prostituição infan-til ou as atividades militares. Todo ano, pelo menos 1,2 milhão de crianças são expos-tas ao ‘tráfi co’, que é o comércio de escravos da atualidade.

Proteção na guerra e na fugaVocê tem direito à proteção e assistência humanitária em casos de guerra ou refúgio. Crianças vítimas de confl ito e refugiadas têm os mesmos direitos que qualquer outra criança.

Nos últimos 15 anos, pelo menos 2 milhões de crianças morreram em guerras. 6 milhões sofreram lesões físi-cas graves. 10 milhões de crianças sofreram danos psi-cológicos graves. Um milhão perderam os pais ou foram separadas deles. 300.000 crianças foram usadas como soldados, carregadores ou cavadores de minas (Todos os anos, 2.500 crianças morrem ou são feridas por minas.) Pelo menos 25 milhões de crianças tiveram que fugir de suas casas e países.

Crianças de povos autóctones e minoriasCrianças de grupos minoritá-rios ou de povos autóctones têm direito a ter uma língua, cultura e religião próprias. Povos autóctones são, por exemplo, os índios das Américas, os aborígines da Austrália e os lapões do norte da Europa.

Os direitos das crianças per-tencentes aos povos autócto-nes e às minorias são fre-quentemente violados. Seus idiomas não são respeitados, elas são humilhadas e discri-minadas. Muitas dessas crianças não têm acesso à assistência médica.

Crianças que vivem nas ruas Você tem o direito de viver em um ambiente seguro. Todas as crianças têm direito à educa-ção, à assistência médica e a um padrão de vida decente.

60 milhões de crianças usam a rua como seu local de moradia. Outras 90 milhões trabalham e passam os seus dias nas ruas, retornando à casa de suas famílias ao fi nal do dia.

Crime e puniçãoA prisão de crianças deve ser sempre o último recurso e pelo menor tempo possível. Nenhuma criança deve ser submetida à tortura ou qual-quer outra forma de tratamen-to cruel. Crianças que come-tem crimes devem receber assistência e ajuda. Crianças não devem ser punidas com prisão perpétua ou pena capital.

Pelo menos 1 milhão de crianças estão em prisões. Crianças presas são frequentemente maltratadas.

Escola e educaçãoVocê tem o direito de fre-quentar a escola. O ensino básico deve ser gratuito para todos.

Mais de 8 entre cada 10 crianças no mundo frequentam a escola. Porém, 101 milhões de crianças nunca puderam iniciar sua vida escolar. 150 milhões de crianças interrompem os estudos antes da quinta série.

Proteção contra a violênciaVocê tem direito à proteção contra qualquer forma de violência, negligência, maus-tratos e abusos.

A cada ano, 40 milhões de crianças são agredidas tão brutal-mente que precisam de tratamento médico. 23 países no mundo proibiram qualquer forma de punição física às crianças. Assim, apenas 3 para cada 100 crianças estão protegidas contra a violência pela lei. Muitos países ainda permitem castigos físicos na escola.

Como estão as crianças no mundo?

Você tem o direito de dizer o que pensa sobre todas as questões que lhe dizem respeito. Os adultos devem ouvir as opiniões das crianças antes de tomar decisões e sempre considerar o que é melhor para elas.

É esta a situação no seu país e no mundo hoje? Você e as demais crianças do mundo é que podem responder!

A SUA VOZ DEVE SER OUVIDA!

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THE WCPRC AWARD CEREMONY 2008WELCOME! VÄLKOMMEN! ¡BIENVENIDOS!BEM VINDOS!BIENVENUE!

CHAO MUNG !CHAOAOA MUNG !

THE GLOBAL FRIENDS’ AWARD

THE WORLD’S CHILDREN’S HONORARY AWARD

THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE

SOMALY MAM

JOSEFINA CONDORI

O prêmio das 6,6 milhões de crianças votantes

A rainha Silvia e os membros do júri infantil assistem à performance da Hanói College of Art, do Vietnã, que apresenta a dança do leão, na cerimônia do prêmio, no Castelo de Gripsholm, em Mariefred, Suécia.

A rainha Silvia entregou o Prêmio dos Amigos Mundiais e o Prêmio das Crianças do Mundo à Somaly Mam, que foi ao palco acompanhada de Sina Van e Sry Pov Chan.

6.593.335 crianças menores de 18 anos participaram da Votação Mundial 2008 e escolheram Somaly Man, do Camboja, para receber seu prêmio. Depois de ter sido ela própria escrava sexual quando criança, Somaly dedicou os últimos 13 anos a libertar meninas da escravidão sexual, oferecendo-as reabilita-ção e educação. O júri infantil internacional também apontou Somaly para receber seu prêmio.

e o prêmio do júri infantil

A rainha Silvia aplaude Josefi na, que recebeu o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo acompanhada de Luz

Garda e Sayda Teran. Josefi na é homenageada por sua luta de 15 anos em defesa das meninas que trabalham

como empregadas domésticas no Peru, muitas vezes em condições semelhantes à escravidão.

O PRÊMIO DE HONRA DAS CRIANÇAS DO

MUNDO

O PRÊMIO DOS AMIGOS MUNDIAIS

O PRÊMIO DAS CRIANÇAS DO MUNDO

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THE WCPRC AWARD CEREMONY 2008

THE WORLD’S CHILDREN’S PRIZE

SOMALY MAM

THE WORLD’S CHILDREN’S HONORARY AWARD

AgNES STEvENS

CERIMÔNIA DE PREMIAÇÃO WCPRC 2008

Umbono, da África do Sul, se apresentou durante a cerimônia de premiação.

Performance do Hanoi College of Art.

Os membros do júri Nga Thai Thi, do Vietnã, Laury Petano, da Colômbia, Maïmouna Diouf, do Senegal, e Rebeka Aktar, de Bangladesh, ao lado do representante das 6,6 milhões de crianças votantes, Tommy Rutten, dos EUA, durante a cerimônia.

Omar Bandak, da Palestina e Ofek Rafeli, de Israel

são membros do júri infantil internacional.

Depois que o júri infantil exi-giu respeito aos direitos da criança durante a cerimônia, a rainha Silvia disse:

– Eu também exijo respeito aos direitos da criança!

– Esta é uma cerimônia muito importante, quase uma cerimônia do Prêmio Nobel das crianças, continuou a rainha.

Agnes Stevens foi ao palco acompanhada de Ed Korpie e Brianna Audinett para receber o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo, entregue pela rainha Silvia. Agnes foi laureada porque, através de sua organização School on Wheels, luta há mais de 20 anos pelos direitos de mais de um milhão de crianças sem teto nos EUA.

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O PRÊMIO DE HONRA DAS CRIANÇAS DO MUNDO

O PRÊMIO DOS AMIGOS MUNDIAIS

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2000–2008Desde o início do Prêmio das Crianças do Mundo pelos Direitos da Criança no ano 2000, 14 homenageados com o prêmio foram agraciados com o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo, pelos esforços extraordinários que empreenderam na defesa dos direitos das crianças. Essas pessoas não estão incluidas na votação do Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009. Você pode ler mais a respeito dos homenageados com o prêmio de honra e suas ações em defesa das crianças no www.worldschildrensprize.org.

2000No primeiro ano, três crianças, entre bilhões que tiveram seus direitos viola-dos durante o século 20, foram home-nageadas postumamente (após a mor-te). As duas crianças agraciadas com o prêmio de honra foram Anne Frank, Holanda, e Hector Pieterson, África do Sul. Anne Frank morreu em um campo de concentração na Alemanha em Março de 1945. Hector Pieterson foi assassinado aos 12 anos, em Soweto, na África do Sul, no dia 16 de Junho de 1976.

2001Barefoot College, Índia, pelos seus esforços pioneiros em 35 anos, que incluem a criação do Parlamento das Crianças e das escolas noturnas no Rajastão.

Movimento das Crianças pela Paz, Colômbia, que mobiliza crianças para protestar contra a guerra e coordena atividades para trazer alegria à elas. 2002Casa Allianza, América Central,que trabalha em favor das crianças de rua.

2003Os 155.000 voluntários da Pastoral da Criança, Brasil, que trabalha para reduzir a mortalidade infantil e a desnu-trição entre as crianças pobres.

2004Paul e Mercy Baskar, Índia, que durante 25 anos lutaram contra o tra-balho infantil de risco.

2004Liz Gaynes e Emani Davis, EUA,que há 25 anos atuam em defesa dos direitos dos filhos de presidiários.

2005Ana María Marañon de Bohorquez, Bolívia, que há quase 25 anos luta pelas crianças que vivem nas ruas de Cochabamba.

2006Jetsun Pema, Tibete. A irmã do Dalai Lama trabalha há quase 45 anos pelos direitos das crianças refugiadas.

2007Cynthia Maung, Birmânia, que luta há 20 anos pela saúde e educação de centenas de milhares de crianças refu-giadas; tanto aquelas que vivem sob uma ditadura militar em Birmânia, quanto aquelas em campos de refugia-dos na Tailândia.

Inderjit Khurana, Índia, que há 23 anos dirige mais de cem escolas e duas linhas telefônicas de auxílio para algumas das crianças mais pobres da Índia, que vivem e trabalham nas plata-formas das estações de trem.

2008Josefina Condori, Peru, que há 15 anos luta pelas meninas que trabalham como domésticas, muitas vezes em condições semelhantes à escravidão.

Agnes Stevens, EUA, que junto com sua organização, School on Wheels, luta há 20 anos pelos direitos das crianças sem-teto nos EUA.

Homenageados – Prêmio de Honradas Crianças do Mundo

Anne Frank Hector Pieterson

Barefoot College

Inderjit Khurana

Agnes Stevens

Casa Allianza

Pastoral daCriança

Paul e MercyBaskar

Liz Gaynes e Emani Davis

Ana María Marañon de Bohorquez

Jetsun Pema

Cynthia Maung

Josefina Condori

Movimento das Crianças pela Paz

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Nomeados à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009

Há 13 candidatos à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009, que serão homenageados na Década da Votação Mundial, do dia 15 de Abril até 25 de Outubro de 2009. No dia 20 de Novembro, no aniversário de 20 anos da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, crianças em todo o mundo irão revelar o nome do Herói da Década.

As histórias dos nomeados e das crianças pelas quais eles lutam foram extraídas dos anos anteriores, quando os candidatos receberam o Prêmio dos Amigos Mundiais, das crianças votantes, ou o Prêmio das Crianças do Mundo, dos membros do júri. Isso significa, que hoje essas crianças são mais velhas do que eram nas histórias. Você pode ler mais sobre os nomeados e as crianças pelas quais eles lutam no www.worldschildrensprize.org.

2000Iqbal Masih, Paquistão (póstumo). Iqbal foi uma criança escrava por dívida de uma fábrica de tapetes. Ele foi reverenciado por sua luta em prol dos direitos das crianças escravas por dívida. Iqbal foi assassinado no dia 16 de Abril de 1995.Páginas 16–20

2001 Asfaw Yemiru, Etiópia.Asfaw era uma criança de rua aos 09 anos. Aos 14 anos, abriu sua primeira escola para crianças de rua debaixo de uma árvore de carvalho. Desde então, ele devota sua vida há quase 50 anos para oferecer às crian-ças mais vulneráveis da Etiópia uma chance de ir à escola. Páginas 21–25

2002Nkosi Johnson, África do Sul (póstumo). Nkosi lutou pelos direitos das crianças que sofrem com o HIV/AIDS até sua morte aos 12 anos de idade. Páginas 26–30

Maiti NepalMaiti luta contra o tráfico de meninas pobres do Nepal para a Índia, onde elas são forçadas a trabalhar como escravas sexuais em bor-déis, e que reabilita meninas vítimas deste tráfico. Páginas 31–35

2003Maggy Barankitse, Burundi. Maggy salvou dezenas de milhares de crianças órfãs da guerra que devastou o Burundi, e ofereceu a elas um lar, amor e acesso à escola, nos últimos 15 anos. Páginas 36–40

James Aguer, SudãoJames libertou milhares de crianças sequestradas e vítimas do trabalho escravo no Sudão nos últimos 20 anos. James já foi preso 33 vezes e dois de seus cole-gas foram assassinados. Páginas 41–45

2004Prateep Ungsongtham Hata, Tailândia. Prateep foi uma criança trabalhadora aos 10 anos. Desde que abriu sua primeira escola aos 16 anos, ela se dedica há quase 40 anos à luta para oferecer às crianças mais necessitadas a chance de ir à escola.Páginas 46–50

2005 Dunga Mothers, Quênia.20 mães no Quênia lutam há 12 anos pelos direitos das crianças órfãs da AIDS de frequentarem a escola, terem uma casa, alimenta-ção, amor e seus próprios direitos respeitados. Páginas 51–55

Nelson Mandela, África do Sul, Graça Machel, Moçambique. Mandela pela sua vida de luta pelos direi-tos iguais para todas as crianças da África do Sul e seu trabalho em defesa dos direitos das crianças. Machel pelos seus 25 anos de luta pelos direitos das crianças vulneráveis de Moçambique, em especial pelos direitos das meninas. Páginas 56–63

2006 Craig Kielburger, Canadá.Craig fundou a organização “Free the Children” aos 12 anos. Ele luta pelo direito das crianças e adolescen-tes de serem ouvidos e para libertar crianças da pobreza e de violações aos seus direitos.Páginas 64–68

AOCM, Ruanda. AOCM reúne 6000 pessoas órfãs vítimas do genocídio em Ruanda, que ajudam umas as outras a sobreviver, com-partilhando comida, roupas, educação, um lar, cuidados com a saúde e amor.Páginas 69–73

2007 Betty Makoni, Zimbabwe.Através da Girl Child Network, Betty encoraja meninas à reinvidicarem seus direitos, apóia aquelas expostas ao abuso e prote-ge outras do casamento for-çado, do tráfico e da explo-ração sexual.Páginas 74–78

2008Somaly Mam, Camboja.Somaly, que após ter sido uma escrava sexual quando criança, se dedica há 13 anos a libertar meninas da escravidão sexual, e oferece à elas reabilitação e educa-ção. Ela foi punida pelo tra-balho que realiza quando sua filha de 14 anos foi sequestrada, drogada, estu-prada e vendida para um bordel.Páginas 79–83

Homenageados – Prêmio de Honradas Crianças do Mundo

Iqbal Masih

Betty MakoniAOCM

Asfaw Yemiru

Nkosi Johnson Maiti Nepal

Maggy Barankitse James Aguer

Nelson Mandela e Graça Machel

Craig Kielburger

Somaly Mam

Prateep Ungsongtham Hata

Dunga Mothers

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Iqbal Masih

Por que Iqbal é noMeado?Iqbal Masih, do Paquistão, é nomeado postumamente (após sua morte) como Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta pelos direitos das crianças escravas por dívida. Muito cedo, Iqbal se tornou escra-vo por dívida de um dono de uma fábrica de tapetes, que o vendeu. Iqbal provavel-mente tinha 5-6 anos quan-do começou a trabalhar na fábrica de tapetes. Ele tra-balhava desde o início da manhã até à noite e geral-mente era maltratado. Cinco anos depois, ele foi liberta-do da escravidão por dívida. Ele começou a estudar na escola da Bonded Labour Liberation Front (BLLF, orga-nização para libertação dos escravos por dívida). Iqbal conversava com seus ami-gos que trabalhavam em fábricas de tapetes e discur-sava em reuniões. Ele enco-rajou muitas crianças que trabalhavam em tapeçarias a deixarem seus donos. Os donos ameaçaram Iqbal que, após receber um prê-mio nos EUA, foi assassina-do em 16 de abril de 1995. Em todo o mundo, ele é um símbolo da luta contra o tra-balho infantil prejudicial.

Iqbal Masih, ainda criança, quando se tornou escravo por dívida em uma fábrica de tapetes no Paquistão. depois de cinco anos, ele foi libertado. ele encorajou outras crianças para que também deixassem seus donos. Iqbal foi ameaçado pelos fabricantes de tapetes e assassinado em 16 de abril de 1995. ele é um símbolo da luta contra o traba-lho infantil e, em 2000, recebeu postumamente (após sua morte) o primeiro Prêmio das Crianças do Mundo, que também tem outro nome em memó-ria de Iqbal: Prêmio Iqbal Masih.

Iqbal tem cerca de cinco anos no seu primeiro dia de trabalho na fábrica de

tapetes. Mais tarde, quando sua mãe, Anayat, precisa de dinheiro para uma cirurgia, ela pega um empréstimo com Ghullah, fabricante de tape-tes. O empréstimo, chamado “peshgi”, é feito no nome de Iqbal. Isso significa que Iqbal deve 5.000 rúpias à Ghullah, o preço da cirurgia de sua mãe. Agora Iqbal é escravo por dívida e Ghullah toma as decisões sobre sua vida.

Quando Iqbal chega em

casa de volta da fábrica de tapetes, ele cai na cama e adormece. Às vezes, Ghullah o acorda por volta de meia-noite.

– Temos uma entrega de tapete que precisa ficar pron-ta. Levante-se logo.

Por causa da dívida peshgi Iqbal tem que ir, e Ghullah o arrasta, ainda meio dormin-do, pelas ruas estreitas até a fábrica de tapetes. Se Iqbal adormece durante o traba-lho, ele é acordado com um golpe de um garfo do tear.

Iqbal fogeUm dia, um garotinho da fábrica de tapetes está com febre alta. O dono, Ghullah, amarra os pés do garoto e o pendura de cabeça para bai-xo no ventilador de teto.

– Aqui sou eu que decido quando vocês trabalham, grita Ghullah.

Naquele momento, Iqbal decide que basta. Sempre que consegue, ele foge do trabalho. Iqbal e seus ami-gos costumam fugir quando Ghullah não está. Eles brin-cam o dia todo, sem se preo-cupar com o que os aguarda.

Na manhã seguinte, Ghullah vai às suas casas buscá-los. Ele está muito bravo e bate nos meninos com o garfo do tear ou com o que tiver à mão. Depois ele

NOMEADO • Páginas 16–20

Com frequência, Iqbal discursava em reuniões para crianças e adultos.

No ano 2000, Iqbal recebeu o primeiro Prêmio das Crianças do Mundo, que também terá sempre outro nome em sua memória: Prêmio Iqbal Masih.

– As crianças devem segurar lápis nas mãos, não ferramentas, Iqbal costumava dizer.

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os acorrenta. Pode demorar até dois dias para que ele os solte.

Finalmente livre!Numa manhã de outubro de 1992, Iqbal foge do traba-lho. Ele sobe na plataforma de um trator onde já há mui-tos adultos e crianças senta-dos. Uma hora depois, eles chegam para a reunião da BLLF (Organização para

libertação dos escravos por dívida).

É a primeira vez que Iqbal vê o líder da BLLF, Ehsan Ullah Khan. Ele ouve atenta-mente quando Eshan conta sobre a lei contra a escravi-dão por dívida. Ehsan pede à Iqbal para contar às outras crianças sobre suas experi-ências. No início, Iqbal se envergonha, mas depois ele vai até o microfone.

Iqbal recebe uma “Carta de libertação” de Ehsan. Na carta está a lei que proí-be a escravidão por dívida e as penas previstas para os exploradores de escravos por dívidas. O problema no Paquistão é que a lei não é cumprida e a polícia e o tribunal geralmente não ajudam os pobres, mas sim os donos das tapeçarias.

Ghullah se recusa a permi-tir que Iqbal deixe a fábrica de tapetes. Mas Ehsan não se esquece do menino, e pede a alguns de seus colegas de tra-balho que descubram mais sobre Iqbal e ajudem a liber-tá-lo.

Iqbal está radiante por poder frequentar a “Nossa própria escola”, como são chamadas as escolas da BLLF para crianças que foram escravas. Ele conta ao seus amigos e às crianças de outras fábricas de tapetes que eles não precisam fi car com seus donos. Na região de Muridke, primeiro cente-nas e depois milhares de

crianças deixam as fábricas de tapetes. Iqbal discursa nas reuniões. Ele sempre ter-mina os discursos dizendo:

– Nós somos... E todas as crianças com-

pletam: – LIVRES!

Iqbal é ameaçadoAgora Iqbal mora na BLLF

em Lahore. A primeira vez que ele vem para casa visitar, o dono da fábrica de tapetes, Ghullah, diz:

- Você tem que voltar a trabalhar. Assim, as outras crianças também voltarão.

Mas Iqbal se recusa.Um outro fabricante de

tapetes ameaça a mãe de Iqbal, dizendo que vai raptá-la e a Iqbal, se o menino não voltar a trabalhar ou não pagar a dívida que o tornou escravo. Um terceiro fabri-cante de tapetes diz a Sobia, a irmã mais nova de Iqbal:

– Seu irmão anda pelas redondezas como um juiz, quando vem para casa. Mas um dia nós o pegamos.

– Cale a boca, velho, diz Sobia, que nunca antes havia ousado dizer algo assim a um adulto.

– Cuidado, senão matare-mos você também, responde o fabricante de tapetes.

Iqbal é assassinadoEm outubro de 1994, Iqbal visita a Suécia. Ele conta para as crianças nas escolas como é a situação dos escra-vos por dívidas no Paquistão. Muitos jornais escrevem sobre ele, que tam-bém participa de vários pro-gramas de TV. Em dezem-bro de 1994, Iqbal viaja para os EUA, onde recebe um prê-mio da Reebok por sua bela

Iqbal apanhava com um garfo de tear e era acorrentado quando fugia, mas ele conti-nuava tentando.

Iqbal com um de seus muitos amigos na Suécia.

Iqbal queria ser advogado e libertar as crianças das fábricas de tapetes.

– As crianças devem segurar lápis nas mãos, não ferramentas, Iqbal costumava dizer.

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Que isso sirva de lição para vocês também!

Aqui sou eu quem decide!

Mas eu trabalho, mamãe.

Meu dinhei-ro não é

suficiente?

Não, preciso pedir peshgi à Ghullah.

Aqui estão 6000

rúpias!

Ghullah, preciso fazer uma cirurgia e comprar remédios.

Posso contrair um peshgi por Iqbal?

O médico disse que tenho que fazer uma cirurgia, mas

não tenho dinheiro.

Anda logo, Shafiq, o jogo já vai começar!

Os vencedores ficam com tudo!

Iqbal, Shafiq e Rafiq, venham trabalhar! Temos que terminar um tapete!

Irmão, vamos brincar?

Ele precisa dormir! Isso

pode esperar!Temos que terminar o trabalho!

Iqbal, por causa do peshgi tenho que

deixá-lo levar você!

Não Sobia, não tenho energia…

Chega a noite… O primeiro dia de trabalho terminou…

Nos próximos anos, Iqbal trabalhará no mínimo 12 horas por dia, 6 dias por semana…

Peshgi é a dívida que faz de Iqbal um escravo de Ghullah…

É sexta-feira, o único dia de folga dos meninos. Dois times se reuniram no espaço aberto entre o canal e as casas. Iqbal esperou ansioso uma semana intei-ra por esse jogo de cricket…

Mesmo sendo o dia de folga, os meninos não podem recusar. Eles são escravos por dívida, e quem manda é Ghullah…

No meio da noite, Ghullah vai à casa de Iqbal e o tira da cama…

Cada time coleta junto o dinheiro…

…mas hoje não vai haver jogo para Iqbal…

Este é um trecho da história em quadrinhos “Iqbal, o garotinho dos tapetes”, por Magnus Bergmar e Jan-Ake Winqvist. (ANN, please write Jan names correct can’t find the signs here) A história em quadrinhos na íntegra, você pode ler no www.worldschildrensprize.org

Iqbal se aquece com um cachecol na escola, no inverno.

luta pelos direitos das crian-ças escravas por dívidas. Iqbal também é “Person of the week” (Pessoa da sema-na), em uma das maiores emissoras de TV dos EUA.

Iqbal volta ao Paquistão. Na manhã da Páscoa, 16 de abril de 1995, ele toma o ônibus para casa, em Muridke. À noite, ele vai junto com seus parentes Lyaqat e Faryad Masih, levar comida para o pai de Lyaqat, que está irrigando o campo. Os três vão na mes-ma bicicleta.

São oito da noite e está escuro. Quando os meninos estão na metade do cami-nho, ouvem-se dois tiros que matam Iqbal.

Faryad não sabe escrever e, por isso, na noite do cri-me, ele deixa sua impressão digital na parte inferior de um papel em branco. Depois a polícia escreve o que quer e afirma que Faryad assinou que é a verdade.

Na manhã seguinte, o pobre agricultor Ashraf Hero é preso pelo assassina-

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Não Sobia, não tenho energia…

Meu nome é Yousuf! O peshgi, a dívida que os tornam escravos, é ilegal.

Venham a uma reunião da Frente de Libertação dos Escravos por Dívida,

BLLF, amanhã e saberão mais!

Cuidado! O dono está chegando!

Vocês sabem o que irá acontecer se deixarem

o trabalho!

Você tem que voltar a trabalhar, senão os outros também não

trabalham!

Não tenho tempo para

você!

Cuidado! Agora Arshad é

seu inimigo!

Não tenho mais medo dele. Ele deveria

ter medo de mim!

Olá, não nos vimos ontem?

Sim...

Nos próximos anos, Iqbal trabalhará no mínimo 12 horas por dia, 6 dias por semana…

Iqbal está tão cansado que adormece durante o trabalho…

Como punição pela fuga, os meninos são acorrentados ao tear…

Iqbal pensa constantemente sobre como sua vida é dura, mas não encontra nenhu-ma forma de se libertar…

Todos os meninos na fábrica são escravos por dívidas. Ninguém tem um peshgi, como se chama a dívida, menor do que quando começou a traba-lhar para Ghullah. Após cinco anos na fábrica, as coisas ficarão ainda piores para Iqbal...

Iqbal desafia a advertência do dono e participa da reunião…

Um dia, um homem passa por lá e con-versa com os escravos da tapeçaria…

Quando Iqbal visita sua vila natal, ele conversa com as crianças em outras fábricas de tapetes. Agora muitos ousam largar seus donos…

Arshad Ghullah vai à casa de Iqbal…

Na manhã seguinte, Ghullah busca Iqbal em casa…

…mas hoje não vai haver jogo para Iqbal…

to de Iqbal. A polícia o tor-tura. Eles o penduram de cabeça para baixo e o espan-cam com varas e cintos de couro.

– Você vai dizer que matou o garoto Iqbal e contar o que nós vamos lhe dizer. Senão, mataremos você e toda sua família. Você é pobre e não vale nada. Ninguém se importa com o que fazemos com você, ameaça a polícia.

A mentira se espalhaA Comissão de Direitos Humanos do Paquistão afir-ma que o relatório policial está correto e que o inocente Hero é o assassino. Como consequência, a mentira se espalha por todo o mundo através de embaixadores e jornalistas sem questiona-mentos. A Comissão de Direitos Humanos também alega, sem nenhuma evidên-cia, que o assassinato não tem nada a ver com o fato de que Iqbal desafiou os fabri-cantes de tapetes.

Hero é escondido. Ninguém tem permissão para se encontrar com ele. Mesmo assim, ele é absolvi-do no julgamento.

A polícia escreve, entre outras coisas, que Hero, que nunca antes havia segurado uma espingarda, por acaso acertou apenas Iqbal ao dis-parar um tiro na direção dos meninos. Na verdade, Iqbal foi atingido por 120 estilha-ços nas costas, enquanto os outros dois meninos juntos foram atingidos por apenas 2 estilhaços. Era Iqbal o alvo do assassino, e ele levou um tiro nas costas ao tentar fugir.

– Iqbal me disse que queria ser um grande advogado, lembra Sobia, que tinha dez anos quando o irmão mais velho foi assassinado. Ele queria libertar as crianças das fábricas de tapetes e ofe-recer educação, para que os filhos dos pobres pudessem ter um futuro melhor.”

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Iqbal discursa nas reuniões da BLLF onde escravos libertados se encontram…

Mais tarde, no mesmo dia, Iqbal encontra seus parentes Faryad e Lyaqat…

De repente…

Assim morreu Iqbal Masih, o menino que no mundo todo é símbolo da luta contra o trabalho infantil prejudicial…

“O ex-escravo por dívidas, o menino Iqbal Masih, que lutava pelos direitos da crian-ça no Paquistão está morto!”

