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Sergio Navega

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CONTEDO

Captulo 1 - Introduo ...................................................................................... 1 Uma Nota Importante........................................................2 Argumentar Saber Falar Bem?.........................................2 Por Que Argumentar Importante? ...................................2 Discordar Nem Sempre Ruim...........................................3 Discordncia e Eficcia Colaborativa ..................................5 Um Argumento Ruim e Um Bom .........................................7 Introduzindo as "Falcias".................................................8 O Contedo Deste Volume .................................................9 Captulo 2 Conceitos Fundamentais............................................................ 11 Um Argumento Correto, Mas Estranho..............................13 O Formato Padro............................................................14 Criticando Um Argumento ................................................15 O Princpio da Caridade....................................................16 O Encargo da Prova .........................................................18 Captulo 3 Quatro Caractersticas dos Bons Argumentos ......................... 19 Um Argumento Mais Complexo ........................................19 Os Quatro Critrios ..........................................................23 Critrio: Aceitabilidade ....................................................23 Critrio: Relevncia .........................................................25 Critrio: Suficincia .........................................................26

Critrio: Refutabilidade....................................................26 Analisando Argumentos ...................................................27 Captulo 4 As Falcias Mais Comuns .......................................................... 29 Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia: Falcia:

Ad Hominem ...................................................29 Clamando Pela Questo ..............................30 Apelo Ignorncia .......................................32 Tu Quoque ......................................................33 Apelo Autoridade .......................................33 Apelo Tradio ...........................................34 Apelo ao Pblico............................................35 Espantalho ......................................................36 Questo Complexa ........................................36 Descida Escorregadia...................................37 Falso Dilema...................................................38 Afirmando o Consequente ..........................39 Negando o Antecedente ..............................41

Outras Falcias................................................................43 Concluses ......................................................................45 Captulo 5 Estudos de Casos ....................................................................... 46 Desculpas Esfarrapadas ...................................................46 Errando o Alvo.................................................................47 Divertida Sequncia de "Ad Hominems" ...........................48 Auto-Defesa Falaciosa .....................................................50 Comentrios Estranhos de Um Alto Magistrado ................51

Um Campeo das Falcias................................................53 Atacando Retricas Vagas................................................55 Voc Acredita Nestas Garantias?......................................58 Analisando a Coerncia do Discurso .................................59 Captulo 6 Criando Argumentos Slidos..................................................... 63 Analisando as Premissas..................................................63 Analisando Argumentos ...................................................64 Melhorando Seus Argumentos..........................................64 Argumentao em Marketing e Vendas ............................65 Argumentando na rea Acadmica...................................70 Planejando Sua Argumentao ........................................71 Captulo 7 Argumentao e Emoo ........................................................... 73 Quando a Emoo Atrapalha o Julgamento .......................76 Ciladas dos Argumentadores Profissionais .......................77 Concluso........................................................................78 Links ................................................................................................................. 80 Referncias....................................................................................................... 82

Captulo 1 - IntroduoBem-vindo ao "Elaborando Argumentos Slidos", um texto projetado especialmente para tornar suas argumentaes mais fortes e resistentes a ataques. Durante os prximos captulos vamos observar os principais aspectos da boa e eficiente argumentao. Vamos investigar como construir argumentos slidos e tambm como detectar os maus argumentos. Mas antes de comear, importante perguntar qual a utilidade de argumentar bem. Nos dias de hoje, vivemos em um ambiente frentico e competitivo. Se voc est trabalhando em uma empresa ou se atua academicamente em Universidades, trocar idias algo que necessariamente faz parte da sua rotina diria. Argumentar bem um importante fator para o sucesso profissional e acadmico das pessoas. ProfissionalmentePara suportar suas idias e projetos com bons argumentos Para responder a ataques de terceiros Para justificar com solidez as decises tomadas Para negociar com clientes, chefes, fornecedores, etc.

AcademicamentePara participar de debates cientficos com confiana Para escrever papers, teses e artigos convincentes Para responder a crticas com contra-argumentos eficazes Para identificar falhas nas propostas de colegas

Nos prximos captulos vamos ver as diversas tcnicas com as quais podemos atingir esses objetivos. Entretanto, mais do que apenas ver tcnicas, vamos procurar realar a essncia da boa argumentao, para que voc seja capaz de criar as suas prprias estratgias. Argumentao muitas vezes algo que requer treinamento, elaborao e pensamento. Por isso ser necessrio dedicar um certo esforo para aprender os principais conceitos e tcnicas.

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SLIDOS

Uma Nota ImportantePreciso fazer algumas observaes acerca do uso que fao de citaes. Grande parte das frases e sentenas que iremos analisar neste texto so reais, pois foram extradas de revistas e jornais publicados no Brasil e nos EUA. O critrio de escolha de todas essas declaraes foi puramente didtico. Um outro aspecto importante a anlise que fao de certas declaraes: a crtica ser, muitas vezes, impiedosa e implacvel. Gostaria de deixar claro desde j que no tenho nada contra os autores dessas declaraes, pois a finalidade desses ataques tambm puramente didtica. Minha nica inteno apresentar casos de argumentao que ilustrem bem os tpicos que vamos tratar e de que forma podemos pensar para encontrar os seus pontos falhos. Alis, essa uma importante mensagem que iremos rever durante todo este texto: criticar uma idia de uma pessoa no a mesma coisa que criticar a prpria pessoa. Em nenhum momento iremos criticar as pessoas, somente as suas idias. Falaremos mais sobre este aspecto quando virmos a falcia "Ad Hominem".

Argumentar Saber Falar Bem?Algumas pessoas confundem argumentao com oratria. Na verdade, essas so habilidades diferentes. Uma pessoa pode ser excelente oradora, mas mesmo assim comunicar apenas idias fracas e sem suporte. Neste curso, no vamos estudar como falar em pblico, nem vamos ver como se postar perante uma platia ou como impostar a voz corretamente. Existem diversos cursos excelentes que tratam desses aspectos. Nosso enfoque aqui ser estudar o que falar e de que maneira podemos montar nossa comunicao falada ou escrita para que se consiga convencer as pessoas atravs do bom-senso. Convencer pessoas atravs de argumentos uma forma mais honesta e perene de apresentar idias e conceitos do que usar apenas truques de retrica.

Por Que Argumentar Importante?J dissemos que argumentar importante. Mas, como veremos nos prximos captulos, somente afirmar alguma coisa no a torna necessariamente verdadeira. Por isso, repito a pergunta: Por que ser que argumentar to importante assim? Ser que no daria para viver bem sem se preocupar em "argumentar de forma slida"? Vamos ver algumas boas razes para justificar isso. O primeiro ponto este: ningum o "dono da verdade". Todo mundo pode estar errado, e muitas vezes somos obrigados a rever nossa prpria posio sobre determinado assunto, face ao que exposto por ou-

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tras pessoas. Mas alm disso, preciso fazer uma observao de ordem "semntica". Algumas pessoas encaram a palavra "argumentar" como sinnimo de "discutir" ou "criar caso" ou at mesmo brigar. Se fosse esse o sentido com que usamos essa palavra, este no seria um curso de argumentao, seria de jiu-jitsu. bvio que no esse o sentido que quero propor aqui. Para ns, argumentar deve ser entendido como uma atitude de expressar pontos de vista bem suportados. Do jeito que esses dois a ao lado esto, no d mais para falar em argumentao. Eles esto discutindo, esto brigando de uma forma emocional. Durante uma argumentao devemos, tanto quanto possvel, evitar chegar a esse ponto, onde j no importam mais as idias, mas somente o ataque outra pessoa. por essa razo que vrias vezes durante os prximos captulos vou falar - assim como j falei mais acima - que argumentar no tem nada a ver com ataques pessoais, e sim com ataques s idias das pessoas. Volto a repetir a pergunta que est ocupando nossa mente agora: por que fazer isso? Por que devemos criticar as idias de algum? Afinal, uma troca de argumentaes entre pessoas indica, muitas vezes, que elas esto discordando sobre alguma coisa. Este o tema que gostaria de analisar: Ser que discordar sempre ruim?

Discordar Nem Sempre Ruim comum acharmos que discordncia uma coisa indesejvel. Nas empresas, em especial, o que se quer sempre o consenso total entre os funcionrios. Qualquer discordncia logo vista como um ponto de atrito que precisa ser rapidamente resolvido. Muitos dirigentes, se pudessem, eliminariam todas as discordncias. Nas escolas e universidades isto tambm parece ser uma fonte de preocupao, j que certas discordncias entre colegas podem evoluir para condenveis atos de

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agresso fsica. Por isso, quase faz parte do senso comum de todos ns a idia de que se o mundo no tivesse discordncias, tudo seria muito melhor. Ser que seria mesmo? Vou mudar um pouquinho a questo. Ser que bom no haver nenhuma discordncia? quase a mesma questo. No entanto, uma resposta a essa questo pode ser surpreendentemente reveladora. As pessoas tm pontos de vista diferentes e isto ocorre naturalmente, pois as pessoas, alm de terem experincias e emoes peculiares, tambm pensam de forma diferente. Ainda bem, pois isto fundamental para o florescimento de uma diversidade de idias, que por sua vez o indispensvel combustvel da criatividade. Portanto, discordncia ocasional entre pessoas algo que parece ser inevitvel, simplesmente acontece. S que a tese que vou defender aqui ainda mais estranha:

Eu vou alegar algo forte. Vou dizer que a discordncia no s inevitvel, mas em certos casos, at mesmo desejvel.

Obviamente, como vimos com os briges acima, no estou falando de qualquer tipo de discordncia, falo de uma discordncia especial, aquela onde uma pessoa se esforce para criticar a idia de outra pessoa, e no a prpria pessoa. Eu vou chamar isso de "discordncia respeitosa". Agora refao a minha tese: Discordncia Respeitosa algo desejvel. Mas isso ainda no o fim da questo. Eu posso repetir essa minha tese quantas vezes quiser. Posso dizer isso usando um megafone, falar na televiso ou escrever isso em um artigo de jornal.

