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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................. 11

1.A evolução da psicoterapia: das explicações e dos problemas às soluções ............................................................................ 19

2.Hipóteses desafiadoras: estabelecimento de premissas para a terapia voltada para a Solução .............................................. 33

3.O princípio da incerteza na terapia: a criação conjunta de problemas Solúveis ............................................................... 54

4.A importância da linguagem: uma conversa voltada para a mudança ............................................................................... 62

5.A sessão como intervenção: os componentes da entrevista voltada para a solução ........................................................... 75

6.Receitas para mudanças: alterando a forma de criar e de enxergar o Problema ........................................................... 115

7.Como incrementar e manter as mudanças: como manter a bola rolando ................................................................................ 130

8.O rumo não seguido: caminhos que devem ser evitados na terapia.................................................................................... 145

9.Pronto, atire, acerte o alvo: como pôr em prática a terapia voltada para a solução ......................................................... 158

Bibliografia ............................................................................ 161 Indice Remissivo ................................................................... 165

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INTRODUÇÃO

Este livro oferece uma nova maneira de pensar sobre a terapia e sobre sua abordagem. É um método dirigido para a competência e não para as falhas do indivíduo; para seus recursos, não para suas fraquezas; para suas possibilidades, não para suas limitações.

Um dos pioneiros desta abordagem foi o psiquiatra, já falecido, Milton Erickson. Um de seus casos ilustra bem a utilização da terapia voltada para a solução.

Certa vez, Erickson trabalhou com uma paciente chamada “Ma” (Rossi, 1980, vol. 1, pp. 197-201) que sempre quis aprender a ler e a escrever, mas nunca tinha sido capaz de superar o bloqueio que a impedia de atingir esse objetivo. Não teve oportunidade de consegui-lo quando era menina, mas aos 16 anos decidiu que iria aprender. Aos 20 anos, teve a idéia de ter professores como inquilinos e lhes pediu que a ensinassem a ler e a escrever. Nos anos que se seguiram, seus inquilinos e depois os filhos tentaram incansavelmente ensiná-la, mas em vão. Ela ficava apavorada e tinha "brancos" quando alguém tentava explicar-lhe como ler e escrever.

Aos 70 anos - e ainda incapaz de ler - entrou em contato com Erickson. Ele lhe garantiu que ela iria ler e escrever em três semanas, sem que ele lhe pedisse para fazer nada que ela já não soubesse fazer. Ela estava cética, porém curiosa. Primeiro, ele lhe pediu que pegasse um lápis. Disse-lhe para pegá-lo de qualquer jeito, como faria um bebê. Depois, pediu-lhe que fizesse alguns rabiscos no papel, como um bebê faria. Depois, que traçasse algumas linhas retas, como faria em uma tábua que quisesse serrar ou em um jardim onde quisesse plantar em linha reta. As linhas poderiam ser feitas na horizontal, na vertical, na

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transversal ou na diagonal. Em seguida, deveria desenhar alguns círculos e depois desenhar as duas metades do círculo que foi dividido ao meio. Então, deveria desenhar os dois lados de um telhado de duas águas. Deveria continuar a fazer essas marcas e a praticar. Ela assim o fez, embora não entendesse a importância disso.

Na sessão seguinte, Erickson disse-lhe que a única diferença entre uma pilha de lenha e uma casa é que na casa elas já haviam sido juntadas adequadamente. Ela concordou, mas novamente não entendeu a Importância, Com a orientação de Erickson, juntou aquelas marcas para compor as letras do alfabeto. Quando terminou, Erickson comunicou-lhe que ela acabara de aprender a escrever todas as letras e lhe disse que a ortografia nada mais era que a junção adequada das letras. Após conseguir que ela juntasse as letras, disse-lhe que agora ela sabia como formar palavras. Erickson fez com que nomeasse determinadas palavras, porque cada palavra tem um nome, exatamente como cada animal da fazenda tem o seu. Pouco a pouco, fez com que ela escrevesse uma frase e nomeasse todas as palavras nela inscritas. A frase dizia: "Continue, Ma e ponha algo na mesa para comer: Quando ela leu em voz alta, percebeu que era como falar (seu último marido costumava usar essa frase). A passagem para a leitura foi conseguida facilmente nas três semanas aprazadas.

Bill recorda-se do primeiro caso em que ele (por acaso) utilizou a técnica voltada para a solução, apresentada neste livro.

Ele estava começando a trabalhar em uma instituição de saúde mental quando uma antiga paciente de outro terapeuta procurou ajuda emergencial. A terapeuta da paciente estava de férias e Bill, disponível: por isso, concordou em vê-la. Bill foi cauteloso, pois não queria interferir na conduta utilizada pela outra terapeuta quando ela retornasse. Perguntou à paciente o que a trazia à clínica nesse dia específico, e se estava relacionado ao motivo do tratamento anterior. A paciente contou que havia se tratado com a outra terapeuta porque estava

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deprimida há um ano e interromperam a terapia algum tempo atrás porque ela havia superado a depressão.

Bill então perguntou como conseguira superar a depressão. A paciente fez uma descrição detalhada das várias estratégias criadas por ela e pela terapeuta para se conseguir que ela não caísse em depressão quando começasse a se sentir abatida. Essas estratégias incluíam telefonar para uma amiga, andar de bicicleta e garantir a continuidade de suas atividades regulares, como ir à faculdade e trabalhar. Ela se animou consideravelmente enquanto falava sobre tudo isso. Bill perguntou-lhe se achava que essas coisas também funcionariam dessa vez. Ela respondeu que achava que sim, mas havia se esquecido delas até aquele momento. Terminou dizendo a Bill que agora sabia não necessitar de terapia para resolver seu problema, mas reconheceu também que, se não tivesse vindo, teria entrado em depressão profunda. A entrevista durou 20 minutos. Bill Já havia feito terapia breve por algum tempo, mas 20 minutos era bem mais breve do que ele achava que a terapia podia ser! Quando, várias semanas mais tarde, a terapeuta voltou das férias, deu um telefonema de acompanhamento para a ex-paciente e constatou que ela estava bem e não havia tido nenhuma recaída.

Um caso de Michele mostra mais uma faceta dessa técnica voltada para a solução.

Um casal veio se consultar com Michele por causa de seu "monstrinho" de três anos e meio. Janet, a mãe, imediatamente afirmou que sua filha, Mindy, não era igual às outras crianças de três anos. Janet era uma mulher de 30 anos, instruída, que lia todos os artigos ou livros sobre pais e filhos que conseguisse encontrar. Tinha a certeza de que o comportamento odioso de Mindy excedia em muito o limite dos "três anos terríveis" normais. Ela contou que Mindy importunava o tempo inteiro. Jamais aceitava um "não" como resposta, interrompia constantemente os adultos, tinha acessos de raiva sem ter sido provocada, beliscava a irmã menor quando ninguém estava

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olhando e não queria ir para a cama à noite. (A lista de queixas era na verdade muito mais longa.)

A garotinha tinha virado a família de cabeça para baixo. Janet tinha a certeza de que era sua falta de experiência como mãe que causava o comportamento intolerável de Mindy. Ela não apenas se sentia incapaz, mas extremamente culpada por não conseguir amar Mindy o tempo todo, algo que ela achava que todas as boas mães devem fazer. Para piorar as coisas, Mindy comportava-se bem na presença de outras pessoas e recebia muita atenção, o que contribuía para convencer Janet ainda mais de que era ela a causa do problema. Isso, por sua vez, intensificou os sentimentos de Janet de incapacidade e falta de afeto.

Ken, o pai, também estava preocupado com seu "monstrinho", principalmente porque para ele era difícil ficar ouvindo os relatos negativos a seu respeito assim que entrava em casa ao final do dia, Ele também almoçava em casa todos os dias, um ato de bravura ou de masoquismo já que - enquanto comia - era literalmente bombardeado pelos detalhes da guerra entre Janet e Mindy. Achava que seu casamento estava sendo prejudicado, pois o único assunto sobre o qual conversavam era Mindy. Ele sentia falta da época em que ele e Janet costumavam se divertir quando estavam juntos.

Durante a primeira sessão, foi quase uma proeza ajudar o casal a interromper a ladainha de queixas e se fixar em um ponto de partida. Mas Janet fez um comentário espontâneo que possibilitou um início. Relatou ser capaz de prever o tipo de dia que teria com Mindy apenas pelo jeito como a criança acordava de manhã. Michele ficou ansiosa para explorar mais esse fato.

Janet explicou que toda manhã era acordada pela voz de Mindy chamando: "Mamãe, eu estou acordada." Para o ouvido de Janet, algumas vezes Mindy soava alegre quando gritava seu cumprimento matinal, enquanto outras vezes se ouvia queixosa. A definição dada por Janet à voz de Mindy determinava o tipo de cumprimento que Mindy recebia de volta. Se a voz de Mindy

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soasse animada. Janet sabia que teriam um bom dia. Nesses dias, entrava no quarto de Mindy e começava a pequena cantiga de rotina que haviam criado juntas: "Como está a garotinha da mamãe?" "Bem." “Quem ama Mindy?" "Mamãe." Janet e Mindy passavam então alguns momentos juntas antes de descerem para o café da manhã. O restante do dia era relativamente pacífico.

Se a voz de Mindy soasse queixosa. Janet ia até seu quarto apreensiva ou com raiva, e não iniciava a cantiga. Claro que Mindy, então, confirmava a suspeita de Janet e começava a choramingar de maneira irritante, o que marcava o começo de um dia de batalha.

Michele perguntou a Janet se ela faria uma experiência. Sugeriu que, independente de como soasse a voz de Mindy. Janet entrasse no quarto fingindo que Mindy estava contente. Isso significava que Janet deveria sorrir e começar imediatamente a cantiga, sem levar em conta o humor de Mindy. Janet achou a idéia interessante e ficou disposta a tentar.

Na semana seguinte, o casal relatou que Mindy teve uma semana melhor. Parecia estar mais tranquila e a convivência com ela foi mais fácil. Janet e Ken discutiram os efeitos positivos desse fato no relacionamento deles - horas mais relaxadas e até mesmo algumas risadas. O que mais os surpreendeu foi que, embora o comportamento de Mindy estivesse longe de ser perfeito, ela misteriosamente havia largado as fraldas sozinha nessa semana!

Várias semanas mais tarde, enquanto estávamos revendo o progresso deles antes do término do tratamento, Janet relatou que para ela a experiência matinal foi o ponto crítico. Ela reconheceu que podia manter as coisas sob controle independente dos desafios de Mindy. Além disso, Janet e Ken aplicaram esta tática com sucesso a outras situações difíceis com Mindy.

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UMA MEGATENDÊNCIA

Há vários anos, em Megatrends, John Naisbitt detalhou algumas tendências abrangentes que ele via surgir em nossa sociedade - tendências que talvez não fossem óbvias para outras pessoas. Da mesma maneira, observamos uma "megatendência" na psicoterapia. Em termos simples, a tendência é um afastamento das explicações, dos problemas e das patologias e uma aproximação das soluções, da competência e da capacidade. Nas páginas seguintes, articulamos e detalhamos essa abordagem emergente para que os terapeutas possam utilizá-la em seu trabalho. Primeiro, damos uma visão geral da base dessa abordagem e discutimos suas diferenças em relação às abordagens terapêuticas tradicionais. Depois, por meio de uma análise dos princípios específicos e da utilização de estudos de caso, oferecemos algumas diretrizes para pôr em prática essas idéias.

Um enfoque nas soluções e forças: uma tendência emergente na terapia

É uma forma de pensar que não começa atacando o problema, mas buscando soluções - não importa até que ponto esta tarefa pareça grande ou distante - e depois descobrindo como chegar até elas. É uma forma de pensar que cria imagens do que será - deveria ser – e, conseqüentemente, ajuda as pessoas a ver o potencial que, de outra forma, poderia não ser compreendido e evoca ações que, de outra forma, poderiam não ocorrer. Essas imagens geram energia e impedem compromissos prévios com resultados insatisfatórios. Tais imagens são com frequência descartadas como visionárias ou impraticáveis, por meio de um estado mental que é um dos ônus da nossa sociedade. É um estado mental provocado pela crença de que mudanças significativas não podem - e não irão - ocorrer. É um estado mental que Inibe o movimento em direção a metas válidas e

importantes, descartando-as logo de início como

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inatingíveis. É um estado mental que quase sempre nos mantém acorrentados: ao presente, como se o presente fosse o melhor que pudéssemos esperar (Rouse, 1985, p. 12).

Nos anos 60, Abraham Maslow decidiu que a psicologia estava caminhando em direção errada. Praticamente desde o início, a maior parte do questionamento psicológico explorou e tentou entender a natureza da patologia emocional, comportamental e psicológica dos seres humanos. Maslow disse que, em vez disso, deveríamos estar estudando os melhores e mais saudáveis espécimes humanos para aprender o que desejamos saber sobre as pessoas.

De forma similar, a psicoterapia, na maior parte de sua história, concentrou-se no estudo dos problemas e das patologias e tentou eliminá-los. Há, no entanto, uma tendência emergente -uma mudança na maneira de ver as patologias e fraquezas, para uma concentração nas potencialidades, nas capacidades e nos re-cursos na terapia. Há também um movimento que se afasta da busca da explicação das dificuldades da pessoa, do problema real, procurando soluções que funcionarão com aquele indivíduo, casal ou família que recorrem à terapia.

Os terapeutas frequentemente discordam sobre o que causa os problemas, mas em geral concordam no que se refere às soluções. Isso deu lugar ao que - no campo da psicoterapia - é chamado de "ecletismo técnico". Por exemplo, muitos terapeutas utilizam técnicas como a dessensibilização sistemática da terapia behaviorista, mas têm pouca afinidade com o modelo behaviorista; na verdade, pode até ocorrer que questionem o behaviorismo. Na busca pelo sucesso, os terapeutas parecem dispostos a pedir emprestado a outros os seus modelos principais para intervenções bem-sucedidas.

Talvez estejamos sendo muito otimistas ao chamar essa tendência emergente de megatendência. Na verdade, podemos simplesmente dizer que há evidência dessa mudança em muitos lugares. No entanto, escrevemos sobre a megatendência em um

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esforço para contribuir com sua criação. Como resposta à questão amplamente discutida: "A mídia simplesmente relata as noticias ou as cria?”, sustentamos que ela faz as duas coisas. Por isso, estamos animados com a Perspectiva de servir de instrumento para transformar essa tendência em megatendência.

A MENTE DE UM INICIANTE

Gostamos do ditado zen: "Na mente do iniciante há muitas possibilidades; na mente do avançado, poucas" (Suzuki, 1970). Adotamos essa atitude em nosso trabalho, porque achamos que ela nos leva a aprender constantemente coisas novas. Nossos pacientes nos ensinam sempre como trabalhar com eles e como ajudá-los a resolver seus dilemas. Ainda temos que encontrar uma fórmula que capte a diversidade dos seres humanos.

Este livro não é diferente. Embora ofereçamos nossas opiniões sobre a maneira de fazer a terapia funcionar, estamos conscientes que não temos a resposta para cada dilema terapêutico. A partir da nossa experiência, estamos confiantes, no entanto, de que a abordagem que apresentamos neste livro é bem-sucedida com a maioria das pessoas que procuram a nossa ajuda por meio da terapia.

Pedimos a você, leitor, que trabalhe esse material com a mente de principiante. Algumas das coisas que escrevemos podem desafiar suas hipóteses há muito sustentadas e aceitas sobre terapia. Gastamos muitos anos desaprendendo algumas hipóteses "básicas" sobre problemas e psicoterapia. Muitas vezes, pensamos na pesquisa que indica que as pessoas que começam a frequentar faculdade de psicologia tendem a ser "naturalmente terapêuticas". Ao final do curso, no entanto, elas parecem ter perdido grande parte dessa característica. Cinco anos após a formatura, suas habilidades naturais retornam.

Quando ensinamos isso em workshops, somos frequentemente abordados por clínicos que relatam já estar

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fazendo muitas coisas que discutimos de maneira intuitiva, mas que se sentem melhor vendo-as corroboradas por uma teoria e pela prática. Com este livro, esperamos estimular sua "mente de principiante" e suas habilidades terapêuticas naturais.

Finalmente, seria uma boa idéia manter em mente uma história que escutamos e que sempre nos recorda que ninguém tem uma resposta ou uma solução definitiva para todos os dile-mas humanos.

Havia um homem que dava aulas para pais sobre como ser pais. Ele as chamava de "Os dez mandamentos para os pais". Estes, por sua vez, inseguros sobre suas habilidades, vinham de toda a parte para assistir às aulas e aprender como ser pais melhores. Nesse tempo, ele ainda não era casado e não tinha filhos. Um dia, encontrou a mulher de seus sonhos e se casou. Com o tempo, tiveram um filho. Ele então mudou o nome de seu curso para "Cinco sugestões para os pais". Depois de um tempo, foram abençoados com mais um filho. Ele tornou a mudar o nome do curso que passou a se chamar: “Três dicas expe-rimentais para pais". Depois que o terceiro filho nasceu, ele parou para sempre de dar aquele curso.

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A EVOLUÇÃO DA PSICOTERAPIA

Das explicações e dos problemas às soluções

A terapia proliferou em um mar de disciplinas distintas, com contribuições da psicologia, da medicina e da filosofia. Essas disciplinas ocupam-se da explicação, do diagnóstico e da compreensão da natureza humana. Embora sejam tentativas válidas, o tempo provou e nós passamos a suspeitar cada vez mais que a terapia envolve um conjunto de preocupações distintas daquelas que são objeto dessas disciplinas. Em nossa opinião, a terapia compreende tentativas deliberadas para produ-zir mudança de opinião e/ou de ação que leve à solução. Como vários pacientes podem atestar, contar com uma boa explicação para a natureza e a origem do problema não produz necessaria-mente o resultado terapêutico desejado.

A psicanálise é, com certeza, a abordagem arquetípica que enfatiza o insight para produzir mudanças. Ocasionalmente, produz resultados efetivos, mas, com frequência, leva a situações como a de Alby Singer (Woody Allen) em Annie Hall. Logo depois que se conheceram, Alby diz a Annie que faz análise há 13 anos. Quando ela se espanta, ele reage rapidamente dizendo-lhe que pretende fazer análise por 20 anos e, se não melhorar, irá a Lourdes. A maior parte das pessoas concordaria que deve haver uma forma de garantir o sucesso da terapia em menos tempo!

Recentemente, a terapia tem surgido como uma disciplina separada e diferente, praticada muitas vezes por pessoas que se encontram fora dos campos formais da psiquiatria e da psicologia - assistentes sociais, terapeutas de família, religiosos, enfermeiras conselheiros e outros. Talvez a presença desses

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profissionais de diferentes áreas tenha sido um impulso para a tendência à busca de mudanças e soluções em vez de compreensão e explicação.

Ficou evidente que há várias maneiras de se realizar uma terapia eficiente. No entanto, defensores de métodos e escolas diferentes encontram-se com frequência em lados opostos no que se refere aos elementos cruciais e às técnicas envolvidas em uma terapia bem-sucedida. Um exemplo disso foi a conferência sobre a Evolução da Psicoterapia em Phoeníx, realizada em dezembro de 1985. Os profissionais que participaram da conferência representavam as principais escolas e abordagens terapêuticas e, mesmo assim, houve pouco consenso em relação às hipóteses ou aos métodos de trabalho (Zeig, 1987). Alguns podem achar que isso é ruim, mas nós achamos que é bom. Não há uma teoria correta de psicoterapia. Várias teorias, técnicas e abordagens distintas parecem produzir mudanças e resultados positivos.

Em vez de buscar uma teoria correta de terapia, talvez devêssemos estar procurando em outra direção. Thomas Peters e Robert Waterman tiveram a idéia certa quando escreveram em In search of excellence: lessons from America's best-run companies. Juntos, pesquisaram várias empresas bem-sucedidas dos Estados Unidos e chegaram a vários ingredientes fundamentais para o gerenciamento eficiente. Concentraram-se no sucesso, não no fracasso; nas soluções, não nos problemas.

A EVOLUÇÃO DE UMA TENDÊNCIA VOLTADA PARA A SOLUÇÃO

Tradicionalmente, a terapia orientou-se principalmente para o passado, procurando as raízes dos sintomas atuais na infância do paciente. Nos anos 60, com o crescimento da terapia behaviorista, da psicologia do ego, da gestalterapia, da terapia familiar etc., o presente ou o "aqui e agora" tornou-se uma preocupação central da terapia. A terapia voltada para o passado

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foi descartada pelos seguidores dessas abordagens novas e audaciosas, que achavam perda de tempo e muito especulativa. As novas abordagens eram contemporâneas, preocupadas com a geração ou manutenção do sintoma no presente, com dados que poderiam ser confirmados também no presente.

Hoje, a terapia está evoluindo para além dessa orientação do "aqui e agora" - para uma orientação de futuro, que não está preocupada em saber como os problemas afloram ou mesmo como se mantêm, mas sim em como serão resolvidos. Saímos do mar de psicologia, medicina e filosofia e entramos na terra firme da intervenção. Nessa terra, não há diagnóstico certo ou errado, teoria certa ou errada; apenas dados sobre o que funciona ou o que é útil em casos específicos.

Um aspecto importante dessa megatendência é uma preocupação com as potencialidades e com a capacidade do paciente; em nossa opinião, uma forma mais humana e menos dolorosa de ajudar as pessoas a mudar do que a antiga preocupação com as fraquezas. Vários expoentes no campo da terapia familiar também perceberam essa tendência:

Com isso, está sendo contestada a tendência dos terapeutas familiares à "construção de uma realidade" que ressalta as falhas, Os terapeutas familiares acreditam que é essencial uma exploração das potencialidades para enfrentar as disfunções familiares. O trabalho de Virginia Satir - que enfatiza o crescimento - orienta-se na direção de uma busca de alternativas normais. O mesmo ocorre com Ivan Nagy, com seu trabalho voltado para as conotações positivas e para a exploração do sistema, de valores familiares. A técnica de Carl Whitaker - que questiona as posições dos membros familiares e introduz a distribuição de papéis - surge da crença de que, fora do caos induzido pela terapia, os membros familiares podem descobrir potencialidades latentes. A opinião de Jay Haley e Cloe Madanes de que o sintoma é estruturado para proteger a família e as intervenções paradoxais de Mara

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SelvniPalazzoli apontam na direção das potencialidades da família...

Em seu trabalho, Milton Erickson dirigia sua atenção de forma coerente ao “fato” de que os indivíduos têm um repertório de sabedoria adquirida e adormecida, mas ainda disponível. Ele sugeriu aos pacientes que explorassem formas alternativas para organizar suas experiências, sem explorar a etiologia ou a dinâmica da disfunção. Essa busca por alternativas válidas e funcionais de transação aplica-se também à terapia de família, porque a família é um sistema que conta com um repertório maior de maneiras de se organizar experiências do que aquelas que ela normalmente utiliza. Uma estratégia, portanto, é desviar-se de uma exploração dos fundamentos históricos das transações disfuncionais e tomar um atalho para explorar outros modos de transação mais complexos, que prometam uma atuação mais saudável... (Minuchin e Fishman, 1981, pp. 268-269).

A abordagem aqui apresentada não foi desenvolvida isoladamente. No decorrer do tempo, fomos influenciados por várias pessoas. Quando começamos a articular essa orientação voltada para a solução, observamos outros terapeutas trilhando caminhos iguais ou paralelos. Embora não concordássemos necessariamente com todas as opiniões, alguns aspectos do seu trabalho pareciam levar à mesma abordagem voltada para a solução ou eram compatíveis com ela. Consideramos isso uma evidência de que outros terapeutas estão caminhando mais na direção das soluções que das explicações.

Jay Haley (1976) e Thomas Szasz (1961) nos transmitiram a idéia de que o melhor é tratar as pessoas como se elas fossem normais, porque quando tratadas dessa forma elas tendem a agir de forma mais normal. Também esclareceram os efeitos enfraquecedores dos rótulos psiquiátricos. Haley e Richard Rabkin (1977) estavam entre os primeiros que escreveram sobre a possibilidade de se negociar a definição de problema, idéia que

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será explorada no Capítulo 3 (ver também Fish, 1973, e O'Hanlon e Wilk, 1987). Bandler e Grinder (1979) enfatizaram a obtenção de imagens e informações claras sobre o objetivo como técnica para atingi-los.

Entre nossos precursores, os mais influentes foram Milton Erickson, a Brief Therapy Clinic [Clínica de Terapia Breve] do Mental Research Institute [Instituto de Pesquisa Mental) (doravante denominado MRI) e o Brief Family Therapy Center [Centro de Terapia Breve de Família] (ou BFTC). Tanto os grupos do MRI como aqueles do BFTC foram influenciados pelo trabalho de Erickson.

Milton Erickson: um terapeuta singular

Erickson foi uma figura criativa em várias áreas terapêuticas: hipnose, terapia familiar, terapia breve e terapia estratégica. A essa lista, podemos acrescentar a terapia voltada para a solução. Erickson foi uma figura extraordinária para seu tempo. Praticou a terapia do final dos anos 20 até o final dos anos 70. Durante a maior parte desse tempo, a psicanálise dominou a área da psicoterapia; Erickson, no entanto, encontrou seu próprio método de fazer terapia longe da corrente dominante da análise. Quando Haley começou a observar e a estudar os diferentes terapeutas, descobriu que a abordagem de Erickson não era apenas breve, uma característica por si só única - mas completamente diferente de tudo o que existia naquele tempo (Haley, 1963, 1967, 1973, 1985). Na verdade, Erickson vinha há muitos anos surpreendendo alunos e observadores, e continuou a fazê-lo até sua morte. Haley disse que, mesmo após anos de estudos intensivos sobre o trabalho de Erickson, "não há um único dia em que eu não utilize em meu trabalho algo que aprendi com Erickson. Não obstante, a minha compreensão de suas idéias fundamentais é apenas parcial. Acredito que se eu entendesse melhor o que Erickson queria dizer sobre mudar as pessoas, abrir-se-iam para mim novas portas de inovação na terapia" (1982. p. 5).

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Parte da dificuldade de se entender Erickson é a inexistência de uma teoria, isto é, de uma teoria da psicopatologia. Ele especulou muito pouco sobre a origem dos problemas. Considerava Freud um gênio por decifrar as complexidades da mente humana e da psicopatologia, mas impotente no que se referia a ajudar os indivíduos a mudar. Talvez essa distinção faça com que o trabalho de Erickson seja mais fácil de compreender. Ele era um gênio para ajudar as pessoas a se modificarem, mas tinha pouco conhecimento ou interesse em compreender o que as imobilizava. Na verdade, Erickson considerava as coisas que outros terapeutas classificavam de "psicopatologias" como habilidades, "mecanismos mentais" que poderiam ser utilizados para criar a cura e também os problemas. Ele utilizava de bom grado a amnésia, as alucinações e outros estados "patológicos" e experiências como técnicas terapêuticas, transformando o que parecia problemas em potencialidades. Por exemplo, quando Erickson estava tratando de um jovem com pouca autoconfiança que havia acabado de conseguir um trabalho em um banco, perguntou-lhe detalhadamente sobre o seu trabalho, interessando-se principalmente pelos erros que o rapaz cometera. Erickson comentou: "O que sempre me interessava, quando ele cometia erros no trabalho, era o procedimento por meio do qual o erro era corrigido - nunca os detalhes de como cometera o erro." Por meio da ênfase nas correções do jovem, ele utilizava os erros como forma de ajudá-lo a edificar sua autoconfiança (Haley. 1985, vol. 1. pp. 83-84).

Há algum tempo, um colega perguntou a Bill que aspectos do trabalho de Erickson seriam uma contribuição duradoura para a terapia. Bill, sem hesitar, respondeu, "a abordagem de utilização". Erickson sustentava que o terapeuta deveria, como um bom jardineiro, utilizar tudo aquilo que lhe era apresentado pelo paciente - mesmo aquilo que parecesse erva daninha - como parte da terapia. As "ervas daninhas" da "resistência", os sintomas, as crenças rígidas, o comportamento compulsivo etc., eram componentes essenciais que deviam ser levados em consideração e utilizados ativamente como parte da solução. De

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acordo com isso, Erickson acreditava que a terapia devia ser adaptada aos estilos e às idiossincrasias de cada paciente.

Erickson contou uma história para ilustrar essa abordagem de utilização. Quando estava na faculdade. ele pronunciava regularmente algumas palavras de forma errada. Uma delas era government (governo), que ele pronunciava goverment. Sua professora de dicção tentou em vão fazê-lo ouvir a palavra e reproduzir a pronúncia correta. Por fim, deparou-se com uma abordagem que funcionou. Ela escreveu o nome de uma de suas colegas na lousa. "La'Verne". Erickson conseguiu com facilidade pronunciar o nome corretamente. Ela então combinou o nome com "government", resultando em "goLavernement". Novamente, Erickson não teve dificuldades. Por fim, pediu-lhe que tirasse o “La". Erickson entendeu em um piscar de olhos como pronunciar corretamente a palavra (Rossi. 1980. vol. 1. p. 110).

Erickson acreditava que os pacientes tinham dentro de si ou de seus sistemas sociais os recursos para produzir as mudanças necessárias. O trabalho do terapeuta é o de conseguir acesso a esses recursos e auxiliar o paciente a colocá-los em prática nas áreas apropriadas da vida. Erickson não considerava as pessoas fundamentalmente imperfeitas ou necessitadas de reparo. Para ele, “... o predicado da terapia estava fundamentado na hipótese de que há uma tendência normal intensa da personalidade a ajustar-se, caso surja à oportunidade" (Rossi. 1980. vol. 4. p. 505).

Erickson também enfatizava a importância do respeito aos recursos internos do paciente. “... Devemos confiar na capacidade do paciente de fornecer as pistas e informações para podermos organizar a psicoterapia. O paciente consegue fazê-lo, se lhe for dada a oportunidade" (Erickson, 1966). Ele acreditava que a terapia poderia ser concluída muito rapidamente. “A doença pode chegar de repente; as pessoas podem, de repente, apresentar uma reação intensa a algo específico. Não acredito que precisemos pressupor ou propor uma causa antiga e um

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processo terapêutico longo e minucioso. “Se a doença pode ocorrer subitamente, a terapia também pode ocorrer da mesma forma” (Rossi. Ryan e Sharp. 1983. p. 71). Ele enfatizava o papel das expectativas positivas na obtenção da cura. “... Devemos acreditar que obteremos soluções em vez de aceitar passivamente uma sentença 'incurável'. Essa postura de expectativa nos aproxima muito mais da exploração, da descoberta e da cura" (Rossi. 1980. vol. 2, p. 202).

Erickson desenvolveu uma técnica (posteriormente chamada por De Shazer de "técnica da bola de cristal") que é a primeira que conhecemos voltada diretamente para a solução. Utilizando a hipnose, ele ajudou as pessoas a criar um senso de distorção do tempo, para que pudessem retroceder ou avançar no tempo. Chamava isso de "pseudo-orientação no tempo" (Rossi. 1980. vol. 4. pp. 397-423). Depois de terem sido iniciadas na distorção do tempo, ele as ajudava a desenvolver a habilidade da amnésia. Em seguida, as conduzia para um tempo no futuro,. posterior à solução do problema, e lhes pedia que imaginassem um encontro com ele nesse futuro imaginário, em que lhe diriam como haviam resolvido sua dificuldade. Após terem descrito essa cena, ele fazia com que os pacientes esquecessem a experiência e os mandava para casa. Algum tempo depois, eles em geral relatavam haver resolvido suas dificuldades.

Embora as inovações de Erickson sejam numerosas demais para serem descritas, queremos mencionar sua utilização da comunicação indireta, incluindo o uso de metáforas e pressuposições. bem como a técnica da intervenção padrão, que será posteriormente detalhada no livro. Erickson foi um dos primeiros terapeutas a reconhecer o impacto da comunicação do terapeuta no processo de levantamento de dados. Em 1965, ele escreveu, “... a experiência mostrou-me a importância da minha hipótese do meu papel de inquisidor puramente passivo, daquele que faz perguntas apenas para receber uma resposta, independentemente de seu conteúdo. Um tom de interesse no significado da resposta provavelmente induzirá os pacientes a

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responder como se tivessem recebido instruções sobre que resposta dar" (Rossi, 1980. vol. 1, p.94).

No entanto, deve ser dito que Erickson não era totalmente voltado para a solução e sua abordagem nem sempre foi breve. Ele tinha facetas demais para ser rotulado. Não obstante, seu trabalho inspirou grande parte da terapia voltada para a solução aqui descrita.

O Mental Research Institute (Instituto de Pesquisa Mental): terapia breve centralizada no problema

Em 1966, o Mental Research Institute (MRI) iniciou um projeto de terapia breve. Os terapeutas do MRI estavam convencidos de que a terapia podia ser concluída em um tempo muito mais curto do que aquele do padrão terapêutico dominante, John Weakland, Richard Fisch, Paul Watzlawick e outros trabalharam dentro de um limite de tempo preestabelecido de dez sessões. Um princípio de organização era que eles deveriam tentar resolver o problema apresentado em vez de reorganizar famílias ou desenvolver insight. Os esforços do grupo para delinear métodos específicos de criação de mudanças rendeu-lhes a reputação de pioneiros no campo da psicoterapia. Muitos princípios do modelo de terapia breve do MRI podem ser considerados precursores da terapia voltada para a solução.

O modelo de tratamento é chamado "centralizado no problema" porque os terapeutas que trabalhavam dessa forma tentavam atenuar apenas as queixas específicas que os pacientes traziam para a terapia. Não havia a tentativa de procurar a patologia subjacente ou a origem do problema. Não é feita nenhuma tentativa deliberada de promover insight. Os problemas são considerados interacionais por natureza. São vistos como dificuldades que surgem entre as pessoas e não no interior dos indivíduos. As pessoas que apresentam problemas

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não são vistas como pessoas com defeitos de caráter ou mentalmente doentes.

De acordo com essa teoria, os problemas se desenvolvem quando as dificuldades da vida do dia-a-dia escapam do controle. Quando a dificuldade passa a ser considerada um "problema", ele se mantém ou é agravado pelas tentativas infrutíferas para resolvê-lo. Em outras palavras, o problema é a solução tentada.

Por exemplo, consideremos o caso de pais preocupados com o filho adolescente que mente para eles. Muito provavelmente, esses pais começarão a prestar atenção, a investigar e a espionar seu filho para descobrir se ele está mentindo, e ficarão muito zangados quando o pegarem em uma mentira. É igualmente provável que o rapaz se torne mais evasivo e talvez minta ainda mais para evitar as cenas perturbadoras que se tornam cada vez mais comuns. Sempre que os pais o pegarem em uma mentira, dedicarão mais de sua energia à vigilância, e o filho dedicará sua energia para aprimorar as técnicas da mentira. Mesmo (e principalmente) quando os pais percebem que seus esforços não estão conseguin-do resolver o problema, intensificam essas ações em vez de desenvolver um plano novo e diferente. Segundo a opinião dos pais, o rapaz está piorando e por isso devem aumentar a vigilância e o confronto. Segundo o garoto, os pais estão ficando cada vez mais repressores e controladores, o que o obriga a ser mais esquivo e a mentir mais para escapar do seu controle.

Dentro desse modelo, o padrão de "mais doses do mesmo remédio" é o alvo-chave da intervenção terapêutica. Os pacientes em geral recebem algumas sugestões variadas para pararem de tentar resolver o problema sempre da mesma maneira. Quase sempre, são instruídos a alterar ou a inverter a maneira pela qual têm lidado com o problema até o momento, algumas vezes seguindo diretrizes paradoxais para agravar o problema. Frequentemente, isso é conseguido por meio da utilização dos sistemas de crenças dos pacientes, mas dando-lhes

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um novo ponto de referência dentro desses sistemas ("reenfoque ou reenquadramento").

Por exemplo, uma família procurou ajuda terapêutica porque o pai parecia "deprimido". A esposa e os outros membros da família fizeram tudo para animá-lo. Quando seus esforços falharam, tentaram com mais empenho ainda fazê-lo pensar de forma positiva. Isso, mais uma vez, pareceu apenas piorar as coisas. O terapeuta disse à esposa que o marido estava de fato deprimido e a família, obviamente, importava-se muito com ele e com seu bem-estar. Disse-lhe que todas as medidas tomadas para ajudá-lo a se sentir melhor eram sinais óbvios desse amor e atenção, mas havia algo que eles ainda não pensaram, serviria para lhe demonstrar seu amor de forma mais contundente.

O terapeuta explicou que o pai se sentia incompreendido e que ninguém realmente fazia idéia do seu tormento. Afinal, se realmente compreendessem, como poderiam lhe dizer para "se animar"? O terapeuta acrescentou: "O que ele na verdade precisa nesse momento é sentir que vocês estão de fato do lado dele. Vocês podem fazê-lo, concordando com ele quando reclama das coisas. E também podem fazê-lo sentir-se mais próximo, falando às vezes sobre as coisas que também deprimem vocês. Isso o ajudará a se sentir menos isolado."

Embora as ações sugeridas fossem o oposto do plano original da família, faziam sentido quando vistas sob esse novo prisma. Quando pararam de tentar animá-lo, sua "depressão" sumiu (Weakland, Físch, Watzlawick e Bodín, 1974. pp. 147-150).

Os teóricos do MRI afirmam que, da mesma forma que os sistemas familiares podem ficar paralisados em um padrão mal-sucedido de "tentativas de soluções", isso pode ocorrer com os sistemas paciente/terapeuta. Algumas vezes, as tentativas dos terapeutas de fazer com que os pacientes mudem pode produzir exatamente o efeito contrário. Conseqüentemente, é comum os terapeutas do MRI assumirem uma postura pessimista em

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relação à possibilidade ou à conveniência das mudanças. Se concentram a atenção em qualquer mudança, tendem a pedir a seus pacientes que "andem devagar", realizem apenas pequenas mudanças ou fiquem alertas esperando recaídas. Não obstante, o Projeto de Terapia Breve do MRI demonstrou que realmente era possível uma mudança acontecer de forma rápida.

O CENTRO DE TERAPIA BREVE DE FAMÍLIA: A EQUIPE QUE TORNOU MILWAUKEE FAMOSA

Michele fez parte de seu treinamento no Brief Family Therapy Center [Centro de Terapia Breve de Família] (BFTC), em Milwaukee, e por muitos anos pertenceu à equipe de pesquisa do centro. Durante esse tempo, observou o modelo de terapia breve do BFTC passar por mudanças significativas. Houve um abandono da abordagem voltada para a solução de problemas - centralizada nos problemas - que deu origem a esse modelo e uma ênfase nas soluções e em seus efeitos. A equipe afastou-se do enfoque na identificação dos padrões da interação em torno da queixa para interromper a sequência do problema, bem de acordo com a tradição do MRI, e se aproximou de um enfoque na identificação do que estava dando certo para identificar e ampliar essas sequências de soluções (De Shazer, 1982. 1985). O modelo da terapia desenvolvida no BFTC é chamado de terapia breve centralizada na solução.

Steve de Shazer, que escreveu extensamente sobre o trabalho da equipe, utilizou a analogia de uma chave mestra para caracterizar esse método (1985). Ele sustenta que o terapeuta não necessita saber muito sobre a natureza dos problemas trazidos para a terapia para conseguir resolvê-los. Mais relevante é a natureza das soluções. O dado mais importante é a chave que abre a porta, não o tipo de fechadura. A análise e a compreensão da fechadura são desnecessárias, se temos uma chave mestra que abre diferentes fechaduras.

