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1 MARTA MARIA DA SILVA PASCHOAL EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em Lingüística da Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco. FRANCA 2009

EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

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MARTA MARIA DA SILVA PASCHOAL

EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação em Lingüística da Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Lingüística. Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco.

FRANCA 2009

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MARTA MARIA DA SILVA PASCHOAL

EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente: ___________________________________ Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

UNIFRAN

Titular 1: ______________________________________ Profa. Dra. Simone Abrahão

UNESP

Titular 2: ______________________________________ Profa. Dra. Ana Cristina Carmelino

UNIFRAN

Franca, 13/03 /2009

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DEDICO este trabalho à Clotildes, minha mãe, por todo amor e incentivos que em vida a mim dedicou.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus familiares, principalmente ao meu esposo Sérgio, pelo apoio

durante esta caminhada e pela compreensão nas horas de ausência;

ao Prof. Dr. Juscelino Pernambuco, meu orientador, pela dedicação e

paciência, na competente atribuição de balizar meu caminhar na elaboração desta

dissertação;

aos professores e amigas do curso de Lingüística que muito me

auxiliaram nesta longa caminhada;

à direção, colegas, alunos e funcionários da EMEF “Prof. Anacleto

Cruz” que contribuíram para a efetivação deste trabalho.

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Palavras são um brinquedo que não fica velho. Quanto mais as crianças usam palavras, mais elas se renovam.

José Paulo Paes

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RESUMO

PASCHOAL, Marta Maria da Silva. Em busca de um ensino produtivo de gramática. 2009. 133f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca. Esta dissertação teve como tema a busca de um ensino produtivo para a gramática nos dias atuais. Estabeleceu-se uma análise comparativa entre o ensino tradicional da gramática normativa e o atual em nossas escolas e comprovou que,embora o ensino tenha evoluído, ainda há a necessidade de um ensino mais produtivo. A colocação da gramática no seu devido lugar de auxiliar do texto, a conscientização do professor sobre a busca de inovação do seu trabalho no ensino da gramática foram os objetivos desta pesquisa. Após um estudo comparativo entre os diferentes tipos de gramática, foram feitas entrevistas com professores e alunos de escolas da rede pública e particular para que fossem apresentados dados mais concretos sobre o seu trabalho. Esses dados foram comparados com outros de pesquisas anteriores e percebeu-se que pouco mudou. Esta pesquisa procurou apresentar alguns princípios para a prática de um ensino mais produtivo e atraente para os alunos, tomando o texto produzido por eles como ponto de partida. Palavras-chave: Gramática; lingüística; ensino produtivo; proposta.

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ABSTRACT

PASCHOAL, Marta Maria da Silva. Em busca de um ensino produtivo de gramática. 2009. 133f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – Universidade de Franca, Franca. This dissertation possessed as theme the search of a productive teaching in Grammar in current days. It was established a comparative analysis between the traditional teaching of the normative grammar and the actual one in our schools and it proved that, although the teaching has evolved, there is still the necessity of a more productive teaching. The placing of grammar on its proper place as text auxiliary, the teacher´s consciousness above search in the innovation of his/her work in grammar teaching were the objective of the research. After a comparative study between the different types of grammar, interviews were done with teachers and students from public and private schools so that more concrete data about teacher´s work were shown. These data were compared with other ones of previous researches and it was understood that a little has changed. This research looked for presenting some rudiments in the practical of a more productive teaching to the students, taking the text produced for them as a departure point. Key Words: Grammar; linguistic; productive teaching; proposal.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................10

1 A LINGÜÍSTICA E A GRAMÁTICA ...........................................................14

1.1 HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA ..................................................................14

1.2 LINGÜÍSTICA E NORMA ...........................................................................22

1.3 O ESTRUTURALISMO...............................................................................23

1.4 O GERATIVISMO.......................................................................................24

1.5 A LINGÜÍSTICA TEXTUAL.........................................................................27

1.6 A ANÁLISE LINGÜÍSTICA..........................................................................30

1.7 O FUNCIONALISMO..................................................................................33

1.8 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA..............................................................35

1.9 INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO ................................................. 43

2 DIFICULDADES DO ENSINO DA GRAMÁTICA .......................................52

2.1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR........................................................52

2.2 TIPOS DE GRAMÁTICA.............................................................................55

2.3 O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR .....................................59

2.4 FALHAS NO ENSINO DA GRAMÁTICA ....................................................66

2.4.1 Considerações sobre os objetivos da disciplina de Português ...................66

2.4.2 Metodologia inadequada ............................................................................70

2.4.3 Ausência de organização lógica .................................................................73

3 CONCEPÇÕES DE ENSINO E MODOS DE ATUAÇÃO DO DOCENT E ..77

3.1 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES...............................................78

3.2 ENTREVISTAS COM OS ALUNOS............................................................85

3.3 O PERFIL DO PROFESSOR .....................................................................92

4 PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO PRODUTIVO DA GRA- MATICA PARA OS DIAS ATUAIS .........................................................................99 4.1 TIPOS DE ENSINO ....................................................................................99

4.2 ESCRITA E LEITURA................................................................................106

4.3 PROPOSTA CURRICULAR DO ESTADO DE SÃO PAULO.....................109

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4.4 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR DO ESTADO DE

SÃO PAULO (SARESP).........................................................................................110

4.5 GRAMÁTICA E ENSINO ...........................................................................115

4.6 EM BUSCA DE PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO .......117

4.6.1 O texto do aluno como ponto de partida....................................................119

4.6.2 Trabalhar o texto do aluno em todos os aspectos .....................................121

4.6.3 Selecionar as dificuldades apresentadas pelos alunos .............................121

4.6.4 Propostas de leitura...................................................................................122

4.6.5 A aula de gramática, laboratório de leitura e escrita..................................123

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................125

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................129

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INTRODUÇÃO

Pratiquem com o espírito de criança! Mais livres, com poucos julgamentos, observando tudo com encantamento.

Hermógenes

Esta pesquisa trata da situação atual do ensino de gramática de quinta

à oitava série, suas dificuldades e conseqüências e apresenta com base em autores

como Pernambuco (1993), Neves (2006), Luft (2006), Bronckart (2007), possíveis

caminhos para um ensino mais produtivo. Tem como ponto de partida afirmações

dos Parâmetros Curriculares Nacionais1 (PCNs 1998) de Língua Portuguesa, que

quando foram divulgados pelo MEC, motivaram várias discussões sobre o ensino da

língua materna em todos os níveis.

Os PCNs de Língua Portuguesa de quinta a oitava série preconizam

em “Reflexão gramatical na prática pedagógica” que se deve ter claro, na seleção de

conteúdos da análise lingüística que a referência não pode ser a gramática

tradicional. Consta também desse texto a informação da inexistência de justificativa

para tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas de linguagem e que

quando a gramática é ensinada de forma descontextualizada torna-se emblemática

de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve para ir bem nas provas e

passar de ano. Trata-se, então, de uma prática pedagógica que vai da metalíngua

para a língua por meio de exemplificação, exercícios de reconhecimento e

memorização de terminologia.

A atual proposta curricular do Estado de São Paulo demonstra

preocupação com o ensino de Língua Portuguesa como objeto e como meio para o

conhecimento. De acordo com esta proposta, a disciplina de Língua Portuguesa

pode centrar-se no conjunto de regras que nos leva a produzir frases e dali chegar 1 Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram lançados em 1998 e depois em 2002 pelo Ministério de Educação e Cultura com o objetivo de inovar para melhorar o ensino no Brasil.

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aos enunciados, ou nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que

seguem regras específicas as quais permitem a comunicação.

O ensino de gramática tem deixado muito a desejar nas escolas,

atualmente. A discussão sobre se há ou não necessidade de ensiná-la é

considerada falsa, tendo-se como verdadeira o que, para que e como ensiná-la.

Existe aí uma preocupação quanto ao direcionamento do ensino da gramática

considerando que ensiná-la não é reconstruir o quadro descritivo dos manuais de

gramática escolar com seus alunos.

Baseados em reflexões dos trabalhos de Franchi (1988), Pernambuco

(1993,1995), Perini (2002), Antunes (2003), Bechara (2006) e Luft (2006)

observamos questões fundamentais relativas à natureza da gramática e ao modo de

conduzir seu ensino. Esse trabalho concentra-se na investigação do ensino de

gramática nos dias de hoje e na busca de alternativas para um ensino mais

produtivo.

O ensino de Língua Portuguesa é motivo de preocupação para grande

parte da nossa sociedade. Isso acontece devido ao grande fracasso dos alunos

principalmente em se tratando de alguns concursos que ainda usam a gramática

normativa.. Esses exames, hoje, são verdadeiros crivos para a entrada dos alunos

no campo de trabalho.

Observamos, portanto, a necessidade de se descobrir o que esta

acontecendo realmente em nossas escolas. O trabalho do professor ainda hoje está

muito ligado ao ensino da gramática normativa, daí a necessidade de pesquisarmos

as causas, as dificuldades e as possíveis conseqüências do insucesso do ensino de

Português. É de grande importância a opinião da mídia principalmente porque ela

manifesta-se quase sempre vinculando o professor a tudo que acontece na

educação relacionado a fracasso e é isto que muitas vezes leva a sociedade a

cobrar do docente, atitudes para eliminar o problema. Sabemos que estas críticas

da imprensa estão ligadas a falar bem em português e ao uso da língua baseado na

norma culta.

Um dos principais objetivos desta pesquisa é a conscientização dos

professores de que o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de

uma metalinguagem e conhecer uma língua é uma coisa e conhecer gramática é

outra. Também que a língua deve ser considerada como um duplo sistema, um de

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sinais e outro de combinação destes sinais que constituem a gramática e não há

língua sem gramática, mas que gramática não é sinônimo de língua.

Através desta pesquisa pretendemos colocar a gramática em seu

devido lugar de auxiliar de construção dos textos e não razão de ser do ensino de

língua materna.

Analisar o ensino atual de gramática e o que pode ser feito pela sua

renovação é uma meta a ser atingida. Tão importante como este objetivo é o de

despertar no professor momentos de reflexão a fim de que ele decida inovar-se no

ensino de gramática para maior aproveitamento, pelos alunos, do conteúdo

desenvolvido por ele em suas aulas.

Partindo da afirmação de que todo falante, independentemente da

modalidade da linguagem que usa, domina uma gramática interna de natureza

biológica e psicológica que interioriza em tenra idade, dependendo de suas

experiências lingüísticas, e que não existem livros dessa gramática. Ela deveria ser

o ponto de partida do ensino da língua materna, é muito preocupante a maneira que

se usa para ensinar a língua materna. Em conseqüência disso, há necessidade de

se acabar com a compreensão deturpada que se tem de gramática, da língua e de

seu estudo. Esse é o fator que tem funcionado como obstáculo à ampliação da

competência dos alunos para a fala, a escrita, a leitura e a escrita de textos

adequados e relevantes.

Acreditamos que o professor se convencerá de que há necessidade de

mudanças radicais quanto ao ensino de gramática nas escolas. A rejeição tanto dos

alunos como dos professores pela gramática, provocada pela renovação ou

inconseqüência de uma prática dos mesmos exercícios antigos sob outras

roupagens, deverá mudar a partir do momento da conscientização deles. As ciências

lingüísticas têm provado que a gramática aprendida de forma natural e espontânea

no meio familiar tem de ser o ponto de partida para o ensino da norma chamada de

culta.

Esta pesquisa será desenvolvida em quatro capítulos. No primeiro

capítulo, devido ao fato de a pesquisa analisar contribuições lingüísticas para o

ensino da gramática, consideramos importante estudar um pouco da evolução

histórica da lingüística e dos conceitos gramaticais. Nesta evolução histórica

constará a citação das correntes lingüísticas desde Panini até nossos dias, a

lingüística no Brasil e os diferentes tipos de gramática. O prestígio dado à língua

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escrita em nossa sociedade, muitas vezes é obstáculo para os principiantes nos

estudos da Lingüística devido a dificuldade de considerar a língua falada

independentemente de sua representação gráfica.

No segundo capítulo, trataremos do atual ensino de gramática, suas

dificuldades e conseqüências e, sobretudo sobre as dificuldades encontradas pelos

professores no seu trabalho. Para melhor discorrermos sobre o assunto,

subdividimos este capítulo em quatro itens: causas do fracasso escolar, a sociedade

e a lingüística, o pedagógico do professor e falhas no ensino da gramática.

Procuramos neste capitulo colocar o professor a par das contribuições lingüísticas

para esse ensino, pois muitos deles atribuem à intromissão da lingüística na sala de

aula, os fracassos atuais. Na verdade eles ignoram que a lingüística não é um

método de ensino e que seu objetivo é o estudo da linguagem.

No terceiro capitulo serão apresentadas as entrevistas feitas com

professores e alunos de escolas públicas e privadas, as perguntas e seus objetivos.

Será estabelecida uma relação entre as respostas dos professores e dos alunos

para que assim se possa alcançar os objetivos fixados pelas perguntas. Também

dentro das possibilidades foi feito uma comparação entre as respostas dadas a

perguntas comuns de uma pesquisa desenvolvida por Pernambuco (1993) e esta,

completando com os comentários de Neves que fez uma pesquisa parecida em

2005. Após a seleção da bibliografia, alicerce dos dados teóricos, será estabelecida

uma análise comparativa entre o ensino tradicional da gramática normativa e o atual

em nossas escolas.

Através das entrevistas e também dos dados apresentados nas

pesquisas feitas por Pernambuco (1993) e por Neves (2005), obtivemos dados mais

concretos quanto à postura do professor de português na sala de aula em relação ao

ensino de gramática e o ponto de vista dos alunos quanto ao uso e a aprendizagem

da mesma.

O quarto capítulo analisará as contribuições da teoria lingüística para

uma renovação no ensino de gramática nas escolas atuais e trará alguns princípios

para uma proposta de ensino mais produtivo da gramática nos dias atuais.

Esperamos com esta pesquisa, baseada no trabalho do professor de

português, motivar maiores discussões entre professores e sociedade.

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1 A LINGÜÍSTICA E A GRAMÁTICA

“Nem tudo tinham os antigos, nem tudo temos os modernos, com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum”.

(Machado de Assis)

1.1 HISTÓRICO DA LINGÜÍSTICA

Neste capítulo, trataremos das relações entre a lingüística e a

gramática. Para tanto faremos um histórico do surgimento dos estudos gramaticais e

da teoria lingüística.

Segundo Leroy (1967, p. 15), o impulso e o desenvolvimento da

Lingüística Geral datam da primeira metade do século XX e sua origem encontra-se

na renovação dos estudos sobre a linguagem, que resultou na constituição da

gramática comparada a qual nasceu no momento em que, em todos os domínios,

desenvolvia-se um novo método científico que atingiu favoravelmente as línguas

indo-européias e forneceu, assim, à lingüística, fundamentos técnicos

indispensáveis. A diversidade dos dialetos falados já tinha sido alvo de pesquisas de

alguns estudiosos, mas na maioria das vezes tratava-se de perspectivas particulares

sem nenhuma visão de conjunto.

As pesquisas foram aperfeiçoando-se e os primeiros comparatistas

não foram mais que os herdeiros, ou mesmo prisioneiros de um passado, pois o

interesse pela linguagem é muito antigo e, geralmente, era expresso através de

lendas, mitos, cantos e rituais.

De acordo com Leroy (1967), os hindus começaram a estudar sua

língua por motivos religiosos. Para eles, era de suma importância que os textos

reunidos no “Veda” não sofressem alteração alguma, ao serem cantados ou

recitados durante os sacrifícios, e fossem conservados na sua pureza primitiva. Os

gramáticos hindus, sendo o mais célebre deles Panini (século IV a.C), dedicaram-se

ao estudo do valor, do emprego das palavras e fizeram de sua língua descrições

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fonéticas e gramaticais que são modelares no gênero. Esquecidas por muito tempo,

essas descrições foram descobertas por sábios ocidentais nos fins do século XVIII

constituindo o ponto de partida para a criação da gramática comparada. Estes

estudos foram desenvolvidos sobre o sânscrito e efetuados por homens totalmente

desprovidos de senso histórico, próprios da Índia, que se limitaram a classificar os

fatos sem procurar explicação para isso.

Os gregos, embora sejam amantes de histórias, não nos deixaram de

sua língua quaisquer informações válidas sobre os falares das populações com as

quais estiveram em contato. Heródoto citou, como que acidentalmente, uma palavra

meda no livro I de suas Histórias, uma palavra egípcia no livro II e mais uma no livro

IV. Marinheiros, colonos e soldados gregos aprenderam muitas línguas, mas seus

conhecimentos transmitidos se perderam, sobrevivendo apenas indicações

recolhidas sem ordem nem método por alguns escoliastas ou lexicógrafos. Isso

aconteceu devido ao fato de os helenos serem imbuídos de suas tradições e

convencidos de sua supremacia intelectual; o termo “bárbaro” que significa pipilar

dos pássaros era aplicado por eles ao se dirigirem a qualquer língua estrangeira

considerando-as tão ininteligíveis quanto os gorjeios dos alados. Esse termo logo

recebeu, entre os gregos, valor pejorativo, tornando-se uma constante a antítese

heleno/bárbaro que fez passarem despercebidas as semelhanças evidentes entre os

idiomas vizinhos e o grego. O exército de Alexandre Magno voltou das fronteiras da

Índia, sem trazer consigo a revelação do sânscrito.

Os gregos ignoraram os idiomas “bárbaros”, mas dedicaram-se muito

ao estudo de sua própria língua no plano estético (estilo) ou no plano filosófico

(adequação da linguagem do pensamento). O principal problema colocado entre os

filósofos preocupados com a elaboração de uma teoria do conhecimento era definir

as relações entre a noção e a palavra que a designa, isto é, queriam saber se havia

uma relação necessária entre as palavras e a sua significação, entre o significante e

o significado. Platão discute esta questão no Crátilo, sua preferência era a teoria

pela exatidão natural das palavras, em seguimento a muitos outros expõe as teses

antagônicas sem, no entanto, concluir a favor de uma ou de outra; este diálogo teve

como conseqüência o fato de os mais modernos darem demasiada importância à

parte central: “etimologias”. Do ponto de vista da história do pensamento lingüístico,

o principal deve ser procurado no início e na conclusão do diálogo: encontram-se aí

entrevistas, quando não esboçadas, algumas teses (relação do significante com o

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significado, arbitrariedade do signo, valor social da linguagem) que constituem

posições essenciais da Lingüística Contemporânea.

Aristóteles desenvolveu suas pesquisas dando margem a reflexões

sobre linguagem em outras direções, tentando proceder a uma análise precisa da

estrutura lingüística: a constituição da gramática. Ele elaborou como aplicação da

teoria das proposições e dos juízos: uma teoria das frases, a distinção entre as

partes do discurso e a enumeração das categorias gramaticais. Isso faz de

Aristóteles e seus discípulos iniciadores de uma longa tradição, pois ainda exercem

influência sobre a pedagogia e a metodologia de nossos estudos.

Os alexandrinos (egípcios) aperfeiçoaram as teorias gramaticais e as

agruparam num corpo coerente de doutrinas que se tornou, durante séculos, o

modelo. Foi muito bem observado pelos antigos o fato de existirem na língua fatos

contraditórios e tal observação foi utilizada num sentido doutrinário, para opor aos

que queriam construir um sistema gramatical fundado nas analogias aos que, pelo

contrário, se baseavam nas anomalias: “o resultado foi uma série de disputas

estéreis entre os defensores das duas doutrinas, e os analogistas professavam uma

doutrina essencialmente normativa, enquanto os anomalistas se apresentavam

antes como letrados ciosos de respeitar o uso” (LEROY, p. 18).

Os filósofos e gramáticos latinos discípulos dos gregos, também não

tiveram consciência do que poderia representar para o estudo da sua própria língua,

a observação dos falares vizinhos. Em Roma, a sociedade culta era, na maioria,

bilíngüe; os latinos esforçavam-se por adaptar o estudo de sua língua às “regras”

formuladas pelos teóricos gregos. Dentre os latinos, destacou-se Varrão que se

esforçou para definir a Gramática como ciência e como arte ao mesmo tempo. Ele

vislumbrou, com mais lucidez que os gregos, o valor da oposição de aspectos do

verbo.

O interesse dos gregos pela língua era exclusivamente filosófico. As

categorias que instauraram: nome, verbo, gênero gramatical, etc, têm sempre uma

base filosófica. Tudo proclama a filiação da lingüística ocidental à filosofia grega. A

nossa terminologia lingüística é composta em grande parte de termos adotados

diretamente do grego ou de sua tradução latina.

Na Idade Média, o contato do Cristianismo com os povos de língua

“bárbara”, a tradução da Bíblia em gótico no século IV, em armênio no século V, em

eslavo no século IX, ao contrário do esperado, não criou problema de relação entre

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as línguas, pois os evangelizadores consideraram a língua dos gentios como

instrumentos de propaganda e não como assunto de reflexão e de estudo. O

prestígio do latim foi mantido e permaneceu intacto o quadro gramatical de Dionísio

de Trácia, enquanto a Escolástica faz reviver no estudo da gramática a controvérsia

sobre a exatidão das palavras, sob a forma de oposição entre realistas e

nominalistas. Para os realistas as palavras eram apenas o reflexo das idéias

enquanto para os nominalistas, os nomes foram dados arbitrariamente às coisas. Os

modistas (modistae), então, consideraram que a estrutura gramatical das línguas é

una e universal e, conseqüentemente, as regras da gramática são independentes

das línguas em que se realizam.

Neste período medieval surgiu na Itália, Dante, um homem

excepcional, muito avançado para o seu tempo. Os italianos devem a ele não

somente a unidade de sua língua, mas também o fato de terem sido um dos

primeiros povos a discutir sobre os conceitos de dialeto, de língua literária, de língua

vulgar. Dante no seu “De vulgari eloquentia”, escrito em 1903, considerou quatorze

formas de dialetos italianos; no entanto, ele foi um caso isolado e suas idéias não

tiveram eco (LEROY, p. 19, 20).

“Um dialeto, diz Marouzeau, define-se por um conjunto de

particularidades tais que o seu agrupamento dá a impressão dum falar distinto dos

falares vizinhos, a despeito do parentesco que os une” (1933, apud COUTINHO,

1978, p. 26).

No século XVI, a religiosidade ativada pela reforma fez com que

surgisse um clima mais favorável a um estudo lingüístico. O desprezo por longo

tempo direcionado às línguas “vulgares” diminuiu e desapareceu diante do

desenvolvimento de ricas e vigorosas literaturas nacionais. Além disso, devido às

controvérsias teológicas tornou-se necessário o conhecimento do hebraico, língua

semítica de uma estrutura diferente da das línguas européias, o que motivou

forçosamente comparações de ordem lingüística. Viajantes, comerciantes e

diplomatas trazem, de suas experiências no estrangeiro, o conhecimento de idiomas

até então desconhecidos. Em 1502 surge o mais antigo dicionário poliglota, do

italiano Ambrósio Calepino que devido seu grande êxito foi por várias vezes refeito e

enriquecido.

No início da pesquisa, neste século, surgiu um princípio de método que

deveria racionalizar o estudo da relação entre os dialetos: o da comunidade de

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origem que permitia classificar as línguas em famílias. Os eruditos que se dedicavam

a classificar as línguas partiam não de exames de documentos, mas sim da

preeminência do hebraico; consideravam-na por ser a língua do Velho Testamento,

como a língua primitiva a partir da qual convinha explicar todas as outras, seguindo

assim uma tradição cristã.

No começo do século XVIII, Leibniz combateu essa hipótese de origem

hebraica; ele construiu ao mesmo tempo, sem base séria, um sistema genealógico

no qual as línguas da Europa, da Ásia, da América e da África derivavam de um

protótipo comum.

As reflexões sobre a natureza da linguagem a partir do século XVII e

XVIII e as tentativas de analisar a estrutura lingüística nada mais são do que a

continuação das preocupações dos Antigos. Em 1660, a Grammaire Générale et

Raisonée de Port Royal, de Lancelot e Arnaud, com ilustração notável do prestígio

aristotélico, modelo para outras gramáticas do século XVII; esta gramática quer

explicar os fatos, demonstrar que a linguagem, imagem do pensamento, funda-se na

Razão e que os princípios de análise estabelecidos não se prendem a uma língua

particular, mas servem a toda e qualquer língua.