A notícia se espalha por todo o mundo…

Na delegacia, na mesma noite do assassinato…

Faryad tem que deixar suas impressões digitais em um papel em branco. Depois a polícia escre-ve o que afirma que ocorreu…

Nós somos… …LIVRES!!!

IQBAL!

Vamos de bicicleta levar comida para Amanat no campo!

Há cerca de 240 milhões de crianças trabalhadoras, com idade entre 5 e 14 anos no mundo de hoje. Para cada quatro crianças, três executam trabalho infantil prejudicial, que é um tipo de trabalho que impe-de a criança de frequentar a escola e atrapalha sua saú-de e desenvolvimento. Mais de 8 milhões de crianças são obrigadas a trabalhar das piores formas, tornan-do-se escravas por dívida, soldados ou sendo prostitu-ídas. Todos os anos, pelo menos 1,2 milhão de crian-ças são expostas ao « tráfi-co », que é a escravidão moderna.

Iqbal foi uma “criança escrava moderna”. Há crianças escravas moder-nas em países como o Paquistão, Índia, Nepal, Camboja, Sudão e até mes-mo na Europa. A maioria delas é escrava por dívida, porém há outros tipos de escravos como as meninas da África Ocidental, que são escravas domésticas. Você é um escravo moder-no se o seu empregador tem tal poder sobre você que o obriga a trabalhar para ele ou ela. O Paquistão e a maioria dos outros países têm leis que proíbem a escravidão por dívidas e o trabalho infantil. Porém, as leis geralmente não são cumpridas. Todos os países onde há crianças escravas ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança da ONU e, supos-tamente, deveriam proteger suas crianças de realizar trabalhos que lhes sejam prejudiciais.

Escravos modernos

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Asfaw YemiruNOMEADO • Páginas 21–25

Ahistória de Asfaw tem início aos nove anos de idade, quando ele

vigiava as cabras do seu pai. Seu pai tinha decidido que Asfaw iria começar a fre-quentar a escola do padre de sua aldeia daqui a alguns dias. Entretanto, Asfaw não estava interessado. Ele havia visitado a capital, Adis Abeba, com o seu pai e dese-java voltar lá desde então. Acreditava poder ter uma vida muito melhor em Adis Abeba, do que se permane-cesse na aldeia com os seus onze irmãos e vigiando as cabras. Mas, Adis Abeba é muito distante e Asfaw sabia que seu pai e sua mãe não concordariam nunca que ele se mudásse.

– Costuma levar mais de dois dias para ir até a cidade montado no jumento, eu levarei muito mais tempo para ir andando, pensou. Na manhã seguinte bem cedo, ele partiu para Adis Abeba.

Trabalho e escolaQuando ele passou pela igreja St. George, em Adis Abeba,

ele viu uma porção de crian-ças pobres e órfãs. Como ele não tinha nenhum dinheiro, também entrou na igreja. Asfaw passou a noite lá, e permaneceu a noite seguinte.

Asfaw começou a traba-lhar como carregador. Às vezes, não tinha o que comer por vários dias. Como mui-tas outras crianças, Asfaw começou a frequentar a escola do padre na igreja, quando não trabalhava. Ele aprendia com rapidez e os padres o ajudaram a se matricular numa escola católica.

Um dia, uma mulher mui-to rica passou pela igreja, carregando uma cesta gran-de cheias queijo. Um dos

POR QUE ASFAW É NOMEADO? Asfaw Yemiru é nomeado à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 porque há mais de 45 anos, desde que ele tinha 14 anos, devota todo o seu tempo e energia para lutar pelos direi-tos das crianças mais vulne-ráveis. Asfaw acredita que a educação é o único caminho para ajudar crianças pobres a terem uma vida melhor. Ele abriu sua primeira escola para crianças moradoras de rua em 1957, quando tinha 14 anos, depois dele mesmo ter sido um morador de rua aos 9 anos, quando vivia como uma criança trabalhadora. Dezenas de milhares de crianças pobres tiveram acesso à educação nas esco-las de Asfaw. Ele também ofereceu apoio às suas famí-lias, provendo leite e recur-sos fi nanceiros. As escolas de Asfaw são gratuitas e nin-guém tem que pagar pelos livros didáticos ou comprar uniformes escolares. O casti-go físico sempre foi proibido nas escolas de Asfaw, onde as crianças também apren-dem sobre agricultura e desenvolvem outras habilida-des práticas. A luta de Asfaw pelas crianças pobres tem sido longa e muitas vezes difícil. Ele já foi preso várias vezes.

A Etiópia é um dos países mais pobres do mundo. Seus habitantes são vítimas de guerras e secas frequentes, que já causaram a morte de milhões de pessoas por inanição. Mais da metade de sua população tem menos de 15 anos. Quase dois terços do povo etíope não sabe ler nem escrever. Os seis primeiros anos da escola são gratuitos e obrigatórios. Porém menos da metade das crianças de todo o país começa a escola. Somente uma em cada dez crianças continua o estudo até a sexta série. É comum as turmas terem até cem alunos. Há muitos anos, a escola Moya de Asfaw obtém os melhores resultados nas provas fi nais das oitavas séries de toda a Etiópia. Há muitas razões para isso. Nas escolas de Asfaw há somente 30 crianças por turma, as crianças pobres são muito motivadas a aprender, o castigo físico é banido e a atmosfera na escola é agradável.

Aos nove anos, Asfaw Yemiru vivia sozinho como um menino de rua na capital da Etiópia, Adis Abeba. Com 14 anos, ele abriu a sua primeira escola. Hoje, aos 66 anos, ajuda dezenas de milhares de crianças pobres a frequentar a escola e adquirir uma vida melhor.

– Asfaw é um homem muito humilde. Sua única riqueza são seus alunos, comenta Behailu Eshete, que frequentou a primeira turma da escola de Asfaw, há 52 anos.

As crianças também apren-dem agricultura e outras ativi-dades práticas que podem ajudá-las no seu próprio sustento.

Melhores resultados nas provas fi nais

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queijos de caiu da cesta. – Com licença, senhora! Um

dos queijos caiu, gritou Asfaw, correndo em direção a ela.

A mulher o olhou atenta-mente e convidou-o para tra-balhar e morar em sua casa. Asfaw aceitou e por três anos trabalhou na casa da mulher e dos seus dois filhos. Todos os dias, ele levantava antes do sol nascer, cortava lenha e buscava água, antes de correr para a escola. Mesmo acelerando, ele qua-se sempre chegava atrasado e era agredido pelos professo-res. Quando Asfaw chegava em casa da escola, ele se sen-tia cansado, contudo ainda havia mais trabalho a ser fei-to. Ele sempre se deitava muito tarde da noite.

Comam menos!Asfaw concluiu os oito anos de escolaridade em apenas alguns anos. Quando reali-zou os exames de conclusão da oitava série, sua nota foi tão boa que ganhou uma bolsa de estudos na escola internato Wingate.

Com 14 anos, Asfaw

começou a estudar no Wingate. Ele adorava a esco-la, porém uma coisa o chate-ava. Sua escola ficava perto da igreja Paulos Petros, onde muitas crianças pobres e órfãs moravam. Um dia, enquanto Asfaw comia no refeitório, ele teve uma idéia.

– Imagine se nós déssemos a comida que sobra para as crianças pobres, ao invés de jogá-la fora!

Asfaw foi até o diretor imediatamente, que logo apoiou sua sugestão. Todos os dias, depois do almoço, Asfaw e seus colegas distri-buiam comida às crianças com fome. Asfaw pediu aos seus colegas da classe para

comer menos, assim sobra-ria mais comida para as crianças pobres. Muitos acharam boa a idéia, mas o provocavam um pouco.

– Olhem só, lá vem aquele que quer nos ver famintos! gritavam e ríam.

Asfaw recolhia roupas dos seus colegas na escola e dava para as crianças. Algumas das crianças pobres pergun-tam à Asfaw, se não podíam frequentar a escola assim como ele. Asfaw conversou com alguns colegas de classe e, eles mesmos resolveram tentar ensinar as crianças.

Às quatro e meia do dia seguinte, Asfaw deu sua pri-meira aula ao ar livre,

embaixo de um grande car-valho. A fama da escola de Asfaw embaixo da árvore se espalhou rapidamente e, a cada tarde, mais crianças pobres chegavam.

Pare o Imperador!Quando Asfaw completou 17 anos e iniciava o último ano na escola Wingate, cer-ca de duzentas crianças fre-quentavam sua escola embaixo do carvalho todas as tardes. Asfaw tinha pla-nos de continuar seus estu-dos na universidade, porém sentia que não podia aban-donar todas aquelas crianças órfãs embaixo da árvore. Decidiu tentar construir

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Asfaw visita alguns de seus alunos em casa.

Pare o imperador! Me dê terra para uma escola!

Asfaw descalço (à esquerda) mostra sua nova escola ao imperador.

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uma escola, onde as crian-ças poderiam morar e conti-nuar seus estudos. Entretanto, ele não tinha nem dinheiro e nem um terreno.

Um dia, o imperador da Etiópia, Haile Selassie, visi-tou a escola Wingate. A razão da visita era verificar como estavam indo as coisas para os alunos na melhor escola do país. Quando o imperador estava prestes a ir embora, Asfaw viu uma chance. Ele se jogou no chão diante do car-ro do imperador e gritou:

– Dê-nos terra! Todos ficaram aterroriza-

dos, imaginando o que aconteceria. O imperador saiu do carro e se aproxi-mou de Asfaw.

– Por que você precisa de terra? perguntou.

– Quero construir uma escola para crianças pobres

– Asfaw respondeu. Mais tarde, Asfaw rece-

beu um terreno grande do imperador atrás da escola Wingate. Ele pediu dinheiro emprestado ao diretor da Wingate e junto com as crianças, começaram a

construir a escola, para onde se mudou em compa-nhia de 280 crianças órfãs.

Longo caminhoDez anos após a inaugura-ção da escola, Asfaw tinha 2 500 alunos e era “pai” de 380 crianças órfãs. Mas Asfaw tinha duas preocupa-ções. A escola estava muito cheia e muitos dos seus alu-nos não encontravam traba-lho depois de concluirem seus estudos. Então, Asfaw decidiu construir mais uma escola. Nesta escola, além de aprender matemática, inglês entre outras discipli-nas, as crianças iriam apren-der também sobre agricultu-ra. Se as crianças aprendes-sem a plantar e a criar aves, Asfaw tinha esperanças de que elas conseguiriam sobreviver, mesmo se não encontrassem um trabalho.

Como sempre, Asfaw não tinha dinheiro, mas teve uma idéia...

– Nós vamos caminhar até Harar e daí voltamos!, disse ele aos seus alunos mais velhos.

Todo mundo achou que ele estava brincando, já que todos sabiam que Harar ficava a 500 quilômetros, atravessando o deserto, metade do caminho até a Somália. Asfaw explicou que iria enviar informações sobre a caminhada para organizações internacio-nais, empresas e pessoas ricas, para que financiassem a iniciativa.

Eles caminharam por regi-ões montanhosas e estepes quentes como o fogo. Dormiram ao ar livre. Todo dia, alguns dos alunos desis-tiam e, ao final, restou somente Asfaw. Ele foi o úni-co que caminhou todo o per-curso de 1000 quilômetros.

Asfaw usou a lista telefô-nica para escrever para as 5 000 pessoas mais ricas e empresas da Etiópia. Ele recebeu uma resposta! Afinal, o dinheiro começou a chegar, grande parte de amigos no exterior. Asfaw comprou um pedaço de terra, onde junto com seus alunos construíram mais uma escola.

A vida de Asfaw tem sido uma longa e exaustiva cami-nhada para ajudar as crian-ças pobres. Durante gover-nos anteriores, ele foi inclu-sive preso pelo seu trabalho.

Dezenas de milhares de crianças tiveram acesso à educação nas escolas de Asfaw, desde que começou a ensinar crianças órfãs debaixo da árvore há 52 anos. Entretanto, muitas vezes Asfaw se sente triste por não poder ajudar mais crianças.

A longa caminhadaAsfaw lidera 1 000 quilô-metros de caminhada para angariar dinheiro para suas escolas.

Asfaw em visitaQuando tem dinheiro, Asfaw ajuda as famílias mais pobres, para que seus filhos possam ir à escola ao invés de trabalhar.

Muitos dos alunos de Asfaw moram em simples barracos de lata.

A escola Asere Hawairat, de Asfaw, para turmas de primeira à quinta série.

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Yewbnehengraxa sapatos e frequenta a escola dos pobres

Yewbneh passou o dia todo na escola. Depois

trabalha engraxando sapa-tos por três horas. Suas cos-tas doem, quando ele levan-ta e conta o dinheiro. Há dinheiro suficiente para um pedaço de pão e talvez algo a mais. O melhor amigo de Yewbneh, Wondimageni, também já terminou o traba-lho e os dois caminham jun-tos de volta para casa.

Quando chega em casa, Yewbneh pendura o seu casaco velho de trabalho. Há muita fumaça no ar do fogão à lenha, mas na casa de Yewbneh não haverá uma refeição quente esta noite. Mais uma vez. Vai ter pão.

– Somos pobres. A vida é dura e é por isso que eu dei-

xo você trabalhar todas as noites. Eu não gosto, mas o que eu posso fazer? diz a avó Fikirte com um suspiro.

Yewbneh sempre morou com sua avó materna e seus filhos, porque seus pais já não estão mais vivos.

– É bom morar com a minha avó, mas eu sempre fico triste quando penso nos meus pais. Não me lembro de como eram.

Sem uniformeDepois da janta, Yewbneh vai para a sua pequena casa de barro marrom. Yewub, que é sua tia, já o está espe-rando. Eles fazem a lição de casa juntos todas as noites, embaixo da única lâmpada da casa.

Yewbneh considera Yewub como sua irmã. Todos os filhos da sua avó – e são mui-tos – se tornaram seu “irmão ou irmã”. Em dois quartos pequenos, moram dez adul-tos e sete crianças.

– Se eu não estudar, nunca vou conseguir um trabalho decente. Serei pobre a vida toda – diz ele.

Sua avó concorda. – É muito importante estu-

dar e nós tivemos sorte. Quase todos os meus filhos tiveram a oportunidade de estudar gratuitamente nas escolas de Asfaw. Além dis-so, recebi dinheiro da escola todo o mês, para pagar a conta de eletricidade e com-prar comida e outras coisas para as crianças. Eu nunca poderia pagar para as crian-ças frequentarem uma outra escola.

Yewbneh sabe que é verdade.

– Nos primeiros anos, a escola me dava 20 birr todo

o mês para que eu pudesse continuar os estudos. Agora, não recebo o dinheiro com a mesma frequência porque a escola está sem condições de financiar isso. Porém, eu

Yewbneh, 12 anos, caminha durante uma hora no período da seca até a escola de Asfaw, Asere Hawariat. Ele adora ir para a escola e o seu sonho é um dia ser médico.

Dez adultos e sete crianças dividem dois quartos pequenos na casa de Yewbneh.

Yewbneh chama sua tia, Kebebush, de irmã. Aqui, ela mói o trigo.

Yewbneh faz a lição sob a única lâmpada da casa.

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Smack!

ainda não preciso de pagar para frequentar a escola e nem de vestir uniforme. Ninguém teria dinheiro para comprar uniformes, diz Yewbneh.

Gosto de inglês– Não estou certo de que irei me casar e ter fi lhos. Preciso primeiro achar um trabalho para poder sustentá-los. Se não puder, não quero ter fi lhos. Não quero que meus fi lhos sofram como eu, que tenho que estudar e traba-lhar ao mesmo tempo. As

crianças deveriam apenas estudar, diz Yewbneh.

– Gostaria de ser médico. Na Etiópia, há muita gente pobre que não tem acesso a um médico. Gostaria de aju-dá-los, diz ele.

Alguém toca o sino, pen-durado na árvore do lado de fora da sala de aula, e o intervalo acaba. O professor escreve alguma coisa no quadro negro. Vê-se escrito “Ele engraxa sapatos de tar-de”, em inglês.

– Ei, escrevi corretamente? pergunta.

– Sim, está certo! toda a classe responde em coro.

É a última aula do dia e Yewbneh, que está na quinta série, estuda inglês. Ele mira o quadro negro por um ins-tante e depois escreve a frase no caderno. “He cleans shoes in the afternoon”.

Longo caminho até a escolaQuando as aulas terminam, Yewbneh conversa um pou-co com os seus colegas, mas não pode fi car muito tempo. O caminho é longo para che-gar em casa. No período da seca, leva mais ou menos

uma hora. Quando chove, ele tem que andar na lama e aí ele gasta quase o dobro do tempo para chegar em casa.

– Olá Yewbneh! grita sua “irmã”, Kebebush, que está moendo trigo no quintal, quando ele chega.

Ele a cumprimenta, põe no chão a mochila marrom da escola e come um pedaço de pão, antes de vestir seu casa-co azul de trabalho. Ele vai até a torneira e enche o balde de engraxar sapato. Daí então chega seu amigo, Wondimageni, e juntos vão embora andando pelo cami-nho.

Yewbneh ganha o sufi ciente para comprar pão, após um dia de trabalho como engraxate.

Estalo! Logo que Yewbneh passa com o seu kit de engraxar sapato, um dos meninos golpeia com rapidez a bola, que está amarrada por uma corda na trave. Os próprios meninos confeccionaram a bola com sacos pláticos. Os meninos brincam de Tezer-ball e quando um deles erra, entra um novo jogador. Eles acenam para Yewbneh participar do jogo, mas ele nunca tem tempo.

– Acho que todas as crianças deveriam poder brincar depois da escola, ao invés de precisar trabalhar, diz Yewbneh.

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Nkosi Johnson Nkosi Johnson POR QUE NKOSI É NOMEADO?Nkosi Johnson é nomea-do postumamente (após a sua morte) à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta pelos direitos das crianças portadoras do HIV/AIDS. Ele lutou pelo direito destas crian-ças de frequentar a esco-la e serem tratadas como qualquer outra criança. Ele fundou um lar para mães e crianças carentes com AIDS. Ele solicitou insistentemente que o governo da África do Sul oferecesse às mães por-tadoras do HIV/AIDS os medicamentos para sal-var a vida de dezenas de milhares de crianças sul-africanas anualmente. Mesmo depois de sua morte, Nkosi ainda é um exemplo tanto para as crianças vítimas da AIDS, como para aquelas que, graças a ele, aprenderam a respeitar e a não temer os portadores da doença.

Nkosi Johnson, o menino de olhos gran-des, deu às crianças vítimas da AIDS na África do Sul, uma voz que ecoou no mundo inteiro...

Nkosi tinha AIDS e mor-reu, aos 12 anos, no dia 1 de Junho de

2001. Nesta data, a África do Sul comemora o Dia da Criança - um dia dedicado à promover o bem-estar das crianças. Apesar de sua cur-ta vida, Nkosi teve muito tempo para perguntar-se, porquê o governo da África do Sul e os adultos do mun-do não faziam todo o possí-vel para evitar que tantas crianças nascessem soropo-sitivas. E porquê não se pre-ocupam em cuidar bem de todos aqueles que nascem soropositivos. A AIDS se desenvolve nestas crianças gradualmente e elas morrem muito jovens. Nkosi também viu como as crianças se tor-navam órfãs, porque seus pais e suas mães morreram de AIDS.

AIDS afeta muita gente! 2,1 milhões de crianças no mundo vivem com HIV/AIDS. Desse total, 280 000 vivem na África do Sul. 15 milhões de crianças no mun-do são órfãs, porque seus pais morreram de AIDS. 1,4 milhões dessas crianças vivem na África do Sul.

A luta de NkosiQuando Nkosi não teve per-missão para frequentar a

escola, ele concedeu uma série de entrevistas e salien-tou que ele não era um peri-go para outras crianças. A discussão sobre o acesso de Nkosi à escola culminou na decisão de que todas as crianças vítimas da AIDS têm direito de ir à escola na África do Sul. Nkosi e sua mãe de criação Gail lutaram durante dois anos para poderem fundar um lar - Nkosi’s Haven – onde as mães carentes e doentes com AIDS poderiam morar com os seus fi lhos sem nenhum custo.

Nkosi sabia que teria nas-cido saudável, se sua mamãe Daphne tivesse tido acesso aos medicamentos anti-HIV, enquanto ela estava grávida. Ele refl etia muito sobre por-quê tantas crianças têm que tolerar adoecer e morrer de AIDS, quando isto poderia

ser evitado. Em um discurso divulgado no mundo inteiro, (cujos trechos você pode ler na página seguinte), Nkosi desafi ou o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki.

Sem remédios para todosEm 14 de dezembro de 2001, um tribunal na África do Sul decidiu que o governo sul-africano deveria fornecer medicação anti-HIV às mulheres grávidas portado-ras de HIV/AIDS. Porém, poucos dias após a decisão do tribunal, o governo declarou que recorreria da decisão. As crianças da África do Sul e muitos adul-tos lembram-se do que disse Nkosi:

– O governo deveria forne-cer a medicação às mães, que tão urgentemente neces-sitam, para que mais crianças não venham a falecer!

NOMEADO • Páginas 26–30

Nkosi & Mimi.

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Oi, meu nome é Nkosi Johnson. Eu tenho 11 anos e estou perdendo

a vida devido à AIDS. Quando eu nasci, já era HIV positivo. Quando eu tinha dois anos, fui morar em um lar para pessoas infectadas pela AIDS. Minha mãe não teve coragem de ficar comi-go, pois tinha medo que as outras pessoas da comuni-dade onde morávamos nos expulsassem, se descobris-sem que nós dois estávamos doentes.

Eu sei que ela me amava muito e que iria me visitar sempre que pudesse. Entretanto, o lar foi obrigado a fechar suas portas porque não tinha dinheiro para con-tinuar funcionando. Então, minha mãe de criação, Gail Johnson, que trabalhava no lar, disse aos outros que ela poderia tomar conta de mim. Ela me levou para a sua casa e eu já moro lá há oito anos. Ela me explicou tudo sobre a minha doença, e como eu devo me cuidar se me machucar e começar a sangrar.

Eu sei que o meu sangue só é perigoso para outras pessoas, se elas tiverem uma ferida aberta na pele, e o meu sangue entrar no machucado. Essa é a única situação em que alguém tem de ter cuidado ao me tocar.

Em 1997, mamãe Gail foi até a escola primária Melpark para me matricular.

Eles perguntaram se eu tinha alguma doença e ela respondeu que sim, eu tinha AIDS. Depois de um tempo, ela ligou para a escola e eles responderam que fariam uma reunião para conversar a respeito de mim. Metade dos pais e dos professores presentes à reunião foram contra a minha entrada na escola. Então, foram promo-vidos cursos sobre a AIDS para professores e pais na escola, para explicar que não era preciso ter medo de uma criança com AIDS. Hoje, eu estou super orgu-lhoso de dizer que existe uma lei que proíbe discrimi-nar crianças com AIDS, e que todas as crianças porta-doras de AIDS têm direito de frequentar a escola.

Eu odeio ter AIDS porque fico tão doente, e fico muito triste ao pensar em todas as crianças e bebês que tam-bém têm AIDS. Eu realmente gostaria que o governo começasse a fornecer o AZT para todas as mulheres grávidas portadoras do vírus HIV. Assim, seus bebês não iriam contrair a doença no parto. Eu me lembro de um pequeno bebê abandonado chamado Micky, que morou conosco um tempo. Ele não podia comer nem respirar, porque estava muito doente. Micky era um bebezinho tão lindo. Eu queria realmente que o governo desse o remédio às mães, porque

não quero ver mais nenhuma criança morrer!

Mamãe Gail e eu sempre sonhamos abrir um lar para mães e crianças portadoras da AIDS. Estou muito orgu-lhoso de poder contar que o primeiro Nkosi’s Haven foi aberto no ano passado.

Eu quero que as pessoas saibam o que é a AIDS e sejam cautelosas, mas nin-guém contrai AIDS por estar perto de alguém que é por-tador da doença.

Cuidem de nós e nos acei-

tem. Somos seres humanos normais, temos pés e mãos, podemos falar e andar! Nós temos as mesmas necessi-dades que todos os outros. Não tenham medo de nós, pois somos exatamente como vocês!”

Extraído do discurso de Nkosi em julho de 2000, diante de um público de 10 000 pessoas e das câmeras de TV:

Oi, eu me chamo Nkosi e tenho AIDS

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Nkosi significa rei, cacique ou líder na língua Zulu. Nkosi Johnson certamen-te tornou-se um líder para as crian-ças portadoras de AIDS. Quando Nkosi falou em defesa dos direitos das crianças, o mundo o ouviu, apesar de ele ter apenas 11 anos.

Nkosi tornou-se o super- herói de uma revista em quadrinhos.

O super-herói Nkosi pode voar.

Durante sua curta vida, Nkosi alcançou muitos êxitos importantes em

sua luta pelos direitos das crianças doentes com AIDS.

Direito à escola Quando metade dos profes-sores e pais foram contra deixá-lo frequentar a escola

Melpark, Nkosi foi entrevis-tado 35 vezes em apenas cin-co dias. Ele tornou-se conhe-cido em toda a África do Sul. Até mesmo o governo pas-sou a discutir se uma criança portadora de AIDS poderia frequentar a mesma escola que outras crianças ou não.

Três meses depois foi deci-dido que Nkosi poderia começar a frequentar a esco-la Melpark e, graças a ele, foi decidido também que todas as crianças com AIDS na África do Sul poderiam ir para a escola. Bem cedo, numa manhã de 1997, o menino Nkosi de sete anos,

pálido porém feliz, entrou pela primeira vez em uma sala de aula.

Lar para os pobres Nkosi queria criar um lar onde as mães portadoras de AIDS e seus filhos pudessem viver juntos. Já que muitas delas eram tão pobres quan-to a sua mãe, ele gostaria que todas elas morassem em um lar totalmente gratuito.

Ele queria também que as crianças pudessem permane-cer nesse lugar quando suas mamães viessem a morrer, de modo que elas não termi-nassem nas ruas, e sim conti-nuassem na escola.

Para conseguir dinheiro, Nkosi deu palestras sobre AIDS e Gail procurou empresas para financiar o lar que ele desejava. Dois anos mais tarde, em 1999, Nkosi conseguiu inaugurar o lar. O seu nome é Nkosi’s Haven.

Mandela telefonouNa mesma tarde, o ex-presi-dente da África do Sul, Nelson Mandela ligou para ele. Ele queria saber se Nkosi gostaria de visitá-lo. Nkosi sempre admirou Mandela e, é claro que ele queria ir! Mandela perguntou à Nkosi se ele desejava se tornar pre-sidente quando crescesse.

– Não, não penso nisso. Parece-me que é trabalho demais! respondeu Nkosi. Mandela riu.

Discurso em Durban O estado de saúde de Nkosi agravou-se e ele pensava muito sobre sua doença. Em julho de 2000, uma impor-tante conferência sobre AIDS iria acontecer na cida-de de Durban. Nkosi foi convidado a fazer um dis-curso na cerimônia de aber-tura. Ele aceitou imediata-mente. Agora ele teria uma grande oportunidade de dizer ao presidente, o que pensava sobre o que o gover-no deveria fazer por todas as crianças com AIDS! Quando Nkosi soube que haveria um público de mais de 10 000 pessoas e que o discurso seria transmitido pela TV

Nosso herói Nkosi

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29Nkosi & Badie.

Mandela & NkosiNelson Mandela ligou e desejava encontrar Nkosi.

em todo o mundo, ele ficou muito nervoso. Mesmo assim, ele subiu ao palco e disse:

Eu desejo realmente que o governo comece a fornecer o AZT para as mulheres grávi-das portadoras do vírus HIV, para que seus bebês não contraiam a doença no parto. Eu não quero ver mais nenhuma criança morrer!

Nkosi foi ovacionado ao final. Os jornais do mundo inteiro noticiaram que, durante a conferência, Nkosi ergueu sua voz em nome de mais de um milhão de crianças portadoras da AIDS, e que ninguém teve tanta importância na luta contra a AIDS quanto ele.

Sentimos a sua falta... Seis meses depois, Nkosi ficou gravemente enfermo. Muitas pessoas, tanto crian-ças quanto adultos, vieram visitá-lo. Elas desejavam que

Nkosi volta-se a ser quem era. Mas não aconteceu. Em uma manhã, bem cedo, do dia 1 de junho de 2001 – o Dia da Criança na África do Sul – , Nkosi morreu em paz, enquanto dormia. Ele tinha apenas 12 anos de idade.