Nenhuma Forma de Manifestar Essa Alegao Deveria Aumentar a Sua Credibilidade

Afinal, alegar algo uma coisa muito fcil, difcil mesmo suportar essa alegao com justificativas plausveis e convincentes - ainda mais se uma alegao surpreendente como essa.

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Isto um dos pontos fundamentais da Argumentao Slida e do Pensamento Crtico: as idias no so sustentveis por si s, elas precisam de algum tipo de suporte. Ento, minha prxima tarefa precisa ser providenciar algum suporte para essa alegao que fiz. Se eu no conseguir fazer isso, ento a fora dessa minha frase ficar muito reduzida. Essa, alis, tambm parte importante do pensamento cientfico, onde as declaraes no tm muito peso se no vierem acompanhadas de alguma forma de sustentao (neste caso, terico ou emprico). Vou comear a justificar essa tese apresentando um estudo muito interessante.

Discordncia e Eficcia ColaborativaMuito do que se descobre atravs da cincia, vem tona atravs de estudos e pesquisas. O estudo que vamos ver foi mencionado em um press release da Brown University (veja os Links no final deste livreto):

O ttulo j diz tudo: Discordncia, no harmonia, a chave para o sucesso nos negcios. Parece interessante. Vamos ver mais de perto?

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O estudo foi conduzido pela Professora Brooke Harrington, da Brown University. Nesse estudo, a Profa. Harrington descobriu que grupos de pessoas muito amigveis entre si (membros de uma mesma famlia, por exemplo) no tm desempenho empresarial to bom quanto grupos de pessoas que se permitem respeitosamente discordar. claro, a chave aqui aquela famosa discordncia respeitosa. Mas o que o estudo revela, de forma emprica e replicvel, que a discordncia pode ser um fator de melhoria no desempenho global de uma equipe, principalmente quando os debates so conduzidos com adequada racionalidade e respeito. Os grupos de pessoas muito prximas, que evitam discordar e trocar argumentos entre si, obtiveram desempenho inferior no experimento da Profa. Harrington. Isto pode ser um duro golpe nas empresas cuja administrao constituda essencialmente por membros de uma mesma famlia. As descobertas ilustram porque negcios familiares frequentemente encontram problemas; pessoas podem ficar relutantes em contradizer um membro de sua famlia Prof. Brooke Harrington Este fator tambm serve para a comunicao cientfica e acadmica. A cincia frequentemente progride justamente quando h o embate de idias. Se sempre houvesse consenso, provavelmente as fronteiras cientficas seriam menos desafiadas. Essas fronteiras costumam ser atacadas justamente quando cientistas (muitas vezes jovens) discordam de seus mestres, pois suspeitam que as teorias antigas precisam ser reformadas. Inicia-se uma "batalha de palavras" onde cada lado procura arregimentar melhor suporte (como j dito, terico ou emprico) para sustentar seu caso. Do resultado desse batalha comum obter-se uma nova viso do problema, quase sempre muito mais refinada do que a anterior. Por isso, neste caso a boa argumentao um essencial fator de progresso e gerao de conhecimento. Como vimos, argumentar bem uma caracterstica que favorece o sucesso, tanto profissional quanto acadmico. Equipes que sabem argumentar bem tm desempenho profissional superior. Cientistas que lidam bem com os argumentos de seus colegas conseguem evoluir os seus prprios pensamentos (e tambm o de seus colegas). S isto j valeria como motivo suficiente para aprender a argumentar. Mas ainda no sabemos exatamente o que um argumento. Esse ser o primeiro tpico que esclareceremos no prximo captulo. Mas s para dar uma pequena amostra, veja a seguir um exemplo de um bom e um mau argumento.

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Um Argumento Ruim e Um BomO ex-secretrio do tesouro americano, Paul O'Neill, conhecido por provocar polmicas com suas declaraes. Veja esta:

Este no um bom argumento. Na realidade, isto nem um argumento. No h nada nessa declarao que nos faa acreditar naquilo que est sendo proposto. uma retrica que sugere algo mas no mostra fundamentos. Parece apoiar-se apenas no peso de quem est falando. Conforme veremos em futuros captulos, isto no suficiente. Alm de tudo isso, essa declarao j foi empiricamente contradita, pois vimos h poucos anos uma gigantesca crise abalar a Argentina sem que o Brasil tivesse sofrido efeito similar. Mas se esse um exemplo de mau argumento, ser possvel encontrar um exemplo de bom argumento? raro, mas bons argumentos aparecem de vez em quando:

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Renata Cabo foi uma das primeiras mulheres a integrar a Justia Desportiva brasileira. claro que os machistas de planto no iriam perder essa oportunidade de alfinet-la. Afinal, para eles, mulher no sabe jogar futebol, e portanto no poderia julgar disputas desportivas adequadamente. Mas a crtica dirigida a Renata cai no vazio, j que ela se defendeu muito bem com esse bom argumento. Voc consegue perceber alguns detalhes nesses dois exemplos, diferenciando o bom argumento do ruim? H algumas qualidades especiais nos bons argumentos, e a partir do prximo captulo vamos v-las mais de perto.

Introduzindo as "Falcias"Falcia um termo que veremos com muita frequncia neste livreto. Por isso, vale a pena apresentar um exemplo para ajudar a compreender o conceito. Falcias so argumentos que incorrem em algum tipo de erro, em geral bvio aos olhos dos entendidos no assunto. Espero que, ao terminar a leitura deste texto, voc possa fazer parte dessa categoria de pessoas. Veja a seguir um exemplo tpico de falcia. Suponha que voc seja o feliz proprietrio de uma grande Indstria Qumica. Tudo vai bem at que um dia voc recebe a visita de um fiscal do meio ambiente, que acusa a sua indstria de estar poluindo o rio que corre prximo a sua empresa.

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Voc sabe que isto no verdade, pois toma todas as precaues possveis para evitar isso. Ento voc pergunta ao fiscal quais so as razes que ele tm para suspeitar que a indstria esteja poluindo o rio. Quando se perguntam quais as razes, est-se querendo uma argumentao. O fiscal, ento, diz isto: "Se a sua indstria estivesse poluindo o rio, veramos um aumento no nmero de peixes mortos. Como estou vendo um aumento no nmero de peixes mortos, devo concluir que a sua indstria est poluindo o rio" Ser que este argumento slido o suficiente para que o fiscal possa mult-lo? Que tipo de problemas tem este argumento? Ns vamos tratar deste e de muitos outros argumentos incorretos, mostrando porque esto errados e como poderiam ser construdos de forma correta. A resposta ao problema deste argumento ser vista quando tratarmos da falcia Afirmando o Consequente, que veremos em detalhes no captulo 4. Mas por ora, vamos terminando o nosso captulo 1.

O Contedo Deste VolumeEste volume procura introduzir o material terico quase sempre em conjunto com alguns exemplos prticos. Depois dos primeiros captulos mais tericos, vamos ver uma srie de exemplos prticos significativos, com os quais poderemos treinar nossos conhecimentos. A seguir temos os demais captulos deste curso, junto com uma breve descrio.

Conceitos FundamentaisNeste captulo veremos uma definio do que

Captulo argumento. Vamos saber o que o Formato Pa-

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dro, o que fazer para criticar um argumento, o Princpio da Caridade e o Encargo da Prova. S com estas noes j possvel melhorar muito seus argumentos.

Quatro Caractersticas dos Bons ArgumentosComeamos este captulo com a anlise de um argumento mais complexo. Depois, vamos ver Captulo quais so os quatro critrios mais importantes para construir argumentos slidos: a Aceitabilidade, a Relevncia, a Suficincia e a Refutabilidade. Com o uso desses princpios, seus argumentos estaro prontos para enfrentar toda sorte de crticas.

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As Falcias Mais ComunsNeste captulo veremos diversas formas falaciosas, tipicamente usadas em argumentos faCaptulo lhos. Veremos Ad Hominem, Clamando pela Questo, Apelo Ignorncia, Apelo Autoridade, Tradio, ao Pblico, Espantalho e vrias outras. Tambm vamos ver um pouco sobre a lgica dos argumentos, estudando os tipos de raciocnio Modus Ponens e Modus Tollens.

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Estudos de CasosNeste importante captulo vamos examinar v-

Captulo rias declaraes reais de polticos, escritores,

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artistas e autoridades. Vamos colocar essas declaraes sob nosso microscpio crtico e efetuar uma detida anlise dos "pecados" argumentativos que cometem.

Criando Argumentos SlidosNeste captulo, veremos uma srie de recomen-

Captulo daes para criar argumentos prova de crti-

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ca. Tambm veremos um excelente exemplo de aplicao de boa argumentao em um anncio de catlogo americano. Terminaremos com o estudo da argumentao acadmica.

Argumentao e EmooSomos seres emocionais e racionais. No possvel descuidar desse aspecto emocional, mesCaptulo mo durante um debate racional. Neste captulo, vamos observar as vrias caractersticas emocionais que podem transparecer durante um debate ou elaborao de textos argumentativos.

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Veremos neste texto que argumentao um dos principais requisitos para manter e desenvolver uma independncia intelectual, principalmente no mundo de hoje, cheio de alegaes muitas vezes confusas e enganosas. O sucesso profissional e acadmico das pessoas passa necessariamente por um adequado entendimento dos conceitos e noes que exploraremos a partir do prximo captulo.

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Captulo 2 Conceitos FundamentaisDurante nossa vida cotidiana estamos em constante comunicao. Ns descrevemos situaes, perguntamos, damos opinies, contamos histrias e explicamos coisas. Mas existe um tipo de comunicao que especial e se diferencia de todas essas formas. a argumentao. Argumentar especial porque nesse tipo de comunicao ns precisamos fazer a defesa de uma proposio.