Um desenvolvimento interessante do grupo do BFTC é sua declaração da morte da resistência (De Shazer, 1984). Sabemos que os membros da equipe organizaram até mesmo um velório

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para chorar a sua morte. Sua opinião é que a resistência não existe (especialmente se não se espera encontrá-la). Eles pressupõem que os pacientes na verdade querem mudar. É fato que nem sempre os pacientes seguem todas as sugestões do terapeuta, mas isso não é encarado como resistência. Quando acontece, os pacientes estão simplesmente mostrando aos terapeutas o método mais produtivo e adequado para ajudá-los a mudar. Cada paciente tem uma maneira própria de cooperar, e é tarefa do terapeuta identificar e utilizar essa forma de cooperação.

Para isso, eles desenvolveram a árvore de decisão descrita abaixo, cujo objetivo é ajudar os terapeutas a identificar os padrões de cooperação do paciente, por meio de lições de casa terapêuticas. Quando o estilo específico de cooperação é identificado, pode ser determinada uma resposta paralela do terapeuta. Essa árvore de decisão é uma variação da "abordagem de utilização" de Erickson. Em princípio, isso parece apenas como um reenquadramento inteligente ou renominalização da palavra "resistência", mas as implicações desse ponto de vista podem ser profundas na terapia.

Por exemplo, se é dada uma tarefa objetiva e o paciente reage seguindo as instruções, nas sessões futuras outra tarefa objetiva será indicada para fundamentar as mudanças. Em outras palavras, esse paciente específico provavelmente seguirá outra sugestão objetiva.

Se um paciente reage a uma tarefa objetiva modificando-a de alguma maneira, recomenda-se que o terapeuta utilize esse padrão oferecendo tarefas facilmente modificáveis, tarefas com múltipla escolha e uma certa ambiguidade.

Se os pacientes não fazem as tarefas (porque esqueceram, porque se recusam ou simplesmente porque não fizeram), não são dadas lições de casa específicas. Em vez disso, metáforas ou histórias sobre o modo como outras pessoas resolveram problemas semelhantes podem ser contadas durante a sessão. É

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frequente os pacientes nesse grupo escolherem uma das soluções e a empregarem por conta própria.

Se os pacientes fazem o oposto do que é sugerido pelo terapeuta, as orientações futuras conterão possibilidades de reação a um direcionamento terapêutico, fazendo o oposto do que é sugerido. Por exemplo, se um paciente parece ficar mais deprimido entre as sessões, depois do terapeuta ter oferecido sugestões que levam a mudanças, o terapeuta pode dizer ao paciente que provavelmente há alguns bons motivos para sua depressão e é essencial que não ocorra uma mudança muito rápida.

Outro marco no caminho na busca do enfoque na solução foi quando a equipe desenvolveu e observou a eficácia surpreendente de atribuições invariáveis e de receitas, que chamavam de "tarefas de fórmula". Eles descobriram que muitas das atribuições pareciam ter efeitos marcantes, independente da natureza da queixa. Isto é, a mesma intervenção pode ser tão eficaz com uma criança que urina na cama quanto com um adulto deprimido.

Estudaram uma tarefa específica: "A Tarefa da Primeira Sessão", e ficaram agradavelmente surpresos com os resultados. A tarefa,

de hoje até a próxima sessão, gostaria que vocês observassem - para poder nos descrever no próximo encontro - o que acontece em seu/sua (escolha um: família, vida, casamento, relação) que voce! gostaria que continuasse a acontecer (De Shazer, 1985, p. 137),

foi projetada para dirigir a atenção do paciente para o futuro e criar expectativas de mudança. Ela faz com que a pessoa ou a família observe as boas coisas sobre a sua situação e note que fazer mais o que parece estar dando certo resulta em situações cada vez mais satisfatórias.

Em uma avaliação de acompanhamento, 50 dos 56 pacientes relataram ter percebido coisas que gostariam que

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continuassem a ocorrer e 46 dos 50 descreveram pelo menos uma dessas coisas como algo novo (De Shazer et al., 1986, p. 217).

A equipe ficou intrigada com o fato de uma simples tarefa ter tal efeito positivo de forma uniforme em situações clínicas que variavam de maneira tão intensa. Concluíram que a elaboração de soluções tem menos relação com as queixas específicas trazidas pelos pacientes para a terapia do que haviam pensado. Além disso, tornou-se evidente - após uma utilização frequente dessa “Tarefa de Primeira Sessão" - que as intervenções podem desencadear mudanças sem que o terapeuta saiba muito, ou mesmo algo, sobre o problema. Esses tipos de intervenções como fórmula poderiam ser as chaves mestras para a solução.

Após desenvolver um conjunto de intervenções de chave mestra (De Shazer, 1985), a equipe do BFTC percebeu as impli-cações de seu sucesso. Se a solução era mais importante do que o problema, por que não enfocar mais os aspectos da solução da situação? Isso levou ao desenvolvimento de dois elementos da sua abordagem, a "pergunta do milagre" e a "pergunta da exceção".

A pergunta básica do milagre é: "Suponha que uma noite, quando você estiver dormindo, aconteça um milagre e seu problema seja resolvido, Como você perceberia isso? O que seria diferente?" (De Shazer, 1988, p. 5). (De Shazer diz que adaptou essa técnica daquela de Erickson da "pseudo-orientação no tempo"/bola de cristal, descrita anteriormente e no seu livro Keys to solution in brief therapy.) Pensar nessa pergunta parece tornar mais real um futuro livre de problemas, e portanto mais provável. Além disso, o terapeuta dispõe de diretrizes e informações concretas para ajudar o paciente a seguir direto para um futuro mais satisfatório. Por exemplo, se o paciente diz que após resolver o problema ele irá se encontrar mais frequentemente com os amigos, o terapeuta pode encorajá-lo a sair mais com os amigos como parte da atribuição da solução.

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A pergunta da exceção dirige o paciente para a procura de soluções no presente e no passado, em vez de no futuro, centrali-zando-se naqueles períodos em que os pacientes não têm ou não tinham problemas, mesmo que achassem o contrário. Por meio da ampliação das descrições dessas épocas, os pacientes podem descobrir soluções que haviam esquecido ou que passaram despercebidas, ou o terapeuta pode encontrar pistas para construir soluções para o futuro.

Por exemplo, seria perguntado a um casal que briga muito: "O que é diferente quando vocês se dão bem?" e "O que ele faz de diferente?" ou "O que ela faz de diferente?" e assim por diante. A equipe descobriu que a identificação e a edificação com base nessas exceções era, em muitos casos, uma maneira efetiva de desenvolver soluções.

A equipe desenvolveu ainda mais a noção da centralização nas exceções. Começaram a fazer perguntas sobre exceções cada vez mais cedo nas sessões. Frequentemente, após obterem uma breve descrição do problema, os terapeutas do BFTC perguntam imediatamente: "Então, o que é diferente quando as coisas funcionam?" As respostas informativas dos pacientes a essas perguntas fornecem à equipe mais evidências de que há pouca necessidade de se saber muito sobre o problema para criar soluções.

Desenvolvimentos recentes no BFTC incluíram o desenvolvimento de um modelo de "sistema especializado" computadorizado, que pode auxiliar os membros da equipe, colocados atrás de um vidro espelhado, a escolher rapidamente direções voltadas para a solução, baseadas nas respostas dos pacientes a perguntas e tarefas. Um dos membros da equipe, Eve Lipchik, tem ultimamente se concentrado no processo de entrevista como maneira de mudar as percepções dos pacientes durante o processo de levantamento e acompanhamento. Insoo kim Berg tem trabalhado nas áreas de abuso de substâncias tóxicas e de famílias desabrigadas para mostrar que essas

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abordagens podem ser eficientes até mesmo com as populações mais difíceis.

Como já mencionamos, estamos aprendendo uma lição do livro In search of excellence por meio do estudo do que há de melhor. Extrapolamos e incorporamos ao nosso trabalho os aspectos mais interessantes e voltados para a solução dos modelos descritos acima.

Sentados sobre os ombros dos gigantes que nos precede-ram, podemos olhar para o futuro da psicoterapia. Foi desse ponto de vantagem que a terapia voltada para a solução foi desenvolvida. Essa orientação voltada para a solução desafia várias hipóteses típicas e tradicionais da terapia. No próximo capítulo, examinamos algumas dessas hipóteses e oferecemos uma base conceitual para a terapia voltada para a solução.

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HIPÓTESES DESAFIADORAS

Estabelecimento de premissas para a terapia voltada para a solução

Examinamos as hipóteses da abordagem voltada para a explicação e a patologia e da abordagem da terapia voltada para a solução para estabelecer uma comparação entre ambas. Gostaríamos que ficasse claro que, para transmitir mais claramente nosso ponto de vista, talvez tenhamos exagerado as diferenças e, assim fazendo, talvez tenhamos também empobrecido algumas terapias.

HIPÓTESES COMUNS À MAIORIA DAS TERAPIAS CONTEMPORÂNEAS

Causas profundas, subjacentes aos sintomas

Uma hipótese comum a várias abordagens psicodinâmicas e várias abordagens de família/interacionais é que alguma dinâmica subjacente - não facilmente perceptível ao leigo - esteja criando o problema. Assim sendo, os problemas são "sintomas" de alguma causa profunda, subjacente e enorme como um iceberg. Na verdade, a própria palavra "sintoma" implica que a queixa das pessoas no início da terapia não é o problema real, mas sempre a manifestação de algum problema subjacente. Essa teoria do "ice-berg” parece vir diretamente da medicina, em que os processos sistêmicos dão origem a sintomas específicos. Na medicina, o tratamento apenas do sintoma pode ser inadequado ou até mesmo perigoso. Essa

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noção e essa precaução foram transferidas para os modelos de psicopatologia e para as abordagens de terapia.

A conscientização ou o insight são necessários para a mudança ou para a resolução de problemas

Seguindo novamente a metáfora médica, seria insensato tratar o "sintoma" sem entender suas causas subjacentes. Muitas terapias tentam resolver problemas, fazendo com que os pacientes se conscientizem da sua natureza e também da sua origem. A argumentação é que, para mudar algo, devemos estar conscientes da origem ou da verdadeira natureza do problema.

Na melhor das hipóteses, a melhora ou a remoção dos sintomas é inútil ou superficial; na pior é danosa ou perigosa

Jay Haley disse, talvez com ironia, que em sua opinião os psicanalistas evitam se concentrar na eliminação do sintoma por não saberem como fazê-lo (comunicação pessoal, 1985). A falta de ênfase da psicanálise nas soluções resulta da hipótese que não apenas é impossível eliminar-se o problema real por meio da remoção do sintoma, mas isso também poderia ser perigoso. O alívio temporário pode mascarar o problema e reduzir a motivação do paciente para buscar o tratamento das causas "mais profundas".

Sintomas cumprem funções

A hipótese de que os sintomas servem como funções está por trás até mesmo das mais (aparentemente) díspares das abordagens terapêuticas atuais. A maior parte dos terapeutas pressupõe que os sintomas ocorrem porque servem a algumas funções ou propósitos da vida da pessoa. Se não servissem a um propósito, não persistiriam. Essa idéia (que, nós contestamos, não serve a nenhum propósito) persiste tanto na terapia individual quanto na familiar. O terapeuta voltado para a psicodinâmica pressupõe que o sintoma serve a alguma função intrapsíquica, enquanto o terapeuta voltado para o interpessoal pressupõe uma função familiar ou interacional. Embora terapeutas voltados para a psicodinâmica e para o interpessoal

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possam não gostar de serem vistos como semelhantes como ensinamos os dois grupos pelo mundo afora, achamos que compartilham dessa convicção fundamental. O que resulta disso é a hipótese de que, se o sintoma for removido sem de alguma forma cuidar da função a que serve, inevitavelmente ocorrerá a substituição do sintoma. De acordo com essa crença, os sintomas podem se desenvolver novamente de várias maneiras - um novo sintoma surgirá para ocupar o lugar do anterior, ou este voltará, ou ainda alguma outra pessoa no campo interacional desenvolverá um problema.

Os pacientes são ambivalentes em relação à mudança e resistentes à terapia

Por meio da supervisão e do ensinamento de muitos terapeutas de várias correntes, observamos uma crença fundamental de que os pacientes não desejam na verdade uma mudança ou, pelo menos, são ambivalentes em relação à possibilidade de mudança. Por isso, temos que esperar sua reação ou contornar suas defesas. Essa posição alimenta um modelo hostil, por vezes com metáforas militares de tratamento ("atacar as defesas", "ser derrotado pelos pacientes", "estratégias para eliminar a resistência", "assassinos de terapeutas" etc.). Um autor até mesmo caracterizou famílias "resistentes" como "barracudas" (Bergman, 1985). Embora nos últimos anos tenha havido muitos debates sobre a questão (De Shazer, 1984. Stewart e Anderson, 1984), é óbvio que a noção de resistência não é passível de invalidação ou corroboração. Se estamos concentrados em encontrar a resistência, certamente acharemos algo semelhante a ela.

A verdadeira mudança leva, tempo; intervenções breves são superficiais e não duram

Como as raízes dos problemas e das patologias são profundas ou resistentes, e os padrões repetitivos estão arraigados nos indivíduos ou nos sistemas sociais, pouco pode ser alcançado com intervenções e contatos breves, além de provavelmente um melhor ajuste social ou de vida. Até mesmo

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se o sintoma desaparecer em pouco tempo, ele próprio ou algum sintoma substituto aparecerá no futuro. O paciente algumas vezes despista o terapeuta com um "vôo para a saúde", isto é, por parecer estar melhor, mas na verdade está apenas encobrindo o problema real. As mudanças resultantes de intervenções breves não são duradouras. A mudança real ocorre da mesma maneira que surge a patologia - durante um longo penado de tempo. A maior parte dos pacientes e dos terapeutas parece concordar com a idéia frequentemente repetida, mas infundada: "Vai demorar tanto para superar o problema quanto demorou para ele se desenvolver."

Na terapia voltada para o relacionamento, em que a relação entre o paciente e o terapeuta é o foco do tratamento, a construção desse relacionamento é demorada. Em nossas viagens, ouvimos a história de um supervisor que disse a um dos seus supervisionados que, em sua opinião, demorava no mínimo 27 sessões para se fazer um bom levantamento de dados, para conhecer-se a pessoa o suficientemente bem para poder ajudá-la. Embora este possa ser um caso extremo, a maior parte das terapias está voltada para um levantamento de dados e um tratamento demorado.

Algumas vezes, as terapias que são breves e trabalham na direção dos objetivos estabelecidos pelo paciente são consideradas superficiais. Jay Haley (1987. p. 25) sustenta que essa convenção de se falar sobre as terapias como possuindo (ou não) profundidade é apenas uma metáfora sem base científica. Ele pondera o que aconteceria se - em vez de "profundo" ou "superficial" - alguns terapeutas fossem rotulados como "de direita" ou "de esquerda". Será que um repúdio comum da abordagem de um concorrente seria simplesmente chamá-la de "extremista de direita" ou "extremista de esquerda"? É suficiente dizer que, se o paciente sai da terapia como um cliente satisfeito e não vivencia mais problemas claramente relacionados ao problema inicial, as discussões teóricas sobre a profundidade ou a superficialidade da terapia são supérfluas.

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Enfoque na identificação e na correção das patologias e das fraquezas

A maior parte das terapias enfatiza as patologias e as fraquezas. Michele apresentou uma fita da terapia voltada para a solução - uma "cura relâmpago" - em um workshop numa conferência nacional de terapia de família. A fita mostrava muito claramente as técnicas e o acompanhamento. Após a exibição, um membro da platéia comentou sobre a mãe "esfuziante" da família e perguntou se a terapeuta não havia notado algo muito estranho na sua afetação. Ele achou que ela parecia estar "fazendo uso de anfetaminas ou alguma droga estimulante". Temos a impressão de que os terapeutas procuram patologias em todos os lugares; claro que se você busca insistentemente você acaba achando.

Recentemente, Michele atendeu um menino de 15 anos e sua tia. Ele havia se mudado recentemente para a casa dela para dar um sossego temporário ao pai doente. Esse menino e o pai, que morava em outro estado, tinham um relacionamento extremamente conturbado. Antes da mudança do menino para a casa da tia, ele havia sido internado por vários meses para tratar de suas tendências para a rebeldia. Ao final da estada no hospital, o menino mostrava-se mais cooperativo com a equipe hospitalar, mas nenhuma melhora foi observada no relacionamento entre pai e filho.

Uma melhora sensível foi notada na casa da tia. Embora as coisas não fossem perfeitas, ele cooperava, melhorou suas notas na escola, procurou emprego e participava das atividades fa-miliares. Michele achou-o muito simpático e altamente motivado no tratamento. Sua tia era uma pessoa de mente aberta que não deixava que a má reputação do menino influenciasse suas expectativas em relação a ele.

Vários meses mais tarde, Michele recebeu um telefonema da psiquiatra que havia tratado do menino. Ela achou que devia contatar Michele para avisá-la sobre sua "personalidade manipuladora", “Tipo passivo-agressivo, narcisista e rancoroso"

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foram apenas alguns adjetivos que utilizou para descrever seu ex-paciente. Avisou Michele para não se deixar enganar por seu sorriso doce. Por fim, acrescentou que havia tratado do irmão do menino, que pelo menos tivera a decência de "bagunçar tudo", enquanto o paciente de Michele espertamente respeitava as regras e parecia cooperar, mas na verdade era o tempo todo falso e calculista.

Além da crença

Muitos terapeutas não consideram essas idéias simples hipóteses, mas "verdades". Nós as consideramos simplesmente crenças, e muitas até parecem superstições, com pouca evidência empírica para apoiá-las. Um dos problemas que vemos na sustentação dessas idéias como "verdades" inquestionáveis é que a crença dos terapeutas nessas "verdades" frequentemente influencia os dados e os resultados da terapia. Nós, terapeutas, algumas vezes criamos inconscientemente profecias auto-realizáveis (ou talvez neste caso devêssemos chamá-las de profecias realizáveis por outros). Se acreditamos na existência de um problema profundo, subjacente, é provável que realmente estimulemos a criação de um problema no decorrer da terapia. Se acreditamos que os pacientes sejam doentes e incapazes, eles podem cada vez mais corresponder às nossas expectativas. Esse tópico será discutido com mais detalhes nos próximos capítulos.

DA PATOLOGIA À SAÚDE: AS HIPÓTESES DA TERAPIA VOLTADA PARA A SOLUÇÃO

Há alguns anos, J. R. Burnham (1966) realizou um estudo interessante sobre os efeitos da expectativa do pesquisador. Os pesquisadores deveriam fazer com que os ratos atravessassem um labirinto. A metade deles tinha tido partes do cérebro removidas cirurgicamente. A metade restante recebeu incisões idênticas, mas nenhum tecido cerebral foi removido. Para os observadores de fora, os ratos pareciam iguais. Foi dito aos

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pesquisadores que o propósito da experiência era observar os efeitos das lesões cerebrais na aprendizagem. Foi dito a alguns pesquisadores que eles tinham ratos com lesões cerebrais, quando na verdade os ratos não tinham qualquer lesão. A outros pesquisadores foi dito que tinham ratos intatos, mas na verdade seus ratos tinham lesões cerebrais. Alguns receberam ratos corretamente identificados (com lesão ou intato). Os resultados foram os seguintes:

1. Os ratos que tinham lesões não apresentaram um resultado tão bom quanto aqueles que não tinham lesões.

2. Os ratos cujos pesquisadores acreditavam ter lesões, mas estavam intatos, não obtiveram resultados tão bons quanto os ratos que os pesquisadores acreditavam estarem intatos.

3. Os ratos com lesões, cujos pesquisadores acreditavam estarem intatos, obtiveram melhores resultados do que os ratos intatos que se acreditava terem lesões.

Tanto o segundo quanto o terceiro resultado são de inte-resse específico para nós. A partir desse e de outros estudos (Ro-senthal, 1966), fica evidente que as expectativas dos pesquisado-res influenciaram o resultado da experiência. A verdadeira condição do cérebro do rato influenciou menos o resultado do que a expectativa do pesquisador sobre o provável resultado. Podemos imaginar a diferença sutil nas maneiras com que os pesquisadores lidaram com os ratos e observaram os dados que poderiam ser responsáveis pelo desempenho diferenciado dos ratos no labirinto. Não estamos falando sobre desonestidade, mas sobre a influência inevitável das expectativas sobre as ações e percepções dos pesquisadores em relação aos dados.

Voltemos por um momento ao mundo da terapia. Suponha que você acabou de receber um novo encaminhamento, juntamente com informações secundárias do tipo "Mary é incrivelmente resistente à terapia" ou "John tem um pequeno déficit cerebral", ou "Esta é uma família multiproblemática, família enviada pelo tribunal". De que maneira você acha que

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essas informações influenciariam suas expectativas sobre o que é possível (ou impossível) ser feito na terapia? Nós sustentamos que as predisposições das expectativas dos terapeutas, não importa se positivas ou negativas, influenciarão o curso e o resultado da terapia de maneira semelhante às expectativas dos pesquisadores na experiência de Burnham.

Em seu livro Imagery in healing, Jeanne Achterberg (1985) oferece ótimos exemplos das maneiras nas quais as expectativas influenciam o resultado no campo médico/fisico. Ela relata uma história do livro de Norman Cousins. The heaIing heart, sobre um "paciente criticamente doente cujo músculo cardíaco estava irreparavelmente comprometido e com quem já haviam se esgotado todos os recursos terapêuticos. Durante as visitas médicas, Lown [seu médico) mencionou à equipe que o paciente tinha um batimento cardíaco em ritmo de galope, na verdade um sinal de patologia importante, e em geral indicativo de um coração doente. Vários meses mais tarde, o paciente foi fazer o check-up e sua recuperação havia sido fantástica. Ele contou ao Dr. Lown que sabia o que havia feito com que ele melhorasse e exatamente quando isso ocorreu ..... Na quinta-feira. pela manhã, quando você entrou com sua equipe. aconteceu algo que mudou tudo. Você escutou meu coração; parecia satisfeito com o que ouviu e disse a todos que estavam em volta do meu leito que eu tinha um batimento cardíaco em ritmo de galope. O paciente prosseguiu argumentando que nesse caso ele deveria ter um coração forte e, portanto, não poderia estar morrendo. Soube, naquele instante, que iria se recuperar" (Achterberg, 1985, p. 79, de Cousins, 1983, pp. 15-16).

Como o que esperamos influencia o que recebemos, os terapeutas voltados para a solução mantêm as pressuposições que intensificam a cooperação paciente-terapeuta, conferem poder aos pacientes e fazem com que o nosso trabalho seja mais eficiente e prazeroso. Defendemos suposições centralizadas nas potencialidades e nas possibilidades; por sorte, tais hipóteses também ajudam a criar profecias auto-realizáveis.

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Os pacientes têm recursos e forças para resolver suas queixas

O trabalho de Erickson com "Ma" (apresentado na Introdução) sugere a idéia de que cada pessoa Já conta com habilidades e recursos que podem ser utilizados para resolver suas queixas. É tarefa do terapeuta abrir caminho para essas habilidades e colocá-las em prática. Frequentemente, os pacientes subjugados pelas dificuldades da vida não conseguem mais encontrar seu potencial para resolver os problemas. É apenas uma questão de lembrá-los das ferramentas com as quais estão equipados para que desenvolvam soluções duradouras e satisfatórias. Outras vezes, eles podem ter algumas habilidades que podem ser acrescentadas ou estimuladas para ajudá-los a avaliar a situação.

Urna professora de primeiro grau procurou Michele porque não sabia mais corno lidar com a relação frustrante que tinha com a filha de 15 anos; estava completamente desnorteada. A paciente explicou que agrados constantes, lembretes, conversas francas, brigas e gritos não conseguiram que a filha cooperasse mais em casa. Segundo a mãe, a garota era auto-indulgente, rebelde e rude. Ficou claro que o único método que essa mulher utilizava para lidar com a filha era o de verbalizar seu descontentamento. Embora ocasionalmente variasse o volume de queixas, nunca havia considerado qualquer outra forma de disciplina. A mãe acreditava que a filha deveria ter mais respeito por seus sentimentos e por essa razão deveria obedecer. Infelizmente, a garota não concordava com Isso. Tudo o que era necessário para ajudar essa paciente a sair desse círculo vicioso era recordar seu trabalho com os alunos. Nós lhe lembramos que "todos os professores sabem que as crianças têm estilos di-ferentes de aprendizado. Alguns aprendem visualmente, outros auditivamente". Ela participou da conversa oferecendo informações adicionais sobre os estilos de aprendizado preferidos por seus alunos. "O método de ensino deve ser compatível com o estilo de aprendizado de cada aluno para que ele aprenda." Ela concordou entusiasticamente. Sugerimos que

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ela, por engano, havia considerado sua filha como uma aluna que aprendia de forma auditiva e deveria reavaliar a verdadeira abordagem da menina em relação ao aprendizado. Pondo em

ação suas inúmeras habilidades, ela não teve dificuldades em se tornar mais criativa e eficiente em suas reações em relação à filha.

A mudança é constante

Se você pressupõe que a mudança é constante, vai se comportar como se as mudanças fossem inevitáveis. Por intermédio de meios verbais e não-verbais, os pacientes terão a impressão de que seria surpreendente se a queixa atual persistisse. Os físicos nos dizem que tudo se resume a fluxos: átomos e moléculas estão se movendo constantemente e se colocando no universo físico. Os biólogos nos informam que o tempo todo criamos novas células em nosso corpo, de tal modo que, no final, temos um conjunto de células totalmente novo em nosso corpo. Vemos também o universo em continua mutação. Na verdade, achamos que a situação das pessoas está mudando sempre. O que permanece igual é o modo de elas verem a situação, quando relatam que nada mudou.

A mãe e a filha adolescente tratadas no consultório de Michele deveriam relatar o resultado da lição de casa que lhes foi passada durante a primeira sessão. A tarefa foi projetada para reduzir o número de discussões entre elas. Já que a mãe havia se queixado previamente que discutiam constantemente. A garota começou a descrever com riqueza de detalhes uma discussão que ocorrera durante a semana. A mãe acrescentou suas impressões sobre a discussão. Após dez minutos, a terapeuta interrompeu as duas com a pergunta: "Por falar nisso, corno foi o resto da semana?" O comportamento da mãe mudou abruptamente. "Ah", disse ela, "ela foi um anjo!! Fora essa discussão, comportou-se muito bem".

Acreditamos que, se a terapeuta lhes tivesse permitido ficarem discutindo sobre a briga, elas o teriam feito durante quase toda a sessão. Além disso, é provável que saíssem

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da sessão concentradas nas dificuldades do relacionamento, apesar do fato do resto da semana ter sido extremamente agradável. Muito provavelmente, isso prejudicaria o relacionamento entre as duas. Felizmente, para essas pacientes, a hipótese da terapeuta de que a "mudança é inevitável" levou-a a dedicar o restante da sessão a explorar o que contribuiu para elas terem uma semana relativamente pacífica.

Da mesma forma, quantas vezes não acontece de um casal que tenha tido uma ou duas semanas extremamente amigáveis, discutir a caminho do consultório do terapeuta e essa discussão levar o terapeuta a achar que não houve melhora? O terapeuta vê duas criaturas nervosas e tira conclusões imediatas - às vezes inconscientes - sobre o progresso, que provocam seu desânimo. Quando o casal explica ansiosamente a natureza da discussão (achando que é para isso que estão fazendo terapia), percebem o desânimo crescente do terapeuta e as lembranças boas da semana acabam se perdendo.

Inversamente, quando garantimos aos pacientes que sua briga será discutida após a verificação da lição de casa (oferecendo-lhes uma oportunidade para relatar os acontecimentos positivos da semana), os sentimentos positivos que afloram a partir dessa discussão criam um contexto muito diferente no qual mais tarde a discussão será re-trabalhada positivamente, se a essa altura isso ainda for necessário. As lembranças da briga podem também ser amortecidas dessa maneira. É óbvio que os terapeutas podem influenciar muito a percepção do paciente da inevitabilidade da mudança e o que "supostamente" deveria acontecer durante a sessão terapêutica.

Como foi mostrado em nossa discussão inicial, achamos que o terapeuta canaliza a discussão na sessão para uma certa direção, baseada em preconceitos e hipóteses. Como o terapeuta voltado para a solução está centralizado na ocorrência da mudança, ele muda o enfoque da conversa, afastando-a de comentários sobre nada haver mudado e a conduzindo para a percepção do quanto às coisas mudaram.

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A tarefa do terapeuta é identificar e ampliar as mudanças

“Como terapeutas, temos um dever. O dever de obter clareza em nós mesmos; depois, procurar qualquer indicio de clareza nos outros e implementá-lo e reforçá-lo no que nele há de sadio."

Gregory Bateson (1972. p. 487)

Pelos exemplos acima citados fica claro que, como terapeutas, ajudamos a criar uma realidade específica por meio das perguntas que fazemos e dos tópicos que escolhemos enfatizar, assim como dos tópicos que escolhemos ignorar. Na miscelânea de informações que os pacientes nos fornecem, achamos importante focalizar o que parece estar dando certo - não importando se é um detalhe mínimo: devemos classificá-lo como válido, e trabalhar no sentido de ampliar essa situação. Na descrição de suas observações sobre o trabalho de Erickson, Haley escreveu: “É também uma característica do trabalho que Erickson realiza com famílias a busca de pequenas mudanças e a ampliação dessas mudanças. Se a mudança ocorreu em uma área vital, o que parece pequeno pode mudar todo o conjunto. Algumas vezes, ele utiliza a analogia de um buraco em um dique; não há necessidade de um buraco muito grande para provocar uma mudança na estrutura de toda a represa" (1973, pp. 34-35).

Em geral é desnecessário saber muito sobre a queixa para resolvê-la

De forma típica, os terapeutas voltados para a solução não consideram fundamental a reunião de informações históricas extensas sobre o problema apresentado. Algumas vezes, apenas o mínimo necessário de informações é suficiente para começar a resolver a queixa. Descobrimos que os terapeutas frequentemente ficam perdidos, por disporem de um excesso de informações - em vez de muito poucas - ou de muita informação sobre o problema e muito pouca sobre a solução.

Há vários anos, Michele atendeu uma mãe e a filha de 15 anos. No início da primeira sessão, perguntou às duas quais as

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mudanças positivas que haviam observado antes de chegarem a consultar. Durante 15 minutos, a mãe falou positivamente sobre as mudanças que observara entre telefonar para marcar hora e conseguir a consulta. Ela disse: "Estou mais relaxada porque minha filha parece mais feliz e menos tensa ... Posso me concentrar muito mais no trabalho ... Percebi meu papel na manutenção dessa situação e fiz algumas mudanças ... O pai parece ter parado de implicar com ela, de maneira que estou me sentindo bem melhor." Depois, a garota acrescentou seu próprio relato do progresso, que incluía estar mais relaxada, dar-se melhor com os amigos, ser capaz de se concentrar na escola e ficar aliviada porque a mãe se sentia melhor.

No meio desses relatos de mudança (que soavam como aquilo que é dito durante a sessão final de um tratamento bem-sucedido), Michele percebeu que não sabia absolutamente nada sobre a queixa. Como as pacientes continuavam a enumerar as mudanças, ela pensou no que fazer a seguir, Já que estava espantada com o número e a magnitude das mudanças relatadas. Ela pensou em perguntar simplesmente:

"Então, o que é necessário acontecer para que essas mudanças continuem?", mas achou que não seria produtivo pensar em resolver um problema completamente desconhecido.

Em vez disso, recorreu à pergunta: “O que posso fazer por vocês?" No momento em que fez a pergunta, ficou evidente que havia revertido o impulso para frente iniciado pela primeira pergunta. Tanto a mãe como a filha obedeceram oferecendo seus relatos das dificuldades que estavam experimentando. Inadvertidamente, Michele havia desviado as duas do processo de mudança.

Em vez de informações detalhadas sobre a queixa, o que parece ser significativo para os terapeutas voltados para a solução é o que os pacientes já estão fazendo e está dando certo. Quando o paciente identifica os períodos nos quais a queixa que o trouxe à terapia não incomoda, há muito o que aprender com essas exceções. Qualquer coisa diferente nessas ocasiões pode

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ser identificada, e o paciente pode aprender a fazer continuamente o que está dando certo, "esvaziando" assim o problema. É como se uma tela de televisão ficasse cheia com o que está na frente da câmera da conversa terapêutica. Se a câmera está focalizando principalmente os problemas e as patologias, tanto o terapeuta quanto o paciente percebem os problemas e a patologia. Se as perguntas e a discussão estão voltadas para a solução e para os recursos, essas imagens é que dominarão a tela. De modo similar, se os pacientes puderem ser levados a perceber ou a influenciar as forças e as soluções fora da sessão, essa percepção ou experiência preencherá a "tela" da sua vida também fora da terapia.

Não é necessário saber a causa ou a função de uma queixa para resolvê-la

Os terapeutas voltados para a solução não aceitam a crença de que os sintomas (que chamaremos de "queixas") servem a funções para os indivíduos, os relacionamentos ou as famílias. Até mesmo as hipóteses mais perceptivas e criativas sobre a possível função de um sintoma não oferece ao terapeuta uma pista sobre a maneira como as pessoas podem mudar. Simplesmente, sugere como a vida das pessoas tornou-se estática e qual a razão de permanecer assim.

Essencialmente, a idéia de que sintomas servem a funções tem suas raízes na teoria psicanalítica. A doutrina da substituição do sintoma sustenta que os problemas psicológicos representam conflitos subjacentes e qualquer enfoque na remoção do sintoma - em vez de na remoção da questão subjacente – provocaria, no mínimo, o surgimento de outro sintoma ...

Nunca foi empiricamente demonstrado que a eliminação do sintoma conduza inevitavelmente à ruptura da família ou a novos sintomas em outros membros familiares. Com certeza, não foi este o caso dos 300 ou mais registros de caso examinados

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por mim no MRI. A reação mais típica das famílias à melhora de seus membros é alívio __ .

Não obstante, um terapeuta que acredita que os sintomas servem a funções, pode na verdade encorajar a ruptura da família. Quando a terapia é guiada pela crença na função dos sintomas, uma colaboração verdadeira com as famílias é dificultada... O problema mais sério da noção de função dos sintomas é que ela pode se tornar uma profecia antiterapêutica, auto-realizável (Coyne, 1985, pp. 60-61).

Antes do início do tratamento, a maioria dos pacientes especulou (ad nauseam) sobre as causas e as razões de suas dificuldades. Esse tipo de análise raramente os leva em direção à solução; e, se levasse, eles não estariam buscando tratamento. Saber "por que" uma pessoa come demais raramente ajuda a reduzir o apetite ou a mudar os hábitos alimentares.

Devido a experiências terapêuticas anteriores, às imagens que a mídia fornece sobre o processo terapêutico, ou a uma crença cultural na validade da procura por causas, muitos pacientes nos relatam que seu objetivo no tratamento é entender a "razão" de estarem enfrentando esse problema específico. A isso respondemos: "Para você seria suficiente o problema desaparecer, mesmo que você nunca entendesse por que ele surgiu?" Em geral, os pacientes concordam que sua busca principal é a atenuação da queixa. Apenas achavam que tinham de entender o problema antes de resolvê-lo.

Uma pequena mudança é tudo o que é necessário: uma mudança em uma parte do sistema pode influenciar

uma mudança em outra parte do sistema

As pessoas que levam uma vida monótona frequentemente falam sobre círculos viciosos. Eles sabem que sair e fazer algo pode aliviar a depressão, mas estão muito deprimidos para sair e

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fazer algo. O reconhecimento de sua incapacidade de reagir faz com que fiquem mais deprimidos, o que por sua vez diminui a probabilidade de saírem e assim por diante.

Essa tendência de intensificar os pensamentos e as ações pode também operar na direção contrária. Quando uma pequena mudança é obtida, as pessoas sentem-se otimistas e mais confiantes para arriscar outras mudanças. Os casais em busca de tratamento frequentemente fornecem exemplos claros desse fenômeno. Esses relacionamentos são caracterizados por acusações e recusas. No entanto, quando a pessoa A faz algo que agrada a pessoa B, esta retribui, o que por sua vez estimula A a responder na mesma moeda, e assim por diante. (Talvez isso possa ser chamado de uma "espiral benevolente”.)

Erickson utilizou a metáfora de uma bola de neve rolando montanha abaixo para descrever a importância das pequenas mudanças. A mensagem dessa metáfora é que, quando a bola começa a rolar, o terapeuta apenas precisa ficar fora do caminho. Isso contrasta com o modelo terapêutico "Sisyphus" (baseado no mito grego de Sísifo), no qual o terapeuta ajuda o paciente ou a família a levar a rocha do problema até o cume da montanha apenas para descobrir no começo da próxima sessão que a rocha está novamente no pé da montanha. Alguns terapeutas chegam a levar a rocha até o cume da montanha, enquanto a família observa embaixo.

Outro aspecto da mudança é o fato de ela ser contagiosa; uma mudança em uma parte do sistema resulta em mudança em outra parte do sistema. Nos workshops, algumas vezes exibimos um filme de uma mãe e seu filho que se queixam de muitas coisas, inclusive da avó (que não está presente na sessão) e de seu comportamento intrometido. O comentário mais frequente dos observadores após assistirem a primeira sessão é que o terapeuta deveria incluir a avó na segunda sessão para resolver suas divergências. A segunda sessão começa com a mãe relatando que as coisas melhoraram muito, e seu filho concorda entusiasticamente. Ela acrescenta que a avó cuidou da própria

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vida nessa semana, o que foi muito bom. No entanto, isso deixa os participantes do workshop confusos, pois o terapeuta não lhes deu tarefas de casa ou mensagens relacionadas à avó. O que poderia, então, ter causado essa súbita mudança em seu comportamento irritante?

Observamos com frequência que uma mudança em uma parte da família leva a mudanças em outras partes da família. Da mesma forma, uma pequena mudança na vida de um indivíduo frequentemente cria um efeito cascata em outras áreas. Imaginemos o movimento de um móbile. Pouco tempo após uma pequena parte ter sido colocada em movimento, todo o móbile está rodando e girando. Como a mudança parece acarretar mais mudanças, os terapeutas voltados para a solução, em vez de se preocupar com a substituição do sintoma ou com a recaída ao final da terapia, imaginam um futuro ainda mais brilhante do que a situação do cliente no final da terapia. Temos a impressão de que as mudanças positivas vão continuar e podem se expandir e ter efeitos benéficos em outras áreas da vida da pessoa.

De acordo com os estudos de acompanhamento feitos no Brief Family Therapy Center e no Mental Research Institute, parece haver uma base empírica para esse otimismo. Uma das várias perguntas utilizadas no acompanhamento é: "Os problemas antigos não tratados diretamente na terapia melhoraram desde que você terminou a terapia no BFTC?" Em um estudo em particular, 15 entre 23 pacientes pesquisados relataram melhoras em outras áreas (De Shazer, 1985, pp. 156-157). Um estudo de acompanhamento realizado no Youth Service Bureau (Serviço de Atendimento ao Adolescente) do Condado de McHenry (Illinois), onde Michele trabalha, formulou as mesmas perguntas, e chegou quase aos mesmos resultados, com 67% dos pacientes pesquisados relatando melhoras em outras áreas.