Crianças de toda a África do Sul enviaram cartas e bichos de pelúcia para Nkosi. Uma menina, Leepile Manyaise, escreveu:

“Nkosi, eu amo você, você é o meu herói. Você lutou até o fim, mas agora desejo que você finalmente possa des-cansar em paz. Eu vou sentir saudades de você.”

Nkosi ensinou o diretor a não ter medo

OI AMIGO! nas 11 línguas da África do Sul: Muitas crianças na África do Sul falam vários idiomas. Aprenda a dizer ”Oi amigo!” nas 11 línguas oficiais da África do Sul: “Eu e Nkosi convivemos muito

perto. Ao final, éramos como irmãos. Mas de início, eu e muitos professores tínhamos receio dele e não queríamos tocá-lo. Entretanto, Nkosi ensi-nou-me que ninguém pega AIDS por que abraça, beija ou toca em um portador da doença. Apesar de ser eu o adulto, foi ele quem me ensinou coisas! Todas as manhãs, ele vinha ao meu escritório e nós tomávamos chocolate quente e conversáva-mos. Ele trazia comida de casa para o lanche do recreio tal como as outras crianças, mas ele cos-tumava esconder o lanche e vinha me dizer que estava famin-to! Eu não conseguia contrariá-lo, então eu ia à rua, comprava pizza e nós a comíamos juntos em meu escritório. Pizza era o seu prato predileto! Até a terceira série, sua saúde estava bem, mas depois ele foi ficando cada vez mais fraco. Apesar de estar seriamente doente, ele preferia vir para a escola e dormir aqui em meu sofá, ao invés de ficar em casa. Alguns achavam que eu o mima-va, mas eu queria somente que o seu último período de vida fosse tão bom quanto possível. Eu sinto uma imensa falta dele, especialmente agora no inverno. Ele costumava sentar em uma cadeira ao sol, do lado de fora da sala dos professores, e esperar por mim. Algumas manhãs, eu ainda me surpreendo a esperar

por ele. Nkosi modificou todo o sistema escolar sul-africano e ele tornou esta escola muito espe-cial. Um dia, mais tarde, quando todos esquece-rem de mim, a escola Melpark ainda será lem-brada como a escola de Nkosi.”Badie Badenhorst

Zulu: Sawubona mngani wami! Xhosa: Molo mhlobo wami! Pedi: Dumela mogwera! Sotho: Dumela motswale wa ka! Swazi: Sawubona mngani wami! Tswana: Agge tsale ya mi!Venda: Hu ita hani khonani yanga!

Tsonga/ Shangaan: Avhushani mgana wamena! Ndebele: Sawubona mngani wami! Afrikaans: Goeie dag my vriend! Inglês: Hello my friend!

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Nkosi & Hector lutaram pelos direitos das crianças

Nkosi ensinou-me, devemos ser solidários

O Rádio fala sobre Nkosi

“Nkosi foi super corajoso antes de morrer, pois ele falou sobre a sua doença. Quando Nkosi falava, todos compreen-diam quão grave é a AIDS. Ele dizia que uma criança com AIDS deve ser amada tal como as outras crianças e eu acho isso muito importante. Nkosi empenhou-se para que outras crianças com AIDS pudessem frequentar a escola.

A minha escola tem o nome de um menino chamado Hector Pieterson*. Quando a África do Sul ainda era um país racista, Hector lutou para que as crianças negras tivessem acesso à uma boa educação e por isto ele foi morto a tiros. Ele tinha apenas 12 anos quando morreu, e eu acho que Nkosi e Hector são muito parecidos. Ambos lutaram pelos direitos das crianças.”Octavia Lebohang Gumede Escola Primária Hector Pieterson, Soweto

* Hector recebeu postumamente (após a sua morte) o Prêmio de Honra das Crianças do Mundo, no ano 2000.

“Antes de ter ouvido falar a respeito de Nkosi, eu tinha muito medo de pessoas com AIDS. Porém, ele me fez compreen-der de tal forma que agora eu realmente me importo com elas. Eu viajo percorrendo várias escolas para falar sobre a AIDS, exatamente como fizemos hoje. Nós organizamos fes-tas nas escolas com música e dança e aproveitamos a oca-sião para falar sobre a AIDS. Eu procuro mostrar aos mais novos que um amigo com AIDS continua sendo um amigo. Qualquer um pode ser vítima da AIDS, minha irmã, meu irmão ou meus amigos, de modo que é importante ser solidário. Nkosi me fez perceber isto.”Nonhlanhla Ngcobo Soweto

“Eu costumo ouvir o rádio todas as noites antes de dormir. O rádio funciona a bateria, pois nós não temos eletricidade. Uma noite, eu e minhas irmãs mais velhas estávamos deita-das em nosso colchão, quando ouvimos falar de Nkosi Johnson, que vivia longe em Johannesburg. Eles disseram que ele sofria de AIDS e que estava muito doente. Nós acha-mos terrível um menino tão pequeno padecer de uma doen-ça tão sinistra. Era injusto! Ao mesmo tempo, ele foi muito corajoso, pois ousava falar sobre a sua doença e ajudar os outros. Aqui no vilarejo ninguém ousa falar sobre isso. Nkosi dizia que as crianças com AIDS devem ser tratadas iguais a todas as outras crianças, e eu também penso assim. É erra-do tratar mal crianças doentes, pois se alguém faz pouco caso delas, elas ficam ainda mais tristes. Eu tenho medo da AIDS, pois não existe cura.”Kgop0tso Ntsane, Vila Kotsoana, Transkei

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MAITINOMEADA • Páginas 31–35

POr quE MAITI é noMeAdA?Maiti Nepal é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta contra o comércio escravo de meninas no Nepal, para serem vendidas para bordéis na Índia; uma prática conhe-cida como tráfico de escra-vas. Maiti impede que as meninas pobres sejam enga-nadas e levadas para os bor-déis, educando-as e infor-mando-as. Maiti presta assis-tência e dá apoio às meninas que foram escravas em bor-déis na Índia, e tem um hospi-tal especial para meninas portadoras do vírus HIV. Algumas delas tornaram-se patrulheiras de fronteira para a organização Maiti, dificul-tando assim a ação dos trafi-cantes, quando estes tentam atravessar para a Índia com as suas vítimas. A Maiti Nepal atua em cooperação com o Centro de Salvamento em Mumbai, na Índia, cujos tra- balhadores arriscam suas próprias vidas para libertar as meninas mantidas em cativeiros nos bordéis.

Todo ano, milhares de meninas são vendidas, as mais jovens têm ape-

nas oito anos. As meninas são mantidas

em cativeiro nos bordéis por muitos anos. Muitas vezes, elas são libertadas somente quando estão tão doentes que não podem mais receber clientes. Muitas meninas já estão, então, infectadas com o vírus HIV.

Pior para meninas Muitos atribuem esse comér-cio à pobreza, mas a princi-pal razão é o fato das meni-nas serem tratadas de forma inferior aos meninos no Nepal, diz Anuradha Koirala. Ela fundou a orga-nização Maiti em 1993, des-de então conseguiu salvar milhares de meninas que teriam suas vidas destruídas nos bordéis.

Pressupõe-se que as filhas,

depois de casadas, irão morar na casa dos pais do marido, por que então deve-mos educá-las? É este o raciocínio de muitos pais. Espera-se que os meninos cuidem de sua família e, por isso, são mais valiosos. Quando uma filha se casa, a família tem que pagar um dote.

Os traficantes de meninas aproveitam-se da situação das pessoas pobres dos vila-rejos. Eles dizem que têm um bom trabalho na cidade para oferecer à filha. Às vezes, perguntam até se podem se casar com a menina.

Prevenir e salvar Nos diversos centros da organização Maiti na zona rural, milhares de meninas aprendem tudo sobre o tráfi-co de escravas. Elas apren-dem também a ler e a escre-ver, a costurar e a fazer biju-terias e adornos. Se conse-guirem sustentar-se por si próprias, o risco dos pais as enviarem a algum lugar para trabalhar é menor. As meni-nas atendidas nos centros percorrem os vilarejos para cantar e encenar peças de teatro sobre o tráfico de meninas. E quando retor-nam às suas vilas, o conheci-mento que adquiriram é transmitido à suas amigas.

Maiti fornece proteção e

assistência em seu centro na capital, Catmandu. Lá fun-ciona também um abrigo para crianças e uma escola, a Academia Teresa.

Todo ano, a organização Maiti salva milhares de meninas na fronteira, com o apoio da polícia no posto fronteiriço com a Índia. Maiti treina meninas, que foram vendidas como escra-vas, para serem patrulheiras de fronteira. Elas sabem como o tráfico opera e o que devem procurar. Em um dos postos de fronteira, Maiti abriu um hospital para mulheres e crianças infectadas com o HIV e AIDS.

– Meu sonho é construir uma vila para crianças por-tadoras da AIDS, diz Anuradha Koirala. E eu que-ro ver as meninas, que foram vendidas como escravas, rin-do e sendo crianças nova-mente.

– Meu objetivo é tornar o Nepal completamente livre do tráfico de escravas, diz Anuradha Koirala,

fundadora da organização Maiti Nepal. O Nepal é um dos países mais pobres do mundo. Muitas crianças

são forçadas a trabalhar em fábricas de tapetes, na agricultura e como trabalhadoras domésticos. As meni-

nas ainda enfrentam uma outra ameaça, a de serem sedu-zidas e vendidas como escravas para bordéis na Índia.

Anuradha Koirala, fundadora da Maiti

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Poonam

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patrulha a fronteira

São dez horas da manhã de um sábado, na esta-ção da fronteira entre o

Nepal e a Índia. Poonam cobre o nariz e a boca com seu xale branco. O ar é úmi-do e repleto de poeira e poluição.

– Alto! Pare! Para onde estão indo?

Poonam pára um táxi bici-cleta que está passando. No banco de passageiros, está um homem mais velho com uma menina jovem ao seu lado. O homem fica irritado.

– Quem é você? Que direi-to você tem para me parar? ele pergunta.

Poonam não tem nenhum uniforme e se parece com uma moça qualquer, vestida de sari branco e sandálias. Isto é intencional. Ninguém

deve saber que ela patrulha a fronteira. Poonam mostra sua carteira de identidade, onde está escrito que ela tra-balha para a Maiti Nepal, e explica:

– Nós trabalhamos para evitar que meninas sejam traficadas para a Índia, por isso eu gostaria de fazer algumas perguntas a vocês.

Eles contam que a menina é sobrinha do homem e que estão indo visitar parentes que moram na Índia. O homem lhe apresenta os documentos que os identifi-cam e Poonam lhes deixa seguir viagem.

Salva muitas meninas – Nós averiguamos todas as meninas que passam pela fronteira. Mesmo as que

estão viajando acompanha-da de mulheres. É fácil reco-nhecer as meninas da zona rural pelas suas roupas e modo de falar. Nós solicita-mos sua carteira de identida-de e perguntamos para onde estão indo.

As jovens patrulheiras tra-balham sempre em pares. Maiti tem uma pequena casa onde as pessoas podem ser interrogadas.

– Se nos sentimos insegu-ras, tentamos entrar em con-tato com os parentes. E tam-bém interrogamos o homem e a menina separados. Somente se as respostas coincidem, deixamos que continuem a viagem.

Poonam já salvou muitas meninas que estavam prestes a serem contrabandeadas para a Índia:

– Alto lá! Poonam pergunta o que o homem e a menina vão fazer na Índia.

As patrulheiras do Maiti não usam uniforme, para que ninguém saiba que elas estão vigiando

Poonam patrulha a fronteira entre o Nepal e a Índia. Ela examina minuciosamente cada veículo que atravessa a fronteira. Poonam foi vendida para um bordel na Índia aos 14 anos, por isso sabe exata-mente o que deve procurar. De repente, Poonam avista algo que lhe chama a atenção. Será a menina que ela observa, uma das milhares de garotas pobres do Nepal que a cada ano são enganadas e vendidas para bordéis na Índia?

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patrulha a fronteira

– Nós levamos o homem para a polícia e a menina nos acompanha ao centro Maiti. Depois, procuramos a famí-lia dela e a mandamos para casa.

Seduzida para a ÍndiaPoonam foi vendida para um bordel na Índia aos 14 anos.

– Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. Fui obrigada a deixar a escola, pois minha família era pobre. Eu e minha melhor amiga começamos a traba-lhar como garçonetes em um restaurante em Catmandu, na capital.

Um rapaz costumava vir ao restaurante todos os dias. Ele e Poonam ficaram amigos.

– Eu sentia que Rudra era como um irmão para mim. Eu realmente confiava nele. Um dia, ele perguntou se eu e minha amiga queríamos acompanhá-lo a um templo no dia seguinte. Ficava no alto de uma montanha, lon-ge de Catmandu, e podería-mos fazer pedidos neste lugar. Eu disse que não, mas minha amiga me convenceu. Fomos obrigadas a dormir em uma pensão.

– Havia três rapazes conosco: Rudra, Fistey e Bikash. No dia seguinte, Bikash disse que tinha uma loja na Índia e que precisava comprar mercadorias. Nós nos recusamos a ir com eles, mas nos obrigaram. Então,

fomos para uma cidade na Índia.

As meninas foram levadas de trem e de táxi. Rudra dis-se que iam visitar sua irmã. Foi quando Poonam come-çou a preocupar-se. Ela só queria voltar para casa, todos deviam estar pergun-tando por ela! Mas Rudra, que tinha sido tão gentil com ela no Nepal, agora mostra-va sua outra face na Índia.

Vendida como escrava – Eles nos levaram a uma casa e Rudra nos enfiou em um quarto apertado. Estava muito quente lá dentro e eu perguntei se podia sair, mas ele disse que não. Nós pedi-mos que nos levassem de vol-ta para Catmandu. Eles nos garantiram que logo íamos voltar para casa. Mas quan-do tentamos sair do quarto, eles nos impediram.

Quando Poonam tentou abrir a janela para tomar um pouco de ar, viu algumas meninas de batom que esta-vam em pé na rua.

– Eu tentei sair, mas Rudra me bateu com um cinto na cabeça e comecei a sangrar. Minhas roupas ficaram sujas de sangue e vi quando os rapazes pegaram dinheiro de uma carteira e disseram que tinham nos vendido. Nós argumentamos que se tives-sem dito, poderíamos ter dado dinheiro a eles. Pedimos que eles nos levas-

sem de volta, mas eles riram e afirmaram que nunca con-seguiríamos juntar tanto dinheiro.

Quando Poonam recupe-rou a consciência, a dona do bordel entrou no quarto e lhes disse que precisavam começar logo a trabalhar. Poonam e sua amiga foram separadas.

– Eu fui levada para uma outra casa. Quando me recusei a trabalhar, a dona do bordel me bateu.

– Eu disse ao meu primeiro cliente que nunca tinha feito aquilo. Pedi a ele que me aju-dasse a fugir. Ele respondeu que no sábado havia muita gente no bordel e que, então, me ajudaria. Ele não me tocou.

Mas a dona do bordel escutou a conversa e transfe-riu Poonam para outro bor-del. E ela apanhou mais uma vez.

Ameaçada e salvaA vida no bordel era como uma prisão. As meninas moravam amontoadas em cômodos pequenos e nunca podiam sair.

– Nós éramos 30 meninas no bordel, a maioria do Nepal, mas não nos permi-tiam ser amigas umas das outras. Algumas meninas falavam que queriam fugir e faziam planos. Mas sempre havia alguém que fazia fofo-ca e acabávamos todas

Poonam lavou as suas roupas. Ela não quer mostrar o rosto para que as pessoas no Nepal não saibam com o que ela está envol-vida.

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levando uma surra. A dona do bordel ameaçava nos enterrar debaixo da casa se fi zéssemos algo errado. Eu tinha medo. Porém, o que me consolava desde o início era a possibilidade de fuga. Eu fazia moldes da chave da porta com sabão e dava aos clientes para que fi zessem cópias.

Afi nal, depois de cinco meses, Poonam foi resgata-da. Foi o Centro de Salvamento em Mumbai (Bombaim) que recebeu uma denúncia de que havia crian-ças em um bordel e entrou em contato com a polícia. Daquela vez, foram salvas 21 meninas. Poonam voltou para o Nepal e pode morar no centro Maiti, em Catmandu.

– Eu fi quei tão feliz!

A vingança de PoonamPoonam conseguiu vingar-se quando colocou Rudra na prisão. Todas as outras meninas que foram salvas do bordel também tinham sido vendidas por ele. Juntas con-seguiram dar informações à polícia, para que Rudra pudesse ser preso.

– Quando penso no tempo em que estive no bordel só

quero chorar. É como um pesadelo. Se eu soubesse mais a respeito do tráfi co de meninas não teria deixado me enganar tão fácil. Por isso, quero fi car no centro Maiti e tentar evitar que outras meninas vivenciem as experiências terríveis pelas quais passei.

As meninas no centro de fronteira Maiti assistem TV.

Aprenda nepalês Ke gare ko? – Oi, como está? Khelney ho? – Você quer brincar? Timro naam ke ho? – Como você se chama? Mero naam – Eu me chamo Timi kasto chao? – Como vai você? Ma sanchai chu – Eu estou bemMalai timi maan parcha – Eu gosto de você Saathi – Amigos

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Alto risco para meninas pobresDilmaya aprende sobre o tráfi co de meninas no cen-tro Maiti. Depois, ela e as outras viajam para os vilare-jos para prevenir outras meninas desse comércio, através de canções e do teatro. Dilmaya faz fl ores de plástico para vender duran-te o Dashai, o grande festi-val hinduísta que cultua Durga, a deusa do oceano, que representa a força sagrada feminina. O festival é celebrado quando termi-na o período chuvoso e após a colheita, para que o bem prevaleça sobre o mal.

Salva junto à fronteira

“Um homem chegou na minha casa e perguntou à minha mãe se ela queria me vender para um cir-co na Índia. Mamãe disse que não, mas eu fui assim mesmo, pois pensei que seria divertido. Havia muitas amigas que deseja-vam ir e viajar juntas. O homem disse que o trabalho não era pesado, que eu somente precisa-va aprender a andar sobre a cor-da. Nós teríamos muito tempo para assistir TV.

Quando íamos cruzar a frontei-ra, uma das moças do Maiti per-guntou ao homem para onde íamos. Ele disse que iria nos dar comida na Índia. Porém, a moça me perguntou e eu respondi que iríamos trabalhar em um circo.

Logo ela compreendeu que o homem estava mentindo e nós tivemos que acompanhá-la. Depois disto, fi quei com medo por ter sido tão enganada.”

Crianças de famílias pobres do Nepal são muitas vezes seduzi-das com promessas de que irão ganhar muito dinheiro, que o tra-balho é simples e que poderão frequentar a escola. Na realida-de, elas não recebem qualquer salário e são obrigadas a traba-lhar duro todos os dias do ano. Anjali mora agora no centro Maiti para aprender tudo sobre o tráfi -co de jovens meninas e, desse modo, divulgar informação para suas amigas no vilarejo.

Anjali, 12 anos, é a mais nova no centro Maiti. Ela foi salva junto à fronteira, quando estava a caminho de um circo na Índia:

Durga

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Por que Maggy é noMeada? Maggy Barankitse é nomea-da à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 pelos seus 15 anos de luta para ajudar as crianças do Burundi, onde conflitos armados continu-am a ocorrer. Maggy salvou a vida de 25 crianças e aju-dou a mais de 10 000 crian-ças a uma vida melhor. Ela constrói vilas com 500 casas, onde crianças órfãs podem crescer em ‘famí-lias’. Elas recebem comida, roupas, atendimento médi-co, escola, um lar e… amor! Maggy ajuda crianças de todos os grupos étnicos do país e religiões e as ensina que todos têm o mesmo valor. Ela ajuda também as crianças pobres dos vilare-jos vizinhos e mostra que todos em Burundi podem se ajudar. Maggy se arrisca quando declara que os polí-ticos, o exército e os rebel-des em Burundi violam os direitos da criança.

Maggy Barankitse e dieudonné de sete anos se abraçam. dieudonné é uma das muitas crianças de Burundi que Maggy ajudou a ter uma vida melhor. Tudo começou quando ela salvou a vida de 25 crianças durante a guerra civil em 1993. desde então, ela vem aju-dando a mais de 10 000 crianças. elas recebem comida, roupas, cui-dados médicos, um lar, possibilida-de de ir à escola e… amor!

dieudonné é um meni-no vívido, mas seu rosto carrega cicatri-

zes da guerra. Quando Maggy o encontrou com quatro meses de idade, ele tinha o rosto gravemente ferido pela granada que matou sua mãe. Maggy trabalhava no solar do bispo em Ruyigi, quando a guerra civil entre os Hutus e os Tutsis começou.

– Eu ajudei pessoas dos dois grupos étnicos a pro-curar abrigo no solar do bispo. Mas fomos ataca-dos por centenas de Tutsis. Eles me chutaram e me bateram, mas como eu era Tutsi me deixaram viver.

– Eu consegui esconder 25 crianças, mas quando o ataque terminou, todas elas tinham perdido os pais. Como eu mesma fiquei órfã quando era pequena, sei como é importante para as crian-ças se sentirem seguras e amadas. Eu decidi cuidar dessas crianças, conta Maggy.

A guerra em Burundi matou cerca de 300.000 pessoas, muitas delas crianças. Há 620.000 crianças órfãs devido à guerra e à Aids.

– As crianças são seques-tradas e obrigadas a se tor-narem soldados, outras têm que deixar a escola porque suas taxas escolares não são mais pagas. Mais da metade das crianças no Burundi não vão à escola. Muitas acabam na rua, precisam pedir esmolas para sobreviver e estão em risco de serem exploradas. Porém os políti-cos continuam investindo em armas e não nas crian-ças, diz Maggy.

Casa da pazMaggy e as crianças muda-ram-se para uma velha esco-la que foi batizada de Maison Shalom, ‘A casa da paz’. As crianças pertencem a todos os grupos étnicos e religiosos de Burundi. Maggy ensina a elas que todos têm o mesmo valor.

– Eu quero mostrar às pes-soas em Burundi que é possí-vel vivermos todos juntos em paz. No início, havia apenas o orfanato Maison Shalom, mas Maggy não quer que as crianças cresçam em orfa-natos.

– Por isso, eu construí vilas com 500 casas cada, onde as crianças moram jun-tas como uma família. Há um par de ‘mães da vila’ em

cada um dos vilarejos. As crianças aprendem a cuidar da casa, cultivar verduras e legumes e zelar pela criação de animais. Acima de tudo, elas aprendem que fazem parte de uma família e que são amadas.

Maggy criou uma padaria, um ateliê de costura, uma pequena hospedaria e uma fazenda. Lá as crianças que concluíram a escola podem trabalhar para sustentar suas ‘famílias’.

A luta de Maggy pelas crianças em Burundi é mui-tas vezes perigosa. Ela pro-cura crianças abandonadas e feridas nas áreas de conflito. Ela já foi a julgamento várias vezes e muitos ameaçaram de matá-la, porque ela diz a verdade sobre como os polí-ticos, o exército e os rebeldes violam os direitos da criança.

– Meu sonho é um dia poder fechar a Maison Shalom e perceber que todas as crianças de Burundi tem uma família com quem morar. Mas todos os dias chegam novas crianças aqui e nós vamos continuar exis-tindo até o dia em que hou-ver crianças precisando da nossa ajuda e do nosso amor.

noMeada – páginas 36–40

Maggy Barankitse

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Foi em 1993 que a família de Justine buscou abri-go com Maggy. Mas numa manhã, o solar do Bispo foi atacado por uma centena de homens armados.

Rápido! Aqui vocês podem se esconder, gritou

Maggy. Ela abriu o armário livre e Justine e suas três irmãs menores pularam para dentro rapidamente…Quando Maggy fechou a porta, Justine estava em pânico. Ela escutava o baru-lho dos tiros e as pessoas gri-tando. Ela pensou no restan-te da família. Onde estavam sua mãe e seu pai? E sua irmã pequena?

Muitas horas depois, Maggy abriu a porta do armário. Justine notou que ela estava chorando.

– Acabou… mas seus pais não conseguiram se salvar. Sua irmãzinha também está morta. Eu sinto muito por tudo o que ocorreu, prometo

– cuidar de vocês agora, disse baixinho.

– Maggy cuidou de mim e dos meus irmãos. Ela asse-gurou que continuássemos na escola e, acima de tudo, ela nos deu amor. Graças a ela, conseguimos superar todas as coisas horríveis. Vejo a Maggy como minha mãe, meu pai e minha avó…, ela é tudo pra mim!, diz Justine.

– Eu quero ser como Maggy e ajudar outras crianças em dificuldades. O mais importante que Maggy me ensinou é perdoar. Os homens que mataram meus pais e minha irmãzinha moram apenas a algumas casas daqui. No começo, eu sempre pensava em vin-

– Antes da mãe da Lysette mor-rer, ela me implorou que eu amasse as meninas como se fossem minhas próprias filhas, e eu prometi fazer o melhor possí-vel para que elas tivessem uma vida decente. Foi quando eu decidi ajudar também todas as outras crianças sobreviventes do massacre do solar do bispo. Naquela noite, me tornei mãe e pai de 25 crianças totalmente abandonadas no meio de uma guerra sangrenta, diz Maggy.

Ela ergueu uma lápide para homenagear os pais de Lysette e todos os outros que morreram no massacre. Mas a lápide erguida por Maggy também é

um lugar onde todas as crian-ças sobreviventes podem ir para se lembrar de seus pais e irmãos mortos.

– Eu, Lysette e Lydia vamos sempre até lá. Nós rezamos pelos pais delas e às vezes as meninas enfeitam o túmulo com flores. Os pais da Lysette signi-ficam muito para mim. A mãe dela era minha melhor amiga, sinto que eles continuam me ajudando a ter forças para seguir lutando.

“Graças à Maggy, tive uma segunda chance na vida”, diz Lysette Irakoze. Aqui, ao lado de sua irmã Lydia, quando crianças e como adolescentes.

Maggy e as irmãs na lápide, erguida em homenagem à todos que mor-reram no massacre.

Justine e o irmão mais novo Claude, que também sobreviveu ao ataque.

Justine com os irmãos, um ano depois do ataque.

Maggy Barankitse“Maggy é minha mãe e avó’

Lysette e Lydia são o começo da Maison Shalom

gança. Mas um dia eles vieram aqui e me pediram perdão. Eles choraram e disseram que estavam arre-pendidos. Foi muito difícil, mas eu lhes dei o meu per-dão. Depois desse dia me senti finalmente livre.

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Alinemora na vila de Maggy para crianças órfãs

Todos bem vindos

Aline Nimbesha mora na vila de Maggy e deseja aju-dar crianças órfãs.

– Se Maggy não tivesse me ajudado, eu estaria morta. Quero ser como ela e ajudar as crianças órfãs, diz Aline, 14 anos.

Aline perdeu seus pais quando tinha cinco anos. Hoje ela mora em uma das vilas construídas por Maggy. Aline mora com outras seis crianças que se tornaram sua nova família.

L tomar banho!, ela grita enquanto derrama a

água numa pequena banhei-ra de plástico.

Aline dá banho nele todos os dias, quando chega da escola. Landry não gosta de tomar banho e chora. Mas logo depois, quando se senta no colo da Aline enrolado numa toalha, fica tranquilo.

– Eu adoro crianças e sem-pre cuido das crianças da vila quando termino o dever de casa. Elas se sentam nas minhas costas e eu canto

para que elas se sintam cal-mas e felizes. A gente tem que cuidar das crianças, para que elas se se sintam seguras, diz Aline.

Aline vivenciou na própria pele experiências terríveis. Em 1993, seu vilarejo foi atacado e toda sua família assassinada. Aline é Tutsi e sua família foi morta por Hutus.

Golpeada na cabeça – Eles botaram fogo no nosso vilarejo e nos perse-guiram dentro da mata. Eu

só tinha cinco anos, mas um homem me cortou a gargan-ta com um facão e bateu na minha cabeça com uma pedra. Quando ele pensou que eu estava morta foi embora. Mas tive sorte. Uma mulher cuidou de mim e me carregou até a Maggy. Eu estava desmaiada quando cheguei à Ruyigi e um lado da minha cabeça tinha um ferimento grave. Se Maggy não tivesse me ajudado a chegar a um hospital eu teria morrido.