No argumento, no basta simplesmente apresentar uma proposio (declararao), preciso tambm fornecer algumas razes plausveis para que os outros acreditem naquilo que estamos alegando. Um argumento s completo se propuser e justificar alguma coisa. Por isso, argumentar no simplesmente apresentar uma concluso como fez o ex-secretrio do Tesouro americano, no captulo passado. preciso dizer por que essa concluso verdadeira, por que algum precisaria acreditar nela. Por isso, quando damos uma opinio sobre um assunto qualquer, ainda no estamos oferecendo um argumento. Estamos somente oferecendo uma alegao. Por essa razo, para transformar uma opinio ou declarao qualquer em um argumento basta perguntar "Por que?". A resposta ideal deveria providenciar razes para aceitarmos a concluso. Se isso for feito corretamente, ento teremos um argumento completo. Mas a coisa um pouco mais complicada do que isso, pois existem estruturas parecidas com essas que ainda no so argumentos. Vamos ver um exemplo. Se um dia chegarmos atrasados ao trabalho, podemos tentar montar um argumento atravs de uma estrutura como esta:

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No Um Argumento!Premissa --- Premissa --- Concluso --- Meu despertador no funcionou Meu carro no deu a partida Portanto, cheguei atrasado no trabalho

Pode parecer estranho, mas isto no um argumento. Isto , na verdade, apenas uma explicao. Mas ento se isso no argumentao, o que argumentar? Como j dito, argumentar suportar alegaes com razes plausveis. Argumentar dar razes suficientes para que outros possam acreditar naquilo que estamos oferecendo como concluso. Para fazer isso, precisamos declarar uma srie de proposies que tenham o poder de nos conduzir forosamente em direo concluso. Essas proposies, as chamadas premissas, devem de alguma maneira sustentar aquilo que estamos concluindo, fornecendo para ns motivos para que se possa acreditar nela.

Mas no exemplo anterior, ser que no foi isto o que fizemos? Na verdade, no. No exemplo anterior, estvamos partindo da concluso e indo em direo s premissas. No estamos obtendo a concluso a partir das premissas, estamos obtendo as premissas a partir da concluso. Este o sentido oposto ao de um argumento. Observe que a concluso da estrutura que apresentamos como exemplo , na verdade, um fato. No precisamos das premissas para verificar que a concluso verdadeira, basta, por exemplo, olhar para o relgio no momento em que voc chegou na empresa. um fato indisputvel (a no ser que se coloque em dvida o relgio...). Outra forma de ver que isto no um argumento, pensar que, mesmo que o seu despertador no tenha funcionado e mesmo que seu carro no tenha dado a partida, ainda assim voc poderia ter chegado ao

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trabalho no horrio, pois poderia, por exemplo, ter ido de metr ou de txi. Portanto, possvel que as premissas sejam verdadeiras embora a concluso seja falsa. Em um argumento slido, isto no pode acontecer. Tudo isso pode parecer um pouco estranho, mas faz parte das noes essenciais que definem o que um argumento. Nosso prximo tpico tambm vai ser um pouco estranho, mas igualmente importante.

Um Argumento Correto, Mas EstranhoO argumento abaixo correto, mas no deixa de ser estranho. Suas premissas so bastante questionveis: Premissa --- Todos os bebedores de cerveja bebem leite Premissa --- Todos os bebedores de leite so poetas Concluso --- Portanto, todos os bebedores de cerveja so poetas Mesmo sendo um exemplo muito estranho, isto um argumento vlido. Mesmo que as premissas sejam falsas e mesmo que a concluso seja tambm falsa, ainda assim podemos ter um argumento vlido. Mas ento o que validade de um argumento? Um argumento vlido se a sua concluso decorre das premissas que usamos. Significa que se aceitarmos temporariamente as premissas que so oferecidas, somos obrigados a aceitar tambm a concluso. Dessa forma, possvel dizer que um argumento vlido mesmo que tudo nele seja falso. Esse argumento dito como sendo logicamente vlido. Estes conceitos podem parecer estranhos e acadmicos, mas durante uma discusso preciso separar os argumentos vlidos dos invlidos. Depois de feito isso, preciso analisar os argumentos vlidos para verificar se suas premissas tm certas qualidades necessrias. Essas qualidades vo ser vistas no prximo captulo. Por enquanto, vamos procurar focar nossa ateno nesse aspecto de validade. Observe que, se ns quisermos nos opor a esse argumento, no adianta nada criticar a sua concluso. Voc pode criticar a concluso quanto quiser, ela ainda ir decorrer das premissas (lembre-se, aceitamos as premissas!). Por isso, para criticar o argumento de forma eficaz, ns temos que criticar as suas premissas. A nica forma de combater um argumento logicamente vlido quando desacreditamos uma ou mais de suas premissas. No exemplo acima, fcil expressar esta dvida: Ser que todos os bebedores de leite so poetas?

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Ao manifestarmos nossa desconfiana dessa premissa, estaremos sinalizando ao nosso oponente no debate que queremos um esforo dele para justificar porque essa premissa razovel. Se ele no conseguir justificar isso, ento estaremos certos em no aceitar o argumento. Argumentos que possuem validade lgica e cujas premissas sejam aceitveis so chamados de argumentos ntegros. Mas at agora ainda no vimos nenhum argumento ntegro. Est na hora de observarmos um: Premissa --- Premissa --- Concluso --- Todos os professores tm mos Todas as mos tem dedos Portanto, todos os professores tm dedos

Este argumento tem premissas aceitveis e tambm logicamente vlido. , portanto, um argumento ntegro. Mas isso meio bvio, no ? Esse no bem o tipo de argumento que ns enfrentamos diariamente. Daqui a pouco ns vamos ver alguns argumentos mais complexos, que representam melhor aqueles que encontramos no dia-a-dia. Mas antes disso, ainda precisamos definir mais algumas coisas.

O Formato PadroArgumentos raramente vm no formato que vimos at agora. Em geral, eles vm dentro de sentenas e frases cheias de detalhes lingusticos, em geral irrelevantes idia central. Argumentos linguisticamente rebuscados so uma primeira indicao de que se est procurando reforar os aspectos retricos da comunicao, em vez da clareza e objetividade. Para melhorar nossa anlise de argumentos, frequentemente til transformar as sentenas originais em um formato mais padronizado, que nos permita ver com maior clareza o que est sendo proposto. A essa estrutura damos o nome de Formato Padro.

Formato Padro

J que {premissa}, {premissa}, ... {premissa} Ento {concluso}

Para colocar uma sentena qualquer nesse formato, sugiro comear localizando a concluso. Aps extrair a concluso do texto, basta localizar cada uma das premissas que sustentam essa concluso. Vamos ver um exemplo prtico.

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Exemplo

Infelizmente, no podemos aceitar a cdula de votao do Sr. Etevaldo. O Sr. Etevaldo um aliengena que entrou neste pas ilegalmente e de acordo com nossas leis isto torna o seu voto invlido

O nosso primeiro passo ser localizar a concluso. A concluso, neste caso, foi citada logo no comeo: "...no podemos aceitar a cdula de votao do Sr. Etevaldo". Esta j uma diferena importante em relao ao formato padro, pois a concluso veio antes de qualquer outra coisa. Agora vamos localizar as premissas. Esta uma das premissas: "O Sr. Etevaldo um aliengena que entrou ilegalmente no pas". Esta a outra premissa: "de acordo com nossas leis, o voto de aliengenas ilegais invlido". Aps termos identificado as premissas e a concluso, agora basta escrever o argumento no formato padro. Premissa --- Premissa --- Concluso --- Aliengenas ilegais no podem votar O Sr. Etevaldo um aliengena ilegal Portanto, o Sr. Etevaldo no pode votar

Criticando Um ArgumentoAgora, vamos nos colocar na pele do Sr. Etevaldo s por alguns instantes. De que forma poderamos combater esse argumento? Vamos comear observando novamente que de nada adianta criticar a concluso. Temos que nos concentrar nas premissas. Por isso, o formato padro til, pois ele nos auxilia a extrair do texto aquilo que premissa e aquilo que concluso e assim fica fcil evitar criticar a concluso. Uma forma de criticar a primeira premissa seria tentar buscar a lei ou o decreto que determina que aliengenas ilegais no podem votar. Se essa lei no existir ou se tiver sido revogada, ento o argumento inteiro invlido. Para criticar a segunda premissa, pode-se apresentar evidncias que atestem que o Sr. Etevaldo no um aliengena, mas apenas um cantor de rock punk com um cabelo muito estranho. Ou ento, que o Sr. Etevaldo realmente aliengena, mas devidamente registrado e legalizado, tendo passado por todas as condies para ser aceito dentro do pas. Fica bvia a grande vantagem da reconstruo em formato padro: todo o argumento ganha clareza e permite que ns nos concentremos em avaliar cada um dos suportes dados concluso. Basta encontrar

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um problema com uma das premissas para que todo o argumento fique comprometido. Na pior das hipteses, a crtica a uma premissa fora o oponente a buscar uma forma de justificar essa premissa, e assim o debate prossegue.

O Princpio da CaridadeComo vimos, fazemos a transformao de um argumento para o formato padro de maneira a deixar mais claras as premissas e a concluso. Mas essa transformao precisa ser feita de forma adequada, pois seno corremos o risco de alterar algum aspecto essencial do argumento original. Nosso principal objetivo aqui debater de forma justa, e isto requer que essa reconstruo seja feita a partir do respeito s idias centrais que as sentenas originais contm. O Princpio da Caridade uma ttica que procura concentrar um certo esforo nessa idia central do argumento. O nome desse princpio no l muito interessante, mas assim que conhecido na literatura que trata de argumentao. Esse princpio afirma que devemos reconstruir o argumento de nosso opositor tentando escrever as premissas da maneira mais forte possvel, ou seja, tentando capturar as principais preocupaes do opositor ao propor o argumento. O princpio tambm diz que devemos procurar colocar as premissas implcitas no argumento, ou seja, aquelas que no foram ditas mas, supe-se, esto subentendidas. Com isso, estaremos fazendo a "caridade" de declar-las da maneira mais justa, principalmente se bvio que era essa a inteno original do oponente. Isto faz parte de uma estratgia que conhecida como honestidade intelectual, lamentavelmente algo no to comum em debates pblicos. Essa nossa iniciativa ir mostrar ao oponente que ns estamos querendo prosseguir com a discusso da forma mais produtiva e imparcial possvel. Porm, o Princpio da Caridade no deve ir a extremos. Se existirem premissas importantes faltando no argumento original para torn-lo mais slido, no deve ser nossa preocupao fornec-las, e sim do oponente. Se fizssemos isso, estaramos construindo o nosso argumento, e no reconstruindo o do oponente. Um exemplo pode tornar esses conceitos mais claros.