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Os pacientes definem a meta

No exemplo do filme acima, a mãe diz à terapeuta que sua meta na terapia é ser menos sarcástica e brigar menos com seu filho. No entanto, quando perguntamos aos terapeutas que assistiram ao vídeo quais seriam, em sua opinião, as metas da mulher, eles sugeriram coisas como: "A mãe (que é solteira) precisa de um namorado", "A mãe deve permitir que o filho seja mais independente", "Eles precisam olhar mais um para o outro" e "Eles precisam sair da casa da avó". Todas essas sugestões podem ser boas, mas têm pouco a ver com as metas que a paciente estabeleceu para si mesma. Algumas vezes, quando fazemos esse exercício, os terapeutas não conseguem nem mesmo se lembrar das metas expressadas pela mãe.

Os terapeutas voltados para a solução não acreditam que haja uma maneira única "correta" ou "válida" de viver a vida. Com o tempo, vimos que o que é um comportamento inaceitável para uma família ou para uma pessoa é um comportamento desejado para outra. Portanto, são os pacientes - não os terapeutas - que devem identificar as metas do tratamento. (Isso é diferente de estarmos identificando problemas, que consideramos uma criação conjunta do paciente e do terapeuta.)

Os terapeutas são treinados para enxergar patologias. Assim, na situação anteriormente citada, eles podem estar convencidos ser patológico a mãe e o filho viverem com a avó. Achamos que essa decisão deve ser tomada pelas pessoas envolvidas (avó, mãe e filho), e podemos trabalhar na direção das metas expressadas sem impor a elas nossas idéias sobre como devem viver após o sucesso do tratamento.

A esse respeito, Erickson declarou: "Cada pessoa é um indivíduo único. Por isso, a psicoterapia deve ser formulada para ser combinada com a singularidade das necessidades individuais, em vez de colocar a pessoa no leito de Procusto de uma teoria hipotética do comportamento humano" (Zeig. 1982. p. vii).

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Vale agora uma consideração final sobre o estabelecimento de metas na terapia. Trabalhamos com vários pacientes cuja experiência prévia de terapia foi desapontadora pela seguinte razão: ao contrário do que o paciente identificara como meta, o terapeuta insistia em que ele ou ela sabia qual era o problema real e, portanto, qual deveria ser a meta do tratamento. Frequentemente, esses pacientes dizem: "Trouxemos nosso filho para um aconselhamento sobre seu problema de comportamento, mas o terapeuta disse que na verdade estávamos tendo um problema conjugal e deveríamos trabalhar nosso casamento. Ficamos furiosos e decidimos não voltar."

Como não acreditamos na existência de um "problema real" subjacente à queixa, nem que os terapeutas estejam mais bem equipados para decidir como os pacientes devem viver, pedimos às pessoas que procuram nossa ajuda que estabeleçam suas próprias metas para o tratamento. Apenas em circunstâncias raras, fazemos sugestões alternativas às metas do paciente. O estabelecimento de metas ilegais, como abuso de criança, é uma exceção óbvia. Nas próximas seções falaremos mais detalhadamente sobre a maneira de se lidar com metas inacessíveis ou irrealistas, outra exceção.

Na maioria dos outros casos, os pacientes estabelecem suas próprias metas. Se o casal descrito acima deseja trabalhar com base no comportamento do filho, isso é exatamente o que iremos fazer. Desnecessário dizer que é previsível a melhora do rela-cionamento do casal se não tiver que brigar sobre o comportamento do filho. Há mais de uma maneira de se resolver as coisas.

A mudança rápida ou a resolução de problemas é possível

Acreditamos que, como resultado de nossa interação du-rante a primeira sessão, nossos pacientes adquirem uma visão nova, mais produtiva e otimista de sua situação. Se, após a pri-meira sessão, eles ainda acharem que sua situação precisa ser melhorada, esperamos que voltem para casa e façam o necessário para que sua vida seja mais satisfatória. Portanto, é

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comum que mudanças significativas sejam relatadas na segunda sessão e que essas mudanças sejam bastante permanentes. Para os terapeutas que trabalham dessa forma, a duração média do tratamento varia, mas o prazo médio é menor que dez sessões, em geral quatro ou cinco, e ocasionalmente apenas uma.

As preocupações que os pacientes trazem para os terapeutas voltados para a solução não diferem daquelas dos pa-cientes que procuram outros tipos de tratamento. Mesmo assim, uma resolução rápida de problemas ou uma "cura espontânea" não é um relato comum em outras modalidades de tratamento. Mais uma vez, estamos convencidos de que os terapeutas e os pacientes criam realidades conjuntamente. A crença do terapeuta sobre o que pode ser no final alcançado pode ser o fator mais significativo na contribuição para as expectativas de mudança do paciente.

Outra ilustração curiosa da cura rápida está descrita no livro Imagery in healing (Achterberg. 1985. pp. 82-83). Uma escritora de assuntos médicos, especializada em câncer, recebeu um diagnóstico de tumor cerebral e um prognóstico de seis meses de vida. No entanto, quando ela reviu as estatísticas norte-americanas de câncer com uma pessoa que a ajudou a interpretá-las, descobriu que, embora seja verdade que a expectativa de vida média seja de seis meses, 38% dos pacientes em seu grupo de idade poderiam viver até três anos, e 27% viveriam ainda até dez anos e seriam considerados curados após esse período. De posse dessas novas estatísticas, pensou: "Vou conseguir." Em conformidade com essa proposta, “... começou a pensar e a agir novamente como uma pessoa saudável. Em dois dias, sua fala melhorou, sua memória também, e uma tosse persistente desapareceu. Ela insistiu em fazer um programa de fisioterapia para ajudar a fortalecer seu braço e mão fracos, e além disso solicitou que a alta dose de tranquilizantes e soníferos fosse reduzida. O neurologista que trabalhava conosco ficou surpreso com seu rápido progresso".

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Não há, uma maneira "correta" de se ver as coisas; diferentes maneiras podem ser tão válidas e podem também se adaptar aos fatos

No filme Japonês clássico, Rashomon, a história de um assassinato é contada por meio dos olhos e da memória de vários observadores diferentes. O curioso na história é que, embora as pessoas descrevam os mesmos acontecimentos, as descrições variam incrivelmente. Não há uma maneira de se determinar que descrição é a mais "correta"; pelo contrário, fica evidente que cada opinião é uma parte pequena do quadro total e é colorida pelos preconceitos e hipóteses de cada um.

Em terapia, quando trabalhamos com casais e famílias, lembramo-nos do efeito Rashomon. Algumas vezes, quando duas pessoas descrevem um acontecimento, uma discussão, ou até mesmo o enredo de um filme, é difícil acreditar que ambos viram a mesma coisa. Na medida em que as opiniões diferentes são descritas, em vez de pensarmos em cada uma delas como "certa" ou "errada", pressupomos que a percepção de cada pessoa representa uma parte igualmente válida e integral da situação.

Embora não consideremos a existência de opiniões corretas ou incorretas, acreditamos que hajam pontos de vista mais ou menos úteis. Isto é, as opiniões das pessoas sobre seus problemas intensificam ou reduzem a probabilidade da solução. Opiniões úteis oferecem um escape das teias psicológicas tecidas pelas pessoas. As opiniões que fazem com que elas fiquem paralisadas não são úteis.

Por exemplo, embora ninguém possa discordar dos "fatos" da situação: "Steve tem cabulado aula e é repetente em cinco matérias", pode haver um desacordo intenso sobre o "significado" desse comportamento. O comportamento de Steve pode ser descrito como rancoroso e preguiçoso. O pai pode descrever o ato de cabular aula como um ato de rebeldia, de agressividade. Ou, talvez, seus pais possam presumir que ele está tendo um problema de autoestima desde a mudança para a

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nova escola, há seis meses. A mãe pode acrescentar que estão sob forte tensão devido a problemas financeiros e Steve, provavelmente, está refletindo a tensão que existe em casa. Uma terceira opinião poderia ser que o fato de Steve não estar indo à escola é um exemplo do seu comportamento irregular em geral, sintomático de sua alergia ao açúcar.

Essas opiniões influenciam o modo como as pessoas irão lidar com a tarefa de tentar reduzir o comportamento gazeteiro de Steve. Tendo rotulado Steve como rancoroso e preguiçoso, seus pais, com toda a probabilidade, irão utilizar a punição ou a disciplina para obrigá-lo a melhorar sua frequência escolar. Entretanto, se o problema for a autoestima de Steve, conversas francas e longas discussões ("O que há de errado? Diga-me o que está te aborrecendo.") são a regra. As consultas terapêuticas são quase sempre programadas para se "chegar à raiz do problema". Os pais com essa opinião em geral não consideram a utilização de consequências negativas (punições) para comportamentos indesejáveis. Da mesma forma, se os pais estão convencidos de que a causa do comportamento de seu filho é fisiológica, então fica claro que o indicado é um tratamento bioquímico, e outras abordagens não serão buscadas ou bem-vindas.

Sendo assim, os significados atribuídos pelas pessoas ao comportamento limita a variedade de alternativas que elas irão utilizar para lidar com a situação. Se os métodos utilizados não produzem resultado satisfatório, a hipótese original sobre o significado do comportamento não é em geral questionada. Se fosse, novos significados poderiam ser considerados, o que por sua vez poderia resultar em uma abordagem diferente e talvez mais eficaz. Em vez disso, as pessoas frequentemente redobram seus esforços para resolver o problema de maneira ineficiente, acreditando que atuando com mais frequência e intensidade (por exemplo, mais punições, mais conversas francas e assim por diante) finalmente resolverão o problema ("mais doses do mesmo remédio" do MRI; Watzlawick, Weakland e Físch, 1974). Em sua persistência, lembram os "turistas que viajam por

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países de línguas não-inglesas e que, quando não são entendidos pelos nativos, falam mais alto" (Weiner-Davís. 1984. p. 47).

Algumas vezes, tudo o que é necessário para se iniciar uma mudança significativa é uma virada na percepção que a pessoa tem da situação. Por exemplo, uma mãe estava muito preocupada com sua filha adolescente. Relatou que a garota dava a impressão de estar deprimida porque passava muito tempo sozinha no quarto, e quando se reunia à família para as refeições, ficava quieta, parecendo ansiosa para voltar ao quarto. Como é frequente nessas situações, a mãe tentou ajudar perguntando à filha: “Você está bem? O que há de errado? Está deprimida?" Para fugir desse interrogatório, a menina ensimesmou-se ainda mais.

Perguntamos à mãe como ela caracterizava a diferença entre a "depressão" e a "melancolia normal do adolescente". Ela refletiu por um momento sobre a pergunta e disse que de fato não havia considerado a possibilidade de a filha estar apenas melancólica. Essa nova visão da velha situação proporcionou-lhe um grande alívio. A próxima vez em que viu a filha quieta, lendo no quarto, não achou nada demais e se sentou no sofá para ler um bom livro. A garota percebeu que algo estava diferente, pois a mãe não ficava mais na porta observando o que ela fazia: curiosa, desceu para ver o que estava acontecendo. A presença da garota embaixo reforçou a nova percepção da mãe de que sua filha estava bem, e assim por diante.

O enfoque é no que é possível e mutável; não no que é impossível e intratável

Como terapeutas voltados para a mudança, queremos concentrar nossa atenção na mudança e nos aspectos mutáveis das experiências dos nossos pacientes. Portanto, não vamos nos concentrar em entidades, em aspectos do paciente ou na situação do paciente que não sejam passíveis de mudança.

Uma das novas manias em terapia é o diagnóstico de "personalidade borderline - distúrbio limítrofe de

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personalidade". Realizamos pesquisas em nossos workshops e ainda não encontramos alguém que tenha curado ou modificado uma personalidade limítrofe. O melhor que há a fazer com esse diagnóstico, além de anos de terapia intensiva e potencialmente malsucedida, é administrar o distúrbio.

Talvez seja este o ponto crucial do desacordo entre os terapeutas voltados para a solução e os terapeutas de longo prazo, que seguem outras orientações. Aqueles de nós que são mais voltados para a solução gostam de trabalhar com metas absolutamente bem definidas, atingíveis dentro de um período de tempo razoável (isto é, bem menor que os 20 anos de Alby Singer). Os terapeutas de longo termo frequentemente se comprometem, voluntária ou involuntariamente, a tentar mudar as características relativamente fixas das pessoas, como a personalidade e os complexos. Curar uma personalidade limítrofe está fora do nosso alcance, mas ajudar uma pessoa a conseguir um emprego ou amigos, ou a ter relações sexuais satisfatórias ou ainda impedir que ela se machuque está ao alcance de nossa capacidade.

Portanto, concentramo-nos nos aspectos da situação da pessoa que parecem mais passíveis de mudança, conscientes de que dar início a mudanças positivas e ajudar a pessoa a atingir pequenas metas pode ter efeitos mais abrangentes e inesperados em outras áreas (talvez até na "personalidade"). Evitamos construções psicológicas que não sejam proveitosas para as mudanças. As construções de personalidade podem ajudar a entender a complexidade das pessoas, mas é necessário todo um novo conjunto de construções para ajudá-las a mudar.

Jay Haley (1976) defendeu muito bem seu ponto de vista:

Rotular uma criança como "delinquente" ou como portadora de uma "disfunção cerebral mínima", ou rotular um adulto como "alcoólatra" ou "esquizofrênico", significa que estamos de tal maneira participando da criação de um problema em que a mudança torna-se ainda mais difícil. Um terapeuta

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que descreve uma situação familiar como caracterizada por "uma mãe dominante e um pai passivo", ou "uma relação simbólica entre mãe e filha", criou problemas, embora possa achar que está apenas identificando os problemas a ele apresentados. A maneira como rotulamos um dilema humano pode cristalizar um problema e tomá-lo crônico.

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O PRINCÍPIO DA INCERTEZA NA TERAPIA

A criação conjunta de problemas solúveis

‘Se a terapia pretende ter um final adequado, deve ter um início adequado - por meio da negociação de um problema solúvel... A terapia inicia-se pela maneira como o problema é examinado.’

Jay Haley, Problem solving therapy, p. 9

Doença iatrogênica é o nome dado aos problemas físicos causados ou intensificados pela abordagem adotada pelo médico que está tratando o problema. Um exemplo é a discinesia tardia, um mal semelhante ao de Parkinson, causado pelo uso prolongado de remédios psiquiátricos (neurolépticos). O que queremos enfocar são as técnicas da saúde iatrogênica, isto é, a saúde estimulada ou criada pela interação terapêutica. Em 1961, Erickson, sempre à frente de seu tempo, dissertou sobre esse tema durante uma palestra. "Embora tenha lido vários artigos sobre a doença iatrogênica e tenha escutado inúmeras discussões sobre o assunto, há um tópico sobre o qual vi muito pouca coisa escrita, a saúde iatrogênica. A saúde iatrogênica é uma consideração muito importante - muito mais importante do que a doença iatrogênica" (Rossi e Ryan, 1986. p. 140). Compartilhamos essa preocupação de Erickson, por isso queremos introduzir você, leitor, na utilização das técnicas que

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podem criar um "efeito placebo" na direção da solução e cura em vez de, inadvertidamente, na de problemas e patologias.

CRIAÇÃO CONJUNTA DE REALIDADES

Em nossa opinião, é um erro considerar o processo de entrevista da mesma maneira que pensamos sobre um médico levantando informações sobre um sintoma físico. O médico está interessado nos aspectos relacionados à queixa física, no caso o osso quebrado. Ele se interessa por dados sobre os eventos que ocorreram fora de seu consultório e, assim, pergunta: "Como isso aconteceu?", “Quando você caiu?", “Onde dói?", “O inchaço está igual ou maior do que antes?" Sua capacidade de coletar informações exatas sobre o sintoma irá ajudá-lo a fazer um diagnóstico adequado e a determinar o plano de tratamento correto. A terapia é diferente. As queixas que o paciente traz à terapia não são iguais às queixas de ossos quebrados ou de garganta inflamada. Como terapeutas, exercemos grande influência nas percepções e experiências dos pacientes em relação a sua situação durante o processo de entrevista. O que escolhemos considerar, o que escolhemos ignorar, a maneira como fazemos as perguntas, a decisão de interromper ou ficar calado - tudo ajuda a formar um quadro da situação do cliente.

Por exemplo, quando uma pessoa diz: "Perdi totalmente o controle da minha vida", há muitas direções que o terapeuta pode seguir. Permanecer em silêncio e permitir que o paciente elabore é uma de muitas possibilidades. Escolher a(s) pergunta(s) a fazer está longe de ser simples. Poderíamos pedir um relato mais detalhado da percepção da perda de controle - em outras palavras, quais são os sintomas, há quanto tempo surgiram e assim por diante. Essa questão classifica o problema como um problema sério.

Uma outra pergunta poderia ser: "O que lhe dá a impressão que é difícil lidar com as coisas?" Essa pergunta foi elaborada para introduzir alguma incerteza na definição do problema. Uma terceira possibilidade é: "O que é diferente nos dias em que as coisas ficam controláveis?" Essa pergunta implica que há um

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período no qual o problema não existe e explora a diferença entre eles.

É claro que cada uma das três perguntas levará o terapeuta e o paciente a um tipo completamente diferente de discurso. Fica claro como a interação terapeuta/paciente pode influenciar grandemente as percepções do paciente.

Outra maneira útil de pensar sobre esse processo de for-mação da percepção é ilustrada pela seguinte analogia. A cena é um tribunal. O advogado de defesa está de pé e seu cliente presta juramento. O advogado prossegue com uma linha de interrogatório planejada para obter certas informações "reais" sobre seu cliente. Indubitavelmente, os "fatos" enfocados pelo advogado de defesa apresentarão o cliente da maneira mais positiva possível. Ele espera que, ao final do depoimento, seu cliente seja considerado inocente dos crimes de que é acusado, um cidadão bem-conceituado em sua comunidade, bom pai, marido fiel e homem de rígidos padrões morais.

Entra o promotor. Embora ele também faça perguntas "dos fatos", elas foram claramente escolhidas para suscitar infor-mações prejudiciais ao caso do réu. Surgirá um quadro completamente diferente do caráter do réu, com o objetivo de que o júri nem sequer chegue a cogitar de sua inocência.

Nós nos consideramos "terapeutas de defesa". As pergun-tas que fazemos trazem à tona informações sobre potencialidades, capacidades e recursos. As percepções dos problemas mudam frequentemente no contexto desse tipo de questionamento. Participamos da criação conjunta da realidade dos pacientes. Os pacientes que entram em nossos consultórios penetram inadvertidamente na "zona crepuscular", embarcando em uma experiência de alteração mental.

Antes de nos tornarmos terapeutas voltados-para-a-solução, utilizávamos vários modelos e abordagens terapêuticas diferentes.

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Observamos que a utilização dos diversos modelos e abordagens não apenas produz resultados diferentes, mas também obtém-se informações diferentes no processo de levantamento de dados, o que por sua vez resulta em diferentes definições do problema. Em outras palavras, a definição do problema na terapia é função do processo de levantamento. Esse processo é influenciado pelas metáforas e hipóteses do terapeuta relacionadas às pessoas e à natureza dos problemas e pela teoria da resolução que ele ou ela defende. (Nunca tivemos um cliente com um conflito edipiano não-resolvido ou um superego superativo. Foi sorte, pressupomos!) É semelhante ao princípio da incerteza de Heisenberg na física - o modo como a pessoa observa altera os dados observados.

Bill faz biscoitos todo ano na época do Natal - é uma tra-dição familiar. Para isso, ele utiliza uma prensa de biscoitos. Se você nunca viu uma, explicaremos. Depois que a massa é feita, ela é colocada em um dispositivo tubular com um molde no final. A massa é empurrada através do molde e sai com a forma de um camelo ou, se o molde é trocado, de uma árvore de Natal ou do Papai Noel. A massa é sempre a mesma, mas o formato varia. Os biscoitos são então cozidos e ficam com esse formato.

Os dados "crus" da queixa do paciente (ou pacientes) são como o massa do biscoito de Bill. São moldados pela interação terapêutica durante e após o levantamento de dados em um "problema apresentado" mais sólido. Se o paciente entrar em um consultório behaviorista, ele ou ela sairá com um problema comportamental. Se o paciente escolher o consultório de um psicanalista, sairá com questões não-resolvidas da infância como foco do problema. Se um paciente procura ajuda de um terapeuta junguiano, ele ou ela provavelmente terá um problema a ser tratado da forma mais efetiva por meio da análise da simbologia dos sonhos do paciente.

Isso não significa que os terapeutas atribuam problemas aos pacientes de forma aleatória. Os problemas derivam dos da-dos "crus" das queixas do paciente. Achamos que eles são nego-

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ciados interpessoalmente ou criados conjuntamente. No entanto, é estranho como os problemas de pacientes tratados por terapeu-tas com perspectivas específicas parecem semelhantes e como são diferentes daqueles que consultam um terapeuta de uma linha diferente.

As implicações desse fato são interessantes. Se os problemas são negociáveis, podemos também negociar um problema que possa ser resolvido - até mesmo facilmente. Geralmente, os pacientes já aparecem com algum tipo de definição de problema que não corresponde à situação de fato. Preferimos negociar uma definição de problema que esteja dentro da possibilidade tanto do paciente como do terapeuta de resolver. Geralmente, oferecemos definições novas, mais viáveis e/ou buscamos uma pista de algo na queixa do paciente que pode ser resolvido. Podemos comparar esse processo ao ato de dançar. Há uma constante troca durante a dança; após um tempo é difícil dizer quem está levando e quem está seguindo. Todo dançarino tem um estilo; a mistura dos dois estilos é que faz a dança. Nosso estilo é dançar de acordo com os ritmos das potencialidades, das soluções e da competência. Com frequência, nossos pacientes seguem nossa direção e começam a contribuir para essa dança com seu próprio estilo.

Cuidado para não intensificar a realidade do paciente: tudo é processo

Uma das contribuições da abordagem interacional para a terapia foi a noção de que a experiência das pessoas é bastante influenciada pelo contexto em que vivem. Os antropologistas fizeram observações semelhantes. A "realidade" não é fixa ou estática; é influenciada pela cultura e pelas interações entre as pessoas. É influenciada pela língua que falamos, pelas palavras que usamos. pelas visões de mundo que compartilhamos e que se refletem nessas palavras. Por isso, enfatizamos a idéia que a terapia é como uma pequena cultura ou sociedade criada na sessão. Achamos que essa cultura irá influenciar muito os

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sentimentos, os pensamentos, os relatos e as percepções do paciente.

Imagine uma situação em que uma criança pequena cai e machuca o joelho. Muitas vezes, ela olha para os pais ou para outras pessoas para saber como deve reagir. Ela deve se aborrecer? Se ela vê ou ouve algo que expressa uma grande preocupação ou aborrecimento daqueles que a cercam, em geral começa a chorar. Se é levantada, limpa, recebe um afago no bumbum e é mandada de volta para brincar, parece que nada aconteceu. As crianças, especialmente as bem pequenas, procuram pistas em seus contextos que as ajudem a determinar o que sentir ou pensar sobre a situação.

Consideramos a situação da terapia de forma muito semelhante. Se um terapeuta dá a um paciente mensagens verbais e/ou não-verbais de que o objetivo desse encontro é o paciente experenciar ou expressar alguma emoção intensa, como chorar ou ter um ataque de raiva, isso provavelmente acontecerá no decorrer da sessão. Achamos que as pessoas frequentemente não sabem o que sentem sobre as situações e se deixam influenciar muito pelas pistas dadas pelo contexto. Por isso, em vez de procurar pelos sentimentos, problemas, ou opiniões realmente subjacentes dos pacientes, preferimos influenciá-los ativamente e participar na criação conjunta de tais experiências.

Na verdade, achamos que todos os terapeutas fazem isso independente de sua opinião sobre o assunto. Assim, não é surpresa acharmos que não há um "problema real" na terapia. Não tentamos determinar uma posição a priori que o paciente possa ter em relação a seu problema, como fazem algumas terapias (por exemplo, os terapeutas breves do MRI), porque não acreditamos que tal "posição" exista como entidade fixa. Não procuramos pelos "reais" sentimentos, pensamentos ou outras entidades psicológicas/emocionais igualmente fixas e estáticas.

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DIREÇÕES PARA A NEGOCIAÇÃO

Esqueça a idéia da existência de um problema

TERAPEUTA: O que posso fazer para ajudá-la? PACIENTE (entediada): Hum. Quem sabe? Caí em uma

depressão muito profunda e achei então que precisava falar com alguém que não me conhecesse e que pudesse me dar talvez ... ou que talvez apenas falar sobre o assunto pudesse clarear minha cabeça. Não sei, Estou cheia do meu trabalho. Estou a ponto de bater na minha colega de quarto. Na semana passada, fui rude - nós nos conhecemos há multo tempo. Acho que deixei tudo me dominar e fiquei cheia. E, então, não sei, na semana passada, com o trabalho, inventário e ela, sei lá. Acho que preciso sair daqui, é o que eu preciso fazer.

TERAPEUTA: Você precisa sair de onde? PACIENTE: De Wisconsin, talvez. Não sei, talvez começar...

talvez fazer algo diferente da minha vida. (Vinte minutos de entrevista)

PACIEN1E (sorrindo): Eu sei, soa como se eu não precisasse falar com ninguém, não é? Estou lidando bem com as coisas...

Como é possível que essa paciente expresse duas percepções tão imensamente distintas de sua situação na vida em um período de tempo tão curto? Os terapeutas voltados-para-a-solução estão familiarizados com esta virada drástica nas sessões, não há nada de raro ou peculiar sobre isso. Muitas vezes, os pacientes deixam a primeira sessão com uma perspectiva completamente diferente em relação à vida.

Todas as primeiras sessões começam com a pressuposição de que é possível negociar uma realidade terapêutica sem considerar a idéia da existência de um "problema". Por meio das várias técnicas descritas no próximo capítulo, somos capazes de ajudar as pessoas a enxergar sua situação sob outro prisma. Ao final da primeira sessão, muitas vezes nossos pacientes nos dizem coisas como: “Acho que as coisas não estão tão ruins

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quanto pensava”, ou "Não sei exatamente por que vim aqui hoje", ou "Não vejo necessidade de marcar outra consulta se continuar a fazer o que estou fazendo". Quando fazemos workshops brincamos com os terapeutas dizendo-lhes que se aprenderem como esquecer a idéia da existência de um problema, não necessitam saber como fazer terapia.

Como negociar um problema solúvel

Se não fomos bem-sucedidos em eliminar o problema ao longo de nossa discussão inicial, nossa próxima prioridade é fazer com que o problema pareça mais administrável e menos inacessível para chegarmos a uma solução criativa do problema. Nossa meta é reduzir o tamanho do problema aos olhos do paciente e fazer com que se torne mais administrável. Em geral, atingimos essa meta quando somos específicos e, claro, quando perguntamos sobre as ocasiões em que o paciente não experencia o problema.

Um paciente procurou a ajuda de Bill por causa de depressão. Inicialmente, afirmou estar deprimido “o tempo inteiro”; isso o preocupava já que começou a afetar o trabalho. Quando as perguntas tornaram-se mais específicas, descobrimos que ele ficava muito deprimido apenas nos fins de semana. Perguntas ainda mais específicas revelaram que o foco central da depressão era sempre aos domingos à tarde. Ele ficava um pouco deprimido nos outros períodos, mas como estava ocupado com o trabalho e os amigos, raramente tinha tempo de cair em depressão profunda. A partir dessa nova percepção da gravidade e do alcance do problema, a meta de trabalhar na elaboração de planos alternativos para as tardes de domingo tornou-se muito mais administrável.

Concentre-se na idéia de que os pacientes têm as capacidades e recursos necessários para resolver o problema

Uma meta igualmente importante é criar um contexto no qual nossos pacientes se sintam mais bem equipados para resolver suas dificuldades do que quando entraram no

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consultório. Observamos que, quando as pessoas passam por dificuldades, frequentemente esquecem suas potencialidades e recursos. Talvez isso seja uma questão de desenvolver uma visão "de túnel". Algumas vezes, os pacientes não percebem a ligação entre as habilidades e capacidades que possuem em uma área aparentemente não relacionada ao problema, mas que pode ajudá-los a resolvê-los. Nossa tarefa é criar uma atmosfera que facilite a percepção das potencialidades e capacidades. O próximo capítulo explicará como atingir este objetivo.

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A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM

Uma conversa voltada para a mudança

Já discutimos a noção de que diferentes realidades terapêuticas são criadas nos diversos consultórios. Neste capítulo, examinaremos uma parte dessa criação de realidade terapêutica: a linguagem. A linguagem pode intensificar, consolidar certas visões da realidade e pode também ser utilizada como uma ferramenta para questionar certezas inúteis. Assim, aprendemos a ser muito cuidadosos na utilização da linguagem na terapia.

Hipnotizadores ericksonianos, após observarem as sessões nas quais não utilizamos a hipnose formal, comentam sobre o modo como utilizamos a linguagem para criar uma expectativa de mudança, exatamente do modo que eles fazem quando utilizam a hipnose. Concordamos com isso e acrescentamos ainda que o uso criativo e cauteloso da linguagem talvez seja o

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método mais influente na criação de contextos nos quais a mudança é sentida como algo inevitável.

Ao contrário da adaptação à linguagem do paciente, uma estratégia descrita abaixo que é principalmente uma técnica de união, os outros métodos discutidos estão voltados às mudanças que afetam a percepção e o comportamento. Em comum, eles têm a utilização de pressuposições. A pressuposição é uma maneira de falar que pressupõe algo sem afirmá-lo diretamente. Talvez você já conheça a pergunta ridícula feita no tribunal: “Você parou de bater na sua esposa?” Se a pessoa foi instruída a responder com um sim ou com um não, ela é forçada a aceitar a pressuposição de que batera na mulher.

Da mesma forma, os terapeutas podem utilizar pressuposições para introduzir noções e expectativas de mudança na sessão terapêutica. Se o terapeuta pergunta: “O que será diferente na sua vida se a terapia der certo?", ele ou ela não está apenas buscando informações, mas também introduzindo a idéia de que a terapia vai dar certo de maneira implícita. Da mesma forma, quando alguém começa a sessão terapêutica com a pergunta: "Corno posso ajudá-lo em relação a seu problema?" ou "O que você considera problema?", presume-se que haja um problema e, na primeira pergunta, um problema que requer a ajuda de um especialista. Por outro lado, "O que o traz aqui?" não presume a existência de um problema.

Da mesma forma que "é impossível que urna pessoa não consiga se comunicar" (Watzlawick, Weakland e Fisch, 1974) já que mesmo o silêncio fala alto, é igualmente impossível falar sem revelar as pressuposições que temos sobre o mundo. Como terapeutas, estamos continuamente dando pistas sutis ou óbvias a nossos pacientes de nossa opinião sobre ele e suas perspectivas de mudança. Por isso, achamos imperativo estar consciente dessas comunicações na terapia e usá-las para facilitar o processo de mudança.

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ADAPTANDO-SE À LINGUAGEM DO PACIENTE

Um princípio verdadeiro e comprovado do trabalho de Milton Erickson e outros é: No início, utilize as palavras que o paciente utiliza como forma de estabelecer uma união e criar empatia.

As pessoas escolhem palavras específicas para contar suas experiências. As palavras escolhidas têm certas conotações para o orador. Quando os terapeutas se adaptam à linguagem do paciente, ele acredita que eles compreendem suas experiências subjetivas e se identificam com elas. A empatia e a cooperação são construídas sobre essa crença. Com frequência, os pacientes relaxam de forma perceptível quando se sentem compreendidos.

Erickson descreve um caso fascinante no qual foi a extremos para falar a língua do paciente. Seus esforços tiveram importantes implicações na mudança.

Erickson trabalhou com um paciente chamado de George pela equipe do hospital (ninguém havia sido capaz de comunicar-se com ele para descobrir o nome completo). George já estava internado há cinco anos antes que Erickson tratasse dele. Ele havia sido encontrado vagando pelas ruas dizendo coisas sem nexo, utilizando uma "salada de palavras". Erickson fez com que uma secretária se sentasse perto do lugar onde George tentava diariamente sem sucesso comunicar-se com as pessoas que passavam. Ela devia transcrever suas palavras. Quando Erickson estudou a transcrição, não conseguiu encontrar nenhuma comunicação significativa, assim, decidiu aprender a falar a salada de palavras do paciente e a utilizá-la como forma de iniciar a comunicação. Erickson apresentou-se a George e foi imediatamente saudado com algumas frases ridículas. Quando Erickson respondeu na mesma moeda, com algumas frases simpáticas de salada de palavras, o homem ficou desconfiado, mas logo se abriu quando percebeu que Erickson falava sua língua. Dia após dia, continuaram a se comunicar por melo da salada de palavras, sempre com muito entusiasmo. Pouco a pouco, George começou a inserir no diálogo algumas poucas

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palavras reconhecíveis. Erickson perguntou-lhe qual era seu nome. "O'Donovan", respondeu ele, "e já era tempo que alguém que falasse coisa com coisa me perguntasse!" Aos poucos, a conversa passou a ser mantida em inglês e George raramente utilizava sílabas incompreensíveis. Ele recebeu alta e parece ter se adaptado bem à vida fora do hospital (Rossi. 1980, vol. 4, pp. 213-215).

Aprendendo do modo mais penoso

Embora a maior parte dos terapeutas não tenha a persis-tência (ou tempo) de Erickson no trabalho com alguns de seus pacientes, há algumas coisas simples que podem ser feitas para aproveitar as lições ensinadas por Erickson. O seguinte exemplo demonstra como não se unir ao paciente:

Há alguns anos, Michele estava tratando um casal em terapia conjugal. A mulher descreveu uma "desavença" que ocorrera uma noite entre ela e o marido, na qual as vozes se alteraram e palavras duras foram ditas antes que o marido finalmente saísse do aposento. Mais tarde na sessão, Michele voltou àquela noite dizendo: "Lembram-se da briga que vocês tiveram na outra noite?" A paciente a corrigiu, afirmando: "Não brigamos, tivemos um desentendimento." lembrando à paciente a alteração de vozes e o final repentino da discussão, Michele argumentou que na verdade o que havia ocorrido era "uma briga". Ao que a paciente respondeu: "Absolutamente não, estávamos apenas discutindo." Antes que elas percebessem, estavam discutindo se havia sido uma briga ou uma discussão.

Em retrospecto, há algo de engraçado na história, embora naquela ocasião tivesse causado sérias consequências terapêuti-cas. A paciente achou que Michele não entendeu ou não deu o devido valor a sua experiência subjetiva. Ela se distanciou nesse ponto na sessão; pouco tempo mais tarde, o casal interrompeu o tratamento. Embora seja improvável que a falta de compreensão sobre o significado das palavras cuidadosamente escolhidas tenha sido a única causa do fracasso do tratamento, isso contribuiu de maneira significativa para a pouca empatia

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desenvolvida, um ingrediente importante para o resultado bem-sucedido de um tratamento. A terapeuta poderia ter evitado o fracasso utilizando o rótulo "desentendimento" em vez da palavra "briga", mais de acordo com sua interpretação dos fatos.

Há vários aspectos da adaptação à linguagem do paciente que gostaríamos de discutir. O primeiro requer simplesmente que o terapeuta espelhe o uso exato das palavras ou expressões idiomáticas. Muitas vezes, o paciente utiliza frases de estimação específicas quando fala de suas dificuldades. Por exemplo, uma criança ou um esposo podem ser descritos como pessoas com um "problema de atitude". Embora nunca tenhamos visto uma "atitude" e não estejamos seguros do que significa "um problema de atitude", utilizamos o termo "atitude" nas perguntas futuras relacionadas a esses aspectos observáveis do comportamento. Por exemplo, perguntamos: "O que Sue faz de diferente quando tem uma boa atitude? Qual é o primeiro sinal de que sua atitude melhorou?"

Da mesma forma, quando um paciente relata: "Quero estar seguro antes de entrar de cabeça", podemos resumir a sessão dizendo: "É sensato ser cauteloso, verificar direitinho antes de entrar de cabeça." Algumas vezes, anotamos as frases-chave utilizadas pelos pacientes para descrever suas experiências e incorporamos essas frases em mensagens transmitidas aos pacientes mais tarde.

Outro aspecto dessa técnica envolve a utilização das metáforas do paciente. Após conseguir fazer muitas mudanças, um paciente disse: “As coisas estão muito melhores agora, mas prevejo um caminho de pedras no futuro.” Ao que, mais tarde, respondemos: “Embora concordemos que possa haver um caminho de pedras no futuro, estamos convencidos de que você já tem um veículo robusto com tração nas quatro rodas para enfrentá-lo.”

Conhecer o trabalho ou os hobbies da pessoa também pode ser extremamente útil para o desenvolvimento de metáforas com as quais o paciente pode identificar-se rapidamente.

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Bill estava tratando de um paciente que queria parar de vestir roupas femininas. Ele relatou que já fazia isso há tantos anos que, mesmo que quisesse mudar, “é difícil ensinar novos truques a cães idosos”. Mais à frente, ele mencionou por acaso uma parte da sua vida que estava dando muito certo e que tinha a ver com seu hobby de criação de uma raça rara de cachorros. Bill disse que, já que o paciente era um perito no assunto, ele gostaria de saber se seria possível ensinar novos truques a um cão idoso. Sem hesitar, o paciente respondeu: "Sim.” A partir desse momento, foi fácil trabalhar na elaboração de maneiras para que esse cão idoso parasse de vestir roupas femininas. Outro exemplo da utilização de metáforas baseado no trabalho do paciente envolve um especialista na área de computação; um analista de sistemas. Quando o terapeuta referiu-se ao relacionamento do paciente com a namorada (motivo pelo qual o paciente buscou a terapia), ele utilizou “O jargão da área de computação”, como: “o sistema está caindo", "sobrecarga do sistema", “entra lixo, sai lixo e assim por diante”. O paciente sentiu-se compreendido e a empatia foi desenvolvida rapidamente.

No caso de um rapaz de 17 anos, antigo campeão estadual de luta livre que abusava do álcool, o terapeuta* utilizou a paixão do paciente pela luta livre e seu espírito competitivo para ajudá-lo a “lutar pelo controle de sua vida”. O rapaz tinha recentemente parado de participar de sua equipe de luta livre por causa do consumo exagerado de álcool. Primeiro, o terapeuta desafiou o paciente provocando-o com a pergunta: “Quanto tempo ainda você irá permitir que esse problema com o álcool domine sua vida?” (Michael White, comunicação pessoal) Como o lutador tinha orgulho de sua força e virilidade, retrucou com exemplos de períodos em que conseguia resistir à tentação de beber. A partir desses relatos de sucesso e com base em suas próprias experiências como antigo lutador, o terapeuta desenvolveu uma intervenção muito criativa. O paciente e sua mãe teriam que realizar um ritual diário para ajudar o jovem a superar o problema da bebida. O paciente tinha que manter um registro das várias coisas que fazia durante o dia para evitar a

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bebida. Ao final de cada dia, sua mãe deveria atribuir pontos ao desempenho diário do filho, (Ela assistia a quase todas as lutas e estava familiarizada com o sistema de contagem de pontos.) O paciente recebia privilégios especiais por conseguir "segurar e imobilizar" o seu problema com o álcool, três pontos para cada "inversão", e um ponto para cada "escape", todas elas maneiras diferentes de controlar o problema. Várias sessões depois ele havia parado de beber, estava trabalhando e voltara a treinar luta livre.