Aline toca com cuidado a cicatriz na garganta. É uma lembrança constante dos

– andry, tá na hora de

A maioria em Burundi é católica. Maggy também é católica, mas na Maison Shalom todas as crian-ças são bem vindas, independente da religião. Não importa se elas pertencem a uma religião tra-dicional africana ou muçulmana, protestante, católica ou se não têm religião. Todos têm o mes-mo valor para Maggy.

– Se eu sei que os pais de uma criança eram muçulmanos, ela receberá uma educação muçul-mana, porque sei que é o que os pais desejariam, afirma Maggy.

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mora na vila de Maggy para crianças órfãsoutras mulheres adultas na vila de Maggy que são como mães para todas as crianças. Se as crianças têm algum problema, podem conversar com elas. As mães da vila asseguram que todas fre-quentem a escola e ajudam quando alguém fica doente.

Quando todas as meninas chegam em casa, é hora de ajudar nas tarefas domésti-cas. Algumas arrumam a casa, outras fazem os deve-res da escola. Aline limpa o arroz, sentada num banco,

do lado de fora da casa. Um pouco afastada, está Jacqueline limpando as bananas da terra.

– É melhor viver assim do que num orfanato. Aqui somos uma família, que cui-da uns dos outros e aprende muitas coisas. Aprendemos a cozinhar, cuidar da casa e até a plantar verduras e legu-mes. No dia em que nos mudarmos, estaremos pre-

horrores pelos quais ela pas-sou. Apesar de terem sido os Hutus que mataram sua família, ela nunca sentiu ódio deles enquanto grupo.

– Deve ser porque eu sem-pre tive amigos Hutus. Na Maison Shalom e nas vilas de Maggy, Tutsis e Hutus vivem lado a lado. Somos amigos e não há diferença entre nós. Aqui todos temos o mesmo valor. É o que sem-pre digo aos Tutsis que não podem entender como pode-mos viver com Hutus.

Quer ser como Maggy– Oi, tudo bem?

Gloriosa acaba de chegar

em casa. Ela é como uma mãe para as outras crianças. Ela trabalha na padaria em Ruyigi, que Maggy criou para que as meninas que concluíram a escola possam trabalhar e se sustentar. Uma vez por mês, Maggy paga as taxas escolares das crianças e lhes dá milho, arroz, feijão, óleo, carne e algo mais que precisam. Quando querem outras coi-sas, usam o dinheiro da Gloriosa. Por exemplo, quando vão ao mercado comprar frutas frescas, ela paga – exatamente como qualquer mãe faria.

Além de Gloriosa, há

O dinheiro que Gloriosa ganha é usado por toda a sua “família’ na vila.

Aline vai buscar água duas vezes por dia.

A cada vez, ela gasta meia hora.

Landry adormece nas costas de Aline.

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paradas para administrar bem nossas vidas, diz Aline.

Entretanto, Aline não pensa em se mudar da vila de Maggy e criar sua pró-pria família. Ela quer ser igual à Maggy.

– Quando concluir a esco-la, quero me dedicar à aju-dar as crianças órfãs. Infelizmente, eu acredito que haverão mais e mais crianças órfãs em Burundi.

As crianças são o futuro. Assim como nas outras vilas, as crianças cozinham o jantar numa fogueira no quintal. Elas comem e con-versam sobre o que aconte-ceu no dia. Depois que escu-rece, a única coisa que Aline consegue enxergar é a

fogueira nas casas vizinhas, onde outras crianças estão sentadas, conversando e comendo.

– Já que temos tantos pro-blemas em Burundi é mais importante ainda tratar bem das crianças que estão crescendo agora. As crian-ças são o futuro. Se lhes der-mos um bom começo na vida, elas talvez cresçam diferentes dos adultos de agora.

– Nas vilas da Maison Shalom, vivem crianças de todas as religiões e grupos étnicos do Burundi e todos são amigos. É exatamente como deveria ser em todo o país, se quisermos realmente ver a paz um dia, diz Maggy. Ela espera que os vizinhos das crianças das vilas Maison Shalom possam ver e entender que realmente é possível viver em paz.

– Eu quero que todos aqui da redondeza se beneficiem da Maison Shalom. Quando reformamos as casas da vila, tratamos de ajudar os vizinhos a conseguir um telha-do novo também. O hospital que construímos está aber-to para 30.000 pessoas que moram nessa região. Também ajudamos as crianças da vizinhança pobre a ingressar na escola. Nós pagamos suas taxas escolares e os uniformes. Por que só as crianças da Maison Shalom iriam à escola? Isto seria injusto! Dessa forma, nosso trabalho irá ajudar todo o Burundi, diz Maggy.

Fleury tem sete anos e acaba de chegar da escola. Ele mora numa das vilas de Maggy com seus irmãos mais velhos. Ele corre para casa para poder caçar antes de fazer o dever da escola.

– Eu faço estilingues com o meu irmão mais velho. Primeiro, procuramos gravetos na floresta. Depois, vamos ao mercado e procuramos tiras de borracha largas. Pedaços de pneus velhos tam-bém funcionam muito bem.

Crianças vizinhas também recebem ajuda

O estilingue de Fleury

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(James Aguer

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PÁRA! Senão eu atiro! MAMÃE!

NOMEADO – PÁGINAS 41–45

Depois do ataque da milícia, James, seus irmãos e irmãs fugi-

ram para a capital, Cartum, onde foram morar com parentes em um campo de refugiados. Muitos ali con-taram como as crianças eram capturadas para serem levadas para o norte do Sudão como escravas.

– Nós temos que fazer algu-ma coisa, disse James. Temos que libertar as crianças!

Uma noite, James e outros oito homens encontraram-se em segredo. Se a polícia des-cobrisse que eles se reuniam para discutir sobre a liberta-ção de escravos, todos seriam levados para a prisão.

– Eu sei para onde as crianças são levadas, disse James. Para o povo árabe em Darfur e Cordofan. Eu pla-nejo ir até lá. Alguém me acompanharia?

Muitos Dinkas responde-ram imediatamente: ‘Claro. Iremos com você !’, porém dois deles hesitaram.

– Se eles descobrem que queremos libertar as crianças, irão nos matar, disseram.

James e os outros começa-ram a planejar.

– Nós temos que nos vestir como árabes, assim nin-guém irá desconfiar porque estamos ali. Iremos comprar as túnicas brancas jellabiya e turbantes brancos para se assemelhar aos arábes.

Alguns dias depois, eles embarcaram no trem, vesti-dos como árabes. Eles se sentaram em diferentes vagões para ninguém sus-peitar que estavam juntos. Quando chegaram, eles tomaram direções diferen-

tes, cada um foi para uma vila, onde sabiam que havia crianças Dinka trabalhando como escravas.

James se sentia estranho em suas roupas árabes, mas logo se deu conta que o dis-farce funcionava. Ninguém se preocupava com ele, quando caminhava pelos vilarejos e acampamentos. Quando alguém lhe pergun-tava o que estava fazendo, ele respondia: ‘Estou procu-rando por minhas vacas’. Na verdade, James e seus amigos procuravam por crianças escravas. Quando viam uma criança de pele escura, pastoreando

POr quE JAMES é NOMEADO? James Aguer é nomeado à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta obstinada contra a escravi-dão infantil no Sudão. Muitas crianças são raptadas pela milícia e obrigadas a traba-lhar de sol a sol. Elas são forçadas a dormir com os animais fora de casa, comer restos e sofrem maus tratos físicos, como surras e chico-tadas. Após 20 anos de luta, James e seus companheiros libertaram cerca de 3.000 crianças. E a sua luta para salvar o restante das crian-ças permanece. James já foi preso 33 vezes e quatro de seus colaboradores foram mortos, enquanto tentavam resgatar as crianças. Hoje, James e seus companheiros têm o apoio do governo do Sudão para libertar crianças escravas.

James Aguer Alic tinha 20 anos, quando crianças do seu vilarejo eram raptadas para serem escravas. Sua mãe foi morta quando se recusou a entregar a filha. James fugiu com seus outros irmãos para hoje salvar crianças da escravidão!

James com alguns de seus amigos árabes.

Leia a história em quadrinhos completa sobre como James salva crianças da escravidão no www.worldschildrensprize.org

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James

Eu levo a mulher, o

menino e…

Então eu levo os outros meninos!

Fico feliz que mamãe está

comigo.

O Sudão, que significa ‘A Terra dos Negros’ em

árabe, é o maior país da África. As diferenças entre o norte e o sul do país são enormes. As duas regiões são quase como dois países diversos. Ao norte, existem grandes desertos, pastos e a capital do país, Cartum. Sua população, cerca da metade dos 30 milhões de habitan-tes do país, pertence à várias etnias árabes e têm o árabe como seu idioma. Quase todos são muçulmanos. Ao sul, há savanas, pântanos e áreas de pasto verde. Ali, a maioria do povo (cerca de 3 milhões) é Dinka e seu idioma é também o Dinka. A maioria é cristã ou é prati-cante das religiões tradicio-nais. O povo Dinka é o mais afetado pela escravidão.

A população do sul é mais

pobre, apesar de suas terras terem grandes riquezas naturais como petróleo, ouro, urânio e lençóis de água. A guerra civil foi par-cialmente causada devido aos recursos naturais e à religião. Vilarejos foram bombardeados ao sul do Sudão, onde soldados do governo colaboraram com a milícia. A milícia raptou cerca de 40.000 crianças e mulheres para serem escra-vas. Estas crianças foram obrigadas a trabalhar para famílias árabes do norte. Elas dormem com os ani-mais fora de casa, comem restos e sofrem maus tratos físicos, como surras e chicotadas.

Salva vidasJames resgata crianças da escravidão há 20 anos. Até

agora ele já salvou 5 000 escravos, sendo que 3 000 são crianças.

– São as crianças do meu povo que eles raptaram, diz James. Nada irá interromper a minha busca. Se não fizer-mos algo, elas irão continuar presas.

James já foi preso 33 vezes por sua luta pelos direitos das crianças escravas e qua-tro de seus colaboradores foram assassinados, enquan-to tentavam libertar as crianças.

No início, o governo do Sudão negou a existência de escravos no país. Entretanto, o governo mudou sua políti-ca e fundou uma organiza-ção, a CEAWC, para pôr um fim à escravidão. James e seus companheiros são membros da CEAWC.

cabras e vacas ou carregan-do água perto de alguma vila árabe, perguntavam de onde ela vinha, como se cha-mava e o que fazia ali. Eles perguntavam também se ela conhecia outras crianças Dinkas na região. O grupo de James também fez amiza-de com alguns árabes, que o ajudavam a fazer as listas com nomes de escravos.

James sempre andava por caminhos diferentes para evitar ser reconhecido e des-pertar suspeitas.

De noite, James e seus amigos se encontravam para compartilhar as informa-ções que conseguiram durante o dia. Eles descobri-ram que havia muito mais crianças escravas do que imaginavam, e começaram a escrever listas de nomes. Quando tinham muitos nomes em uma mesma região, James visitava o sultão, o líder dos árabes.

– Honrado sultão! Eu tenho certeza que o senhor não concorda com a escravi-dão. Mas o seu povo está escravizando muitos de nós, os Dinkas. Muitas de nossas crianças são escravas de famílias aqui nessa região, dizia James respeitosamente.

Alguns sultões concorda-vam que era errado a escra-vidão e ajudavam James a libertar as crianças. Entretanto, outros o amea-çavam e ordenavam que ele nunca mais aparecesse por ali.

Moises e Elisabeth, nessa fotografia, foram sequestrados para serem escravos. Porém, James Aguer Alic os salvou. Há 20 anos, James luta para salvar milhares de crianças da escravidão. É uma tarefa muitas vezes perigosa.

é preso 33 vezes

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Manol

Sua mãe morreu. Nada de fugir!

De noite penso na mamãe e no papai e choro. Todas as noites meu corpo treme.

A experiência de Manol como um escravo começa bem cedo

numa manhã, quando a milícia entra à galope na sua vila.

Manol, sua mãe, seu pai e sua irmã fogem correndo pelo leito do rio seco. Mas o outro lado está cheio de homens da milícia monta-dos em cavalos e logo a família é cercada. Os habi-tantes da vila são organiza-dos em filas e todas as vacas e cabras são reunidas. Depois, a longa marcha se inicia.

Eles andam por muito tempo sem receber nada para comer e beber.

– Eu tenho que aguentar, pensa Manol. Ele vê a mãe, que carrega sua irmãzinha. Ela parece tão cansada. ‘Por favor, mamãe, você tem que aguentar...’

Fuga perigosa A noite cai, eles montam um acampamento. De repente,

três milícias se atiram em seus cavalos e galopam pela savana. Depois de instantes, eles retornam. Atrás dos cavalos, dois homens estão amarrados.

– Isso é o que acontece com aqueles que tentam fugir! grita um dos cavalei-ros e mata os homens.

Na manhã seguinte, a mãe de Manol sussurra que o pai fugiu durante a noite. ‘Não!, pensa Manol, eles irão matá-lo!’

Quando os soldados des-cobrem que o pai de Manol fugiu, saem em seus cavalos. Depois de algumas horas, eles voltam sem o seu pai. ‘Ele ainda está vivo!’

Depois de seis dias de caminhada, eles chegam ao mercado de escravos. Um árabe faz de Manol seu escravo, enquanto a mãe e a irmã são vendidas para outro homem. Após três dias, Manol e o seu dono chegam a um grande acam-

pamento, onde se encon-tram com sua mulher e seus cinco filhos. Um dos filhos do dono diz:

– Você é o nosso escravo, não é? Ele cospe no chão em frente à Manol.

A mulher do árabe lhe leva até um lugar, atrás de uma das tendas, onde as cabras estão amontoadas numa cerca fechada.

– Você irá dormir aqui, ela diz apontando para o chão. Manol não ganha nem colchão, nem coberta.

As noites são o pior. É quando ele se lembra da mãe e do pai. “Onde eles estão agora? Será que estão vivos?, pergunta-se Manol, olhando as estrelas. Manol sonha com sua casa e a grande mangueira.

Machado no péManol acorda de manhã cedo. Ele está com frio, depois de uma noite no cur-ral das cabras. Ele não rece-be café da manhã e tem que começar a trabalhar imedia-tamente. Primeiro, ele lava os pratos, limpa a tenda e busca água. Depois, conduz as vacas até o pasto. O pasto é distante e os meninos dos acampamentos vizinhos fazem tudo para tornar a vida de Manol miserável.

– Olhem, lá vem o escra-vo. Vejam como ele é sujo!? Não me admiro que ele tenha que dormir do lado de fora. Ele fede também!, os meninos gritam e conduzem suas vacas na direção do rebanho de Manol.

Dois meninos se aproxi-mam de Manol de modo

Quando Manol tinha dez anos, ele foi obrigado a se tornar um escravo. Os filhos do dono de escravos e seus amigos o maltratavam. Porém, um dia...

escravo maltratado

Debaixo da mangueira, Manol se balança empurrado pelo amigo Valentino, que também foi escravo.

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As crianças são prisioneiras do povo árabe. Eu sou dinka como a maioria delas, mas tem muitos árabes que nos ajudam.

Nos vestimos como os raptores de crianças.

E podemos percorrer o lugar sem que ninguém desconfie.

dele agora?, pensa Manol, enquanto anda ao lado do homem alto com trajes jella-biya típicos e turbante bran-co. Eles param em todos os acampamentos ao longo do caminho e levam mais crian-ças escravas. Manol reco-nhece algumas delas da sua vila natal, pelo menos agora ele pode falar Dinka nova-mente.

De noite, quando eles montam acampamento, o homem alto assa um cabrito recém abatido na brasa. Finalmente, as crianças vão dormir de barriga cheia pela primeira vez em muitos anos, aconchegadas umas às outras para se aquecerem.

Depois de seis dias de caminhada, eles chegam a um grande mercado, onde Dinkas e árabes compram e vendem vacas, açúcar, teci-dos, chá e remédios. Este também é um Mercado da Paz, para onde os escravos libertados são levados e aon-de os pais vão procurar por seus filhos. Manol e os outros garotos são avisados para se sentarem debaixo de uma árvore e esperar. Logo que a notícia sobre a chega-da das crianças se espalha, aparecem muitos adultos. Eles rodeiam a árvore para verificar se seus filhos estão naquele grupo.

Manol olha em torno e

ameaçador. Eles empurram e chutam Manol, que não pode controlar seu rebanho. Outros provocam as vacas, que correm assustadas na direção errada e se mistu-ram a outro rebanho.

– Não, não! Parem com isso!, grita Manol.

Manol consegue reunir quase todas as vacas, menos uma. O que ele vai dizer ao seu dono, quando retornar ao acampamento?

– Pequeno porco, grita o dono, quando percebe que uma das vacas está perdida. Ele atira um machado na

direção do pé de Manol, causando um corte de dez centímetros.

– Se acontecer mais uma vez, eu juro... Prenda as cabras e vá buscar água.

Manol está tão faminto que mal pode andar. Durante o dia inteiro, ele só bebe água e, de noite, ele ganha algumas sobras para comer sozinho fora da ten-da. Ele está sempre com fome.

Salvo por JamesAs crianças da família fazem o que querem com

Manol. Seu dono e a esposa não dizem nada. Eles batem nele, dizem coisas horríveis e o molestam por ele ser sozinho. Um dos meninos enfia um espeto no joelho de Manol e o deixa com uma grande cicatriz.

Manol não acredita que irá rever sua família. Ele será um escravo o resto da vida e será maltratado como um cão. Porém, um dia, mais de dois anos depois, um homem aparece, conver-sa com o dono de Manol e o leva do acampamento.

– Será que vou ser escravo

Manol faz uma fogueira na granja de sua família.

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ALEK

De onde você é e qual seu nome?

Que será que ele quer?

E fala dinka...

Encontrei cinco crianças raptadas

E eu três! Então visitamos o

sultão amanhã.

Me chamo Adut e fui raptada.

tenta localizar o rosto do pai ou da mãe. Após muitas horas, ao entardecer, ele escuta uma voz familiar:

– Manol! Manol! É você, meu menino! O pai de Manol corre em sua direção e o levanta no ar. Eles se abraçam por muito tempo.

James salva a irmã – Onde estão sua mãe e sua irmã?, pergunta o pai.

– Eu não sei, responde Manol, que fica triste outra vez. Nós nos separamos,

desde aquela noite em que você desapareceu.

Três meses depois, a mãe e a irmã de Manol são salvas por James Aguer. Agora, a família está reunida nova-mente.

– Imagine como será bom estar em casa outra vez e sentar debaixo da manguei-ra, diz Manol. Se eu tivesse algum dinheiro, compraria uma vaca, um cabrito e algumas roupas. Os árabes roubaram todas as nossas 25 vacas e os nossos cabritos

também. Eu gostaria de ir à escola.

– Eu quero aprender tudo sobre agricultura, assim poderei plantar árvores e sorgo. Sem as árvores a vida é muito triste, não é?, ele pergunta ao amigo Valentino, que também foi escravo.

Manol pensa mais no futuro, do que no passado. Ele tem muitos planos agora que está livre e não é mais um escravo.

Alek Wek é uma das mode-los mais famosas do mun-do. Ela também é uma refugiada do sul do Sudão – e ela jamais se esquece-rá disso. Alek é patrona e Amiga Adulta Honorária do WCPRC. Aqui, ela está com Abouk, que foi libertada da escravidão por James.

Apesar de Alek ser agora uma super modelo, ela não pode se esquecer dos ami-gos e parentes no Sudão, que foram obrigados a enfrentar a guerra civil e a fome. Com frequência, ela fala sobre a situação do seu país de origem e ajuda a arrecadar fundos para os refugiados.

A supermodelo

e a menina escrava

A mangueira faz sombra, enquanto Manol brinca com a irmã.

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Prateep Ungsongtham Hata

Por qUe PrateeP é nomeada? Prateep Ungsongtham Hata é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta de 40 anos pelos direitos das crianças mais vulneráveis da Tailândia. Desde os 16 anos, Prateep dedica-se integral-mente a oferecer a dezenas de milhares de crianças pobres nas favelas e no campo uma vida melhor e a chance de ir à escola. A organização de Prateep oferece apoio financeiro à crianças, dirige quinze cre-ches, uma escola para crianças com dificuldade de audição, lares para crianças vulneráveis, constrói biblio-tecas escolares, concede empréstimos através do “Banco dos pobres” e dirige “A estação de rádio dos pobres” onde as crianças podem se fazer ouvir. A vida de Prateep é ameaçada por gangues das favelas de Bangkok. Elas não gostam que Prateep dê às crianças pobres a oportunidade de estudar e dizer não ao tra-balho nocivo, às drogas, à prostituição e à criminali-dade.

Prateep Ungsongtham Hata nasceu em Klong toey, a maior favela de Bangkok. quando tinha dez anos, ela retirava ferru-gem dos navios do porto para sobreviver. nos sonhos, porém, ela ia à escola... Hoje Prateep tem 56 anos e há 40 vem ajudando milhares de crianças tailandesas pobres a terem uma vida melhor e a frequentarem a escola.

ahistória de Prateep começa antes do seu nascimento, em

uma pequena vila de pes-cadores ao sul de Bangkok. Seu pai, o pes-cador Thong You, escu-tou os boatos de que o porto de Bangkok preci-sava de gente para traba-lhar. Decidiu então, mudar-se com toda a família.

Gente pobre de todos os lugares do interior se aglomerava no porto com a esperança de ter uma vida melhor na cidade. Eles começaram cons-truindo pequenos barra-

cos de chapas de metal, papelão e velhas tábuas. Assim nasceu a favela de Klong Toey.

Vendia doces Quando Prateep nasceu, seu pai trabalhava no porto, mas toda a família tinha que ajudar a ganhar dinheiro.

– Aos quatro anos, come-cei a perambular e vender doces que mamãe fazia, recorda Prateep.

Toda manhã, ela dava água aos patos da família e procurava os ovos que eles botavam. Aqueles ovos que a família não precisava, Prateep vendia na feira. Todo dia, ela também ajuda-

va sua mãe a buscar água a dois quilômetros de dis-tância.

Sua mãe Suk queria que Prateep frequentasse a esco-la, porém não havia nenhu-ma escola em Klong Toey. E como Prateep, assim como todas as crianças pobres dali, não possuíam uma cer-tidão de nascimento, elas não podiam entrar na escola pública da cidade. Sem certi-dão, as crianças não são consideradas cidadãs tailan-desas e, por isso, não tem direito de ir à escola. Afinal, quando Prateep tinha sete anos, a mãe encontrou uma escola privada barata que aceitaria a filha.

– Eu estava felicíssima! O primeiro dia de aula foi o mais feliz da minha vida. Prattep se saiu muito bem na escola. Ela não se importava que os colegas tivessem rou-pas melhores. Estava feliz só de poder ir à escola. De tar-de, Prattep continuava a vender doces. Ela tinha mui-to o que fazer, porém estava feliz.

Prateep abriu uma escola em sua casa.

Prateep acha uma injustiça que as crianças pobres não possam ir à escola.

NOMEADA • Páginas 46–50

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O pior diaUm dia, porém, quando Prateep tinha dez anos e aca-bara de concluir a quarta-série, sua mãe disse que eles não tinham mais condições de mantê-la na escola.

– Foi um dos dias mais tris-tes da minha vida. Eu não conseguia parar de chorar.

Primeiro, Prateep come-çou a trabalhar em uma fábrica de fogos de artifício, depois em uma fábrica de panelas. Nos dias em que as fábricas não precisavam de sua mão de obra, ela traba-lhava no cais.

– Eu raspava a ferrugem dos navios de carga. Como era pequena, eu tinha que rastejar debaixo do convés e limpava compartimentos estreitos difíceis para um adulto ter acesso. Era assus-tador e perigoso, pois não tínhamos nenhum equipa-mento de segurança. Às vezes, depois de trabalhar o dia todo, o capataz nos dizia que teríamos que continuar à noite também. Muitas crianças usavam drogas para aguentar o trabalho. Algumas noites, eu também usei. Eu me sentia doente, mas, ao menos, ficava acor-dada.

Numa manhã, no cami-nho para o porto, aconteceu algo que transformou total-mente a vida de Prateep.

– Encontrei meus antigos colegas. Eles iam para a escola vestindo seus belos uniformes. Eu vestia apenas trapos e roupas sujas. Quando me perguntaram por quê eu saí da escola, me senti uma boba e comecei a chorar. Tudo parecia tão injusto. Naquele momento, me decidi. De alguma maneira, eu voltaria para a escola!

Prateep entregava à mãe a maior parte do dinheiro que recebia, porém sempre eco-nomizava um pouco para ela também. Depois de traba-lhar no cais por quatro anos, Prateep conseguiu economi-zar o bastante para pagar uma escola noturna barata na cidade.

– Meu sonho se realizava! Eu estudava à noite e traba-lhava no cais do porto de dia. Vivia quase sempre can-sada e dormia no ônibus no caminho de ida e volta da escola.

Primeira escola!Durante os anos no porto, Prateep conheceu muitas crianças que trabalhavam e tinham uma vida difícil. Nenhuma tinha certidão de nascimento. Prateep pensou que isso era muito injusto. Aos 16 anos, ela decidiu inaugurar sua própria escola!

– Eu e minha irmã

Prateep abriu uma escola em sua casa.

No primeiro dia, 29 crianças vieram à escola de Prateep, em pouco tempo havia mais de cem.

Um sexto da população mundial mora em fave-las. Oito milhões delas vivem na Tailândia. Três milhões de crianças tailandesas não têm a opor-tunidade de ir à escola. Muitas são obrigadas a trabalhar e pelo menos 30.000 crianças vivem na prostituição. Para ajudar estas crianças pobres, Prateep e a sua organização Duang Prateep Foundation, a DPF, fazem o seguinte:• 2.500criançaspobresrecebemajudafinanceiraparapoderemfrequentaraescola.

• Nas15crechesdePrateep,ascriançasrecebemleiteealimentaçãonutritiva,alémdetratamentomédicoedentáriogratuito.• Umaescolaparacriançascomdificuldadesauditi-

vas.Asfamíliasnãotêmcondiçõeseconômicasdemandarseusfilhosparaasescolascaraseespe-cializadasparacriançassurdasecomproblemasdeaudição.• Doislaresparaascriançasmaisvulneráveis,víti-

masdeagressão,abusooucomproblemascomdrogas,ondeelastêmumanovachance.

• Constroembibliotecasemvilarejoseapóiamascriançasparaquepossamestudar.Umapoioespecialéoferecidoàsmeninas,paraqueelaspossamobteralgumarendaeassim,permanecernovilarejo.Seasmeninasdeixaremsuavilanatal,corremgranderiscodeterminarnaprostituição.

• O“BancodosPobres'emprestadinheiroaosmaispobres,quenãotemcomoobterempréstimosnosbancostradicionais.• A'EstaçãodeRádiodosPobres'permitequeas

criançassefaçamouvir.

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Prakong organizamos uma sala de aula no único cômo-do do andar de baixo do nosso barraco de palafitas. Depois, avisamos à vizi-nhança que eles poderiam mandar seus filhos à nossa escola por um baht (0,03 dólares) por dia. Já na pri-meira manhã havia crianças que não podiam pagar, mas mesmo assim puderam ficar.

Na primeira semana, Prateep deu aula a 29 crian-ças sentadas em jornais no chão. A notícia sobre a esco-la se espalhou rapidamente. Depois de um mês, 60 crian-ças e, pouco depois, mais de cem estavam na porta da casa de Prateep todas as manhãs.

– Eu lia histórias e ensina-va-lhes a ler, escrever e fazer contas. Percebi que muitos não haviam comido nada antes da escola. Então, mui-tas vezes, eu cozinhava arroz e dava às crianças antes da aula começar.

– Por diversas vezes, eu tentei conseguir a aprovação das autoridades para o fun-cionamento da escola. Eu tinha medo que me obrigas-sem a fechá-la. Já perdi a conta de quantos funcioná-rios visitei só para dizer: “Por favor, as crianças pobres de Klong Toey tam-bém precisam estudar. Nós temos tanto valor quanto qualquer outra criança. Já que não podemos estudar nas escolas públicas, quere-mos que vocês aprovem a nossa escola!' Também pedi ajuda para que nós, crianças pobres, tivéssemos nossas certidões de nascimento.