Segundo Leroy (1967), somente no século XIX é que esses raciocínios

de tipo abstrato desaparecem pouco a pouco diante do alargamento de horizontes

resultante de um conhecimento de um número maior de línguas, provocando um

interesse pelas línguas vivas, pelo estudo comparativo dos falares. É nesse período

que se desenvolve um método histórico, instrumento importante para o florescimento

das gramáticas comparadas e da lingüística histórica. Com base nos princípios

metodológicos que preconizavam a análise dos fatos observados é que se formou o

pensamento lingüístico contemporâneo. O estudo comparativo das línguas

evidenciará o fato de que elas se transformam com o tempo, independentemente da

vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria da língua.

Dentre os primeiros comparatistas, Franz Bopp é o estudioso que se

destaca nessa época. A ele coube reunir as provas indiscutíveis do parentesco das

línguas indo-européias e fundar ao mesmo tempo a gramática comparada delas. Em

1816, a publicação da sua obra sobre o sistema de conjugação do sânscrito,

comparado ao grego, ao latim, ao persa e ao germânico, é considerada o marco do

surgimento da Lingüística Histórica e criador do verdadeiro método do estudo da

ciência da linguagem. A esta obra seguiu-se a “Gramática comparada das línguas

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indo-germânicas” onde o pesquisador ampliou o plano dos estudos anteriores e

acrescentou outros idiomas; a publicação desse trabalho começou em 1833 e só foi

terminada em 1852. A descoberta das semelhanças entre essas línguas evidenciou

entre elas uma relação de parentesco, isto é, elas constituem uma família: a indo-

européia, cujos membros têm uma origem comum, o indo-europeu, ao qual se pode

chegar através do método histórico-comparativo.

Segundo Leroy (1967, p. 31), Bopp foi precedido pelo dinamarquês

Rasmus Rask que teve seu estudo, intitulado Pesquisas sobre a origem da antiga

língua norueguesa ou islandesa, terminado em 1814, mas somente publicado em

1818, dois anos após o de Bopp. Também observou que Rask demonstrava a

identidade original das línguas germânicas, do grego, do latim, do báltico e do eslavo

com mais rigor que Bopp, mas ao mesmo tempo se inferiorizava por não saber

sânscrito e que o livro de Rask também não poderia ter a mesma repercussão que o

de Bopp devido ao fato de ele ter sido escrito em dinamarquês.

Outro promotor da gramática comparada foi Jacob Grimm (1822) que,

ao introduzir em Lingüística a noção de perspectiva histórica, aplicou-se aos estudos

dos dialetos germânicos e pesquisas pormenorizadas sobre as histórias fonéticas

dos falares germânicos. Leroy destaca que a lei que leva o seu nome (“a lei de

Grimm”) já tinha sido indicada por Rask em 1818 e por J.H. Bredsdorff em 1821.

A febre da ressurreição do passado conquistou rapidamente adeptos

para a nova ciência, muitos eruditos se entregaram ao levantamento das línguas

indo-européias e ao estudo sistemático de todas as suas manifestações, afirma

Leroy (1965). Curiosamente, esses estudiosos foram vistos com maus olhos pelos

filólogos clássicos que estavam no apogeu; eles os consideravam intrusos que

auxiliados pela apresentação de línguas desconhecidas e em nome de um método

que não podiam dominar, se pronunciavam sobre questões de gramática grega e

latina. Esta hostilidade aumentou ainda mais devido ao fato de que certos

comparatistas, empolgados com as suas pesquisas, pecaram por vezes pela

imprecisão e construíram teorias em fatos insuficientemente controlados.

Ele destaca como parte de uma segunda geração dos comparatistas,

Augusto Schleicher, pois este se revelou um grande mestre e exerceu influência

profunda no desenvolvimento da ciência lingüística. Seu ponto de vista consistiu em

considerar as línguas como elementos naturais tais como as plantas: nascem,

crescem... A Lingüística aparece desde então como ciência natural e Schleicher quis

Page 20: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

20

definir-lhe as leis com o mesmo rigor das leis físicas e químicas, e explicar-lhe a

evolução, aplicando-lhe as teorias de Darwin. Desde então se falou da vida e da

morte das línguas. São consideradas línguas vivas as que estão servindo como

meio de comunicação diário entre os elementos de uma comunidade, como o

português, o francês, o espanhol, etc. Línguas mortas são as que já não são faladas,

mas deixaram documentos que comprovam sua existência, como o latim e o grego.

Uma língua só se conserva uniforme quando é falada por um pequeno agrupamento

humano, pois há uma unificação de interesses. Schleicher dedicou-se ao lituano.

Sua descrição foi tão bem ordenada e tão completa, que sua “Litauische

Grammatik”, de 1856, ainda é consultada por especialistas em línguas bálticas. A

concepção naturalista fez com que muitos lingüistas da época abandonassem as

preocupações românticas dos pioneiros de Gramática Comparada e se esforçassem

para introduzir em suas pesquisas um rigor e uma precisão irrepreensíveis,

preparando assim o caminho para os neogramáticos.

O nome de Schleicher está intimamente ligado a duas empresas bem

aceitas pelo público culto: de um lado, a de determinar as relações que unem as

várias línguas da família indo-européia e, por outro, a de estabelecer um método de

classificação das línguas do mundo. Ele classificou as línguas do mundo em três

classes: línguas isolantes, aglutinantes e flexivas e, para tal classificação, baseou-se

em critérios propriamente lingüísticos, na estrutura morfológica das línguas

consideradas.

De acordo com Leroy (1967, p. 37) essa idéia de tripartição é anterior a

Schleicher e parece remontar a Guilherme Schlegel: “As línguas que são faladas

ainda hoje e que foram faladas por diferentes povos de nosso globo, dividem-se em

três classes; as línguas sem nenhuma estrutura gramatical, as línguas que

empregam afixos e as línguas de inflexões” , diz-nos ele.

Essa teoria, quando não se encontra modificada nas obras posteriores

de Lingüística, com certeza não está ausente de nenhuma especulação a esse

respeito, pois cada língua conhecida no mundo estaria em um desses estádios,

conforme o momento de evolução em que é conhecida.

Popularizada por Max Muller, a teoria da tripartição das línguas do

mundo destacou-se: ela fornecia um fio condutor a quem quisesse desmanchar este

emaranhado dos inumeráveis falares humanos. Neste momento, afirmou-se que a

Lingüística é a ciência do homem e não da natureza daí a impossibilidade de

Page 21: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

21

reduzir-se a quadros sinóticos como os das ciências exatas. Schleicher e Max Muller

deram à Gramática comparada um impulso, que, dissipados certos erros de

perspectivas, poderá chegar a resultados construtivos.

Em 1875, mais um impulso foi dado, por Whitney, norte-americano

autor de A vida da linguagem. Logo após, surgiu uma nova escola: a dos

neogramáticos. Seus fundadores eram todos alemães. O mérito dessa escola foi

colocar em perspectiva histórica todos os resultados da comparação e não se viu

mais na língua um organismo que se desenvolve por si, mas um produto do espírito

coletivo dos grupos lingüísticos. Daí Hermann Paul (1920) afirmar: “que não há outro

estudo científico da língua senão o histórico” e que o que se entende por estudo

não-histórico, se bem científico, das línguas “não é mais, em suma, do que

deficiência histórica, por culpa, em parte do observador e, em parte, de um material

falho” (apud CÂMARA JUNIOR, 1967, p. 39).

Em 1878, o Memoire, de Ferdinand de Saussure, mostrou novos

caminhos para a Gramática Comparada e esteve nas fontes do desenvolvimento

desta disciplina pelos neogramáticos. A investigação sobre a linguagem feita por

Saussure – a Lingüística – passa a ser reconhecida como estudo científico. Quando

morreu, em 1913, não tinha publicado uma linha sobre os problemas que tinham

absorvido grande parte de suas reflexões e de suas atividades. Em 1916, três

alunos dele: Charles Bally, Albert Sechehaye e Riedlinger, com auxílio de notas

pessoais e de cadernos de estudantes publicaram um “Cours de linguistique

générale” – “Curso de lingüística geral”, obra fundadora da nova ciência. Para

Eduardo Prado Coelho (1968. p. XV), crítico português, a grande descoberta de

Saussure é “o caráter dialógico da linguagem”, em primeiro lugar; em segundo lugar

é que esse diálogo atravessa toda a obra saussuriana como uma conversão entre a

unidade (identidade) e a diferença.

O século XX operou uma mudança central e total quanto às atitudes

dos estudiosos da época, os quais submetiam a Lingüística às exigências de outros

estudos como a lógica, a filosofia, a história, a retórica ou à crítica literária. Foi neste

século que a Lingüística começou a ser estudada com um caráter científico, com

seus novos estudos centrados na observação dos fatos.

O método científico supõe que a observação dos fatos seja anterior ao estabelecimento de uma hipótese e que os fatos observados sejam examinados sistematicamente mediante experimentação e uma teoria

Page 22: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

22

adequada. O trabalho científico consiste em observar e descrever os fatos a partir de determinados pressupostos teóricos formulados pela Lingüística, ou seja, o lingüista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro teórico específico. Daí ser possível que para o mesmo fenômeno haja diferentes descrições e explicações, dependendo do referencial teórico escolhido pelo pesquisador. (PETTER, 2006, p. 13).

Se é fácil para pessoas medianamente esclarecidas delimitar os

territórios entre a pintura e a literatura, não é fácil mesmo para pessoas afeitas pelos

fenômenos da língua estabelecer os limites entre ciências tão afins quanto a

Lingüística, a Filologia e a Gramática.

Sob um certo prisma podemos dizer que a filologia constitui uma modalidade e uma etapa histórica da lingüística (Lingüística Diacrônica). Mas se ambas as disciplinas se interessam pelo mesmo “objeto material”, a linguagem, cada uma delas se distingue da outra pela especificidade do seu “objeto formal”, isto é, pelo seu particular ângulo de enfoque. O primeiro interesse do filólogo não coincide com o primeiro interesse do lingüista. Aquele busca encontrar num texto antigo (um documento escrito) o seu significado, à luz dos conhecimentos daquela etapa cultural. Mas o lingüista antepõe ao estudo da modalidade escrita de um idioma o estudo da sua modalidade oral e (embora julguemos mais do que discutível a legitimidade desse desideratum) pode antepor, igualmente ao estudo do significado, a investigação exclusiva da forma de expressão desse idioma. De modo análogo, o lingüista não vê por que deva estudar com a exclusividade do gramático a norma culta de uma única língua. (LOPES, 2001, p. 25; 26)

1.2 LINGUÍSTICA E NORMA

De acordo com Lopes (2001), não cabe ao lingüista ser contra ou a favor da

normatividade, o que lhe compete é insistir no fato de que a problemática da

gramaticalidade é matéria puramente lingüística, pois as línguas são um produto das

convenções e dos valores sociais, de onde derivam as regras para que haja

comunicação. Qualquer utilização da língua por um falante tem que ser por ele

planejada para que atinja seus objetivos. As regras lingüísticas são regras do

comportamento social dos indivíduos e por isso são transmitidas de uma geração a

outra. O problema da gramaticalidade, da norma culta de uma língua é, do ponto de

vista histórico-geográfico, apenas o falar próprio de uma região, de grandes centros,

e do ponto de vista social, é apenas o falar de um grupo, a classe favorecida.

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23

A Lingüística, ao contrário da Gramática, não é prescritiva, nem

normativa, ela é uma ciência descritiva e explicativa, não visa somente a uma língua,

mas se interessa por todas, vivas ou mortas. Há duas modalidades de expressão

lingüística, a falada e a escrita e comparando-as veremos que a escrita é bastante

recente dada a antiguidade da fala. A fala é universal, não há um só exemplo de

algum povo que não fala, mas há muitos que desconhecem a escrita. Este é o

motivo da advertência de Saussure (1972, p. 45): a única razão de ser da escrita é o

seu caráter de representação da fala.

1.3 O ESTRUTURALISMO

Para Saussure a Lingüística tem por único e verdadeiro objeto a

língua considerada em si mesma e por si mesma. As concepções de Saussure

foram a mola propulsora do estruturalismo europeu. A palavra “estruturalismo”

designa algumas correntes da Lingüística moderna a qual surgiu após Saussure,

entre as duas Grandes Guerras: a Escola de Genebra, o Círculo Lingüístico de

Praga, o Círculo Lingüístico de Copenhague, na Europa, e a Escola Mecanicista de

Leonard Bloomfield, na América do Norte.

O termo “estrutura” foi empregado pala primeira vez em Lingüística no

1º Congresso dos Filólogos Eslavos (Praga, 1928), numa das teses dos russos

Jakobson, Karcevsky e Trubetzkoj (cf. FAGES 1968,p. 169 e BENVENISTE 1966, p.

94; apud LOPES 2001, p. 39). O espécime mais puro do estruturalismo é o

representado pela Escola Binária, a qual tinha Jakobson como mentor; mais do que

uma escola, o estruturalismo provou ser uma excelente “hipótese de trabalho”, e

uma metodologia dotada de rigor científico, quando corretamente empregado.

Nenhuma escola, nenhuma hipótese ou doutrina monopoliza a

verdade. As melhores teorias são as que trazem a possibilidade de serem

contestadas, pois é na crítica a que se submetem que está a razão de ser do

alcance transcendental da própria ciência do homem.

Segundo Lopes (2001), quem melhor definiu estrutura foi Hjelmslev

(1971, p. 28)

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24

Compreende-se por Lingüística Estrutural um conjunto de pesquisa que repousa sobre a hipótese de que é cientificamente legítimo descrever a linguagem como sendo essencialmente uma entidade autônoma de dependências internas, em uma palavra, uma estrutura (...). A análise dessa entidade permite constantemente isolar partes que se condicionam reciprocamente, cada uma delas dependendo de algumas outras, sendo inconcebível e indefinível sem essas outras partes.

Maurice Leroy (1967, p. 104) afirma que Hjelmslev ao considerar a

língua como uma totalidade que se basta a si própria e possuidora de uma estrutura

sui generis, insiste muito na distinção saussuriana: “a língua é uma forma e não uma

substância”. Quanto à estrutura, define-a como uma trama de funções, mais tarde,

propôs a seguinte definição: É estrutura uma entidade autônoma de dependências

internas.

1.4 O GERATIVISMO

Segundo Petter (2006) o que contrapõe o estruturalismo clássico à

teoria gerativo-transformacional é uma diferente concepção dos fins da teoria

lingüística, sobretudo, do papel nela representado pela sintaxe. Implícita ou

explicitamente, o estruturalismo relegou a sintaxe a uma obscura posição. Esta

contraposição iniciou-se em meados do século XX, quando o norte-americano Noam

Chomsky procurando uma formalização dos níveis lingüísticos, seguindo os métodos

da lógica formal, procedeu a uma análise bem aprofundada da estrutura gramatical.

Em seu livro “Syntactic Structures” (1957, p. 13), afirma: “Doravante considerarei a

Linguagem como um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em

comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”.

Na definição de linguagem de Chomsky, toda língua natural possui um

número finito de sons e um número finito de sinais gráficos que os representam, se

for escrita; mesmo que as sentenças distintas da língua sejam em número infinito,

cada sentença só pode ser representada como uma seqüência finita desses sons ou

letras. Para ele a linguagem é uma capacidade inata e específica da espécie,

transmitida geneticamente e própria da espécie humana.

A revolução chomskyana foi um retorno consciente a estágios mais

antigos dos pensamentos lingüísticos. As idéias que pareceram mais originais na

Page 25: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

25

sua teoria: as concepções de produtividade, competência / performance “atuação”, e

a dos universais lingüísticos, provêm da gramática tradicional dos séculos XVI e XVII

(Port-Royal, Descartes, Huarte e Humboldt).

Chomsky distingue competência de desempenho da mesma maneira

que Saussure separa língua de fala. Competência lingüística é o conhecimento que

o falante tem do seu sistema lingüístico e que lhe permite produzir um conjunto de

sentenças; é um conjunto de regras guardadas em sua mente durante a infância que

lhe permitem a aquisição da linguagem. O desempenho corresponde ao

comportamento lingüístico, resultante não somente da competência lingüística do

falante, mas também de outros fatores não lingüísticos como convenções sociais,

crenças, atitudes emocionais do falante em relação ao que diz, pressupostos sobre

as atitudes do interlocutor, etc. e também do funcionamento dos mecanismos

psicológicos envolvidos na produção dos enunciados.

As teorias lingüísticas elaboradas dentro de um espírito sociológico e

atento às relações que unem linguagem e sociedade, fizeram com que muitos

pesquisadores se afastassem da teoria inicial. Toda a teoria de Saussure estava,

sem dúvida alguma, imbuída do espírito sociológico, levando sempre à consideração

da linguagem como um fato social.

Segundo Benveniste:

Estabelecendo o homem na sua relação com a natureza ou na sua relação com o homem, pelo intermédio da linguagem, estabelecemos a sociedade. Isso não é coincidência histórica, mas encadeamento necessário. De fato, a linguagem se realiza sempre dentro de uma língua, de uma estrutura lingüística definida e particular. Língua e sociedade não se conhecem uma sem a outra. Uma e outra são dadas. Mas também uma e outra são aprendidas pelo ser humano, que não lhes possui o conhecimento inato. A criança nasce e desenvolve-se na sociedade dos homens. São homens adultos, seus pais, que lhe inculcam o uso da palavra. A aquisição da linguagem é uma experiência que vai a par, na criança, com a formação do símbolo e a construção do objeto. Ela aprende as coisas pelo seu nome; descobre que tudo tem um nome e que aprender os nomes lhe dá a disposição das coisas. Mas descobre também que ela mesma tem um nome e que por meio dele se comunica com os que a cercam. Assim desperta nela a consciência do meio social onde está mergulhada e que moldará pouco a pouco o seu espírito por intermédio da linguagem. À medida que se torna capaz de operações intelectuais mais complexas, integra-se na cultura que a rodeia. (BENVENISTE, 2005, p. 31).

Em entrevista concedida por Benveniste a Guy Damur (1968) traduzida

por Eduardo Guimarães, ele afirma que a contribuição de Saussure consiste no dito:

“A linguagem é forma, não substância”. Não há nada de substancial na linguagem. O

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26

que diferencia a lingüística de qualquer outra disciplina científica é que elas

encontram seu objeto constituído enquanto a lingüística se ocupa de algo que não é

objeto, não é substância, mas que é forma. Nas sociedades há uma capacidade de

distanciamento, de abstração, de afastamento entre as línguas e os objetos

concretos, que se pode construir línguas sobre línguas, metalínguas, línguas que

servem para descrever uma língua como única função. A Gramática que descreve o

uso das formas da língua é uma metalinguagem: falar de substantivo, de adjetivo, de

vogal, de consoante. O vocabulário da metalinguagem só encontra aplicação na

língua. A filologia, em particular, só se ocupa do teor dos textos, da sua transmissão

através dos tempos, etc. A lingüística se ocupa do fenômeno que constitui a

linguagem sem negligenciar a escrita. (BENVENISTE, 2006; p. 31,35).

J. Mattoso Câmara Jr. (1967, p. 19) destaca o norte-americano

Edward Sapir e acentua sua declaração sobre linguagem que ”não se trata de uma

atividade simples, executada por meio de órgãos biologicamente a elas destinados”,

mas de um esforço criador da humanidade.

Sapir conclui que a linguagem em si mesma não é e nem pode ser localizada de maneira definida, pois consiste numa relação simbólica toda peculiar, e fisiologicamente arbitrária, entre todos os elementos de nossa experiência, de um lado, e de outro lado, certos elementos selecionados, localizados nas regiões auditiva, motriz, etc., do cérebro e do sistema nervoso”. (SAPIR, 1921, p. 9).

Mattoso Câmara (1967) observa que quer do ponto de vista mental ou

vocal, a linguagem não foge à concepção de que é elaborada pelo esforço criador

do homem, como uma Arte, elaborada pelo homem.

Lopes (2001) afirma que Saussure parte do conceito de que a

linguagem humana é uma abstração, uma capacidade: consiste na capacidade

humana de comunicar-se entre eles através de signos verbais, abrangendo assim

fatores físicos, fisiológicos e psíquicos.

Por ser um bem social, um contrato coletivo, a língua preexiste a todos

os seus falantes; o homem, ao nascer, já encontra formada e funcionando a língua

que deverá falar.

A língua é imposta pela sociedade como um código a ser usado caso

queiram ser entendidos.

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27

A língua em ação por um falante em cada uma de suas situações

comunicativas concretas foi chamada por Saussure de parole (língua ou discurso).

Eugênio Coseriu propôs um conceito afim entre langue e parole: o

conceito de norma. “Sendo a língua um conjunto de possibilidades – explica Borba

(1970, p. 67) -, a norma aparece como um conjunto de realizações dela. A norma

precisa ser comprovada concretamente – é aquela que seguimos por fazermos parte

de um grupo.” (LOPES, 2001, p. 80).

Para Lopes, uma das teses mais controvertidas de Saussure é a que

afirma ser o signo lingüístico arbitrário. Arbitrário pode significar coisas diferentes,

mas o que equivale melhor, neste caso é imotivado, já que o significante não guarda

nenhum vínculo do tipo natural com o significado.

Essa tese é bem exemplificada na reportagem de Luiz Costa Pereira

Junior, na revista “Língua Portuguesa”, que trata do relançamento da obra de

Monteiro Lobato: “A gramática de Emília” com revisão, e escreve, separadamente, o

seguinte:

EM SINTONIA COM SAUSSURE O batismo do rinoceronte Quindim é uma das traquinagens da

boneca de pano criada por Monteiro Lobato, em Emília no País da Gramática. Em livro anterior, Reinações de Narizinho (1931), o personagem já aparecia, sem nome. O diálogo que dá registro a Quindim acompanha um conceito caro ao lingüista suíço Ferdinand de Saussure: a arbitrariedade do signo. “Nisto dobraram uma curva do caminho e avistaram ao longe o casario duma cidade. Na mesma direção, mais para além, viam-se outras cidades do mesmo tipo. -- Que tantas cidades são aquelas, Quindim? – perguntou Emília. Todos olharam para a boneca, franzindo a testa. Quindim? Não havia ali ninguém com semelhante nome. -- Quindim – explicou Emília – é o nome que resolvi botar no rinoceronte. -- Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um paquiderme cascudo destes? – perguntou o menino, ainda surpreso. -- A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra Pedro – isto é, nenhuma. Nome é nome, não precisa ter relação com o “nomado”. Eu sou Emília, como podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou Cunegundes...” (PEREIRA JR, in LÍNGUA PORTUGUESA no 27, 2007, p. 36).

1.5 A LINGUISTICA TEXTUAL

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28

Neis (1981) afirma que as descrições, tanto da lingüística estrutural

quanto da gerativo-transformacional, que sempre se ativeram a pesquisar problemas

relativos à frase ou aos componentes frasais, orientaram as aplicações da lingüística

ao ensino de línguas e a traduções.

Constatando a existência de relações específicas interfrasais e a

possibilidade de se definir um texto como um todo coerente, lingüistas modernos

passaram a estabelecer princípios de novos modelos de descrição lingüística

ultrapassando o âmbito frasal; e procuraram elaborar gramáticas que dêem conta

dos problemas de coerência textual e que sejam adequadas para caracterizar os

diferentes aspectos dos diferentes tipos de textos e produção de textos elaboradas

de acordo com determinada língua.

Os teóricos de literatura ou da lingüística textual, entre eles Barthes,

Chabrol, Greimas, Schimdt, Van Dijk, propuseram uma integração dos estudos sobre

a narrativa na gramática textual. Neste sentido, afirma Van Dijk (1973, p. 185) “que

uma gramática literária pode basear-se numa gramática textual, mas não pode ser

reduzida a ela, porque possui termos interpretados e regras ausentes de uma

gramática textual não literária”. Chabrol (1973, p. 15) questiona sobre a possibilidade

de se poder descrever qualquer texto por meio de uma só gramática. (NEIS, 1981, p.

24).

A Lingüística de Texto busca uma fundamentação sólida para suas

pesquisas, para a verificação de suas hipóteses, para suas conclusões e

generalizações. Seguindo a metodologia científica, visa a elaborar uma teoria,

procura estabelecer um número finito de regras que possam escrever ou gerar o

conjunto infinito dos textos possíveis de uma língua.