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ELABORANDO

ARGUMENTOS

SLIDOS

Veja este caso (foto ao lado). Esta frase foi publicada na revista poca (1/Out/2001, pg. 28) ----- A atriz Tnia Alves talvez no tenha pensado muito quando declarou isso. Se alguma injustia foi cometida contra algum, ento bvio que essa pessoa no merece. Afinal, ningum merece uma injustia. isso, afinal, que est por trs do conceito de "injustia". Mas essa forma mais rgida de encarar a frase de Tnia pode ser pouco caridosa com a real inteno da atriz. Talvez ela quisesse ressaltar um tipo de injustia cometida contra aqueles que realmente no mereciam nada de ruim. Por exemplo, se um bandido preso por assaltar uma joalheria, ele pode receber uma pena injustamente grande (por exemplo, quase a mesma pena que receberia algum que cometeu um assassinato). Isso seria certamente uma injustia. Mas esse tipo de injustia diferente da priso humilhante de um pobre mendigo faminto, acusado de ter furtado algumas frutas em um mercado. Imputar uma pena elevada a esse trabalhador pode ser uma "injustia muito forte" contra algum j demasiadamente sofrido. Se escolhermos interpretar a frase de Tnia com esse sentido mais caridoso, estaremos provavelmente nos aproximando mais da inteno dela ao proferir a sentena. Mas qual a vantagem de se utilizar dessa interpretao mais caridosa? No estaramos ns enfraquecendo nossa posio se fizssemos isso durante um debate? Este um ponto importante, que muitos tericos da argumentao resolvem esquecer. Observe o que pode acontecer com essa postura, quando nos vemos dentro de um confronto verbal tenso. Essa nossa posio mais cordial poder gradativamente esvaziar a agressividade mtua que costuma ocorrer em debates intensos, talvez a ponto de transformar uma discusso ferrenha em um debate que se atenha critica das idias. Lembra-se da "discusso respeitosa" do primeiro captulo? Usar a interpretao caridosa dos argumentos oferecidos por nosso oponente ir demonstrar que estamos realmente interessados em uma discusso justa, sem a utilizao de "jogo sujo".

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ARGUMENTOS

SLIDOS

O Encargo da ProvaS falta mais um detalhe antes de vermos um exemplo mais complexo. o chamado Encargo da Prova. Como vimos, quem apresenta um argumento est, na verdade, apresentando uma alegao e uma srie de razes para acreditarmos nela. O Encargo da Prova um princpio que diz que quem prope a alegao tambm o responsvel por providenciar o seu suporte. Isso pode parecer meio bvio, mas existem diversos casos onde alguns argumentadores se esquecem desse pequeno detalhe. Veja este caso fictcio: Roberto: "A minha teoria diz que a Terra , na verdade, oca e que h uma complexa civilizao morando embaixo da crosta" Sandra: "Puxa, mas que teoria espantosa. No consigo acreditar. Que evidncias voc tem disso?" Roberto: "Ora, porque voc duvida de mim? Duvido que voc prove que essa civilizao de que falei no exista" O rapaz est confundindo as coisas. No quem duvida que tem que provar que a coisa no existe, quem prope que deve provar. Quando ns apresentamos um argumento a algum, somos ns os responsveis por providenciar boas premissas e evidncias aceitveis. No cabe a quem prope um argumento exigir do seu oponente as razes do porque o argumento seria falso. Se algum nos questionar acerca das premissas que usamos, no obrigao dessa pessoa dizer porque nossas premissas so ruins, mas sim nossa obrigao de defend-las.

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Captulo 3 Quatro Caractersticas dos Bons ArgumentosNeste captulo vamos ver quatro critrios bsicos que garantem a boa qualidade de um argumento. Mas antes de entrarmos nesse assunto, convm mostrar uma sequncia de argumentos de maior complexidade.

Um Argumento Mais ComplexoO exemplo que veremos a seguir ligeiramente mais complexo do que aqueles que vimos at agora. Neste exemplo, vamos ver como um argumento pode ser encadeado com outro, principalmente durante um debate. Observe este texto: "A venda controlada de armas, na qual o governo exige que os seus proprietrios a registrem, no ir prevenir que criminosos tenham acesso a essas armas, o que torna esse controle ineficaz na preveno de crimes cometidos com armas de fogo"

Exemplo

necessria certa reflexo para avaliar este argumento. Nosso primeiro passo ser transform-lo para o formato padro. Para isso, temos que localizar a concluso e as premissas A concluso deste argumento est misturada no texto: "O registro de armas ineficaz na preveno de crimes". E as premissas? Esta a hora de usarmos um pouco do princpio da caridade e explicitar as premissas que esto implcitas na inteno do argumentador. O argumentador certamente est considerando, para suportar sua concluso, que as armas precisariam ser registradas. Portanto, esta a primeira premissa implcita. Tambm est implcito, talvez de forma bvia, que a falta de registro das armas dificulta a preveno de crimes. Se qualquer pessoa puder comprar armas de fogo sem nenhum tipo de superviso, natural que se espere um aumento de casos envolvendo armas de fogo, mesmo que acidentais. Tudo isso faz parte, de alguma forma, da inteno do autor.

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ARGUMENTOS

SLIDOS

A terceira premissa aparece de forma bem clara no argumento: criminosos tm acesso a armas de fogo sem precisar registr-la. Agora o argumento est completo e a sua forma padro seria esta:

Para simular um debate sobre este argumento, precisamos tentar critic-lo. J vimos que de nada adianta simplesmente questionar a concluso. Precisamos verificar se as premissas usadas so suficientemente boas. Das premissas apresentadas, a P3 uma que poderia ser posta em dvida. Algum poderia simplesmente dizer "Como que os criminosos tero acesso a armas sem registro, se o governo forar o seu registro?". Como fazer para responder a esse ataque? Para sustentar a premissa que foi questionada, podemos apelar para evidncias que a suportem. Um relatrio confivel que mostre de forma clara que os criminosos tem acesso a armas no registradas seria evidncia suficiente. Mas h outra forma de tentar justificar essa premissa. atravs de um outro argumento. "Um mercado negro de armamentos opera livremente no pas e o governo impotente para controllo. Portanto, os criminosos podem ter acesso a armas sem registro"

Exemplo

Isto tambm um argumento, e portanto tambm tem premissas e concluses. uma boa idia tambm convertermos esse argumento para o formato padro. Aqui est esse argumento em formato padro:

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ARGUMENTOS

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Note que a concluso C2 exatamente a premissa P3 que queramos justificar. Fizemos isso atravs de novas premissas, as P4, P5 e P6 que so usadas para montar esse argumento. Ns acabamos de ver duas etapas que podem ser parte de um debate maior. Cada argumentador prope seus argumentos e responde a crticas do oponente. A defesa de suas premissas questionadas feita atravs de evidncias ou de novos argumentos. Este nosso novo argumento, por exemplo, poderia ter qualquer uma de suas premissas questionadas e assim o processo segue at que haja consenso em torno de premissas fundamentais, aceitas por todos.

Claro, este ponto s alcanado quando os debatedores conseguem percorrer juntos o caminho da argumentao slida. Assim, este nosso trecho de um debate mostra como sucessivos nveis so montados atravs da juno de argumentos, um suportando o outro. Cada premissa que questionada deve dar origem apresentao de fatos a seu favor ou ento atravs do uso de um argumento slido. Esse processo impulsiona a discusso para uma certa direo, que depende dos objetivos da discusso. Quando uma premissa questionada, isto fora o desenvolvimento de um argumento de suporte e a consequncia o crescimento do debate para baixo, ou seja, para o lado das premissas mais fundamentais:

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ARGUMENTOS

SLIDOS

Esse caso ocorre quando o argumento C1 j est com a concluso final do debate, e os debatedores esto tentando discutir a aceitao desse ltimo argumento. J uma concluso aceita faz o debate prosseguir para um nvel superior, onde a concluso anterior usada para suportar um outro argumento.

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ARGUMENTOS

SLIDOS

Essa discusso em direo a nveis superiores ocorre principalmente quando os debatedores no esto muito cientes at onde chegaro. Eles esto dialogando, debatendo em direo descoberta. Esto, portanto, pensando juntos. Ns vamos ver agora um dos pontos mais importantes deste texto. Vamos ver quais so os principais critrios que podemos usar para construir e avaliar os bons argumentos.

Os Quatro CritriosExiste uma infinidade de critrios para se avaliar argumentos. Alguns desses critrios podem at mesmo se deter em analisar aspectos da retrica, o carter formal da lgica empregada, o uso de raciocnio indutivo plausvel, etc. Mas nossa ateno aqui ir se concentrar na observao de apenas quatro critrios fundamentais. So eles:

a aceitabilidade, a relevncia, a suficincia e a refutabilidadeVeremos que com esses critrios possvel construir argumentos muito bons. Mas igualmente importante, vamos ganhar uma forma de avaliar os argumentos que ouvimos.