– A maioria deles ria e me dizia que pobre não é gente de verdade. Eles ameaçavam me prender se eu não paras-se de dar aulas.

Prateep venceu mesmo assim, e sua escola foi apro-

vada pelas autoridades. Mas foram precisos oito anos! Finalmente, as crianças con-seguiram outros professo-res, mais material escolar e até um novo prédio para a escola foi construído.

Ajudou centenas de milhares de criançasAos 26 anos, Prateep rece-beu um prêmio de 20.000 dólares. Prateep não guar-dou para si um tostão, pelo contrário usou todo o dinheiro para criar a Fundação Duang Prateep e, assim ajudar ainda mais crianças.

Hoje, Prateep luta pelos direitos das crianças pobres da Tailândia há 40 anos. Dezenas de milhares de crianças pobres agora têm uma vida melhor e acesso à educação. Entre as cerca de cem pessoas que trabalham na Fundação Duang Prateep, a maioria é de Klong Toey.

– Meu sonho é que todas as crianças da Tailândia tenham uma vida decente, assim a Fundação Duang Prateep não precisará mais existir. Porém, ainda hoje, milhões de crianças preci-sam trabalhar ao invés de ir à escola. Outras são força-das a entrar na prostituição infantil e muitas acabam nas drogas e na criminalidade. Enquanto eu estiver viva irei lutar pelos direitos dessas crianças!

Deuan recebe apoio financeiro para ir à escola de Prateep para crianças com dificuldades de audição.

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KEAQuando Kea fi cou órfã, ela foi mal tratada no vilare-jo onde vivia. Ela fugiu para a cidade, entrou para uma gangue e, aos 8 anos, foi condenada a três anos de reclusão numa prisão para jovens. Quando Kea tinha onze anos, sua “madrasta” a vendeu por 50 dólares a um homem. Um tempo terrível a esperava. Hoje, porém, Prateep ajudou Kea a construir uma vida nova.

fugiu do homem malvado

N uma cidade próxima ao nosso vilarejo, encontrei outras

crianças abandonadas, que se tornaram meus amigos. Morávamos na favela. Cuidávamos uns dos outros e os amigos passaram a ser minha família. Muitas vezes, acabávamos brigando com outras gangues da região. Uma vez, minha melhor amiga esfaqueou uma menina, que fi cou gra-vemente ferida. Quando a polícia perguntou quem tinha feito aquilo, eu disse

que tinha sido eu. Eu adora-va minha amiga e ela tinha sua própria família. Eu não tinha ninguém para sentir minha falta se eu fosse pre-sa. A polícia acreditou em mim e fui condenada a três anos de reclusão numa pri-são escola para meninas. Eu nunca pensei que a pena seria tão comprida! Como eu só tinha oito anos, era a mais jovem de todas as inter-nas e as mais velhas toma-vam conta de mim. Na ver-dade, o lugar não era bem uma escola, era mais uma

prisão. Não tivemos uma única lição em três anos.

Vendida por 50 dólaresQuando eu saí da prisão para meninas, retornei aos meus amigos. Alguns dias, porém, eu me sentia tão tris-te e sozinha que comecei a cheirar cola para esquecer. Um dia, uma mulher e sua fi lha se aproximaram para conversar comigo. Ela disse que era a segunda mulher do meu pai e que vinha me pro-curando desde que ele mor-reu. Finalmente, parecia que a minha vida ia melhorar!

Um dia, um amigo da minha “madrasta” veio nos visitar. Ele morava perto de Bangkok e disse que precisa-va de uma doméstica. Minha madrasta sugeriu que eu o acompanhasse e trabalhasse para ele alguns meses para ajudar a trazer dinheiro para

a família. Pensei que estava tudo bem, pois eu sabia que voltaria para casa em breve. Antes de partirmos, o homem deu a minha madras-ta 2.000 baht (50 dólares) adiantados. A principio, eu não achei nada estranho, mas logo depois entendi que tinha sido enganada.

Logo que chegamos na casa do homem, ele se trans-formou em uma pessoa rude. Havia um muro bem alto em torno da casa, que parecia assombrosa quase como uma prisão. Eu fi quei com muito medo. Havia outras meninas da minha idade dentro da casa, mas fui proibida de falar com elas. No inicio não entendi que tipo de lugar era aquele, mas depois de um tempo descobri que todas as noites outros homens vinham visi-tar as outras meninas. Eles entravam nos quartos e for-çavam as meninas a fazer coisas nojentas com eles. Até

Kea “não existe”– Eu não tenho certidão de nascimento, por isso

nunca pude ir a uma escola comum, diz Kea.

Muitas crianças pobres não têm nada que prove

que elas nasceram, por isso não são considera-

das cidadãs tailandesas. Elas não “existem” para

as autoridades e têm os seus direitos, que outras

crianças usufruem, negados.

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então, eu só tinha que ajudar na limpeza, mas vivia com muito medo e não conseguia dormir.

Fuga para sobreviver!Uma noite, o homem que me comprou veio até o meu quarto e disse: 'agora é hora'. Ele tentou fazer coisas feias comigo, mas eu me recusei. Então, ele começou a me bater com um fio elétri-co por todo o meu corpo – no meu rosto, nas minhas pernas e costas. Depois des-se dia, ele e outros homens vinham ao meu quarto com frequência. Eu tentava me defender, mas não era fácil. Eu só tinha onze anos.

– Uma noite, após três meses naquela casa, eu me cansei. Conversei com Pun, que se tornou minha amiga. Decidimos que iríamos fugir na manhã seguinte, enquan-to todos dormiam.

– Silenciosamente, nós ras-tejamos até o muro. Eu subi nos ombros da Pun, já que

eu pesava menos, e escalei até o outro lado. Então, abri o portão pelo lado de fora e nós corremos em fuga.

– Tínhamos dinheiro sufi-ciente para pegar o ônibus até Bangkok.

– Nós fomos até uma feira. Estávamos ali paradas, quando a polícia se aproxi-mou. Eles ficaram desconfia-dos porque tínhamos mar-cas roxas e machucados por todo o rosto depois de tantas surras. Quando eles pergun-taram o que houve, eu come-cei a chorar e contamos nos-sa história.

– Tivemos sorte, pois os policiais eram gentis e toma-ram conta de nós. Como eu não tinha família, tive que ficar com a polícia alguns dias. Mais tarde, entrei em contato com Prateep que prometeu cuidar de mim. Ela me deu uma segunda chance na vida. Ganhei um lar e posso até frequentar uma escola!

Adultos deveriam aprender sobre os direitos da criança! – Aqui, com Prateep, aprendemos muito sobre os direitos da criança. Eu acho muito bom, mas na verdade são os adultos que deveriam aprender sobre nossos direitos. São eles que têm que saber o que é certo e o que é errado, já que são eles que nos prejudicam, diz Kea.

– Aqui não aprendemos apenas a ler e escrever. Também aprendemos a cultivar verduras e a cozinhar, conta Kea.

Direitos da Criança na Rádio das Crianças!– Os adultos não costumam escutar as crianças na Tailândia. Eles só nos dão ordens sem se preocupar sobre o que pensamos, diz Duang, 14 anos.

Em Klong Toey, porém, muitos adultos escutam a rádio comunitária das crianças, que ensina a eles o que são os direitos da criança.

Certamente, os adultos nos levam mais a sério quando falamos na rádio! diz Duang às gargalhadas.

Em criança não se bate! Cerca de 130.000 pessoas moram em Klong Toey, então a rádio de Jib, Som e Duang tem uma grande audiência!

– O rádio é legal porque alcançamos muitas pes-soas ao mesmo tempo. Eu sei que muitas crianças no meu bairro apanham. Através do nosso programa de rádio, podemos explicar a todos em Klong Toey, de uma forma simples, que está errado bater em crianças, diz Som, 13 anos.

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% %NOMEADA • Páginas 51–55

POr quE As DuNgA MOthErs sãO NOMEADAs?As Dunga Mothers (outrora denominadas as Mães de Santa Rita) são nomeadas à Heroínas dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua árdua luta não remunerada, para ajudar crianças cujos pais morreram vítimas do HIV/Aids. Sem o apoio que recebem, essas crianças viveriam nas ruas, envolvi-das com drogas, criminali-dade e prostituição. As mães lutam pelos direitos das crianças órfãs e para que tenham as mesmas possibilidades na vida que todas as crianças. Apesar de viverem, em sua grande maioria, com poucos recur-sos, elas fornecem comida, roupas, tratamento médi-co, escola, um lar, novas famílias e amor à 70 órfãos.

Ferdinad nasceu porta-dor do vírus HIV. Ambos os seus pais

eram vítimas do HIV/ Aids e, quando eles morerram, Ferdinand passou a ser cui-dado pela tia. Com o passar dos anos, Ferdinand foi ficando cada vez mais doente.

Apesar disso, o menino insistia na idéia de que eles deveriam tentar ajudar outras crianças, cujos pais também houvessem morrido de HIV/Aids. Desta manei-ra, mais crianças também teriam as mesmas chances de sobrevivência que ele tinha tido. Havia uma quan-tidade cada vez maior de crianças na aldeia que eram deixadas sozinhas, quando os pais morriam de Aids, e muitas delas eram obrigadas a abandonar a escola, pois

não tinham recursos para continuar. Muitas acaba-vam nas ruas da cidade de Kisumu, por não terem outra forma de sobreviver além de pedir esmolas.

Enfim, vinte mães decidi-ram trabalhar juntas para ajudar e cuidar do maior número possível de crianças órfãs. Elas não tinham dinhei-ro nenhum, mas mesmo assim iniciaram o trabalho.

Ferdinand ficou muito feliz. Ele queria muito participar e contribuir, mas não foi possí-vel. Ferdinand morreu quan-do estava na sexta série.

todos ajudamJá no primeiro dia, um gru-po de crianças órfãos chegou. Elas precisavam de comida, roupas, uniforme escolar e um lugar para morar.

No início, as mães não sabiam o que fazer, porque não tinham nenhum dinhei-ro. Algumas começaram a fazer pães e bolos para ven-der na cidade. Outras ven-diam verduras e legumes que plantavam. Depois de um tempo, elas juntaram dinhei-ro suficiente para comprar uma vaca. Então, passaram a vender leite também. Em seguida, elas decidiram que, no primeiro sábado de cada mês, cada uma das mães doaria no mínimo 200 shillings quenianos (US$ 2,68) para ajudar as crianças.

Muitas mães são viúvas, desempregadas e precisam cuidar dos próprios filhos. Para elas, 200 shillings que-

Dunga Mothers

As Dunga Mothers acreditam que as crianças devem viver em família, não em orfanatos. Elas desejam que as crianças tenham uma vida o mais normal possível, e que façam parte da vida comunitária da aldeia. Elas não têm condi-ções de cuidar de todas as crianças órfãs e, por isso, procuram novas famílias para elas. Porém, a grande maioria dos moradores das aldeias é pobre e não tem condições de adotar uma criança.

Crianças precisam de família

tudo começou com Ferdinand e sua mãe, rita, na aldeia Dunga, às margens do lago Victoria, no quênia. Ambos morreram de Aids, mas antes da morte de Ferdinand, o menino tinha sugerido que um grupo se unisse para ajudar as crianças que tivessem ficado órfãs por causa da Aids. O grupo se chamaria Mães de santa rita, em homenagem à sua mãe. hoje, a maioria dessas mães constituíram as Dunga Mothers. Apesar de serem pobres, elas vêm trabalhando arduamente há dez anos, para ajudar as crianças órfãs.

Rita

Ferdinand

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nianos é muito dinheiro. Contudo, todas deram o que podiam, e aquelas que não podiam ajudar com dinhei-ro, ajudavam de outras maneiras. Algumas lavavam as roupas e faziam a comida das crianças. Outras se tor-naram mães adotivas e per-mitiram que algumas crian-ças se mudassem para suas casas.

O direito de toda criançaHá dez anos, as Dunga Mothers trabalham ardua-mente para oferecer às crian-

ças órfãs uma vida melhor. 70 crianças recebem comi-da, roupas, tratamento médico, escola, um lar, novas famílias e amor das mães.

– Todas as crianças têm o direito de serem amadas. Se não as ajudarmos, elas aca-barão nas ruas da cidade, envolvidas com drogas, cri-minalidade e prostituição. Não poderão ir à escola e, com isso, não terão um futu-ro melhor. As crianças são da nossa aldeia, por isso é nosso dever ajudar e dar a

elas um bom início de vida. Gostaríamos de oferecer a todas as crianças um almoço de verdade todos os dias, assim elas poderiam ter pelo menos uma refeição nutriti-va por dia. Há cerca de 1.500 crianças órfãs na nos-sa comunidade.

– Nosso maior sonho é que um dia encontrem uma cura para a Aids, para que assim, muitas crianças possam con-tinuar a viver com seus pró-prios pais. Então, já não pre-cisariam mais de nosso tra-balho. Porém, não passa

uma semana sem que novas crianças batam em nossas portas pedindo ajuda. Sempre tentamos ajudar, mesmo com poucos recur-sos. Nunca mandamos uma criança embora.

O Quênia é um dos países mais atingidos com o HIV/Aids. Acredita-se que lá, há 1,3 milhão de crianças órfãs do HIV/Aids. A região mais atingida está no oeste do Quênia, ao redor do grande lago Victoria, onde a aldeia Dunga está situada.

“Eu percorro a aldeia, visitando as crianças que cuidamos. Eu sento e converso com elas para assegurar que tudo está bem. Se as crianças precisam de qualquer coisa, nós mães trazemos as demandas quando nos encontramos, buscan-do ajudar o máximo que podemos. Me sinto pés-sima quando vejo uma criança sofrer. Como mui-tas das crianças vivenciaram situações terríveis, acredito que o melhor que podemos fazer por elas é oferecer amor e esperança”.Judith Kondiek

Visita as crianças

Vende peixeMary Okinda

Colhe papiro para vender Birgita Were Mbola

Ajuda três meninosLucia Auma Okore

Faz pão e conversa com as crianças Martha Adhiambo

Brinca e conversa com as crianças Rose Adhiambo

Cuida de três irmãos Mary Awino

Cuida de cinco criançasJerusa Ade Yogo

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Penina LUO SWAHILI

1. Achiel Moja2. Ariyo Mbili3. Adek Tatu4. Ang'wen Nne5. Abich Tano6. Auchiel Sita7. Abiryo Saba8. Aboro Nane9. Ochiko Tisa10. Apar Kumi

Conte até dez em luo e swahili!No Quênia, há mais de 40 etnias e línguas. A língua ofi cial é o swahili, mas as crianças sobre as quais você leu fazem parte da etnia luo e falam a língua luo. Aprenda a contar até dez em luo e swahili:

Escute as crianças contan-do em luo e swahili no www.worldschildrensprize.org

Queimada! De tarde, Penina brinca com os irmãos e os amigos de um jogo parecido com a queimada. Eles fazem uma bola de meia, recheada de sacos plásticos. Duas crianças fi cam no meio, o truque é evitar ser atingido quando uma das duas arre-messadoras inesperadamente jogarem a bola nas crianças do meio, ao invés de lançá-la para os outros. Se uma das crianças é acertada pela bola, sai do jogo.

Bola de meia Encha uma meia com sacos plásti-cos. Assim, você já estará pronto para jogar queimada ou futebol.

Apesar de Penina sentir muitas saudades da mãe e de pensar nela todos os dias, sente-se feliz com a ajuda das Dunga Mothers. Graças a elas, a menina e os irmãos podem morar juntos e ir à escola.

Penina costuma se sen-tar sozinha e pensar na mãe.

– À noite, ela costumava cantar e contar histórias para mim e meus irmãos. Não tínhamos muito dinhei-ro, mas tínhamos uns aos outros.

– Quando eu estava na segunda série, minha vida mudou totalmente. Mamãe adoeceu. Às vezes, eu era obrigada a faltar à escola por muitas semanas. Eu cui-dava da minha mãe, ao invés dela cuidar de mim. Eu dava banho na mamãe, penteava seus cabelos e tinha que levá-la ao banhei-ro várias vezes por dia.

– Dormíamos na mesma cama e, com frequência, ela me acordava no meio da noite sussurrando que preci-sava de beber água. Muitas vezes tive que consolá-la. Eu estava muito triste, porém não queria preocupá-la. Só chorava quando mamãe não estava presente.

Penina nunca irá se esque-cer quando sua mãe morreu.

– Naquela noite, eu e meus irmãos nos sentamos do lado de fora de casa e chora-mos muito. Eric, o meu irmão mais velho, tentava, em vão, nos consolar.

Penina sentia uma falta terrível da mãe. De madru-gada, ela se sentava fora de casa e fi tava o infi nito, ao invés de dormir.

Alguns meses depois, Penina voltou a frequentar a escola. No princípio, ela sentia difi culdades em se concentrar, mas com o tem-po foi melhorando. Eric, o irmão mais velho, pescava e tentava conseguir o maior número possível de traba-lhos para sustentar os irmãos. Porém, Eric sabia que era impossível sustentar sozinho os quatro irmãos e irmãs menores.

A salvaçãoOutras crianças da aldeia contaram à Penina que esta-vam sendo ajudadas pelas Dunga Mothers. Penina tomou coragem e pediu aju-da. Desde então, Penina e seus irmãos vêm recebendo auxílio para quase tudo o que necessitam.

– Todos nós estamos na esco-la e se nos falta comida, recebe-mos ajuda. Se precisamos de remédios contra a malária ou outra doença

podemos buscá-los na far-mácia, que as mães pagam.

Porém, o mais importante é que, com o apoio das mães, Penina e seus irmãos podem continuar morando juntos em sua aldeia natal.

– É importante nos man-termos unidos agora que perdemos mãe e pai. Não estaríamos tão bem se esti-véssemos em um orfanato. Aqui, ainda somos uma família. Adoro as mães e, atualmente, chamo todas de “mamães'. Quando eu fi car mais velha, quero ser como elas e ajudar outras crianças órfãs.

quer ser como as mães

Colhe papiro para vender Birgita Were Mbola

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Recebemos ajuda das mães

Sem ajuda com as lições

Papai era meu melhor amigo

Mamãe, como é o céu?

“Mamãe morreu quando eu era pequena, por isso não me lembro bem dela. Já o papai, morreu no ano passa-do e tenho muitas saudades dele. Adorava estudar com o papai. Ele me ajudava com os deveres, espe-cialmente de matemática. Era muito bom para explicar coisas complicadas de uma forma que eu entendesse. Agora, ninguém me ajuda, por isso tenho dificuldade em acompanhar as aulas e fico atrasada em relação aos meus colegas.

Não tenho nenhum objeto de recordação dos meus pais, o que é uma pena. Adoraria ter alguma lembran-ça, mas a mulher do papai levou tudo que era dele. A mesa, as cadeiras, as ferramentas, tudo...”Maritha Awuor, 13

“Papai morreu quando eu tinha nove anos, mas às vezes ainda choro quando vejo sua fotografia. Tenho muitas sau-dades dele. Juntos, nós plantávamos milho, cana-de-acúcar e outros vegetais. Conversávamos muito enquanto traba-lhávamos. Se eu tinha algum problema na escola, sempre podia contar para ele e logo me sentia melhor.

Depois de trabalhar na plantação costumávamos ir até o lago nadar. Era super divertido! Eu tenho tantas saudades. Papai era meu melhor amigo.

Minha mãe está viva, mas está quase sempre doente. Tenho muito medo de que ela também morra e eu e meus irmãos fiquemos sozinhos no mundo...”Victor Otieno, 14

“Papai morreu antes de eu nascer e mamãe, quando eu tinha quatro anos. Já faz tanto tempo, que se não houvesse uma fotografia eu não me lembraria de como ela era. A foto é da minha tia, mas eu pos-so olhá-la de vez em quando. Eu e minha mãe somos muito parecidas e me sinto bem com isso, pois ela era muito bonita.

Mamãe deixou alguns vestidos dela para mim. Não vejo a hora de poder usá-los. Gosto de ter alguma coisa que tenha sido da minha mãe, mas ao mesmo tempo acho triste. Eu acredito que a mamãe esteja bem lá no céu. Tento falar com ela

quando eu rezo e sonho com o dia em que nós vamos nos encontrar novamente. O primeiro que eu vou dizer é “Jambo!' (Oi). Depois vou perguntar como ela está. Também vou lhe contar que sinto muitas saudades dela, mas que apesar de tudo vivo bastante bem. Vou lhe contar que as Dunga Mothers me ajudam a comprar o uniforme escolar e os livros, assim posso ir à escola, e que também me dão comida sempre que preciso.”Winnie Awino, 9

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Mamãe contava histórias

Papai comprava chocolate

“Eu era tão pequeno quando meu pai morreu que qua-se não me lembro dele. Mas me lembro nitidamente da mamãe, pois quando ela morreu, eu tinha dez anos. Ela tecia tapetes de papiro e os vendia. Enquanto tra-balhava, contava histórias pra mim e meus irmãos. Nós ríamos muito e eu sinto muitas saudades daqueles momentos.

Penso muito nas dificuldades por que passamos e às vezes fico doente de tanto pensar e me preocupar. O pior é quando estou sozinho. Todos os pensamen-tos vêm à tona e fico triste. Se eu pudesse dizer algu-ma coisa à minha mãe, diria que gostaria que ela esti-vesse aqui, assim poderíamos conversar um pouco. Então, eu lhe diria que a amo e que sinto falta dela.” Erick Odhiambo, 14

“Meu pai morreu quando eu tinha dez anos e estava na quarta-série. Mamãe morreu quando eu ia começar a quinta-série. Quando eles estavam vivos costu-mávamos ir à cidade nos fins de semana. Papai sempre comprava chocolates. Eu adorava! Às vezes ele até comprava um vestido ou umas calças jeans para mim. Íamos ao restaurante comer carne e beber refrigerante. Eu era tão feliz!

Tomávamos um táxi-bicicleta ou um ônibus da nossa aldeia para a cidade. Hoje em dia, se tenho que ir à cidade, sou obrigada a andar, pois o ônibus é muito caro. São mais de quatro horas de caminhada, ida e volta. Eu tenho algumas peças de roupa da mamãe de recorda-ção. Olho para as roupas e me lembro dela. Sinto mais falta da mamãe e do papai quando alguém é rude comigo. Se eu pudesse falar com a mamãe, diria que voltasse para tomar conta de mim. Então, minha vida seria muito mais fácil e feliz do que é agora.” Winnie Anyango, 13

“Mamãe morreu quando eu tinha 11 anos e papai, quando eu tinha 12. Quando mamãe estava viva íamos ao mercado juntos. Eu queria ajudar e sem-pre carregava a cesta de tomates, cebo-las e outras verduras que ela comprava. Papai me levava aos jogos de futebol na cidade quase todos os sábados. Esses foram os melhores momentos da minha vida. Minha melhor recordação foi o dia em que meu time favorito, o Gor Mayia, ganhou do Telecom por 2 a 1.

Papai tinha uma bicicleta e me levava na garupa até a cidade todas as vezes que havia jogo. Eu nunca mais fui a um jogo desde que meu pai morreu. Não tenho nem bicicleta nem dinheiro para tomar ônibus ou táxi-bicicleta até o está-dio. Tomar um táxi-bicicleta até a cidade custa 25 shillings quenianos (US$ 0,30). É caro demais para mim.

Eu ganhei esta blusa do papai. É a úni-ca lembrança que tenho dele. Quando estou com ela penso nele.”Dennis Otieno, 14

Aids faz muitas vítimas

Futebol com papai

Recebemos ajuda das mães

Papai era meu melhor amigo

Mortos por Aids:Adultos: 25 milhõesCrianças: 4 milhões

Portadores do HIV/Aids:No mundo: 33,2 milhões África (sul do Saara): 22 milhõesÁsia: 5 milhõesAmérica Latina: 1,7 milhãoEuropa Oriental e Ásia Central: 1,5 milhãoAmérica do Norte: 1,2 milhãoEuropa Central e Ocidental: 730 milOriente Médio e África do Norte: 380 mil Outros países: 690 mil

Quantas pessoas são contaminadas?No mundo: 7400 pessoas por dia (2,7 milhões de pessoas por ano).1013 são crianças menores de 15 anos (370 mil crianças por ano).

Crianças Portadoras do HIV/Aids:No mundo: 2,1 milhões África (sul do Saara): 1,8 milhão

Órfãos da Aids :No mundo: 15 milhões de criançasÁfrica (sul do Saara): 11,6 milhões de criançasOutros países: 3,4 milhões de crianças

Golpe duro no QuêniaTotal de portadores HIV positivo: 1, 7 milhãoCrianças portadoras do HIV: 160 milMorte devido à Aids: 110 mil pessoas por anoTotal de mortos pela Aids: 1, 5 milhãoNúmero de crianças órfãs da Aids: 1, 1 milhão

Quantas pessoas morrem de AIDS ?5500 morrem de Aids todos os dias (2 milhões por ano)Uma criança morre de Aids a cada minuto (290 mil crianças por ano)

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Nelson Mandela & Graça MachelPor que NelsoN é NoMeado? Nelson Mandela é nomea-do à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por uma vida de lutas pela libertação das crianças sul-africanas, durante o Apartheid, e pelo grande apoio aos seus direitos. Depois de 27 anos de prisão, ele foi o primeiro presidente democratica-mente eleito na África do Sul – um país onde hoje, pela primeira vez, crianças de todas as cores desfru-tam os mesmos direitos. Nelson continua a ajudar as crianças sul-africanas e a exigir que seus direitos sejam respeitados. Ele diri-ge sua própria fundação – a Nelson Mandela Children´s Fund, NMCF (Fundo Nelson Mandela para Crianças) – que ajuda crianças cujos pais morre-ram de Aids, crianças de rua, crianças com necessi-dades especiais e crianças pobres. Quando presiden-te, ele doou a metade do próprio salário à crianças pobres, e quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, doou parte do prêmio às crianças de rua. Nelson não só deseja que todas as crianças se sintam ama-das, também quer ofere-cer-lhes um futuro melhor. É por isso que ele lhes dá apoio para que tenham a oportunidade de desenvol-ver os seus talentos.

o pai de Graça Machel morreu antes dela nascer e sua mãe teve

que prover sozinha para os sete filhos: Graça e seus seis irmãos.

Antes da sua morte, o pai dissera que aquela criança na barriga da mãe deveria ir à escola. Assim, quando Graça completou sete anos, entrou para a primeira série. Sua profes-sora se chamava Ruth e era uma missionária norte-americana. Todas as crian-ças tinham medo dela. Mas a pequena Graça escreveu uma carta à Ruth, agradecendo por tudo o que havia aprendido.

Graça ganhou uma bol-sa para estudar na capital, Maputo. Aos domingos, ela frequentava a igreja e acha-va injusto que apenas os meninos pudessem liderar o grupo de jovens da paró-quia. Ela se levantou na igreja e de pé exigiu direitos iguais para as meninas.

do lado das criançasQuando Graça era criança, Moçambique era ainda uma colônia portuguesa e quase todos os africanos eram pobres. Graça come-çou a lutar pela liberdade do país. Como os portugue-ses queriam colocá-la na prisão, Graça foi obrigada a se refugiar na Tanzânia.

Em uma missão secreta no norte de Moçambique

ela conheceu Samora Machel, líder do movimento de libertação. Os dois se casaram em 1975, ano em que Moçambique conquis-tou sua independência.

Samora tornou-se presi-dente de Moçambique e Graça, Ministra da Educação. Muitas crianças começaram a frequentar a escola nessa época, mas logo começaria uma nova guerra. Em 1986, Samora morreu em um misterioso acidente de avião.

Alguns anos depois, Graça começou a trabalhar na ONU, informando ao mun-do sobre a situação das crianças vítimas da guerra. Ela queria ajudar, especial-mente, as crianças soldados e as crianças feridas em explosões de minas. Graça era capaz de se confrontar com quem fosse, sempre que os direitos da criança esta-vam em questão. Logo que foi assinado o acordo de paz em Moçambique, começa-ram os trabalhos da ONU de busca e desativação de minas.