Segundo Neis (1981) pode-se afirmar com Van Dijk (1973, p. 179)

que, entre as teorias lingüísticas, foi a gramática gerativo-transformacional a que

melhor realizou uma teorização de acordo com os critérios metodológicos da

lingüística textual.

A lingüística gerativa legou-nos, além de uma descrição explícita de

sistema de línguas e de seu conhecimento ideal (a competência), uma revolução

metodológica, pelo fato de orientar as pesquisas desta área para a utilização de

métodos hipotético-dedutivos.

A gramática gerativa de Chomsky, Syntactic Structures (1957) que

havia sido essencialmente sintática e morfofonológica, sofreu sua primeira evolução

Page 29: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

29

com Aspects of the Theory of Syntax (1965), integrando a semântica sob a forma de

componente destinado a interpretar a estrutura profunda. Tal componente, no

chamado modelo standard, são as regras semânticas de projeção, denominadas

“regras interpretativas”, cuja função é a de converter as estruturas profundas

sintáticas em conjuntos de leituras, através da integração de itens lexicais sob a

forma dos traços marcadores e distintivos propostos por Katz e Fodor (CHABROL,

1973, p. 12; in NEIS, 1981, p. 25).

Em decorrência da introdução da semântica na gramática pelo modelo

standard, alguns lingüistas passaram a atribuir à semântica um papel primordial

iniciando assim nova fase na evolução da lingüística gerativa, concretizada através

do esboço da teoria semântica gerativa.

A semântica gerativa parecia ser um modelo de descrição mais adequado do que o modelo standard: explicaria melhor muitas categorias tradicionalmente introduzidas na estrutura sintática para poderem desencadear transformações particulares, considerando-as como semânticas ou semântico-lógicas; definiria melhor problemas de relações funcionais entre as categorias de uma frase; teria um tratamento mais produtivo para noções como pressuposição, tema/rema, lógica natural, postulado de sentido, mundos possíveis; em suma, produziria um modelo melhor para a competência lingüística. (NEIS, 1981, p. 25).

Segundo Van Dijk (1973), ligeiras modificações no modelo standard,

resultaram no reconhecimento de que a estrutura superficial, pós transformacional,

pode contribuir para o sentido da frase. Para verificá-lo basta considerar fenômenos

de contraste, de ênfase, de foco, de tematização. (in NEIS, 1981).

É na Lingüística Gerativa que se encontra um conjunto de

procedimentos metodológicos e de descrições empíricas que servirão de base sólida

para se proceder à extensão da gramática frasal para a gramática textual.

Outra modificação importante introduzida na lingüística, e que está na

base da teoria do texto, é a pragmática. A pragmática lingüística estuda aspectos da

linguagem do ponto de vista do seu uso, relaciona a linguagem com seus usuários,

descreve o ato da fala ou enunciações comunicativas, levando em consideração

tanto o contexto, ou entorno verbal, quanto à situação de fala/comunicação, ou a

inserção do domínio não verbal.

Segundo Schmidt (1978, in NEIS p. 27) a lingüística do texto, teórica e

metodologicamente, só pode extrair seus objetos dos “integrais comunicativos”; e

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30

para que não se esqueça dos aspectos pragmáticos fazendo falsas abstrações nas

análises ou descrições, o ponto de partida da teoria do texto deve situar-se em

“entidades complexas de comunicação lingüístico-social”. Grande parte da gramática

do texto basear-se-á nas teorias pragmáticas relacionadas com os atos de fala.

Neis (1978, p. 27-28, afirma que se supõe nos falantes uma espécie de

“competência comunicativa” que lhes permite servir-se efetivamente da faculdade de

fala de acordo com os objetivos que têm em mente e com as diferentes situações de

comunicação.

A lingüística pragmática relaciona a gramática/competência com o uso

direto e concreto do sistema lingüístico para fins de comunicação. Deverá

compreender também uma semântica no sentido lógico-semiótico, ou teoria da

referência, cuja tarefa será a de especificar quais são as regras que relacionam a

apresentação semântica (no sentido lingüístico) e as estruturas referenciais.

Há a necessidade de evidenciar-se que a lingüística detém-se somente

na investigação científica da linguagem verbal humana, a qual, como todas as

linguagens, são sistemas de signos usados para a comunicação. À ciência que

estuda todo e qualquer sistema de signos, Saussure denominou Semiologia; Peirce

chamou-a de Semiótica. A lingüística estuda a principal modalidade dos sistemas

sígnicos, as línguas naturais, que são a forma de comunicação mais altamente

desenvolvida e de maior uso. As línguas naturais possuem, entre outras, as

propriedades de flexibilidade e adaptabilidade.

1.6 A ANÁLISE LINGÜÍSTICA

A lingüística não se compara ao estudo tradicional da gramática; ao

observar a língua em uso o lingüista procura descrever e explicar os fatos: os

padrões sonoros, gramaticais e lexicais que estão sendo usados, sem avaliar aquele

uso em termos de um outro padrão: moral, estético ou crítico. A metodologia da

análise lingüística focaliza, principalmente, a fala das comunidades e, em segunda

instância, a escrita. Essa prioridade dada à língua falada é devido à necessidade de

corrigir os procedimentos de análise da gramática tradicional que usava a língua

literária como modelo único.

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31

O prestígio dado à língua escrita em nossa sociedade, muitas vezes é

obstáculo para os principiantes nos estudos da Lingüística devido à dificuldade de

considerar a língua falada independente de sua representação gráfica.

Os resultados obtidos através de coletas, organização, seleção e

análise dos dados lingüísticos, são correlacionados às informações disponíveis

sobre outras línguas com o objetivo de elaborar uma teoria geral da linguagem.

Distinguem-se dois campos de estudos: a lingüística geral e a descritiva.

Segundo Petter (2006) a lingüística geral oferece os conceitos e os

modelos que fundamentarão a análise das línguas; a lingüística descritiva fornece os

dados que confirmam ou refutam as teorias formuladas pela lingüística geral. Não

pode haver lingüística geral ou teórica sem a base empírica da lingüística descritiva.

Uma descrição lingüística, entretanto, pode ter outros objetivos como: o trabalho de

descrição de uma língua, a produção de uma gramática ou um dicionário com o

objetivo de dotá-la de instrumentos para a sua difusão na forma escrita, como no

caso de línguas indígenas, africanas ou outras que ainda não circulem no meio

escrito.

Como muitas áreas de estudo se interessam pela linguagem, o estudo

do fenômeno lingüístico na interface com outras disciplinas criou várias áreas

interdisciplinares: a etnolingüística (relação entre língua e cultura), a sociolingüística

(interação entre língua e sociedade), a psicolingüística que estuda o comportamento

do indivíduo em relação ao processo de aquisição da linguagem ou da

aprendizagem de outra língua.

Ao comparar as línguas em qualquer que seja o aspecto observado,

fonologia, sintaxe ou léxico, o lingüista constata que elas não são melhores nem

piores, são simplesmente diferentes.

A lingüística histórica, estudando profundamente as transformações da

linguagem, mostrou que as mudanças lingüísticas, freqüentemente, têm sua origem

na fala popular: muitas vezes o errado de uma época passa a ser consagrado como

a forma correta da época seguinte.

A abordagem descritiva da lingüística entende que as linguagens não

padrão do português caracterizam-se por um conjunto de regras gramaticais que

simplesmente diferem do português padrão. A lingüística como qualquer ciência

descreve seu objeto como ele é, não especula e nem faz afirmações de como a

lingüística deveria ser.

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32

De acordo com Petter (in FIORIN, 2006, p. 21):

Com o objetivo de descrever a língua, a Lingüística desenvolveu uma metodologia que visa analisar as frases efetivamente realizadas reunidas num corpus representativo (conjunto de dados reunidos com a finalidade de investigação). O corpus não é constituído apenas pelas frases “corretas” (como a gramática normativa), também inclui as expressões “erradas”, desde que apareçam na fala dos interlocutores nativos da língua sob análise. A descrição dos fatos assim organizados não tem nenhuma intenção normativa ou histórica, pretende tão somente depreender a estrutura das frases, dos morfemas, dos fonemas e as regras que permitem a combinação destes.

Desta postura decorre o caráter científico da Lingüística que se

fundamenta em dois princípios: o empirismo e a objetividade.

A Lingüística é empírica porque reúne dados verificáveis por meio da

observação; é objetiva porque examina a língua livre dos preconceitos sociais ou

culturais.

As análises lingüísticas até 1950, feitas pelos seguidores de Saussure

(Europa) e de Bloomfield e Harris (norte-americanos), julgavam que somente a

descrição dos fatos era suficiente para explicá-los (teoria descritiva).

Petter (2006) afirma que para Chomsky, a partir de 1950, não é

suficiente observar e classificar os dados, há a necessidade de uma teoria

explicativa que preceda os dados e que possa explicar não só as frases realizadas,

mas também as que potencialmente seriam produzidas pelo falante; para ele um

fenômeno só é explicado quando se pode deduzí-lo de leis gerais: teoria da

gramática.

A teoria da gramática trata de todas as frases gramaticais que

pertencem à língua; não se confunde com a gramática normativa porque não dita

regras, apenas explica as frases, a gramaticalidade e a agramaticalidade das

mesmas. A gramaticalidade é competência do falante.

A gramática é gerativa porque de um número limitado de regras

permite gerar um número infinito de sentenças. Os gerativistas preocupam-se em

depreender na análise das línguas propriedades comuns, universais da linguagem,

que constituem a gramática universal (GU).

Page 33: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

33

1.7 O FUNCIONALISMO

Outra proposta de explicação do fato lingüístico é apresentada pela

gramática funcional, fundamentada nos princípios do funcionalismo, que não separa

o sistema lingüístico das funções que seus elementos preenchem. Esta gramática

leva em consideração o uso das expressões lingüísticas na interação verbal; inclui

na análise da estrutura gramatical toda a situação comunicativa: fala, participantes e

o contexto discursivo.

A explicação de uma língua particular historicamente inserida, feita com base em reflexões sobre dados, representa a explicitação do próprio funcionamento da linguagem. Isso exclui qualquer atividade de encaixamentos em moldes pré-fabricados, tanto os que constituem uma organização de entidades metalingüísticas alheias aos processos reais do funcionamento quanto os que representam modelos para submissão escrita e normas lingüísticas sem legitimidade instituídas. (NEVES, 2006, p. 16).

O funcionalismo ocupa-se das funções dos meios lingüísticos de

expressão e a linguagem destaca-se como um centro condutor de reflexão, que é a

noção de “função”. Rejeita a preocupação com a pura competência para a

organização gramatical de frases, a reflexão se dirige para a multifuncionalidade dos

itens.

O funcionalismo liga-se historicamente às propostas da Escola Lingüística

de Praga, que segundo Neves et al, (1997, in NEVES, 2005,p. 18), “concebiam a

linguagem articulada como um sistema de comunicação, preocupavam-se com os

seus usos e funções, rejeitavam as barreiras intransponíveis entre diacronia e

sincronia e preconizavam uma relação dialética entre sistema e uso”.

Neves (1997) considera pontos centrais numa gramática funcionalista: o

uso (em relação ao sistema), o significado (em relação à forma) e o social (em

relação ao individual).

Os diversos desdobramentos do funcionalismo na atualidade redundam na

concordância de que a língua é, antes de tudo, instrumento de interação social,

usada para estabelecer relações comunicativas entre os usuários. A Sociolingüística

inclui o comportamento lingüístico na noção mais ampla de interação social

aproximando-se assim do ponto de vista do funcionalismo. Essas abordagens

Page 34: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

34

lingüísticas contribuem para outras abordagens que consideram o contexto, a

sociedade, a história.

No Brasil, em 1960, os estudos de lingüística eram muito pouco

desenvolvidos; hoje se faz lingüística de bom nível: lançam-se bases para uma

descrição coerente, empiricamente adequada e teoricamente sofisticada de todos os

aspectos da língua, de seu uso, variação, aquisição, evolução histórica e assim por

diante.

Através de novas descobertas e da reinterpretação das velhas, houve

um aprendizado maior sobre a nossa língua, sobre a realidade lingüística do país e

sobre a linguagem em geral.

O homem, por ser social, para sobreviver, necessita comunicar-se com

seus semelhantes, daí o fato de ele possuir a faculdade de recriar e manipular

sistemas de comunicação. O homem é um ser de linguagem e esta lhe serve não

somente para comunicação, mas também para estruturar seu mundo interior (pensar

e conhecer), construir no espírito o que vai exteriorizar.

Toda comunicação realiza-se por meio de um sistema de sinais

convencionados (língua). Toda língua é um sistema para propiciar a comunicação

entre as pessoas. Nas línguas artificiais esses sistemas são fixos, sem variantes;

nas línguas naturais eles são mais flexíveis, abertos a variações no tempo e no

espaço. A língua evolui junto com o homem.

Todas as línguas têm seu próprio sistema lingüístico (amplo, abstrato)

e as normas (particulares, concretas) no seu uso. O esquema, base invariante, é o

suporte que permite que as línguas evoluam sem se autodestruírem; atrás do

eventual ou do novo há um seguro esquema de referências.

“Toda língua é uma unidade (esquema) na variedade (normas)”,

segundo Celso Pedro Luft (2002, p. 17).

A adaptação do esquema lingüística-norma bifurca-se em coletiva e

individual. A língua só existe de verdade na cabeça de cada falante e este partilha

esse bem com os seus semelhantes: a língua é um bem comum.

O sistema de regras nos quais os falantes se baseiam para

construírem frases, é um saber intuitivo, o próprio saber lingüístico ou competência

idiomática de cada falante, a gramática natural.

Page 35: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

35

1.8 CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA

A gramática artificial é, primeiramente, a descrição desse saber

lingüístico e, secundariamente, uma obra, manual onde se registra essa descrição.

À gramática, cujas bases é herança greco-latina, chamamos gramática

tradicional, e à que a ela se contrasta, gramática moderna, fruto dos progressos da

ciência lingüística.

Segundo Franchi (1991), o que capacita o falante a construir ou

interpretar quaisquer frases da língua é a gramática. É muito importante ao tratar-se

de gramática saber o que se entende por gramática e, de acordo com cada

concepção, o que seria saber gramática e o que é ser gramatical. A gramática

tradicional tem duas orientações: normativa e descritiva conforme a preocupação

dominante de: impor as regras de um padrão lingüístico considerado modelo (uso

culto formal, sobretudo escrito) e expor os fatos da linguagem.

A gramática normativa é concebida como um manual com regras de

bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar

adequadamente.

Franchi escreve sobre gramática normativa:

Gramática é o conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores. Dizer que alguém “sabe gramática” significa dizer que esse alguém “conhece essas normas e as domina tanto nocionalmente quanto operacionalmente”. Um bom gramático seria aquele que diz como se deve escrever, seja baseado numa certa “lógica”, seja baseado no “uso” legitimado por algum critério (FRANCHI, 1991, p. 16, 17).

Segundo os gramáticos normativos, os primeiros tratados de gramática

escritos em língua portuguesa datam do século XVI - Fernão de Oliveira: Gramática

da Linguagem Portuguesa, 1536; João de Barros: Gramática da Língua Portuguesa,

1540, mais gramáticas foram escritas posteriormente com o intuito de formar fidalgos

para o convívio da corte e preparar para o estudo do latim.

A preocupação de fazer da gramática do português uma preparação

para o ensino do latim, aparece explicitada desde as gramáticas do século XVI, mas

Page 36: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

36

no século XIX era ainda, muito forte. Esta afirmação é comprovada através de uma

passagem que consta na introdução de um compêndio que teve grande circulação

na época, o de Bento José de Oliveira:

O sistema que em nossa gramática seguimos na exposição das doutrinas é quase o mesmo da Gramática Latina do Sr. Alves de Souza, para a qual esses elementos poderão servir de introdução. E com isto entendemos haver prestado serviço aos que, depois do exame de português, passaram a estudar o latim; porque aprendidas primeiro no próprio idioma, as regras gerais da linguagem, basta-lhes para entrar na tradução latina, saber, na etmologia declinar e conjugar bem, e na sintaxe o uso geral dos casos...(ILARI e BASSO, 2006, p. 205).

Já, na dedicatória da Origem da Língua Portuguesa, de Dante Nunes

de Leão (1604), é demonstrada a preocupação de formar linguisticamente os

fidalgos no bom uso da linguagem:

Como a maior demonstração que os homens de si dão e de seu entendimento são as palavras porque exprimem seus conceitos e suas vidraças por que se transluzem e vêem seus ânimos, procuram sempre os princípios que a avantagem que no estudo e na grandeza levam os homens baixos e plebeus se enxergasse na polícia e estilo de seu falar, porque, tão indecente é sair da boca de um homem de alto lugar e nobre criação ua palavra rústica e mau composta, como de ua bainha de ouro ou rico esmalte arrancar ua espada ferrugenta. (ILARI e BASSO, 2006, p. 206).

No século XVIII, a preocupação de formar as elites numa linguagem

castiça é reafirmada em Verdadeiro método de estudar (1746), de Luís Antônio de

Verney, obra pedagógica do iluminismo português.

No domínio da nossa língua, o conhecimento de gramática era capaz

de distinguir as pessoas bem criadas das mais “baixas”. Os gramáticos que tomaram

para si essa tarefa contribuíram para a uniformidade da língua e para frear suas

mudanças (noções de construções corretas ou viciosas).

Essa representação gramatical está presente até hoje nas expectativas

da sociedade quanto aos profissionais de linguagem: a concepção de gramática

normativa ou prescritiva. Nessa concepção, gramatical é o que obedece, que segue

as regras do bom uso da língua, configurando o falar e o escrever bem, é a língua

padrão ou língua culta. Tudo o que foge a esse padrão é “errado” (agramatical), o

que atende é “certo” (gramatical).

Page 37: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

37

Nessa concepção de gramática há vários modos de perceber e definir

“norma culta” mobilizando argumentos de diferentes ordens. Esses argumentos,

segundo Travaglia (2006, p. 26, 27), são sobretudo de natureza:

a) estética: as formas e usos são incluídos ou excluídos da norma culta

por critérios tais como: elegância, colorido, beleza, finura, expressividade, eufonia,

harmonia; evitando vícios com a cacofonia, a colisão, o pleonasmo vicioso, o eco;

b) elitista ou aristocrática: contraposição do uso da língua que é feito

pela classe de prestígio ao uso das classes populares. Castilho (1988, p. 55), diz “há

um forte sentimento de estratificação social, e, sobretudo de diferença social”. Isto

acontece quando as gramáticas registram usos da linguagem popular condenando-

os e não registrando como uma variedade. O plebeísmo (como vício de linguagem)

ocorre desta oposição, em contraposição à elite (como qualidade de boa linguagem)

(cf. CEGALLA, 1976; p. 410 - 412). Há também o critério de autoridade (gramáticos

e bons escritores) que devido ao prestígio cultural estabelece as regras do bom uso

da língua;

c) comunicacional: nesse caso, os critérios se referem ao efeito

comunicacional, à facilidade de compreensão. Há necessidade de que as

construções e o léxico escolhido resultem na “expressão do pensamento” com

clareza, precisão e concisão, pois a gramática normativa no seu caráter prescritivo

foi construída segundo a concepção de linguagem como expressão de pensamento.

d) histórica: o critério para excluir formas e usos da norma culta é a

tradição. Esse critério leva a exigências absurdas e não há nada de objetivo que

defina quando ele se aplica ou não. Inclui-se também neste caso a concepção

naturalista de língua, que a considera um organismo vivo que nasce, se desenvolve

e, junto com a sociedade que dele não cuida adequadamente pode entrar em

decadência, deteriorar-se;

e) política: os critérios são, basicamente, o purismo e a vernaculidade.

Pretende-se excluir da Língua Portuguesa tudo que não seja de origem grega, latina

ou vinda de épocas remotas da língua. Caçam-se e condenam-se todos os

estrangeirismos: os galicismos (formas do francês), anglicismos (do inglês),

germanismos (do alemão), etc. a preocupação, neste caso, é com a dominação

cultural e com a ameaça à nacionalidade: o fato de uma nação não manter sua

língua (marca de identidade), tornar-se-á facilmente dominada. Há, portanto, a

necessidade de muito critério quanto ao julgamento do estrangeirismo como

Page 38: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

38

necessário e bem vindo ou como ameaçador da nacionalidade, por ser

desnecessário. Às vezes, os países chegam a editar leis relacionadas a esta

questão.

O trabalho dos normativistas é a produção de tratados: “gramáticas”,

nos quais sistematizam o conjunto de preceitos que devem ser seguidos para falar e

escrever corretamente.

A gramática tradicional não contém somente “normas”: ela possui

também um componente descritivo, esta é a segunda concepção de gramática: a

gramática descritiva.

Bem diferente da gramática normativa e a que se dedica à descrição

da estrutura e funcionamento da língua, de sua forma e ação. A gramática seria

então “um conjunto de regras que o cientista encontra nos dados, à luz de

determinada teoria e método”. Essas regras seriam as “utilizadas pelos falantes na

construção real de enunciados”. (NEDER, 1992, p. 49; apud TRAVAGLIA, 2006, p.

27).

A gramática descritiva é uma disciplina científica que registra e

descreve (daí o ser descritiva, por isso não lhe cabe definir) um sistema lingüístico

em todos os seus aspectos (fonético-fonológico, morfossintático e léxico).

(BECHARA, 2001, p. 52).

Para construir esse componente descritivo da gramática, segundo

Franchi, os estudiosos analisam as estruturas das expressões de uma língua (ou

mais) dividindo-a em unidades simples e associando cada uma dessas unidades por

diferentes critérios categoriais, a diferentes classes; organizam essas diferentes

classes em subclasses; verificam quais as relações (os modos de conexão) que se

estabelecem entre essas diferentes unidades e classes, possibilitando a construção

de unidades complexas; definem os papéis específicos que essas unidades

desempenham ao entrar nas construções complexas em que se relacionam; por

último, consultam como se emprega na língua considerada, as diferentes palavras,

locuções, formas, paradigmas, construções, funções, estabelecendo a partir desse

uso um conjunto de regras de boa formação ou de bom uso das expressões.

Aqui, não se trata mais de um conjunto de regras para falar e escrever

bem, mas sim de todo um processo descritivo. A definição de gramática

corresponde, aproximadamente, a:

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39

Gramática é um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical. “Saber gramática” significa, no caso, ser capaz de distinguir, nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as relações que entram em sua construção, descrevendo com elas sua estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade. (FRANCHI, 1991, p. 52-53; 2006, p. 22-23)

Embora a gramática descritiva pareça mais neutra, mais científica, o

ponto de vista normativo pode introduzir-se na gramática descritiva. Isso pode

acontecer quando quem está descrevendo uma língua, desconsidera a linguagem

coloquial. O gramático, também, pode reintroduzir os conceitos sociais de uso para

excluir todas as expressões que não correspondem ao uso “consagrado”. Assim, a

gramática descritiva se transforma em um instrumento da gramática normativa.

Sendo o objetivo desta gramática estudar a estrutura da língua

portuguesa, é indispensável que se estudem certos pontos teóricos, pois de acordo

com Mario Perini (2006) “o estudo da gramática de uma língua não pode dispensar o

estudo da teoria e da metodologia lingüísticas”. A gramática descritiva se reveste de

várias formas segundo o que examina mediante uma metodologia empregada.

Dessa concepção fazem parte as gramáticas baseadas nas teorias

estruturalistas que privilegiam a descrição da língua oral e as gramáticas feitas

segundo a teoria gerativa-transformacional que trabalha com ideais, produzidas por

um falante-ouvinte ideal. O que essas correntes lingüísticas têm em comum é o fato

de proporem uma homogeneidade do sistema lingüístico, abstraindo a língua de seu

contexto, elas trabalham com um sistema formal abstrato que regularia o uso que se

tem em cada variedade lingüística (ILARI e BASSO, 2006).

A partir da década de 60 sobressaíram-se várias correntes do estudo

da língua: Lingüística Textual, Análise do Discurso, Análise da Conversação,

Semântica Argumentativa, Sociolingüística em diferentes correntes, Pragmática que

podem ser agrupadas sob o título Lingüística da Enunciação ou do Discurso, e não

tratam somente do sistema formal, mas também se dedicam a uma lingüística que

considera a variação lingüística, bem como a relação da língua com a situação de

comunicação.