ADAPTANDO-SE ÀS MODALIDADES SENSORIAIS

Bandler e Grinder (1979) desenvolveram uma técnica que envolve a adaptação dos verbos e predicados usados pelas pessoas à modalidade sensorial que utilizam. Eles observaram que algumas pessoas utilizam palavras orientadas pelo visual, por exemplo: "Estou vendo o que você quer dizer", ou "Não consigo visualizar essa situação". Outros utilizam palavras auditivas como, por exemplo: "Soa como se as coisas estivessem indo muito bem". As palavras com base nos sentimentos formam uma terceira categoria, por exemplo: "Sinto como se algumas vezes fosse explodir." ou “Tenho a sensação que isto não vai dar certo”. É como se o paciente falasse um dialeto específico e tivesse dificuldade em entender as pessoas ou ser entendido por aquelas que falassem dialetos diferentes. Bandler e Grinder sugerem que o terapeuta se adapte às palavras da modalidade sensorial do paciente para mostrar compreensão e desenvolver empatia. Por exemplo, se o paciente diz: "Não consigo me ver fazendo isso", o terapeuta pode dizer:

"Talvez fosse bom se déssemos uma olhada melhor nisso."

CANALIZANDO A LINGUAGEM DO PACIENTE

Inicialmente, utilizamos a linguagem do paciente e depois começamos a canalizar os significados dessas palavras para direções produtivas ou a utilizar palavras diferentes. Por exemplo, uma mãe que procurava ajuda em relação à filha

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iniciou a sessão dizendo que a menina estava estocando jornais. Isso foi o fato que as trouxe à terapia. Quando Bill perguntou mais sobre a situação, também utilizou a palavra estocar no início, mas rapidamente modificou-a para "guardando" ou "colecionando". Após um tempo, tanto a mãe como a filha começaram a utilizar as mesmas palavras de Bill para descrever a situação.

Acreditamos ser útil canalizar a linguagem para longe do jargão da linguagem do dia-a-dia que utiliza rótulos fixos e negativos para descrever as ações. Frequentemente, as pessoas já foram "terapeutizadas" quando procuram a terapia, isto é, já se acostumaram a utilizar os conceitos e jargões de alguma teoria psicológica ou terapêutica. Alguns desses conceitos podem ter sido absorvidos de terapeutas anteriores, como um paciente que nos disse: “Acho que eu estava falando desde o meu pai critico naquele momento" (isso tem origem na análise transacional). Outros surgem na mídia popular. Por exemplo, a idéia de repressão é um conceito freudiano que se tornou parte do dia-a-dia de nossa cultura e, embora seja apenas uma teoria, é aceito como um dado real pela maior parte das pessoas em nossa cultura. Se vivêssemos há 200 anos, a repressão seria uma idéia muito estranha e incompreensível para a maioria.

Quando os pacientes utilizam rótulos negativos e fixos para descrever a si próprios e a outras pessoas, traduzimos esses rótulos em descrições de ações. Quando uma mulher diz que seu marido é "narcisista", queremos saber como ele é quando está sendo "narcisista". Achamos muito mais fácil lidar com ações que com características fixas. Ademais, como veremos, o afastamento de rótulos fixos rumo às descrições de ações tem o efeito desejado de despatologizar ou normalizar a situação do paciente.

A uma mãe que comenta que o filho tem "fobia da escola", respondemos: "Então Steve não tem ido à escola nos últimos tempos" ou, "Steve está lhe dando trabalho para ir à escola”. Para uma pessoa que está comendo demais e diz ter um

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“distúrbio de alimentação", dizemos: "Então, algumas vezes você come demais.” As descrições das ações retratam coisas visíveis e, portanto, mensuráveis. É difícil reconhecer uma diminuição da fobia ou uma redução do narcisismo a não ser que haja um acordo prévio sobre o que isso significa.

Quando já estamos unidos aos pacientes por termos adap-tado nossa linguagem, podemos canalizar a conversa para descrições da dificuldade menos patológicas e mais normais. O terapeuta pode contribuir muito para modificar a percepção, do paciente em relação ao problema, mudando pouco a pouco o rotulo utilizado para descrever a situação problemática. Por exemplo, termos como "depressão" são palavras confusas. A mídia está repleta de informações sobre eles. Os pacientes que se descrevem como "depressivos" acham que seu problema é insidioso, sério e difícil, se não impossível, de resolver. Se aceitarmos os rótulos negativos do paciente, dificultamos sensivelmente a nossa tarefa terapêutica. Por outro lado, no caso do paciente "deprimido", podemos começar sutilmente a mudar a percepção perguntando: "Nos últimos tempos. alguém notou que você tem se sentido 'melancólico?" Mais tarde, podemos modificar o "melancólico" para "instável", implicando que há períodos de melhora no ciclo, ou "desanimado", implicando algo menos problemático e mais comum.

Há vários outros termos que usamos regularmente por causa de seu efeito normalizador nas percepções do paciente. Frequentemente, resumimos ao final da sessão, referindo-nos à situação problemática do paciente como um "período transitório". Dizemos, por exemplo: "Para mim está claro que você já fez várias coisas para facilitar sua passagem por esse período transitório." Como os períodos transitórios são limitados em termos de tempo, os pacientes ficam aliviados quando escutam algo que os ajudam a formar suas expectativas sobre o futuro. Da mesma forma, também podemos responder a uma mãe que descreve seu filho como "imaturo" chamando-o de uma criança com "amadurecimento tardio". Se os pacientes voltam com dificuldades, mas com alguns progressos em sua situação,

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podemos discutir com eles como "aprimorar" seus esforços, em vez de desistir.

O uso cuidadoso dos tempos de verbo pode criar uma realidade onde o problema fica no passado e as possibilidades, no presente e no futuro. Por exemplo, quando os pacientes falam como se ainda estivessem enfrentando problemas, nós mudamos o tempo do verbo quando devolvemos para eles o que nos disse-ram. Os tempos de verbo que usamos refletem nossa opinião de que - a qualquer momento - o "problema" pode se dissolver ou de que possa até mesmo não existir mais. Por exemplo, se uma paciente diz: “Eu bebo e vomito todos os dias", nós provavelmente diríamos, devolvendo para ela o que nos contou: "Então, você tem bebido e vomitado todos os dias já algum tempo." Nosso comentário não pressupõe que ela continuará a beber e a vomitar no futuro ou que ela tenha sempre bebido e vomitado. Esse uso dos tempos de verbo é uma parte relevante da criação de um contexto para mudanças.

O seguinte trecho de um dos casos de Michele demonstra como uma conscientização dos tempos de verbo pode fornecer uma abertura para as soluções antes não-perceptíveis. Nesse caso, o paciente começa a falar sobre seu problema utilizando o passado.

MICHELE: O que a traz aqui? PACIENTE: Bem, Já fiz terapia algumas vezes e tenho

problemas com PMS. Tenho pequenas crises de depressão às vezes, mas aprendi a conviver com elas e a superá-las. Há dois meses, comecei a perceber que estava me sentindo muito infeliz no trabalho e em casa. Tentei entender porque estava me sentindo assim ... Já que amo meu marido e o respeito. Assim, o que mais uma pessoa pode esperar do marido? Meu filho de oito anos e eu temos alguns problemas como consequência de sua doença crônica. Eu gosto dele ... às vezes. (Risos)

MICHELE: Você gosta dele às vezes? PACIENTE: Sim.

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MICHELE: E o que mais é novidade para você? PACIENTE: Às vezes, não gosto dele. MICHELE: Bem, e o que mais é novidade? PACIENTE: Hum, a parte financeira está em ordem. Meu carro

é um BMW. Não há muito na minha vida de que possa me queixar, mas não conseguia entender. E... Jack e eu levamos uma vida muito desgastante... bem, acho que é o caso de todos os americanos. Mas nossa vida é realmente muito corrida. Nós dois ocupamos posições de supervisores, somos muito ocupados e estressados. Mas eu não conseguia entender a causa... Percebi que estava muito brava com os dois [com o marido e com o filho] e não conseguia entender o motivo. Assim, depois de muita reflexão, cheguei à conclusão de que estava ressentida com Jack (seu marido) porque sua vida é, era, tão fácil e eu tenho esta síndrome de "prova final" em que me preocupo constantemente se a louça está lavada, se a roupa estava lavada e passada. Não é culpa dele. Jack me ajuda muito. Era a responsabilidade que não saía da minha cabeça.

MICHELE: Ele realmente ajuda você? PACIENTE (enfática): Sim, muito. Eu é que começo a

fazer as coisas mas ... MICHELE: Ele colabora. PACIENTE: É. Eu lhe disse quando nos casamos que ele

teria que fazer sua metade ou eu sairia de casa. (Risos) Assim, estava chateada com ele por causa disso e também estava ressentida com meu filho. Ele é uma criança muito manipuladora e pode me manipular sem que eu perceba. Basicamente, estava ressentida porque ele estava sendo mais esperto que eu e não gostei disso. Além disso, percebi que as decisões que tomo em casa são baseadas em culpa. Sinto-me responsável se Jack não está feliz ou se algo aconteceu. Sinto-me responsável se a vida de Bill [seu filho] não é maravilhosa e completa... sinto-me responsável... Me senti responsável por tudo o que aconteceu ...

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MICHELE: Desculpe se a interrompo por um segundo. Quando fala sobre tudo isso, você fala no passado. Desde então, você conseguiu tirar algumas conclusões?

PACIENTE: De certa maneira sim e foi muito interessante. Quando telefonei e marquei à hora, foi como ... Já havíamos feito terapia antes e isso disparou algo em nós e fez com que tivéssemos que conversar. E ...

MICHELE: E você fez isso. PACIENTE: Estamos fazendo Isso. Não acho que

tenhamos terminado. MICHELE: Nunca tem um fim. PACIENTE: É, mas o que quero dizer é que estamos

fazendo isso. MICHELE: Bom. PACIENTE: Eu me conscientizei.,. MICHELE: Como você conseguiu? PACIENTE: Apenas dizendo a mim mesma que não

poderia continuar a viver dessa forma ... Assim, estamos conversando.

MICHELE: Ok. E você se sente como se estivesse começando a...

PACIENTE: Eu me sinto muito melhor hoje. Quero dizer, ontem à noite. Chegamos a um ponto em que estávamos ambos tão cansados do trabalho que não estávamos tendo relações sexuais frequentes, o que já é um problema para nós. É como se tivéssemos entrado em um círculo vicioso. E acho que conseguimos sair. Ontem à noite fizemos amor, foi bom e ambos nos sentimos melhor.

MICHELE: Ótimo. O que você fez para isso acontecer?

A maior parte do restante da sessão explorou as soluções tomadas pela paciente antes da terapia. Depois, houve uma discussão sobre o que ela deveria fazer para que as mudanças continuassem e como poderia fazer uma ou duas mudanças pequenas adicionais para que a situação ficasse realmente satisfatória. Ao final da sessão, agradeceu a Michele e disse que talvez ligasse, mas que por ora sentia-se muito melhor.

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Revendo o videoteipe dessa sessão, é evidente como teria sido fácil - se o terapeuta não estivesse ligado na linguagem e nas possibilidades voltadas para a solução - perder as pistas sutis de linguagem mostrando que a paciente já havia começado a resolver sua situação. A exploração das insatisfações de seu relacionamento com o marido e/ou filho é uma direção que seria tomada por alguns terapeutas. Essa escolha resultaria em um sessão muito diferente.

A maior parte dos pacientes, ao contrário do caso da paciente de Michele, não começa a descrever seu problema no passado. O terapeuta pode começar a mudar o rumo da conversa e, consequentemente, modificar o curso do raciocínio, primeiro adaptando-o ao presente e depois mudando-o para o passado, mesmo na primeira sessão. A sessão pode ser utilizada para criar uma distinção entre o que aconteceu antes e tudo que ainda está por vir. Por exemplo, podemos perguntar: "Como o seu 'velho eu' lidou com esse tipo de situação?" Essa designação de "velho eu" precede a referência do paciente a si mesmo dessa forma.

Outro exemplo da mudança de curso é a utilização do tempo do verbo. Após escutar: "Tenho dificuldade para tomar decisões...", podemos dizer: "Então, você tinha dificuldades para decidir sobre ... ", ou, mais tarde na sessão quando surge até mesmo a menor evidência de determinação: "Quando você costumava ter dificuldades para tomar decisões ... "

O uso frequente da palavra "ainda" também caracteriza nosso trabalho. "Embora as coisas ainda não estejam muito bem, com certeza elas estão indo na direção certa", implica que ao final tudo ficará bem. Um conceito relacionado é ilustrado durante os seminários sobre hipnose de Bill. Ele pergunta aos participantes se conseguem escutar a diferença entre estas duas perguntas: “Você já entrou em transe alguma vez?” e 'Você já tinha entrado em transe antes?" A última pergunta implica que o transe é iminente.

Nós demonstramos nossa confiança que as metas serão atingidas quando fazemos perguntas utilizando termos

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definitivos versus termos de possibilidade. As seguintes perguntas ilustram essa técnica:

"O que será diferente em sua vida quando vocês dois se derem melhor?" e não "O que seria diferente em sua vida se ... "

"Quem será o primeiro a perceber quando você parar dc beber?" em vez de "Quem seria o primeiro a perceber se você parasse de beber?"

"Quando Johnny conseguir melhores notas. que tipo de coisas vocês, como seus pais, irão fazer novamente agora que a preocupação com ele diminuiu?" versus "Se Johnny começasse a ter melhores notas na escola, haveria algo que você e seu marido gostariam de fazer ... ?"

Intencionalmente, utilizamos termos de possibilidade versus termos definitivos para desafiar certezas inúteis defendidas pelos pacientes. Por exemplo, podemos dizer para uma mulher absolutamente convencida de que seu marido irá criticar seus melhores esforços: "Se seu marido não apreciar seu trabalho, o que você poderia fazer?' versus "Quando seu marido a censurar, o que você fará?"

Algumas vezes, os pacientes (bem como os terapeutas) falam de uma maneira que parece fechar as possibilidades e dá a impressão de que nada pode ser mudado, Se um paciente diz:

"Nunca vou conseguir um emprego", quando resumimos, podemos dizer: "Até agora você não conseguiu um emprego... " Isso é diferente de utilizar o pensamento positivo e tentar animar o paciente. Não dizemos: "Claro que você conseguirá um emprego", mas falamos de uma forma que mantenha as portas abertas no presente e no futuro. Igualmente, diríamos para uma pessoa que contou uma história de terapia mal-sucedida: "Então você ainda não encontrou a ajuda que desejava."

Muitas das pressuposições apresentadas parecem óbvias agora que você lê sobre elas, mas, raramente, os pacientes opõem-se a elas ou as questionam. Na verdade, raramente parecem estar conscientes delas. As novas atribuições parecem se "ajustar". E, no caso de elas ainda não se ajustarem, os pacientes rapidamente se adaptam (como o corpo de um

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cachorrinho que cresce para ajustar-se a suas patas imensas). A realidade terapêutica que está sendo continuamente criada fez com que a possibilidade de sucesso fosse aceitável e até mesmo razoável.

Uma outra forma de criar um contexto para mudanças é a introdução de novas distinções no pensamento do paciente (O'Hanlon, 1982b, 1987). Uma vez introduzidas, essas distinções dificilmente são esquecidas.

Um paciente que buscou a ajuda de um terapeuta supervisionado por Bill disse que seu problema era o egoísmo. Bill pediu ao terapeuta que dissesse que há "egoístas" e "egoístas" e perguntasse ao paciente que tipo de egoísta ele era. O primeiro tipo de egoísta era aquele que tomava conta de si, mas sentia-se um pouco culpado porque achava que as pessoas sempre deveriam pensar em tomar conta dos outros antes de tomar conta de si próprias. O outro tipo era aquela pessoa que desrespeita as necessidades e sentimentos do outro, aproveita-se das pessoas etc. O paciente disse que não desrespeitava a necessidade dos outros, mas que talvez fosse muito sensível às necessidades do outro, e que tomava conta deles sem cuidar de si mesmo. Assim, não sobrava tempo ou energia para si e para suas necessidades. Talvez o primeiro tipo de egoísta fosse o que ele queria dizer. O terapeuta disse então que chamava o primeiro tipo de egoísta de "urna pessoa que cuida de si mesma". Nesse ponto, o paciente decidiu que talvez precisasse apenas cuidar melhor de si próprio e que não precisava realmente de terapia.

Algumas vezes, o terapeuta pode auxiliar os pacientes a fazer distinções que os ajudem a mudar a opinião que eles têm sobre sua situação. Podemos conversar com um paciente que fala a sério sobre suicídio sobre a diferença de estar pensando em suicídio, o que muitas pessoas fazem, ou sentindo como se estivesse se matando, e na verdade fazendo algo a respeito desses pensamentos ou sentimentos.

Bill tinha um paciente que tinha medo de se afastar demais de casa. Um de seus limites era uma ponte que ligava uma

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cidade à outra. Disse que, se atravessasse a ponte, sentia-se como se estivesse morrendo. Bill discutiu com ele a diferença entre sentirmos que vamos morrer e morrer de fato. Essa distinção simples ajudou o paciente a enfrentar o medo e a atravessar a ponte.

Aqui, mais uma vez, utilizamos a linguagem para introdu-zir distinções que serão úteis aos pacientes e eliminar distinções que não contribuem para as soluções.

5

A SESSÃO COMO INTERVENÇÃO

Os componentes da entrevista voltada para a solução

Antes de iniciarmos a discussão sobre os componentes da entrevista voltada para a solução, queremos lembrar a nossos leitores que cada pessoa ou encontro são únicos e não podemos lidar adequadamente com eles seguindo ao pé da letra qualquer método encontrado nos livros. Nós dois ensinamos em workshops terapêuticos e temos consultórios e. com frequência, após um workshop maravilhoso - no qual nosso trabalho clínico parece brilhante e claro - achamos uma pena nossos pacientes não terem participado do workshop. Se tivessem, saberiam como deveriam ter respondido a nossas intervenções maravilhosas!

Peggy Papp aconselhava os terapeutas de família a se conscientizarem da natureza interativa das "intervenções brilhantes" (1984. p. 25). Ela escreveu: "Algumas vezes, o paciente transforma a mais comum das intervenções em uma experiência transcendental... enquanto, outras vezes, fica totalmente indiferente a nossos toques de gênio... "

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Michele teve de rir à recente menção das sérias limitações aos "toques de gênio" que não são verdadeiramente interativos.

Há dois anos e meio, uma família buscou a ajuda de Michele por causa da filha adolescente. Ela estava indo mal na escola e tinha muita dificuldade de relacionamento com o padrasto. Michele trabalhou com eles várias sessões e o sucesso do tratamento foi mínimo. Agora, a família tinha voltado à clínica com queixas semelhantes.

Como a clínica trabalha com uma equipe colocada atrás de um vidro espelhado, Michele decidiu não ser a principal terapeuta, mas permitir-se uma segunda chance com a família como membro da equipe. Nem todos os terapeutas têm a sorte de poder tentar novamente. Após várias sessões, ficou claro que a equipe não estava fazendo mais progressos do que Michele fizera há vários anos. Todos se sentiram perdidos.

Finalmente, após várias semanas, Michele surgiu do canto da sala escura com uma idéia brilhante. O terapeuta e a equipe reuniram-se durante a pausa, aguardando ansiosamente pela chave que estava faltando. Michele, calma e deliberadamente, apresentou um belo reenquadre da situação, juntando todas as peças que estavam faltando. A equipe respirou aliviada e teceu elogios ao talento clínico de Michele. Tudo o que restava era o terapeuta entregar à família “o presente”.

O terapeuta voltou ao consultório e começou a falar. A equipe, com a respiração em suspenso, esperava pelas mensagens não-verbais - inclinação da cabeça, olhares pensativos e sorrisos entendidos - que sinalizariam que “o presente" fora aceito pela família. O suspense estava matando a equipe. Quando o terapeuta terminou seu solilóquio, o padrasto disse: "Michele Weiner-Davis nos disse a mesma coisa da última vez que estivemos aqui. Não acreditei naquela época e continuo não acreditando." Opa! É possível que uma família seja duas vezes indiferente ao "toque de gênio"?

Na verdade, a diferença entre as teorias e o comportamento dos pacientes é o que faz da terapia algo novo e desafiador. Vemos a terapia um pouco como o alpinismo. Você tem uma idéia da meta, mas escalar a montanha envolve o uso de técnicas gerais de alpinismo adaptadas àquela montanha em particular. Algumas vezes, você é obrigado a desrespeitar as regras da técnica aceita para atingir a meta. A montanha irá lhe "ensinar"

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como escalá-la. Da mesma forma, os pacientes nos ensinam como ajudá-los a atingir suas metas e algumas vezes nos ensinam que precisamos de algo mais do que nossos procedimentos de rotina para chegar lá.

Outra analogia que usamos para descrever esse processo vem do esporte chamado curling (são pedras que deslizam no gelo). Nesse esporte um disco de borracha (chamado de "pedra") é jogado no gelo e os jogadores varrem o gelo à frente da pedra para ajudá-la a avançar e para colocá-la no caminho desejado. A terapia para nós é como esse esporte. Os pacientes estão indo para algum lugar e nós estamos constantemente varrendo o caminho a sua frente para ajudá-los a canalizar o pensamento e a ação em direção às soluções e às metas. No entanto, é uma simples canalização e, se os pacientes seguem uma direção e nós estamos distraídos sem saber onde estão, começamos a varrer em outra direção e perdemos nossa influência e credibilidade. Achamos que é importante reconhecer e corroborar o que os pacientes pensam e sentem e depois, tão rapidamente quanto possível, ajudá-los a pensar, a sentir e a agir de forma mais satisfatória.

LEVANTAMENTO COMO INTERVENÇÃO

Já observamos inúmeras "curas de uma sessão" para estarmos absolutamente convencidos de que não há acaso, milagre nem mágica. Em vez disso, ocorre algo intensamente terapêutico na interação entre o paciente e o terapeuta nessas sessões. Consideramos o processo da entrevista como uma intervenção, isto é, por meio da utilização de várias técnicas de entrevista voltada para a solução, os pacientes podem experimentar mudanças significativas no modo de enxergar sua situação durante o decorrer da sessão. Essas mudanças fazem com que as pessoas se sintam mais livres ao sair do consultório para agir de modo mais produtivo. Em muitos casos, uma tarefa dada ao final da sessão serve apenas para reforçar a mudança que já ocorreu (O'Hanlon e Wilk, 1987).

Outros profissionais do campo da psicoterapia têm uma opinião semelhante sobre a entrevista. Em seu artigo intitulado "The purposeful interview", Eve Lipchik e Steve de Shazer (1986) descrevem várias categorias de perguntas. Algumas visam obter informações sobre o enfoque atual do paciente da queixa. Outras são perguntas voltadas para o futuro que visam à edificação de soluções e a criação da expectativa de mudança.

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As últimas, chamadas de "perguntas construtivas", têm muita semelhança com o material que apresentamos. Klaus Deissler (1986), Gunther Schmidt e Bernhard Trenkle (1985), terapeutas alemães influenciados tanto pela abordagem de Erickson como pela abordagem da escola de terapia familiar de Milan, também discutiram o uso de perguntas para introduzir novas informações nos sistemas familiares.

Mais recentemente, em um artigo intitulado "Interventive interviewing", Karl Tomm (1987) examinou o papel do que ele chama de "questionamento reflexivo". Ele descreveu sua experiência como membro de uma equipe colocada atrás do vidro espelhado. Uma sessão em particular influenciou sua consideração sobre o impacto de certo tipo de perguntas terapêuticas:

Uma família - pai, mãe e oito filhos - procurou terapia por causa das tendências violentas do pai ligadas à disciplina de várias das crianças. Rapidamente, ficou claro para o terapeuta e para a equipe que os pais discordavam em relação aos métodos disciplinares e que os filhos consideravam a mãe amorosa e atenciosa, enquanto o pai era visto como desafeto e irracional. Na medida em que as crianças ficavam do lado da mãe, a tensão do pai parecia aumentar. Como forma de quebrar a tensão, Tomm sugeriu que o terapeuta perguntasse a cada criança: "Se alguma coisa acontecesse à sua mãe e ela ficasse gravemente doente e tivesse que ser hospitalizada por um longo tempo, ou talvez até viesse a morrer, o que aconteceria com o relacionamento de seu pai e o restante de seus irmãos?"

A primeira criança temia que as tendências violentas do pai se intensificassem. A segunda disse: "Talvez ele veja um outro lado nosso porque teria de nos ajudar com as lições." O restante projetou uma imagem calorosa e amorosa do pai. O terapeuta continuou em uma direção diferente depois que as crianças responderam à pergunta. Durante a pausa, o terapeuta e a equipe concordaram em relação a uma intervenção para interromper o padrão de culpa e hostilidade. Eles deram uma conotação positiva ao "comportamento desafeto, tirânico do pai como forma de ajudar a mãe e as crianças a se aproximarem e a se apoiarem (por enquanto) porque ele sabia como ambos iriam sentir falta quando os filhos saíssem de casa. Ao escutar tal opinião, os filhos protestaram imediatamente, dizendo que o pai não era desafeto ou tirano. Afirmaram que era muito amoroso e solícito" (p. 168).

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A conclusão óbvia de Tomm a partir dessa experiência é que a pergunta feita às crianças sobre os possíveis efeitos da ausência da mãe abriu-lhes uma perspectiva diferente e nova de ver o pai e seu relacionamento com ele. Na verdade, a pergunta foi uma intervenção. Isso levou Tomm a pensar sobre outras perguntas que utilizava na entrevista e que pareciam ter um efeito similar de "cura".

QUESTIONAMENTO PRESSUPOSICIONAL

Questionamento pressuposicional é o nome dado aos tipos de perguntas feitas durante a sessão, elaboradas para funcionar como "intervenções". Com isso queremos dizer que pretendemos influenciar as percepções de nossos pacientes em direção à solução por meio das perguntas que escolhemos fazer e de uso cuidadoso da linguagem voltada para a solução. A reflexão sobre essas perguntas ajuda os pacientes a ver sua situação sob nova perspectiva.

Como já mencionamos, não há resposta para a pergunta: “Você parou de bater em sua esposa?” que não seja incriminadora. As perguntas pressuposicionais têm um efeito similar, porém oposto; elas dirigem os pacientes para respostas que valorizam a pessoa e incentivam as potencialidades. Por meio da resposta, o paciente não pode deixar de aceitar a premissa subjacente de que a mudança é inevitável. Já observamos que as perguntas, por si sós, são tão poderosas nas distinções que fazem durante a sessão que não há necessidade de resposta para torná-las eficientes. Mais tarde, daremos alguns exemplos.

Há ocasiões na sessão em que não fazemos perguntas pressuposicionais. Por exemplo, fazemos afirmações ("Parece diferente da forma como você lidava com isso na semana passada") e fazemos perguntas neutras com propósitos de informação ("A próxima quinta-feira está bom para você?"). No entanto, nossa meta é utilizar este modo sutil, porém eficiente, de influência tão frequentemente quanto possível.

Uma maneira básica de proceder na edificação de perguntas pressuposicionais é mantê-las abertas, evitando perguntas que possibilitem uma resposta do tipo "sim" ou "não". Em vez de: "Aconteceram coisas boas?", pergunte: "O que aconteceu de bom?" A última pergunta implica

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que o terapeuta está convencido que aconteceram coisas boas. Em vez de: “Você já fez algo que deu certo?”, pergunte: “O que você fez no passado que funcionou?” Novamente, a última pergunta sugere que, certamente, houve soluções bem-sucedidas no passado. Por exemplo, após uma mãe ter falado durante 15 minutos sobre o péssimo comportamento do filho adolescente, o terapeuta perguntou: “Você fez algo para colocar limites?” Ao que a mãe simplesmente respondeu: "Não." A desvantagem da colocação da pergunta na forma de "sim" ou "não" é que isso indicou à mãe que não tomar nenhuma atitude em resposta ao péssimo comportamento estava dentro das atitudes possíveis. Não pressupõe que a mãe esteja engajada efetivamente nos comportamentos voltados para a solução. Se, por outro lado, o terapeuta tivesse perguntado: “O que você fez para que ele percebesse que seu comportamento era inaceitável?”, ele teria expressado a certeza que alguma forma de limite havia sido imposta. Quando os terapeutas não utilizam esse princípio e fazem perguntas do tipo "sim" ou "não", seus pacientes, frequentemente, optam por responder por meio de um "sim" ou de um "não". Fazer uma pergunta aberta quase sempre fornece uma resposta mais completa e útil.

Embora utilizemos o questionamento pressuposicional sempre que possível, as perguntas específicas que escolhemos dependem de nossa meta em qualquer ponto específico da sessão. Há um padrão em relação à ordem na qual essas perguntas são feitas. A seguir, daremos exemplos de como e quando implementar essas perguntas para descobrir as soluções.

A PRIMEIRA SESSÃO

“... a maior parte de nosso sucesso terapêutico pode ser atribuída às fases iniciais da psicoterapia... Como no xadrez, o jogo é decidido no início.”

Richard Rabkin, Strategic psychotherapy, p. 11

União

Quando nos chega o paciente, passamos os primeiros minutos falando sobre coisas que não têm nada a ver com o motivo que o trouxe até

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o consultório. Perguntamos sobre o trabalho, se gosta dele, que escola frequenta, se trabalha fora de casa, falamos sobre o tempo ou sobre a pintura na parede. Nossa meta, durante esse período de união, é mostrar um interesse imparcial nos pacientes e ajudá-los a ficar à vontade. Utilizamos muitas das técnicas de união descritas no Capítulo 4, evitando a confrontação e os tópicos de conversação em que são frequentes os desentendimentos. A duração dessa fase da terapia depende do tempo que os pacientes levam para relaxar.

Uma descrição breve do problema

Geralmente, a próxima pergunta é: “Então, o que o traz aqui?” Após uma breve exposição do problema, fazemos uma série de perguntas visando obter informações sobre as exceções ao problema - períodos nos quais as coisas têm progredido sem dificuldades, soluções do passado para o problema atual, e sobre as potencialidade e recursos da pessoa.

Exceções ao problema

Observamos que, independente do tamanho ou da gravidade dos problemas experimentados pelas pessoas, há situações ou períodos nos quais, por alguma razão, o problema simplesmente não surge. Pessoas que urinam na cama têm noites secas, casais briguentos têm dias pacíficos, adolescentes obedecem às regras sem reclamar e assim por diante. A maior parte das pessoas, e aí incluímos os terapeutas, não relaciona esses períodos sem problemas aos períodos problemáticos e, assim, pouco é feito para entendê-los melhor e ampliá-los. Como já mostramos, as exceções ao problema oferecem uma quantidade enorme de informações sobre o que é necessário para resolver o problema. As soluções podem ser encontradas no exame das diferenças entre os períodos nos quais o problema ocorreu e nos quais não ocorreu. Muitas vezes, os pacientes apenas precisam fazer mais do que já está funcionando para que o problema desapareça.

O conceito é muito simples. Se as pessoas querem ter mais sucesso, mais felicidade e menos stress na vida, ajude-as a descobrir o que é diferente quando elas são bem-sucedidas, felizes e estão relaxadas. Aí está à solução - no aumento das atividades por meio das quais já foi

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comprovado que se pode atingir a meta desejada (mesmo que por curtos períodos de tempo).

No início, acontece uma coisa muito interessante quando indagamos sobre as exceções. Com frequência, os pacientes ficam quietos e parecem perder-se nos pensamentos. A razão para tal silêncio é que as pessoas geralmente classificam os acontecimentos da vida em termos de 8 ou 80: "Você nunca faz planos para nós. Só eu faço", ou "Ele urina na cama o tempo inteiro". Embora seja improvável que apenas um parceiro faça os planos "sempre" e que seja impossível que uma pessoa urine na cama "o tempo inteiro", as pessoas percebem a situação dessa maneira. Assim, quando perguntamos: "O que é diferente quando seu marido planeja as coisas para vocês?" ou "O que é diferente nas noites em que a cama fica seca?", estamos pedindo que as pessoas relatem experiências que passaram despercebidas, Tudo que observaram até agora são compromissos sociais, sentimentos feridos, camas molhadas, roupas para lavar e passar e frustração. Eles não conseguem enxergar - nem valorizar - as ocasiões em que um esposo convida o outro para jantar, ou aquela manhã da semana passada em que a cama amanheceu seca.

Outra razão que faz com que os pacientes pareçam um pouco despreparados quando fazemos a pergunta pressuposicional relativa às exceções é que não esperam que a terapia seja uma ocasião em que as pessoas discutam o que está dando certo. A terapia é uma ocasião para falar sobre problemas. Afinal, nenhum terapeuta da TV ou do cinema pergunta sobre o que está dando certo. Perguntar sobre as exceções faz com que tentemos não apenas redirecionar a atenção das pessoas para o que real-mente está funcionando, mas também orientá-las em relação ao que acreditamos ser importante saber e conversar na terapia.

Michele observou outro fenômeno interessante relacionado às potencialidades e exceções para a solução dos problemas dos pacientes. Durante a primeira sessão, é frequente os pacientes discutirem mudanças que ocorreram entre o telefonema para marcar a consulta e a primeira sessão. Tipicamente, como no caso de outras exceções, os pacientes dão pouca importância a essas mudanças consideradas fortuitas. No entanto, se os pacientes forem capazes de reconhecer que já começaram a resolver suas dificuldades antes do tratamento, as metas da terapia podem ser muito

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simplificadas. Como os pacientes já iniciaram o processo, os terapeutas necessitam apenas dar sequência aos acontecimentos, uma tarefa consideravelmente mais fácil.

As perguntas abaixo constavam de um questionário informal desenvolvido para os pacientes em busca de tratamento no Youth Service Bureau (Serviço de Atendimento ao Adolescente) do Condado de McHenry (Illinois):

1. Muitas vezes, entre o telefonema para marcar a consulta e a primeira sessão, as pessoas percebem que as coisas já parecem diferentes. O que você percebeu em relação a sua situação?

2. (Se foram observadas mudanças.) Essas mudanças estão ligadas ao problema?

3. (Se foram observadas mudanças.) São mudanças que você gostaria que continuassem a ocorrer?

Dois terços dos pacientes pesquisados indicaram que as mudanças ocorreram antes do primeiro contato terapêutico. Todos esses pacientes responderam "sim" às perguntas 2 e 3. O terço restante, que inicialmente havia indicado ausência de mudanças pré-tratamento, geralmente lembrava-se de tais mudanças mais tarde na sessão (Weiner-Davis, De Shazer e Gingerich, 1987).

Na discussão da noção de mudança pré-tratamento em workshops ou com colegas, obtivemos mais relatos da observação frequente desse fenômeno. Foi animador observar um estudo de caso em um boletim informativo internacional, o Dulwich Centre Newsletter, publicado na Austrália, que começa com: "Você notou quantas pessoas já estão superando seus problemas quando vêm para a consulta? E você notou que a maioria dessas pessoas que já está seguindo com sucesso suas soluções nem percebia como as coisas estavam dando certo?" (Birch e Piglet, 1986, p. 10)

Além da mudança pré-tratamento, existem ainda muitos outros exemplos de exceções ao padrão do problema. A seguinte série de perguntas pressuposicionais ilustra mais detalhadamente como obter informações sobre exceções.

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1. O que é diferente nas horas em que _____(vocês estão se dando bem, as camas estão secas, ele vai à escola e assim por diante)?

Aqui, todas as diferenças entre os períodos problemáticos e os não-problemáticos são exploradas. Em princípio, alguns pacientes parecem incapazes de pensar em alguma exceção, mas, se persistimos um pouco, a maioria deles finalmente consegue descrever um número de variáveis que caracterizam o que está acontecendo quando o problema não está presente. O segredo neste ponto é assumir uma postura que indique que você, como terapeuta, ficaria muito surpreso se não houvesse exceções. Se os pacientes ainda parecem confusos, podemos talvez sugerir alguns fatores que podem ter feito com que as coisas dessem certo como forma de desencadear o processo.

Novamente, observe que não perguntamos: “Houve alguma vez em que___ ?”, pois esse tipo de pergunta não atingiria nossa meta de demonstrar nossa certeza de que aconteceram coisas boas. Adicionalmente, a meta é sempre colocada em termos positivos. "Quando você está se dando bem" versus "quando você não está brigando". Queremos que as pessoas pensem em se dar bem, não em brigar. Não brigar ainda sugere imagens de brigas (como, por exemplo, quando dizem a alguém: "Não pense em uma flor púrpura", a imagem imediatamente vem à mente).

Os participantes de workshop perguntaram: “Quando é muito cedo na sessão para se perguntar sobre as exceções?” Nossa resposta é que nunca é cedo demais: geralmente perguntamos sobre exceções nos primeiros minutos da sessão. No entanto, é importante garantir que os pacientes se sintam compreendidos e aceitos. Alguns pacientes necessitam de um pouco mais de tempo do que outros para explicar sua situação antes de mudar de assunto.

Quando os pacientes insistem em dizer que nunca há períodos sem o problema, procure pelas exceções de maneira similar, porém relacionada, descobrindo o melhor dos tempos ruins. Pergunte, por exemplo: "Quando é menos grave, frequente, intenso ou mais curto?" ou "Quando é diferente de alguma forma?" Você pode sugerir idéias absurdas para demonstrar que há exceções, perguntando coisas do tipo: "Acontece quando você está dormindo?" A maior parte das pessoas responde: "Bem, não, claro que

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não." Estamos agora em solo mais firme quando perguntamos sobre outros períodos não-problemáticos.

2. O que você fez para que isso acontecesse?

Quando o paciente relatou até mesmo a menor exceção, perguntamos: "Como você conseguiu isso?" No plano mais simples, essa pergunta fornece informações sobre o que o paciente fez para superar o problema. A verbalização faz com que tudo fique mais claro para o terapeuta e o paciente. Quando nossos pacientes identificam o que fazer para que ocorram coisas boas, eles saberão o que é necessário para continuar nesse caminho.

Em um plano mais sutil, encorajamos o paciente a assumir o crédito por tudo que estiver dando certo. Como os pacientes em geral não assumem o crédito, essa pergunta pressuposional funciona muitas vezes como uma intervenção. Mesmo se o paciente inicialmente nega o mérito e diz: "Eu não fiz nada, ele estava pronto para mudar", podemos sugerir: "Você deve ter feito algo para estimular essa prontidão. O que pode ter sido?"

3. Como seu dia fica diferente quando ___(a exceção ocorre)?

Essa pergunta sugere a interligação entre as boas coisas que acontecem em uma área da vida da pessoa e as boas coisas que acontecem em outras áreas. Embora tenhamos consciência de que um mau dia no trabalho pode fazer com que mamãe chegue em casa e brigue com papai, que grita então com o filho, que então chuta o cachorro, que rosna para o gato, e assim por diante, as pessoas, às vezes, não conseguem enxergar a ligação entre um bom dia no trabalho e mais prazer no relacionamento com os entes queridos. Essa pergunta dá às pessoas a oportunidade de avaliar o impacto positivo que uma exceção pequena (ou grande) pode ter em sua vida.

Observe, novamente, que a pergunta não é: "Há algo de diferente no dia quando... ?" Em vez disso, demonstramos nossa confiança que outras coisas boas acontecem quando perguntamos: "Como seu dia fica diferente quando ... ?"

Se há mais de uma pessoa presente, cada pessoa pode responder à pergunta. Pode ser muito útil para os membros da família escutar como

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uma única ação positiva da parte de um indivíduo afeta a vida dos demais, o que por sua vez reforça a ação e serve para ampliar aquilo que é benéfico.

4. Quem mais percebeu que _____(você perdeu 5 quilos, ele fez a lição, vocês se deram bem no último fim de semana)? Como você notou que ele percebeu, o que ele fez ou disse?

Essa pergunta tem um impacto similar à anterior. Além disso, se há mais de uma pessoa na sessão, elas recebem informações sobre os comportamentos prazerosos. Isso influencia de modo positivo comportamentos futuros.