Graça fundou a organiza-ção FDC (Fundação para o Desenvolvimento Comuni-tário), em Moçambique, que tem como objetivo realizar um trabalho de prevenção de doenças infantis fatais.

– “Nós compramos vaci-nas e fazemos o possível para que crianças não mor-ram de doenças que podem ser evitadas’, ela conta.

Graça ajuda também as

Graça Machel e Nelson Mandela são casados. eles são os melhores amigos das crianças de Moçambique e da África do sul. eles levantam suas vozes contra a violação dos direitos da criança sempre que necessário. ambos dirigem organiza-ções que trabalham para ajudar crianças em difi-culdades e promover a garantia de seus direitos.

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Nelson Mandela & Graça MachelPOR QUE GRAÇA É NOMEADA? Graça Machel é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua longa e corajosa luta pelos direitos da criança, principalmente em Moçambique. Ela lutou pelo direito das meninas de frequentar a escola. Quando foi Ministra da Educação, o número de estudantes nas escolas de Moçambique aumentou 80%. A meta de Graça é ter nas escolas o mesmo número de meninos e meninas. Nas áreas rurais, a maioria das meninas tem que trabalhar e é obrigada a se casar muito jovem. Por isso, Graça fundou um grupo de teatro para conscientizar os pais sobre a importância da educação para as meni-nas. Graça construiu escolas em comunidades onde estas não existiam ou onde a quantidade não era sufi cien-te. Depois das enchentes de 2000, Graça e sua organiza-ção – FDC (Fundação para o Desenvolvimento Comunitário) - doaram novos livros escolares aos alunos e realocaram famílias em novas casas. Graça também luta contra todas as formas de violência e abusos contra crianças. Graça trabalhou internacionalmente, ajudan-do crianças vítimas da guer-ra e no combate ao tráfi co de crianças.

crianças que não têm recur-sos a frequentar a escola.

– “Eu conheço bem a vida dessas crianças. Eu também fui uma menina pobre’, con-ta Graça.

Graças a seus esforços, em breve, metade dos estudan-tes das escolas moçambica-nas serão meninas. Antes, as famílias mandavam apenas os fi lhos homens à escola. As meninas tinham que fi car

em casa, trabalhando nas tarefas domésticas.

Salário para as criançasGraça Machel se casou com Nelson Mandela quando ele completou 80 anos. Ambos amam as crianças e empe-nharam suas vidas na luta pelos seus direitos. Nelson também cresceu em uma família pobre. Quando foi para a grande cidade de Joanesburgo, se deparou com o Apartheid, que signi-fi ca ‘segregação’. Os negros e os brancos viviam separa-dos e os negros eram maltra-tados.

Nelson tinha horror à injustiças e não podia acei-tar que uma pessoa fosse tratada de forma diferente por causa da cor de sua pele. Ele não queria ver seus fi lhos – e todas as outras crianças da África do Sul – crescerem sob o Apartheid. Ele disse que estava disposto a dar a própria vida para que as crianças tivessem um futuro melhor. Sua luta contra o Apartheid e pela liberdade das crianças sul africanas custou-lhe 27 anos de pri-são!

Nelson tinha 72 anos quando foi posto em liberda-de. Apesar dos maus tratos de que foi vítima, ele não queria se vingar dos respon-sáveis pelo Apartheid. Ele queria que brancos e negros

vivessem em paz, para cons-truir juntos um futuro melhor.

Em 1993, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, Nelson declarou:

– “Os fi lhos da África do Sul brincarão em campo aberto, sem serem tortura-dos pelas dores da fome e das doenças, e sem sofrerem ameaças de agressões. As crianças são nosso maior tesouro’.

Em 1994, Nelson Mandela foi eleito presiden-te da África do Sul e fez com que todas as leis injustas fos-sem suspensas. Hoje as crianças brancas e negras podem ser amigas, e todos têm direitos iguais.

Mas Nelson Mandela não parou por aí. Quando era presidente, ele doava a meta-de do seu próprio salário para as crianças pobres e, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, doou uma parte do prêmio para ajudar as crianças de rua.

Atualmente, Nelson Mandela está aposentado e dirige sua própria fundação, a Nelson Mandela Children s Fund, NMCF (Fundo Nelson Mandela para Crianças), que ajuda crianças cujos pais morre-ram de Aids, meninos de rua, crianças com necessida-des especiais e crianças pobres.

No www.worldschildrens-prize.org você poder ler a história em quadrinhos “O Pimpinela Negro” sobre toda a vida de Nelson Mandela.

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Graça e MandelaNós“Graça Machel é a mulher mais corajosa do mundo. Não tem medo de nada e sempre ajuda as crianças. Especialmente aquelas que passam por difi culdades, como as crianças de rua. Eu li no jornal que o Mandela também é assim. Ele ajudou muito a África do Sul.” Faustino, 10, Maputo

“Eu amo o Mandela. Eu e ele fazemos aniversário no mes-mo dia. Um dia, eu lhe mandei um cartão de aniversário e lhe perguntei se queria ser meu pai adotivo.” Kefi loe, 10, Soweto

“Graça Machel realmente ama as crianças. Ela constrói escolas e protege as crianças da Aids. Ela se veste super bem também. Um dia, ela visi-tou a nossa escola. Quando cantamos para ela, fi cou tão feliz que começou a dançar.” Lina, 13, Changalane

“Mandela lutou pelos nossos direitos e salvou nosso país. A vida seria muito difícil hoje, se ele não tivesse nos ajuda-do. Se eu o encontrasse, diria assim: – Prazer em conhecê-lo e obrigado por nos ter dado a liberdade!” Zanele, 12, Soweto

“Nelson Mandela tem um bom coração. Ele ajuda as crianças com defi ciências físicas e mostrou que o povo pode mudar para melhor. Ele esteve preso durante 27 anos, mas não pensou em vingança. O que queria era a paz e mos-trar que os negros e os bran-cos podem viver lado a lado. Acho fantástico!” Phumeza, 14, com necessidades especiais, e Alexandra

“Mamãe Graça nos mostrou o cami-nho para o futuro. Ela é a prova de que as meninas podem fazer tudo o que os meninos fazem. Ela me aju-dou a ser a pessoa que sou hoje.” Anabela, 14, Chaukwe

“Para mim, Nelson Mandela é um herói. Ele sempre acredita no melhor das pessoas e confi a nas crianças. Ele sabe que as crianças têm talento e que podem ter êxito, basta que lhes seja dada uma oportunidade. Tê-lo aqui é uma sorte.” Abae, 12, Sebokeng

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Graça e Mandela O maior presente de Mandela às crianças

Liberdade e igualdade de direitos

Crianças do apartheid

O maior presente de Nelson Mandela às crianças da África do Sul foi sua longa luta pela liberdade e pela igualdade de direitos dessas crianças. Essa luta lhe custou 27 anos de cárcere. Peliswa nos conta como era a vida, durante o Apartheid na África do Sul. As crianças negras eram maltrata-das, frequentavam as piores escolas e tinham que viver separadas dos pais.

Gogo Somlayi, prima Babalwa, mãe Nomonde e Pelizwa.

Eu moro em Khaye-litsha, na periferia da Cidade do Cabo, na

África do Sul. Eu pedi à minha mãe e à minha Gogo (avó materna) que explicas-sem o que era o Apartheid. Como vocês podem imagi-nar, na minha vida nunca houve Apartheid e não há nada que eu seja proibida de fazer só por ser negra.

A história da avóMinha avó conta que veio de Transkei para a Cidade do Cabo. Transkei era uma pobre ‘terra natal’, assim o governo do Apartheid cha-mava estes lugares onde os negros eram obrigados a

Racismo legalizado O racismo sempre existiu e ainda hoje existe no mundo inteiro. Porém, durante o século XX, havia mais do que apenas racismo na África do Sul. Nesse país, em 1948, o racismo foi legalizado e recebeu o nome de Apartheid.

Apartheid Apartheid quer dizer ‘segre-gação’ em africânder. Os negros e os brancos eram mantidos separados uns dos outros. O Apartheid era um

racismo legalizado, apoiado pelo governo, pelas leis e pelos tribunais de justiça.

Famílias proibidas O casamento entre negros e brancos era ilegal. Se um negro e um branco tivessem um fi lho juntos, ele era chama-do de ‘criança de cor’ e era obrigado a morar com quem fosse negro, o pai ou a mãe. Se a polícia descobrisse que os pais viviam juntos, estes eram processados e, às vezes, presos.

Lares ilegais A África do Sul foi dividida em áreas de brancos e áreas de negros. Milhões de crianças e suas famílias viram-se força-das a abandonar suas casas nas áreas de ‘brancos’, para se mudarem para os guetos de ‘negros’. Nesses lugares, o desemprego massivo obri-gava os chefes de família a deixarem seus fi lhos com parentes, em busca de traba-lho longe dali, nas residências dos brancos, na agricultura e nas fábricas. Muitas crianças negras viam seus pais apenas no Natal.

Escolas pobres para negros As escolas nos guetos ‘negros’ eram muito pobres. As crianças tinham que compartilhar as carteiras esco-lares e, com fre-quência, mais de 60 estudantes se empilhavam numa única sala de aula ou embaixo de alguma árvore. As crianças negras eram proibidas de

viver. Naquela época, todos os negros tinham que portar passes quando saíam de suas ‘terras natais’. O passe per-mitia-lhes transitar nas áre-as destinadas aos brancos. Minha avó não tinha esse passe, mas mesmo assim, foi de ônibus para a Cidade do Cabo e conseguiu trabalho na casa de uma senhora branca.

– Todos os dias, eu saía de casa às seis horas da manhã da favela em que vivia, pois às oito horas começava o controle de passes dos passa-geiros dos ônibus. Se você não tivesse um passe, levava uma surra e ia para a prisão. Depois, deportavam as pes-soas de volta para Transkei, onde acabavam passando fome, lembra Gogo.

Como um cão– Um dia, vi pela janela um inspetor na rua. Ele percor-ria todas as casas para con-trolar os passes das empre-gadas. Telefonei para a Madame, minha patroa. Ela mandou que eu me escon-

desse atrás de um armário até que ela voltasse para casa. Quando ela chegou, escutei-a dizendo ao inspe-tor que havia apenas um cão dentro de casa.

– Assim era a nossa vida, naquela época. Nós carregá-vamos os fi lhos dos brancos nas costas e os educávamos, enquanto nossos próprios fi lhos tinham que fi car sozi-nhos na ‘terra natal’.

A história da mãeMinha mãe cresceu em Transkei, na casa da mãe da Gogo, minha bisavó, que morreu enquanto minha avó trabalhava para os brancos. Então, minha mãe foi morar na casa de uns vizinhos em Transkei. Ela só podia encontrar Gogo no Natal.

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Nessas datas, Gogo trazia para ela as roupas velhas das crianças que ela cuidava.

– Eu nunca fui tão próxi-ma da minha mãe como eu e você somos. Eu sentia falta dela e quando minha Gogo morreu, fi quei praticamente órfã. Eu sabia que minha mãe cuidava de crianças brancas, longe de casa. Quando fi z onze anos, ela veio me buscar e passamos a morar juntas na favela.

– Um dia eu a acompanhei ao trabalho para ajudá-la a polir a prata da Madame. Quando chegamos à esta-ção de trem na área para brancos, pude ler cartazes por toda parte que diziam: ‘Exclusivamente para bran-

cos’. Eles estavam em todos os lugares: em ônibus, por-tas, lojas, bancos de praça. Achei muito estranho que os brancos não quisessem que nós, negros, nos sentássemos em seus bancos. Mamãe me explicou que nós nunca podíamos desobedecer aque-las ordens. Caso contrário, a polícia ou qualquer branco poderia nos bater. Mamãe me proibiu também de usar os copos da casa da Madame. Ela me disse que poderia perder o emprego. Eu bebia água de um pote de geléia que mamãe havia lava-do para mim.’

Adolescente revoltadaFoi nessa época que mamãe escutou falar de Nelson Mandela pela primeira vez. Ela viu uma fotografi a em

que negros fugiam de uma tenda onde fi cavam os tra-balhadores das minas de ouro. Gogo explicou que a polícia tinha chegado para agredir um grupo de mani-festantes, que protestavam contra o uso obrigatório dos passes. Gogo me contou que meu avô trabalhava nas minas, por isso nunca o vía-mos. Aquelas tendas eram como prisões para os escra-vos. Gogo me contou que Mandela era o presidente do CNA (Congresso Nacional Africano) que liderava os protestos.

Minha mãe me contou que durante a sua infância, ela vivenciou todas as coisas terríveis que o Apartheid fez contra as crianças. Quando chegou à adolescência, tinha muita raiva. Em 1976,

ela e milhares de crianças protestaram contra o baixo nível do sistema educacional para crianças negras. As escolas eram muito pobres e tinham alunos demais.

– Estávamos tão revolta-dos que decidimos lutar com todos os meios, para terminar de vez com o Apartheid. Na manhã de 16 de junho de 1976, eu e meus amigos nos juntamos atrás do barraco onde moráva-mos e fabricamos bombas com areia, gasolina, fósfo-ros e um pedaço de pano, que colocamos dentro de uma garrafa de Coca-Cola.

A história da minha primaMinha prima Babalwa é muito mais velha do que eu. A mãe dela era membro do CNA e deixava Babalwa e a

frequentar as escolas das crianças brancas. Além disso, as escolas para ‘negros’ con-tavam com poucos recursos e a meta do ensino era prepará-las para trabalharem para os brancos. Em 1975, o governo investia 42 rands na educação de cada criança negra e 644 rands, isto é, 15 vezes mais, na de cada criança branca.

Trabalho infantil Milhares de crianças trabalha-vam em fábricas e nas fazen-das de brancos. Elas eram mal alimentadas, mal remune-radas pelo seu trabalho e nun-ca iam à escola.

Preso por não ter passe Os negros eram obrigados a carregar um passe, denomi-nado ‘dompas’, que signifi ca ‘passe estúpido’. Se fossem pegos sem o passe, eram presos ou enviados de volta às ‘áreas dos negros’, perden-do, assim, seus empregos.

Crianças na Prisão Milhares de crianças foram às ruas porque não tinham um lar para viver. Elas formaram gangues de rua e criaram ‘famílias’ sem adultos. Elas tinham que roubar para comer e foram coloca-das na prisão por furto.

Apartheid em todo lugar Uma lei de 1953 tornou ilegal para crianças negras e seus pais o uso de ônibus, parques, bancos, banheiros públicos,

Crianças trabalhavam pulverizando o campo sem nenhum tipo de proteção contra os agrotóxicos.

Muitas vezes, havia mais de 60 crianças em cada sala de aula, nas escolas pobres para crianças negras.

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irmã sozinhas em casa, para ir a reuniões secretas, já que o CNA era uma organização clandestina. Babalwa conta:

– Quando mamãe viajou para uma reunião, nos disse para não abrirmos a porta para ninguém. Tínhamos muito medo, pois sabíamos que muitos tinham desapa-recido quando foram captu-rados pela polícia. O que aconteceria se a polícia vies-se e nos perguntasse onde estava nossa mãe? E se não lhes respondêssemos, sería-mos presas? Conhecíamos muitas crianças que, quando se recusaram a cooperar, tinham apanhado da polícia e sido postas na prisão.

Minha históriaEu nunca fi z protestos, nun-ca me escondi e não perdi minha mãe no Apartheid. Quando eu nasci, Mandela já estava livre e o CNA não era mais proibido. Hoje posso crescer e desfrutar da liberdade pela qual meus pais e Mandela lutaram tanto.

Nelson Mandela é tam-bém meu herói, porque ele se preocupa com todas as víti-mas do HIV/Aids. Ele fala em favor das famílias e crianças atingidas pelo vírus e, como é muito famoso, todos o escutam.

lojas, hotéis, restaurantes e muitos outros serviços desti-nados apenas aos brancos. A sinalização dizia: ‘Somente brancos’.

Parentes no exílio As organizações políticas dos negros, incluindo o CNA de Mandela, eram banidas. Centenas de pais tiveram que deixar o país e milhares foram presos. Muitos adultos tinham que viver viajando para esca-par da polícia. Como resultado, milhares de crianças tiveram que ser criadas pelas avós, enquanto seus pais lutavam contra o apartheid.

Protesto nas escolasEm 16 de junho de 1976, estudantes negros fi zeram um protesto contra a baixa quali-dade do ensino para os negros. A polícia respondeu com tiros e bombas de gás lacrimogêneo. Hector Pieterson, de 13 anos, foi assassinado. Hoje, na África do Sul, o dia 16 de junho é feriado nacional, em homena-gem a todos os jovens que perderam a vida na luta contra o Apartheid.

* Na África do Sul, muitos chamam Mandela de Madiba.

Leia a história em quadrinhos de Mandela na íntegra no www.worldschildrensprize.org

Nelson Mandela com crianças que hoje possuem direitos iguais, na inauguração do Fundo Nelson Mandela para Crianças, NMCF.

Crianças que foram presas porque protestavam contra o apartheid.

Violência con-tra crianças Os protestos estudantis conti-nuaram por 15 anos, até o fi m do Apartheid. A polícia e os mili-tares usaram de violência contra jovens e crian-ças. Muitos deles foram pre-sos, torturados e assassinados.

Pais encarcerados Os negros sul-africanos sentiam-se revoltados com as injustiças cometidas contra eles. Era-lhes impossível cuidar dos próprios fi lhos. Havia poucos hospi-tais pediátricos nos guetos negros para atender às crianças doentes. As mora-dias e as escolas eram pobres e não havia áreas de lazer. Os negros, então, se reuniam em grupos anti-Apartheid e protestavam. Milhares de crianças per-deram seus pais, que foram assassina-dos ou presos porque protestaram.

Não podemos viver como gatos gordos enquanto tantas crianças passam fome. Um terço do meu salário de presidente vai para o Fundo para Crianças.

Eu vi como o apartheid tornou difícil a vida de tantas crianças e criei o Fundo Nelson Mandela para Crianças.

Madiba, você pensa em todas as crianças sem lar. O Fundo Mandela é a melhor idéia que alguém já teve.

Madiba*, você deu 27 anos da sua vida pela minha vida.

Madiba, agora posso ir a qualquer escola graças a você.

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Leoa

Graça Machel e sua organização – FDC – trabalham para cessar a vio-lência e os abusos contra crianças. Fernando é uma das crianças que sofreu em consequência da violência dos adultos.

– Uma vez, meu professor ficou tão irritado comigo, que pegou uma bengala e começou a bater nas minhas mãos. Eu estava conversando com o colega ao lado e o professor ficou furioso. Ele bateu sem parar, até que errou a mira e golpeou o meu antebraço. Um médico me exami-nou e constatou que o meu braço estava fraturado.

O maior pesadelo de Leoa é ser obrigada a se casar contra a sua

vontade. Ela preferiria se formar na escola e conse-guir um bom trabalho. Seus pais, porém, são pobres e a menina teme que eles acei-tem a proposta de casamen-to do desconhecido.

Leoa suplicou aos pais e lhes explicou que sonhava em poder cursar o ensino médio para conseguir um bom emprego. A mãe de Leoa nunca foi à escola e não sabe ler nem escrever. O pai só estudou por pouco tempo. Mesmo assim, ambos compreenderam a

filha e disseram ao homem que ela era jovem demais para se casar.

A escola de Graça MachelLeoa mora na aldeia Metuge, ao norte de Moçambique. Como a maioria das famílias ali são pobres, quase nenhuma

menina acima de 12 anos tem permissão para ir à escola. Assim que escutou falar no problema, Graça Machel decidiu construir quatro novas escolas na aldeia. Assim, ninguém poderia dizer que as salas de aula estavam lotadas e que só havia lugar para os meninos.

Mas apenas construir escolas não era o bastante. Alguns pais não estavam convencidos do quanto a escola era importante para as meninas. Então, Graça fundou um grupo de teatro,

Certa noite, um homem foi visitar a casa de Leoa. Ela não o conhecia, mas sabia bem o que ele queria. Dois anos antes, um estranho estivera na casa de uma amiga dela e lhe pedira em casamento. Os pais da amiga consentiram e ela se casou contra a sua própria vontade.

– Foi horrível, ela só tinha doze anos. Agora ela tem um bebê e o marido a proibiu de ir à escola, conta Leoa.

vai à escola de Graça

O professor quebrou o braço de Fernando

Leoa e a melhor amiga Juliana a caminho da escola.

Leoa na escola.

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Mandela e as crianças de ruaUma manhã, antes de Nelson Mandela se tornar presi-dente, ele caminhava pelas ruas da Cidade do Cabo, quando avistou alguns meninos de rua que, na calça-da, se despertavam.

Nelson foi conversar com eles. Ele acabara de rece-ber o Prêmio Nobel da Paz e tinha decidido doar gran-de parte da quantia do prêmio para as crianças de rua da África do Sul. Os meninos lhe perguntaram porque ele os amava tanto. Nelson achou a pergunta bastante estranha. Ele respondeu que todo mundo gostava de crianças.

Os meninos não concordaram, pois tinham acaba-do nas ruas exatamente porque ninguém os amava. Nelson pensou que aquilo era uma tragédia e não conseguia parar de pensar naqueles meninos. Ele queria fazer algo a mais para ajudá-los. Quando foi eleito presidente em 1994, Nelson Mandela criou um fundo para ajudar as crianças abandonadas e órfãs.

Quando a água inundou Chaukwe, Carlitos, 13 anos, estava sozinho em casa. – Eu fiquei muito preocupado com meus irmãos e minha mãe.

A família de Carlitos conseguiu se salvar, mas a casa fora levada pela inundação. A família não tinha recursos para construir uma nova casa e Carlitos viu-se forçado a morar em uma barraca feita de gravetos e sacos plásticos. Ali, o menino viveu até o ano passa-

do, quando Graça Machel mandou construir 206 casas para as famílias mais pobres.

A inundação destruiu tudo. Sua escola, que estava velha e trincada, desmoronou e o dire-tor pediu que as crianças ficassem em casa.

A organização de Graça Machel construiu quatro novas escolas em Chaukwe, e deu às crianças materiais escolares novos e uma biblioteca.

que encenava peças que explicavam a importância da educação para a vida das meninas.

Para Juliana Adolfo, a melhor amiga de Leoa, as peças fizeram uma diferença muito grande na sua vida. Apesar de seus pedidos insistentes, os pais lhe diziam que não tinham recursos para colocá-la na escola. Mas depois de assis-tirem à peça, mudaram de idéia, e o sonho de Juliana tornou-se realidade.

Atualmente, Juliana e Leoa vão juntas para a esco-

la todos os dias. Mas elas não dizem que vão à escola, e sim, que vão à Graça Machel. É assim que as cin-co escolas da aldeia Metuge são conhecidas, mesmo que, na verdade, tenham outros nomes.

“Graça Machel é minha heroína. Ela se preocupa conosco e ela encontrou uma forma de explicar às pessoas, porque é muito importante que nós, as meninas, tenhamos permis-são de ir à escola”, disse Leoa.

vai à escola de Graça

Obrigado pela casa e pelas escolas!

Leoa sempre tem muito o que fazer em casa. A grandiosa arvoré Baobá, na vila de Leoa, pode viver milhares de anos. Acredita-se que ela é mágica.

Graça construiu casas para aqueles que perderam seus lares na inundação.

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Craig Kielburger

POR QUE CRAIG É NOMEADO? Craig Kielburger é nomeado à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua luta para libertar crianças da pobreza, abusos e outras violações aos direi-tos da criança. Ele também deseja encorajar as crianças, para que elas possam infl uen-ciar aqueles que tomam deci-sões e dessa forma contribuir para tornar o mundo um lugar melhor para as crianças. Em 1995, quando tinha 12 anos, Craig fundou a Free The Children (FTC). Desde então, a FTC construiu mais de 500 escolas, para 50 000 alunos, em 21 países e enviou paco-tes com material escolar e de saúde, assim como equipa-mentos médicos, no valor de 9 milhões de dólares. A FTC doou vacas, cabras, máquinas de costura e terrenos a 20 000 mulheres, para que elas possam ganhar seu próprio dinheiro e para que suas crianças não tenham que tra-balhar. A FTC também forne-ceu água potável para 123 000 pessoas. As próprias crianças fi nanciaram grande parte desses recursos. Através da FTC, mais de 1 milhão de crianças e jovens, em 45 países, apren-deram a ajudar outras crian-ças e também que têm direi-tos e poder para exigir respei-to aos direitos da criança.

Na noite de 16 de abril de 1995, Iqbal Masih é assassinado (página 16). A notícia da morte daquela criança ex-escrava por dívida se espalha pelo mundo...

…Em Toronto, no Canadá, Craig Kielburger, 12 anos, se estica para pegar o jornal na mesa do desjejum. Ele não sabe que o jornal de hoje fala sobre algo que iria mudar sua vida para sempre...

A princípio, eu iria fazer como de costume e ler as tiras dos quadri-

nhos. Mas me deparei com a manchete na primeira página, sobre uma criança trabalhadora de 12 anos que havia sido assassinada – relata Craig.

A colher dos cereais per-maneceu parada, enquanto Craig lia todo o artigo.

– Tudo que aconteceu à Iqbal parecia irreal para mim. Eu nunca tinha ouvido falar sobre trabalho infantil ou a escravidão por dívidas e fi quei muito perturbado.

– Eu perguntei aos meus pais se era verdade. ‘Leia a respeito’, responderam. Fui até a biblioteca e entrei em contato com diferentes organizações e logo desco-bri mais a respeito.

Libertem as Crianças– Uma semana depois, per-guntei ao meu professor se eu poderia dizer algo para a classe. ‘Vá em frente’, res-pondeu ele. Então, falei sobre o trabalho infantil e Iqbal.

– Depois da escola, tele-fonei para meus colegas de

classe. Vinte de nós nos reu-nimos em minha casa. Organizamos uma exposição e decidimos começar a Free The Children. Vendíamos refresco e outras coisas numa garagem para arrecadar dinheiro para lutar contra o trabalho infantil.

– Uma das pessoas que entrei em contato disse que, se eu realmente quisesse saber mais sobre a vida daquelas crianças, eu deveria visitá-las.

A idéia de uma viagem não abandonava Craig. Mas sua mãe disse:

– Não, nem pensar. Porém, quando uma pessoa

de 25 anos prometeu tomar conta de Craig durante uma viagem de 7 semanas à Índia, Paquistão, Nepal e Tailândia, os pais de Craig perceberam que a viagem estava bem organizada. Eles então deram permissão.

– Desde então, divido minha vida em dois momen-tos : ‘Antes da Ásia’ e ‘depois da Ásia’, conta Craig.

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Manifestação na Índia Craig e crianças trabalhado-ras da Índia, numa manifesta-ção contra o trabalho infantil perigoso.

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Craig KielburgerCrianças rumo à liberdadeDurante a sua viagem, Craig conheceu um garoto que havia sido gravemente ferido, durante uma explosão numa fábrica de fogos de artifício, onde ele realizava um traba-lho perigoso sem proteção. Craig também encontrou uma garotinha que trabalha-va sem proteção quebrando seringas usadas. Ela as piso-teava descalça.

– Ela não tinha a menor idéia sobre a AIDS, nem sobre outras doenças que as seringas poderiam transmitir.

Na Índia, Craig também ajudou a libertar crianças escravas por dívidas, que estavam em poder de um homem muito cruel.

– Jamais irei esquecé-los. Nageshwer, 12 anos, me con-tou que as queimaduras em sua perna eram um castigo por ter tentado ajudar seu irmão a fugir. Mohan, 9 anos, relatou que ele e as outras 20 crianças da fábrica de tapetes viram quando duas crianças foram assassi-nadas com varas de bambu e facas, depois de terem sido apanhadas tentando fugir.

Primeiro-Ministro de joelhosEnquanto Craig viajava, o Primeiro-Ministro do Canadá

partia rumo à Ásia em com-panhia de empresários cana-denses. O objetivo da viagem era fazer acordos comerciais.

– Eu recebi um fax na Índia, dizendo que o Primeiro-Ministro estava a caminho. Fiquei pensando se ele planejava abordar o tema do trabalho infantil e enviei um fax a ele perguntando se gostaria de me encontrar.