Critrio: AceitabilidadeTalvez este seja o principal critrio: aceitabilidade das premissas algo do qual no podemos fugir. Se propusermos um argumento, nossas premissas tm que ser aceitveis, pois se no a concluso no ficar garantida por elas. Veja que elas tm que ser aceitveis no apenas por quem prope, mas principalmente por quem ouve o argumento. Se o oponente no concordar que nossas premissas so aceitveis, ento todo o nosso argumento estar comprometido. Note que preciso distinguir entre aceitabilidade e veracidade. O ideal seria sempre utilizar premissas verdadeiras, mas isso, por incrvel que parea, nem sempre possvel. A rigor, "verdade" um conceito que s tem sentido em contextos matemticos ou filosficos. Na vida diria, ns lidamos com coisas razoveis, plausveis ou no mximo muito provveis. No temos certeza absoluta de nada (exceto da morte e dos impostos, como diria Mark Twain!). Mas em contextos matemticos possvel falar em verdade. Esta premissa, por exemplo, certamente verdadeira: "Quadrados so figuras geomtricas compostas de 4 lados iguais"

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ARGUMENTOS

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Na realidade, isto uma definio. Esse tipo de premissa conhecido pelos filsofos como sendo proposies analticas. So indiscutveis, so verdades que no podem ser criticadas (pelo menos como definies). Portanto, qualquer argumento que use esse tipo de proposio como premissa, tem a segurana de estar usando algo que no pode ser criticado. Mas, como falei, no so frequentes as situaes em que podemos usar proposies analticas. Veja este caso:

A proposio "Mas so vegetais vermelhos" tem tudo para ser aceitvel, mas no uma "verdade incontestvel". A maior parte das premissas de nossos argumentos dirios no so verdades analticas, so apenas aceitveis como a proposio acima. Essa premissa no pode ser dita como sendo verdadeira, apenas aceitvel ou inaceitvel, dependendo das circunstncias em que usada. Em certos casos, essa premissa pode ser inaceitvel, pois possvel falar, por exemplo, de mas verdes. Pior ainda: uma ma de cor intermediria poder ser considerada vermelha por alguns e verde por outros. aqui que reside um grande problema para a argumentao, pois nesse caso existem diferenas perceptuais entre os argumentadores, o que torna difcil reconciliar as possveis interpretaes. Mas problemas com a aceitabilidade das premissas tambm ocorrem mesmo quando as percepes so similares. O que muda neste caso a noo de importncia que cada argumentador d ao que foi proposto. S para exagerar, vamos ver um caso de argumento no qual uma das premissas claramente inaceitvel:

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ARGUMENTOS

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Falha em AceitabilidadePremissa --- Premissa --- Concluso --- Tudo o que comemos ou mata ou engorda Comer agrio no mata Portanto, comer agrio engorda

Note que este argumento logicamente vlido, ou seja, se aceitarmos as premissas, somos obrigados a aceitar a concluso. A concluso claramente decorre das premissas. Mas a primeira premissa inaceitvel, pois ela divide os alimentos entre os que matam e os que engordam. H certamente um imenso nmero de alternativas que no se encaixam nessas duas. Por isso, essa primeira premissa inaceitvel e o argumento todo est comprometido.

Critrio: RelevnciaComo dissemos, o critrio da aceitabilidade o principal. Mas somente ele, no basta. Podemos ter premissas aceitveis e mesmo assim o argumento no funcionar. Isto ocorre quando temos premissas que no so relevantes para sustentar a concluso. Premissas relevantes so aquelas que tenham alguma forma de implicao na veracidade ou falsidade da concluso. Se as premissas no afetarem de alguma forma a concluso, ento no podem ser usadas para que acreditemos nela. Vamos ver um exemplo:

Falha em RelevnciaPremissa --- Premissa --- Concluso --- O filme "O Sexto Sentido" teve tima direo Os atores atuaram de forma brilhante Portanto, o filme trata de um caso verdico

O filme realmente foi um sucesso de pblico. A direo do filme (a cargo do genial M. Night Shyamalan) foi aclamada pelos crticos e a atuao dos atores principais, Bruce Willis e o garoto Hale Joel Osment (tambm protagonista do filme AI, de Steven Spielberg), foi elogiada por todos. Contudo, isso nada tem a ver com a falsa concluso de que o filme tratou de um caso verdico. O filme apenas uma obra de fico. Temos duas premissas aceitveis, mas elas no "ajudam" a suportar a concluso (so irrelevantes). Esse argumento obviamente falha no critrio de relevncia. No prximo captulo vamos ver que esse tipo de argumentao falaciosa conhecido tradicionalmente como "Non Sequitur".

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ARGUMENTOS

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Critrio: SuficinciaNosso prximo critrio o de Suficincia. At agora, foi fcil determinar o tipo de problema apresentado pelas premissas em suporte a um argumento. Entretanto, h uma situao um pouco mais complicada, pois envolve uma interpretao da fora de uma premissa em relao ao suporte requerido pela concluso. Um argumento pode ter premissas aceitveis, podem ser at mesmo relevantes, mas podem ser insuficientes para que possamos acreditar na concluso. Em geral, se a concluso forte, ou seja, se alega algo que difcil de acreditar, ento nossas premissas tambm tm que ser fortes. O critrio de Suficincia diz que no h muita razo para acreditar em algo estranho se o que nos oferecido como razo mais estranho ainda. Este um exemplo (um pouco exagerado) da falha de suficincia:

Falha em SuficinciaPremissa --- Premissa --- Concluso --- Comer comida com sal no saudvel Governos devem zelar pela sade pblica Portanto, governos devem controlar a venda de sal

Observe que as duas premissas so aceitveis. Essas premissas tambm so relevantes para a concluso. S que elas so insuficientes, no do sustentao adequada para a concluso, que muito "pesada" para ser suportada pela fora dessas premissas. Os trs critrios que acabamos de ver so os mais importantes. A partir deles conseguimos construir argumentos realmente bons. Mas existe um ltimo que dar um toque especial aos seus argumentos: o critrio da Refutabilidade.

Critrio: RefutabilidadeRefutar dizer o contrrio, desmentir, negar, invalidar, tornar falso. O critrio da refutabilidade diz que um argumento excelente se, alm de ter premissas aceitveis, relevantes e suficientes, tambm consegue invalidar os argumentos que concluam o contrrio do que o nosso argumento conclui. Assim, se um contra-argumento tentar justificar o oposto do que ns havamos concludo, as nossas prprias premissas devero servir para negar a concluso do contra-argumento. Um argumento pode ser imperfeito neste critrio, mas isso no to grave. Nem sempre fcil criar premissas que possam negar o oposto da concluso. Contudo, argumentos muito ruins exageram nessa im-

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ARGUMENTOS

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perfeio, pois usam de premissas que podem justificar tanto a concluso quanto o oposto dela. Este um defeito grave. Este um exemplo de um argumento fraco no critrio de refutabilidade. Suponha que algum esteja tentando argumentar contra a utilidade das motocicletas. Essa pessoa poderia fazer uso do seguinte argumento: "Motocicletas so inteis. So veculos rpidos, mas perigosos e barulhentos, s conseguem carregar no mximo duas pessoas e no podem ser utilizadas com segurana em tempo chuvoso, embora tenham grande mobilidade no trnsito. Alm disso, voc obrigado a usar um desconfortvel capacete" Note que nenhuma das premissas utilizadas consegue derrubar a idia oposta, ou seja, a de que motocicletas so teis. Basta desejarmos um veculo apropriado para a entrega de pequenas encomendas com agilidade em grandes cidades com trnsito congestionado que a utilidade deste veculo fica assegurada, mesmo com todas as premissas em contrrio, conforme o argumento apresenta. O que poderamos dizer, no mximo, que motocicletas so veculos de alto risco e que causam poluio sonora. Mas isso no quer dizer que sejam inteis. Portanto, este argumento falha no critrio refutabilidade. Veremos mais exemplos de falcias com este tipo de falha no prximo captulo.

Analisando ArgumentosAgora que vimos os quatro principais critrios, vamos listar os passos recomendados para analisar os argumentos. So estes:

Montagem do Formato Padro conveniente executar a transformao do argumento para o Formato Padro, eliminando-se informaes desnecessrias e redundantes e aplicando o Princpio da Caridade. O objetivo principal obter as premissas e a concluso de forma destacada. Verificao da Estrutura Lgica Nesta fase, ns devemos responder seguinte pergunta: se aceitarmos temporariamente as premissas que foram propostas, podemos inferir com segurana aquilo que diz a concluso? Se

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ARGUMENTOS

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isto possvel, ento existe validade lgica no argumento.

Avaliao das Premissas Nesta fase, temos que avaliar a qualidade das premissas. Ser que so todas aceitveis? Sero fortes o bastante para sustentar o que diz a concluso? Ser que so suficientes? Identificao de Falcias Finalmente, nesta fase interessante comparar o argumento com os erros tpicos de argumentao, as chamadas falcias.

Este ltimo tpico a nica fase que ainda no vimos em detalhes, e que ser o assunto de nosso prximo captulo.

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Captulo 4 As Falcias Mais ComunsNeste captulo vamos ver uma lista das principais falcias que povoam as argumentaes ruins que encontramos diariamente. Apresento esta informao com o intuito de treinar seus olhos para localizar casos tpicos de erros argumentativos. O captulo longo e pode requerer uma certa dose de ateno. Mas vrias das falcias que apresento do origem a frases engraadas. Como j vimos, falcias so erros que invalidam todo o argumento. A princpio, pode parecer que no existem muitas formas de se errar, afinal vimos no captulo anterior apenas 4 critrios para se avaliar um argumento. Mas, como veremos a seguir, na prtica muito grande o nmero de chances de desobedecer a um ou mais desses critrios. Em cada caso que veremos a partir de agora vamos mostrar uma definio da falcia seguida de alguns exemplos.