Nas últimas décadas do século XX, foram elaboradas sobre a Língua

Portuguesa algumas gramáticas diferentes, numa perspectiva descritiva. As

gramáticas descritivas foram escritas por um só autor como a Gramática descritiva

Page 40: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

40

do português, de Mario Perini (1995), mas mais comuns foram os trabalhos

produzidos em equipe onde se encontram capítulos escritos por diversos autores, de

temas distintos e, muitas vezes, até com enfoques diferentes. É assim a Gramática

da língua portuguesa de Maria Helena Mira Mateus e outros, editada em 2003, em

Lisboa, e a Gramática do português culto falado no Brasil de Ataliba Teixeira de

Castilho e outros.

Embora as boas gramáticas normativas produzidas no século XX,

como, por exemplo, Cunha e Cintra (1987) sejam mais ricas e mais interessantes

que as anteriores, adotam o mesmo “roteiro padrão”: as classes de palavra, a

morfologia flexional e derivacional, a concordância, a sintaxe da oração e a sintaxe

do período. Esse roteiro vem sendo ultrapassado, em vários sentidos pelas

gramáticas descritivas, por exemplo, pela inclusão de capítulos sobre os

mecanismos de coesão e coerência textual, sobre os atos de fala, etc.; essa

ampliação é um dos pontos altos da Gramática da língua portuguesa, de Mario

Villela e Ingedore Koch, lançada em 2001, em Portugal.

As noções de que se valem, para a descrição, as mais recentes

gramáticas, também são novas, e isso tem efeitos importantes na superação de

alguns impasses que remontam às origens da gramática portuguesa e a influencia

da gramática latina.

Contrapondo-se às concepções anteriores de gramática temos uma

noção mais contemporânea: a terceira concepção de gramática. É a que,

considerando a língua um conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de

acordo com o exigido pela situação de interação comunicativa em que o usuário da

língua está engajado, percebe a gramática como um conjunto de regras que o

falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar (TRAVAGLIA, 2006, p. 28).

Todos os lingüistas, hoje, concordariam que uma perspectiva

normativa ou descritiva está muito distante de dar conta da natureza da gramática,

das regras gramaticais e do modo pelo qual as crianças as dominam. Deixando de

lado o rigor dessas gramáticas, espera-se ganhar muito em comunicabilidade.

Não podemos esquecer que a linguagem é um patrimônio da

humanidade e que independe de fatores sociais, de raça, de cultura, de situação

econômica, de circunstancias de nascimento ou de diferentes modos de fazer-se

parte de uma sociedade. Qualquer criança que tenha acesso à linguagem, domina-a

Page 41: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

41

nos primeiros anos de vida, ou seja, domina todo um sistema de regras que lhe

permite ativar ou construir a gramática de sua língua.

A linguagem não é algo que se aprende ou algo que se faz: é algo que desabrocha e se desenvolve como uma flor (na bonita metáfora de Noam Chomsky), que amadurece no curso dos anos, desde que se assegurem à criança mínimas condições de acesso às manifestações lingüísticas de seus pais e de sua comunidade lingüística ( FRANCHI, 1991, p. 54, 2006, p. 24).

Todo falante, independente da modalidade de linguagem que usa,

possui uma gramática interna de natureza biológica e psicológica que, pelo menos, a

interioriza já em tenra idade, dependendo de suas experiências lingüísticas. Não

existem livros dessa gramática, pois ela é o elemento de descrição, daí ser chamada

de gramática internalizada.

Os termos “gramática”, “regra gramatical”, “saber gramática”, ganham

sentidos diferentes nessa concepção:

Gramática corresponde ao saber lingüístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos sobre a sua própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e antropológica. “Saber gramática” não depende, pois, em principio, da escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da construção progressiva), na própria atividade lingüística, de hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e regras ( FRANCHI, 1991, p. 54, 2006, p. 25).

Nessa concepção de gramática não há o erro lingüístico, mas a sua

inadequação da variedade lingüística usada em uma determinada situação de

interação comunicativa. Ela não ignora os problemas de variação lingüística. Estar

em desacordo com a regra gramatical não significa, pois, ser uma expressão

excluída por uma “norma padrão”, de natureza social, mas ser excluída pela

gramática lingüística do falar próprio de uma comunidade. Esta concepção tem

bases humanistas: “todo homem, sejam quais forem suas condições, nasce dotado

de uma faculdade de linguagem, como parte de sua própria capacidade e dignidade

humana”, segundo Franchi (1991). Conclui-se, portanto, que todas as crianças

desenvolvem uma gramática interna, o que exclui qualquer forma de discriminação

preconceituosa da modalidade popular.

Todo o nosso comportamento social está regido por normas a que

devemos obedecer se quisermos ser considerados “corretos”. O mesmo acontece

Page 42: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

42

com a linguagem apesar de suas normas serem mais complexas. Para simplificar,

Jespersen (1947) define o “linguisticamente correto” como aquilo que é exigido pela

comunidade lingüística a que se pertence. O que difere é o “linguisticamente

incorreto”. Ou, com suas palavras: “falar correto significa o falar que a comunidade

espera, e erro em linguagem significa o desvio dessa norma, sem relação alguma

com o valor interno das palavras ou formas”. (apud CUNHA&CINTRA, 1985, p. 6)

Na linguagem é importante o pólo da variedade, que corresponde à expressão individual, mas também o é o da unidade, que corresponde à comunicação interindividual e é garantia de intercompreensão. A linguagem expressa o individuo por seu caráter de criação, mas expressa também o seu ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica: existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem “línguas” como entidades históricas e como sistema e normas ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma, senão também comunicação, finalidade instrumental, expressão para outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo. (COSERIU, 1956, apud CUNHA&CINTRA, 1985, p. 7)

Há necessidade de distinguir entre “gramática interna” do sentido de

“gramática”. Gramática é um trabalho analítico e reflexivo sobre a linguagem, a

construção de sua estrutura para “modelo” e de seu funcionamento: é uma atividade

metalingüística. Gramática interna é um sistema de princípios e regras que

correspondem ao próprio saber lingüístico do falante: ele se constrói e se

desenvolve na atividade lingüística.

Essa gramática internalizada, a que constitui e dá forma ao que se

chama de competência gramatical ou lingüística do usuário da língua é a que

permite ao mesmo construir um número infinito de frases e julgar sua

gramaticalidade no ensino da gramática descritiva. Não podemos, no entanto,

considerar a gramática internalizada somente o nível de frase ignorando assim os

elementos constitutivos da gramática da língua em outros âmbitos como os

princípios que nos permitem fazer uso da língua através dos textos, tais como os

princípios de construção, interpretação e uso de textos em conformidade com

situações diferentes de interação comunicativa, os princípios que regem a

conversação, etc. Com esta afirmação pretende-se esclarecer que o usuário da

língua precisa saber, e sabe, muito mais do que as regras de construção de frases

para ter uma competência comunicativa e que faz parte da gramática da língua,

muito mais do que a teoria lingüística trata ao estudar os elementos da fonologia e a

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43

fonética, da morfologia e da sintaxe. A gramática internalizada é a que constitui não

só a competência gramatical, mas também sua competência textual e sua

competência discursiva e, portanto, a que possibilita a competência comunicativa.

Apesar da discussão sobre a necessidade de reorganização do ensino

fundamental no Brasil ser muito antiga, somente nos anos 80 tornou-se mais

consistente. Isto aconteceu quando as pesquisas produzidas por uma lingüística

independente de uma tradição normativa e filológica e os estudos desenvolvidos em

variação lingüística e psicolingüística possibilitaram avanços na área da educação e

psicologia da aprendizagem.

Todo avanço nos estudos de gramática deveu-se aos progressos da

ciência lingüística. Foi através dela que o ensino de gramática, no caso a normativa,

que era concentrado em uma metalinguagem, passou a respeitar também o conjunto

de regras dominadas pelos falantes. Essa gramática interna, de natureza biológica e

psicológica, é também objeto de estudo da gramática moderna e exclui qualquer

forma de preconceito baseado na gramática normativa. Essa é uma das principais

contribuições da lingüística para o ensino de gramática.

1.9 INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

O objetivo do ensino de língua materna como forma de interação, é

desenvolver a competência comunicativa do aluno, levando-o a adequar a língua às

mais diversas situações. Nesse contexto a unidade de ensino só pode ser o texto,

propulsor da reflexão critica e imaginativa dele como leitor e produtor.

A afirmação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua

Portuguesa quando foram divulgados pelo MEC, motivou várias discussões sobre o

ensino da língua materna em todos os seus níveis. Segundo Koch (2005) a

postulação básica deste documento é o ensino centrado no texto, quer em termos

de leitura, quer em termos de produção.

A discussão sobre se há ou não necessidade de ensinar gramática é

considerada falsa tendo-se como verdadeira é o que, para que e como ensiná-la.

Existe aí uma preocupação quanto ao direcionamento do ensino da gramática

considerando que o ensino a respeito dela não é reconstruir o quadro descritivo dos

Page 44: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

44

manuais. “O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização

clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser

tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades

de produção, leitura e escrita de textos”.

O modo de ensinar deverá corresponder a uma prática que parte de

uma reflexão produzida pelos alunos que pela mediação do professor deverá passar

de uma terminologia simples e se aproximar do conhecimento gramatical produzido.

A mediação do professor é fundamental no ensino da língua e no ensino da

gramática.

Os estudos e reflexões de Bakhtin (2003) trouxeram nova luz ao

problema, pois para ele a linguagem não pode ser vista apenas como sistema. Para

ele a língua é vista como um fenômeno social, histórico e ideológico, no qual “a

palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou

vivencial”. Afirma que a verdadeira essência da linguagem é a interação verbal,

realizada pela enunciação. Aprender a falar significa aprender a construir

enunciações.

O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados ( orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo de linguagem, ou seja, pelas seleções dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, p. 271)

Humboldt, século XIX, não negou a função comunicativa da linguagem,

colocou-a em segundo plano; em primeiro plano promoveu a função da formação do

pensamento, independente da comunicação. Vossler colocou em primeiro plano a

chamada função expressiva, resumindo sua essência à expressão do mundo

individual do falante, reduzindo-a a criação espiritual do indivíduo.

A partir da premissa de interação verbal há uma visão inovadora

quanto à prática de produção textual nas escolas, baseada na interação

comunicativa, embora na obra de Bakhtin (1995) não haja uma definição do conceito

de texto. Ele postula uma concepção de linguagem, dialógica, isto é, toda palavra,

enunciação, texto, possui um caráter de duplicidade, sendo fundamental a presença

do outro, cujo contexto social não pode ser ignorado. Cada enunciado é um elo na

corrente complexamente organizada de outros enunciados.

Page 45: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

45

Em sua reflexão, Bakhtin tem por objetivo conhecer o homem de uma

forma abrangente, no concreto de suas relações sociais, considerando as

experiências acumuladas e a interação dessas experiências. Pode-se dizer que é

através da fala de outro com quem se compartilha aprendizados, que se organizam

as idéias e procura-se tirar o melhor proveito sobre elas, criando as próprias idéias.

É a partir dessa interação que tudo se agiliza e que há a internalização de um saber

construído por outro. Isso é aplicado em qualquer situação da vida; em uma sala de

aula em que professor e aluno são sujeitos que encerram em si dialogicidade, ou

seja, experiências individuais que interagem em um mesmo contexto social. O

ouvinte na sua contribuição passiva (parceiro do falante) não corresponde ao

participante real da comunicação discursiva.

O discurso só pode existir de fato na forma de enunciações concretas de determinados falantes, sujeitos do discurso. O discurso sempre está fundido em forma de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma não pode existir. Por mais diferentes que sejam as enunciações pelo seu volume, pelo conteúdo, pela construção composicional, elas possuem como unidades da comunicação discursiva peculiaridades estruturais comuns, e antes de tudo absolutamente precisas. (...) O falante termina seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão altamente responsiva. O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso ao qual termina com a transmissão da palavra ao outro. (...) Essa alternância dos sujeitos do discurso que cria limites precisos do enunciado nos diversos campos da atividade humana e da vida, dependendo das diversas funções da linguagem e das diferentes condições e situações de comunicação, é de natureza diferente e assume formas várias. (...) O diálogo é a forma clássica da comunicação discursiva. (BAKHTIN, p. 274-5).

Considerando a oração como unidade da língua há a necessidade de

abordar sua distinção em face do enunciado como unidade de comunicação

discursiva. A oração é um pensamento relativamente acabado, pois o falante faz

uma pausa para passar em seguida ao seu pensamento subseqüente. As pausas

entre as enunciações não são de natureza gramatical e sim real, depois delas

espera-se uma resposta ou uma compreensão responsiva de outro falante. Em seu

livro, Bakhtin explica:

Muitas pessoas que dominam magnificamente uma língua sentem amiúde total impotência em alguns campos de comunicação precisamente porque não dominam na prática as formas de gênero de dadas esferas. (...) ao falante não são dadas apenas as formas da língua nacional (a composição

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46

vocabular e a estrutura gramatical) obrigatórias para ele, mas também as formas de enunciado para ele obrigatórias, isto é, os gêneros do discurso: estes são tão indispensáveis para a compreensão mútua quanto as formas da língua. Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem mais mutáveis, flexíveis e plásticos; entretanto, para o indivíduo falante eles têm significado normativo, não são criados por ele, mas dados a ele. (...) Quando escolhemos um tipo de oração, não o escolhemos apenas para uma oração, não o fazemos por considerarmos o que queremos exprimir com determinada oração; escolhemos um tipo de oração do ponto de vista do enunciado inteiro que se apresenta à nossa imaginação discursiva e determina a nossa escolha. (BAKHTIN, p. 284-5-6).

Culioli (1973, p. 86) afirma que “um texto não tem sentido fora da

atividade significante dos enunciadores” ( apud INDURSKI, p. 54).

Segundo a visão bakhtiniana, é no fluxo da interação verbal que a

palavra se concretiza como signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes

significados, de acordo com o contexto em que ela surge.

Luciene Fontão em seu artigo “Texto, Linguagem e Ensino” comenta:

O estudo e o ensino de uma língua não podem deixar de considerar as diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos se dão no interior das múltiplas e complexas instituições de dada formação social. A língua enquanto produto desta história e enquanto condição de produção da história presente vem marcada por usos e pelos espaços sociais destes usos. (GERALDI, 1996, p. 28). Por isso, a língua não é um produto acabado, é um eterno processo ininterrupto, um processo vivo de interação. Sempre há o que dizer ou o que escrever e maneiras diferentes de fazê-los, com base na história discursiva de cada sujeito envolvido no processo de interação. Por conseguinte, não há textos totalmente inéditos, nem discursos totalmente não comprometidos; e, além do mais, existem sempre maneiras diferentes de se falar e linguagens diversas, refletindo as múltiplas experiências sociais.

A linguagem confere às organizações e atividades humanas uma

dimensão particular, que justifica que sejam chamadas de sociais, no sentido estrito

do termo.

O Interacionismo Sociodiscursivo (doravante ISD) permite o acesso

aos textos disponíveis no inventário sociohistórico para serem atualizados à medida

que o usuário da língua entre em interação por meio de uma atividade de linguagem.

A linguagem é, portanto, uma característica da atividade social humana, cuja função

maior é de ordem comunicativa ou pragmática. Tanto a atividade social como a

atividade de linguagem pode ser tomada sob o ângulo psicológico da ação, como

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47

ação de linguagem, imputável a um agente, e que se materializa na entidade

empírica que é o texto singular. O ISD define atividade de linguagem como um

fenômeno coletivo de elaboração e prática de circulação de textos, que tem como

objetivo estabelecer uma compreensão do contexto e das propriedades das

atividades em geral.

Toda língua natural apresenta-se como estando baseada em um código ou um sistema, composto de regras fonológicas, lexicais e sintáticas relativamente estáveis, que possibilita a intercompreensão no seio de uma comunidade verbal. (...) Uma língua natural só pode ser apreendida através de produções verbais efetivas, que assumem aspectos muito diversos, principalmente por serem articuladas a situações de comunicação muito diferentes. São essas formas empíricas diversas que chamamos de textos. (BRONCKART, p. 69)

A noção de texto utilizada pelo ISD assemelha-se à noção bakhtiniana

de enunciado/texto/discurso, trata-se da unidade comunicativa verbal: oral ou

escrita, gerada por uma ação de linguagem, acumulada historicamente “no mundo

das obras humanas”, que os indivíduos utilizam para interagirem nos diferentes

ambientes discursivos da sociedade (BALTAR, 2004).

Segundo Bronckart (2007), apoiadas em um posicionamento

epistemológico, foram elaboradas abordagens e métodos tradicionais de ensino de

línguas que preconizavam em primeiro lugar a realização de uma abordagem

gramatical destinada a dotar os alunos de uma consciência explícita das principais

categorias e estruturas do sistema da língua. Pensavam que assim os alunos

desenvolveriam uma maestria textual tanto em relação aos aspectos de produção

quanto aos de compreensão-interpretação. A utilidade dos conhecimentos

gramaticais para o de maestria textual não pode ser demonstrada até hoje. A

conceitualização das categorias e das regras gramaticais foi modernizada, mas não

provocou o questionamento da tese do primado do sistema sobre o funcionamento

textual. Houve uma revalorização do ensino textual visando a desenvolver no aluno,

primeiramente, capacidades sólidas de produção, para depois se centrar em

capacidades de leitura e de interpretação.

Bronckart (2007) afirma: o que em uma língua “constitui sistema” não

pode ser considerado senão como produto de um procedimento de abstração

operado sobre essas entidades funcionais e empiricamente observáveis que são os

textos:os textos são primeiros e o sistema da língua é um construto secundário, a

cuja elaboração se consagraram gerações de gramáticos. Baseando nessa

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48

modificação radical de perspectiva teórica visualiza-se uma abordagem didática

ideal, que consistiria em iniciar o ensino da língua pelas atividades de leitura e de

produção de textos e somente depois articularia atividades de inferência e

codificação das regularidades observadas no corpus de textos mobilizado. A

atividade de inferência e codificação incidiria sobre a organização das frases e as

categorias de unidades disponíveis na língua; sobre algumas regras restritivas da

morfossintaxe, cujo conhecimento é necessário para o domínio da ortografia

gramatical. Esse esquema ideal de ensino da língua não parece aplicável como tal.

A atual Proposta Curricular do estado de São Paulo (2008 p. 42),

quanto ao ensino de Língua Portuguesa, demonstra uma preocupação com o ensino

da língua como objeto e como meio para o conhecimento. Na mesma medida em

que se deveria apresentar como matéria a ser analisada, proporcionaria ao sujeito a

construção e compreensão de conhecimentos do mundo. Por esse motivo não

poderia ser pensada de modo fragmentado, como mera decodificação de conteúdos

e reprodução de idéias, desconsiderando as experiências de vida de seus

interlocutores, descontextualizando o ensino no exercício mecânico e repetitivo,

desvirtuando a gramática ao valorizar regras específicas em detrimento de muitas

outras existentes.

De acordo com essa proposta, a disciplina de Língua Portuguesa pode

centrar-se no conjunto de regras que nos leva a produzir frases e dali chegar aos

enunciados, ou nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que

seguem regras específicas as quais permitem a comunicação.

No intuito de deixar mais claro, exemplifica:

Texto 1 Maria, Eu vô chega tardi in casa ogi pruque o patrãum aviso qui vo percisá fase hora eistra. Texto 2 Maria, Provavelmente chegarei tarde à casa hoje porque fui informado de que precisarei fazer hora extra. Texto 3

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patrão, podre no Maria extra informado à precisarei today porque fui pelo boss chez moi de que temprano fazer hora chegar.

Essa proposta observa que mesmo com as dificuldades no uso da

norma padrão no texto 1, identificam-se as intenções do texto porque ele segue

regras próprias da língua portuguesa. O problema, do ponto de vista da

comunicação, está no 3.

Os autores da Proposta Curricular de São Paulo explicam que os

textos 1 e 2 comunicam, mas ao circularem na sociedade, diante das possibilidades

de interpretação dos outros, provocam reações diferentes. Apontam a necessidade

de se saber lidar com os textos nas diversas situações de interação social. Para eles

essa habilidade de interagir linguisticamente por meio de textos, nas situações de

produção e recepção em que circulam socialmente, permite a construção de

sentidos, desenvolve a competência e promove o letramento. O nível de letramento

é determinado pela variedade de gêneros textuais que a criança ou adulto

reconhecem.

Todos os textos surgem na sociedade pertencendo a diversas

categorias ou gêneros textuais que relacionam os enunciadores com atividades

sociais específicas. A proposta de estudar a língua considerada como uma atividade

social, espaço de interação entre pessoas, num determinado contexto de

comunicação, implica a compreensão da enunciação como o eixo central de todo o

sistema lingüístico e a importância do letramento, em função das relações que cada

sujeito mantém em seu meio. Os textos verbais fazem uso de estruturas gramaticais

e muitos desses textos necessitam da gramática para a sua correta organização na

sociedade.

A concepção interacionista da linguagem confirma que o texto é um

instrumento fundamental de se adquirir conhecimento, capacidade produtiva,

comunicativa de estruturação gramatical tendo em vista sua ampla possibilidade de

fazer o ser social assimilar e compreender a partir das palavras, estabelecendo a

ponte entre a linguagem e a vida, pois produzir um texto seja oral ou escrito, é

dialogar com outrem, é instaurar o elo entre o sujeito e o mundo onde vive através

da intertextualidade e da intersubjetividade, de acordo com Fontão.

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Se o professor for um estruturalista, estará mais interessado em ditar

regras e normas para o ensino da língua e estará mais familiarizado com a

concepção de língua como instrumento de comunicação. Se for um tradicionalista,

estará mais propenso a desenvolver suas atividades a partir da visão de língua

como expressão do pensamento; e se optar por uma linha de trabalho interacionista,

usará na sua prática de sala de aula uma visão voltada para os postulados de uma

incessante interação verbal.

Alguns professores dizem ser necessário aprender as regras da

gramática normativa para se escrever bem. Na visão sóciointeracionista essa não

pode ser a preocupação. Interessa é o jogo dialógico da interação, com os

discursos/ textos se construindo na troca de visões de mundo de uns e outros.

Segundo Bakhtin, na sua Estética da criação verbal, (1995, p. 410), a

vida do texto não está no apego a regras do sistema lingüístico, a vida do texto está

mesmo é nas relações dialógicas que ele condensa e no diálogo que ele suscita

diálogo que não tem fim. A prática pedagógica de ensino da gramática deve ter

como objetivo alcançar o envolvimento existencial dos alunos, como pessoas

concretas, na experiência de serem autores e de serem leitores participantes ativos

do infindável diálogo cultural.

O grande filósofo russo disse nas suas reflexões finais:

Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites). Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos no diálogo dos séculos passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de desenvolvimento subseqüente, futuro do diálogo. Em qualquer momento do desenvolvimento do diálogo existem massas imensas e ilimitadas de sentidos esquecidos, mas em determinados momentos do sucessivo desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação. Questão do grande tempo.

Bakhtin não pretendeu ser teórico do ensino, conforme Pernambuco

(2007), mas suas reflexões servem para fundamentar um trabalho produtivo com o

ensino da gramática, pois coloca o ensino gramatical a serviço do aprimoramento da

habilidade de interação sociodiscursiva do aluno.

De acordo com Pernambuco (2007), o ensino de Língua Portuguesa

tem como objetivo levar o aluno a usar a língua expressando o seu próprio mundo,

Page 51: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

51

fazendo dela o seu instrumento de ação. O caminho para se atingir esse objetivo é o

texto. O ensino de língua materna deve ter como objetivo a apropriação pelos alunos

dos recursos lingüísticos por conta própria para a sua vivência social. Não se ensina

gramática como um fim em si mesma; gramática é meio, não fim. A língua não se

resume ao conhecimento gramatical. Ela, a gramática, tem de ser o que ela

pretende ser: serva do uso da língua. Ela também não tem culpa pelo que com ela

fazem, quando a colocam no centro do ensino da língua. A vantagem do

Interacionismo Sociodiscursivo é exatamente tentar mudar o foco do ensino para a

interação humana pelo domínio dos recursos que a língua dispõe para todos os seus

usuários.

Pernambuco (2007) diz: “a gramática não é rainha, ela deve ser tratada

como uma serva do uso da língua”. Nessa fala o professor sintetiza o que até agora

foi exposto neste capítulo, a gramática prescritiva precisa deixar de ser a parte mais

importante no estudo da nossa língua materna, ela é necessária, mas não pode ser

o foco central dele. Neste caso, estamos nos referindo à gramática normativa com

suas normas e conceitos nem sempre lógicos.