5. Como você conseguiu que ela parasse (de ter ataques de raiva, de aborrecê-lo)? Como você fez para terminar a briga?

Essa pergunta, feita quando o paciente fala sobre o padrão do problema, é engenhosa pois sempre há a necessidade de pensar antes de responder. Os pacientes estão concentrados, na briga, não nos motivos do acordo ou da subseqüente tranqüilidade. Todo mundo sabe explicar como começam as brigas. Obviamente, se você já teve um relacionamento com outra pessoa, sabe que brigas começam por causa de algo que a outra pessoa fez. "Você começou!", é um grito de guerra comum. Explicar como as brigas terminam é uma história completamente diferente e em geral uma tarefa muito mais difícil - mais difícil, porem mais importante, pelo simples fato de os pacientes não assumirem (ou darem) o crédito pelo término da briga ou do ataque de raiva. É como se esses distúrbios possuíssem vida própria e morressem de causas naturais quando estivessem prontos. Na exploração da pergunta pressuposicional - "Como você fez para terminar a briga?" - os pacientes começam a perceber a ligação entre algo que fazem, e podem fazer, e o fim da ocorrência desprazerosa.

Por exemplo, quando uma mãe se queixa dos ataques de raiva do filho, o terapeuta pode perguntar: "Como você faz para que os ataques parem?" Uma resposta comum é: "Ao final, quando já estou totalmente exasperada, desisto e ignoro. Pouco tempo depois, ele pára." Tipicamente, as pessoas não consideram o ignorar como sendo uma solução, mas uma capitulação frustrante e não-saudável. Essa opinião pode ser modificada por meio da pergunta: "Como você percebeu que, para resolver seu problema e acabar com os ataques de raiva, você devia ignorá-lo? Você foi

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muito esperta." Mesmo que o paciente negue ter chegado à solução de forma intencional e lógica, nós lhe damos o crédito por tê-lo feito. Além disso, a pergunta serve como sugestão clara sobre o curso futuro de ação para limitar os ataques.

6. Como isso é diferente do modo como você teria lidado com a situação há ____(uma semana. um mês etc.)?

Essa pergunta, feita sempre que os pacientes relatam algo que parece novo ou diferente, é uma ferramenta terapêutica extremamente importante já que, como mencionamos, muitas vezes os pacientes, não reconhecem seu próprio movimento em direção à solução. É muito comum o paciente dizer: "Bem, acho que é diferente. Acho que lidei melhor com a situação nesta semana do que na semana passada porque não estava tão indeciso como antes." Para muitos, se a pergunta não fosse feita, o "comportamento novo" teria passado despercebido e, portanto, continuaria sendo uma diferença que não fez diferença.

Especulamos em relação ao fato de que nem sempre o "comportamento novo" é realmente "novo"; como resposta a essa pergunta diríamos que o comportamento está sendo observado e rotulado como "diferente" pela primeira vez e, portanto, é agora uma diferença que faz diferença. Do ponto de vista clínico, essa distinção é uma etapa inestimável do processo de criação de soluções, já que os comportamentos que estimulam soluções futuras provavelmente são mais notados pelos pacientes. Durante o curso da terapia, depois de responder a essa pergunta várias vezes, os pacientes antecipam-se a nós e nos contam como têm lidado com os desafios atuais de sua vida de maneira mais eficiente do que no passado.

É importante observar aqui que, quando dizemos que reforçamos "qualquer coisa positiva", queremos dizer qualquer coisa. Não é necessário que seja uma exceção ao padrão do problema e esteja relacionada ao problema. Por isso, a ligação com a solução não salta aos olhos imediatamente. As informações são armazenadas para posterior utilização quando a ligação parecer mais óbvia. Basicamente, a meta é localizar e encorajar tendências saudáveis. O seguinte exemplo clínico ilustra essa técnica:

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Um dia, Michele estava supervisionando outro membro da equipe na clínica, revendo uma gravação de seu trabalho, Os pacientes eram a mãe e a filha de 15 anos. O problema relatado foi o de que a filha tinha muita dificuldade em acordar para ir à escola e, consequentemente, quase sempre faltava. A escola estava pressionando a mãe a forçar a menina a melhorar sua frequência escolar. A opinião da mãe era de que nada do que fizesse com a filha funcionava; sentia-se impotente. Não importa o quanto tentava, sua filha só fazia o que queria.

Para consolidar ainda mais sua posição, a mãe citou mais evidencias das tendências desafiadoras da filha mais tarde na sessão - disse que a menina não queria vir para a terapia de jeito nenhum. A terapeuta passou a discutir os detalhes do problema de acordar. Michele perguntou ao terapeuta se ele pensara em perguntar à mãe: “Como é que você conseguiu trazê-la se ela não queria vir e geralmente faz apenas o que quer?” Ele disse que isso lhe passou pela cabeça, mas como não conseguiu ver a relação com o problema de acordar e de cabular aula, desistiu de fazer a pergunta.

Embora esse terapeuta tenha perguntado sobre as exceções ao padrão do problema, tanto em relação aos períodos em que a mãe foi bem-sucedida tanto ao acordar a garota e fazê-la sair quanto nas vezes em que a garota acordou sozinha e saiu, ele não estava seguro se o fato da mãe tomar para si a tarefa de trazer a garota à consulta poderia ser um enfoque similarmente válido. O enfoque nas habilidades maternas eficientes da mãe poderia pôr em dúvida seu autoconceito de pessoa "impotente". Sua capacidade de dominar a situação poderia ter sido utilizada em relação ao problema matinal com a filha.

Algumas vezes, as tendências saudáveis que os terapeutas voltados para a solução identificam e encorajam têm ligações menos óbvias com o problema apresentado. Na verdade se observamos superficialmente, elas parecem ser categorias distintamente separadas de comportamento. No entanto, como já mencionamos, descobrimos que qualquer coisa que os pacientes façam que seja bom para eles merece atenção.

7. O que você faz nas horas de lazer? Quais são seus hobbies ou interesses?

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Com frequência, procuramos pelas capacidades e conhecimentos necessários para resolver o problema em outros contextos da vida do paciente. Pode ser que o paciente se sobressaia em algum hobby ou ocupação.

Uma mulher veio se consultar com Bill porque estava brava com o marido e insatisfeita com o relacionamento. Ela atribuía os problemas da relação ao mau humor do marido e sentia-se impotente para mudar a situação. Ela era uma treinadora de cavalos muito talentosa e era procurada com frequência para treinar cavalos "impossíveis de se treinar”. Bill perguntou-lhe qual era o segredo para treinar cavalos “impossíveis de se treinar". Ela ficou muito animada e deu um relato preciso dos princípios do treinamento de cavalos. BiII tomou notas já que rapidamente percebeu que ela não apenas poderia utilizar seu conhecimento em seu casamento, mas que ele também poderia utilizar os mesmos princípios na psicoterapia com bons resultados. Abaixo seguem os princípios enumerados pela paciente:

1. Seja consistente.

2. Recompense pequenas mudanças e progressos.

3. Desista de pequenos controles para manter o controle geral (por exemplo, desista de puxar uma das rédeas se o cavalo está lutando contra você).

4. Não desanime. Não se deixe tomar por atos improdutivos (por exemplo, ficar bravo). Se isso acontecer, interrompa a sessão e comece outra hora de cabeça fria.

Bill disse-lhe que deveria fingir que o marido era um cavalo, mas não dizer-lhe isso já que ele poderia entender de forma errada e levar a mal. Ela saiu entusiasmada e cheia de idéias sobre como mudar seu casamento.

8. Você já teve essa dificuldade no passado? (Se sim) Como a resolveu? O que você precisa para fazer isso acontecer novamente?

Aqui, perguntamos sobre as soluções do passado para a dificuldade do presente já que, algumas vezes, tudo que o paciente tem a fazer é repetir a solução anterior. As pessoas pensam erroneamente que, se eliminarem um problema por um certo período de tempo aplicando determinada

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solução e, depois, um problema similar ou igual surgir, a solução original foi ineficiente. Não concordamos com isso.

Em vez disso observamos que, quando a solução está funcionando, as pessoas tendem a relaxar e a voltar aos esquemas antigos, menos eficientes de lidar com a situação. Ou estão ocupadas e se esquecem da solução que utilizaram com sucesso. De repente, o problema ressurge. Quando isso acontece, elas simplesmente têm que lembrar o que funcionou e fazê-lo novamente. Por exemplo, a maioria dos terapeutas já ouviu os pais dizerem:

“Quando sou coerente e fiel a meus princípios, ele segue minhas regras. Quando relaxo, ele recomeça a bagunçar." Você diria que a coerência não é uma abordagem valiosa? Você provavelmente iria sugerir a reinstituirão de um programa de coerência.

Michele aprendeu essa lição na pele com sua filha Danielle, de sete anos. Ao longo dos anos, Michele observou um método que funcionava muito bem para fazer com que Danielle cooperasse em casa, independente de a questão estar relacionada a vestir-se para a escola, fazer a cama, aceitar um "não" como resposta, fazer pequenas tarefas e etc. Juntas, criaram um diagrama que delineava cada responsabilidade ao lado de um quadrado correspondente no qual um visto ou uma estrela seriam colocados. "Bom comportamento" gerava um visto ou uma estrela. Por algum motivo, Danielle sempre gostou desse plano e ele sempre funcionou.

Danielle, como a maior parte das meninas de sete anos, é irritante às vezes. O único problema é que, antes de lembrar-se de recorrer à velha rotina do diagrama, Michele geralmente tenta por meio de vários métodos ineficientes - ameaças, gritos, castigo e etc. Finalmente, algumas vezes, dias ou meses mais tarde, ela lembra a si mesma de fazer aquilo que já funcionou uma vez e Danielle, como era de se prever, reage positivamente. (Médico, cura a ti mesmo!) O desafio resume-se em controlar-se, lembrar-se da maneira de agir para que as coisas fiquem bem e fazê-lo.

Quando os pacientes identificam a solução do passado, perguntamos: “O que você precisa fazer para que isso aconteça novamente?" Por um lado, estamos perguntando se a situação mudou de tal maneira que haveriam obstáculos à reaplicação da solução. Se houver, como esses

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obstáculos podem ser transpostos? Se não houver, é sugerido indiretamente que eles façam justamente isso - reapliquem a solução anterior.

Normalizando e despatologizando

Se fôssemos pressionados a especular em relação à causa de várias dificuldades que motivam as pessoas a buscar terapia, dizemos que essas dificuldades surgiram de alguns acontecimentos fortuitos que ficaram presentes tempo suficiente para serem considerados um problema. Não tendemos a ver essas coisas como manifestações patológicas, mas como dificuldades comuns da vida.

Uma das principais direções na qual canalizamos a sessão é no sentido de considerar as coisas na situação do paciente ou da família como questões normais, do dia-a-dia em vez de questões psicológicas ou patológicas. Esta "normalização" do comportamento e das experiências pode ser feita diretamente dizendo algo como: "Bem, isso é perfeitamente compreensível" e, depois, colocando a situação que eles rotulam como psicológica ou patológica em uma moldura de referência do dia-a-dia. Tendemos a oferecer explicações de lugar comum em cada oportunidade e muitos itens considerados pelos pacientes corno "importantíssimos" são descartados por nós como "insignificantes".

Essa abordagem é bem conhecida dos clínicos gerais, que com frequência dão mais importância ao que os pacientes parecem não achar importante do que ao que é relatado. Quando nos queixamos ao médico de dor de cabeça, é um alívio ele não mencionar tumores de cérebro ou tomografias computadorizadas.

Os pacientes ficam aliviados quando os terapeutas normalizam as dificuldades trazidas para a terapia. Imagine o efeito calmante sobre o paciente quando o "perito" não parece perturbado por sua descrição do problema. Essa reação leva os pacientes a pensar que talvez as coisas não estejam tão ruins como haviam pensado. Esta é uma área em que talvez seja melhor comunicar-se indiretamente, pelo que não é dito, por aquilo que não perturba a pessoa. O modo mais comum de normalização durante a sessão é por meio de frases como "Naturalmente", "Claro", "Bem-vindo ao clube", "Então, o que há de

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novo?", "Isso não me soa estranho", quando as pessoas relatam coisas que acham fora do comum ou patológicas. Por exemplo:

PACIENTE: Então, quando o encostei na parede, ele ficou em casa e reclamou.

TERAPEUTA: Naturalmente. Mas ele ficou em casa? PACIENTE: Sim. TERAPEUTA: Bom. (O terapeuta muda então de assunto.)

ou corno no trecho:

PACIENTE: Meu filho de oito anos e eu temos alguns problemas por causa de sua doença crônica. Eu gosto dele... às vezes. (Risos)

MICHELE: Você gosta dele às vezes? PACIENTE: Sim. MICHELE: Então, o que há de novo? PACIENTE: Às vezes, não gosto dele. MICHELE: E o que mais?

Quando observamos os terapeutas que não incorporam esse retorno normalizador constante, percebemos que os pacientes pressupõem que realmente têm um problema. Como o silêncio por parte do terapeuta pode ajudar a intensificar o problema, é importante apresentar continuamente a situação como algo normal.

No entanto, há modos mais indiretos de normalização. Podemos contar piadas que coloquem a situação do paciente em um contexto normal, piadas baseadas em nossa experiência ou na de amigos. Particularmente útil são as histórias por meio das quais podemos sugerir: "Sim, eu também." Os pais que caracterizam seus filhos como "imaturos" podem ouvir uma história de como o terapeuta parecia imaturo quando criança mas que na verdade era uma "criança com amadurecimento tardio" que depois tornou-se um adulto mais maduro e mais bem-sucedido do que alguns de seus colegas mais "maduros" e precoces.

Bill utilizava o método "É, eu também" de normalização efetiva com um paciente que procurou ajuda inicialmente para reduzir sua pressão sanguínea. Casualmente, ele também mencionou nos primeiros minutos que talvez a pressão alta estivesse causando a impotência que recentemente vinha enfrentando. Após várias sessões, sua pressão baixou e ele acreditava

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que permaneceria assim. Bill perguntou-lhe se havia algo mais que o preocupava. Ele falou então sobre sua preocupação com a impotência, um assunto que o deixou muito sem jeito no início, mas que o preocupava mais do que a pressão alta.

Bill sugeriu-lhe a possibilidade de submeter-se à hipnose e/ou sobre fazer terapia com a esposa.

No decorrer da discussão, Bill mencionou que isso era uma ocorrência, comum para os homens. Na verdade, Bill já tinha ficado impotente as vezes e descobriu que, quanto mais se preocupava com o assunto, mais as coisas pioravam. Finalmente, decidiu relaxar e concentra-se em ter prazer sexualmente, em vez de lutar por uma ereção. Já faz muito tempo que ele não tem mais esse problema.

Quando o paciente voltou na sessão seguinte, disse que a hipnose não era mais necessária porque o problema havia desaparecido. Quando perguntado sobre o que havia feito a diferença, ele respondeu que ouvir Bill dizer que tinha tido o mesmo problema fez com que sentisse que o quadro não era irreversível e que não estava tão mal como pensara. Vários meses depois, Bill encontrou o casal; nessa ocasião a esposa enrubesceu e agradeceu-lhe pela ajuda dada ao marido, dando-lhe a impressão de que as coisas continuaram a dar certo.

Outra abordagem para a normalização é interromper a descrição do paciente de uma situação e passar a finalizar a história com alguns detalhes de nossa experiência com outros pacientes e situações semelhantes. Antecipar o padrão que o paciente está prestes a descrever (por exemplo, "Não me diga - quanto mais você tenta tirar da cabeça, mais difícil é deixar de pensar nisso") pode, novamente, normalizar o conteúdo do relato de ma-neira implícita.

Uma forma de antecipar a situação do paciente é por meio das perguntas de múltipla escolha que fazemos, revelando conhecimento de um tipo de padrão familiar. Uma intervenção muito eficiente e tranquilizadora é perguntar aos pais de uma criança que tem ataques de raiva: "Ele já fez isto?" e prosseguir dando uma descrição completa desse tipo de comportamento infantil. Se os pais relatam com tristeza, por exemplo, que o filho com raiva diz: "Quero ser infeliz", ou "Preferia estar morto", nós

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geralmente perguntamos: "Vocês já escutaram alguma dessas?: 'Eu te odeio' 'Queria que vocês não fossem meus país' ..." e assim por diante, apresentando uma lista completa das coisas ditas pelas crianças quando estão com raiva. O contexto muda quando identificamos corretamente uma depois da outra. Nesse contexto, nós e os pais podemos sorri ou rir porque já vimos a mesma coisa. Frequentemente, os pais acrescentam outras à lista. Isso também pode ter o efeito de vaciná-los contra qualquer ataque futuro - eles já ouviram isso antes.

Uma abordagem indireta utilizada para sugerir que o(s) comportamento(s) que assusta e aborrece os pais pode ser bastante normal é dizer ao paciente: "Estou um pouco confuso", e depois fazer a pergunta: "Como você sabe a diferença entre a depressão de sua filha (que o pai teme) e a melancolia normal da adolescência?"; "... entre ele estar quieto porque está bravo com você (o que a mulher acredita) ou porque ele está apenas pensando no dia que teve?". Na verdade. estamos Introduzindo incertezas em relação às crenças que não são particularmente úteis. Estamos questionando as Interpretações negativas ou patológicas que os pacientes fazem em relação à vida e às pessoas a seu redor.

A pergunta: "Como você sabe qual a diferença entre (o problema afirmado) e (uma explicação normalizada dele)?", na verdade não necessita de resposta para ser eficiente. Quando o diagnóstico foi feito por meio da pergunta. na próxima vez que a situação ocorrer, o paciente pergunta-se se sua reação não tem sido exagerada. Mesmo quando meus pacientes oferecem evidências de suas posições, como por exemplo: "Sei que minha filha está deprimida porque seus amigos não agem assim com os pais", isso não significa que a pergunta não conseguiu mudar as percepções; em geral, uma semente foi plantada.

Para enfatizar o papel das ações do paciente na queixa e para normalizá-las, nós damos às vezes uma "receita" para a queixa. Damos ao paciente a receita ou pedimos que ele nos ensine como "fazer seu problema".

Bill tem um monólogo típico que utiliza com os pacientes que sofrem de depressão. Ele diz que conhece várias pessoas que "fazem ótimas depressões" e aprendeu com os melhores. Se ele fosse "fazer uma depressão" realmente boa, reduziria a quantidade de estimulação ambiental

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e interna. Talvez fosse até o quarto, fechasse as cortinas. e ficasse debaixo das cobertas. Ou talvez, ficasse em casa lendo os mesmos tipos de livro (provavelmente romances ou livros de autoajuda, nada que estimulasse a mente ou criasse novas idéias). Se ele falasse com alguém, seria com a mesma ou as mesmas pessoas todos os dias, geralmente sobre o mesmo assunto (provavelmente, sobre quão mal estava se sentindo). Mas, o essen-cial seria evitar tudo que fizesse com que ele respirasse inspirando profundamente ou se movimentasse, porque é difícil manter uma boa depressão desse jeito. Além disso, escarafuncharia o passado e ficaria matutando sobre todas as coisas que deveria ou não ter feito. Na comparação com outras pessoas, perderia de longe (por exemplo, ele era muito baixo, muito gordo, muito magro, não bem sucedido o suficiente, não tão sadio). Ele acharia que sempre se sentiu assim e que continuará a sentir-se assim no futuro etc. Quando acaba sua ladainha, a maior parte das pessoas sorri ou se identifica com ele. Eles não percebem que, inadvertidamente, aceitaram a definição de depressão como um "algo que é fabricado" e, portanto, como algo passível de modificação. A partir desse ponto, se essa intervenção não foi suficiente, é simples perguntar à pessoa em qual técnica ele ou ela se especializou e utilizá-la como um enfoque para intervenção.

Bill pediu recentemente a urna paciente que se queixava de problemas de peso para ensiná-la o que fazer para ganhar peso com seu método porque ele sempre havia sido magro. Ela disse que ele deveria comer corno se estivesse de dieta todos os dias - pular o desjejum, comer apenas saladas sem molho no almoço - e, então, perder o controle e comer qualquer doce disponível no escritório e beliscar algo, corno sorvete, bem tarde à noite. Bill chamou isso de a dieta de “Jejum com Quindim”. Ele concordou que era urna estratégia perfeita para ganhar peso e disse-lhe que a parte de privação era essencial para que a pessoa desenvolvesse urna fome louca por calorias rápidas corno doces. Talvez, sugeriu ele, houvesse urna forma de acrescentar um pouco mais de indulgência planejada em sua dieta corno forma de evitar a ingestão “compulsiva" de doces.

Mais à frente, neste capítulo, entraremos em mais detalhes sobre o uso de elogios durante e ao final da sessão. No entanto, como essa sessão cobre o escopo das técnicas de normalização, queremos mencionar os

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elogios de normalização que são eficientes principalmente para oferecer aos pacientes Uma perspectiva nova, mais saudável de sua situação.

Muitas vezes, os pacientes não percebem que o problema e/ou a angústia que vivenciam são respostas naturais e normais aos acontecimentos da vida. A Uma perda segue-se o pesar, o caos impera em lares repletos de crianças, adaptações seguem-se ao nascimento de um filho, tensão e preocupação caracterizam famílias instáveis financeiramente e assim por diante. Algumas vezes, os acontecimentos externos criam desafios difíceis de superar. Quando os pacientes têm dificuldade em organizar sua vida, lançam mão de acusações e de autocensura, o que apenas intensifica o problema, em vez de avaliar o impacto que os eventos externos têm sobre sua vida.

Como achamos que muitas das dificuldades trazidas pelos pacientes à terapia são um resultado esperado das circunstâncias ou transições da vida, podemos dizer algo como: "Baseado em tudo que você está me contando sobre as mudanças nos últimos meses, fico surpreso por você estar tão bem", ou "Apesar de você ser uma mãe solteira muito conscienciosa em relação aos filhos, e não contar com apoio emocional, estou muito impressionado em ver que você está conseguindo administrar as coisas tão bem", ou "Para quem perdeu a mãe há apenas dois meses, é incrível como você se recuperou rapidamente". Os pacientes geralmente ficam aliviados quando escutam isso.

Algumas vezes, para normalizar o problema apresentado na forma de um elogio, mudamos as coisas ditas pelos pacientes de contexto. Enfatizamos algum aspecto específico da situação, mencionado por eles de passagem. Por exemplo, se a esposa diz:

"Sei que todos os casamentos têm altos e baixos. mas temos brigado muito ultimamente", podemos elogiá-la ao final da sessão, dizendo: "Estou muito impressionado com o fato de você reconhecer que todos os casamentos têm altos e baixos. Algumas pessoas, ingenuamente, pensam que a vida de casado deve ser alegre o tempo inteiro. Você. ao contrário, é mais realista." Ou, se uma mãe diz: "Sei que deveria deixar minha filha mais livre, mas é muito difícil para mim", podemos mais tarde elogiá-la dizendo:

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"Estou impressionado em ver que você sabe como é importante dar a sua filha a oportunidade de ser mais independente. Algumas mães não reconhecem isso e apegam-se excessivamente ao relacionamento com as filhas."

QUAL É O PRÓXIMO PASSO?

Nossa meta durante a sessão é dirigir ao máximo a atenção do paciente para as exceções, soluções e potencialidades. Ao mesmo tempo normalizamos continuamente a experiência de forma direta e indireta. Em muitos casos, uma combinação das técnicas descritas acima compreende a maior parte da primeira sessão. Se tudo correr de acordo com o plano, o próximo passo é o estabelecimento da meta.

Estabelecimento da meta

Ao longo do livro, enfatizamos o futuro, o enfoque direcionado para a meta da terapia voltada para a solução. Embora seja responsabilidade do paciente nos informar sobre as mudanças que deseja que ocorram, nosso papel é muito ativo para garantir que as metas sejam atingíveis e, esperamos, concretas o suficiente para que saibamos quando chegarmos lá. O procedimento de estabelecimento de metas é um processo de negociação cooperativo. Nosso papel ativo nesse aspecto da terapia maximiza as chances de os pacientes atingirem os objetivos determinados.

Uma das regras cardinais no estabelecimento da meta é um início modesto. Perguntamos: Qual será o primeiro sinal de que as coisas estão indo na direção correta? Se várias exceções foram notadas durante a primeira sessão, uma pergunta pressuposicional mais apropriada seria: “Qual será o sinal de que as coisas continuam na direção correta?" Isso também ajudará a reforçar a noção de que a mudança já ocorreu.

Como uma de nossa hipóteses básicas é a de que uma pequena mudança leva a outras mudanças, o passo inicial deve ser pequeno. Se uma pessoa se modifica, o relacionamento também se modifica. Se um membro da família se modifica, outros membros da família também se modificam. Uma mudança em um aspecto da vida de um indivíduo provoca mudanças

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em outras áreas. Como Erickson disse: "Muitas vezes, a terapia resume-se a derrubar a primeira pedra do dominó" (Rossi, 1980, voI. 4, p. 454).

Quando perguntamos sobre as metas, as primeiras sugestões de alguns pacientes são utópicas ou irreais. Eles mencionam o que basicamente gostariam de ver como meta final. Por exemplo, se um aluno vem tirando 3 ou 4 na escola, os pais podem dizer que um primeiro sinal de mudança seria o aumento das notas para 9 ou 10. Embora isso possa de fato ocorrer, é essencial ajudar esses pais a reconhecer o processo de mudança mais cedo atribuindo um passo menor como primeiro sinal de mudança. Podemos perguntar: "Claro, vocês gostariam que ele tirasse 9 ou 10. No entanto, se ele melhorasse as notas para 6 ou 7, não seria um primeiro sinal de que ele está chegando lá?" "Será que o fato de ele terminar as lições de casa não seria um dos sinais iniciais de que ele está chegando lá?" Geralmente, os pacientes concordam com isso. Esse processo de negociação é essencial para o cumprimento das metas do tratamento.

Um outro aspecto importante do estabelecimento de metas é que elas devem ser concretas. Metas como "mais autoestima", "mais intimidade" e "sentir-se mais feliz" são apenas pontos iniciais no Quando os pacientes estabelecem metas vagas, como “Quero ter mais autoestima", respondemos: “Ok, bom. O que você fará de diferente quando tiver mais autoestima?" (Observe a utilização da linguagem voltada para a solução quando usamos "fará" em vez de "faria" e na frase "fará de diferente" que sugere ações observáveis concretas.) O ideal é que as metas sejam coisas observáveis - coisas que as pessoas fazem ou dizem. Em workshops, Bill fala sobre descrições de vídeos - coisas que você vê e escuta com uma câmera de vídeo. Os terapeutas podem dificultar seu trabalho quando aceitam metas ambíguas no princípio do tratamento e seguem adiante, achando que entenderam o que o paciente quis dizer.

Uma aplicação dos princípios descritos acima é ilustrada por um caso de Michele. Uma mãe trouxe a filha de 13 anos para a terapia porque, de acordo com a mãe, "ela está deprimida".

MICHELE: Qual será o primeiro sinal de que Mary está se sentindo bem novamente?

MÃE: Eu a conheço muito bem e só preciso olhar para ela para saber como está se sentindo. (Os pais são muito bons nisso.)

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MICHELE: Sei que você pode, mas como você saberia observando-a que ela está de bom humor?

MÃE: Ela tocaria piano novamente. MICHELE: Ela não está mais tocando piano? MÃE: Bem, às vezes ela toca. MICHELE (sentindo a impaciência da mãe com a especificidade das

perguntas): Desculpe-me por estar sendo tão específica. Sou uma pessoa muito racional e as Informações que você está me dando estão ajudando muito. Quantas vezes ela toca plano agora?

MÃE (relaxando): Uma ou duas vezes por semana. MICHELE: Quantas vezes mais teria de tocar para que você achasse que

ela está começando a se sentir melhor? MÃE: Uma ou duas vezes mais na semana. MICHELE (resumindo): Ok, assim, quando ela tocar o plano três ou quatro

vezes na semana, você saberá que as coisas estão melhores.

A filha, ouvindo o que a mãe considerava ser um sinal de mudança, foi para casa e tocou piano mais duas vezes nessa semana. A mãe, vendo-a fazer isso, pressupôs que a filha estava se sentindo melhor. Ela então relaxou, porque achava que a suposta depressão da filha refletia-se em sua própria habilidade como mãe. Mais relaxada, relacionou-se com a filha de forma diferente, o que acarretou outras mudanças no relacionamento das duas e na disposição da filha.

A pausa

Uma parte importante do trabalho com uma equipe e vidros espelhados é a pausa na consulta, como é feito nos grupos de Milan, BFTC e MRI.* Isso permite que o terapeuta e a equipe troquem idéias sobre a direção a seguir. Ao longo dos anos, Michele trabalhou mais tempo em equipe do que Bill e incorporou a pausa em todos os trabalhos com os pacientes, mesmo em seu consultório particular onde não há espelho nem equipe. Após 45 minutos, ela diz ao paciente que gostaria de fazer o que chama de uma "pausa para pensar" e sai alguns minutos para organizar suas idéias em relação às informações dadas pelo paciente. Durante a pausa, decide quais os aspectos da entrevista devem ser destacados na segunda parte da sessão.

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Após esperar vários minutos pelo retorno do terapeuta, os pacientes estão ansiosos por ouvir o que ele tem a dizer sobre sua situação. A pausa serve como um marcador de contexto e permite ao terapeuta reenfatizar as questões que surgiram durante a sessão ou incutir nos pacientes novos pensamentos antes do término da mesma. A mensagem para o paciente é vista como importante e conclusiva quando separada do restante da sessão. Algumas vezes, o paciente brinca e diz: "Então, qual é o veredicto?" Nesse caso, o "veredicto" é um resumo das coisas bem feitas, elogios, co-mentários normalizadores, novos enfoques de referência e, finalmente, uma receita ou uma tarefa.

Elogios

Como já mencionamos, aproveitamos qualquer oportunidade para encontrar e destacar tendências positivas. Quando ouvimos algo que o paciente faz de positivo ou que estimula a solução, fazemos uma observação mental para elogiá-lo pelo que fez. Bill faz isso de maneira espontânea durante a sessão: "Parece que você tem lidado muito bem com a situação" e, então, prossegue com a entrevista. Embora Michele destaque os pontos positivos durante a sessão por meio -

da pergunta: "Como isso é diferente de antes?", ela tende a reservar o elogio para o final da sessão: "Estou realmente impressionada com todas as coisas boas que você tem feito por você mesmo a despeito do fato de as coisas terem estado difíceis."

Quando dá o retorno, o terapeuta em geral destaca para o paciente o que ele já fez para começar a resolver o problema. Saber o que não fazer para evitar ter um problema também é algo que vale a pena comentar nessa hora.

Se, durante o decorrer da sessão, o paciente menciona - mesmo que por acaso - um plano futuro que parece válido, o terapeuta fará a observação: "Seu plano para __ é realmente bom. Demonstra seu bom senso em relação às coisas."

__________________________________

* É de fundamental importância anotar aqui que muito embora o trabalho em equipe é divertido, estimulante e revitalizante, não é necessário para se obter bons resultados. A terapia voltada para a solução funciona Igualmente bem com um único terapeuta.

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Um outra forma de retorno positivo é a utilização do reenquadre ou da conotação positiva (Boscolo, Cecchin, Hoffman e Penn, 1987). Quando é difícil descobrir exceções durante a sessão, as opiniões dos pacientes sobre a situação podem ser modificadas atribuindo-se um novo significado à descrição do problema. Isso é conseguido por meio do uso da conotação positiva, isto é, atribuindo-se uma intenção positiva e uma motivação aos comportamentos previamente considerados problemáticos.

Por exemplo, podemos dizer a um pai que se intromete e interfere quando a mãe está educando o filho: "Estou impressionado com sua disposição para proteger o relacionamento de sua esposa com seu filho. Quando você interfere dessa forma, evita que ela seja vista como 'a pessoa ruim na história' e toma essa responsabilidade para si. Você deve ser bastante altruísta a esse respeito." Ou, para o adolescente que permaneceu durante toda a sessão em completo silêncio com os braços cruzados: "Estou impressionado com a confiança que você tem em seus pais para contar o seu lado da história. A maioria dos garotos de sua idade interrompe apenas para garantir que eu ouça a história correta."

No total, são feitos quatro ou cinco elogios. As reações não-verbais do paciente são observadas cuidadosamente e a interação é mantida em um nível mínimo. Os pacientes são encorajados a responder apenas se o que querem dizer reforça as questões positivas levantadas. A intervenção é feita após a sessão de elogios e é o último item da sessão, exceto o agendar uma nova consulta quando necessário. (O Capítulo 6 apresenta o modelo de intervenção.)

De volta ao futuro: perguntas para um progresso rápido

Nem todas as primeiras sessões acontecem com facilidade. Algumas vezes, os pacientes são incapazes de identificar exceções ou

soluções do passado. (No entanto, queremos enfatizar que, ao final, a maioria dos pacientes é capaz de achar pelo menos algumas exceções à

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dificuldade ou uma ou duas coisas positivas em sua vida. Isso pode custar um pouco de persistência da parte do terapeuta, mas geralmente vale a pena.)

Quando o paciente não consegue se lembrar das exceções e parece que não há soluções novas ou antigas que possam ser aproveitadas, a próxima etapa é fazer perguntas voltadas para o futuro. Pede-se aos pacientes que projetem um futuro sem o problema e o descrevam. Quando o paciente descreve o futuro sem o problema, também descreve a solução. Chamamos isso de "perguntas para um progresso rápido".

Uma forma de fazê-lo é por meio de uma variação da pergunta do milagre, desenvolvida no BFTC. "Se um milagre acontecer, você acordar amanhã e seu problema está resolvido, o que será diferente?" Algumas vezes, Bill utiliza uma versão diferente: "Se eu tirar uma varinha mágica e for capaz de fazer uma mágica com sua situação. o que acontecerá que será diferente de antes?" As duas perguntas dão informações sobre a solução.

Isso se mostra um exercício bastante útil já que, muitas vezes, as pessoas não visualizam o futuro sem o problema. Parece que o simples ato de construir uma visão da solução atua como catalisador para tomá-la real. Ademais, nosso uso da palavra "será" implica que a solução é iminente.

O trecho abaixo é parte da primeira sessão de um dos casos de Michele. A mãe e a filha de oito anos. Pat, vieram para a terapia porque, segundo a mãe, "Ela simplesmente não me escuta". Esse caso ilustra a utilização da pergunta do milagre, bem como demonstra como manter o enfoque na solução em vez de no problema.

MICHELE: Se você fosse dormir hoje e acontecesse um milagre de maneira que, quando acordasse amanhã, suas dificuldades tivessem desaparecido, o que será diferente?

MÃE: Eu não gritaria tanto. MICHELE: Ok. PAT: E você não perderia a voz MICHELE: O que vocês farão em vez de gritar? MÃE: Provavelmente, passaríamos mais tempo juntas, fazendo as coisas

juntas.

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MICHELE: Ok, como o tipo de coisas que vocês acabaram de mencionar? (Referindo-se a um segmento anterior da sessão.)

MÃE: Sim. PAT: Jogar cartas e outras coisas. Sabe, só jogamos cartas quando sou

boazinha. MÃE: Isso porque você só quer jogar nas horas mais Inconvenientes. PAT (dá uma risadinha). MÃE: Dois minutos antes de dormir: "Vamos jogar?" MICHELE: Não é sempre assim que acontece? (Pat ainda está rindo.) MÃE: Mas é muito difícil, porque há dias em que chego do trabalho e estou

por aqui com as pessoas ... (Aponta para a testas) MICHELE: Claro, claro... MÃE: ... e ela começa imediatamente. MICHELE: Mãe, você quer jogar? MÃE: É, não só isso mas... PAT: Me dá isso, me dá aquilo? MICHELE: É, certo. (Sorrindo por causa da precocidade da criança.) MÃE (sorrindo também): Ela sabe, sabe tudo que faz de errado, mas

continua a fazer. MICHELE: Ok... então, o milagre aconteceu e ... MÃE: Ok. MICHELE: E você acabou de chegar do trabalho. PAT: Ela acabou de entrar. MICHELE: O que irá acontecer em vez disso? PAT (animada e sorrindo): Oi, mãe! MÃE: É! MICHELE: E depois? MÃE: Você me ajuda a fazer o jantar. Ela é uma boa ajudante de cozinha

quando quer. E, depois do Jantar, tiramos as coisas da mesa, fazemos a lição que tem que ser feita.

PAT: Eu nunca tiro a mesa... bem, às vezes, sim. MÃE: Você tira sim. Você tira seu prato e o coloca na pia. PAT: Uma vez não tirei. MÃE: Bom... MICHELE: Mas, na maior parte das vezes, você tira? PAT (balança a cabeça afirmativamente): Essa é uma das minhas

obrigações.

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MICHELE: Então, vocês vão limpar tudo juntas e o que farão depois? PAT: Coisas divertidas. MÃE: Bem, dependendo, se você tiver que tomar banho... MICHELE: Se não tiver? MÃE: Vamos colorir ou brincar com as bonecas.

Observe que, quando a mãe projetou a situação no futuro tinha coisas positivas a dizer sobre Pat - que é uma boa ajudante na cozinha e que coloca o prato na pia. Várias sessões mais tarde, quando o problema estava resolvido, elas relataram que estavam fazendo as mesmas coisas que descreveram em seu milagre, um milagre que aconteceu!

Algumas vezes, quando as pessoas descrevem seu milagre, o terapeuta pode perguntar: "Há algumas partes desse milagre que já estão ocorrendo?" Isso renova a procura por exceções. "O que você precisa fazer para que isso aconteça mais frequentemente? é a próxima pergunta lógica (Lipchik, 1988). Além disso, o terapeuta garante que o paciente tenha uma idéia adequada dos pequenos passos que devem ser dados antes que o milagre possa se realizar. Assim, por exemplo, perguntamos a uma jovem que diz que quando o milagre acontecer, ela voltará à faculdade: "O que você precisa para se rematricular?" "Onde você consegue o formulário?" "Como você pode ter certeza de receber o formulário a tempo?" E assim por diante.

Além das perguntas sobre milagres e mágica, há uma série de outras perguntas voltadas para o futuro que parecem ter um efeito hipnótico nos pacientes. Essas perguntas fazem com que o paciente imagine um futuro sem o problema e também preencha com todos os detalhes as cenas futuras em que é o principal protagonista. Quanto mais específicas as perguntas, mais completo o quadro. O terapeuta simplesmente pressupõe que o problema foi resolvido e pergunta sobre as mudanças que irão ocorrer como resultado.

"Como sua vida será diferente?"

"Quem será o primeiro a perceber?"

"O que ele dirá ou fará?"

"Como você vai reagir?"

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Para alguém que tem medo de voar:

"Como será sair do avião quando chegar lá?"

"Como você irá se sentir tendo completado o vôo?"

"Quem mais irá notar como você estará confiante?"

"O que dirão seus amigos dessa cidade quando você chegar?"

"Como você acha que serão suas férias. sabendo que superou o medo de voar?"

Para alguém com problema de peso:

"Quando você perder 7 quilos. em que loja comprará novas roupas?"

"Você vai precisar de vestidos ou calças? Que cores você escolherá?"

"O que seu marido dirá quando você chegar em casa com um novo guarda-roupa?"

"Quem comentará primeiro sobre quanto você emagreceu. sua mãe ou seu pai?"