A resposta foi ‘Não!’ O Primeiro-Ministro não tinha intenção de falar sobre traba-lho infantil, apesar dos países que iria visitar estarem entre aqueles com maior contin-gente de crianças trabalhado-ras. E, certamente, ele não tinha tempo para um garoto.

O Primeiro-Ministro estava prestes a se arrepender...

Craig organizou uma confe-rência para a imprensa. Ao seu lado, estavam os ex-escra-vos por dívida Nageshwer e Mohan. A história dos dois e Craig foi destaque no noticiá-rio no Canadá.

– O Primeiro-Ministro tem responsabilidade moral de abordar a questão do traba-lho infantil no seu encontro com o Primeiro-Ministro da Índia, disse Craig.

Os assessores do Primeiro-Ministro perceberam que não poderiam mais ignorar o garoto e, de repente, o Primeiro- Ministro encon-trou tempo para Craig. Ao fi nal, ele discutiu a questão do trabalho infantil com os primeiros-ministros de todos os países que visitou.

Assim, quando o Canadá decidiu considerar os Direitos da Criança nas rela-ções comerciais que estabele-ce com outros países, foi uma grande vitória para Craig e a Free The Children.

Adultos desconfi amMuitos adultos não acredita-vam que eram as idéias do próprio Craig que o estimu-lavam a lutar pelos direitos da criança.

– Muitas vezes, os adultos me perguntavam: Quem está por trás de você? Quem o lidera? Mas por que será que os adultos se surpreendem, quando vêem crianças preo-cupando-se com questões terrivéis que ocorrem na sociedade? Eles subestimam a capacidade das crianças - diz Craig.

– As crianças não enten-dem porquê os adultos são capazes de mandar um homem à lua e criar armas nucleares, e não podem pro-ver comida sufi ciente para as crianças do mundo.

Vários adultos se interessa-ram por Crag e tentaram ‘desmascará-lo’. Um dia, receberam uma ligação de um jornal alemão e a mãe de Craig atendeu:

– É verdade que ele tem 19 anos e não 12? – era a pergunta.

– É claro que ele tem 12 anos. Eu deveria saber, afi nal sou a mãe dele!

Um jornal canadense afi r-mou que Craig e sua família haviam se apropriado de uma grande quantia de dinheiro, apesar de Craig ter entregue todo o recurso para uma organização indiana

Craig e o Primeiro-Ministro Quando os jornais canaden-ses escreveram sobre a luta de Craig contra o trabalho infantil, o Primeiro-Ministro Jean Chretien decidiu encon-trar-se com ele.

No Brasil, Craig encontrou-se com crianças que moravam nas ruas e outras que trabalhavam em plantações de sisal.

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– Free The Children deseja que as crianças do mundo constatem que: • Elas têm o direito de

serem ouvidas! • Elas têm direitos! • Elas podem ser agen-

tes de mudança! • Elas podem infl uenciar

a vida de outras crian-ças!

• Suas opiniões têm importância!

CONSELHOS DE CRAIG

Livre da escravidão Craig junto a uma criança tra-balhadora, que ele ajudou a libertar da escravidão na Índia.

Guerra de barro e a escola Craig e outros jovens canadenses foram à Nicarágua para construir uma escola junto com os moradores da vila. Foi uma lamaceira, mesmo sem guerra de barro...

que luta contra o trabalho infantil, diante de 2 000 pessoas!

As crianças têm poder! Craig e a Free The Children querem que as crianças com-preendam que suas vozes podem ser ouvidas e que os adultos devem escutá-las.

– As crianças têm poder. Se elas entenderem isso, poderão mudar as coisas – afi rma Craig com convicção. Elas são muito mais fortes juntas do que sozinhas.

– O mais importante é você encontrar algo com que se importa e adquirir o máximo de conhecimento sobre o assunto. Compartilhe estas informações com outras pes-

exemplo, escolhendo produ-tos fabricados de forma justa. E como elas podem ajudar a ampliar o fundo de assistên-cia do Canadá no futuro, quando puderem votar.

FTC no mundo Claro que o objetivo da FTC é também ajudar crianças vulneráveis em todo o mundo e transformar suas vidas.

– Prevenção é a chave para a mudança – diz Craig. Nós escolhemos investir em esco-las e clínicas de saúde.

São as crianças que arreca-dam dinheiro, mas a FTC também recebe ajuda da rede Oprah Winfrey’s Angel, que fi nancia 50 escolas da FTC

em diferentes partes do glo-bo. O dinheiro é arrecadado de diversas formas, por exemplo, através do ‘concur-so da gravata mais feia’ ou da competição ‘adivinhe a idade do seu professor’. Temos tam-bém a campanha ‘tijolo por tijolo’ para arrecadar 6 000 dólares para a construção de uma escola, em algum dos 21 países na Ásia, África e América do Sul. Para cada 100 dólares angariados na escola, um tijolo pintado é acrescentado a um muro de «tijolos » até que este esteja completo. Ocasionalmente, os alunos desafi am empresas a contribuir com a mesma quantia angariada por eles.

soas, assim os adultos não poderão ignorá-lo.

– Ajudar os outros é muito encorajador para as crianças. Eu e meu irmão mais velho, Marc, escrevemos o livro Me to We. Become happy through helping others. (De Mim para Nós. Torne-se feliz ajudando os outros). Isto não é carida-de, onde se envia apenas o dinheiro. Não é o que faze-mos. Nós queremos transfor-mar a forma das pessoas pen-sarem, desejamos que elas se responsabilizem pela sua maneira de viver. Ao invés de pensar só em Mim, pensar em Nós – explica Craig.

Se no começo a Free The Children tinha a intenção de libertar crianças do trabalho infantil, o projeto de Craig cresceu e inclui libertar as crianças do Canadá e de outros países ricos, para que não pensem sempre e apenas em si mesmas.

– Criamos condições para que elas façam a diferença, que pensem nos outros na sua vida cotidiana, por

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NandiniDezenas de milhares de crian-ças trabalham como Nandini, na indústria de polimento de pedras preciosas na Índia. Milhares delas são escravas por dívida. Elas cortam e polem jóias sintéticas, imitações de pedras preciosas, como dia-mantes e rubis. As pedras são usadas para confecção de jóias, que são vendidas na Índia, na Europa e nos Estados Unidos.

Escravidão e pedras

Roupas Antes eu tinha apenas roupas velhas. Agora tenho mais opções para escolher e rou-pas boas para usar nas ocasi-ões especiais.

Jasmim no cabelo No sul da Índia, as meninas quase sempre usam fl ores no cabelo. A vila de Nandini é conhecida especialmente pelas suas belas fl ores de jasmim.

Muros e paredes Durante o período chuvoso, havia muitas infi ltrações em casa. Agora, a família colocou um teto novo, conser-tou as rachaduras e pintou as paredes.

OBRIGADO, VACA!

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O pai de Nandini traba-lha em uma fazenda e recebe apenas 250

rúpias (US$ 5) por mês. Agora, ele pediu empresta-do 5.300 rúpias de um homem rico na vila. Como ele conseguirá pagá-lo?

Um dia, o homem rico foi até a casa da família. Ele estava furioso e dizia que queria seu dinheiro de volta.

– Se vocês não me paga-rem, terão que mandar sua fi lha trabalhar para pagar a dívida na minha ofi cina.

À noite, os pais de Nandini explicaram que ela teria que deixar a escola e começar a trabalhar já no dia seguinte. Ela fi cou com raiva e depois começou a chorar. Seus pais também choraram e pediram perdão.

Agressão com vara Em um pequeno quarto escuro, 20 trabalhadores sentados se curvam sob as máquinas de polir pedras preciosas. Nandini lustra pedras minúsculas. Às vezes

ela erra, suas mãos escorre-gam e se ferem. Pedras dani-fi cadas são jogadas fora e isso deixa o dono furioso. Seu patrão lhe agride todos os dias, com os punhos ou com uma vara de madeira.

Nandini corta e pole 50 pedras por dia, sete dias por semana, das 8h às 20h.

Algumas vezes, Nandini sonha em fugir, mas o que aconteceria com sua família?

Nandini ganha 25 rúpias por dia. O dono fi ca com seu pagamento para

Nandini, 12 anos, mora em Thiruvanrangapatty, na Índia. Quando sua mãe e sua avó adoeceram, seu pai pediu dinheiro emprestado para comprar remédios. Nandini está preocupada com o que poderá acontecer, caso a família não possa pagar a dívida.

se tornou escrava

A vaca mudou nossas vidas!Em um ano, a vaca doada pela Free the Children mudou a vida de Nandini. Hoje, sua família agradece à doce vaquinha pelo:

OBRIGADO, VACA!

Cabras Com o dinheiro do leite e da venda dos bezer-ros, a família comprou cabras que produzem leite e esterco, que pode ser usado como com-bustível ou adubo.

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quitar o empréstimo da família. Entretanto, após um ano, a dívida ainda não diminuiu, pelo contrário, a dívida está maior. Ela cresce por causa dos juros altíssi-mos. Nandini constata que será escrava por dívida pelo resto da sua vida.

Salva pela vacaUm dia, a Free the Children veio visitar sua comunidade e ouviu falar do problema da família. Eles pergunta-ram à mãe de Nandini que tipo de ajuda ela precisava.

– Eu gostaria de ter uma vaca, ela respondeu.

Em apenas dois meses, a mãe de Nandini conseguiu vender leite o sufi ciente para pagar toda a dívida da famí-lia para o dono da ofi cina. Nandini foi libertada e pôde

voltar para a escola. – Foi o dia mais feliz da

minha vida, conta Nandini. Os olhos de Nandini ain-

da doem quando expostos à forte luz solar. Talvez eles nunca se recuperem. Com a ajuda da Free the Children, ela e outras crianças da vila criaram um clube para lutar contra o trabalho infantil.

– Nós crianças não rece-bemos nenhuma ajuda. Por isso, devemos ajudar uns aos outros – diz Nandini, que deseja ser uma policial boa e justa quando crescer.

– Vou assegurar que todos obedeçam às leis. Irei traba-lhar para que não existam mais crianças escravas e crianças trabalhadoras e para que todas as crianças tenham acesso à educa-ção.

A Free the Children acredita que a educação é o melhor cami-nho para lutar contra a pobreza e o trabalho infantil. Na vila de Nandini, a organização abriu uma escola para as crianças mais novas. As mais velhas vão de ônibus para a escola pública da cidade mais próxima. À noite, nas escolas da vila, elas recebem aulas extras e ajuda para fazer as lições.

Conhecimento é poder!

Educação – Hoje, eu consigo me con-centrar na escola e tenho notas melhores. Eu tenho dois uniformes e não preciso lavá-los sempre, conta Nandini.

Comida melhor Agora, a família de Nandini faz refeições saborosas e sau-dáveis, com muitas verduras, três vezes por dia!

Eletricidade Uma das primei-ras coisas que a família fez com o dinheiro da venda das vacas, foi ins-talar eletricidade. No sul da Índia, a temperatura pode chegar a mais de 50 graus, por isso é bom ter um ven-tilador de teto. A TV e a máquina de polir pedras também precisam de eletricidade para funcionar.

Bezerros Até agora a vaca deu cria à dois bezerros, ambos foram vendidos.

Leite A vaca produz sete litros de leite por dia. Metade é vendida, o resto é consumido pela família.

Máquina de Polir Pedras Foi comprada com o dinheiro da venda dos bezerros. Agora a mãe de Nandini tem o seu pró-prio negócio e trabalha em casa com o corte, o polimento e o comércio de pedras. Ela ganha seu próprio dinheiro, em vez de trabalhar por um salário baixo em uma ofi cina.

OBRIGADO, VACA!

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AOCMn nPOr que A AOCM fOi nOMeAdA? A AOCM é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 porque esta associação luta pelas crianças e jovens que per-deram seus pais no geno-cídio de Ruanda, em 1994. A AOCM é formada apenas por jovens e crianças que perderam seus pais no genocídio e juntos tentam ajudar uns aos outros a construir uma vida melhor. Eles são como uma família, onde um se preocupa com o outro. Apesar da maioria dos membros da AOCM viver em situação de extre-ma pobreza, eles se aju-dam mutuamente com comida, roupas, um lugar para morar, novas famílias, acesso aos cuidados de saúde e à escola. E o mais importante: oferecer um ao outro amizade e amor. Mais de 6000 crianças órfãs tiveram uma chance de ter uma vida melhor através da AOCM. Jovens e crianças que, de outra maneira, vive-riam uma vida de drogas, crime, prostituição e vio-lência nas ruas. A AOCM fala pelos órfãos em Ruanda, relembrando constantemente ao gover-no e organizações que os órfãos existem.

– Alguém consegue vê-lo? Agora só resta naphtal, todos os outros familiares estão mortos. Se vocês o encontrarem, matem-o também!

naphtal prende a respiração. ele está mergulhado em um rio há apenas alguns metros dos homens...

este fato aconteceu em ruanda no ano de 1994, quando cerca de 800 000 pessoas foram mortas em 100 dias. 300 000 eram crianças e outras 100 000 crianças ficaram órfãs depois do genocídio.

naphtal Ahishakiye perdeu toda a sua família: o pai, a mãe e quatro irmãos. enquanto naphtal estava mergulhado no rio, ele jamais poderia imaginar que um dia fundaria a AOCM – L’Association des Orphelins Chefs de Ménages (Associação dos Órfãos Chefes de família).

naphtal mantém apenas o nariz fora da água. Apavorado, ele se

agarra às raízes que crescem no fundo do rio. Ele só tem coragem de sair da água horas mais tarde, quando já está escuro. Ele sabe que os homens voltarão a procurá-lo, assim que estiver mais claro.

Alguns dias antes, toda a família estava sentada ouvindo o rádio. Como em muitas outras vezes, a voz no rádio dizia que todos aqueles

que pertenciam ao povo tut-si eram inimigos de Ruanda. Ouvia-se também que os tut-sis eram sujos como baratas e que todos os hutus devem livrar-se desses animais per-niciosos.

O pai de Naphtal disse que o governo patrocinava a estação de rádio. A família de Naphtal estava preocupa-da, porque eles eram tutsi. Naquela manhã, o rádio dizia que o presidente mor-rera em um acidente aéreo. Seu avião teria caído quando

ele voltava de uma reunião na Tanzânia com a FPR (Frente Patriótica de Ruanda), que estava em guerra com o governo de Ruanda desde 1990. A FPR queria retirar o governo do poder e dizia querer criar um país para hutus e tutsis. Com o presidente morto, os hutus que não con- cordavam em manter a paz com a FPR ou dividir o

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A AOCM apóia crianças órfãs para que elas possam ir à escola. As crianças mais velhas ajudam as mais novas a fazerem o dever de casa.

poder com os tutsis, podiam agir como quisessem.

– Os hutus vão começar a nos matar. Temos de nos esconder na fl oresta e cada um deve achar seu próprio esconderijo – disse o pai de Naphtal.

Mataram a famíliaAlguns dias depois que a família havia se escondido, um grupo de homens arma-dos chegou à casa onde moravam. Eles a derruba-ram, cortaram as bananei-ras, arrancaram batatas e mandiocas da terra e destru-íram as plantações. As cabras e vacas da família foram roubadas.

Do seu esconderijo, Naphtal viu tudo, e percebeu que muitos daqueles que des-

truíram sua casa eram seus vizinhos. No dia seguinte, os homens encontraram o pai de Naphtal e o mataram. Dois dias mais tarde, o irmão mais velho de Naphtal foi encontrado e eles tam-bém o mataram. Depois, eles pegaram seus três outros irmãos e por último sua mãe...

Naphtal era o único que havia restado...sozinho, mergulhado no rio. Ele esta-va com tanto medo que não teve coragem de sair do rio por três dias e três noites.

– De alguma maneira, eu consegui sobreviver na fl o-resta por vários meses. Eu bebia água da chuva e entra-va escondido nas plantações das pessoas para comer bananas. Durante as noites, eu dormia no chão. Eu esta-va muito triste e confuso. – diz Naphtal.

Enquanto Naphtal estava escondido na fl oresta por três meses, a FPR conseguiu derrotar o exército de Ruanda e dispersar o gover-

Sozinho e com medo

Amor é o mais importante

– Quando eu me escondi na fl oresta, tinha medo o tempo todo. Bastava algum ruído das árvores ou o barulho do vento nas folhas, para que eu pensasse que eram os assassinos que haviam voltado para me pegar. Era horrível dormir ali no escuro, sozinho- lembra Naphtal.

“A coisa mais importante que queremos assegurar para todos que perderam seus pais no genocídio é amor e cuida-do um pelo outro”, explica Naphtal.

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no. Finalmente, o genocídio havia acabado. Naphtal e milhares de sobreviventes puderam sair de seus escon-derijos na floresta e tentar começar uma nova vida.

– Não foi fácil. Mas quan-do as escolas reabriram, eu decidi voltar a estudar. Eu queria honrar os meus pais e eu sabia que eles gostariam que eu tentasse viver uma vida melhor, apesar de tudo que aconteceu – diz Naphtal.

Amor é o mais importanteNa escola, Naphtal conhe-ceu muitas outras crianças e jovens que haviam perdido seus pais no genocídio.

– Quando nós começamos a conversar, entendemos rapidamente que nenhum de nós poderia sobreviver sozi-nho. Aqueles que tinham algum dinheiro, ajudavam os que não tinham nada. À noite, nós estudávamos juntos. Nos tornamos como uma família e era maravi-lhoso sentir que não estáva-mos mais sozinhos.

Alguns anos mais tarde, Naphtal e dois de seus cole-gas de escola decidiram ten-tar ajudar os órfãos de toda Ruanda, da mesma forma com que tinham ajudado uns aos outros na escola.

– No ano 2000 nós fun-damos a associação AOCM, para que nós que somos órfãos pudéssemos nos aju-dar a ter uma vida melhor. A AOCM se concentrou em: •Todosdeveriamteronde

morar, já que a maioria teve suas casas destruídas.

•Todosdeveriampoderiràescola e receber os cuida-dos de saúde necessários.

•Todosdeveriamterali-mentação e vestuário.

– Entretanto, o que nós con-siderávamos mais importante era criar uma atmosfera de amor entre nós que perdemos nossos pais. Pois se pudésse-mos sentir amor, nos impor-taríamos uns com os outros

e cuidaríamos uns dos outros – explica Naphtal.

Hoje a AOCM tem 1 800 famílias que são membros e 6 100 crianças e jovens órfãos. A AOCM construiu cerca de 150 casas. Ela ofe-rece apoio financeiro a cen-tenas de crianças órfãs para que possam frequentar a escola e também ajuda outros a começar criações de porcos, salões de beleza, cafés e outras atividades através das quais seus mem-bros possam se manter quando terminarem a escola. –Todosajudamquando

podem. Se alguém tem o que comer, então divide com quem não tem. Aqueles que têm dinheiro compram cadernos e lápis para os que estão em falta. Se alguém adoecer, nós o levamos ao hospital. Nós queremos ser como uma família de ver-dade. –Eucompareçoàreuniões

com o governo, secretarias, organizações e pessoas ricas, e solicito dinheiro para as crianças e jovens órfãos de Ruanda. Mas nunca é sufi-ciente. Nos últimos anos, além do genocídio, nos deparamos com um outro

problema: a AIDS. Pessoas estão morrendo de AIDS todos os dias e seus filhos estão ficando sozinhos. Nós fazemos o possível para aju-dar, mas as necessidades são enormes. Existem milhares de órfãos em Ruanda. Se eles não receberem nenhu-ma ajuda, vão terminar nas

ruas e jamais terão a chance deiràescola.

– Nós iremos lutar pelos direitos das crianças órfãs enquanto for necessário – diz Naphtal.

Com direito de ser criança

O que é um genOcídiO?

A AOCM deseja que as crianças mais novas pos-sam participar de passeios. Nas excursões, eles podem comer comidas gostosas, tomar refrige-rante, brincar e relaxar.

– Nós tentamos passear sempre que possível, mesmo que não tenhamos dinheiro. Essas crian-ças se tornaram adultas cedo demais, pois seus pais foram mortos. Nos passeios, elas têm per-missão para serem crianças – diz Naphtal.

Genocídio significa uma tentativa de exterminar um certo grupo de pessoas de uma área ou país. O exter-mínio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial (1939–1945) e o extermínio dos tutsis em Ruanda em 1994 são exemplos de genocídios. A palavra genocídio foi criada para descrever o holocausto – o extermínio pelos nazistas de seis milhões de judeus e entre 200 000 e 600 000 ciganos durante a Segunda Guerra. Até mesmo homossexuais e outros grupos considerados de menor valor foram assassinados. Genocídios tam-bém aconteceram no Camboja, onde 2 milhões de pessoas foram assassinadas entre 1975–1979 e na Iugoslávia, onde mais de 250 000 pessoas foram mor-tas entre 1992 e 1995.

“Todo mundo precisa de alguém. Por isso, iniciamos a AOCM, e iremos continuar a lutar pelas crianças órfãs”, diz Naphtal.

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Marie Grâceadora sua casa AOCM

Bem-vindos à minha casa nova !

Jogando bananabol! Marie Grâce fez uma bola com folhas da bananeira e joga para os seus oponentes do ‘tayari’ ou bananabol.

Marie Grâce tinha ape-nas um ano quando seu vilarejo foi ataca-

do. Portanto, ela não se lem-bra de nada daquela época.

– É uma tragédia. Eles des-truíram nossa casa para mostrar que não nos que-riam por perto. Milhares de pessoas perderam seus lares. Eu não consigo entender como uma pessoa pode fazer isso. Eu penso que Hutus e Tutsis deveriam viver como amigos e vizinhos. Não há diferença entre nós. Devemos parar de odiar uns aos outros, diz Marie Grâce.

Irmão preocupado Foi Diogène, o irmão mais velho de Marie Grâce, quem a salvou naquela manhã quando tiveram de fugir.

– Ele me carregou e correu com todas as suas forças. Meus outros irmãos também estavam conosco. Papai e mamãe tinham sido mortos, nossa velha casa destruída, e nós não sabíamos para onde

ir. Finalmente, chegamos a um campo de refugiados para crianças sobreviventes.

Depois de um tempo, mui-tos dos assassinos, e até mes-mo outros hutus, fugiram para o Congo, pois estavam com medo de represálias. Foi quando muitas das crianças que sobreviveram ao genocí-dio, foram morar nas casas abandonadas. Assim tam-bém fi zeram Marie Grâce e seus irmãos. Ali, eles podiam morar de graça e comer

bananas e verduras das plan-tações deixadas para trás.

– Depois de mais ou menos um ano, os exilados começa-ram a voltar e nós fomos for-çados a sair de lá. Tivemos que alugar uma casa na cida-de e meu irmão fez tudo o que podia para que pudésse-mos sobreviver. Nós vivía-mos com fome e Diogène começou a fi car preocupado conosco.

Numa manhã de abril de 1994, todas as famílias tutsi foram atacadas no vilarejo onde Marie Grâce morava. A mãe e o pai dela foram assassinados e a casa deles completamente destruída.

– Se nós não tivéssemos recebido uma nova casa da AOCM, teria sido muito difícil para mim, meus irmãos e irmãs – conta Marie Grâce.

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Marie Grâceadora sua casa AOCM

Meninas Primeiro

“Eu acordo todos os dias às 6h da manhã e faço a limpeza dentro de casa e no quintal.”

“Lá no pátio nós lavamos as roupas, preparamos a comida e conversamos.”

“Fazemos manteiga nessa cabaça que fi ca pendurada na parede.”

“Para mim, este buquê de fl ores de sêda é a coisa mais bonita que temos em casa.”

Na vila onde Marie Grâce mora, a AOCM construiu

34 casas para 130 crianças que perderam seus pais no genocídio.

– Nós estamos sempre ten-tando conseguir mais dinheiro para construir mais casas. Nós pensamos sempre nas meninas primeiro, porque elas são as mais expostas. Quando

distribuímos comida e roupa, são também as meninas que têm prioridade – conta Naphtal, líder da AOCM.

Salvos pela AOCMDiogène, irmão mais velho de Marie Grâce, e muitos outros que tinham perdido seus pais no genocídio, entenderam que teriam de ajudar uns aos outros para poder sobreviver. Então começaram a cooperar com a AOCM em Kigali. Em junho de 2003, aconteceu algo que mudou completa-mente a vida de Marie Grâce e seus irmãos.

– Foi então que nós nos mudamos para nossa nova casa, na vila da AOCM. Ganhamos a casa de graça, não precisávamos pagar alu-guel! Antes, todo nosso dinheiro ia para o aluguel, mas agora podemos com-prar comida, roupa e outras coisas que precisamos. Nós jamais teríamos condições de comprar uma casa por nós mesmos e se a AOCM não tivesse nos ajudado, teria sido muito difícil para

mim e meus irmãos sobrevi-vermos. Nem por isso, a vida é fácil para nós agora, mas pelo menos fi cou muito melhor.

– Nós que moramos aqui na vila da AOCM, somos tutsis, pois fomos nós que tivemos as casas destruídas em 1994. Mas as crianças que moram aqui perto são geralmente hutus. Nós brin-camos juntas sem proble-mas. É a mesma coisa na escola. Eu tenho amigos tut-sis e hutus. Quando não estou pensando, nem sei quem é quem. Eu não vejo diferença nenhuma, nem me importo! Eu acho que todos têm o mesmo valor. Muitos adultos não pensam assim, mas deveriam. Se os adultos não começarem a pensar como nós, crianças, tenho medo que haja guerra em Ruanda de novo.

“Quando eu venho da escola, eu preparo a comida. Feijão e banana d’àgua, na maioria das vezes. Mas minha comi-da favorita é o arroz. Eu cozinho no fogo mesmo. Nós jantamos na sala.”

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Betty MakoniPOR QUE BETTY É NOMEADA? Betty Makoni é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua longa luta para que as meninas do Zimbabwe se libertem da violência e tenham as mes-mas oportunidades na vida que os garotos. Através da organização Girl Child Network (GCN), Betty cons-truiu três vilas seguras para meninas particularmente vulneráveis, e fundou 500 clubes de meninas com 30.000 membros, a maioria localizados na zona rural e em subúrbios pobres. Betty resgata meninas do trabalho infantil, casamento forçado, maus-tratos, tráfi co e violên-cia sexual. Ela lhes oferece comida, roupas, tratamento de saúde, um lar, a possibili-dade de ir à escola e segu-rança. Além disso, ela enco-raja e apóia as meninas, para que elas exijam respeito pelos seus direitos. Dezenas de milhares de meninas tive-ram a chance de ter uma vida melhor através do trabalho de Betty. Ela e a GCN falam em nome das meninas no Zimbabwe, estimulando constantemente o governo e diferentes organizações a cuidarem bem das meninas no país. Porém, não são todos que apreciam a luta de Betty. Ela vive em risco e é constantemente ameaçada por causa de seu trabalho.

Betty Makoni acordou com um estrondo. Era o meio da noite no bairro pobre de Chitungwiza nas redondezas da capital do Zimbabwe, Harare. Então, ouviu-se aquilo de novo: Bum! E de novo: Bum! As crianças começaram a chorar. A poucos metros da cama de Betty, homens mascarados usavam um machado para entrar pela porta da frente.

Lutar pelos direitos das meninas pode ser perigoso!

Bum!

Um dos homens apon-tou para Betty e gritou:

– Vamos lhe matar! Você é a mulher que nos causa muitos problemas!

Betty e seus fi lhos estavam aterrorizados. Quando um dos homens estendeu a mão na direção de seu fi lho de um ano, Betty entrou em pânico.

– Achei que eles iam matá-lo ou sequestrá-lo. Porém, tivemos sorte. Quando viram que o meu marido estava em casa, eles fugiram.

Esta foi apenas uma das muitas vezes em que Betty teve sua vida ameaçada devido à sua luta pelos direitos das meninas.

Todavia, ela não desiste. – Sei por experiência pró-

pria como é ter seus direitos violados. Por isso eu conti-nuo!

Homem medonhoA história de Betty começa na pobre cidade satélite de Chitungwiza.

– Minha infância foi terrí-vel, meu pai batia em minha mãe quase toda noite. Minha mãe não se sentia bem, portanto tive que começar a ajudar em casa desde cedo. Aos cinco anos, eu limpava a casa e cozinha-va, enquanto carregava meus irmãos menores nas costas. Nós também apa-nhávamos de nossa mãe e

de nosso pai. Eu nunca me sentia segura.