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2 DIFICULDADES DO ENSINO DE GRAMÁTICA

“Entre o porquê e o por quê há mais bobagem gramatical do que sabedoria semântica.”

(Millôr Fernandes)

Neste capítulo trataremos do atual ensino de gramática, suas

dificuldades e conseqüências e, sobretudo, os problemas encontrados pelos

professores no seu trabalho, pois os alunos, geralmente, têm uma verdadeira

aversão pela disciplina de Português em todos os graus de ensino.

2.1 CAUSAS DO FRACASSO ESCOLAR

Os fatos relacionados ao fracasso escolar têm sido alvo de discussões

e de críticas da sociedade brasileira e grande parte da culpa é atribuída ao ensino

de Língua Portuguesa. Essas críticas aparecem constantemente nos meios de

comunicação e suscitam pesquisas e estudos direcionados à prática pedagógica do

ensino de gramática.

Pernambuco (1993), em seu artigo Situação atual do ensino de Língua

Portuguesa nas escolas brasileiras, cita o fato de a Fundação Carlos Chagas ter

publicado em dois de seus Cadernos Pesquisa (1977, p. 19 e 23), duas seções

especiais sobre redações nos exames vestibulares com cerca de doze trabalhos a

respeito de pesquisas realizadas sobre os mais diferentes aspectos: morfológicos,

sintáticos, lexicais, semânticos e sociolingüísticos das dissertações elaboradas por

milhares de vestibulandos. Essas pesquisas constataram o fraco desempenho dos

estudantes quanto à escrita da língua, independente de qualquer variável

extralingüística como sexo, idade, posição social ou escola de origem.

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Rocco (1981, apud PERNAMBUCO, 1993) em “Crise na linguagem: A

redação no vestibular”, baseada na pesquisa de mais de 1500 redações de

vestibulandos, chegou à conclusão de que há uma crise no desempenho lingüístico

escrito, pois, apesar de estarem na faixa etária de 19 a 23 anos, apresentam

redações que demonstram o nível de organização mental na faixa de 9 a 12 anos.

Segundo Camacho (1987), existe na escola um conflito entre a

variedade dialetal e a norma lingüística que a escola exige que todos os estudantes

dominem como sendo a única. Há, portanto, necessidade de que as escolas

abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a reconhecer a

verdadeira diversidade lingüística de nosso país.

Miriam Lemle (1979, apud PERNAMBUCO, 1993) em seu artigo

“Heterogeneidade dialetal: um apelo à pesquisa” destaca: “Nunca é demais frisar: o

objetivo a ser proposto não é aprenda a norma culta em vez do português que você

fala e sim aprenda a norma culta além do português que você fala e utilize um ou

outro segundo as circunstâncias”. Isso significa que a escola deve aceitar a língua

que o aluno usa, não como exemplo de fala errada, de algo que deve ser corrigido,

mas através da própria linguagem oral do professor, levá-lo a perceber que há

diferentes maneiras de se falar e que cada uma corresponde ao local em que a

pessoa se encontra.

Segundo Bagno (2002) não é difícil encontrarmos intelectuais

renomados que lamentam a “corrupção” do português falado no Brasil, língua de

“matutos”, de “caipiras infelizes”, arremedo tosco da língua de Camões. Esses

intelectuais são pessoas que ainda se prendem ao português arcaico, e àqueles

brasileiros que porventura não se adaptam a ele, ou à chamada língua padrão, dão-

lhes títulos depreciativos como estes.

Arnaldo Niskier, presidente da Academia Brasileira de Letras, num

artigo publicado na Folha de São Paulo (15/01/98) declara:

[...] pode-se registrar o fato, facilmente comprovável, de que nunca se escreveu e falou tão mal o idioma de Rui Barbosa. [...] A classe dita culta mostra-se displicente em relação à língua nacional, e a indigência vocabular tomou conta da juventude e dos não tão jovens assim, quase como se aqueles se orgulhassem de sua própria ignorância e estes quisessem voltar atrás no tempo. (apud BAGNO, 2002, p. 21).

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Declarações desse tipo baseiam-se em posturas preconceituosas, não

em análises científicas acuradas dos fatos lingüísticos.

A associação entre uma determinada variedade lingüística e a escrita é

o resultado de oposições entre grupos sociais “usuários” das diferentes variedades.

Escrever nunca será igual ao falar; a fixação de uma variedade na escrita precedeu

de alguns séculos a associação de tal variedade com a tradição gramatical greco-

romana, o que foi um passo fundamental no processo de “legitimação” de normas

lingüísticas. A partir de uma determinada tradição cultural, foi definida uma

variedade lingüística usadas em grupos de poder. Esta variedade foi reproposta

como algo de central na identidade nacional como portadora de uma tradição e de

uma cultura.

M. Bakhtin e V. Volóshinov (1929, apud GNERRE, 2002, p. 10)

apontavam quatro princípios orientadores de uma típica visão “oficial” e

conservadora da linguagem dentro da tendência que ele chamava de “objetivismo

abstrato”:

1. A língua é um sistema estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta. 2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas específicas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva. 3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos (artísticos cognitivos e outros). Não se encontra, na base dos fatos lingüísticos, nenhum motor ideológico. Entre a palavra e seu sentido não existe vinculo natural e compreensível para a consciência, nem vínculo artístico. 4. Os atos individuais de fala constituem do ponto de vista da língua, simples refrações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. Mas são justamente estes atos individuais de fala que explicam a mudança histórica das formas da língua; enquanto tal, a mudança é, do ponto de vista do sistema, irracional e mesmo desprovida de sentido. Entre o sistema da língua e a sua historia não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si. (1979, p. 68).

A maioria dos cidadãos têm uma possibilidade reduzida de acesso ao

código da escrita usada pelo poder, constituída pela escola e pela “norma

pedagógica” ali ensinada. O fator da pronúncia é considerado como uma marca da

proveniência regional, e às vezes social, e esta área da produção lingüística

dificilmente é apagada pela instituição.

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A variedade considerada culta é associada à escrita e também à

tradição gramatical; é inventariada nos dicionários e é a portadora de uma tradição

cultural e de uma identidade nacional.

No Brasil, a norma presente nas gramáticas é um conjunto de opiniões

sobre como a língua deveria ser, segundo os gramáticos.

Antonio Houaiss observa:

“a realidade nua e crua é que, malgrado o numero ponderável de estudos gramaticais, não sabemos efetivamente o que é e como é a língua portuguesa, sobretudo no Brasil, e assistimos estarrecidos ao divorcio crescente entre a norma gramatical canônica e a criação literária viva” (in CASTILHO, 1973).

O autor ainda lembra que talvez José de Alencar tenha sido o

intelectual mais conhecido que defendeu, nos seus escritos, implícita e

explicitamente, a idéia de língua “brasileira”. Segundo ele a língua “brasileira”

deveria se adequar à “simplicidade” de pensamento e de expressão do índio e do

sertanejo.

Mas convenhamos que nas sociedades complexas como a nossa,

torna-se necessário um amplo aparato de conhecimentos sócio-políticos para poder

ter acesso à compreensão e principalmente à produção de mensagens de nível

sócio-político.

2.2 TIPOS DE GRAMÁTICA

A posição antinormativa dos lingüistas foi estabelecida como uma visão

abstrata segundo a qual todos os dialetos têm um valor intrínseco igual em termos

lingüísticos. O que Bakhtin/Voloshinov (1929) chamou de “objetivismo abstrato”,

aprofundou a distância entre os lingüistas e os professores de língua. A gramática

normativa escrita é um resto de época em que as organizações dos estados eram

explicitamente autoritárias e centralizadas.

A difusão da educação e do conhecimento da variedade lingüística visa

a reduzir a distância entre grupos sociais para uma sociedade de oportunidades

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iguais para todos. A importância disto está no fato de que as habilidades lingüísticas,

às vezes, são fatores de discriminação.

A Constituição Brasileira afirma que todos os indivíduos são iguais

perante a lei, mas essa mesma lei é redigida numa língua que só uma parcela

pequena de brasileiros consegue entender. A discriminação social começa no texto

da Constituição, (GNERRE, 1998).

Gnerre não quis dizer que a Constituição deveria ser escrita em língua

não-padrão, mas sim que todos os brasileiros deveriam ter acesso mais amplo e

democrático a essa “língua oficial”. Os falantes das variedades desprestigiadas

deixam de usufruir diversos serviços a que têm direito por não compreenderem a

linguagem empregada pelos órgãos públicos.

Muitos pesquisadores têm mostrado em seus estudos que os falantes

das variedades lingüísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades para

compreenderem as mensagens enviadas pelo poder público, pois este se serve

exclusivamente da língua padrão.

Segundo Lo Piparo, 1979 (apud GNERRE, 1998 p. 32), a tendência

das gramáticas normativas escritas é abraçar todo um território nacional e todo o

“volume lingüístico” com a finalidade de criar um conformismo lingüístico unitário

porque cria um esqueleto mais forte e homogêneo para o organismo lingüístico

nacional, do qual cada indivíduo é o reflexo e o interprete.

A gramática normativa é a expressão da sociedade civil em um

momento de consenso das normas lingüísticas de grupos sociais homogêneos. Para

Gramsci (1975, in GNERRE p. 32) a realidade lingüística nacional é formada pela

junção destes dois tipos de gramática: gramática normativa escrita e gramática

normativa oral.

A estratificação sócio-cultural se espelha numa estratificação

lingüística, só ascendendo o nível sócio-cultural crescerá o nível de linguagem do

individuo. Filhos de pais analfabetos aprendem com eles a sua linguagem e é com

esse material que o professor terá que começar.

O professor tem que ter um realismo lingüístico, pois a língua é como

é, não como deveria ser, como o professor queria que fosse, como os gramáticos

pretendem impor que seja, presos a modelos do passado.

Em sociedades econômica e culturalmente heterogêneas, é inevitável

a heterogeneidade no campo da linguagem. Mesmo visando a uma homogeneidade

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lingüística culta, a escola tem que trabalhar a partir da realidade gramatical

heterogênea dos alunos.

Até a década de 90, as dificuldades enfrentadas pelos alunos e

professores nas escolas, quanto ao processo ensino-aprendizagem, eram bem

menores, pois a maioria do corpo discente era formada por alunos de camadas

sociais mais favorecidas sócio-economicamente, conforme Pernambuco (1993).

Esses alunos já traziam de seu ambiente familiar uma variedade lingüística muito

próxima da variedade prestigiada pela escola, portanto aos professores competia

somente fornecer meios para esses alunos expandirem o uso da sua linguagem.

A escola, segundo o mesmo autor, abriu suas portas para as camadas

populares que dominam uma forma diferente da que é prestigiada pela sociedade,

há o domínio da variedade inculta contrapondo-se ao “falar culto” da classe

dominante. A escola não se adaptou ou mesmo não conseguiu adaptar-se a essa

circunstância. Incompetente para tal, a escola passou a estigmatizar as

manifestações orais e escritas desses alunos provenientes das classes mais pobres.

Para Possenti (1996) é interessante sabermos que na realidade são os

gramáticos que consultam os escritores para saberem as regras que devem seguir e

não, os escritores que consultam os gramáticos. Em conseqüência disto, não faz

sentido ensinar nomenclaturas a quem não domina habilidades de utilização

corrente e não traumática da língua.

Ele afirma também que para muitas pessoas ensinar língua é ensinar

gramática ou, diferentemente, ensinar gramática é a mesma coisa que ensinar

língua. Por ensino de gramática entende-se a soma de duas atividades que se

relacionam, não obrigatoriamente. Essas atividades são: estudos de regras de

construção de palavras ou frases (regras ortográficas, de concordância, regência,

etc.) e a análise mais ou menos explícitas de determinadas construções (vogais,

consoantes, análise sintática da oração, etc.). Do ponto de vista do ensino da língua

padrão a primeira atividade evidencia o tentar consolidar o uso de uma variedade de

prestígio e a segunda só se justifica por critérios independentes do ensino da língua.

A discussão sobre língua e gramática é muito antiga, mas também

atual, pois embora tivesse ocorrido muita mudança de discurso, a prática escolar

continua a mesma. Possenti admite a necessidade de saber o que é gramática

embora a noção de gramática seja controvertida: nem todos os que se dedicam a

esse estudo a definem da mesma maneira. Ele destaca três maneiras de entender a

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definição de gramática: como “conjunto de regras”: conjunto de regras que devem

ser seguidas, conjunta de regras que são seguidas e conjunto de regras que o

falante da língua domina. Nas duas primeiras maneiras as regras se referem à

organização das expressões utilizadas por um membro de uma comunidade

linguística; a terceira refere-se à hipóteses sobre aspectos da realidade mental dos

mesmos falantes. Caracteriza essas noções em três tipos de gramática: a normativa,

a descritiva e a internalizada.

As gramáticas normativas correspondem à noção de que gramática é o

conjunto de regras que devem ser seguidas, é a mais conhecida dos professores de

primeiro e segundo graus, pois é a definição encontrada nas gramáticas

pedagógicas e nos livros didáticos, onde apresentam como objetivo da gramática:

levar o leitor a “falar e escrever corretamente. Estes livros apresentam regras para a

variedade padrão escrita e oral. Essas gramáticas também recebem o nome de

gramáticas prescritivas e são as mais conhecidas.

As gramáticas descritivas são as relacionadas à definição de gramática

como conjunto de regras que são seguidas. Essa gramática orienta os trabalhos dos

lingüistas para descreverem e/ou explicarem as línguas tais como são faladas.

Exemplificando: algumas formas verbais como “vós fostes”, “vós iríeis”,etc., só

existem na escrita, pois as formas mais usadas na oralidade são: vocês foram,

vocês iriam. Há muitas diferenças quando se trata do sistema pronominal: quando

as formas pronominais de terceira pessoa estão em posição de objeto direto

“o/a/os/as” quase não se ouvem mais, às vezes, aparecem na escrita. Na oralidade,

o que ocorre em seu lugar, apesar de parecer um escândalo a certos ouvidos, é

“ele/ela/eles/elas”.

Quando se fala de pronomes em português do Brasil, as regras de

colocação de pronomes átonos encontradas nas gramáticas e ensinadas na escola

como desejáveis são decorrentes de uma visão equivocada da língua.

A gramática internalizada é a da terceira definição de gramática:

conjunto de regras que o falante domina. São hipóteses sobre os conhecimentos

que habilitam o falante a produzir frases ou seqüências de palavras compreensíveis

e reconhecidas como pertencendo a uma língua, como: “Os meninos apanham as

goiabas” ou “Os menino (a)panha as goiaba”, quem fala português sabe que são

frases em português, não espanhol, inglês, etc.

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59

Estes conhecimentos podem ser de dois tipos: lexical e sintático-

semântico. Lexical quanto à capacidade de empregar as palavras adequadas,

sintático-semântico tem a ver com a distribuição das palavras na sentença para que

tenham sentido. À medida que as palavras têm exigências em relação ao outro nível,

o léxico tem implicações na sintaxe-semântica. Há a necessidade de saber-se o que

significa, por exemplo, a palavra “dizer” para empregá-la, embora saber o que ela

significa exige que esse verbo tenha um sujeito de tal tipo, complemento de outro

tipo, etc. Na sentença “E a raposa disse para o corvo...” o falante pode achar a frase

estranha já que raposas não falam, ou colocar-se em outro mundo.

Uma versão sobre a aquisição do conhecimento gramatical diz que

aprendemos por repetição, falamos o que ouvimos. As crianças produzem algumas

formas nunca ouvidas, tipicamente não regularizadoras de formas irregulares como:

“eu sabo”, “eu cabo”, “eu fazi”, “ele iu”, etc. Isto acontece porque as crianças

aprenderam regras de conjugação verbal, é o resultado da aplicação de regras

conhecidas, internalizadas.

Uma gramática descritiva é tanto melhor quanto mais ela for capaz de

explicitar o que os falantes sabem, ou quanto mais ela for o retrato da internalizada.

Possenti (1996) afirma: se “o objetivo da escola é ensinar o português

padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja

aprendido”, há necessidade de que entendamos que devemos trabalhar o ensino de

Língua Portuguesa convencidos de que o domínio efetivo e ativo de uma língua

dispensa o domínio de uma metalinguagem. Também devemos levar em

consideração que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer gramática é outra.

Nenhum dos dois conhecimentos isolados serve como base de aprendizagem, eles

se completam e há uma grande necessidade de saber-se usá-los. A ineficiência

quanto ao conhecimento da relação de dependência existente entre língua e

gramática pode levar-nos a fracassar no ensino da língua materna.

2.3 O TRABALHO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR

O problema do fracasso escolar de Língua Portuguesa não se atém só

ao âmbito da variação lingüística. A escola tem falhado para ensinar a variedade

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60

padrão da língua: partindo da concepção da linguagem como instrumento de

comunicação, adota práticas pedagógicas que exigem do aluno uma assimilação do

conteúdo ministrado, criando atitudes mecânicas e passivas responsáveis pelo

desinteresse diante do processo ensino-aprendizagem.

O modelo de trabalho do professor de Língua Portuguesa na escola

brasileira consiste numa repetição de atividades desinteressantes para o aluno e

improdutivas no sentido de promover a expansão da habilidade lingüística de que

ele já é possuidor quando entra para a escola.

Uma criança com sete anos de idade que entra na escola para se

alfabetizar, já entende e fala a língua portuguesa nas diversas circunstâncias

apresentadas pela vida. Afirmação esta facilmente comprovada ao observar-se os

diálogos mantidos entre as crianças na hora do recreio. Neste caso, trata-se de

crianças normais.

Segundo Cagliari (2002), as dificuldades específicas de aquisição de

linguagem só ocorrem quando a criança apresenta problemas biológicos seríssimos.

Para uma criança aprender uma linguagem não há necessidade de

organizar esta linguagem em ordem alfabética. A criança não entra para o mundo da

linguagem da mesma forma que um adulto inicia-se no aprendizado.

“Quando se diz que uma criança já é um falante nativo de uma língua,

significa que ela dispõe de um vocabulário e de regras gramaticais”. (CAGLIARI.

2002, p. 18).

“Mas o que é ensinar português para pessoas que já sabem falar o

português?” indaga Cagliari, após afirmar que “ensinar português é ensinar

português e não fazer disso um campo de prova de teorias ou hipóteses

psicológicas, pedagógicas, ou seja, lá o que for”. (CAGLIARI, 2002, p. 22)

No início do ano letivo o professor faz seu planejamento e traça

objetivos a serem alcançados como resultado do seu trabalho e enumera itens do

conteúdo programático a ser desenvolvido, não se atém, não se preocupa com os

conhecimentos que os alunos já tenham adquiridos quer em casa ou na escola.

Ainda hoje, a concepção de gramática predominante na maioria das práticas

escolares em nossas escolas é a da gramática tradicional apenas com alguns

termos substituídos. Outras finalidades como a de preservar a língua original de

determinadas comunidades fez com que a gramática assumisse uma feição mais

prescritiva e perdura até hoje.

Page 61: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

61

Os manuais de gramática passaram a ditar a língua, como se ela não

fosse anterior à gramática. Embora se saiba que a língua é extensa demais, seus

usos são complexos e plurais e não caberiam em nenhum manual, sempre

aventura-se pela consulta a eles.

Sendo a linguagem um patrimônio característico de toda a

humanidade, qualquer criança tendo acesso a ela, domina-a nos primeiros anos de

vida com todos os seus sistemas de princípios e regras que lhe permitem ativar ou

construir inteiramente a gramática de sua língua.

Segundo Antunes (2007, p. 36) “Qualquer pessoa que fala uma língua

fala essa língua porque sabe a sua gramática, mesmo que não tenha consciência

disso”, ela ilustra essa afirmação com o relato do fato:

Uma criança de dois anos e quatro meses, ao ser interrogada se queria falar pelo telefone com a avó, respondeu prontamente: -- Quero. Observemos que essa criança não disse “queremos”, “quis”, “querem”, nem outra coisa qualquer que não fizesse sentido nessa situação específica. Pelo contrário, usou o verbo nas flexões de tempo, modo, pessoa e número adequados, omitiu o pronome sujeito, omitiu o complemento do verbo, uma vez que esses elementos estavam contidos no contexto da interação. Certamente se a pergunta tivesse sido: -- Quem quer falar com a vovó? – o garoto não teria omitido o pronome e teria respondido: -- Eu quero! – ou, simplesmente: -- Eu.

Neste exemplo, ela demonstra como a gramática da língua, nesse

sentido de “gramática interiorizada” faz parte do conjunto de saberes que as

pessoas desenvolvem desde cedo.

Scherre (in ANTUNES, 2007, p. 27), afirma: ”com três anos de idade,

qualquer criança de qualquer parte do mundo se comunica com estruturas

lingüísticas complexas”. Toda língua em qualquer condição de uso é regulada por

uma gramática, afirmação que contradiz a idéia de que somente a norma culta

segue uma gramática.

Quando é exigido pelo professor o aprendizado puro e simplesmente

da gramática normativa, causa frustração de ambos os lados, no professor e no

aluno. O aprendiz por não conseguir dominar e usar todas as regras gramaticais

passa sua dificuldade para a disciplina achando-a muito difícil.

Embora haja outras disciplinas tanto ou até mais difíceis que gramática

(matemática e química para alguns, história para outros, etc.), nenhuma delas tem o

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62

alto índice de rejeição obtido pela gramática. Pode-se observar claramente que

alguns professores, alunos e pais de alunos defendem a supressão do ensino

gramatical e que há também os que radicalizam: uns consideram que a gramática

“não serve para nada”, enquanto outros afirmam que “sem gramática não é possível

aprender português”. Tudo isso reflete que há algo errado quanto ao ensino de

gramática. Existe neste aprendizado, sofrimento de alunos e professores, pois

ambos sentem-se frustrados. O primeiro por achar que não consegue ensinar e o

outro por não se sentir capacitado a aprender.

Se perguntarmos aos jovens que freqüentam o segundo grau e já

estão fazendo planos para o futuro qual faculdade pretendem cursar, com certeza,

alguns responderão que pretendem cursar direito, outros geologia, outros

engenharia, mas dificilmente encontraremos algum que pretende ser gramático.

Uma observação importante é de que ao aluno de matemática exige-se que tenha

pré-requisitos para uma determinada série, já um professor de português não pode

entrar na sala esperando que seus alunos dominem análise sintática, distingam as

classes gramaticais, embora este conteúdo faça parte do desenvolvido nas séries

anteriores, pois isto será motivo para decepção por parte do professor. Se os alunos

estudam o assunto há oito anos ou mais e não o sabem, conclui-se que alguma

coisa está errada.

É muita preocupante a maneira usada para ensinar-se a língua

materna. Considerando-se a língua um duplo sistema, sendo: um sistema de sinais

(vocábulos, expressões) e outro de combinação desses sinais ao que chamamos

“gramática”, notaremos que não há língua sem gramática, “Amar uma língua é amar

sua gramática” (LUFT, 2006, p. 11).

A obsessão gramaticalista, a idéia de que ensinar uma língua seja

ensinar a escrever “certo” relegando-se a prática da língua, e a postura opressora e

repressiva desse ensino origina o desânimo dos professores dessa matéria, pois o

malogro desse ensino é comprovado em concursos, em testes falados e escritos dos

nossos diplomados universitários.

Atualmente, no Brasil, o aluno passa 8 (oito) anos no Ensino

Fundamental, 3 (três) no Ensino Médio, freqüenta cursinho, cursa até quatro anos de

faculdade e se um especialista fizer uma pesquisa séria para saber o que este aluno

aprendeu em todos esses anos, ficará decepcionado. Nestes anos todos, o que o

aluno aprendeu na escola? Para Cagliari (2002), o aluno não aprende porque a

Page 63: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

63

escola não ensina e não sabe ensinar e os que aprendem o fazem, em grande parte,

apesar do que a escola ensina.

Luft (2006) observa: se perguntarmos a pessoas não especializadas

ainda que cultas: o que é gramática? Todas responderão “É um livro onde se

aprende a escrever certo” ou “são regras que ensinam a falar e a escrever

corretamente”. Na verdade, estes livros são tentativas de registros da autêntica

gramática, a vital, a verdadeira: conjunto de regras que sustentam o sistema de

qualquer língua, com ela nascem, evoluem e morrem. Não há língua sem gramática.