Isso é apenas uma pequena amostra das perguntas que podem ser feitas. A estrutura das perguntas varia de paciente para paciente, porque os detalhes de cada pergunta devem ser "adaptados" aos dados específicos da situação de cada pessoa. Basicamente, estamos pedindo aos pacientes que fantasiem sobre o futuro de modo específico e prazeroso. (Um estudo de caso ao final do capítulo descreve com mais detalhes a utilização desse tipo de pergunta.)

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Perguntando sobre o problema

Se os pacientes não forem capazes de descrever as exceções, ou de responder as perguntas voltadas para o futuro, o próximo passo é reunir informações detalhadas sobre o problema. A abordagem da terapia breve do MRI é muito reconhecível quando seguimos essa direção específica. A maioria de nossos casos não exige esse tipo de questionamento já que, em geral, obtemos informações suficientes sobre as exceções e potencialidades para iniciar o processo de solução. Quando perguntamos sobre o problema, estamos interessados em informações muito específicas: o enfoque de referência do paciente sobre o problema, como ele vê a situação como um problema e as circunstâncias e sequências de eventos quando o problema ocorre. Tipicamente, fazemos as seguintes perguntas:

"O que você vê como problema? Dê-me um exemplo recente." Quando rastreamos a sequência de eventos, perguntamos: "O que

acontece? .. Então, o que acontece? .. O que acontece depois?" e assim por diante até que tenhamos um quadro claro das interações em tomo do que é chamado de problema. Queremos saber como o paciente tentou resolver o problema (soluções tentadas).

"Quem está presente quando acontece o problema?" "O que cada pessoa diz ou faz?" "E então, o que acontece?" "Onde o problema ocorre mais frequentemente?" "Onde ocorre com menos probabilidade?" "Há um período específico (dia, mês, ano) no qual é (im)provável que o

problema ocorra?" "Como isso é um problema para você?" "Se sua mulher estivesse aqui agora, o que ela diria que você está

fazendo para tentar resolver o problema?"

Mesmo quando estamos voltados para o problema durante a sessão, nunca estamos tentando entender "o verdadeiro significado do problema", achar "a causa" ou buscando quaisquer outras noções semelhantes sobre soluções de problemas. Estamos interessados apenas naqueles aspectos do problema que nos fornecem o tipo de informação necessária para formular intervenções úteis. Por exemplo, é evidente no trabalho de Erickson que qualquer mudança no padrão em tomo do problema pode diminuir a

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probabilidade de ocorrência do problema. Portanto, quando temos um quadro claro da sequência de eventos quando ocorre o problema, podemos sugerir uma pequena mudança que pode fazer uma diferença significativa.

Outra maneira de inquirir sobre o padrão do problema baseia-se no trabalho do MRI. Como mencionado anteriormente, eles consideram que os problemas são mantidos por meio das tentativas malsucedidas das pessoas em resolvê-los. Consequentemente, o que é necessário para resolver o problema é reverter o esforço feito para solucioná-lo. Quando conseguimos compreender os detalhes dos esforços malsucedidos para a solução do problema, podemos sugerir ao paciente que reverta a maneira por meio da qual vem lidando com a situação.

Às vezes, surge uma exceção quando estamos perguntando sobre a sequência do problema. Imediatamente, perguntamos sobre ela e, se essa direção parecer útil, isto é, se levar a mais informações sobre exceções, o questionamento voltado para o problema é deixado de lado.

Procurando por forças e soluções como "mais doses do mesmo remédio"

Muitas vezes os terapeutas nos perguntam: "Vocês não têm pacientes que querem lhes mostrar como as coisas são terríveis, principalmente quando estamos sendo otimistas? Às vezes, a procura pelas exceções não traz à tona o que há de pior nos pacientes?" Sim, claro que há ocasiões em que observamos que nossa postura otimista faz com que os pacientes sejam pessimistas. Isso nos levou a perceber a importância de observar atentamente as reações das pessoas e modificar nossas ações se necessário.

Observamos um erro comum na supervisão de terapeutas que estão começando a estudar a abordagem voltada para a solução - um enfoque rígido nos aspectos positivos mesmo que o paciente desqualifique continuamente o positivo tanto verbal como não verbalmente, isto é, "Claro, ele fez a lição, mas isso é apenas uma gota no oceano", ou "Sim, o comportamento dela melhorou essa semana, mas ela já apareceu com essa 'boa rotina' antes e não durou". A insistência do terapeuta em continuar nesse caminho põe em risco a relação paciente-terapeuta. O mínimo que

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pode acontecer é o paciente comentar: "Acho que você não entende a situação." E o máximo é ele não voltar mais.

Quando parece que estamos nadando contra a corrente em nossa busca por exceções, soluções e um futuro sem problemas, devemos mudar a direção e concentrarmo-nos no problema, como descrito anteriormente, ou ser pessimistas e ver o que acontece.

Recentemente, Michele estava trabalhando com um casal que veio à procura de terapia conjugal. Durante 40 minutos, ela os crivou de perguntas à procura das potencialidades de seu relacionamento. Eles não foram muito prestativos ao dar as informações. Ele Já pensou em ir embora de casa mas não o fez e, embora ela dissesse que não desejava a separação, não conseguia explicar que partes do relacionamento mereciam ser salvas.

Finalmente, Michele mudou a direção. Perguntou ao marido o que impedia a separação. Ele disse que os dois amavam o f1lho de um ano e melo. A mulher disse que, não importa o que acontecesse, ainda o amava. Michele então brincou de "advogada do diabo" por um tempo.

Eles ficaram um pouco surpresos. O tom da sessão mudou a partir desse ponto.

Michele disse-lhes ao final da sessão que, com base no que havia ou-vido, não conseguia entender a razão de quererem manter o casamento. Observou que eles deviam saber algo sobre o relacionamento que ela ignorava. Foi-lhes pedido que “anotassem tudo aquilo que era evidência boa de que deveriam permanecer juntos”.

Eles voltaram com uma lista enorme de coisas que iam bem entre eles. Estavam sorridentes e carinhosos. Mais tarde. a mulher disse a Michele que sabia o que para ela tinha sido a hora da virada. Ela disse: "Quando você nos perguntou na última sessão: 'Por que vocês não se separam?', ficamos com medo. Sabíamos que tínhamos de nos unir." Saber quando mudar o enfoque é urna verdadeira habilidade na prática da terapia.

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UM DIA NA ESCOLA: ESTUDO DE CASO O seguinte caso mostra uma primeira sessão quase na íntegra,

ilustrando várias técnicas usuais para esta ocasião. Revendo esta transcrição, os leitores terão uma idéia de como as técnicas são montadas no conjunto para produzir uma entrevista que é em si própria uma intervenção.

Sessão 1

No consultório estão a terapeuta (Michele), a madrasta Barb, o pai e o filho, Jason. Jason deixou a casa da mãe biológica e mudou-se para a casa do pai três semanas antes da primeira sessão. O motivo da mudança foi seu fraco desempenho escolar.

MICHELE: Ok, sem mais rodeios... BARB (para Jason): Desculpe, agora você tem que falar. MICHELE: Ou, pelo menos, ouvir. [Sugerindo que o sucesso terapêutico

não depende de o garoto falar.] (Barb ri.) MICHELE: Então, o que traz vocês aqui? BARB: Bem, queremos de algum modo... queremos que Jason... não sei se

é gostar da escola, mas temos que mantê-lo na escola, O Sr. Dean [o diretor-assistente] diz que, quando Jason quer sair da escola, ele sai e vai embora e ele diz que esse é o único problema que tem com ele. Assim, queremos que ele fique na escola. Ele pode não gostar da escola, mas deve aprender a conviver um pouco melhor com ela. Ele não está indo muito bem no momento.

MICHELE: Ok. (Para o pai.) O que você acha dessa situação? PAI: Basicamente a mesma coisa. Ele não... Ele está atravessando uma fase

difícil, não sei se ele não percebe... ele não consegue entender que tem que estudar poesia porque faz parte da aula de Inglês. Você sabe, coisas típicas - "Por que tenho de estudar Isso? Nunca vou usar". Ele acha que nunca vai aproveitar nada do que está aprendendo, que deveria largar a escola e conseguir um emprego.

MICHELE: Quando foi a última vez que você foi à escola? (Procurando por exceções imediatamente.)

JASON: Hoje. MICHELE: Você foi hoje? (Com entusiasmo) Como isso aconteceu?

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(Barb ri.) JASON: Eu fui suspenso das aulas, mas tinha de ficar na escola. BARB: Nós não sabíamos. PAI: Ele não cabula todas as aulas. Nunca deixou de ir à escola uma

semana inteira ou algo parecido. Ele cabula uma aula ou duas e depois volta.

MICHELE: É? JASON: Apenas as aulas que não me interessam. MICHELE: Espere um segundo. Você nunca deixou de ir à escola uma

semana inteira? JASON: Não. O máximo foi um dia. MICHELE: É verdade? JASON: Balança a cabeça afirmativamente. MICHELE: Como você se obriga a voltar? Quero dizer, muitas crianças

ficam fora o dia inteiro e sentem-se sem jeito de voltar. PAI: É, já perguntamos isso. MICIHELE [evita os esforços do pai para entender o problema e

concentra-se em vez disso no que está funcionando]: Mas faltar urna aula, como você faz para voltar?

JASON: Se é uma aula que não quero assistir, saio, vou para a cidade e faço alguma coisa até a hora da aula seguinte. Eu simplesmente volto.

***** BARB: Bem, uma coisa que o pai disse; Jason vai fazer 16 anos no outono

quando conseguirá sua carteira de habilitação. O pai diz que, se ele não passar de ano, não vai dar a autorização para que ele receba a carteira. Acho que isso é uma motivação.

MICHELE: Você acredita nele? Quando seu pai diz algo, ele faz? JASON: Geralmente. BARB: Ah, sim. Ele foi muito firme. Ele disse que não é uma punição. MICHELE: Sim. BARE: O que ele disse no carro, que achei ótimo, é que, se você não é

maduro o suficiente para passar na escola, não é maduro para dirigir.

*****

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PAI: Esse problema não tem a ver com falta de inteligência. É apenas falta de motivação.

BARE: É possível. O que quero dizer é: "Jason, se você fosse burro... " é simplesmente isso - ele não é burro.

MICHELE: Obviamente.

Neste ponto, o pai atribui a causa ao problema - a falta de motivação do garoto. Michele escolhe enfocar o fato de que o rapaz é inteligente e evita com tato uma discussão sobre motivação.

BARB (enfaticamente): Ah, não, ele não é. PAI: De acordo com o boletim, está na média ou acima. BARB: Eu diria que está acima da média. MICHELE: Pai, é diferente para você ter uma posição firme como essa a

respeito do carro? É assim tão diferente? PAI: Sim. MICHELE: Então, você começou vida nova? [Tentando enfatizar e

ampliar as mudanças.] PAI: Bem, não. Acho que tenho sido muito negligente no que se refere a

ele porque, se estivesse tirando 5 e 6 e passasse de ano, nada disso chegaria a meu conhecimento. Mas o fato de ele estar prestes a repetir, não ir à escola e estar vagando por aí, chocou-me a ponto de pensar: "Tenho que fazer algo concreto para mudar." Acho que posso chamar isso de uma vida nova.

Observe que, em princípio, o pai responde: "Bem, não", quando perguntado se começou vida nova, mas termina a frase afirmando o contrário. Sua percepção mudou à medida que produziu evidência de seu novo comportamento.

MICHELE: Então, quando você tomou tal decisão? [Michele pressupõe que foi uma decisão ativa do pai]

PAI: Quando ele passou a ir tão mal, quando isso passou a prejudicá-lo de verdade. Achei que era hora de tentar e fazer algo. [O pai aceita e corrobora esse enfoque de decisão ativa.]

MICHELE: Há quanto tempo foi isso? Obviamente, ele estava caminhando nessa direção já há algum tempo. [Michele cristaliza ainda mais a realidade perguntando sobre ela no passado: "Há quanto tempo foi isso?

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PAI: Sim. Fazer algo tão concreto foi o certo quando dissemos que ele Iria morar conosco. Eu sempre... Eu nunca fiz isso, mas sempre pensei sobre Isso. Coloquemos assim.

M1CHELE: Bem, ok. PAI: Eu deveria fazê-lo, mas estava multo ocupado com várias coisas.

Finalmente, tomei consciência de que ele iria ser expulso da escola ou iria abandonar a escola ou qualquer outra coisa; tínhamos que tentar e fazer algumas mudanças.

MICHELE: Ok. Então, você começou vida nova? (Reenfatizando.) PAI: Acho que podemos colocar assim.

*****

Alguns minutos mais tarde, Michele transporta a sessão do presente para o futuro. Observe como houve pouca discussão sobre o passado até esse momento. À medida que Jason responde às perguntas voltadas para o futuro, ele aceita a pressuposição de que assistirá a todas as aulas. Ele é mais do que capaz de preencher as lacunas relacionadas àquilo que seu futuro trará quando o problema estiver solucionado.

MICHELE: Qual dc seus professores ficará mais surpreso quando você for à escola todos os dias?

JASON: Provavelmente, meu professor de história. MICHELE: Verdade? Ele ficará chocado? BARB: Será que eles vão saber quem você é? (Ri) MICHELE: Mais chocado do que Sr. Dean? JASON: O Sr. Dean ficará surpreso porque não estou no seu escritório. MICHELE: K, aposto que sim. JASON: Meu professor de álgebra vai pirar. MICHELE: É verdade? JASON: Eu gosto de matemática, mas não gosto do professor. MICHELE (ignorando a afirmação): O seu professor de história é que

ficará mais surpreso? (Jason confirma.) E seu professor de álgebra? (Jason confirma novamente.) Onde entra o Sr. Dean em tudo isso?

JASON: Não sei realmente se ele, porque há meninos no escritório dele o tempo inteiro, não sei se ele irá perceber imediatamente.

MICHELE: Vai demorar um pouco.

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BARB: É, mas quando fui lá e disse: "Oi, meu nome é Barb Smith, meu filho...", ele disse, "Jason".

JASON: Ele me conhece. Sempre que estou no corredor c ele mc vê diz: "Oi. Jason!"

MICHELE: Ok, ele vai sentir sua falta. (Barb ri) JASON (rindo): Provável mente. Porque estou no seu escritório... MICHELE: Você vai passar pelo escritório e dizer alô? JASON: Provavelmente não. MICHELE: Você não gosta muito dele, não é? Estou certa?... Quem mais

ficará surpreso na escola por você estar assistindo a todas as aulas? JASON: Não sei, acredito que alguns dos garotos vão se perguntar o que

está acontecendo. MICHELE: Eles irão perguntar a você, não acha? JASON: Sim. MICHELE: Que resposta você vai dar? JASON: Provavelmente direi que estou muito enrolado. MICHELE: Você acha que eles vão te encher por causa disso? JASON: Eles vão me gozar um pouco, mas não vão me encher. MICHELE: Ok... ah, você acha que sua mãe ficará surpresa? JASON: Sim. MICHELE: O que você acha que ela vai pensar sobre isso? JASON: Ela vai achar bom. Vai ficar muito satisfeita. MICHELE: Ok. Quando você já tiver ido à escola por um tempo e as coisas

continuarem a dar certo, como sua vida será diferente?

Observe o uso de "continuarem" a dar certo, indicando que as coisas já estão se movendo nessa direção. Essa pergunta cristaliza ainda mais a nova realidade da ida à escola por meio da pergunta sobre mudanças concomitantes em outras áreas da vida de Jason quando a frequência escolar Já estiver normalizada.

JASON: ... Provavelmente não vou sair tanto e ir a tantas festas. MICHELE: Ok. JASON: Provavelmente, vou ficar muito mais calmo. Quando vamos a

aniversários, não gosto de conversar, prefiro sentar e ficar olhando. MICHELE: Você se refere a aniversários da família? BARB: Sim.

MICHELE: Você será diferente agora?

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JASON: Provavelmente. MICHELE: Como assim? JASON: Hum. Não vamos com muita frequência e não os vejo muito

de forma que fico nervoso... e acho que de certa maneira sou diferente porque meus primos vão bem na escola e nunca têm problemas. E eu sempre me meto em problemas e fico nervoso pensando que eles acham que sou louco ou coisa assim.

MICHELE: Então, quando eles souberem que você tem ido à escola, você se sentirá mais à vontade com eles? JASON: Provavelmente. MICHELE: Quem dirá a eles que você está indo bem na escola? JASON: Não sei, eles parecem descobrir tudo. MICHELE: É? Quem você acha que vai contar para eles? JASON: Não sei. MICHELE: Você acha que mais provavelmente, será Barb ou seu pai

ou... JASON: Provavelmente, Barb. (Barb ri) MICHELE: Será Barb? Ela vai se gabar, é?... Para quem ela contará

primeiro? JASON: Tomara que seja para meu tio. BARB: É verdade. Eu ia dizer para a avó, mas é mesmo MICHELE: É? Seu tio, por quê? JASON: Porque ele está sempre me enchendo. MICHELE: Então, ele ficará mais chocado do que o Sr. Dean e todos

aqueles outros juntos. JASON: Provavelmente. MICHELE: Vou fazer uma pausa e falar com os membros de minha

equipe e ver o que eles têm a dizer e então lhes darei um retorno.

*****

MICHELE (voltando da pausa): Estamos impressionados porque vocês decidiram resolver a situação de uma vez por todas. Por exemplo, fazendo com que Jason se mudasse para sua casa de forma que pudessem oferecer-lhe mais estrutura, por tomarem a decisão de haver consequências se o problema continuasse a existir, como a carta de motorista, e também pela decisão — dos dois — de serem firmes e passar mais tempo com Jason. São providências bastante

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enérgicas para resolver a situação de uma vez por todas. E Barb, a equipe está muito impressionada com todo seu interesse por Jason e seu entusiasmo mesmo ele não sendo seu...

Observe que a mensagem diz "se" continuar a existir um problema, criando uma dúvida de que o problema vai acontecer, mas ainda assim reconhecendo essa possibilidade.

BARB: isso nunca foi importante para mim, o fato de Jason ser meu filho ou não.

MICHELE: Eu sei. Em algumas famílias isso importa e por isso estamos impressionados com o fato. E você nem parece "a madrasta ruim". (Uma descrição que ela tinha dado a si própria anteriormente na sessão.)

BARB (ri): Posso ser, falando francamente. PAI: Ela tem seus dias. BARB: Posso ser muito parecida com uma "bruxa" algumas vezes. MICHELE: Ok. De qualquer modo, estamos impressionados com sua

atenção óbvia por Jason. BARB: Eu me importo muito. MICHELE: E Jason, ficamos impressionados por você ir à escola todos os

dias e assistir às aulas e por ter alguns planos definitivos para dedicar-se com afinco e assistir a todas as aulas até o término do período. (Para os pais) Queremos preveni-los de que a chegada de um novo membro na família pode criar algumas situações difíceis.

Novamente, a mensagem enfatiza o positivo — Jason vai à escola todos os dias. A equipe continua a colocar algumas palavras na boca de Jason ou talvez a atribuir-lhe uma posição mais forte do que ele na verdade tem — eles lhe dizem que estão impressionados por ele ter planos definitivos para dedicar-se com afinco e assistir às aulas até o final. Antes que ele tenha tempo de discordar ou mesmo de pensar em fazê-lo, a mensagem foi passada aos pais, o que distrai todos e torna menos provável a contestação dessa atribuição positiva.

BARB: É. MICHELE: Na verdade, um dos membros da equipe acredita que talvez as

coisas possam ficar mais do que difíceis às vezes. BARB: Sim.

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MICHELE: De todo modo, tenho uma tarefa de casa para vocês fazerem até o nosso próximo encontro para me dar algumas informações básicas. Observem o que está acontecendo em casa, ou em outros aspectos da vida também se quiserem, que vocês gostariam que continuasse a acontecer, ok? Vocês entenderam? (Jason confirma.) (Para Jason) Espero que esse seja o tipo de lição que você costuma fazer. (Barb ri)

Essa é a "tarefa da primeira sessão" desenvolvida no BFTC. Michele também injeta um pouco de humor na situação chamando isso de lição de casa e, então, brincando com o garoto sobre fazê-la.

Sessão 2 — Madrasta e Jason presentes

MICHELE: O que aconteceu que vocês gostariam que continuasse a acontecer?

BARB: Ele estava ótimo! Não poderia haver um garoto melhor nesta semana. Quero dizer, ele não fez nada de errado.

MICHELE: Você está brincando? BARB: Não faltou à aula, nada. MICHELE: Nossa, vamos devagar. (Barb ri.) Espere um minuto.

(Brincando.) BARB: Eu sei, sei, sei. MICHELE: Você assistiu a todas as aulas?

JASON: Menos uma, a de Trabalho Pessoal. MICHELE: Verdade? (Impressionada) BARB: A única coisa que ele fez foi torcer o tornozelo esta semana e está

de muletas. Mas não foi culpa dele. MICHELE: Vamos devagar. Espere um segundo. BARB: Juro, ele não fez nada. Ele vem direto para casa da escola. MICHELE: O que você fez para isso acontecer? BARB (rir): Não estou brincando, você não poderia desejar uma criança

melhor esta semana. MICHELE: Você não se meteu em confusão? Não foi chamado à sala do

Sr. Dean? JASON: Não. MICHELE: O que está acontecendo?

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BARB: Ontem fui pagar a auto-escola e lhe dissemos que para fazer a auto-escola teria de frequentar um outro curso para compensar, tudo bem, ele não reclamou mais nada. Ontem fui lá para ver se ele estava indo e ela disse: "Bem, deixe-me ver." Bem, na semana passada ele estava de castigo e teve que frequentar uma classe a semana toda para compensar os erros anteriores. Assim, verificou a segunda-feira e disse: "Não, ele não faltou." Na terça: "Não, ele não faltou." Então, hoje eu disse: "Eu não telefonei, você faltou hoje?" e ele respondeu: "Não, não faltei." Ele está até trazendo os livros para casa! (Risos) Eu sei.

MICHELE: Espere um minuto. Você esteve de castigo na semana passada, mas nesta já está assistindo às aulas normais? Mesmo às aulas que você não gosta? (Jason confirma.) Que tal?

JASON: Bem chato. (Barb ri)

MICHELE: Sei. Meu Deus, nem sei o que dizer. JASON: Nem os professores.

Jason percebeu as reações chocadas dos professores. A pergunta voltada para o futuro da última sessão - 'Qual de seus professores ficará mais surpreso?" — provavelmente o influenciou.

MICHELE: Agora... BARB: Ele está ótimo cm casa. O quarto está limpo. MICHELE: É diferente? BARB: Na casa da mãe sei que nunca estava limpo. Sua irmã me dizia que

era um desastre. Ele tem estado ótimo. MICHELE: Não tenho palavras. BARB: Nós não temos palavras.

Sessão 3

Vários professores de Jason disseram-lhe que, mesmo que frequentasse as aulas até o fim do ano escolar, não conseguiria passar. Jason decidiu não assistir a essas aulas embora assistisse a todas as outras. Quando o Sr. Dean descobriu que Jason começou a faltar de novo, ficou muito bravo, mas mostrou-se disposto a fazer um acordo. Disse-lhe que poderia interromper os cursos nos quais não passaria para assistir a outras aulas sem faltar até o final do ano. Jason concordou.

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Sessão 4

Jason cumpriu a promessa e terminou o ano escolar sem faltar às aulas. Terminamos nossas sessões e deixamos em aberto à opção de retorno no outono se necessário. Nenhum contato foi feito.

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RECEITAS PARA MUDANÇAS Alterando a forma de criar e de enxergar o problema

Tentamos fazer três coisas na terapia voltada para a solução:

1. Modificar a forma de "criar" a situação que é percebida como problemática Queremos mudar as ações e interações envolvidas na situação, liberando os pacientes para ações diferentes e atípicas que mais provavelmente resolverão sua situação do que a repetição de padrões malsucedidos. Uma mudança de ação também pode acarretar uma mudança no quadro de referência. Ademais, mudanças no modo de "criar" da situação podem estimular o surgimento de potencialidades e capacidades novas ou adormecidas.

2. Modificar a forma de "enxergar" a situação que é percebida como problemática. Mudar o quadro de referência do paciente tanto na sessão como fora dela pode levar a mudanças na ação e à estimulação de potencialidades e recursos não utilizados.

3. Evocar recursos, soluções e potencialidades para trazer para a situação que é percebida como problemática Fazer com que as pessoas lembrem de seus recursos e trazer à tona as potencialidades e capacidades pode levar a mudanças de ações e de pontos de vista.

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Neste capítulo, apresentamos três aspectos da terapia voltada para a solução elaborados para atingir esses três objetivos.

INTERVENÇÃO NO PADRÃO: O EFEITO BORBOLETA

Em um livro recente sobre um paradigma emergente nas ciências físicas (Gleick, 1987), várias ideias que resumem de forma concisa os conceitos envolvidos na intervenção no padrão são mencionadas. Ao estudar situações caóticas e complexas, cientistas começaram a descobrir novas maneiras de visualizar esse fenômeno. A primeira é a descoberta de que situações aparentemente fortuitas e complexas têm padrões de organização subjacentes. Mesmo aqueles eventos muito regulares, como os batimentos cardíacos, têm variações caóticas com padrões subjacentes.

Entramos em um mundo em que as "coisas" mudam e variam constantemente, com padrões subjacentes que as organizam em sua aparência de "coisa". O caos é surpreendentemente ordeiro. Esses sistemas caóticos também são surpreendentemente mutáveis. Quando perturbados, reagem rearrumando seus padrões. Esse efeito foi notado pela primeira vez pelo meteorologista Edward Lorenz, que utilizou um computador para analisar os efeitos de uma pequena mudança nos padrões globais do tempo. Ele descobriu que a maior parte das mudanças insignificantes tem um efeito profundo em sistemas complexos como o do clima. Esse efeito foi chamado de "Efeito Borboleta" porque, de acordo com Lorenz, o bater de asas de uma borboleta no Brasil poderia provocar um tomado no Texas. Lorenz descobriu que, quando o computador representava graficamente esses padrões do caos, havia pontos de ordem - "objetos de atração estranhos" _ que organizavam o caos em belas formas e padrões.

Na terapia, procuramos alterar os "objetos de atração estranhos" dos padrões individuais e sociais introduzindo neles uma pequena mudança. Encontramos os pontos de ordem no caos aparente da situação apresentada pelo paciente e, sistematicamente, perturbamos esses organizadores de padrão. Freud tinha um ditado: "Onde estava o id, estará o ego." Nós diríamos de outra maneira: "Onde haviam padrões rígidos, haverá flexibilidade."

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Nos capítulos anteriores, discutimos a idéia de que os problemas trazidos pelas pessoas para a terapia não são coisas, mas padrões de mudança constante de discurso, pensamento, e ação. Esses padrões são muito suscetíveis às mudanças. As situações ou contextos que contêm esses padrões fazem parte do padrão. Nas páginas seguintes, descrevemos modos de intervenção nos padrões que compõem a queixa para mudar os contextos de forma a não conter mais problemas ou "sintomas" (O'Hanlon, 1982a, 1987; O'Hanlon e Wilk, 1987).

Intervenção no padrão da queixa

Frequentemente, o modo mais fácil e direto de intervir no contexto que contém a queixa é alterar o padrão da própria queixa (o que entendemos por queixa é o que os terapeutas em geral chamam de "sintoma", um termo que evitamos porque implica que o teor da queixa é manifestação de alguma patologia subjacente). O terapeuta faz com que o paciente altere o desempenho da queixa de maneira mínima ou insignificante. O trabalho de Milton Erickson contém muitos exemplos desse tipo de intervenção. Erickson poderia fazer com que uma pessoa que lavasse compulsivamente as mãos trocasse a marca do sabonete. Ou podia fazer com que uma pessoa que fumasse colocasse os cigarros no sótão e os fósforos no porão. Ele disse a uma pessoa que chupava os dedos para fazê-lo em um período predeterminado todos os dias. Aconselhou um casal que discutia para ver quem iria dirigir o carro após uma festa (na qual ambos haviam bebido um pouco) que um dirigisse até um quarteirão antes da casa, quando então deveriam parar o carro, trocar de lugar e o outro dirigiria o restante do percurso (Rossi, 1980; Haley, 1973).

A modificação do desempenho da queixa altera o contexto. Frequentemente, a queixa desaparece de maneira gradual ou abrupta.

Foi dito a uma paciente que arrancava o cabelo compulsivamente (no Jargão médico, isso é chamado de tricotilomania) que, toda vez que arrancasse o cabelo desse lugar específico (logo acima da testa), ela deveria arrancar um fio da parte de trás da cabeça. A paciente sentiu-se menos tentada a arrancar o cabelo compulsivamente porque sabia que teria que arrancar deliberadamente um outro fio. A seguir, foi-lhe dada a tarefa penosa de enrolar cada fio que arrancasse bem apertado ao redor de um palito de fósforo. Isso foi uma mudança muito significativa porque ela

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também, como parte do ritual, sentia uma compulsão de tirar a raiz de cada fio que puxava, o que o terapeuta desconhecia. Ela descobriu que era incapaz de enrolar o fio em volta do palito sem a raiz. Passou a arrancar o cabelo cada vez menos. Quando o cabelo começou a crescer, ficou multo mais interessada em sua aparência. Fez um corte diferente e colocou unhas postiças bem longas. Quando percebeu que o comprimento das unhas impedia que arrancasse o cabelo, parou completamente de fazê-lo.

As classes de intervenção que podem ser utilizadas nesse campo são resumidas na lista abaixo, com um exemplo que ilustra cada tipo de intervenção no padrão:

1. Altere a frequência ou a velocidade do desempenho da queixa. A um paciente que geralmente comia doces freneticamente durante os ataques de gula foi dito para chupar as balas bem lentamente quando não estivesse tendo um desses ataques.

2. Mude o tempo do desempenho da queixa. A um paciente deprimido foi dito para programar sua depressão por um certo período a cada noite, em vez de esperar que ela ocorresse ao acaso.

3. Mude a duração do desempenho da queixa. Pode-se aconselhar uma pessoa que lava as mãos "compulsivamente" que lave a mão esquerda por 5 minutos no mínimo e a direita por não mais que 30 segundos a cada vez.

4. Mude a localização do desempenho da queixa. Um estudante de Em estava fazendo terapia com um casal que se queixava de estar tendo brigas improdutivas e bastante violentas das quais ambos se arrependiam mais tarde. O terapeuta e o casal tentaram de varias maneiras resolver a situação sem sucesso. Após informar-se sobre a intervenção no padrão, ele disse ao casal que a próxima vez que começassem a discutir deveriam ir imediatamente ao banheiro. Lá, o marido deveria tirar toda a roupa e deitar-se na banheira. A esposa, completamente vestida, deveria sentar-se sobre o vaso sanitário. Se conseguissem, deveriam continuar a briga. Não conseguiram. Começaram a rir do absurdo da situação. Após um tempo quando uma discussão estava começando a esquentar, um deles olhava em direção ao banheiro e ambos começavam a rir e não brigavam.

5. Acrescente (pelo menos) um elemento novo ao padrão da queixa.

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Foi dito a uma paciente que comia compulsivamente para colocar seu novo par de sapatos antes de começar a comer. Isso foi suficiente para interromper o padrão e fazer com que parasse.

6. Mude a seqüência dos elementos/eventos no padrão da queixa. Foi dito a uma adolescente, cansada de ouvir os sermões do pai sobre seu péssimo comportamento, que gravasse os sermões e, quando chegasse a hora apropriada, fosse mais rápida que o pai ligando o gravador.

7. Quebre o padrão da queixa em pequenos pedaços ou elementos. Foi dito a um casal que apenas poderiam brigar por meio do papel. Ele teria cinco minutos para escrever sobre seu ponto de vista; então, deveria passar o papel para que a esposa pudesse expressar o dela.

8. Estabeleça uma ligação entre o desempenho da queixa e o desempenho de alguma atividade exaustiva. Um casal à beira do divórcio consultou Bill, O marido era, no que ambos concordavam, um viciado em trabalho, que constantemente quebrava suas promessas de chegarem casa mais cedo. Quando chegava do trabalho (9 às 17 horas) às 20:30 ou 21 horas, sua esposa invariavelmente dirigia-lhe palavras rudes, o que resultava em briga. Ele começou a chegar cada vez mais tarde, na esperança de que ela já estivesse dormindo e que ele pudesse evitar a briga noturna. Seu único dia livre era domingo, o qual passava dormindo ou assistindo à TV na sua cadeira reclinável. Ela reclamava que esse não era o tipo de companhia que desejava. Aos domingos, preferia visitar os pais e/ou os sogros. Ele geralmente achava isso ruim e tentava ao máximo ficar sentado em sua cadeira reclinável. Ele admitiu que poderia chegar em casa às 20 horas, não importa o que acontecesse no trabalho. Ficou acertado que ela não diria mais nenhuma palavra sobre o atraso quando ele chegasse do trabalho. No entanto, ela deveria anotar quanto tempo ele se atrasava. No final da semana, ela totalizaria o tempo que deveria ser gasto com visitas aos parentes sem direito a reclamações. Rapidamente, ele começou a ser muito pontual.

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Intervenção no padrão do contexto

Quando a intervenção no padrão da queixa não dá certo ou não é aconselhável, podemos alterar os padrões pessoais ou interpessoais em torno da queixa ou associados a ela. Esse tipo de intervenção consiste na alteração de padrões que não envolvam diretamente o desempenho da queixa. Por exemplo, uma pessoa que come compulsivamente pode evitar sair com os amigos nos dias em que comeu excessivamente. Embora encontrar os amigos não esteja diretamente relacionado com a compulsão, é um padrão associado que pode ser alterado por melo da atribuição de tarefas. Pode ser dito a ela que nos dias em que achar que irá comer muito, deve sair com os amigos. Outra "comedora compulsiva" pode não se vestir nos dias em que come muito. Pode ser dito a ela que se achar que irá comer muito, deve primeiro vestir sua melhor roupa, maquiar-se e pentear-se, e depois devorar tudo se ainda sentir vontade. Embora esses padrões regulares de acompanhamento não estejam diretamente envolvidos no desempenho da queixa, sua alteração pode provocar uma mudança no contexto da queixa, levando à solução. O terapeuta deve pedir descrições de ações e interações não diretamente envolvidas no desempenho da queixa e modificar aquelas que parecem acompanhar a queixa regularmente.

Frequentemente, considera-se que abordagens individuais e interpessoais estejam em desacordo. Um terapeuta é "sistêmico" ou "individual, linear". No entanto, essa abordagem não cria conflito entre os dois. O conceito unificador de padrão é utilizado como uma ponte para a lacuna (alegada). O que as duas abordagens têm em comum é a descoberta e a modificação dos padrões de ação ao redor da queixa. Não há necessidade de conflito se hipóteses causais, funcionais ou outras forem evitadas. Como e por que os padrões surgiram, qual sua função ou significado e outras especulações semelhantes são consideradas irrelevantes e não relacionadas à tarefa principal que é a de discernir os padrões de ação e interação ao redor da queixa e alterá-los. Isso inclui saber quem está presente quando a queixa acontece e o que outras pessoas (aquelas não diretamente envolvidas no desempenho) dizem ou fazem em relação à queixa para a pessoa ou pessoas envolvidas.

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No caso abaixo, a intervenção de padrão foi feita com um individuo, mas teve um efeito interpessoal. A intervenção modificou o padrão contextual, eliminando, portanto, a queixa.

A paciente apareceu no consultório de Bill e disse-lhe que precisava de ajuda porque odiava a filha. Da forma como a mãe a descreveu, a filha parecia um demônio. Havia mais duas crianças com quem a mãe se dava muito bem, uma mais nova e outra mais velha do que a "criança-problema". O pai não via nada de errado com a filha. A mãe, no entanto, relatou que quando o pai estava ausente, a menina dirigia-lhe olhares cheios de ódio e brigava com ela pelas mínimas coisas. Ela passou a odiar a menina e sentia-se multo culpada por isso. Queria saber se Bill poderia fazer algo para mudar seu sentimento em relação à filha ou fazer com que a filha se modificasse. Ela relutou em trazer a menina para vê-lo porque tanto o marido como a filha não achavam que havia um problema. Bill disse-lhe para gravar o que a filha dizia especialmente quando brigavam pela manhã, quando a mãe tentava fazer com que as crianças fossem para a escola e o pai não estava em casa. Era época de Natal e a sessão foi marcada para dali a um mês. A mãe deveria trazer a fita para Bill ouvir e lhe dar algum conselho.

Quando voltou, um mês mais tarde, a mãe não estava nem um pouco interessada pela fita. Disse que havia estado tão ocupada com as atividades natalinas nas últimas semanas que não tivera oportunidade de comprar uma fita virgem. Finalmente, um dia quando a garota estava muito irritante, decidiu que gravaria sobre uma fita usada. Quando tirou o gravador e o ligou, a filha percebeu e perguntou o motivo. Quando ela explicou que era para mostrar a um terapeuta, a filha recusou-se a falar. A mãe ficou um pouco frustrada no início, mas depois reconheceu a benção ali disfarçada. Cada vez que a filha lhe causava problemas, ela ligava o gravador e os problemas cessavam imediatamente. Bill divertiu-se com a situação, mas disse-lhe que necessitava de uma fita gravada dessas ocasiões para poder aconselhá-la. A outra sessão estava marcada para o mês seguinte. Claro que a mãe apareceu novamente com uma fita desinteressante. Confessou com culpa que havia ligado o gravador mesmo sem uma fita apenas para fazer com que a filha parasse de aborrecê-la. O mês havia sido pacífico e mãe e a filha começaram a se aproximar.

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Após, uma breve discussão, foi mandada para casa com solenes instruções de trazer para Bill algo significativo na fita do mês seguinte. Quando ela apareceu no mês seguinte sem nenhum material substancial, Bill discutiu a inutilidade de seus esforços e eles concordaram que a situação havia melhorado tanto que não havia mais necessidade de outras consultas. A mãe relatou ter percebido nesse ultimo mês que talvez tivesse cooperado com o problema, porque quando escutava as fitas que gravava, percebeu que sempre falava de forma mais atenciosa com a filha quando o gravador estava ligado já que sabia que Bill ouviria a fila. Bill disse-lhe que toda briga necessita de duas pessoas, mas descartou tudo isso como especulação agora que o problema estava resolvido. Receitas de Solução: fórmulas para a Mudança

Um aspecto particularmente interessante do trabalho da equipe do BFTC e do Milan é o desenvolvimento de intervenções específicas que parecem eficientes para resolver tipos extremamente diferentes de problemas. Em outras palavras, a mesma tarefa é utilizada para desencadear as mudanças em problemas como urinar na cama, fobia escolar ou dificuldades conjugais. A equipe do BFTC chama essas intervenções de "tarefas de fórmula", enquanto "receita invariável" aplica-se à tarefa da fórmula desenvolvida pela equipe do Milan. O que achamos muito curioso não é necessariamente a tarefa em si, mas a noção de que o terapeuta não precisa conhecer muito sobre a dinâmica da dificuldade para ajudar a solucioná-la. Os aspectos específicos do padrão do problema parecem não estar relacionados com o processo de solução. Abaixo, descrevemos várias intervenções de fórmula que achamos úteis ao longo dos anos. Embora as tarefas invariáveis possam ser voltadas para o problema, isto é, programadas para interromper o padrão sequencial do problema, ou voltadas para a solução, isto é, programadas para edificar sobre soluções e potencialidades já presentes, as receitas de solução descritas estimulam novos comportamentos e percepções por meio da criação da expectativa de mudança no futuro. Elas são planejadas para orientar a atenção dos pacientes na direção das soluções. Isso é uma mudança na forma de "enxergar" a situação.