Como muitas outras meninas da região, Betty teve até mesmo que come-çar a trabalhar. Toda noite ela, uma menina de cinco anos de idade, saía para vender verduras e velas.

– Enquanto trabalháva-mos, nós, as meninas, podí-amos ver como os meninos da mesma idade brincavam.

Uma noite, quando Betty tinha seis anos, algo horrível aconteceu. Após várias horas de vendas, ela e algumas amigas chegaram ao último cliente. Era um homem dono de uma lojinha.

– Depois que todas nós entramos na loja, o homem

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Betty Makoni– No início, a idéia era que todos os membros dos clubes de meninas deveriam pagar 10 centavos de dólar por ano. Porém, esta quantia continua sendo muito para muitas das meninas mais pobres da zona rural, que necessitam do clube das meninas mais do que ninguém. Para não decepcioná-las, decidimos cortar a taxa. Cada clube das meninas tenta arrecadar um pouco de dinheiro para poder ajudar aquelas que precisam. Alguns cultivam e vendem verduras, outros fabri-cam cestos para vender, explica Betty.

A Girl Child Network não abandona ninguém!

Betty (à esquerda) no ano em que começou a trabalhar.

repentinamente trancou a porta. Ele pegou uma faca e disse que mataria quem gri-tasse ou tentasse resistir. Depois, ele apagou a luz. Ficou muito escuro. Estávamos morrendo de medo, mas não ousávamos gritar por socorro. Ele nos violentou, uma após a outra. Finalmente, conseguimos sair de lá. Todas correram, cada uma para a sua casa, e nunca conversamos entre nós sobre o que havia acontecido.

– Ao chegar em casa, eu não tinha ninguém com quem pudesse conversar. Meu pai não estava em casa e minha mãe estava dormin-do. Percebi que eles haviam brigado de novo. Chorei em silêncio para não acordar ninguém. Sentia-me suja e totalmente abandonada.

Apesar do que houve, Betty continuou a trabalhar toda noite. Quando começou a estudar, ela usava parte do dinheiro para pagar as taxas escolares. Nem sempre seu dinheiro era sufi ciente, e Betty muitas vezes era man-dada de volta para casa por-que não conseguia pagar.

Ela sempre pensava sobre como era errado que um homem adulto a tivesse feri-do tanto. Também pensava muito sobre como era errado sua mãe apanhar sempre.

O clube das meninas Aos 24 anos, Betty começou a trabalhar como professora. Ela via como a vida das meninas era dura. Quando uma família tinha difi culda-de para pagar as taxas esco-lares de seus fi lhos, eram sempre as meninas que tinham que parar de estudar. Seus irmãos, no entanto, podiam continuar. Logo as meninas da classe de Betty começaram a lhe contar sobre seus problemas.

Elas contavam sobre pro-fessores homens, que as usa-vam, e como era difícil ousar fazer suas opiniões serem ouvidas quando havia meni-nos por perto.

– Então, eu sugeri que nós, as meninas, deveríamos começar a nos encontrar e conversar sobre aquilo que era importante para nós. Propus que formássemos um clube onde as meninas cui-dassem umas das outras e se ajudassem caso algo ruim acontecesse. Um clube onde elas fossem fortes e tivessem coragem de exigir os mesmos direitos que os meninos têm na vida. Elas acharam a idéia ótima. Éramos dez meninas que começamos a nos encon-trar duas vezes por semana.

– Logo, garotas que haviam sido vítimas de vio-lência e abuso começaram a vir nos contar sobre isso. Nós

apoiávamos as meninas e as ajudávamos a ter coragem de denunciar o crime à polícia.

Não demorou muito até que clubes de meninas fos-sem organizados em outras escolas, primeiro em Chitungwiza e depois em todo o Zimbabwe.

– Em 1999, eu decidi come-çar a organização Girl Child Network (GCN), onde todos os clubes de meninas podem se apoiar mutuamente.

– No mesmo ano, eu e 500 meninas fi zemos uma cami-nhada de 200 km pela zona rural. Caminhamos de vila em vila e falamos sobre os direitos das meninas e sobre o que fazíamos em nossos

Desde que Betty e 500 meninas percorreram 200 km, de vila em vila, muitas clubes das meninas foram fundados.

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clubes de meninas. À noite, dormíamos no chão das escolas das vilas. Fizemos isso por 17 dias e, após essa caminhada, havia muitas meninas querendo começar seus próprios clubes. Hoje, temos 500 clubes de meninas com 30.000 meninas como membros em todo o Zimbabwe!

Os clubes relatam à Girl Child Network se alguém foi vítima de estupro ou se teve que parar de estudar ou foi obrigada a se casar ou a começar a trabalhar. Se alguém precisa de ajuda com as taxas escolares, roupas, sapatos ou alimentos, todas as outras meninas do clube tentam ajudar. Quando não conseguem resolver sozi-nhas, entram em contato com Betty.

As vilas seguras Betty logo percebeu que mui-tas das meninas resgatadas, vítimas de abuso, trabalho infantil, casamento forçado e violência precisavam de um lugar seguro para morar. Muitas vezes, as meninas não podiam voltar para suas famílias. Como Betty cuida-va para que os criminosos fossem presos, ela temia que, mais tarde, eles se vingassem das meninas. Em 2001, a pri-meira ‘vila segura’ fi cou pronta. Desde então, mais duas vilas foram construídas em outras partes do Zimbabwe.

Desde que Betty iniciou o primeiro clube de meninas em 1998, dezenas de milhares de garotas tiveram a oportu-nidade de ter uma vida melhor graças à sua luta.

Betty nunca hesita em denunciar as pessoas que maltratam meninas, nem mesmo quando são políticos poderosos. Ela fez muitos inimigos e já recebeu muitas ameaças telefônicas no meio da noite. Há carros escoltan-do-a e a polícia faz patrulhas em seu escritório. Betty sem-pre precisa ter pessoas que a protejam à sua volta. Seus fi lhos nunca podem ir sozi-nhos à escola, pois ela teme que algo lhes aconteça.

– Meu sonho é que o

Zimbabwe seja um país onde meninos e meninas tenham as mesmas chances na vida. Todos os dias recebo cerca de 10 ligações telefônicas de meninas que foram estupra-das. Ainda é difícil para as meninas irem à escola. Elas são forçadas a se casar pre-cocemente ou ao trabalho. Enquanto houver meninas vivenciando as mesmas coi-sas que aconteceram comigo quando eu era pequena, con-tinuarei lutando por elas!

Betty e as integrantes do clube das meninas se manifestam pelos direitos das meninas.

Betty foi ameaçada muitas vezes e sua vida corre perigo devido a sua luta em defesa dos direitos das meninas.

As cabras das vilas segurasNas vilas seguras, as meninas aprendem a cultivar verduras e cuidar de cabras e galinhas.

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Betty

Tsitsi

– Nunca me esquecerei da primeira vez que vi Tsitsi. Ela estava deitada em meu sofá e parecia tão pequena e assustada. Ela tinha oito anos e havia apanhado tanto que tinha feridas profundas nas costas. Pensei que ela fosse morrer, diz Betty.

morara com a mãe em uma casinha em Chitungwiza, mas ela conhecia seu pai que às vezes mandava algum dinheiro. Ela gostava do pai, mas amava a mãe.

Quando Tsitsi estava na primeira série, sua mãe fi cou doente.

– Eu cozinhava e ajudava minha mãe o máximo que eu podia, mas um dia ela sim-plesmente morreu. Na mes-ma noite, meu pai me buscou e me levou para a sua casa.

No início, o pai de Tsitsi foi gentil.

– Ele não me consolava, mas me alimentava e ajudava para que eu pudesse continu-ar na escola.

Alguns meses mais tarde, quando o pai de Tsitsi fi cou doente, tudo mudou. Ele pas-sou a ter problemas para con-seguir pagar o aluguel. Ficou

difícil até mesmo comprar comida e ele culpava Tsitsi por todas as difi culdades.

Meu próprio pai– Meu pai fi cava bravo sem motivo. Como punição, ele me batia. Usando seu cinto ou uma vara, ele me batia nas costas, no peito... em todo lugar. Meu pai batia em mim quase toda noite.

Uma noite, as coisas fi ca-ram piores do que o usual.

– Eu tinha acabado de me recolher, quando ele disse que eu devia ir deitar com ele. No começo, eu não entendi o que ele queria dizer. Depois, compreendi que ele queria fazer coisas ruins comigo. Quando me recusei, ele me

bateu com um fi o elétrico. Ao mesmo tempo, ele pegou uma faca e disse que me mataria se eu gritasse. Não pude fugir, e ele acabou fazendo o que queria. Meu próprio pai. E na noite seguinte, ele fez aquilo de novo. E na noite seguinte, e na próxima…

Tsitsi acabou contando para sua professora, que tele-fonou imediatamente para Betty Makoni. Naquela mes-

ma tarde, a Girl Child Network foi buscar Tsitsi na escola.

Enfi m, salva – Betty salvou minha vida e eu a amo! Ela me levou ao hospital e cuidou de mim. Todavia, no início, eu estava sempre triste e tinha pesade-los. Primeiro, morei em uma ‘casa de segurança’ em Chitungwiza, depois me mudei para uma das vilas

salvou minha vida!”“

Lembra minha mãe – Minha mãe era costureira e me ensinou a costurar. Toda vez que costuro, eu penso em minha mãe. Sinto muito a falta dela.

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seguras de Betty. Nós que moramos na vila, fazemos tudo juntas. Nós brincamos, limpamos a casa, lavamos a louça, dormimos, vamos para a escola… tudo! Todas nós passamos por situações difíceis e nos entendemos.

– Eu adoro brincar com as outras meninas. Aí eu esque-ço tudo o que aconteceu com meu pai. Na escola é a mes-

ma coisa. Lá eu me concen-tro em aprender coisas novas em vez de pensar nas antigas. Quando estou com saudades da minha mãe e me sinto pra baixo, converso com uma das nossas três mães da vila. Acima de tudo, elas nos dão amor. Sinto-me feliz e segura aqui.

...as meninas varrem o quintal da vila segura... ...e lavam a louça.

Toda tarde, após a escola, nós nos sentamos em volta da fogueira, contamos estórias e cantamos. Adoro sentar-me aqui junto com as outrasmeninas, diz Tsitsi.

Junte-se e divirta-se em volta do fogo na vila de Tsitsi no www.worldschildrensprize.org

Juntas...

Gosta de prédios altos– Nossa capital, Harare, é meu lugar preferido. Gosto dos prédios altos e do fato de lá haver eletricidade. As ruas têm iluminação e quem mora ali pode assistir TV. Na vila ainda não temos eletricidade.

O jogo da garrafa é jogado em um campo de areia. No meio do campo, coloca-se uma garrafa plástica vazia de pé. Dois times, com número livre de membros, competem entre si. O primeiro time é dividido em dois grupos, que se posicionam a quinze metros de distância um do outro, com a garrafa bem entre eles. Esse é o ‘time de fora’, que joga a bola para lá e para cá entre si. Entre eles fi ca o ‘time de dentro’. Eles têm que evitar que a bola os acerte quando alguém repentinamente joga a bola contra eles. Quem é acertado sai do jogo. Quando todo o time de dentro tiver saído, o time de fora vence e os times trocam de posição.

O time de dentro pode resgatar alguém que saiu do jogo de volta. Quando o time de fora joga a bola, alguém do time de dentro deve tentar pegá-la com as mãos, sem ser acertado em nenhuma outra parte. Quem consegue pegar a bola, a joga o mais longe possível. Enquanto o time de fora busca a bola, o time de dentro enche a garrafa de areia e, logo em seguida, a esvazia. Se o time de dentro conseguir fazê-lo antes que o time de fora traga a bola de volta, todos aqueles que haviam saído do jogo são salvos e podem jogar novamente!

Jornal vira bola – Essa bola foi feita em pou-cos minutos. Eu apertei bem o papel de jornal em uma sacola. Usamos essa bola quando jogamos o ‘jogo da garrafa’, diz Tsitsi.

Jogue o jogo da garrafa!

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Somaly Mam¢¢

NOMEADA • páginas 79–83

Por que SoMaly é noMeada? Somaly Mam é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua longa e muitas vezes perigosa luta para salvar meninas que são vendidas como escravas para bordéis no Camboja. Somaly, que foi vendida para um bordel quando criança, deseja que as meninas que foram escravas tenham as mesmas oportunidades na vida que as outras crianças. Através da organização AFESIP, ela construiu três lares seguros para as meni-nas que foram salvas da escravidão. Ali, elas têm ali-mentação, tratamento de saúde, um lar, chance de fre-quentar uma escola e, mais tarde, acesso à educação profissionalizante. Sobretudo, Somaly oferece às meninas segurança, cari-nho e amor. 3.000 meninas que antes eram escravas, conquistaram uma vida melhor graças a Somaly. Ela e a AFESIP representam as meninas no Camboja e cobram constantemente do governo e das diversas orga-nizações para que cuidem das meninas do país. Somaly é frequentemente ameaçada de morte. Em 2006, sua filha de 14 anos foi sequestrada, estuprada e vendida para um bordel. Essa foi a punição de Somaly por sua luta em prol dos direitos das meninas.

– Sua filha desapareceu, Somaly. Ela não estava na escola quando fui buscá-la. Eu não sei onde ela está! É o guarda-costas de Somaly ao telefo-ne e ela está apavorada e teme que o pior tenha acontecido. Sua família vive sob ameaça cons-tante de morte. A luta de Somaly pelas milhares de meninas vendidas como escravas no Camboja lhe rendeu muitos inimigos.

a polícia começa imedia-tamente a procurar por Champa, 14 anos,

entre as gangues criminosas donas dos bordéis da capital do Camboja, Phnom Penh. É lá que estão muitos dos inimi-gos de Somaly. Quando Champa está desaparecida há 4 dias, a polícia telefona e diz que sua pista foi rastreada no norte do país, na fronteira com a Tailândia. Uma região conhecida pelo comércio de meninas escravas. Quando Somaly chega, a polícia já encontrou Champa em um bordel. Os sequestradores a

estupraram e depois a vende-ram para um bordel.

– Eu não conseguia parar de chorar quando a abracei. Ela estava drogada e não me reconheceu. Eu tomei seu lin-do rosto entre as mãos e lhe pedi perdão repetidamente. Meus inimigos haviam feito mal à minha amada filha como retaliação contra mim. Ela havia sido obrigada a pas-sar pelos mesmos abusos ter-ríveis pelos quais eu passei durante tantos anos.

Sem pai nem mãe A história de Somaly começa

em um pequeno vilarejo onde ela cresceu. Ninguém sabia para onde sua mãe e seu pai haviam partido. O povo do vilarejo cuidou de Somaly. Sempre havia comida e um lugar para ela dormir na casa de alguma família.

Um dia, quando Somaly tinha nove anos, um homem chegou ao vilarejo para com-prar madeira para vender na planície.

– Ele disse que conhecia meus parentes e fiquei conten-te quando ele perguntou se eu queria ir com ele. Eu tinha esperança de encontrar meu pai lá na cidade. Ela não con-seguiu encontrar o pai, e o homem que Somaly havia pas-sado a chamar de avô, deixou de ser gentil.

– Ele não era casado e nem tinha filhos, e eu me tornei sua escrava. Eu tinha que me levantar às três horas toda manhã para buscar água no rio. Eu vendia a água para vários restaurantes.

Somaly caminhava por mui-tas horas com os pesados bal-des d’água. Ao terminar, ela lavava a louça em um dos res-taurantes. Durante o resto do dia, ela trabalhava para vizi-nhos que precisassem de ajuda nos campos de arroz.

– Depois, eu ia toda noite para um lugar na cidade onde se fabricavam noodles. Lá, eu moia os grãos de arroz usan-do um pesado moinho de pedra para fazer farinha. Eu nunca chegava em casa antes da meia-noite.

Se Somaly chegasse em casa sem dinheiro suficiente para a bebida do avô, ele ficava furioso.

– Ele me amarrava, me açoi-tava com chibata e me chuta-va feito um louco.

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Vendida pela primeira vezUm dia, quando Somaly tinha doze anos, o avô lhe disse para ir buscar querosene para a lamparina na casa do comerciante.

– Ele costumava ser gentil e me dava doces. Porém, dessa vez, ele arrancou minhas rou-pas e me estuprou. Depois, ele disse que me mataria se eu contasse para alguém. Ele também falou que meu avô lhe devia muito dinheiro. Agora eu sei que meu avô havia pagado sua dívida, per-mitindo que o homem me estuprasse. Essa foi a primei-ra vez que fui vendida.

– Esta noite, eu sentia dores por todo o corpo e me sentia confusa e suja.

Quando Somaly tinha quinze anos, o avô disse que eles iam viajar para a capital, Phnom Penh, para visitar um parente. Todavia, ela foi enganada. A casa para onde o avô a levou não era de um parente, mas sim um bordel. Ele a havia vendido. De novo.

– Quando entendi em que tipo de lugar eu tinha ido parar, tentei impor o máximo de resistência que pude. Eu me negava a atender ‘clientes’. Como punição, fui espancada e estuprada pelo dono do bor-

del. Depois ele me trancou em um quartinho.

Somaly sonhava o tempo todo em fugir e, certa vez, ela conseguiu. Entretanto, eles a encontraram e, como puni-ção, ela foi amarrada e abusa-da por vários homens durante mais de uma semana.

– Eles conseguiram me domar. Eu tinha perdido, diz Somaly.

Resgata a primeira menina Somaly tentava simplesmente sobreviver. Mas então ocorreu algo que mudaria sua vida.

– Um dia chegou uma meni-na nova. Ela tinha só dez anos. Ela tinha pele escura e era muito magra. Era como se fosse eu mesma que tivesse entrado por aquela porta. Eu sabia que essa menina seria

arruinada como eu havia sido. Mas ela ainda

podia ter uma boa vida. Logo lhe dei

o dinheiro que eu tinha. Os

donos e

os vigias não estavam lá, e consegui deixá-la sair. Ela estava livre.

– Eles ficaram loucos de rai-va e me bateram por muitas horas. Depois me trancaram em uma gaiolinha apertada para mostrar às outras o que acontecia com quem era deso-bediente.

Os anos se passaram. Somaly havia sofrido tantos maus tratos que não tinha mais autoconfiança e nem coragem de fugir.

No final, os donos do bor-del confiavam tanto nela que a deixavam sair com seus clientes. Ela sempre voltava com o dinheiro. Um cliente americano rico queria se casar com ela, mas ela não aceitou. Ela temia que ele a vendesse nos EUA. Antes de viajar de volta para casa, o homem deu 3.000 dólares à Somaly, para que ela pudesse começar uma nova vida. Somaly podia comprar uma casa e ainda abrir um peque-no negócio.

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– Se uma de nós precisa de ajuda ou deseja fazer algo, como ir à um piquenique, nós escrevemos uma carta e colocamos na caixa secreta. Somente Somaly tem a chave da caixa. Ela lê todas as cartas. Somaly entende como nos sentimos e o que precisamos, porque ela já passou pelas mesmas experiências que nós. Eu escrevi uma carta perguntando se minha irmã mais nova pode vir morar aqui conosco. Tenho medo que minha mãe a venda. Somaly prometeu que ela poderá vir aqui, estou muito agradecida, conta Sry Pov.

• Visitam os bordéis para ajudar as meninas que são obrigadas a trabalhar lá e para procurar meninas meno-res de 18 anos que foram vendidas como escravas.

• Fazem incursões conjuntas com a polícia para libertar as meninas menores de 18 anos identifi cadas.

• Ajudam as meninas a denunciarem aqueles que as ven-deram, compraram e abusaram delas. Também cuidam para que as meninas tenham advogados em casos de processos judiciais.

• Proporcionam às meninas resgatadas um lar, alimenta-ção, tratamento de saúde, ajuda psicológica, chance de frequentar a escola fundamental e de, mais tarde, obter uma educação profi ssionalizante como estilistas ou cabeleireiras.

• Ajudam as meninas a voltarem para suas famílias, quando possível.

• Ajudam as meninas a começarem uma nova vida, oferecendo educação profi ssionalizante. Eles também fornecem os equipamentos que as meninas precisam. A AFESIP visita cada menina durante pelo menos três anos para verifi car se tudo vai bem.

• Disponibiliza um telefone de auxílio para onde as meninas podem ligar 24 horas por dia.

A caixa secreta de Somaly

Como a organização de Somaly atua:

A chave para o sonho das meninas …

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– Mas eu sabia que as outras meninas do bordel sofriam exatamente como eu. Desde que ajudei a primeira garotinha a fugir, meu sonho era libertar as outras tam-bém. Portanto, dei o dinheiro ao dono do bordel e ele con-cordou em libertar todas as dez meninas! Foi uma sensa-ção incrível ver as meninas como pessoas livres!

A primeira incursão Somaly conheceu um agente humanitário francês chama-do Pierre. Ele a encorajou a começar uma nova vida. Ele disse que ela conseguiria. Eles se casaram, e depois de oito anos Somaly fi nalmente esta-va livre. Entretanto, todas as noites, ela via imagens de meninas expostas a abusos terríveis. O sonho de Somaly era salvar todas as meninas da escravidão.

– Conversei com Pierre sobre meus sonhos e nós deci-dimos fundar a organização AFESIP (em francês: Agir pour les Femmes en Situation Précaire – em português: Ação pelas Mulheres em Situação Vulnerável).

Somaly passou a visitar os bordéis em Phnom Penh. Ela ensinava às meninas sobre os cuidados com a saúde e como

se proteger contra a AIDS. Ela levava as meninas doentes para o hospital. Os donos dos bordéis queriam garotas sau-dáveis, e deixavam Somaly fazer visitas frequentes. O que eles não sabiam, era que ela sempre procurava por meni-nas menores de dezoito anos e que haviam sido vendidas como escravas. Logo a AFESIP fez sua primeira incursão conjunta com a polí-cia para salvar uma das meni-nas que Somaly havia desco-berto. Era uma garotinha de quatorze anos chamada Srey, que era mantida drogada. Somaly e Pierre cuidaram de Srey em sua casa. Com o tem-po, vieram mais e mais meni-nas morar com eles. Todo o dinheiro que tinham foi usa-do. Após um ano, em 1997, Somaly fi nalmente conseguiu ajuda e teve a oportunidade de abrir um pequeno centro onde podia cuidar das meni-nas que eram resgatadas.

Vale a pena morrer por essa causaOnze anos se passaram desde a fundação, e mais de 3.000 meninas foram salvas da escravidão e conquistaram uma vida melhor graças ao trabalho duro de Somaly e da AFESIP.

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Hoje, eles têm três lares seguros onde vivem 150 meninas resgatadas. Entretanto, Somaly tem mui-tos inimigos e vive sob cons-tante ameaça de morte. Ela recebe telefonemas ameaça-dores no meio da noite, car-ros a seguem e os lares para as meninas resgatadas da AFESIP sofrem ameaças de bombas. Alguém incendiou sua casa, e Somaly tem que andar sempre acompanhada de guarda-costas.

– É triste que o tráfico de escravas renda mais dinheiro que o tráfico de drogas. Os donos de bordéis, a máfia, certos policiais, juízes e polí-

ticos que ocupam altos car-gos ganham muito dinheiro com o tráfico de meninas. Por isso, é difícil e perigoso tentar acabar com isso.

Certas pessoas acreditam que pelo menos 20 mil meni-nas menores de dezoito anos sejam mantidas como escra-vas no Camboja. Somaly não irá interromper sua luta pelos direitos delas.

– Eu quase desisti quando minha filha, Champa, foi sequestrada e vendida para um bordel. Porém, ela me dis-se com tranquilidade que eu deveria continuar. Champa disse que tinha a mim, e que ficaria bem apesar de tudo.

Mas ela não sabia o que seria das outras meninas se eu desistisse. As palavras dela me deram força para seguir adiante. As meninas me cha-mam de mãe e eu realmente sinto como se elas fossem minhas filhas. Eu as amo. As garotas e eu passamos por experiências semelhantes, portanto eu sei do que elas precisam. Segurança, carinho e amor. Como eu poderia desapontá-las ou abandoná-las? Sei que posso ser assassi-nada a qualquer momento, mas lutar para que as meni-nas possam ter um bom futu-ro é uma causa pela qual vale à pena morrer.

Medo do Escuro – Eu detesto ficar sozinha no escu-ro. É quando todas as terríveis lem-branças retornam. Eu amo estar ao ar livre e brincar com as meninas nos campos de arroz. Me sinto viva novamente quando jogamos fute-bol, pescamos e capturamos caranguejos juntas, diz Somaly.

– A única coisa que realmente me deixa feliz é quando eu vejo as meninas brincando e rindo novamente. Isso me deixa alegre também, conta Somaly

As meninas saem para capturar caranguejos.

Juntas As meninas nunca saem sozinhas. Elas cuidam umas das outras para assegurar que nada vai acontecer.

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Srey Povpreço. Mesmo que eles me matassem. Eu corri direto até trombar com um casal, que perguntou o que houve. Eles deixaram eu subir depressa em sua motocicleta. Eu tinha muito medo de ser vendida novamente. Porém, o casal trabalhava para a AFESIP e estava em sua ronda noturna usual no parque.

– Quando chegamos à AFESIP, todos foram muito gentis comigo. Somaly me abraçou e disse que tudo fica-ria bem. Eu sentia que ela entendia exatamente o que eu tinha passado. Um médico me examinou e depois me encontrei com um psicólogo. Foi uma sensação muito boa poder falar sobre todas as coisas terríveis que haviam acontecido.

Somaly perguntou se Srey Pov não tinha vontade de se mudar para sua casa na zona rural e frequentar uma escola.

– Fiquei extasiada. O dia em que entrei na sala de aula foi o mais feliz de minha vida. Nós, meninas, somos como uma família e cuidamos umas das outras.

Srey Pov quer lutar pelos direitos das meninas no futuro.

– Para que essa situação mude, os rapazes têm que mudar e precisam começar a ver as meninas de outra for-ma. Eles têm que entender que temos o mesmo valor e devemos ser tratadas com respeito!

– Meu primeiro dia na escola foi o mais feliz da minha vida, disse Srey Pov.

foi vendida como escravaAos sete anos de idade, Srey Pov foi vendida como escrava para um bordel por sua própria mãe. Foi o início de um longo pesadelo.

– Acho que eu teria mor-rido se Somaly não tivesse me ajudado. Ela salvou minha vida e eu a amo por isso. Somaly é minha nova mãe, diz Srey Pov.

Minha mãe tentou cui-dar de mim e de meus cinco irmãos. Eu

tinha que ajudar bastante. Eu cozinhava, lavava a louça, cuidava dos irmãos meno-res, fazia de tudo um pouco. Eu trabalhava nos campos de arroz dos vizinhos. Às vezes comíamos uma vez por dia, às vezes não comía-mos nada, lembra Srey Pov.

Um dia, quando ela tinha sete anos, uma mulher e um homem vieram visitar. O casal disse que podia ajudar a família, empregando Srey Pov como trabalhadora doméstica na casa de um parente deles na capital, Phnom Penh.

Na cidade, assim que entraram em casa, o homem e a mulher mudaram com-pletamente.

– Eles me jogaram em um quartinho e trancaram a porta. Eu fiquei com medo e comecei a chorar. Eu não entendi nada e gritei: ‘Por que vocês me trancaram?’ Então eles disseram: ‘Pare de gritar! Se você não se calar, vamos te matar!’

Os dias se passaram e Srey Pov não foi libertada. Davam- lhe água, mas nada para comer. Depois de uma sema-na, o homem veio até ela e disse: ‘Cuide de um cliente’.

– Eu disse que não sabia o que aquilo significava. O

homem ficou furioso e man-dou quatro homens entra-rem no quarto. Eles rasga-ram minhas roupas e me bateram com cinto e fios elé-tricos por todo o corpo. Depois eles me fizeram um mal terrível. Na época eu não sabia o que era aquilo. Agora sei que eles me estu-praram. Logo senti como se minhas emoções tivessem sido destruídas de alguma forma. Eu pensei que estava morta.

Uma noite, quando tinha onze anos e já havia sido escrava em diferentes bor-déis há mais de quatro anos, ela tomou uma decisão.

– Eu ia fugir a qualquer

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