Falcia: Ad HominemAd Hominem quer dizer para ou dirigido contra o homem. O Ad Hominem , normalmente, o resultado de uma confuso. Confunde-se atacar a pessoa que proferiu o argumento em vez de atacar o prprio argumento. Assim, o Ad Hominem usa de insultos como resposta a uma argumentao. Mas no simplesmente "xingar" o opositor, usar esse xingamento para desacreditar ou reduzir a fora do seu argumento. O Ad Hominem , infelizmente, uma das falcias mais comuns e ocorre principalmente quando as pessoas j esto comeando a perder o controle emocional da discusso. Nesses casos, como j no d mais para atacar a idia por trs dos argumentos, ataca-se a pessoa. "Todos sabemos que o nobre Deputado um mentiroso e trapaceiro contumaz, portanto como podemos concordar com sua idia de reduo de impostos?" Neste exemplo, nada foi falado acerca do argumento que o Deputado pode eventualmente ter usado para propor a reduo de impostos. Falou-se apenas que o carter dele criticvel. Mas note que isto nada

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ARGUMENTOS

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tem a ver com a real significao do seu argumento. O deputado pode ser um lobista barato ou um corrupto notrio, e mesmo assim ter proposto um excelente argumento. "O senhor est bbado, como posso aceitar que me diga para no estacionar com o carro em cima da calada?" Ora, ora, estacionar o carro em cima da calada no correto e no importa quem esteja falando isso (nem importa o seu estado mental). No podemos dispensar o argumento simplesmente porque ele dito por algum que no est sbrio. "No tenho nenhum interesse em assistir palestra sobre arte da Profa. Snia. Voc j viu como so horrorosas as esculturas dela? Alm disso, ela uma velha muito feia, dona de um nariz descomunal, o que poderia falar de interessante?" Chamar a pobre da Profa. Snia de velha feia e nariguda pode ser visto como uma forma de insulto (embora possa at mesmo ser verdadeiro). Mas isso no razo forte para no ir assistir sua palestra. Ela pode ser uma palestrante excepcional, com idias de muito valor, e isto independe totalmente de suas qualificaes de beleza fsica.

Falcia: Clamando Pela QuestoA falcia "Clamando Pela Questo" ocorre quando um argumento conclui algo que tambm utilizado como premissa, ou como um importante suporte de uma premissa. Este tipo de falcia tambm conhecido pelo nome de "raciocnio circular" e bastante frequente quando se est tentando argumentar sem ter como sustentar adequadamente a concluso. Por isso, muito comum encontrar esse tipo de argumentao em pessoas pertencentes a seitas fanticas, que baseiam suas crenas em dogmas inquestionveis. Ocorre tambm em casos onde o argumentador possui uma autoridade tamanha que no se d ao luxo de buscar embasamento para o que diz.

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ARGUMENTOS

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"No existe preso poltico no Brasil, mas apenas cidados que foram condenados por atividades polticas no permitidas pela lei" Eurico Resende, poltico capixaba (1996) Esta frase do poltico capixaba est clamando pela questo. Afinal, o que um preso poltico, se no algum que est preso devido a suas atividades polticas irregulares? A sentena, portanto, no tem valor algum como argumento. "Deus existe porque isso dito explicitamente na Bblia. E claro, a Bblia totalmente verdadeira, porque a palavra de Deus" Para argumentar sobre a existncia de Deus, tomou-se como premissa a prpria existncia de Deus. O argumento totalmente circular. Mas muitas vezes os argumentos circulares no esto to ntidos como nesses exemplos. s vezes, a sentena longa e no muito fcil localizar o problema. O argumento a seguir foi usado em uma discusso real no Servio Secreto Britnico para tentar barrar a presena de homossexuais em seus quadros. "Homossexuais no podem ser admitidos em cargos crticos do governo. Por causa disso, os homossexuais faro de tudo para esconder o seu segredo e dessa forma estaro suscetveis a chantagem. No podemos permitir pessoas no governo suscetveis a chantagens. Por isso, homossexuais no podem ser admitidos para cargos crticos do governo" Esse "argumento" tem a concluso (ltima frase) igual a uma das premissas (primeira frase). um exemplo de retrica muito mal construda e parece demonstrar um preconceito gratuito. O resultado um argumento bastante circular e totalmente invlido. Alm da circularidade, esse argumento tambm peca por falhar no critrio de refutabilidade. Para ver isso, basta observar que nenhuma pessoa casada ou com filhos deveria ser integrante do servio secreto, pois poderia ser chantageado atravs do sequestro de seus familiares. Isto impediria a contra-

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ARGUMENTOS

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tao de praticamente qualquer pessoa que tivesse algum parente vivo, pois qualquer uma dessas pessoas poderia ser objeto de chantagem. Alguns raciocnios circulares so fceis de se reconhecer, embora sejam difceis de combater. Este um caso tpico, uma clssica piada infantil. Pedro faz uma pergunta para seu priminho mais novo: Pedro: Voc sabe como que um elefante faz para passear pelas praias do Rio de Janeiro sem ser notado? Joozinho: No fao a menor idia Pedro: s usar um culos escuro Joozinho: Mas que bobagem. Estamos na praia agora e no estou vendo nenhum elefante Pedro: No te falei? Esto todos usando culos escuros!

Falcia: Apelo IgnornciaO Apelo Ignorncia uma falcia que acaba concluindo que uma proposio verdadeira s porque no pode ser provada como sendo falsa, ou vice-versa. Um exemplo exagerado esclarece melhor. "Como no provaram que fantasmas no existem, ento eles devem existir" Esse argumento falacioso, pois no d para concluir que eles devem existir simplesmente porque ningum "provou" que eles no existem. Na verdade, no h como provar que eles no existem. D para provar que eles existem, se ns apresentarmos um exemplar que seja imaterial e etreo (e, obviamente, bem-comportado o suficiente para deixarse examinar). Mas nunca poderemos dizer que fantasmas no existem. Quem sabe em Andrmeda eles possam existir, mas isso est totalmente fora de nosso alcance emprico de investigao. O que sabemos que um argumento que apele para a ignorncia no slido o suficiente para garantir sua concluso.

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ARGUMENTOS

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"Voc no conseguiu me mostrar que as plantas no gritam quando so arrancadas do cho, portanto existe razo para acreditar que elas gritam, mas voc que no as est ouvindo" Neste "argumento", a falcia consiste em achar alguma razo para acreditar que as plantas gritam s porque no conseguimos provar que elas no gritam. Aaaargh, grito eu!

Falcia: Tu QuoqueEsta falcia tambm conhecida por "Ad Hominem Tu Quoque", que quer dizer "voc tambm". Aqui, acha-se que um argumento invlido s porque quem o proferiu tambm comete o erro apontado no argumento. No importa o estado de quem proferiu o argumento, importam apenas as premissas utilizadas. Este exemplo tpico: "Como posso aceitar o argumento de que fumar faz mal sade, se me dito por um mdico que fuma como uma chamin?" claro que o mdico que fuma tambm est colocando em risco sua sade. O que no se pode fazer invalidar o argumento do mdico s porque ele tambm um fumante. O mdico erra com seu comportamento, mas o argumento dele continua vlido: fumar faz mal sade.

Falcia: Apelo AutoridadeNo apelo autoridade, usa-se a opinio de algum famoso para dar suporte a um argumento. S que essa autoridade est falando fora de sua rea de especialidade. Por isso, sua opinio no tem valor maior do que a de um leigo qualquer.

"Vou comprar as vitaminas ABZ, pois George Clooney falou que elas so timas para a sade, e ele deve saber, pois atuou como mdico no seriado ER (Planto Mdico)"

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ARGUMENTOS

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George Clooney um excelente ator. Ele poderia falar com propriedade sobre como atuar em filmes e seriados, dar dicas sobre como se comportar em frente cmera, etc. Mas ele no tem nenhuma especialidade na rea mdica, mesmo tendo participado daquele famoso seriado. Por isso, a opinio dele no tem o poder de uma autoridade em assuntos que tratem de medicina. Na verdade, mesmo usar opinies de autoridades que sejam reconhecidamente competentes em suas reas pode ser insuficiente para providenciar suporte para um argumento que trate de questes complexas ou polmicas. Nesses casos, costuma haver outras autoridades que tem opinies diferentes. Nessa hora, o que vale a discusso racional para que cada parte apresente razes slidas para acreditarmos naquilo que est sendo proposto.

Falcia: Apelo TradioNo Apelo Tradio, acha-se que a concluso justificada s porque "sempre foi feito assim". S porque tem sido tradicionalmente feito assim, no justificao suficiente para continuarmos a faz-lo (seja l o que for). "Todas as grandes civilizaes da Histria da Humanidade sempre providenciaram subsdios do Estado para o fomento da Arte e da Cultura. Por isso, temos que fazer o mesmo" Apresento a sentena acima como falcia. Observe, entretanto, que no estou questionando a concluso aqui. S questiono o fato de chegarmos a essa concluso a partir de premissas fracas. Aquilo que sempre foi feito no passado no justificao boa para continuarmos a fazer agora. Um dia aps a abolio da escravatura, algum poderia tentar argumentar que a escravido era justificvel, pois era algo que vinha sendo feito h centenas de anos. Ser que isso suficiente para continuar com a escravido? "Nesta empresa nunca foi permitido que mulheres ascendessem posio de diretoria; sempre foi assim, e no por termos agora importantes acionistas femininas que isso precisa mudar"

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ARGUMENTOS

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Este argumento falacioso por dois motivos. Primeiro, usa a falcia do apelo tradio para manter as mulheres fora da diretoria. Depois, acaba entregando uma das possveis razes para aceitar mulheres na diretoria da companhia machista: agora elas fazem parte do quadro de acionistas e precisam ver seus interesses representados. Com isso, o argumento problemtico no aspecto da refutabilidade.

Falcia: Apelo ao PblicoA falcia do Apelo ao Pblico tenta sustentar a veracidade de uma concluso a partir de um eventual fato de que a maioria aprova o que a concluso diz. Isto errado. Mas preciso no confundir o apelo ao pblico com o conceito de democracia. Na democracia, o povo elege aqueles que iro tomar decises por ele. A voz do povo soberana, pelo menos nesse aspecto. Contudo, isto no significa que qualquer uma das proposies ditas por essa pessoa eleita estejam automaticamente justificadas (no obstante certos presidentes de nosso passado recente terem desafiado esta idia). Somente as evidncias ou os argumentos slidos tm esse poder. "A maioria das pessoas deste pas acredita em discos voadores. Portanto, eles devem existir" Ora, a maioria das crianas de 5 anos acredita em Papai Noel. Ser que ele existe s por causa disso? Antes de Galileu Galilei, todos acreditavam que objetos mais pesados caiam mais rapidamente do que objetos mais leves (mesmo hoje em dia, muitos ainda acreditam nisso; obviamente, preciso desconsiderar o efeito da resistncia do ar). Aquilo que era defendido pela maioria mostrou-se, aps o experimento de Galileu, ser totalmente falso. Mas o risco maior deste tipo de falcia o seu "efeito de presso", pois difcil resistir ao poder da maioria. Veja este exemplo: "Todos esto votando no Ricardo para ser o lder do projeto, por isso voc deve votar nele tambm" O fato de a maioria estar escolhendo o Ricardo no fator suficiente para que sejamos compelidos a votar nele tambm. O que conta so as

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qualificaes do Ricardo, sua habilidade, honestidade e competncia para conduzir o projeto. Tudo isso no decorre necessariamente da obteno de maioria, pois para algumas pessoas fcil ser popular, mesmo sendo incompetente.