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Tarefa de fórmula da primeira sessão

Entre hoje e a próxima consulta, gostaria que você observasse, para que pudesse me descrever, o que acontece em sua [escolha um: família, vida, casamento, relacionamento] que você gostaria que continuasse a acontecer (De Shazer, 1985. p. 137). Essa tarefa, descrita no Capítulo 1, foi desenvolvida no BFTC e provou ser de grande utilidade com indivíduos, casais e famílias. A equipe do BFTC utilizou a intervenção ao final da primeira sessão em muitos de seus casos, daí o nome. Há vários aspectos interessantes relacionados a essa tarefa. Como já mencionamos, os pacientes não esperam que o terapeuta pergunte sobre o que está funcionando e surpreendem-se com essa solicitação. Com essa tarefa, os pacientes vão para casa usando óculos do tipo "procurando por coisas boas" e, muito para sua surpresa, descobrem algumas coisas que gostariam que continuassem a acontecer. Talvez algumas dessas coisas já estivessem acontecendo, mas simplesmente não eram percebidas antes que a tarefa dirigisse a atenção do paciente para os lugares corretos. Outro aspecto interessante sobre o modo como os pacientes reagem a essa tarefa é que, embora ela não exija que façam algo novo ou diferente, os pacientes geralmente fazem exatamente isso - "começam vida nova" e modificam seu comportamento. Quando a intervenção é feita com um membro do casal ou da família, os outros membros percebem as mudanças (eles também estão usando óculos do tipo "procurando por coisas boas") e reagem mudando também. Do ponto de vista clínico, o que é mais interessante em relação a esses comportamentos novos e diferentes é que eles geralmente são exatamente as mudanças necessárias para resolver o problema. Observe que os pacientes não são instruídos a mudar nada, muito menos lhes é dada alguma informação específica sobre como resolver o problema. De alguma forma, sabem exatamente o que têm que fazer sem esta orientação específica. Achamos que as informações sobre exceções, soluções e forças que surgem durante as sessões voltadas para a solução oferecem ao paciente todos os dados necessários para utilizar a tarefa da primeira sessão da forma mais produtiva.

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Quando os pacientes retomam para a segunda sessão, perguntamos: "Então, o que está acontecendo que você gostaria que continuasse a acontecer?" A linguagem voltada para a solução na intervenção e nas perguntas de acompanhamento indicam que o terapeuta está seguro de que coisas boas aconteceram e foram percebidas. Após a descrição do paciente, o terapeuta faz uma série de perguntas pressuposicionais para obter informações sobre exceções (ver capítulo 5). Isso se destina a incrementar e a manter as mudanças.

A TAREFA-SURPRESA - PARA CASAIS OU FAMÍLIAS

Faça pelo menos uma ou duas coisas que irão surpreender seus pais [esposo, se estiver fazendo terapia de casais]. Não lhes diga o que é. Pais, sua tarefa é ver se conseguem descobrir o que ela está fazendo. Não comparem as observações; faremos isso na próxima sessão. Esta tarefa introduz um pouco de acaso nos padrões que caracterizam os relacionamentos; as coisas tornam-se menos previsíveis. Novamente, como na tarefa da primeira sessão, os pacientes estão atentos para novos comportamentos. Aqueles que estão experimentando novos comportamentos não precisam se preocupar se suas conquistas passam despercebidas. Há um toque brincalhão nessa tarefa. Os pacientes sempre sorriem quando são instruídos a fazer a tarefa-surpresa porque isso muda o contexto de suas dificuldades. O que pode ter sido uma batalha ou uma guerra por meses ou anos agora assume um ar de "Jogo". (A solução de problemas pode ser divertida.) Se os pacientes mostram senso de humor durante a sessão, o sucesso dessa tarefa é quase garantido. Quando os pacientes retornam, em vez de perguntar à pessoa A o que ele fez para surpreender os outros, perguntamos a B: "O que a pessoa A fez de diferente nesta semana?" e vice-versa. Geralmente, mais do que duas surpresas são relatadas, e algumas vezes a pessoa A recebe crédito por ter feito algo não intencionalmente destinado a ser "a surpresa". Algumas vezes, a pessoa A recebe o crédito silenciosamente por aquela surpresa e ninguém é o melhor. Os risos geralmente aparecem quando as observações são comparadas. Mais importante, as "surpresas" específicas que foram implementadas geralmente transformam-se em soluções.

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A tarefa genérica

Quando os pacientes descrevem sua meta, mesmo se têm dificuldades em ser específicos, é possível utilizar esta linguagem para planejar uma intervenção que crie a expectativa de mudança. Por exemplo, se um paciente deseja "mais tranquilidade", sugira: "Nesta semana, observe o que você faz que te traz mais tranquilidade." Ou, se um paciente deseja "poder controlar melhor sua vida", sugira: "Nesta semana, observe o que você faz que te dá a impressão que você está controlando melhor as coisas." Podemos sugerir que os pacientes anotem suas observações, ou podemos simplesmente sugerir que voltem preparados para nos contar sobre as descobertas. Obviamente, essa tarefa pressupõe que ocorram comportamentos desejáveis entre as sessões terapêuticas – e eles geralmente ocorrem. Um benefício adicional dessa tarefa é que os pacientes vagos retomam com suas metas definidas de forma mais clara.

HIPNOSE VOLTADA PARA A SOLUÇÃO

A maior parte das pessoas, incluindo os terapeutas, tem uma imagem da hipnose influenciada pela imagem da hipnose tradicional na mídia popular. O hipnotizador poderoso, carismático com o relógio que se move ou com olhos penetrantes "domina" o paciente e o programa para fazer ou pensar algo. Queremos fornecer uma outra imagem da hipnose, baseada no trabalho de Milton Erickson e desenvolvida como uma orientação voltada para a solução. Grande parte da terapia voltada para a solução tem origem no trabalho de Erickson, que utilizou a hipnose em muitos de seus casos. Parte de seu trabalho com hipnose era um trabalho de descoberta dirigido ao encontro do significado, função ou origem "inconsciente" do problema, mas uma grande parte orientava-se diretamente para as soluções. A utilização da frase "acesso aos recursos inconscientes" tornou-se popular nos círculos ericksonianos. Já mencionamos uma das técnicas hipnóticas de Erickson, a "pseudo-orientação no tempo", claramente uma precursora do trabalho voltado para a solução. Ademais, Erickson tornou indistintas as fronteiras entre a terapia não-hipnótica e a hipnótica. Desenvolveu uma técnica "naturalista" de transe que não envolvia nenhum ritual óbvio de indução ao transe. Muitas vezes, nem dizia ao paciente que estava utilizando hipnose. Isso é importante para nosso trabalho na terapia voltada para a solução porque

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indica que as "sugestões" hipnóticas não exigem o ritual de indução de transe para surtirem efeito. Na hipnose voltada para a solução, estamos preocupados com o despertar de capacidades que o sujeito já possui, mas que não utilizou no contexto do problema. Na terapia voltada para a solução não-hipnótica, a preocupação está centralizada nas experiências automáticas, com as ações que estão fora do controle deliberado da pessoa. Por exemplo, se fora do transe, pedíssemos que você fizesse alguma parte de seu corpo ficar insensível, você não conseguiria fazê-lo acontecer deliberadamente. Na hipnose, por alguma razão, muitas pessoas conseguem fazer com que partes do corpo fiquem Insensíveis. Isso é o que chamamos de habilidade involuntária. A hipnose é muito útil para despertar estes tipos de capacidades que estão além do controle consciente e deliberado da pessoa. Como essas habilidades são estimuladas? Uma maneira de fazê-lo é falar sobre experiências que estão na classe de soluções a serem evocadas. Por exemplo, se a classe de soluções que ajudaria a pessoa com dor é "relaxamento", o terapeuta poderia falar sobre quando o paciente estivesse tomando um banho quente e se sentisse bem relaxado; poderia-se mencionar férias ou massagem nas costas. Uma outra forma é fazer uma sugestão permissiva dizendo que a pessoa tem capacidade de relaxar. Isso é diferente da sugestão hipnótica tradicional e autoritária que em geral diz ao sujeito que ele ou ela irá relaxar ou está relaxado. Nessa abordagem voltada para a solução, é dito ao paciente que ele ou ela é capaz de relaxar. Isso frequentemente evita qualquer "resistência" e permite ao paciente encontrar sua própria forma de resolver o problema. O terapeuta apenas faz a sugestão (como um de nossos colegas gosta de dizer "Eu sou um simples hipnotizador. assim, isso é apenas uma sugestão!"); o paciente decide ou não aceitar a sugestão. O paciente que estava buscando terapia por causa de dores de cabeça lancinantes descreveu-as dizendo que são enxaquecas em salvas. Uma fase pode durar dias, semanas ou meses, com uma dor fortíssima após a outra. A vítima nunca sabe quanto tempo vai durar. "São chamadas dores de cabeça calibre 45", disse ele com um dedo apontado para a têmpora, "porque, quando você tem urna, tem vontade de atirar na cabeça". Sofrendo delas já há vários anos, o paciente havia exaurido todas as opções médicas. Após mandá-lo a vários especialistas, seu médico disse-lhe que, do ponto de vista médico, não havia mais nada que pudesse ser feito. Sua filha, tendo ouvido

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falar do uso da hipnose para dores de cabeça por Bill, encorajou o pai a procurar sua ajuda, embora ele fosse muito cético em relação à hipnose. Após induzir um transe (embora o paciente nunca tivesse se convencido de que entrara em transe em nenhuma das sessões do tratamento), Bill disse-lhe que ele sabia muitas coisas sobre a dor de cabeça que não sabia que sabia. Uma era de que ele sabia muito bem como eliminar suas dores de cabeça. Sabia disso porque já havia tido tantas e de alguma maneira tinha conseguido acabar com elas. Bill continuou, seu corpo sabia exatamente como criar a dor e como acabar com ela. Com tanta experiência, ele já era perito em eliminar fortes dores dc cabeça e poderia utilizar este "conhecimento inconsciente” (já que certamente não tinha ideia consciente de como fazia isso) para eliminar a dor imediatamente se ela se manifestasse novamente. Ele também sabia outra coisa que não sabia conscientemente, disse-lhe Bill. Conhecia os padrões de suas dores. Relatou que elas sempre começavam com uma sensação intensa em um ponto da face. Depois, esse ponto espalhava-se para toda a cabeça. Bill disse-lhe que sua mente inconsciente poderia mudar o padrão de forma a quebrar a rotina da dor. Bill disse-lhe que ele tinha todas essas capacidades e mais, mas que não havia forma de determinar quais seriam as mais úteis, o quão rápido ele poderia encontrar alívio, ou se este seria parcial ou total. Ao final da primeira sessão, o paciente ainda duvidava do mérito da abordagem e estava convencido de que não havia entrado em transe. Ele voltou apenas por causa da insistência da mulher e da filha, que o convenceram que uma sessão não era suficiente para descobrir se iria funcionar. Na segunda sessão, estava novamente convencido que dormira e não que entrara em transe. Após essa sessão, passou por uma importante experiência: deixou o consultório com um começo de dor e, quando se sentou à direção do carro no estacionamento, o ponto de sensação intensa que geralmente levava à dor dissipou-se e desapareceu. Quando a mesma coisa aconteceu no dia seguinte, sabia que as dores tinham acabado. Dois anos mais tarde, o paciente retornou para uma sessão de "dose de reforço" quando sentiu que as dores estavam voltando. Três anos após, o acompanhamento indica que ele continua livre das dores. A hipnose voltada para a solução é também utilizada como uma ajuda para que as pessoas se lembrem de experiências que servem como referências para a edificação das habilidades necessárias para resolver a dificuldade

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apresentada. Novamente, isso contrasta com a utilização tradicional da hipnose, na qual os pacientes são estimulados a relembrar memórias traumáticas e a trabalhá-las. A jovem havia passado por todos os testes c tratamentos médicos e psicológicos mas ainda era incapaz de atingir o orgasmo. Em transe, Bill sugeriu que alguma vez ela deve ter tido um orgasmo, mas não tinha consciência disso por causa de sua inexperiência. Ela respondeu sem hesitar que agora se lembrava que havia tido um orgasmo quando estava dormindo. (Quando a mesma pergunta foi feita fora do transe, relatou que nunca havia tido um orgasmo.) Depois que se lembrou do orgasmo noturno, convenceu-se de que era capaz de ter orgasmos, o que ao final levou-a a ter orgasmos regularmente, primeiro por meio da masturbação, depois com um parceiro. Algumas vezes, quando a terapia encontra-se em um impasse, induzimos um transe e perguntamos ao paciente o que é necessário para progredir ou resolver o problema apresentado. Muitas vezes, os pacientes que não foram capazes de dar nenhuma ajuda consciente são capazes, por meio do transe, de dizer-nos claramente como ajudá-los. Essas experiências reforçaram a ideia que os pacientes são os especialistas no que se refere a forma de resolver os problemas. Não obstante, o terapeuta deve ter a habilidade de criar um contexto que estimule essa habilidade do paciente e o ajude a utilizá-la em sua vida. Nesse caso, a habilidade do terapeuta é criar um contexto para o transe voltado para a solução. Como em nosso trabalho não-hipnótico, utilizamos em larga escala a pressuposição na hipnose voltada para a solução. Erickson tinha uma forma favorita de pressuposição que chamava de "ilusão de alternativas". Essa técnica envolve dar ao paciente uma escolha entre várias alternativas, cada uma delas resultando em sucesso. Erickson tratou de um garoto de 12 anos que urinava na cama. Ele orientou-o primeiramente para o futuro, falando sobre seu tamanho quando fosse um homem. Ele seria mais alto ou mais forte que o pai? perguntou-se Erickson em voz alta. O garoto concentrou-se nessa imagem e, à medida que isso acontecia, Erickson lançou-se em um monólogo que se transformou em uma indução ao transe naturalista. Ele disse ao garoto que era segunda-feira e perguntou-lhe se ele achava que a cama poderia ficar seca até o dia seguinte. Erickson não achava que sim, disse ele, o garoto não achava que sim e qualquer pessoa com bom senso também não acharia

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que sim. Será que ele achava que a cama estaria seca na quarta-feira? Novamente. Erickson duvidava muito. Na verdade, ele não achava que a cama do garoto ficaria seca nenhum dia da semana. Ele também achava que a cama estaria molhada na segunda feira seguinte, disse Erickson, mas estava confuso em relação a uma coisa. Será que, por acaso, a cama do garoto ficaria seca na próxima quarta-feira ou seria na próxima quinta-feira? O garoto teria que esperar até sexta-feira para descobrir. O garoto foi instruído a voltar na sexta-feira à tarde e dizer-lhe em que dia isso acontecera. Quando o garoto voltou na semana seguinte, ele disse alegremente a Erickson que ele havia se enganado. Não havia sido na quarta ou na quinta e, sim, nos dois dias. Erickson respondeu que duas noites sucessivas de cama seca não significam cama seca permanentemente. Novamente, Erickson perguntou-se em voz alta se, já que estavam na metade de janeiro, o garoto seria capaz de aprender a manter a cama seca permanentemente até o final do mês. Erickson supôs que ele não poderia aprender tão rapidamente e lembrou-lhe que fevereiro era um mês curto. Ele não sabia se o menino começaria a manter a cama seca permanentemente em 17 dc março, que é o dia de São Patrício, ou em 1º de abril (dia da mentira). O menino também não sabia. Erickson disse, mas de uma coisa ele estava seguro, ele enfatizou, que não era da sua conta, nunca seria da sua conta quando começaria o tempo de camas secas (Rosi, 1980, vol. 1. pp. 416-417). Erickson comentou que desejava reorientar o menino. "Eu não queria que ele pensasse em camas molhadas. Queria que pensasse sobre o futuro remoto e sobre as coisas que poderia fazer em vez de pensar o que vou fazer hoje à noite – molhar a cama" (p. 417). Esse caso ilustra a orientação voltada para o futuro de Erickson e seu uso da pressuposição e da expectativa para criar soluções. Ele deu ao garoto a ilusão das alternativas entre quarta-feira e quinta-feira e entre 17 de março e lº de abril. Orientou o menino em direção à meta enfocando seu pensamento em camas secas e em quando ele teria uma cama permanentemente seca. O propósito da hipnose voltada para a solução não é o de ajudar os pacientes a obter insight por meio de memórias reprimidas ou eventos traumáticos reprimidos ou de programar os pacientes com crenças novas e mais positivas. Ao contrário, o propósito é estimular e utilizar processos,

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memórias e experiências mediadas inconscientemente para resolver as queixas do paciente e criar uma expectativa de mudança.

7 Como Incrementar e Manter as Mudanças

Como manter a bola rolando

Com frequência, os terapeutas nos perguntam: "Parece que sou hábil em iniciar a mudança, mas depois as coisas ficam estagnadas ou parecem até mesmo regredir. O que fazer para que as mudanças continuem a ocorrer?" Respostas Às reações do Paciente: a segunda sessão e sessões subsequentes Tipicamente, iniciamos a segunda sessão ou as sessões subsequentes verificando os resultados das tarefas de casa. Nossa pergunta inicial é uma pergunta pressuposicional cuidadosa: "Então, o que aconteceu que você gostaria que continuasse a ocorrer?" ou "O que você percebeu que estava fazendo que lhe deu mais autoconfiança?" ou "O que você fez de bom nesta semana?". Não perguntamos: "Você fez a lição?" ou "Como foi a lição?" ou "Aconteceu algo de bom nesta semana?". Como no caso de todas as perguntas pressuposicionais, nossa pergunta inicial expressa à certeza de que eles fizeram a tarefa e de que aconteceram coisas boas: além disso, ela é específica e não vaga. Perguntas mais específicas levam os pacientes para direções mais produtivas. Quando o paciente responde nossa pergunta iniciai com qualquer resposta positiva, fazemos a série de perguntas de exceção descrita no Capítulo 5. Isso incrementa as mudanças. Utilizamos o tempo passado na medida em que pesquisamos sobre as diferenças entre as coisas boas que aconteceram entre a sessão um e dois e as ocasiões no passado nas quais o problema costumava acontecer "O que você fez para que isso acontecesse?" "O que você fez para que seu dia fosse diferente?" "Quem mais percebeu que as coisas deram certo?" E assim por diante. Falamos sobre as mudanças e sobre os aspectos positivos das mudanças enquanto for possível. Quando trabalhamos com casais ou famílias, é muito fácil manter essa discussão em andamento durante a maior parte da sessão

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Já que todos são questionados sobre o impacto das mudanças positivas na sua vida. Embora haja o risco de simplificar demais o processo, dividimos os pacientes em três grupos em termos de quantidade de mudança experienciada entre a sessão um e dois. Há aqueles que retomam relatando uma semana milagrosa - uma "cura de uma sessão". Tudo estava perfeito, muito além dos sonhos mais ambiciosos. Este grupo é chamado de "grupo do milagre". A segunda categoria é a do "grupo mais ou menos". Eles tiveram uma semana melhor que a anterior, mas ainda há evidência de que o problema não está completamente resolvido. O terceiro grupo não relata nenhuma mudança ou, às vezes, sustenta que a situação ficou ainda pior. Esse grupo é chamado de "igual ou pior". A estrutura da segunda sessão e das subsequentes depende da quantidade de mudança relatada pelos pacientes entre as sessões. A seguir, apresentamos uma "árvore de decisão" para guiar os clínicos na incrementação e manutenção das mudanças iniciadas pelos pacientes.

O grupo do milagre

Como mencionamos no início deste capítulo, encorajamos os pacientes a falar sobre a mudança detalhada e demoradamente. Isso é uma tarefa extremamente fácil se ocorreram milagres entre as sessões. Os pacientes estão ansiosos e satisfeitos em discutir seus feitos. Ao final da sessão, tanto o terapeuta quanto o paciente devem contar com um quadro claro de quais são as mudanças, como ocorreram e, mais importante, o que precisa acontecer para que continuem. Cada pessoa (se há mais de um paciente) deve responder à pergunta: "O que é necessário para que as mudanças continuem?" ou "O que ela precisa fazer...?" Uma outra pergunta importante que irá aumentar a probabilidade da continuidade das mudanças é: "Há algo que pode acontecer na próxima semana ou na outra que possa vir a ser um desafio para manter essas coisas boas acontecendo?" Se eles respondem "não", muito bem. Se respondem "sim", pergunte: "Qual seria esse desafio?" Então, encoraje-os a descrever em detalhes a sua percepção da dificuldade potencial. Depois, pergunte: "Como você irá lidar com isso de forma diferente dessa vez?" (Novamente, observe o uso das palavras "pode", um termo provisório, e "irá", um termo definitivo.) Os pacientes geralmente refletem por um momento e então apresentam um plano razoável. Se tiverem dificuldade em encontrar uma

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maneira criativa de lidar com a situação, as sugestões do terapeuta em geral são bem-vindas. Para que nada fique em aberto, é útil perguntar: "Há algum outro desafio que pode surgir?" Repita essa série de perguntas até que não fique pedra sobre pedra. Muitos pacientes comentam que ajuda ter um plano quando as dificuldades aparecem. Mesmo no grupo de milagre há céticos: e com razão. Com base nas experiências do passado, multas pessoas acham necessário proteger-se do desapontamento causado pela rápida deterioração das coisas. Elas sentem medo do "que vem rápido e vai rápido". Essas pessoas dizem: "Ele seguiu nossas regras por um tempo e, logo, simplesmente jogou tudo para o alto" ou já outras vezes "Consegui dormir algumas noites muito bem para depois minha insônia voltar com tudo". Isso não significa "resistência" ou pessimismo irracional, mas sim informações muito úteis. Neste ponto, a tarefa do terapeuta é descobrir o padrão dos altos e baixos do passado. O seguinte diálogo ilustra esse processo. TERAPEUTA: No passado, quando ele estava seguindo suas regras, quanto tempo se passava antes que jogasse tudo para o alto? PACIENTE: Duas a três semanas. TERAPEUTA: Ok. Assim, se ele ficasse no caminho certo por três semanas e meia ou quatro semanas. Isso seria diferente? PACIENTE: Sim, seria. TERAPEUTA: Então, você iria pensar que dessa vez seria realmente diferente? Você começaria a pensar que talvez as mudanças seriam permanentes dessa vez? PACIENTE: Acho que sim. O método aqui é acrescentar apenas um pequeno período de tempo ao maior tempo no passado quando as coisas estavam bem e perguntar se Isso constitui uma diferença que faz diferença. Se sim, quando o período de três semanas e meia passar, servirá como um marcador de contexto — "Isso significa que as mudanças serão permanentes". Nesse caso, em vez de "esperar que as coisas piorem", como no passado, esses pacientes podem relaxar e esperar que as mudanças continuem. Se o tempo sugerido pelo terapeuta não parece ser suficiente para fazer uma diferença para o paciente, ele é solicitado a definir o limite de tempo. Naturalmente, isso também pode exigir um processo de negociação para garantir que a meta seja atingível.

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Como regra, não predizemos recaídas ou retrocessos porque nos preocupamos com profecias auto-realizáveis. Além disso, na maior parte das vezes, essas previsões não são necessárias ou apropriadas. No entanto, se as coisas estavam "perfeitas" e por algum motivo achamos, segundo nosso julgamento clínico, que pode haver um retrocesso, podemos dizer: "Estou preocupado porque como todos os seus dias foram ‘perfeitos’, quando você tiver um dia apenas ‘normal’, pode pensar incorretamente que as coisas estão voltando a piorar. Todo mundo tem altos e baixos, não importa o quão bem as coisas estão andando no geral." Isso normaliza e evita qualquer dificuldade em potencial. Ao final da sessão de milagre, frequentemente perguntamos aos pacientes se eles querem marcar uma outra consulta. Ocasionalmente, eles já estão satisfeitos com os resultados e não veem necessidade de outra consulta. Na maior parte das vezes, no entanto, marcamos outra sessão para dali a uma ou duas semanas. Podemos até chamá-la de sessão de check-up. Como na primeira sessão, comentamos sobre todas as mudanças e podemos também sugerir que eles continuem a procurar os sinais de que essas mudanças são permanentes.

O grupo mais ou menos

Após a pergunta: "Então, o que aconteceu de bom nesta semana?" (ou alguma variação), alguns pacientes começam a relatar algumas dificuldades enfrentadas nesse período. Nós, educada porém firmemente, interrompemos e sugerimos: "Espere um pouco... Chegaremos lá em um minuto. Primeiro, gostaria de ouvir sobre as coisas boas que aconteceram." O redirecionamento da sessão nesse ponto é valido por uma série de motivos. Primeiro, os pacientes têm a oportunidade de recordar os momentos prazerosos da semana anterior e frequentemente esses momentos superam em muito os momentos desagradáveis. Isso, então, modifica a perspectiva do paciente em relação ao significado dos períodos "não tão bons": eles parecem menos importantes ao final da sessão. A conversa sobre os bons tempos fornece um contexto excelente para a posterior discussão das dificuldades. Segundo, queremos que os pacientes saibam que o caminho mais rápido para as soluções é o exame do que está funcionando. Os pacientes recebem a mensagem de que este é o tipo de informação que precisamos para ajudá-los de maneira mais eficiente.

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Quando termina a análise de potencialidades c soluções, podemos perguntar: "Então, o que eslava preocupando você?" O paciente nos descreve o que resta do problema e depois, mais uma vez, perguntamos sobre exceções: "Como você lidou com isso de maneira diferente dessa vez?" Se ainda há um problema, seguimos o caminho do enfoque no problema descrito no capitulo anterior para planejar uma intervenção no padrão apropriada e efetiva. Com esse grupo, podemos utilizar a pergunta de escala, uma ferramenta terapêutica desenvolvida no BFTC que provou ser de valor inestimável em termos da manutenção e incrementação das mudanças (Lipchik, 1988. pp. 113-114, e E. L. Rossi, comunicação pessoal). Os pacientes devem atribuir uma nota, na escala de 1 a 10, a sua situação antes de vir para a terapia (ou sempre que as coisas não iam bem). Depois, devem atribuir uma nota à semana anterior. Finalmente, perguntamos que nota eles deveriam dar a si próprios para ficarem satisfeitos. A terceira pergunta da escala dá ao paciente a oportunidade de reconhecer que as coisas não têm de estar perfeitamente em ordem para serem satisfatórias. Assim, se um paciente atribui um "2" a sua vida antes da terapia, um "6" à semana anterior e diz que precisaria de um "8" para sentir-se satisfeito, perguntamos: "Diga-nos uma ou duas coisas que você pode fazer na semana que vem para fazê-la chegar a 6.5 ou 7?" Queremos assegurar que o que é mencionado pode ser alcançado. Uma tarefa de casa útil que lembra a estrutura das tarefas de fórmula e amplia a pergunta de escala é: "Entre hoje e a próxima sessão, observe e anote todas as coisas ‘7’ que você tem feito."

Grupo do igual ou pior

Quando os pacientes relatam que as coisas ficaram na mesma ou pioraram, não aceitamos isso sem investigações adicionais. É a mesma situação do tribunal, quando o advogado protesta porque a testemunha está tirando conclusões. Nós voltamos à evidência; isto é, perguntamos especificamente sobre o que aconteceu entre as sessões relacionado à queixa e como o paciente lidou com isso. Após uma consulta inicial em que se queixava de dores, um dos pacientes de Bill retornou para a segunda sessão relatando que nada havia mudado. Quando lhe foi pedido que descrevesse mais especificamente como, quando e que tipo de dor havia sentido nas últimas semanas, eles

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descobriram que havia ocorrido uma mudança no período em que ocorria a dor. Antes, ele sentia dor principalmente à noite. Agora, a dor aparecia Invariavelmente de manhã. Lembrando-se que o paciente havia se queixado de dormir muito pouco por causa da dor, Bill perguntou-lhe se estava dormindo melhor. Ele disse que estava dormindo bem. Bill disse que, no que se referia à terapia, o paciente tinha apresentado duas queixas, insônia e dores. Agora estava livre de metade do problema, a insônia, e havia feito uma mudança significativa na outra, a dor (já que o padrão da dor havia mudado). Agora, tudo que restava a fazer era continuar a mudança até que experimentasse um significativo alívio da dor. Uma estagiária estava observando a sessão com esse paciente. Após a sessão, disse a Bill que, no início da consulta, começou a achara terapia muito desestimulante mas, quando ouviu Bill falar, passou a perceber as possibilidades de mudança na situação e sentiu-se mais animada. Às vezes, os pacientes Insistem em afirmar que ainda há um problema enorme. Os esforços para redirecionar a sessão são infrutíferos. Quando isso acontece, revemos nossos passos e nos perguntamos se estamos deixando de considerar alguma informação essencial. Algumas vezes, quando nos encontramos em um beco sem saída, é útil perguntar: "De quem é esse problema afinal?" Anderson, Goolishian, Pulliam e Winderman (1986) desenvolveram uma abordagem que chamaram de "terapia de sistemas determinados por problemas". Essa abordagem sustentava que as pessoas que deveriam ser levadas em consideração na terapia são aquelas que acham que há um problema com elas ou com outra pessoa Os clientes ideais para as mudanças são aqueles que percebem que ha um problema (Fisch, Weakland e Segal, 1982). São aqueles que estão motivados para ver a mudança e para fazer algo para que ela aconteça. Também são aqueles que ficarão satisfeitos porque ocorreu uma mudança e/ou porque o problema não existe mais. Quando não estamos fazendo nenhum progresso na terapia, voltamos às perguntas básicas: 1. Quem é nosso paciente? Quem está se queixando de algo? Quem deseja que ocorra uma mudança? Quem percebe um problema? 2. Qual é a meta? Como saberemos quando a atingirmos? Algumas vezes, temos de mudar nosso enfoque na entrevista quando descobrimos que o paciente não está no consultório. Talvez o conselheiro da escola seja nosso paciente, já que é a pessoa que acha que há um

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problema. Nesse caso, podemos chamar o conselheiro e prosseguir com a entrevista voltada para a solução. Provavelmente, começaríamos pedindo-lhe que nos ajudasse dizendo-nos como ele irá perceber que a família foi beneficiada pelo tratamento e não precisa mais voltar. Algumas vezes, descobrimos que estamos trabalhando com alguém que não é um paciente e que não está motivado para mudar. Ou estamos tratando de alguém que não acha que existe um problema. Muitos "pacientes involuntários", incluindo aqueles enviados por tribunais ou escolas, enquadram-se nessa categoria. As técnicas voltadas para a solução podem ser úteis com esse grupo de pacientes, mas, algumas vezes, nada modifica uma pessoa que não quer estar em seu consultório, não deseja sua ajuda e não acha que tem um problema. Michele trabalha bastante com pacientes enviados por escolas e tribunais e encontra maneiras de obter sua cooperação e transformá-los em pacientes dispostos a mudar. Um outro tipo de ação na abordagem de situações nas quais os pacientes relatam que não aconteceram mudanças ou que as coisas pioraram é pensar sobre o terapeuta e a terapia como parte do problema e não como parte da solução. Da mesma forma que indivíduos, casais e famílias repetem padrões inúteis de pensamento e ação, os terapeutas e pacientes com frequência desenvolvem padrões inúteis e insistem em repeti-los. Se este for o caso, tentamos mudar nossa parte do padrão terapêutico. Podemos fazer algo inesperado como tirar umas férias, pedir que outros membros familiares venham à consulta, mudar nossa estratégia ou nossa conduta de alguma forma. Algumas vezes, quando os pacientes relatam que as coisas não estão mudando ou estão piorando, achamos que é melhor devolver o estímulo para o paciente e pedir-lhe que nos convença que a mudança é realmente necessária ou desejável. Em nossa descrição da primeira sessão (Capítulo 5), observamos que, quando os pacientes reagem negativamente a nossos esforços para serem otimistas e voltados para a solução, algumas vezes nos tornamos pessimistas em nossa abordagem. O mesmo acontece durante a segunda sessão e as subsequentes. Como terapeutas, fazemos parte do sistema do paciente e devemos observar atentamente como eles reagem às interações terapêuticas. Se dizemos "preto" e eles dizem "branco", pode acontecer que, quando somos pessimistas, eles são mais otimistas. Além de observar os padrões de interação durante a sessão, observamos padrões intersessões interessantes. Colocando de maneira simples, quando os pacientes

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respondem a uma tarefa direta fazendo o oposto do que foi sugerido, os terapeutas podem utilizar esse padrão de resposta dando tarefas que sugerem fazer o oposto do que seria esperado do paciente (De Shazer, 1985; Haley, 1963; Rossi, 1980). Erickson era bastante conhecido pelo seu uso do enfoque dos "benefícios despercebidos". Ele gostara de apresentar um novo ponto de vista para casais em que o homem sofria de impotência. Ele disse ao casal que o homem havia feito à mulher um grande elogio. Quando o casal ficou confuso, explicou que muitos jovens sentem-se desarmados ante a beleza da mulher e reagem dessa forma. Embora muitas pessoas possam achar esta abordagem um pouco ingênua demais, o casal, aparentemente, aceitou o argumento e foi capaz de superar (por assim dizer) essa dificuldade. Em geral, mantemos e incrementamos as mudanças na terapia por estarmos continuamente sintonizados com a solução. Nossos olhos estão abertos para as potencialidades e habilidades; se elas não saltarem aos olhos, nós as procuramos. Se ainda não forem acessíveis, persistimos até que encontramos ou criamos uma abertura para a mudança. Se isso falha, mudamos nossa forma de pensar e nosso curso de ação. Como Alan Watts escreveu: "Os problemas que não conseguem ser solucionados nos levam a pensar em perguntas mal formuladas" (1966, p. 55). Se ainda assim não obtemos sucesso, procuramos ouvir as ideias dos colegas sobre mudanças de estratégia e pensamento na terapia. Se isso não der certo, nós ou o cliente abrimos mão da terapia. Como W. C. Fields, um sábio filósofo, observou: "Se na primeira vez você não for bem-sucedido, tente, tente novamente. Depois, desista. Não há sentido em dar murros em ponta de faca." Nas páginas seguintes, apresentamos duas descrições completas de casos para que o leitor tenha uma noção de como unir os elementos apresentados nos últimos três capítulos.

COISAS DO CORAÇÃO

Sessão 1

Bonnie tinha 55 anos c marcou uma consulta por causa dos ataques de pânico que sofria sempre que sua melhor amiga, com 70 anos, deixava a cidade ou não atendia o telefone. Na verdade, havia sido a amiga que

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sugerira a Bonnie marcar a consulta. Já que estava preocupada com a dependência de Bonnie pois ela "não estaria aqui para sempre". Como sempre, Michele conversou um pouco antes de entrar no motivo pelo qual Bonnie procurou tratamento. Durante esse processo, embora não fosse questionada sobre sua família, Bonnie revelou que o pai morrera quando ela era bebê e a mãe, a quem era muito ligada, morrera há cerca de dois anos. Bonnie orgulhava-se porque, nos dois últimos anos de vida da mãe, insistira para que ela fosse responsável pela cozinha, já que acreditava que essa tarefa prolongava a vida da mãe dando-lhe um sentido para viver. Também acrescentou que seu filho de 25 anos, completamente saudável, morrera em um acidente de trabalho. Geralmente, a "conversinha" da sessão inicial não contem esse tipo de informações. Michele começou a entrevista perguntando: "Então, o que a traz aqui?" Bonnie respondeu: "Toda vez que minha amiga sai da cidade ou quando não consigo falar com ela, tenho uma reação de pânico. Meu coração começa a bater mais rápido e me sinto mal. Tem sido assim já há cinco anos.... mas já melhorei muito nesses últimos 18 meses." O restante da sessão foi dedicado à exploração do que Bonnie estava fazendo para tornar as coisas "muito melhores". Ela relatou várias técnicas que havia desenvolvido ao longo dos anos como, por exemplo, manter-se ocupada, dizer a si mesma que ficaria bem quando sentia seu coração começar a disparar, trabalhar e assim por diante. Bonnie relatou que todos esses métodos pareciam funcionar com ela. Como a discussão sobre a forma de superar os medos ocupou a maior parte da sessão. Michele perguntou-lhe por que tinha decidido vir à consulta. Aparentemente, a amiga estava preocupada que Bonnie não fosse capaz de cuidar de si quando ela, o que era inevitável, morresse. Bonnie admitiu ter muito medo disso. Elas, então, exploraram outras maneiras de Bonnie satisfazer suas necessidades, além de estar com a amiga. Estar com o marido e os filhos, bem como ser muito ativa em vários grupos comunitários, satisfazia muitas necessidades. Mais tarde, na sessão, quando Bonnie falou sobre "o sentimento ruim" que sentia quando a amiga deixava a cidade. Michele disse-lhe que estava confusa e explicou que sua própria mãe trabalhava na Europa. Toda vez que a mãe a visitava e partia Michele também sentia aquele "sentimento ruim dentro dela". No entanto, Michele não chamava esse sentimento ruim de "reação de pânico", chamava-o de "solidão" ou de saudades da mãe.

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Michele ponderou se Bonnie involuntariamente não havia confundido os dois sentimentos, já que costumava ter ataques de pânico. Bonnie pensou nessa distinção por um longo momento e disse: "Nunca havia analisado sob esse ângulo." Ao final da sessão. Michele elogiou Bonnie pela maneira como estava lidando com os sentimentos desagradáveis e por todos os métodos que havia desenvolvido para sentir-se melhor. Michele também mencionou que não era surpresa que tivesse esses sentimentos quando alguém que amava não estava disponível, considerando-se as experiências que tivera na vida — a perda do pai, a morte recente da mãe e de seu filho saudável. Na verdade, Michele ficou muito impressionada que Bonnie estivesse tão bem considerando-se as circunstâncias. Michele deixou Bonnie com um pensamento de despedida. Ela lhe disse que Bonnie havia aplicado à sabedoria que utilizava com a mãe à amiga. Michele também achava que as pessoas precisam de um propósito na vida para torná-la significativa e mostrou-lhe como ela, Bonnie, como havia dado um propósito à vida da amiga fazendo-a sentir-se necessária e querida. Isso acrescentou uma nota totalmente diferente ao fim da sessão já que Bonnie, até a consulta, estava se sentindo muito dependente e impotente. Como tarefa de casa, Michele pediu lhe que observasse o que fazia para superara a tentação de ligar para a amiga ou de entregar-se ao sentimento desagradável se isso ocorresse. Ela deveria anotar o que fazia em vez disso. A próxima sessão foi marcada para dali a duas semanas.