A preocupação é a maneira de se ensinar a língua materna, as noções falsas da

língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a postura opressora e repressiva,

alienada e alienante desse ensino, como, em geral, de todo o nosso ensino em

qualquer nível ou disciplina.

Antunes (2007) coloca como subtítulo de sua obra Muito além da

gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho e inicia seu livro com o

poema de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho”, devido ao modo

usado para ensinar-se gramática ser baseado na gramática tradicional, isso faz com

que os alunos a considerem uma verdadeira pedra no caminho.

É a concepção de gramática normativa, muito antiga, que ainda está

muito presente nas escolas. Neste caso, um bom gramático seria aquele que diz

como se deve escrever. Desta definição parte o conceito de mau e bom uso da

língua sendo que o “mau uso” da língua é formado pelo maior número de pessoas e

o “bom uso” corresponde à elite, à maneira de falar da parte mais sadia da corte e à

maneira de escrever de acordo com os escritores da época.

A compreensão deturpada que se tem da gramática da língua e de seu

estudo tem funcionado como um obstáculo à ampliação da competência dos alunos

para a fala, a escrita, a leitura e escrita de textos adequados e relevantes. Há um

grande equívoco em relação à dimensão da gramática de uma língua, em relação às

suas funções e às suas limitações. Com a finalidade de conservar o ensino de

gramática no currículo, muitos professores dizem e acreditam que a gramática leva o

aluno a ler e escrever melhor, ou seja, a um domínio adequado da linguagem padrão

escrita.

É bastante verossímil e, portanto, importante, citarmos os exemplos de

Cagliari (2002, p. 23, 24) sobre o que a escola ensina:

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64

O aluno passa anos e anos, diariamente, em aulas de português, e o que aprende? Sempre as mesmas coisas: o que significa a palavra... telúrico? Como se escrevem as palavras... exceção, extenso e estender? Qual o plural de... cidadão? a que categorias gramaticais pertencem as palavras...mal e mau? O que é substantivo... concreto, abstrato? Qual o coletivo de. lobo? Qual é o sujeito das orações... ”Caiu no jardim a bola”, “Há vidros na grama”? O que o autor quis dizer com a expressão... seu idiota? [...]

Após afirmar que é isso que acontece nas escolas e em muitos cursos

superiores de Letras, Cagliari (2002) faz uma comparação entre as perguntas

citadas e uns testes para motoristas de ônibus urbanos em que se perguntasse aos

candidatos se sabem distinguir uma rua de uma calçada. Os candidatos, com

certeza, achariam que era brincadeira ou então se sentiriam ofendidos.

Muitas vezes este tipo de avaliação não é usado para avaliar o

desenvolvimento intelectual do aluno, mas como um subterfúgio para lhe dizer que

nada sabe e os que sabem são os professores, o autor, a escola.

“O professor de português deve ensinar aos alunos o que é uma língua, quais as propriedades e usos que ela realmente tem, qual é o comportamento da sociedade e dos indivíduos em relação aos usos lingüísticos, nas mais variadas situações da vida”. (CAGLIARI, 2002, p. 28)

Infelizmente, as escolas têm se apegado às regras estabelecidas pela

gramática normativa e à metodologia que visa preparar o aluno para ser promovido

em concursos que só levam isso em consideração.

Na tentativa de saber o motivo pelo qual a gramática normativa tem

tanta força a ponto de se manter como padrão de ensino, e o porquê de um

preconceito lingüístico tão violento apesar dos vários trabalhos desenvolvidos em

lingüística, Britto (1997) afastou-se da sala de aula para que melhor pudesse

analisar esta questão. Nesta análise, descobriu vários fatores que sustentam a

tradição normativa e entre eles destaca: o ensimesmamento da escola que se define

da própria tradição escolar; a imprecisão quanto ao conceito de gramática como

expressão de norma, ou como um conhecimento lingüístico nato, ou como teorias

que se fazem sobre a língua no nível da frase; o vinculo entre norma culta e tradição

escrita; a confusão entre padrão lingüístico e norma canônica e a forte influência de

estância de poder que atuam como formadores de opinião sobre o senso comum

(mídia, vestibulares e os materiais didáticos).

A análise desenvolvida levou-o a concluir:

Page 65: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

65

__ A gramática, entendida como uma teoria sobre a língua, se limita historicamente ao nível da frase, não dando conta de muitas questões relativas à linguagem. A confusão entre preceptismo e descritivismo sempre esteve presente nos estudos de linguagem e na prática pedagógica e só passou a ser realmente questionada a partir do advento da lingüística moderna, o que no entanto ainda não foi suficiente para romper com o preconceito lingüístico. __ A chamada gramática tradicional estabelece, com base em critérios subjetivos, uma norma canônica que serve de referência de correção para textos escritos e fala de pessoas “cultas”. Isto faz com que se confunda “norma culta” com “padrão de escrita”, o que leva muitas pessoas a defender que é preciso ensinar a norma culta na escola. __ Do ponto de vista do uso real da linguagem, nem todas as formas são avaliadas da mesma maneira, de modo que há erros (erro aqui entendido como a realização de uma forma não admitida pela norma canônica) admissíveis __ aqueles próprios da classe média; e erros inadmissíveis __ aqueles identificados como próprios de segmentos sociais menos favorecidos (BRITTO, 1997, p. 13).

O pesquisador declara também que não faz sentido insistir que o

objetivo da escola é ensinar o chamado português padrão e afirma que “o papel da

escola deve ser o de garantir ao aluno a acesso à escrita e aos discursos que se

organizam a partir dela”.

Ainda, segundo Britto, a escola tem optado a um programa

enciclopédico e uma perspectiva conteudística, resultado do fascínio da informação.

Essa opção é sustentada por dois mitos: o da precocidade e o da

superespecialização.

O mito da precocidade traz a idéia da velocidade e competitividade, ou

seja, “quanto antes melhor”, presentes no orgulho de pais e professores com

crianças alfabetizadas aos cinco anos. Essa precocidade é interpretada como prova

de inteligência, essa criança é vista como mais capaz e mais inteligente que as

outras; a escola que começa mais cedo a ensinar o conteúdo é melhor que as

outras.

Apoiado no mito da precocidade, o mito da superespecialização

(quanto mais especializado melhor) invade as escolas em todos os graus. A partir do

terceiro ano as matérias são divididas e os professores passam a especializar-se

nos ensinos de português, ou de matemática, etc. Cada matéria acaba sendo um

mundo encerrado em si mesmo e jogando no aluno um excesso de informação. A

superespecialização camufla as deficiências do sistema educacional e transfere

suas dificuldades para a criança: é ela que não aprende, ela que tem problemas

fonatórios, problemas de adaptação, cabendo aos especialistas as soluções. É cada

Page 66: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

66

vez maior o número de crianças indicadas para acompanhamento especial de

psicólogo, fonoaudiólogo, psicopedagogo, etc. sendo em maior número nas escolas

de classe média.

Os mitos da precocidade e da superespecialização realimentam o

ensino informativo e reforçam o espírito competitivo e anticriativo. Para o senso

comum, o que é preciso aprender já está estabelecido pela ciência.

2.4 FALHAS NO ENSINO DA GRAMÁTICA

De acordo com Perini (2001, p. 49), o ensino escolar da gramática

apresenta três defeitos e estes o inutilizam como disciplina: objetivos mal colocados,

metodologia inadequada e a necessidade de organização lógica da matéria.

2.4.1 Considerações sobre os objetivos da disciplina de Português..

Os objetivos da disciplina estão mal colocados: há muitos professores

que, de fato, acreditam ser a gramática um dos principais instrumentos para levar o

aluno a ler e a escrever melhor, ou que através dela terão um domínio adequado da

língua padrão. Todas as evidências existentes sobre este assunto somente servem

para comprovar o contrário. Se é preciso saber gramática para escrever bem,

logicamente, quem escreve bem, sabe gramática.

Perini (2001), para exemplificar e obviamente comprovar que esta

afirmação não é verdadeira, cita Luís Fernando Veríssimo, afirma que ninguém

escreve melhor que ele, mesmo ele não sabendo praticamente nada de gramática,

ter sido um mau aluno, abandonado a escola e não ter cursado curso de letras.

Veríssimo não sabe nada de gramática porque ninguém sabe gramática, observa.

Este “não saber gramática” não impede que escrevamos razoavelmente bem ou

mesmo, como Veríssimo, muito bem.

Luft (2006) comenta que com a preocupação de que os professores

entendam que a língua deve ser vista, analisada e ensinada como entidade viva,

Page 67: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

67

Maria Glória Bordini (1982) publicou uma seleção de crônicas de Luis Fernando

Veríssimo com o título de “O gigolô das palavras” (L&PM Editores). Este livro de

Bordini recebeu muitos elogios, mas também uma critica desfavorável e preocupada

entre os estudiosos da língua mais conservadores.

A crônica “Gigolô” publicada no jornal “Zero Hora” de Porto Alegre

surgiu como resposta à pergunta feita durante uma entrevista (destas que muitos

professores mandam seus alunos fazerem com os autores):

— Considera o estudo de gramática indispensável para aprender a

nossa ou qualquer outra língua?

Veríssimo narra o fato e comenta-o na referida crônica:

O gigolô das palavras [...] Respondi que a linguagem, qualquer linguagem, é um meio de comunicação e que deve ser julgada exclusivamente como tal. Respeitada algumas regras básicas da gramática, para evitar os vexames mais gritantes, as outras são dispensáveis. A sintaxe é uma questão de uso, não de princípios. Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer “escrever claro” não é certo mas é claro, certo? O importante é comunicar. E quando possível surpreender, iluminar, divertir, comover... Mas aí entramos na área do talento, que também não tem nada a ver com Gramática. A Gramática é o esqueleto da língua. Só predomina nas línguas mortas, e aí é de interesse restrito a necrólogos e professores de Latim, gente em geral pouco comunicativa. [...] E adverti que minha implicância com a Gramática na certa se devia a minha pouca intimidade com ela. Sempre fui péssimo em Português. Mas __ isto eu disse __ vejam vocês, a intimidade com a Gramática é tão dispensável que eu ganho a vida escrevendo, apesar da minha total inocência na matéria. [...] A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda. (VERÍSSIMO, Luís Fernando, apud LUFT, 2006, p. 14).

Nessa ocasião, Luft considerou que o cronista tinha suas idéias

afinadas com as dele, as quais eram trabalhadas em suas salas de aulas na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Considerando as afirmações de Luft concluímos que essa crônica

mostra-nos que:

- o mais importante em uma língua é a comunicação e não como

pensam alguns estudiosos que transformam a língua em gramática;

- as redações dos alunos deveriam ser julgadas tendo como objetivo a

comunicação e não as regras normativas da gramática;

- qualquer ato de comunicação obedece a regras, mas estas são

naturais, da gramática natural, interior, dos falantes. Todas as regras que não

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68

contribuem para que haja uma comunicação eficiente dão ao aluno a idéia de que

“aula de Português é uma chateação”, não serve para nada;

- a língua é sempre uma questão de uso, somente o costume pode

determinar o que é certo ou errado e não gramáticos em evidência;

- a norma de uma língua é determinada pelo costume, não por outros

critérios como origem, lógica, autoridade.

- o “uso” brasileiro consagrou um novo princípio, uma nova regra, um

princípio usual contra um princípio lógico;

- todos nós falamos com a intenção de comunicarmos algo, o

importante é que isto seja feito com a maior clareza possível;

- é indispensável aprendermos a língua que contém a gramática e não

estudar gramática simplesmente. O importante é estudar, praticar, desenvolver a

língua, não regras de gramática;

- o talento não está ligado ao domínio da gramática, pois raros são os

escritores familiarizados com regras de Gramática e raros são os familiarizados com

a Gramática que sejam escritores;

- um ensino gramaticalista abafa os talentos naturais, torna-os

inseguros quanto à linguagem, gera aversão ao estudo do idioma e medo à

liberdade de expressão.

Muitos professores confundem estudar a língua com estudar

Gramática, expressão escrita com “fazer redação” tornando assim espinhoso o

caminho do ensino da língua materna. Ao começar os estudos a criança é levada a

lidar com a língua, a ler e contar histórias oralmente ou escritas (textos

espontâneos). Mais tarde, seus escritos ficam cheios de correções, sua linguagem é

censurada e submetida a normas gramaticais e como conseqüência ela perde a

espontaneidade, fica tolhida, murcha. As correções baseadas na gramática

normativa, e geralmente em vermelho, tolhem o aluno, deixa-o frustrado,

desencanta-o, ele perde o prazer de escrever e, muitas vezes, sente-se incapaz da

mais simples produção.

Segundo Cagliari (2002) “é preciso não corrigir demais as crianças:

deve-se dar tempo para que aprendam e incentivar a autocorreção, a autocrítica”.

É muito importante ao ensino da língua materna que no seu

desenvolver, isso desde o início, o aluno aprenda a lidar com a língua com os

poderes de expressão, que possa expandir-se através de sua criatividade lingüística,

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69

que a meta a ser atingida seja o desenvolvimento e o aperfeiçoamento crescente da

sua gramática de comunicação.

Não foi Veríssimo o primeiro escritor a confessar sua pouca

familiaridade com a Gramática. Entre vários casos, o narrado por Medeiros e

Albuquerque (Quando eu era vivo, RJ, Record, 1981, apud LUFT , 2006, p. 23):

Era eu diretor de instrução e queria imprimir ao estudo de Português da Escola Normal, um cunho essencialmente prático. Tendo, por outro lado de aproveitar Valentim Magalhães, mandei convidá-lo. À queima-roupa desfechei-lhe esta pergunta: __ Você sabe gramática? Valentim empertigou-se, um pouco formalizado. Expliquei então o que eu queria dizer: que ele, decerto, não conhecia toda a rebarbativa e complicada tecnologia gramatical. Confessou-me que tal era a sua situação. __ Nesse caso __ disse-lhe eu __ aceite a cadeira de Português dos dois primeiros anos da Escola Normal. Valentim julgou que eu gracejava. Expliquei-lhe que não. Precisava de um professor que soubesse escrever e ensinasse a escrever, mas que não ensinasse gramática ora, por comodidade, todos os professores faziam descambar o ensino para a aprendizagem de gramática [grifos meus]. Ele que não a conhecia, não podia fazer isso. E nomeei-o. À tarde, na Rua do Ouvidor, encontrando Machado de Assis, contei-lhe o fato. Machado exclamou sorrindo: “Por que V. não me nomeou? Eu servia perfeitamente”. E referiu-me que abrira, dias antes, a gramática de um sobrinho, e ficara assombrado da própria ignorância: não entendera nada!

Podemos concluir após a leitura desse texto que se Machado, um

clássico da nossa língua, não entendera nada de gramática, então, o nosso

professor de português, que sabe tudo ou quase tudo de gramática, com certeza,

escreverá textos melhores que os de Machado. Que engano! Muitos dos nossos

professores só entendem de regras, nomenclaturas, quase nunca escrevem e

quando o fazem, geralmente, por não possuírem desenvoltura necessária para o uso

da língua, não o fazem bem. Isso acontece normalmente com professores que se

esquecem que ensinar a língua é fazer falar e escrever com clareza e eficiência.

Outro escritor com dificuldades em gramática: Monteiro Lobato, foi

reprovado em Português! Há muitos escritores que mandam seus textos para a

redação cheios de erros, segundo os puristas. Existe, portanto a profissão de revisor

exercida pelos que em suas aulas aprenderam que saber Português é colocar

acentos, vírgulas, crases, fazer corretamente as concordâncias, etc.

Luft (2006) declara que sua experiência como professor ensinou-o que

os alunos mais talentosos em linguagem, futuros escritores, são os mais avessos às

aulas de gramática.

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70

Tudo isso acontece porque muitos professores desvirtuam o verdadeiro

objetiva do ensino da língua materna que é desenvolver no aluno a capacidade de

escrever com precisão e clareza e que para isso ele não pode desvalorizar a

gramática interiorizada que o aluno traz para a escola. O professor precisa entender

que a sua função é fazer com que o aluno some conhecimentos e não que anule o

que já sabe considerando o famoso “certo e errado".

Considerando-se a língua uma realidade essencialmente variável, não

há formas nem expressões intrinsecamente erradas. Na escola onde o aluno deverá

aprender uma variante que não domina, ocorrem dois tipos de “erros escolares”: o

aluno usa a linguagem não padrão em situações em que a padrão é exigida.

Considera esses usos inadequados, marcas de incompetência ou “burrice”, produz

como único resultado a resistência que assume como real o papel que lhe é

atribuído por preconceito. O segundo tipo de “erro escolar” decorre do fato de o

aluno estar aprendendo uma variante nova. Como uma variante nova só se aprende

pela formulação de hipóteses pode ser que uma delas formuladas pelos alunos

sejam inadequadas. Por mais distante que a linguagem do aluno esteja da padrão,

ela é complexa, articulada sem ser um falar rudimentar e pobre. Se a escola

desconsiderar essa riqueza lingüística que a criança sempre traz, estará pecando

pela base (ILARI / POSSENTI, 1985).

2.4.2 Metodologia inadequada

Segundo Perini (2001, p. 51), a metodologia é inadequada, em vez de

metodologia deveria falar de “atitude diante da matéria”. Comparando o ensino de

gramática com o de outras disciplinas ele demonstra a coerência de sua afirmação:

um professor de história poderá explicar a um aluno como ficou sabendo o conteúdo

que ensina, ou seja, em documentos da época dita, em escavações arqueológicas,

etc. Mas, em gramática, é diferente. O professor diz que o futuro do subjuntivo do

verbo ver é quando eu vir, etc. assim “devemos” (ou deveríamos) dizer quando eu te

vir amanhã... O aluno sabe que ninguém fala assim, o que o professor está

ensinando não bate com a realidade, pois todos dizemos: quando eu te ver. A única

resposta a uma indagação do aluno sobre a forma quando eu vir será é assim que é

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71

certo. Essa resposta não tem fundamento racional, trata-se somente de uma ordem:

faça assim. É essa situação que Perini tinha em mente quando afirmou que a atitude

diante da matéria, é inadequada.

Também encontramos em Antunes (2007, p. 39-40) um exemplo de

uso de metodologia inadequada no ensino de línguas descrito por Cecília Meireles

em uma crônica. Nela Cecília descreve toda a sua ansiedade por entrar em um

curso de inglês, para logo poder ler as obras de poetas ingleses a que ela tivera

acesso. Esta ansiedade foi duplamente frustrada quando, por duas vezes

sucessivas, o que encontrou foram professoras solícitas em ensinar o verbo to be. O

acesso à língua para ler os poemas foi adiado.

Deste exemplo podemos concluir que para aprender-se uma língua, as

regras de gramática não são suficientes para que haja comunicação; elas são

necessárias, importantes, mas não suficientes.

É bem conhecida a rejeição pela gramática até de professores e

educadores. Isso acontece porque a renovação de uma concepção de gramática

não é feita de um momento para o outro. A rejeição pode ser conseqüência da

renovação ou inconseqüência de uma prática dos mesmos exercícios antigos sob

outras capas.

Não podemos ignorar sobre este assunto a opinião de Rubem Alves

(1999): educador, escritor e psicanalista, professor emérito da Universidade

Estadual de Campinas, um crítico do sistema de ensino brasileiro. Sua opinião,

exposta em uma entrevista concedida à revista Época (1999) é que: o problema da

escola é que ela não leva em consideração o desejo de aprender das crianças e

está respondendo às perguntas que somente os adultos acham importantes.

Crianças fazem perguntas incríveis, mas essa curiosidade investigativa, que leva o

aluno a estudar, está longe dos programas escolares. Ele declara que não é de hoje

que a escola é “chata”, que sempre foi assim e isso acontece porque as coisas são

impostas às crianças. Completa: é evidente que as crianças gostam da escola por

causa da sociabilidade, dos amigos, do recreio. Rubem pergunta: -- Você acha que

um adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos? – e responde:

Nenhum. Explica que na escola a criança está vivenciando problemas que não tem

nada a ver com os assuntos das aulas e que os professores se justificam dizendo

que o programa afirma que é aquilo que deve ser ensinado.

Page 72: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

72

Perante tal afirmativa há necessidade de que nos remetamos a

trabalhos que antecedem esta crônica, já citados nesta pesquisa, como o de Carlos

Franchi (1988), Sírio Possenti (1996). Estes trabalhos foram publicados nas

Propostas Curriculares para o ensino de Língua Portuguesa do Centro de Estudos e

Normas Pedagógicas do estado de São Paulo. Em 1993 o trabalho Repensando o

ensino-aprendizagem da gramática no 1º grau desenvolvido por Zuleica de Felice

Murrie já demonstrava uma grande preocupação a esse respeito e destacava a

importância de se repensar o processo de ensino de gramática com finalidade de

levar o aluno a interagir com a linguagem criando descrições coincidentes ou não

com a gramática tradicional. Para isso propõe a reflexão sobre os fatos da língua

oral e escrita, através da intuição de falante nativo, observando e descrevendo

ocorrências gramaticais. Em 1998, o MEC distribuiu para todo o Brasil, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). O PCN de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª

série, à página 28, cita em “Reflexão gramatical na prática pedagógica” a

inexistência de justificativa para tratar o ensino gramatical desarticulado das práticas

de linguagem e que quando a gramática é ensinada de forma descontextualizada

torna-se emblemática de um conteúdo estritamente escolar, do tipo que só serve

para ir bem nas provas e passar de ano. Trata-se de uma prática pedagógica que

vai da metalingua para a língua por meio de exemplificação, exercícios de

reconhecimento e memorização de terminologia.

Certamente, a professora citada “mascarou” o dito, fingiu obedecer,

usou uma prática pedagógica não recomendada por especialistas da época. O

ensino de gramática sugerido na Proposta Curricular é um complemento às ações

de aprendizagem da língua. Através de atividades de linguagem como falar, ouvir,

ler, escrever, o aluno adquire mecanismos de articulação da língua e esses

conhecimentos lingüísticos não devem nunca ser esquecidos pelo professor.

Há uma grande preocupação por parte dos estudiosos dos problemas

existentes no ensino da Língua Portuguesa e recebe uma atenção especial por parte

deles o ensino da gramática, muitas vezes ensinada fora do texto como principal

parte da língua.

Desde os anos 70, os estudos de lingüística começaram a visitar o

ensino da língua materna e esses estudos começam a pressionar a escola rumo a

mudanças significativas, nem sempre devidamente compreendidas ou aplicadas. Os

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73

postulados ficam no campo meramente teórico, sem deixar transparecer sua prática,

a fim de possibilitar um ensino de língua em qualquer nível de escolarização.

2.4.3 Ausência de organização lógica.

Perini (2001, p. 52) observa: a matéria carece de organização lógica.

Ele explica que não está dizendo que a gramática não tem lógica, que fala da

matéria que se ensina na escola com o nome de “gramática” e não da gramática

enquanto disciplina racional. Comprova esta afirmação usando exemplos da

gramática de Celso Cunha e Cintra, mas completa declarando que poderia usar

qualquer das gramáticas atualmente utilizadas nas escolas, pois todas apresentam

os mesmos defeitos. Considera os autores de gramáticas vítimas de uma tradição.

Exemplifica o dito anteriormente com a definição de sujeito:

Sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração. (p. 119)

A própria gramática não respeita essa definição, pois à pagina 125

dizem:

Algumas vezes o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou

por se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu

desenvolvimento. Dizemos então que o sujeito é indeterminado.

Se o sujeito é o ser sobre o qual se faz uma declaração, nada tem a

ver com quem pratica a ação. No caso, teríamos sujeito indeterminado quando não

se sabe, ou não se quer dizer, sobre quem se faz a declaração. Os gramáticos não

se atêm a esse detalhe e pulam para outra concepção de sujeito.

Na página 122, encontra-se a frase:

Quem disse isso?

Nesta frase o pronome quem vem marcado como sujeito. Essa

pergunta não contém uma declaração, portanto não deveria ter sujeito. O autor

desrespeita a própria definição.

À pagina 126, encontramos a frase:

Na sala havia ainda três quadros do pintor.

Essa frase é classificada como sem sujeito. Essa frase contém uma

declaração sobre nada ou sobre a sala e também sobre seus quadros. Se ela não

Page 74: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

74

tem sujeito, será que há outros termos na oração sobre os quais se faz uma

declaração?