Falcia: EspantalhoA falcia do espantalho ocorre quando algum reconstri nosso argumento em outros termos, distorcendo suas premissas de forma a ser mais facilmente atacado. Dessa forma, o oponente pode derrubar o argumento reconstrudo, mas no o argumento original. Veja este exemplo. Maria: Eu acho que o capitalismo bom porque ele incentiva as pessoas a trabalhar e a poupar Joo: Voc acha que o capitalismo bom porque diz que a riqueza vem mo de quem trabalha, mas isso falso, j que muitas pessoas ricas simplesmente herdam suas fortunas sem nunca trabalhar; por isso, o capitalismo um fracasso total No foi isso que Maria disse. Ela disse que o capitalismo incentiva as pessas a trabalhar e a poupar. Qualquer crtica ao argumento de Maria deve se dirigir a essas premissas. Contudo, Joo transforma isso na idia de que o dinheiro pode aparecer nas mos de quem nunca trabalhou na vida. Disso conclui que o capitalismo um modelo inadequado. Essa reconstruo feita pelo Joo um caso tpico de Espantalho e no tem validade alguma contra o argumento original de Maria.

Falcia: Questo ComplexaA questo complexa uma construo na qual o argumentador faz uma colocao que, no importa como seja respondida, implicar o ouvinte negativamente de alguma maneira. , no final das contas, uma "pegadinha".

"Voc j parou de bater em sua mulher?"

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Vamos l: responda a essa questo. Se respondermos com sim ou com no, de qualquer maneira esta pergunta j assume implicitamente que se batia ou se continua a bater em sua mulher. Este um outro caso: Mariana: Suas vendas aumentaram por causa da propaganda enganosa que fez? Rodrigo: No, claro que no! Mariana: Ah, mas pelo menos voc admite que a propaganda que fez era enganosa Esses truques lingusticos so pura falcia, no tem validade alguma. Mas podem servir para confundir o ouvinte, por isso bom estar preparado para contra-argumentar.

Falcia: Descida EscorregadiaNa descida escorregadia, construdo um argumento em que uma pequena movimentao em uma direo particular vista como desencadeando uma sequncia irreversvel e incontrolvel de movimentaes na mesma direo. Parece uma definio bastante abstrata, mas um exemplo esclarece tudo. "Sou contra a eutansia, pois aps aprovarmos essa prtica nada nos deter rumo ao total genocdio da espcie humana" um argumento exagerado, no ? Mas muito utilizado. Veja este exemplo, dito por Miguel Esteves Cardoso, um escritor portugus. "Hoje o Estado me obriga a usar o cinto de segurana; amanh vai me obrigar a fazer ginstica e me proibir de comer gordura, o que seria bom para o corpo, mas pssimo para as instituies" Miguel Esteves Cardoso No h nada que justifique, a partir da obrigao de uso de cinto de segurana, a continuidade da interferncia do Estado nas liberdades individuais das pessoas. Veremos um outro exemplo tpico dessa falcia no prximo captulo (tambm de um escritor famoso).

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Uma forma interessante de combater essa falcia exagerar um pouco dizendo assim: "No acho que devemos fabricar pizzas muito gostosas, pois uma vez iniciado esse processo iremos consumir cada vez mais pizza at ficarmos completamente obesos"

Falcia: Falso DilemaA falcia do Falso Dilema apresenta um argumento em formato de questionamento em que so listadas poucas opes, dentre muitas possveis. Assim, tende-se a conduzir quem ouve a declarao a pensar em apenas alguns poucos casos, onde um deles, em geral, sugerido como a melhor opo. "Se voc no est a meu favor, ento porque voc contra mim" Essa colocao despreza todas as outras possibilidades. Eu posso, por exemplo, no ser nem contra nem a favor, posso ainda no ter opinio formada, posso concordar com parte de seus argumentos, etc. O presidente Bush um dos grandes usurios desta falcia. Mas esse parece ser um mal comum a muitos polticos. "Ou ns alteramos a constituio para exigir oramentos equilibrados ou o dficit pblico ir nos arruinar" H outras opes: possvel, por exemplo, penalizar de alguma forma aqueles estados que no cumpram seus compromissos e vrias outras solues que podem ser mais adequadas na prtica do que alterar a constituio. Dessa forma, o argumento no bom, pois exige que se pense somente em poucas alternativas. A declarao abaixo foi dita com claras intenes humorsticas: "A humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados" Ariano Suassuna

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claro que Ariano Suassuna teve inteno humorstica, mas se tivesse usado a frase com seriedade, seria um digno representante da falcia do falso dilema.

Falcia: Afirmando o ConsequenteA falcia de afirmar o consequente uma das chamadas falcias lgicas. um tipo de raciocnio que parece estar certo, mas na verdade no est. Para entender melhor esta falcia, vamos ver um pouquinho de lgica. Em lgica, existe um tipo de raciocnio que chamado de "Modus Ponens":

Se ocorrer P, ento ocorrer Q. Ocorreu P, portanto podemos concluir que ocorrer Q. P e Q so letras que usamos para representar as chamadas proposies, que so declaraes quaisquer (como as nossas premissas). Por exemplo, se fizermos P significar "Meu Carro est sem combustvel" e Q representar "Meu Carro parou", podemos usar Modus Ponens para dizer que se meu carro ficar sem combustvel, ento ele ir parar. Acabou meu combustvel, portanto meu carro parou. Nessa estrutura, a proposio P chamada de Antecedente e a proposio Q chamada de Consequente.

Tudo isso parece ser bastante bvio, certo? Mas mesmo assim, pode-se usar incorretamente essa estrutura. Veja como.

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Esta estrutura, embora muito parecida com o Modus Ponens, est errada. dela que vem o nome "Afirmando o Consequente", pois (segunda premissa) dizemos que a proposio Q verdadeira e disso concluimos que a proposio P deve ser verdadeira tambm. Mas isso muitas vezes no funciona. S para rever como fica nosso exemplo anterior, ao usarmos essa lgica errada estariamos dizendo assim: "Se seu carro ficar sem combustvel, ento ele pra. Seu carro acabou de parar, portanto ele est sem combustvel". claro que isto no verdadeiro sempre, pois pode haver diversos problemas, um cabo solto no distribuidor, problemas no carburador, etc. Lembra-se do exemplo que demos na introduo deste curso? Aquele era um caso tpico de Afirmao do Consequente. "Se a sua indstria estivesse poluindo o rio, veriamos um aumento no nmero de peixes mortos. Como estou vendo um aumento no nmero de peixes mortos, devo concluir que a sua indstria est poluindo o rio" Primeiro vem a implicao lgica que correta.

Se a sua indstria estivesse poluindo o rio, veriamos um aumento no nmero de peixes mortos.

Isto est correto, mais poluio provoca certamente mais morte de peixes. Esta a parte inicial do Modus Ponens. Agora vem a parte com problemas. O fiscal constatou que h um aumento no nmero de peixes mortos. Portanto, ele est afirmando o consequente. Sabemos que disto no se pode concluir com certeza que o antecedente verdadeiro. Uma outra indstria poderia estar poluindo o rio, ou ento os peixes poderiam estar morrendo por um efeito natural envolvendo o crescimento anormal de

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certas plantas aquticas, etc. Portanto, sem evidncias adicionais, esse argumento no slido.

Falcia: Negando o AntecedenteUma outra falcia lgica bastante comum a chamada negao do antecedente. Essa falcia lembra a que acabamos de ver, mas um pouquinho mais complexa. Aqui tambm vamos ter que introduzir mais um pouco de conceitos de lgica. Modus Tollens um tipo de raciocnio lgico que lembra um pouco o Ponens, mas tem uma diferena importante. Nele comeamos com a mesma implicao lgica, se ocorrer P ento ocorrer Q. S que a segunda premissa fala na negao do consequente.

Dizemos que no ocorreu Q. Da conclumos, acertadamente, que no pode ter ocorrido P. E por que no? Ora, porque se tivesse ocorrido P, certamente teria que ter ocorrido Q, pois isso o que a primeira premissa diz. Note que este raciocnio to slido quanto o Modus Ponens, embora seja um pouco mais difcil entend-lo. Usando o exemplo do carro, dizemos assim: "Se meu carro ficar sem combustvel, ento ele vai parar. Meu carro no parou, portanto no acabou o combustvel". um raciocnio logicamente vlido. Um outro exemplo este: se substituirmos P por "o preo das aes subiu" e Q por "Fiquei Rico", teremos o seguinte argumento: "Se o preo das aes subir, ento ficarei rico. No fiquei rico, portanto, o preo das aes no subiu". Isto garantido, funciona sempre. Mas a falcia ocorre quando usamos uma variante irregular (embora sutil) deste formato. Este o formato errado.

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Estamos Negando o Antecedente, e no o consequente como faz corretamente o Modus Tollens. Dessa forma, nosso argumento no tem valor. Veja como nosso exemplo anterior fica falacioso com esta estrutura. Se o preo das aes aumentar, ento ficarei rico. Como o preo das aes no aumentou, ento no fiquei rico. Isto pode dar errado, pois basta que o seu bilhete de loteria seja premiado para voc ficar rico mesmo com a queda das aes. Ou ento voc pode receber uma herana e ficar rico de qualquer maneira. Se voc ainda est confuso, veja outros exemplos desta falcia: "Se voc cair na piscina, ficar todo molhado. Voc no caiu na piscina, portanto no ficar molhado" Sim, voc no caiu na piscina, mas pode ter tomado chuva, ou ento um colega seu jogou um balde de gua, ou voc acabou de dar um banho em seu carro e foi descuidado com a mangueira... "Se a pena de morte detivesse os assassinos, ento ela seria justificvel. Como ela no detm os assassinos, ento ela no justificvel" Este aqui ligeiramente mais complexo, mas igualmente furado em termos lgicos. A pena de morte poderia ser justificvel se fosse uma medida utilizada em conjunto com outras medidas que reduziriam os assassinatos. "Se voc adubar sua horta, ela ficar viosa. Como voc no adubou sua horta, ento ela no ficar viosa"

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Se a terra for boa e as sementes de alta qualidade, pode-se ter hortas viosas mesmo sem adubao. Alm do mais, sempre possvel que um cavalo tenha passeado pela redondeza e utilizado sua horta como banheiro.