Sessão 2

Bonnie entrou no consultório sorrindo e relatou que quase não havia tido oportunidade de praticar já que houve apenas uma ocasião em que se sentiu desencorajada. Sua amiga prometera ligar em um determinado horário c não o fez. Bonnie tentou ligar para ela mas estava ocupado. Após esperar mela hora, tentou novamente; a linha ainda estava ocupada. Começou a se preocupar. Em vez de essa preocupação terminar em um "ataque de pânico", Bonnie fez outras coisas, como: "Peguei-me falando com o passarinho e com o cachorro. Depois, joguei paciência. Funcionou, fiquei mais tranquila. No passado, estaria histérica ao final de meia hora. Disse a mim mesma que como estava chovendo, algo poderia ter acontecido com as linhas telefônicas, ou talvez seu filho tivesse ligado da Califórnia." À parte desse incidente, Bonnie tinha tido duas semanas boas. Disse que estava mais confiante em geral (e deu vários exemplos disso), tinha uma

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perspectiva mais otimista e positiva da vida (esperava que coisas boas acontecessem) e estava lidando com cada coisa a seu tempo — novas atitudes e comportamentos para ela. Descobriu-se rindo muito e estava muito mais relaxada. Seus amigos do coro sentiram que a "velha Bonnie" estava de volta. Mesmo sua amiga querida notou as mudanças e pareceu satisfeita. Quando questionada sobre o que achava que havia sido responsável pelas mudanças, disse que havia pensado muito no que Michele dissera sobre ela "estar ajudando" a amiga em vez do contrário. Isso fez muita diferença para ela. No final da sessão, Michele disse a Bonnie que eslava muito impressionada com todas as mudanças e que estava satisfeita com a maneira pela qual ela havia administrado a situação desagradável. Michele admitiu não estar segura se havia necessidade de outra consulta e Bonnie disse que ligaria se necessário. Michele sugeriu que ela, no futuro, anotasse tudo que acontecia que a convencesse de que "a velha Bonnie" estava de volta para ficar. Ela concordou e acrescentou que a última sessão correspondeu a 15 sessões em termos de progresso. Michele observou que, portanto, duas sessões fariam com que ela sentisse como se tivesse vindo a 30 sessões. Ela riu e disse que tinha vontade de sair pulando e saltitando do consultório e foi exatamente o que fez. O FUTURO DE ANNIE

Sessão 1

Annie, 28 anos, entrou no consultório de Michele com um lenço na mão; havia chorado na sala de espera, quando questionada: “O que a traz aqui?", respondeu chorosa com a voz quase inaudível: "Minha vida está caindo aos pedaços." Continuou contando que o namorado havia rompido o namoro e que ela estava lidando muito mal com a rejeição. Disse que chorava e ficava deprimida o tempo todo. Suas frases eram desconexas e olhava muito pouco para Michele. Imediatamente após uma breve descrição do problema, Michele perguntou: "O que é diferente nas vezes em que você lida bem com as coisas?" Sem hesitar, ela relatou que se sentia bem no trabalho. Como Annie trabalhava em período integral, Michele lembrou-lhe que ela estava se sentindo bem 40 horas da semana, uma grande parte da vida. Michele também comentou que se sentir bem por 40 horas por semana é muito diferente de estar deprimida o “tempo inteiro” como ela havia colocado. Annie concordou.

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Como Annie havia identificado uma exceção significativa ao problema apresentado (sentir-se bem 40 horas por semana). Michele continuou nesse caminho: "Quando, além do trabalho, você lida com as coisas bem?" Annie disse que o tempo que passava com o filho de cinco anos era muito divertido e que durante esse período não tinha tempo de pensar no ex-namorado. Além disso, estava sempre muito apressada de manhã levando o filho para a babá e indo para o trabalho para preocupar-se com o rompimento. Por meio do processo de eliminação, tornou-se claro que a única hora em que Annie realmente se sentia no fundo do poço era à noite, durante um período de duas horas, após o filho ter ido para cama e antes de ela ir dormir. Ela até mesmo admitiu que pelo menos duas noites por semana não tinha sentimentos negativos. Alguns cálculos rápidos revelaram que, em vez de estar deprimida "o tempo inteiro", sentia-se no fundo do poço apenas dez horas por semana. Em cinco minutos, sua percepção da situação havia sido significativamente modificada. Michele então perguntou: "O que é diferente nessas duas noites por semana em que você não pensa no Sam?" Nessas noites, disse ela, ocupava-se visitando um vizinho, costurando ou visitando parentes. Ela e Michele estabeleceram que manter-se ocupada era absolutamente essencial para ela enquanto recuperava sua perspectiva. A próxima linha de questionamento enfocou outras maneiras de manter-se ocupada: "O que você faz para se divertir?", perguntou Michele. Ela respondeu que se divertia muito pouco. Era mãe solteira de um filho de cinco anos e, frequentemente, sentia-se sufoca pelas responsabilidades; passa longos períodos sem encontrar os amigos ou fazer algo divertido que diminuísse o stress. Comentou que sua família não se oferecia muito para cuidar do filho. Havia perdido contato com os amigos desde que ficara tão absorta no relacionamento com o ex-namorado. Ademais, muitos de suas velhas amizades ficavam bebendo em bares, uma atividade que não a atraía mais. Michele estava curiosa e perguntou se Annie havia superado algum problema com a bebida. Ela disse que havia passado por um programa de tratamento ambulatorial no ano anterior e desde então, exceto por uma ou duas recaídas menores, havia conseguido manter-se sóbria. Michele utilizou essa informação para destacar outra das forças de Annie, observando que ela não havia recorrido à bebida durante esse tempo estressante.

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Finalmente, Michele perguntou: "Qual será o primeiro sinal de que as coisas estão entrando nos eixos?" Annie disse que, em vez de pensar no ex-namorado à noite, pensaria em coisas agradáveis. Diria para si mesma: "Tudo vai dar certo." Após uma pausa para consultar-se com a equipe, Michele disse a Annie: "A equipe está muito impressionada com o fato de você ter vindo aqui para resolver essa situação de uma vez por todas. Também estamos muito impressionados com tudo que você tem conseguido: manter o emprego em tempo integral, ser uma boa mãe, uma mãe solteira sem muito apoio, e permanecer sóbria a despeito de tudo isso. Estamos realmente impressionados com todas as mudanças pelas quais você passou nos últimos tempos: desistir de velhos amigos, romper com o namorado e desistir da bebida. Isso é muita mudança em um curto espaço de tempo. Não nos espanta que as coisas às vezes pareçam está fora de controle! Precisamos de algumas informações adicionais e temos uma tarefa de casa para você. Entre hoje e a próxima vez que nos encontrarmos, queremos que você observe e anote tudo que é diferente em relação às noites nas quais você sabe, Annie, que as coisas vão ficar bem."

Sessão 2

Annie entrou no consultório com um ar seguro que levou Michele a acreditar que a semana tinha sido boa. As suspeitas de Michele foram confirmadas; Annie disse que havia tido uma "semana ótima". Quando questionada: "O que aconteceu de diferente nas noites em que você sabia que as coisas iam dar certo e o que você fez para que a semana fosse ótima?" Ela respondeu que havia saído todas as noites com o filho e que se divertiram muito. Jantou com uma vizinha em duas ocasiões. Ela também foi até a rua para dizer alô a um jovem que lhe chamara atenção. Esse rapaz ratava mexendo no carro quando ela apareceu mas parou para conversar com ela e o filho. Annie também foi visitar os parentes e achou-os bastante solícitos e divertidos. Isso foi uma grande surpresa para ela. Quando questionada: "O que você acha que pode ter sido responsável pela mudança no comportamento deles?", respondeu: "Acho que me sinto melhor e então sou mais sociável." A mãe inclusive ofereceu-se para tomar conta do neto. Annie também tirou a velha máquina de costura e começou novamente a costurar, o que há muito tempo não fazia. Ela se entendeu melhor com o filho. Orgulhava-se do fato de seus colegas pedirem sua ajuda durante o trabalho e também porque seu nome estava sendo cogitado

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para receber uma promoção. Por tudo isso, numa escala de l a 10, Annie atribuiu nota "8" à semana e disse que se sentia mais relaxada. Finalmente, acrescentou que não tinha chorado nenhuma vez naquela semana. Isso havia sido o aspecto mais surpreendente da semana. Após a pausa, a equipe elogiou-a por todas as mudanças e relacionou-as para ela. Como estava tão eufórica por todas as conquistas (ela havia tido uma "semana ótima"), a equipe expressou a preocupação de que, se tivesse um dia "normal", poderia pensar, incorretamente, que estivesse novamente perdendo o controle. Ela imediatamente nos tranquilizou dizendo que isso não era verdade. Então, a equipe disse a Annie que estava impressionada por ela saber o que tinha de fazer para manter as coisas em um "8". A tarefa que se seguiu após o último elogio foi: “Observe as coisas que você fizer nas duas próximas semanas que merecerão um '8'." Uma consulta foi marcada para dali a duas semanas.

Sessão 3

Michele começou a sessão com: "Então, quais são as coisas nota '8' que você tem feito nas duas últimas semanas?" Ela tirou duas folhas de papel tamanho oficio onde havia anotado cuidadosamente os acontecimentos da semana. Havia encontrado os amigos e a família, começado a fazer ginástica, trabalhado com prazer e começado a sair com o jovem que conhecera que morava na mesma rua. O relacionamento havia florescido nas duas semanas. Seu filho também parecia gostar da companhia do rapaz. Ela estava muito feliz por ter saído da concha tão rapidamente. Durante essas duas semanas, também tinha enfrentado um desafio real a seu progresso recente. Um tio que morava em outro estado havia se suicidado. Embora ficasse chocada, sentiu-se satisfeita por sua capacidade de recorrer aos amigos e aos membros familiares em busca de consolo. Michele perguntou: "Quem, além de você, percebeu como você está bem?" Annie rapidamente disse-lhe que seu chefe havia comentado sobre seu progresso. Antes dessa sessão, Annie disse ao chefe que achava que a terapeuta iria lhe dizer "Agora... suma daqui!" Após a pausa, a equipe disse a Annie: "Você é uma pessoa surpreendente! Só '8'!! Você realmente está com o controle de sua vida nas mãos e sabe exatamente o que fazer para que as coisas continuem a dar certo. Temos apenas algo a dizer... Agora, suma daqui!"

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8 O Rumo não Seguido

Caminhos que devem ser evitados na terapia

A maior parte deste livro destaca o que podemos fazer para que a terapia seja mais bem sucedida. Neste capítulo, destacamos o que não devemos fazer na terapia, algumas armadilhas nas quais os terapeutas supervisionados por nós em geral caem. Se o terapeuta não se desvia do caminho voltado para a solução, tudo dá certo. No entanto, quando ele ou ela se desviam da rota principal, a terapia pode seguir uma direção improdutiva, perder se no pântano da patologia ou cair em ruas sem saída com nenhuma solução à vista. Gostaríamos de colocar placas de advertência para impedir o terapeuta de trilhar os caminhos "errados". Colocamos errados entre aspas porque o que oferecemos é apenas um mapa baseado em nossa experiência e todos sabemos que mapas podem ficar desatualizados com as mudanças no território ou menos do que úteis se não contiverem informações relevantes para chegar ao destino. (Por exemplo, possuir um mapa topográfico não ajuda muito para andar pelas ruas de uma cidade grande.)

NÃO SABER AONDE ESTÁ INDO E SE CHEGARÁ LÁ; FAZENDO TURISMO

Frequentemente, somos solicitados por colegas e outros profissionais que conhecemos durante os workshops para dar nosso parecer em relação a casos difíceis. Após uma breve introdução sobre o tratamento, em geral perguntamos ao terapeuta: "Quais são as metas de seu paciente?" Muitas vezes, há uma pausa perceptível entre nossa pergunta e a resposta do terapeuta, indicando as metas do tratamento não são prioritárias para o terapeuta. Isso é lamentável, porque se você não sabe aonde está indo, como saberá quando chegou lá? Como saberá que está na direção correta? O título de um livro que vimos diz: "Se você não sabe aonde está indo, provavelmente irá chegar a um lugar diferente."

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Se as metas do paciente não estão dirigindo o terapeuta confuso, o que estará? Algumas vezes, a opinião do terapeuta sobre o que precisa ser mudado determina a estrutura das sessões. Em geral, isso não funciona muito bem já que os pacientes tendem a considerar que o tratamento foi malsucedido a não ser que suas metas ou as metas negociadas em conjunto tenham sido atingidas. Michele observava atrás do espelho o que deveria ser a sessão de fechamento de um de seus colegas. O terapeuta estava muito satisfeito com os progressos da família: os membros da família estavam cooperativos; haviam feito todas as tarefas de casa e relataram melhoras em determinadas áreas. Tão logo o terapeuta sugeriu que era hora de terminar, um dos pacientes disse: "Houve progresso em algumas áreas mas isso não tem nada a ver com a razão original de nossa vinda aqui." Revendo suas anotações após a sessão, o terapeuta descobriu que, de falo, havia inadvertidamente se desviado da rota. Havia esquecido das metas da família e estava trabalhando de acordo com seu próprio programa. Embora a família educadamente seguisse seu plano, não estava nem um pouco convencida de que era hora de terminar a terapia. Cocar o braço quando a coceira é na perna pouco adianta para aliviar o incômodo.

Beco sem saída 2 - Começando com uma meta incerta

Os problemas, não importa se chamados de sintomas ou queixas, deveriam ser algo que a pessoa pudesse contar, observar, mensurar, ou de alguma maneira perceber que pode influenciar... Uma das razões mais importantes para especificar o problema de forma objetiva é para que o terapeuta possa saber quando obteve sucesso. É de se supor que, ao término do tratamento e em uma entrevista posterior de acompanhamento, o terapeuta deseje saber definitivamente se as metas terapêuticas foram atingidas (Haley, 1976, p. 41). Algumas vezes o problema é que o terapeuta nunca tem um quadro claro da meta do paciente. A meta pode ser colocada em termos vagos em vez de em palavras de ação, por exemplo: "Ele terá uma atitude melhor". "Eu terei mais autoestima" ou "Ele será mais amoroso comigo". Como não podemos ver coisas como atitudes, autoestima ou amor, é difícil para o paciente e para o terapeuta saber quando essas coisas estão acontecendo. Não é raro, então, que todas as pessoas envolvidas se sintam como se estivessem andando em círculos (já que na verdade é o que estão fazendo).

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Beco sem saída 3 — Perdendo a meta de vista

Pressupondo que temos um quadro claro da meta ao final do tratamento, esforçamo-nos para nunca perdê-la de vista. Como nossos pacientes falam de si próprios, descrevendo seus pensamentos, sentimentos c ações, estamos continuamente nos perguntando: "De que maneira isso [seja lá o que for que o paciente está relatando] está relacionado à meta dele?" Considere as consequências potencialmente devastadoras experimentadas por um alpinista escalando a face dc um rochedo se ele se distrair e perder de vista a meta final. Além disso, classificamos o que o paciente diz na terapia em três categorias gerais: "Voltado para a meta", "voltado para o problema" e "ainda a ser determinado". (Gingerich, De Shazer e Weiner-Davis, 1988. realizaram pesquisas que são relativamente paralelas a essa perspectiva de entrevista.) Nas afirmações voltadas para a meta, os pacientes falam sobre as boas coisas que têm feito nas suas vidas e seus pensamentos ou sentimentos em relação a elas. Nossa resposta consistente aos tópicos voltados para a meta é destacar, ampliar e rotular o relato como merecedor de atenção mostrando muito interesse e entusiasmo. Quando são voltados para o problema, os pacientes falam sobre o problema apresentado, sua história, sua compreensão da dinâmica associada ao problema e seu ceticismo em relação à possibilidade de mudanças. Nossa resposta para afirmações voltadas para o problema varia. Algumas vezes, a resposta é o silêncio, ao mesmo tempo que procuramos comentários positivos que possamos destacar. Mais frequentemente, escutamos educadamente que os pacientes dizem e, gentilmente, redirecionamos a conversa para uma direção mais frutífera. Outras vezes, reenquadramos a descrição do problema de forma inesperada, tentando ver se uma alteração da percepção do paciente do problema leva a uma discussão voltada para a meta. Se, após o reenquadre, o paciente fala novamente sobre o problema esse esforço é abandonado. Por outro lado, se o paciente responde positivamente dizendo por exemplo: "Nunca havia pensado nisso dessa maneira; isso faz muito sentido", então conseguimos entrar no terreno voltado para a meta e o questionamento voltado para a meta é indicado. Finalmente, algumas vezes é muito difícil saber se o assunto discutido é produtivo ou não. Isto é, o paciente percebe o que está sendo dito como algo que irá facilitar ou dificultar a mudança - ou como algo simplesmente

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insignificante? A categoria "ainda a ser determinado" foi criada para esses casos. Quando estamos em dúvida, esperamos e prestamos muita atenção às pistas sobre a utilidade potencial do que está sendo dito. A pergunta: “De que forma isso (o que quer que esteja sendo discutido) faz com que seja mais fácil para você -- (perder 5 quilos, conseguir a promoção, entender-se melhor com seu marido)?” ajuda a determinar a relevância e a utilidade dessas informações. Se o paciente indica que isso ajudará de alguma maneira, ficamos animados. Se, por outro lado, nosso paciente diz que a questão fará com que seja mais difícil atingir a meta, sugerimos que ajuda muito saber o que não fazer para atingir as metas rapidamente. A discussão pode ser acelerada nesse ponto dizendo: "Ok, então isso é algo que não funciona com você. O que funciona?" Há um aspecto final da categoria "ainda a ser determinado". Às vezes, os pacientes discutem um comportamento ou uma atitude que parece bastante insignificante para eles, mas que consideramos voltados para a meta. Nossa resposta voltada para a meta, isto é, curiosidade, interesse e entusiasmo ("Parece realmente diferente da maneira como você lidava com as coisas há duas semanas!"), geralmente transforma uma afirmação neutra em uma afirmação positiva voltada para a meta. Quando isso ocorre, os pacientes dizem coisas como: "É verdade, isso é realmente diferente. Esqueci o que aconteceu há duas semanas." O que fica claro nesse tipo de enfoque é a importância que atribuímos a permanecer centrados e não nos afastar da rota. Evitamos fazer turismo se possível. Turismo, em nossa opinião, significa perguntar sobre coisas ou procurar informações que podem ser interessantes e estimulantes, mas que com toda a probabilidade levarão a um beco sem saída terapêutico ou a um caminho muito mais tortuoso para a solução. Uma vez, ouvimos uma participante de um workshop perguntar a Steve de Shazer como ele resistia à tentação de perguntar aos pacientes coisas que ela considerava "picantes", já que ela achava que todo terapeuta tinha algo de voyeur. O público riu concordando com ela. Ele comentou que não achava mais tais caminhos fascinantes. Falar sobre mudanças era o que o atraía. Nós concordamos com ele.

FAZENDO O QUE NAO FUNCIONOU PREVIAMENTE

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Inicialmente, pressupomos que saber o que está funcionando e fazer mais do mesmo irá eliminar a dificuldade. Certamente, isso é o que enfatizamos em nosso trabalho. Se, no entanto, as coisas não ocorrem de forma tão tranquila, somos obrigados a nos perguntar sobre o que não está funcionando, para evitar a repetição de soluções ineficientes.

Impasse 1 - Repetindo abordagens ineficientes de outros terapeutas

Se nossos pacientes dão a entender que já procuraram tratamento antes, com frequência perguntamos: "O que essa experiência teve de útil e o que não ajudou?" A resposta do paciente é uma informação extremamente útil. Por exemplo, se escutamos: "Achei minha terapeuta uma pessoa extremamente simpática, gostava dela, mas ela apenas escutava o que eu dizia e nunca sugeriu nada ou desafiou-me de alguma maneira", sabemos que esta pessoa combinaria melhor com um terapeuta diretivo e ativo durante a sessão. Esse reconhecimento nos ajuda a atender as expectativas e a aumentar as chances dc um resultado bem sucedido. Da mesma forma, quando ouvimos comentários do tipo: "O terapeuta nos disse que unhamos um problema conjugai quando trouxemos nosso filho por causa da fobia escolar. Não concordamos com isso e decidimos não voltar", sabemos que não devemos dizer-lhes que eles tem um problema conjugal. Por enquanto, as questões relacionadas ao casamento são provavelmente questões sensíveis, e nós certamente andaríamos com cuidado nessa área. Obviamente, não é necessário ser um Milton Erickson ou um terapeuta mágico para perceber o que não fazer quando já perguntamos sobre os aspectos negativos relacionados a experiências terapêuticas previas.

Impasse 2 - Repetir o que seu paciente vem inutilmente tentando fazer para resolver o problema

Uma vez observamos uma sessão em que o terapeuta perguntou à mãe e ao filho de 12 anos: “Então, o que os traz aqui?” A mãe respondeu: "Ele não fala mais comigo. Tenho certeza que há algo que o está aborrecendo porque teve problemas na escola, mas não importa o quanto tente fazê-lo falar, ele apenas responde com uma ou duas palavras. É muito frustrante." Após a mãe ter expressado sua opinião sobre o problema, o terapeuta passou os 30 minutos seguintes tentando fazer o garoto falar sobre a sua percepção da situação. Adivinhe o que aconteceu? Provavelmente não será surpresa saber que o garoto pouco falou e, quando o fez, utilizou respostas de uma

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ou duas palavras. O terapeuta sentiu-se perdido, o que reforçou a opinião da mãe de que havia um problema (uma técnica de união incomum). Qualquer resposta diferente daquela que já provou ser ineficiente tem probabilidade de funcionar. A repetição das tentativas malsucedidas do paciente para resolver o problema durante a sessão ou a sugestão inadvertida para que faça "mais do mesmo" entre as sessões significa desenvolver um plano fadado ao fracasso. Michele tinha um paciente de 40 anos com dores de estômago e de cabeça relacionadas ao stress. Várias consultas com o médico eliminaram a hipótese de etiologia física. Na primeira sessão, ele deu a Michele duas folhas datilografadas relacionando os vários métodos que empregara para livrar-se das dores. Relacionou aproximadamente 75 deles. Michele examinou as folhas por alto e imediatamente percebeu que ser fosse sugerir uma técnica específica para eliminar os desconfortos físicos, a sugestão seria a de número 76 na lista. (Essa lista poderia ser chamada de “As 75 maneiras para NÃO curar dores de cabeça e de estômago”.) Em vez disso, Michele disse-lhe que os desconfortos que ele vinha experienciando eram importantes provavelmente por alguma razão ainda desconhecida e que ela precisava de mais informações sobre as dores. Sugeriu que, em vez de entregar-se a pensamentos negativos o dia inteiro como vinha fazendo, deveria reservar um período à noite quando permitiria que os pensamentos negativos surgissem. Deveria, então, tentar descobrir o que poderia aprender com eles. Durante a segunda sessão, ele disse: "Tive uma semana muito melhor. O que foi estranho é que quanto mais tentava ter pensamentos negativos, mais difícil isso se tornava." Embora Michele não estivesse segura se a intervenção iria funcionar, estava certa de que outra sugestão para eliminar as dores de cabeça e de estômago seria mais uma dose do mesmo remédio.

Impasse 3 — Repetindo conselhos e sugestões bem-intencionados de membros da família e de amigos

Geralmente, antes do início da terapia, os amigos e a família já ofereceram sugestões "úteis" que provaram ser ineficientes ou desinteressantes por vários motivos. Com toda probabilidade, seu paciente será tão receptivo ao escutar as mesmas velhas sugestões de você como foi ao escutá-las dos amigos e da família. Inversamente, o que muitas vezes é necessário para ajudar os pacientes a sair do impasse é uma sugestão enfocada de tal

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maneira que pareça contradizer o mesmo velho conselho. Se você ouvir: "Você fala como minha esposa (minha mãe, meu marido, meu chefe)", está em uma enrascada. É hora de mudar de direção.

NÃO PRESTAR ATENÇÃO ÀS REAÇÕES DO PACIENTE

Frequentemente, terapeutas inexperientes com a intenção de aperfeiçoar um novo modelo de terapia concentram se tão profundamente em dizer a coisa certa na hora certa que se esquecem de observar atentamente as reações verbais e não verbais dos pacientes. Falham em perceber se o paciente está concordando ou não, se está confuso, aborrecido ou encantado. Prosseguem cegamente, sem avaliar constantemente se o que estão fazendo está funcionando ou não. Nenhum modelo, técnica ou intervenção terapêutica é totalmente útil ou inútil. É valiosa apenas se funcionar. E a única maneira de descobrir se algo funciona na terapia é observar e perceber as reações das pessoas durante e entre as sessões. Então: “Se funciona, não conserte. Se não funciona, faça algo diferente” (De Shazer, 1985). Como Milton Erickson, os terapeutas voltados para a solução procuram trabalhar com as atitudes do paciente em relação à vida, aos relacionamentos, à terapia e assim por diante, em vez de convencer o paciente a substituir essas atitudes por outras consideradas "mais saudáveis". De acordo com esse princípio, um sinal claro de que a terapia fugiu do rumo é dado quando o paciente discorda dos comentários ou sugestões feitas pelo terapeuta (a não ser que essa seja a intenção do terapeuta). Se o terapeuta não muda de direção a esta altura, corre o risco de perder o paciente ou, no mínimo, de obstruir o processo de mudança. No entanto, é difícil julgar quando essas conjunturas críticas acontecem na terapia se você não está prestando atenção e observando seu paciente. Embora terapeutas mais experientes tenham mapas para guiá-los, são capazes de se adaptar e de se modificar de acordo com o que ocorre na sessão. Esse processo de ajuste e modificação é semelhante ao processo do corte de lenha com um machado. Para atingir a meta final de cortar a lenha em dois pedaços, ele tem de observar sempre — e com atenção — o corte resultante cada vez que dá uma machadada. Ele está constantemente ajustando cada golpe para obter um corte exato. Um dos perigos em ignorar as reações do paciente e falhar em modificar o próximo movimento terapêutico é se perder. Às vezes, estar

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"superpreparado" cria uma rigidez nos terapeutas prejudicial para atingir a meta. Vários minutos antes da sessão seguinte, a terapeuta procurou supervisão em relação a um caso difícil. Estava tratando de uma família já há algum tempo e sentia-se perdida. Havia desenvolvido uma intervenção muito elaborada, que planejava apresentar à família ao final da sessão. Seu plano para o restante da sessão era o de criar contexto no qual a intervenção fizesse sentido. Seu plano estava muito bem definido. Quando a família entrou no consultório, não parecia tão “resistente” como a terapeuta havia descrito. Na verdade, eles falaram sobre as mudanças que haviam ocorrido naquela semana. No entanto, como a terapeuta tinha seu plano, agarrou-se a ele, ignorando os comentários positivos feitos pelos membros da família. Se tivesse reconhecido as coisas boas que tinham acontecido, seria obrigada a abandonar sua estratégia "inovativa". Não estava preparada para fazer isso. A conversa entre os membros familiares deteriorou rapidamente na sessão.

Erickson disse bem: A tarefa terapêutica não é fazer com que o paciente siga as crenças e os critérios do terapeuta. Nenhum paciente pode realmente entender os critérios do seu terapeuta e também não precisa deles. O que é necessário é o desenvolvimento de uma situação terapêutica que permita ao paciente utilizar seu próprio pensamento, sua própria compreensão, suas próprias emoções, da maneira que melhor lhe aprouver em seu esquema de vida (Rossi, 1980. vol.4, p. 223). INTENSIFICANDO A PATOLOGIA

Problemas não são algo que a pessoa tem ou não tem. A maneira como julgamos o que acontece em nossa vida determina se temos um “problema enorme”, um “desafio interessante”, “uma pequena queda na árdua estrada da vida” ou “nenhum problema”. Acreditamos que as determinações sobre a gravidade das situações das pessoas são influenciadas, formadas e moldadas durante o processo de entrevista. Portanto, a falha em implementar certas estratégias voltadas para a solução indubitavelmente irá reforçar a ideia de que há realmente um problema e que este é complexo e inadministrável. Na medida em que observamos o trabalho de outros

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terapeutas, vemos alguns comportamentos que parecem aumentar a probabilidade de intensificar a patologia. Chamamos esses comportamentos de "becos sem saída".

Beco sem saída 1 - Falhando em observar e incrementar comportamentos, afirmações e atitudes voltadas para a solução

Há uma questão filosófica conhecida: "Se uma árvore cai em uma floresta e ninguém escuta, há algum som?" Da mesma forma, relatórios de soluções, forças e exceções ao padrão do problema que passam despercebidos ao paciente e/ou ao terapeuta parecem dissipar-se instantaneamente no ar. A não ser que o paciente rotule o que está dizendo como algo importante e valioso, ou o terapeuta aja de forma a indicar ao paciente que esse tópico da discussão é importante e voltado para a solução, a oportunidade de criar "novidades que fazem diferença" é perdida. Ao longo dos anos, ficamos tão acostumados a ouvir perguntar ou a comentar sobre qualquer coisa que se mostre valiosa para o desenvolvimento de uma solução que imaginamos como se fosse uma luz piscando em alerta quando esses tópicos estão sendo discutidos. Pegamo-nos pensando: "Descubra sobre isso!" Quando o terapeuta falha em observar essas coisas, seu trabalho fica muito mais difícil.

Beco sem saída 2 - Falhando em interromper afirmações ou questões inúteis

Como sei o que eu penso até perceber o que eu digo? (O’Hanlon & Wilk, 1987, p. 84) É durante o processo de falar sobre sua situação na terapia que a maioria dos pacientes começa a cristalizar as ideia sobre a natureza e a seriedade dc suas dificuldades. Portanto, é essencial que os terapeutas assumam um papel ativo encorajando os pacientes a explorar tópicos voltados para a solução. Falar sobre o problema leva a pensar sobre ele, o que leva a falar mais sobre o problema. A não ser que se discuta o problema de uma forma nova e diferente, ele será pensado da mesma velha maneira. Se pensar sobre o problema da mesma maneira funcionasse, o paciente não estaria em seu consultório. Achamos que falar sobre as coisas frequentemente esclarece e cristaliza de certo modo essa opinião específica. Muitas pessoas não estão seguras do que acham sobre algo até que ouçam a si próprias falando sobre isso.

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Quando o fazem, tendem a ai que esses são seus "verdadeiros sentimentos" ou pensamentos reais sobre a situação. Parte do processo para evitar a cristalização dos problemas ou das opiniões inúteis é o que chamamos de "interrupção terapêutica". É semelhante à situação do advogado no tribunal que protesta contra uma linha de interrogatório que possa prejudicar o cliente. O que fazemos quando interrompemos com um comentário ou com uma pergunta é garantir que o júri não seja levado na direção da patologia e de problemas intratáveis e que a conversa que poderia cristalizar tais opiniões não seja registrada nos autos do julgamento.

Beco sem saída 3 — Procurando resistências

Um colega de Bill contou-lhe esta história. Talvez não seja verdadeira, mas ilustra nosso ponto de vista de forma prática. Ele disse que havia feito parte de um grupo de treinamento na área de terapia psicanalítica. Decidiu abandonar o grupo após ter percebido que se alguém chegasse atrasado, a interpretação inevitável era de que, a pessoa estava resistindo; se chegasse mais cedo, estava ansiosa; se chegasse pontualmente, era compulsiva. Ele percebeu que não havia como vencer neste sistema, exceto talvez abandonando-o e foi o que fez! Às vezes, somos todos culpados por atribuir motivações negativas ao comportamento das pessoas. No entanto, fazer isso na terapia pode ter consequências terapêuticas sérias. Não acreditamos que a resistência seja algo concreto que ocorra durante o processo de tratamento. É simplesmente um rótulo dado pelos terapeutas a determinados comportamentos dos pacientes quando se chegou a um impasse terapêutico. Infelizmente, a rotulação dos pacientes como resistentes pode limitar nossas ideias sobre prováveis soluções e fazer com que desistamos de utilizar os pacientes como parceiros no processo de mudança. Os terapeutas voltados para a solução prestam atenção aos elementos cooperativos do relacionamento paciente/terapeuta e constroem sobre esses aspectos mais produtivos. Não "vemos" mais a resistência porque nosso campo de visão está ocupado com as observações das coisas que os pacientes estão fazendo para atingir as metas e para cooperar com a terapia. O enfoque nesses aspectos da situação em geral cria uma atmosfera otimista na qual o terapeuta provavelmente terá sentimentos positivos e calorosos em relação ao paciente e o paciente sentirá o mesmo em relação a

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ele. Isso estimula uma parceria que facilita a procura e a implementação de soluções. Se os pacientes têm objeções ou estão relutantes em seguir algum curso de ação, vemos isso como preocupações legítimas que devem ser trabalhadas ou incluídas na discussão.

TORNANDO-SE CRIATIVO

Um terapeuta no MRI, Lynn Segal, conta uma história sobre um amigo que vale a pena repetir aqui. O amigo de Lynn sabia que ele era um terapeuta competente, capaz de ajudar a resolver até os problemas mais difíceis porque era esperto e tinha uma boa estratégia. Por causa de sua reputação, o amigo perguntou se Lynn poderia lhe dar um conselho para resolver um problema que estava enfrentando no momento. Ele tinha certeza de que, por sua ampla experiência em lidar com circunstâncias difíceis, Lynn seria capaz de ajudá-lo. Lynn concordou em tentar. O amigo disse que há algumas semanas o cachorro do vizinho passou a ficar solto, o que não seria um problema se o cachorro não fizesse as necessidades na sua cerca. Ele queria que Lynn sugerisse algo bem estratégico para resolver o problema. Lynn pensou por um momento e respondeu: "Você já tentou falar com ele sobre isso, dizer-lhe como isso te irrita e pedir-lhe que prenda o cachorro?" O vizinho admitiu que ainda não havia feito isso. Lynn sugeriu que tentasse fazer isso antes de pensar em qualquer estratégia. Neste caso, já mencionado anteriormente de maneira breve, Bill fez uma entrevista com a mãe e a filha que estavam se consultando com um terapeuta que participava do grupo de supervisão de Bill. Quando questionadas, nenhuma das duas conseguiu dizer com certeza por que estavam ali, disseram apenas que o terapeuta pediu que viessem. Quando Bill perguntou o que havia trazido as duas inicialmente à terapia, a mãe relatou que a filha estava estocando jornais. A mãe começou então a descrever cm detalhes o comportamento compulsivo da filha de juntar coisas desde a infância (ela estava agora com 20 e poucos anos). No entanto, por ser uma entrevista voltada para a solução, Bill descobriu que a filha não mais recolhia e guardava jornais ou qualquer outra coisa de forma problemática. Bill começou a pensar alto sobre o motivo de elas estarem fazendo terapia, já que não pareciam mais ter problemas. Elas também ficaram perplexas. Talvez, Bill sugeriu, seu terapeuta gostasse de estocar

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pacientes. O terapeuta estagiário que estava escutando atrás do espelho entendeu o recado e começou a discutir o fim da terapia com as pacientes. Uma vez pediram a Michele que criticasse o estudo de caso de um casal escrito por um colega que se considerava um "terapeuta breve centrado no problema" (Weiner-Davis, 1985). As metas foram definidas no início da terapia. Várias sessões mais tarde, as mudanças relatadas indicavam que as metas haviam sido atingidas. Michele estava impressionada com a habilidade do terapeuta e pressupôs que o restante do artigo seria uma discussão da abordagem bem-sucedida. Em vez disso, um relatório de muitas outras sessões constituía o balanço do artigo. Finalmente, vários meses mais tarde, o terapeuta, de forma hesitante, sugeriu que talvez não houvesse mais necessidade de terapia. O que não ficou claro foi o motivo da terapia ter continuado por tanto tempo, já que as metas dos pacientes tinham sido atingidas muitas semanas antes. Como é evidente, o terapeuta tinha esquecido as metas dos pacientes. Além disso, embora ele concordasse que o casal havia feito progressos, parecia achar que outras sessões poderiam incrementar os resultados, já que estava preocupado com recaídas. Quando as metas do tratamento são atingidas e nossos pacientes não dizem nada, perguntamos a eles se acham que devemos interromper a terapia. Algumas vezes, os pacientes desejam rediscutir uma nova questão, o que não é problema. Na maior parte das vezes, os pacientes concordam que é hora de parar. Mesmo quando uma nova questão é levantada, destacamos a noção de que algo foi completado, que eles fizeram o que se propuseram a fazer. Isso cria uma confiança que pode ajudar a atingir outras metas. Quando a terapia passa do ponto da realização da meta, sem que o terapeuta dirija a atenção do paciente para o fato, o problema passa a ser considerado como algo irreal e insolúvel (tanto para o terapeuta coma para o paciente). Um dos motivos de os terapeutas falharem em interromper o tratamento é porque, mesmo quando o problema não mais existe, os pacientes contam detalhes de sua vida que parecem merecer intervenções — uma briga com a esposa, um mau dia no trabalho, uma fuga voraz de uma dieta estrita e assim por diante. No entanto, todos sabem que altos e baixos fazem parte da vida. A terapia não se destina a ser uma panacéia para todos os desafios da vida.

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9 Pronto, Atire, Acerte o Alvo

Como pôr em prática a terapia voltada para a solução

No livro, In search of excellence, Peters e Waterman resumiram as qualidades de algumas das melhores empresas dos Estados Unidos. Um dos princípios utilizados por essas empresas era o de agir e depois descobrir diretamente no mercado se sua abordagem foi adequada ou não. Eles não gastavam muito tempo fazendo pesquisa de mercado ou organizando grupos para estudar o assunto e recomendar planos de ação. Os autores resumiram o princípio em uma frase: "pronto, atire, acerte o alvo". Isso é o que esperamos que você, leitor, faça com este livro. Fornecemos o que achamos ser a parte "pronta". Descrevemos em detalhes uma abordagem coerente que fornece a base de uma maneira bem-sucedida e respeitosa para ajudar as pessoas a solver os problemas que as levaram a buscar a terapia. Fica a seu critério pôr em prática essa abordagem e adaptá-la se necessário, isto é, se o paciente lhe mostrar que precisa ser adaptada — as partes do "atire" e "acerte o alvo". Para tanto, você deve pô-la em prática e não apenas estudá-la no livro. Quando Bill começou a estudar sobre hipnose, levou alguns anos para dominar essa habilidade. Leu livros sobre o assunto, participou de seminários, conversou com colegas, leu mais um pouco, participou de mais seminários, pensou em tentar, leu mais, participou de mais seminários, pensou em tentar novamente, compareceu a outro seminário e assim por diante, até que um dia encheu-se de coragem para tentar fazê-lo com um paciente. Para sua surpresa, deu tudo certo na primeira vez. Depois, tentou mais algumas vezes até que, gradualmente, sentisse que sabia o que estava fazendo e poderia obter bons resultados com a hipnose em seu trabalho clínico. Alguns anos mais tarde, uma estudante começou a trabalhar no Hudson Center, onde Bill realiza seu trabalho clínico. Seu nome é Audrey Berlin. Audrey era uma estudante brilhante e entusiasmada, que rapidamente captou o estilo de trabalho do Hudson Center, onde a maior parte das

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pessoas pratica a terapia breve e muitos utilizam a hipnose. Quando ela se juntou à equipe após o período de residência. Bill ficou surpreso ao ouvi-la falar sobre as coisas que estava fazendo na terapia após seis meses de formada. Ela estava fazendo hipnose e obtendo ótimos resultados: na verdade, Bill levou alguns anos para obter os mesmos resultados que ela. Ele pensou sobre isso e começou a prestar atenção no que ela fazia que era diferente. Percebeu que, quando ela aprendia algo novo em um livro ou seminário, em geral punha em prática com um ou mais pacientes na semana seguinte. Ela dizia aos pacientes: "Aprendi isso nesse final de semana em um curso sobre hipnose. Que tal experimentarmos?" Muitos pacientes ficavam curiosos e concordavam. Ou ela simplesmente fazia as coisas novas que havia aprendido. Bill percebeu que há pelo menos dois estilos principais de implementação de um conhecimento novo - o método "Bill O’Hanlon", que envolve muita preocupação e ponderação sobre o que você aprendeu antes de pôr em prática, e o método "Audrey Berlin", no qual você simplesmente tenta fazer aquilo que acabou de aprender. Nós não sabemos qual será o método escolhido por você para descobrir se o que está escrito nesse livro funciona para você tão bem como afirmamos. Mas podemos dizer-lhe que Bill desistiu do método "Bill O’Hanlon" e converteu-se ao método "Audrey Berlin". Não há mais nada a dizer. Agora, o que queremos que você faça é pensar nas vezes em que obteve os melhores resultados na terapia: "O que você fez de diferente nesses casos? Como você fez para que isso acontecesse?"