A esta altura existe uma impossibilidade de se usar a gramática para

aprender-se sobre a estrutura da língua, pois: o que é realmente o sujeito? O

problema das gramáticas escolares, não só neste ponto, é que não são organizadas

de maneira lógica. Isto faz com que ninguém tenha segurança nessa matéria e

ninguém goste dela.

Perini (2001, p. 54) indigna-se ao ver a que ponto o ensino da língua

portuguesa chegou e apela ”dada a necessidade urgente de resgatá-la do poço, nós,

que somos os amigos, precisamos nos conscientizar dos problemas da gramática,

antes que os inimigos o façam”.

Em momento algum se propõe um roteiro metodológico podendo

somente ser executados por pessoas altamente especializados. Sua execução

depende apenas do bom senso, um pouco de capacidade de observação e

disposição para abrir mão de atitudes puristas em relação à língua. Se os

professores observassem sua própria linguagem em situações diversas perceberia o

quanto ela varia. Isto não é sinônimo de incompetência profissional, isso indica que

são falantes normais capazes de se adaptarem às circunstancias, É importantíssimo

que o professor se conscientize de que o material prioritário de trabalho é a

produção lingüística do aluno. O objetivo é fazer com que o ensino de português

deixe de ser visto como a transmissão de conteúdos prontos e passe a ser uma

tarefa de construção de conhecimentos.

Segundo Cagliari (2002, p. 34), há muitas considerações baseadas em

palavreados de cunho pedagógico, psicológico ou mesmo metodológico que soam

como palavras bonitas e sensatas, mas inadequadas ao ensino de língua

portuguesa, pois não consideram o seu funcionamento e seus usos. Ele completa

esta afirmação observando que sem uma base lingüística verdadeira, as pessoas

que ensinam português ou acatam velhas tradições ou apóiam-se em concepções

inadequadas de linguagem.

“A Língua Portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado

somente em relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades

falantes, não existe o certo e o errado linguisticamente, mas o diferente”.

(CAGLIARI, 2002). Ele exemplifica: se um falante da língua portuguesa diz “Carta eu

longa escrevi uma” em vez de “Eu escrevi uma longa carta” é um erro porque o

Page 75: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

75

sistema da língua não permite que as palavras fiquem nessa ordem. Também há

erro lingüístico quando em vez de cavalo alguém diz panela. São erros porque vão

contra o sistema, a estrutura da própria língua. Esses erros não são comuns aos

falantes nativos. Se o português, como qualquer língua, é um fenômeno dinâmico

que evolui com o tempo, então, pelo uso diferente no tempo e nos diversos grupos

sociais a língua começa a existir como um conjunto de falares diferente.

Para a escola a variação lingüística é vista como uma questão

gramatical de certo ou errado. O diferente não tem lugar em sua avaliação, a escola

não entende esses fatos corretamente e por isso comete grandes injustiças com os

alunos.

Precisamos reconhecer que estudar gramática não é um dos meios de

se chegar a ler e escrever melhor. A gente aprende a escrever escrevendo, lendo,

relatando e reescrevendo.

Assim como a biologia revela alguns aspectos da estrutura e do

funcionamento dos seres vivos, a geografia leva o aluno a conhecer o planeta onde

vive, a gramática traz conhecimentos de linguagem, esse maravilhoso e complexo

mecanismo que lhe permite comunicar-se com seus semelhantes. Deve-se estudar

gramática para saber mais sobre o mundo e não para solucionar problemas práticos

como ler e escrever. É assim que Perini sugere que seja reformulado o objetivo da

gramática na escola.

Para que se possa alcançar novos objetivos propostos, necessitamos

de melhores gramáticas atualizadas com o saber lingüístico das pessoas e não

imposições, normas, regras ou receitas de como deveríamos falar ou escrever.

Segundo Luft (2006, p. 32), “os gramáticos devem observar e registrar

os fatos da língua e deles depreenderem as regras que os explicam, regras que

geraram os fatos (como diria um lingüista moderno)”.

Muitos professores atribuíram à intromissão da lingüística na sala de

aula, os fracassos atuais, isso porque eles ignoram que a lingüística não é um

método de ensino e que seu objetivo é o estudo da linguagem. Deve-se considerar,

por exemplo, que a teoria chomskiana representa um enorme avanço nos estudos

de linguagem, mas não foi feita para ensinar português na escola.

O professor competente, conhecedor do trabalho que realiza, deve

conhecer as teorias e conscientizar-se de que elas não são uma metodologia de

ensino. Já, os professores que foram aplicando as ultimas novidades da Lingüística

Page 76: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

76

sem, no entanto, adequá-las ao ensino, procederam de maneira irresponsável e

leviana (cf. CAGLIARI, 2002, p. 41).

O uso da lingüística no ensino de português tem que ser planejado em

conjunto por lingüistas e professores de português, com a colaboração de

pedagogos, psicólogos, cada um na sua função. Ao lingüista caberá o conteúdo e as

técnicas de investigação; aos professores e demais colaboradores do processo

escolar, a dosagem do ensino, sua programação na seqüência conveniente e

motivações para o aluno estudar português.

Page 77: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

77

3 CONCEPÇÕES DE ENSINO E MODOS DE ATUAÇÃO DO DOCE NTE

“A liberdade não tem qualquer valor se não inclui a liberdade de errar”. (Mahatma Gandhi)

Com o intuito de investigar o pensamento do professor sobre as

práticas pedagógicas que ele adota e, de fato, o seu modo de atuar em sala de aula,

elaboramos um questionário a ser respondido por professores e alunos da Rede

pública e privada. Buscamos descobrir através dos enunciados de suas respostas, a

sua concepção sobre o trabalho, seus conhecimentos quanto às prescrições

reguladoras de sua atividade e o que realmente consegue fazer a serviço da

linguagem. Por ser o trabalho do professor alvo de muitas críticas quanto ao ensino

da Gramática achamos por bem desenvolver essa pesquisa com objetivo de verificar

aproximações e distanciamentos entre o trabalho prescrito, realizado e

representado. Nosso objetivo é verificar o conhecimento que o professor tem do que

é prescrito para o seu trabalho, o que ele consegue realizar e o que ele expressa

sobre sua atividade funcional. Além disso, procuramos averiguar se, de fato, os

objetivos propostos por eles são alcançados e até onde os professores conseguem

atingir os alunos através de seu ensino.

A nossa pesquisa foi feita através de um questionário cujas perguntas

foram direcionadas ao ensino/aprendizagem de português, especificamente ao

ensino/aprendizagem de gramática nas salas de 5ª a 8ª séries ou de 6º a 9º anos.

Ela foi desenvolvida com professores e com alunos que freqüentam as referidas

séries em uma escola pública e uma escola particular do município de Sertãozinho –

SP. Alguns professores são destas escolas, outros já pertencem ao quadro docente

de outras escolas devido serem poucos os professores de português em cada

unidade de ensino; isso acontece porque as escolas são pequenas e têm somente

um ou dois professores de português que ministram todas as aulas. Esse é motivo

pelo qual só foram entrevistados 10 professores.

A quantidade de alunos entrevistados foi aleatória, pois responderam

às perguntas somente os alunos que quiseram:

Page 78: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

78

5ª série ou 6º ano ______________ 15 alunos

6ª série ou 7º ano ______________ 18 alunos

7ª série ou 8º ano ______________ 18 alunos

8ª série ou 9º ano ______________ 15 alunos

Total de alunos entrevistados ______ 66 alunos

Ambos os questionários, tanto o dirigido aos professores, como o

dirigido aos alunos, foram formulados com perguntas simples pretendendo com isso

respostas simples e objetivas.

3.1 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES:

Conteúdo:

A entrevista direcionada aos professores, primeiramente, constou de

dados para identificação como o nome do professor, escola em que atua e a data.

As questões para serem respondidas foram as seguintes:

1) Para você, o que significa ensinar português?

2) Que importância você atribui ao ensino de gramática?

3) Para você, a gramática auxilia o texto ou o texto é base para o ensino

de gramática?

4) Você acha que o uso do livro didático é necessário?

5) Qual livro didático você indicaria para a aprendizagem de gramática?

Por quê?

Objetivos:

As questões que propusemos aos professores tiveram como objetivo

sondar a concepção que o professor de Português tem sobre o significado do ensino

que ele conduz, conhecer o seu pensamento a respeito do papel da gramática em

relação ao texto que o aluno produz e saber da importância do livro didático no

ensino de língua portuguesa. Com estas indagações esperamos levar o professor a

demonstrar o que realmente pensa, o que faz no seu dia-a-dia, como ele age dentro

da sala de aula, o que ele entende por “ensino de português”, onde ele coloca

verdadeiramente o ensino de gramática, se é professor bitolado pelo livro didático.

Page 79: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

79

Declarando sua preferência por determinado autor também poderemos saber o tipo

de gramática que ensina em sua aula e como o faz.

Condições de produção das respostas ao questionário:

O questionário foi entregue e a proposta foi que os professores

respondessem às perguntas ao mesmo tempo em que os alunos, em sala de aula.

Somente dois dos professores encontravam-se em local não definido, pois levaram-

no e o entregaram em outro dia.

As respostas dadas para cada uma das perguntas foram as seguintes:

Pergunta 1;

Para você, o que significa ensinar Português?

1) Significa dar vida às palavras e aos textos. É transpor as barreiras do

outro e mergulhar na riqueza do diálogo.

2) A língua portuguesa, como língua materna, deve-se ter em mente o

amor e “passar” isto para os alunos. Tanto a gramática, tanto textos para

interpretação, como a técnica de redação.

3) Significa ensinar a língua materna e a partir daí, proporcionar aos

alunos uma inserção no mercado de trabalho e como se comportar nas

mais variadas situações diárias.

4) Para mim, ensinar Português significa ampliar o conhecimento sobre a

nossa língua incentivando os alunos a aprimorarem a bagagem que já

trazem de seu convívio familiar desde o nascimento.

5) Ensinar Português é algo como esclarecer um significado obscuro, é

mostrar a luz do entendimento, da compreensão de tudo o que o mundo

pode nos mostrar.

6) Eu acredito que como professora de Português, a minha função é

sempre oferecer estímulos (livros e filmes) para aprimorar a imaginação

(poder de criação) orientando como montar sua produção oral ou escrita

usando as regras gramaticais.

7) Melhorar o uso da língua já falada pelos alunos que chegam ao

colégio.

Page 80: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

80

8) Ensinar Português é um processo que alia a estrutura da língua à

semântica e o que isso implica para a reflexão sobre a língua.

9) Para mim, ensinar a Língua Portuguesa é a base de tudo, pois é

fundamental, já que somos “obrigados” até mesmo a aprender outras

línguas... Então, temos que dominar muito bem a nossa!

10) Ensinar Português é de fundamental importância, pois a língua é um

dos veículos de sustentação da personalidade da pátria.

Observações:

Percebe-se pelos textos das respostas que o professor sente-se

desafiado a dar uma resposta que ele sabe que é esperada por estudiosos do

assunto e pela pesquisadora. É notória uma grande preocupação por parte dos

professores em “melhorar” o uso da língua, na “correção” da linguagem trazida pelos

alunos do seu meio familiar ou social. Pode-se observar que essa preocupação

direciona-se também à linguagem escrita e à metalinguagem. Houve, por parte

deles, uma ligação entre a vida, o dia-a-dia e o aprendizado, direcionando o ensino

da língua diretamente ligado à inserção dos alunos no mercado de trabalho e à

comunicação.

Pergunta 2

Que importância você atribui ao ensino de gramática ?

1) O indivíduo falante de uma língua já traz parte da gramática

sistematizada. Mas, é muito importante que o educador abra os horizontes

diferentes dessa gramática, ensinando-a com sentido ao educando.

Acredito ser impossível ensinar uma língua sem valorizá-la, pois ela é

parte da Língua.

2) A gramática é uma parte de um todo, constitui-se de modo primordial

no ensino de língua portuguesa. A gramática é essencial, incluindo a

linguagem da norma culta e a popular.

3) A gramática é importante porque é a própria língua. Não devemos é

ficar só em nomenclaturas e mostrar a língua em um modo real e seus

problemas.

Page 81: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

81

4) A gramática é hoje colocada em segundo plano mas através dela é que

reestruturamos todos os conhecimentos previamente adquiridos para

podermos ler. Escrever e compreender melhor tudo o que nos é oferecido

pala sociedade.

5) A gramática é de fundamental importância para uma boa escrita

proporcionando assim um bom entendimento do texto.

6) Através do conhecimento da gramática as pessoas podem ter uma

leitura mais aprimorada de diversos textos.

7) É um diferencial do conhecimento, ajuda o aluno a participar

ativamente da sociedade.

8) A importância do ensino da gramática é que ela é um meio de auxilio

estrutural que nos faz refletir as intenções da nossa língua materna.

9) A gramática é muito importante, pois toda língua possui suas regras,

suas normas. Conjugar um verbo de forma correta, escrever corretamente,

tudo isso já ajuda no processo de comunicação de um indivíduo, no seu

uso pessoal, pois saberá se expressar melhor.

10) Sem o domínio da Gramática, é impossível escrever, interpretar, falar,

enfim, comunicar-se bem.

Observações:

Muitos professores consideram a gramática como a própria língua e

colocam-na em primeiro plano. Eles demonstram suas crenças na impossibilidade

de “falar-se bem” e “escrever bem” sem ter um vasto conhecimento das regras

gramaticais. Há, sim, os que consideram a gramática como auxiliar para o domínio

da língua, mas estes são uma minoria. Está bastante presente a tendência para a

gramática normativa (língua padrão), mesmo sabendo que os PCNs (1998) criticam

o uso do texto para ensinar valores morais ou como pretexto para o tratamento de

aspectos gramaticais e a apresentação de uma teoria gramatical inconsistente.

Pergunta 3:

Para você, Gramática auxilia o texto ou o texto é b ase para o

ensino de Gramática?

Page 82: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

82

1) Não faço tal separação. A gramática auxilia dando base para o

entendimento do texto e o texto exemplifica cada função. Entretanto, não

devemos usar um texto só para fins gramaticais, pois um texto é muito

mais que formas fixas de palavras e funções gramaticais.

2) Tanto a gramática e o texto estão ligados, uma dependência entre eles

para um bom entendimento/compreensão.

3) Os dois pontos são importantes, mas é no texto que os principais

problemas surgem. Você tem que ter a teoria para saber como aplicá-la.

4) As duas coisas, uma ampara a outra. A gramática ajuda na melhor

construção do texto e o texto contribui para uma melhor aprendizagem da

gramática.

5) O texto é base para o ensino da gramática.

6) O texto é a base para o ensino da gramática.

7) Um completa o outro.

8) O texto é a base para ensino da gramática, pois só assim será possível

refletir o porquê das escolas lingüísticas, enfim entendem o porquê das

escolhas gramaticais em determinados contextos.

9) Na verdade, um depende do outro. Ler somente um texto, sem ter

noção de que o autor escolheu antes todo um campo lexical, que nada

escrito ali é por acaso, não tem graça. Mas quando observamos tudo isso,

percebemos que a gramática também tem a sua beleza e aprendemos

mais.

10)Só se escreve bem se houver domínio da gramática. Portanto, a

Gramática auxilia o texto. É claro que para se conhecer bem gramática,

tem que se conhecer os textos dos grandes mestres. Portanto, um auxilia

o outro.

Observações:

Na opinião destes professores há uma dependência entre o texto e a

gramática. Alguns deles priorizam o valor do texto para o ensino da gramática e

outros acreditam que somente sabendo gramática pode-se escrever bons textos.

Segundo os PCNs espera-se que o aluno amplie progressivamente, o conjunto de

conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos

Page 83: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

83

sentidos. Esse objetivo será mais facilmente alcançado priorizando o texto que é a

resposta de alguns professores.

Pergunta 4:

Você acha que o uso de um livro didático é necessár io?

1) O livro didático é um complemento direcionado para a fixação dos

conteúdos explicados. O mesmo deve funcionar como um instrumento a

mais e não como o único a ser utilizado pelos alunos.

2) Um bom livro didático auxilia nas aulas de Português. Tanto em

gramática, com exercícios de fixação, para que os alunos façam

exercícios em casa; quanto em textos, para que os alunos façam varias

leituras para compreensão e interpretação. Mas sempre é bom usar

outros recursos, como jornal, revista, outros livros didáticos, paradidáticos,

etc.

3) É necessário, mas não é o mais importante. O mais importante é você

mostrar a língua em funcionamento e nem sempre isso está nos livros

didáticos.

4) Ele deve ser considerado um apoio mas se trouxer diversidade de

textos e explicações claras e fáceis auxilia muito no trabalho do dia-a-dia

e na compreensão do conteúdo.

5) Só para apoio de leitura e conhecimento de textos diversos.

6) Sim para a realidade das salas de aulas com 40 alunos.

7) É importante, direciona o trabalho do professor.

8) Sim, ele é fundamental para pesquisas teóricas.

9) Até certo ponto sim, mas não podemos nos prender somente a ele,

tentando sempre trazer coisas novas, recortes de jornal, musica, etc.

10)Sim, o livro didático é um poderoso aliado do estudioso da língua.

Deve ser visto como material de apoio do professor e guia para o aluno.

Observações:

Foram unânimes em aprovar o uso do livro didático quer como apoio,

como auxiliar ou mesmo como base de direcionamento do trabalho. Destacaram a

Page 84: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

84

necessidade e a importância de outras leituras como jornais, revistas para

complementação do livro.

Pergunta 5:

Qual livro didático você indicaria para a aprendiza gem de

Gramática? Por quê?

1) Gosto de vários. Um dos meus preferidos é a gramática do William

Roberto Cereja. É uma gramática dinâmica com textos interessantes.

2) Para o ensino de gramática do autor Cereja, mas há outros muito bons,

seria melhor ainda se o professor utilizasse vários, para que o aluno

usufruísse de varias formas e maneiras de teorias e exercícios de fixação.

3) O livro mais próximo de como se ensinar português é o autor William

Cereja, mas não me lembro o título, porque é um livro que mostra a

gramática em uma visão mais atual, que não seja aquela tradicional

normativa.

4) Acho que a escolha é particular de cada profissional mas, muitas

vezes, ele (o professor) acaba tendo que se adequar àquilo (material) que

lhe é oferecido.

5) Gramáticos como Bertolim e Siqueira tornam a gramática mais fácil de

ser entendida através de exercícios práticos e fáceis.

6) Este ano adotamos o livro “Projeto Arariba” Português e os testes que

fiz foram bem satisfatórios. Porque as atividades são baseadas em textos

curtos que levam o aluno primeiro a uma interpretação e depois os ligam

as regras gramaticais.

7) “Gramática – Texto, Reflexão e uso” A gramática é apresentada a partir

de textos.

8) Gramática Reflexiva – Tereza Cochar Magalhães e Willian Roberto

Cereja. “todos deles”.

9) Eu indicaria a “Gramática Reflexiva”, pois ela trabalha o texto junto com

a gramática, desenvolvendo no indivíduo realmente uma reflexão, não

trazendo nada “mastigado”.

10) Como há tempos não trabalho com livro didático (apenas com

apostila), não conheço os atuais. Eu já usei muito o “Cegalla”.

Page 85: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

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Observações:

Citaram o livro didático “Gramática – Texto, Reflexão e uso” e a

“Gramática Reflexiva” de Tereza Cochar Magalhães e William Roberto Cereja pelo

fato de ter texto e gramática juntos, pela apresentação da gramática através do texto

e ainda por levar o aluno a uma reflexão. Embora os professores prefiram esses

livros, usam os indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

3.2 ENTREVISTAS COM OS ALUNOS:

Tal como as entrevistas dos professores, primeiramente, estas também

constaram de dados para identificação dos alunos e das escolas e para que eles

tivessem maior liberdade nas suas respostas, foi-lhes dito que não precisariam

assinar os seus nomes.

As questões direcionadas aos alunos foram:

1) Você tem aulas especificas de gramática?

2) Você gosta de aulas de gramática?

3) Como são as aulas de gramática a que você assiste?

4) Você sente dificuldade para aprender algum conteúdo de Gramática?

Qual ou quais?

5) Você sabe por que e para que aprende gramática?

6) Onde você aplica seus conhecimentos gramaticais?

Objetivos:

Através das respostas dos alunos poderemos saber se os objetivos

dos professores foram alcançados, se eles conseguiram dos alunos o que

almejavam. Poderemos também diagnosticar se as aulas de português estão

conscientizando os alunos do que, de fato, é importante no falar, no escrever, no ler,

ou seja, na comunicação.

Condição de Produção das Respostas:

Page 86: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

86

As questões foram entregues aos alunos nas escolas durante o

período de aulas. Muitas salas estavam com aulas de português, então, os

professores e os alunos responderam ao mesmo tempo. Após responderem e

entregarem as folhas, essas não foram lidas por nenhuma pessoa ligada à escola,

conforme foi dito aos alunos que seria feito.

Pergunta 1

Você tem aulas especificas de Gramática?

5ª série ou 6º ano à 8ª série ou 9º ano

A resposta “sim” foi quase unânime. Somente 5 dos 66 alunos

entrevistados responderam que tinham aulas de Português e que nestas aulas

estudavam Gramática, a tradicional ou normativa.

Observações:

Os alunos responderam que tinham aulas especificas de gramática

devido os professores esclarecerem a eles, no momento que respondiam as

questões, que as aulas nas quais se estudava somente gramática são especificas

embora não façam parte do currículo.

Pergunta 2

Você gosta de aulas de gramática?

5ª série ou 6º ano

Dentre os 15 alunos entrevistados, dois disseram que “não”, um “mais

ou menos” e o restante que “sim”, muitos justificaram as respostas. As justificativas

apresentadas foram: a necessidade de dominar a língua para melhor comunicar-se

com os outros, para aprender a falar certo ou pelo fato de usá-la no dia-a-dia.

6ª série ou 7º ano

Page 87: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

87

Metade dos alunos entrevistados atestam “não gostarem das aulas de

gramática embora saibam que é importante”. Alguns alunos que responderam “sim”,

justificaram suas respostas, dizendo que “estudar gramática é melhor que

matemática”, ou que “se interessam pela língua portuguesa”, ou que “nessas aulas

aprendem novos conhecimentos” e até mesmo porque “a matéria é importante”.

7ª série ou 8º ano

Nesta série 18 alunos foram entrevistados e 5 deles afirmaram

categoricamente que “não”. Os demais alunos responderam que “sim” ou “mais ou

menos”. Alguns deles “gostam das aulas porque gostam das professoras”, outros já

responderam “mais ou menos devido às regras que são muitas, eles não

conseguem guardar e acabam confundindo-as”. Este comentário dos alunos

comprova que a gramática tradicional é a trabalhada pelos professores.

8ª série ou 9º ano

Dos 15 alunos entrevistados, 8 disseram “não” e alguns explicaram que

“ficam confusos e que embora saibam que têm que aprender a falar a própria língua,

têm dificuldades na aprendizagem”. Quanto ao restante, os que responderam

afirmativamente dizem que é pelo fato da “gramática ser a matéria que mais

utilizarão no dia-a dia”, também “pela importância de se aprender a falar e a

escrever corretamente” ou até porque “as aulas são importantes para torná-los

cidadãos cultos”.

Observações:

Percebe-se claramente que os alunos consideram a gramática como o

principal fator para melhorar a comunicação entre as pessoas. Atribuem como sua

principal função fazer com que as pessoas saibam ler e escrever corretamente e que

é para isso que existem as regras.

Pergunta 3

Como são as aulas de gramática a que você assiste?

Page 88: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

88

5ª série ou 6º ano

Todos disseram que “são boas, legais, explicativas”. Alguns citaram

como a aula desenvolve-se: “a professora manda fazer quadros enormes de verbos

que depois de explicados dá para entender; a gente faz redação, a professora

corrige e depois nos vemos os erros; sempre aprendemos coisas novas como

classes gramaticais; é só copiar no caderno; é muita lição”.

6ª série ou 7º ano

Os alunos desta série acham “legais” as aulas de gramática e

completaram com algumas observações como: “a professora faz algumas

explicações, observa se os alunos entenderam e depois passa as questões; uma

boa explicação e muitos exercícios para entender melhor; as professoras explicam

muito bem”.

7ª série ou 8º ano

As opiniões deles não são muito diferentes. Acham essas aulas “boas,

legais, tranqüilas, às vezes entediantes; que as professoras explicam bem e depois

dão os exercícios, que são muito importantes, pois os conhecimentos dados nessas

aulas são necessários para o futuro”.