Outras FalciasVimos diversas falcias. Parecem muitas, mas isso apenas uma pequena amostra da grande quantidade de possveis formas de se corromper argumentos. Segue abaixo uma lista resumida de algumas outras formas falaciosas, para que voc conhea o nome delas. Mesmo assim, preciso dizer a voc que existem mais falcias ainda. Como grande o nmero de formas de se montar argumentos furados! "Como vocs podem me condenar, no tem pena de um pobre rfo" Disse o assassino dos prprios pais apelando para a piedade, mesmo tendo sido convincentemente incriminado no assassinato dos prprios pais.

Apelo Pena

Red Herring

"No acho que homens e mulheres devam ter o mesmo salrio quando ocupam posies similares. Imagine o que ocorreria em um shopping center se os banheiros fossem unificados: seria constrangedor para ambos os sexos" O argumentador desvia a ateno da concluso principal para outra que nada tem a ver com a idia original.

Non Sequitur

"Como os Egpcios fizeram muitas escavaes para construir suas pirmides, devemos concluir que eram exmios paleontlogos" Neste argumento falacioso, no h nenhuma relao lgica entre as premissas e a concluso. Uma forma exagerada deste argumento esta: "Gatos gostam de leite, portanto David Hume foi um grande filsofo". Tanto premissa quanto concluso so corretas, mas nada tem a ver uma com a outra.

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"O capitalismo o melhor sistema econmico, pois representante da natureza dos animais, Apelo Natu- todos lutando e devorando uns aos outros e reza onde o mais forte sobrevive" Justifica-se, falsamente, uma concluso s porque parece ser uma lei da natureza

"Tia Augusta caminhava noite em torno do lago de sua fazenda e isto causou a remisso do cncer que a consumia" Post Hoc Ergo PropPost hoc ergo ter Hoc significa "Depois disso, ento por causa propter hoc disso". Este um raciocnio errado que acha que tudo o que vem depois de um evento causado por esse evento

"Porque ouvir os argumentos de Bill Gates contra a punio de monoplios? Ele no um grande interessado nesse assunto? Como poder argumentar corretamente?" Na verdade, Ad Hominem no importa a posio de quem argumenta, no Circunstancial importa se essa pessoa favorvel ou no concluso. O que importa a solidez dos seus argumentos, a sustentao que a concluso tem por premissas slidas

Falcia da Composio

"Joo um camarada amvel, Maria uma pessoa agradvel, eles formaro um casal simptico e alegre" O que verdade para cada componente isoladamente pode no ser verdade para aquilo que composto pela reunio de vrios componentes

Um pai soube que o time de seu filho perdeu o campeonato da escola "Puxa, filho, porque voc Falcia da Di- jogou to mal?" Mal sabe o pai que seu filho foi o viso melhor jogador em campo. No porque o grupo jogou mal que o indivduo ter jogado mal tambm

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Um estudante diz a seus colegas: "Sempre vejo o Prof. Roberto, mas nunca com sua mulher" Ao Acento Impr- acentuar o final da frase, o estudante estaria tenprio tando influenciar os ouvintes a concluir certas coisas acerca do Prof. Roberto sem dar nenhuma evidncia em suporte de sua insinuao

"Se voc quiser continuar a trabalhar nesta empresa, sugiro que modere as crticas que Apelo Fora dirige s polticas da diretoria" Usa-se a fora para "justificar" uma concluso. claro que no uma forma vlida de suportar um argumento

Apelo Emoo

"Rapaz, sou uma velha senhora, voc no tem vergonha de me cobrar para cortar a grama de meu jardim?" Disse a rica madame ao jardineiro desempregado. Nesse caso, apela-se injustificadamente emoo

"A experincia que tive com minha ex-mulher Generalizao foi horrvel, por isso recomendo que voc no Apressada se case tambm" Um caso particular no pode ser usado para justificar casos gerais

ConclusesVimos que, embora tenhamos apenas quatro critrios para julgar bons argumentos, o nmero de falcias grande. Quando estudamos essas falcias pela primeira vez, aparece uma natural tentao em "decorar" o nome dessas falcias. Isto no realmente necessrio. Mais importante do que saber dizer qual o tipo de falcia saber identificar argumentos com algum tipo de problema. esta a estratgia que iremos utilizar no prximo captulo, quando desviaremos nossa ateno para a localizao dos pontos fracos de diversas declaraes reais, na tentativa de identificar e muitas vezes reparar o argumento.

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Captulo 5 Estudos de CasosEste captulo apresentar diversos casos de argumentos criticveis. Vamos estudar (e frequentemente, nos divertir) com uma coleo de frases e argumentos infelizes, procurando observar as falhas que cometem. Volto a lembrar que minha anlise desses casos pode parecer ocasionalmente um pouco cruel e impiedosa. Fao isso apenas com o intuito de ressaltar os aspectos frgeis da argumentao.

Desculpas EsfarrapadasEm Agosto de 1999, um terremoto atingiu a Turquia, provocando a morte de milhares de pessoas. Em casos como esse, muito difcil imputar culpa a algum. A no ser que esse algum tenha falhado em seguir normas e procedimentos de construo de moradias em reas de risco. O construtor turco Veli Gocer foi preso pela polcia de Istambul, com base em sua responsabilidade na construo de centenas de casas. Gocer utilizou, na construo, areia de praia (algo que para ns brasileiros, infelizmente, tambm traz tristes lembranas) para construir as moradias e isso as fez insuficientemente resistentes mesmo a tremores mais moderados. Calcula-se que milhares de vidas seriam poupadas caso Gocer tivesse seguido as recomendaes de construo mais elementares. Questionado sobre essa situao, Gocer assim se defendeu: "Eu estudei literatura na escola. Eu sou um poeta, no um engenheiro estrutural" Deveramos ns ter pena do pobre rapaz e perdo-lo por causa disso? Afinal, ele apenas um poeta. Segundo ele, no poderia ser responsabilizado pelo ocorrido. Ser que no? bvio que o argumento de Veli Gocer no consegue livr-lo da culpabilidade. Algum que projeta carros, por exemplo, no pode ser desculpado por um acidente fatal que tenha ocorrido por causa de falha grave de projeto no sistema de freios, ainda mais quando isso ocorre em uma rea tcnica completamente estvel e conhecida. As premissas utilizadas por Gocer so completamente insuficientes para justificar a concluso "escondida": Gocer no deveria ser punido.

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Errando o AlvoNo dia 2 de Julho de 2001, o vo 8864 da Varig, que procedia para New York vindo de So Paulo, foi perturbado por um inexplicvel surto psictico do ator Andr Gonalves. Bbado e completamente descontrolado, o ator cuspiu e deu tapas nos comissrios, tentou beijar Pel (que estava na primeira classe) na boca e comeou a gritar que o avio iria cair a qualquer momento. Acabou sendo amarrado na poltrona, amordaado e sedado com uma injeo na veia, aps ter causado intensa comoo na aeronave. A Varig estima ter perdido cerca de 100.000 dlares por conta do episdio, pois o avio teve que jogar ao mar 60.000 litros de combustvel para poder aterrissar em Belm. Os passageiros precisaram permanecer em um hotel devido mudana de rota, com alguns perdendo conexes que fariam no seu destino. Muita complicao por causa de um notrio descontrole do ator, que j dispunha de precedentes envolvendo brigas em outras ocasies. Seria muito difcil tentar estabelecer uma linha de defesa ao ator, mas mesmo assim a seo de cartas da revista Veja publicou uma inslita mensagem:

Esta carta foi um comentrio acerca do episdio. Pode ser entendida como uma espcie de dissipao do assunto central (o injustificvel mau comportamento do ator). Observe que poucos discordariam da tese que essa sentena prope: muitos de ns j fomos vtimas do descaso com que somos tratados pelas companhias areas. Agora, imagine que essa frase tivesse sido proferida durante um debate acerca do comportamento do ator. Qual a sua real relevncia? Essa a falcia: a tese (no importa se correta ou no) nada tem a ver com o tpico em questo. Insinua-se que deveramos tolerar o prejuzo causado Varig s porque as companhias areas nos infligem atrasos nos vos.

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Essa colocao no tem poder algum de minorar a inadequao das atitudes de Andr naquela fatdica data nem mesmo de desconsiderar o drama financeiro sofrido pela companhia area.

Divertida Sequncia de "Ad Hominems"A histria poltica recente do Brasil registra uma das "batalhas verbais" mais engraadas das ltimas dcadas. Em um canto do ringue, encontramos o ento presidente do senado Jader Barbalho. De outro, Antonio Carlos Magalhes. Eis a troca de "argumentos" entre os dois (Folha de S. Paulo, 23 de Maro de 2001):

Uma sequncia de Ad Hominems s serve mesmo para mostrar que faltam bons argumentos (embora tambm sirvam para divertir). Quando um dos lados de um debate recebe uma acusao pessoal, muito tentador deixar-se levar pelo impulso de revidar na mesma moeda. Contudo, seria mais proveitoso rapidamente negar a acusao e voltar a enfocar nos pontos relevantes do debate. Isto uma sinalizao de que o debatedor no se deixar levar pelo estilo acusatrio e insultuoso, ao mesmo tempo em que refora a idia de atuar sobre premissas slidas.

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Principalmente durante campanhas eleitorais, os Ad Hominems proliferam de forma descontrolada. Vej