8ª série ou 9º ano

“Embora legais acham as aulas cansativas”. “A professora passa o

ponto na lousa e explica ao mesmo tempo, depois ela passa os exercícios do livro

didático”; a mesma coisa foi dita de maneira diferente por 11 alunos dos 15

entrevistados e também citaram que “nessas aulas é que eles aprendem a falar

corretamente”.

Observações:

Ficou bem claro como se desenvolvem as aulas de gramática, o

professor coloca o ponto na lousa, explica e dá os exercícios do livro didático. É

Page 89: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

89

grande o número de alunos que disseram que os seus professores explicam muito

bem e aprendem a falar corretamente o português nessas aulas.

Pergunta 4

Você sente dificuldade para aprender algum conteúdo de

gramática? Qual ou quais?

5ª série ou 6º ano

A maioria disse “não sentir dificuldades no aprendizado de gramática,

pois este é facilitado com a explicação do professor e também pela dedicação do

próprio aluno”. Os que afirmam sentir dificuldades, sentem-nas principalmente em

pronomes, leituras ou em decorar as regras.

6ª série ou 7º ano

Os que sentem dificuldades para aprender gramática sentem-nas

principalmente na análise sintática e análise morfológica. Alguns alunos atribuem à

falta de atenção, os seus erros nas provas.

7ª série ou 8º ano

As dificuldades encontram-se na aprendizagem de vozes verbais,

agente da passiva, voz passiva, ativa, reflexiva, sintaxe, orações coordenadas. Dos

18 alunos entrevistados, 11 afirmam “não sentir dificuldades neste aprendizado”.

8ª série ou 9º ano

Somente 5 alunos dos 15 entrevistados afirmam “não sentir

dificuldades”. Os demais, segundo eles, apresentam dificuldades em sintaxe,

morfologia, orações subordinadas, orações reduzidas, verbo transitivo direto. Verbo

transitivo indireto, conjugações, regências, orações subordinadas e substantivas.

Observações:

Page 90: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

90

Não existe dúvida quanto às dificuldades que os alunos sentem ao

aprender gramática. São dificuldades próprias do estudo de análise sintática, e

outras partes gramaticais ligadas a regras e memorizações.

Pergunta 5

Você sabe por que e para que aprende gramática?

5ª série ou 6º ano

Os alunos entrevistados desta série afirmaram saber porque estudam

gramática. Disseram que “estudam gramática porque sem o domínio da língua não

podem se comunicar, para aprender palavras novas e ampliar o vocabulário, para

falar e escrever certo, para arrumar emprego, para aprender as classes gramaticais,

para não falar errado no dia-a-dia”.

6ª série ou 7º ano

“Não sei” foi a resposta taxativa de seis alunos. Os outros alunos que

disseram que sabiam responderam que “é para melhorar o conhecimento, aprender

significados das palavras, para falar melhor, para ler e escrever direito e assim não

tirar vermelho, para conseguir interpretar textos e também para passar no vestibular,

para procurar um emprego”.

7ª série ou 8º ano

Com exceção de um aluno, todos dizem que sabem por que e para

que: “para dialogar melhor, escrever corretamente, saber mais sobre as regras da

nossa língua, para ficarmos inteligentes, quando formos dar entrevistas para

emprego, é muito importante para um ensino fundamental, para ter maior

conhecimento sobre a língua, para ler, escrever e interpretar textos”.

8ª série ou 9º ano

Nesta série todos declaram saber o por que e para que aprendem

gramática: porque “servirá para fazer redações, textos, relatórios; escrever textos

Page 91: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

91

corretos e fazer provas; para ser pessoa culta; para conhecer melhor a língua; para

utilizar em textos do vestibular; para poder aplicar no dia-a-dia, para conseguir um

emprego melhor”.

Observações:

Destaca-se nestas respostas a preocupação dos alunos com empregos

e vestibulares, eles demonstram esta preocupação juntamente com a necessidade

de falar e escrever bem. Os alunos acham que somente aprendendo gramática é

que poderão falar e escrever “certo” e consequentemente conseguirem um emprego.

Pergunta 6

Onde você aplica seus conhecimentos gramaticais?

5ª série ou 6º ano

“No dia-a-dia, nos textos, poesias, diálogos, no desempenho escolar e

trabalhista, redações, dentro e fora da escola”, foram as respostas dos alunos da

referida série.

6ª série ou 7º ano

Os alunos desta série acham que “aplicam seus conhecimentos

gramaticais em casa, na rua, na escola; para fazer textos, em provas, em testes para

arrumar emprego, para escrever cartas”.

7ª série ou 8º ano

“Na hora de pesquisar, fazer testes, em lugares importantes, nos

diálogos, nas reportagens, nas avaliações, em cartas formais, nas provas de

português, futuramente no trabalho”.

8ª série ou 9º ano

“No dia-a-dia, em aulas e concursos de redação, textos, leituras,

diálogos, nos exercícios passados pelas professoras, nos exercícios dos livros, na

hora da escrita, na hora de falar e escrever, em ocasiões especiais”.

Page 92: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

92

Observações:

A estas perguntas juntaram-se as afirmações e preocupações da

anterior. eles aplicam os conhecimentos gramaticais em todas as atividades do seu

cotidiano, desde diálogos familiares até cartas formais, sem esquecer a

preocupação com emprego e vestibulares.

3.3 O PERFIL DO PROFESSOR

As respostas dadas nas entrevistas permitem-nos delinear as aulas de

português e concluir que o professor prioriza o ensino da gramática normativa

direcionado à norma culta, embora muitos estudos tenham sido desenvolvidos,

muitas orientações tenham sido apresentadas através dos PCNs e mais

recentemente da Proposta Curricular de Língua Portuguesa do estado de São Paulo.

Nesta parte da pesquisa procuramos analisar o trabalho do professor

levando em consideração três itens: o trabalho prescrito, o trabalho realizado e o

trabalho representado.

Há por parte do professor uma grande preocupação quanto ao uso da

língua pelos alunos e, principalmente, em melhorar suas expressões lingüísticas.

Observa-se em suas respostas que seu trabalho é direcionado à linguagem escrita e

ao ensino da norma culta.

Os referidos professores consideram o ensino de gramática como

sendo o ensino da própria língua e consequentemente é a ela que dedicam suas

atenções. O aprendizado de português é avaliado pelo grau de assimilação dos

conteúdos gramaticais ensinados. Acreditam que para os alunos conseguirem falar e

escrever corretamente, devem dominar as regras gramaticais. Ao estabelecerem

relações entre textos e gramática consideram-no como base e que há uma

interdependência entre eles. No trabalho deles, então, é bastante equiparada a

leitura (textos) e as lições de gramática.

O livro didático, de acordo com suas respostas, é um ponto de apoio

para o professor e que muitas outras fontes são usadas em suas aulas. Como livro

didático auxiliar indicam um livro que reflete como gostariam de trabalhar, ou melhor,

como pensam que devem ser desenvolvidas suas aulas. Os livros didáticos que

Page 93: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

93

usam não são os almejados por eles, somente um professor indicou o mesmo livro

adotado na sua escola.

Pela análise das respostas dos alunos, concluímos que as aulas a que

eles assistem não correspondem às aulas que foram prescritas para o trabalho dos

professores.

Em suas aulas o ensino de português é embasado no ensino da

gramática e elas desenvolvem-se na seguinte ordem: primeiramente é colocado o

ponto (gramática) na lousa, depois o professor explica e dá os exercícios do livro

didático para fixação, de acordo com as respostas dos alunos. O professor, no caso,

trabalha com a concepção de que a língua é somente um instrumento de

comunicação e que para isso depende exclusivamente do aprendizado das regras

gramaticais. Acreditam que somente quando se sabe gramática é que se consegue

comunicar bem e, portanto, um dos motivos da aprendizagem das regras

gramaticais é sair-se bem nas entrevistas para serem aceitos em determinados

trabalhos. O ensino das regras gramaticais é tão importante para eles que chegam a

ligá-lo ao sucesso profissional. Alem dessa afirmação, os alunos declaram que

necessitam aprender a gramática tradicional, ligada à norma culta, para serem

aprovados nos vestibulares. Os objetivos do ensino de gramática são, neste caso,

falar e escrever bem e é elucidado aos alunos que somente aprendendo a gramática

normativa é que conseguirão.

O trabalho representado pelo professor é aquele em que os textos os

levarão ao aprendizado da gramática e que esta não esta ligada a certo ou errado e

sim a leituras diferenciadas. Os alunos, portanto, aprendem através da observação

de textos retirados de várias fontes. Os alunos são passivos e não criativos.

Analisando o trabalho realizado pelos professores percebemos a

grande valorização dada à gramática normativa e consequentemente à norma culta.

Eles atêm-se à prescrição da gramática e não à analise dos fatos da língua. Os

conteúdos programáticos, conforme as entrevistas dos alunos, têm uma excessiva

preocupação com a metalingüística. O ensino de gramática não pode ter uma

finalidade em si mesmo, ele tem que auxiliar no ensino da leitura e da produção de

texto.

Um ensino baseado em estudos de regras e exceções gramaticais,

conceitos, nomenclaturas gramaticais, não ajuda o aluno a melhor utilizar a língua,

principalmente na escrita.

Page 94: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

94

Se formos às salas de aulas de português encontraremos as práticas

pedagógicas de leituras, interpretação de textos e gramáticas, presentes, mas sem

um direcionamento comum que seria levar o aluno a apropriar-se da língua como

forma de ação sobre o outro e sobre o mundo.

O objetivo do ensino da língua deve sempre estar ligado a levar o

aluno ao domínio do instrumento verbal para poder comunicar-se e interagir com o

seu grupo social.

Os professores, nas entrevistas, deixaram claro os seus objetivos

quanto ao ensino da língua, o mesmo dito anteriormente, mas, suas aulas retrataram

o ensino de uma gramática tradicional, normativa e pura, desligada da sua função de

auxiliar do texto. Sabemos que muitas vezes, na sua maioria, os professores são

obrigados a se prenderem ao livro didático e desenvolverem somente o que está no

seu conteúdo e como lá se encontra. Isso acontece principalmente quando se trata

de ensino apostilado “ele tem que acabar a matéria”. Salas repletas, uma realidade

social diferente, tudo dificulta para que ele possa desenvolver suas aulas da maneira

como gostaria.

O mais preocupante de toda esta análise e que depois de tantos

estudos lingüísticos, tantas propostas, pouco ou nada mudou no ensino de

gramática, da língua materna. Esse resultado é demonstrado ao compararmos a

nossa pesquisa com a pesquisa feita por Pernambuco (1993), desenvolvida na sua

tese de doutorado. Ambas as pesquisas possuem os mesmos objetivos o que torna

viável esta comparação.

Pernambuco (1993) realizou uma ampla pesquisa com 85 professores

em 35 cidades diferentes de três estados brasileiros: estado de São Paulo,

Amazonas e Pará. Primeiramente oito de suas perguntas continham dados pessoais

dos entrevistados e quatro versavam sobre a formação profissional dos mesmos,

somente depois é que eram apresentadas 20 perguntas que formaram o então

chamado “Questionário para professor de Português” e com elas pretendia abarcar

todo o conjunto de ideologia, metodologia e atividades do professor que ensina

português.

As perguntas, por serem em número bem maior que as da nossa

pesquisa proporcionaram uma melhor observação do pensamento e do

desenvolvimento do trabalho do professor.

Page 95: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

95

Apesar dos coincidentes objetivos, somente três perguntas puderam

ser destacadas na íntegra e mesmo assim nós as adaptamos para que pudéssemos

melhor fazer as comparações.

Questão 1:

PARA QUE SERVE O ENSINO DE LINGUA MATERNA? (1993) O QUE SIGNIFICA ENSINAR PORTUGUÊS? (2007)

Respostas 1993 2007

1 ensinar a norma culta 67% 50% 2 conhecer a tradição e desenvolver a cultura 8% 10% 3 integrar a criança ao meio ambiente 8% 10% 4 ensinar a pensar 5% 0% 5 promover a ascensão social do aluno 5% 10% 6 aperfeiçoar a língua do aluno 7% 20%

Podemos observar nesta primeira questão que ao mesmo tempo em

que diminuiu o número de professores que achavam que o ensino de português ou

da Língua Materna era ensinar a norma culta (67% para 50%), aumentou o numero

dos que acham que é aperfeiçoar a língua do aluno (7% para 20%), na verdade eles

respondem o mesmo usando palavras diferentes. Resumindo, o percentual dos

professores que acham que o ensino de Língua Materna serve para que os alunos

aprendam a norma culta e assim aperfeiçoar a língua usada por eles diminuiu

somente 4% depois de tantos trabalhos e orientações.

Neves (2005) desenvolveu esse tipo de pesquisa e concluiu que de

acordo com as respostas dos professores quanto à utilização da gramática

ensinada, reúnem: para os alunos serem aprovados em concursos e vencer na vida;

para que se expressem corretamente e assim serem bem aceitos na sociedade;

para que usem a língua padrão/norma culta e ser bem sucedido na vida. Afirma que

na maior parte dos casos, é a tradução para termos práticos: “bom desempenho

profissional e social”, “segurança”, ”elevação social”, “melhor desempenho

lingüístico”, “maior correção de linguagem”, equivalentes a 80% das finalidades ,

número aproximadamente o mesmo das pesquisas de 1993 e 2007.

Page 96: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

96

Questão 2:

QUAL O SEU MÉTODO DE TRABALHO? respostas dos professores (1993) COMO SÃO SUAS AULAS DE GRAMATICA? respostas dos alunos (2007)

respostas 1993 2007

1 aulas expositivas com o apoio do livro didático 81% 100% 2 explorando a gramática do texto 6% 0% 3 leitura e gramática 6% 0%

Quanto à segunda questão é bastante visível que as aulas expositivas

com o auxilio do livro didático caracteriza mais o ensino atual. O aluno ainda não

constrói o seu saber, pois, segundo Neves (2005), “as aulas de gramática consistem

numa simples exposição de conteúdos expostos no livro didático em uso”. Ela

verificou em suas entrevistas que “partir do texto” representa “retirar de textos”

unidades (frases ou palavras) para análise e catalogação. A freqüência das

atividades praticadas é a seguinte por ordem de freqüência: leitura do texto,

exercícios; leitura do ponto, exercícios; explicação, exercício...; concluiu que a maior

parte dos professores aponta que inicia o processo com explicação da matéria e a

maioria aponta a exercitação como último passo do processo.

Questão 3:

O QUE VOCÊ ACHA DO LIVRO DIDÁTICO? (1993) VOCÊ ACHA QUE O USO DO LIVRO DIDÁTICO É NECESSÁRIO? (2007)

respostas 1993 2007

1 apoio para o professor 60% 60% 2 válido com restrições 24% 20% 3 indispensável 13% 10% 4 importante 3% 10%

Nessa terceira questão ficou claro a necessidade que os professores

sentem de possuírem o livro didático para auxiliá-los, em ambas as pesquisas.

Neves (2005) revelou, em sua pesquisa, que a grande maioria dos

docentes recorre à parte gramatical do livro didático, já outros não se limitavam ao

que o livro oferece.

Page 97: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

97

Os lingüistas defendem a necessidade do ensino da gramática na

escola, mas não a que é tradicionalmente ali é estudada ou do que se entende por

gramática. A gramática pela perspectiva da lingüística não é a prescrição de regras

e sim a descrição de uma língua nas diferentes variações lingüísticas evidenciando

que não se deve levar em consideração somente uma variante, a norma padrão

utilizada por determinado grupo social, segundo De Campos (2007 ).

O domínio dos diferentes níveis de concretização da língua viabiliza a

ampliação do conhecimento sobre as atividades de escrita e de leitura, e através

delas o educando pode e deve ganhar certa autonomia como leitor-produtor de

textos.

O papel da escola e dos professores é prioritário na fecundação do

exercício do ensino-aprendizagem da Língua Materna.

Discussões foram implantadas e intensificadas nos anos 80 quando os

materiais didáticos foram modificados. Ganharam novas roupagens, mas quase

nada mudou, continua o ensino de regras gramaticais.

Há embates possíveis de serem travados para que o professor se sinta

mais realizado como profissionais de ensino e um deles é colocar em pratica os

fundamentos epistemológicos das orientações teóricas que norteiam o ensino de

língua materna na contemporaneidade.

Sabia-se que este tipo de ensino não estava dando certo desde 1993,

mas muitos professores até hoje, mantêm as aulas sistemáticas de gramática como

um ritual e continuamos com os mesmos problemas; a educação brasileira nunca

esteve em tão baixo nível.

O desânimo e o desencanto verificado nos professores, Neves declara

que se encontram na seguinte situação geral: os professores ganham mal,

trabalham muito (dois períodos e muitas vezes em escolas diferentes), não têm

tempo de estudar, de ler, não se consideram respeitados nem pelo governo nem

pela sociedade nem pelas famílias dos alunos; os alunos têm problemas de

comportamento, são desatentos e dispersivos, não se dedicam aos estudos e não

valorizam a oportunidade que têm de aprender; a instituição perde-se na burocracia,

não tem papel orientador, não valoriza o professor, não oferece condições para uma

continuidade de trabalho e assim propicia a fragmentação dos programas. Ela afirma

que apesar do desestímulo ser muito grande, nota-se no professor muita vontade de

acertar e melhorar seu desempenho.

Page 98: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

98

Para que isso aconteça, a valorização do aluno deve ser o fator

principal embasando uma mudança. É preciso que os professores se conscientizem

quanto a essa necessidade de renovação. As propostas para isso já fazem parte dos

PCNs da Língua Portuguesa (1998) e das Propostas Curriculares do estado de São

Paulo, que somente poderão sair do papel, se eles assim o desejarem.

Segundo Possenti (2006) “as únicas pessoas em condições de encarar

um trabalho de modificação das escolas são os professores” e que qualquer projeto

fracassará se não considerar o professor como prioridade e este considerar seus

alunos como tal.

Page 99: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

99

4 PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO PRODUTIVO DA

GRAMÁTICA PARA OS DIAS ATUAIS

“Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas de folhas, de signos, de obscuros sentimentos...”

( Carlos Drummond de Andrade)

Neste capítulo apresentaremos alguns princípios para uma proposta de

ensino com base nas descobertas que fizemos com a pesquisa. É evidente que não

pretendemos, nem podemos propor soluções para todas as dificuldades que os

professores enfrentam quando se propõem a ensinar o uso da língua para os

alunos.

4.1 TIPOS DE ENSINO

Halliday et al (1974) desenvolveram um trabalho sobre língua materna,

no caso, o inglês, que denominaram “estudo da língua materna” que pode ser

aplicado ao ensino de Português. Nesse trabalho eles identificam como principal

problema do ensino de Língua Materna o desequilíbrio entre o ensino prescritivo e

proscritivo de um lado, e o descritivo e, principalmente, o produtivo do outro. Acha

que é muito importante que se distingam os três tipos de ensino ou de abordagem

da língua: o produtivo, o prescritivo e o descritivo.

O ensino produtivo da língua é um ensino de novas habilidades. Inclui

o ensino das línguas e, em se tratando da língua materna, ressalta-se o ensino da

leitura e da escrita. No ensino produtivo, o importante é que se levem em

consideração as habilidades que os alunos já têm.

O ensino prescritivo, segundo Halliday et al (1974) é a interferência nas

habilidades existentes com a finalidade de substituir um padrão de atividade já com

sucesso, por outro. O conceito de “prescritivo” inclui o “proscritivo”, pois cada “faz

isso” implica um “não faz isso”.

Page 100: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

100

O ensino descritivo é a demonstração do funcionamento da língua

suas habilidades já adquiridas, sem procurar alterá-las, mas mostrando como usá-

las. Esse ensino passa por etapas que são correspondentes à idade e experiência

da criança.

Há críticas específicas ao ensino de língua materna nas nossas

escolas: o ensino prescritivo é superestimado em prejuízo do ensino produtivo. A

língua falada é desprezada, ignoram-se os registros não literários; a teoria lingüística

e a descrição da língua materna não despertam o interesse dos professores.

Os três tipos de ensino da língua materna podem ter seus lugares nas

aulas desde que estejam de algum modo equilibrados, com peso maior para o

produtivo. Cada um deles tem uma resposta diferente à pergunta: “para que

ensinamos a língua materna?”

Para o prescritivo: “para ensinar as crianças a substituírem aqueles de

seus próprios padrões de atividades lingüísticas que são inaceitáveis por outros

padrões aceitáveis”.

Quaisquer padrões lingüísticos nativos que a criança normal dominou, no

sentido de usá-los da maneira como são usados por aqueles de quem os

aprendeu, são “exatamente como tão bons” enquanto linguagem, quanto os

que se espera que ela substitua aos primeiros. Isto se aplica a qualquer

nível da linguagem: à gramática, ao léxico, à fonologia ou à fonética.

(HALLIDAY et al, 1974, p. 261).

O ensino prescritivo significa selecionar os padrões privilegiados

socialmente e usar práticas padronizadas de ensino, para persuadirem as crianças a

se conformarem àqueles padrões. Algumas normas abrangem a fala e a escrita,

mas a maioria refere-se ou à fala, ou à escrita. No caso da escrita refere-se à

transcrição da linguagem falada para a linguagem escrita, principalmente nas fases

iniciais dessa aprendizagem.

O ensino da leitura e da escrita é por si mesmo produtivo e não

prescritivo; só será prescritivo se se ensinar às crianças que nem sempre na escrita

são aceitáveis certos padrões que da fala.

Page 101: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

101

Alguns professores acham que seria mais produtivo para a criança se

se permitisse que elas escrevessem tal como falam; já outros acham que as

convenções da linguagem escrita devem ser ensinadas desde o começo.

Halliday et al (1974) afirmam que a correção de erros ortográficos nas

escritas das crianças é uma atitude semelhante à do professor de aritmética que

considera errado uma soma correta só porque a escrita do número foi feita de trás

para diante, desconsiderando a habilidade aritmética. Há sem dúvida no ensino da

língua materna uma implicação lingüística não relacionada à idéia de uma liberdade

ortográfica, mas demasiadas correções podem gerar nas crianças, insegurança na

hora de escrever, além de julgarem que há uma nova língua imposta que é diferente

da que conhecem.

Se o ensino prescritivo ocupar muito ou todo o tempo no ensino da

língua materna, o aluno terá uma falsa imagem da natureza da linguagem. E, além

disso, se o ensino for proscritivo, criar-se-á uma geração de analfabetos e de

pessoas que pronunciam as palavras de modo errado.

Alunos que saem das escolas secundárias conhecendo tão pouco do

modo como sua língua funciona e o papel que desempenha na vida dos homens, é

vergonhoso. Não é culpa deles se sua imagem da “língua materna” é esta: “Indique

o que está errado nas seguintes frases”.

Provavelmente muitos professores de língua materna saúdem uma

mudança que se afaste do ensino prescritivo, desde que haja algo melhor para se

colocar em seu lugar, como o ensino descritivo e produtivo.

O segundo componente do ensino da língua é a descrição. A finalidade

da linguística descritiva é saber: o que está sendo ensinado e o modo como a

linguagem funciona e como determinada língua funciona. Nesse ensino tem o papel

principal a língua materna por ser a língua que o aluno melhor conhece, pois é um

principio pedagógico geral correlacionar, sempre que possível, a instrução com a

própria experiência da criança. Quando a criança entra pela primeira vez na escola,

ela já tem um grande acervo de experiências da língua materna, suficiente para que

lhe seja dada uma instrução descritiva da linguagem, informativa e interessante, em

qualquer etapa de sua carreira escolar. Ensinamento lingüístico descritivo consiste

em mostrar à criança como a língua funciona, mediante a exposição, a ordenação e

os aspectos relativos ao seu uso da língua materna.

Halliday et al (1974, p. 270 e 271) afirmam:

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102

Se o lingüista pode dizer alguma coisa sobre os materiais e os métodos usados nas aulas, isto se dá porque –- e na medida em que – esforçou-se para aprender uma nova disciplina, a da teoria e da pratica pedagógicas. Nossa finalidade aqui consiste em encorajar o ensino lingüístico descritivo. Não estamos procurando dizer ao professor como deve ensinar. (...) É uma indicação do que nos parece ser o modo como o tempo aplicado à língua materna na escola deveria ser usado para levar as crianças a aprenderem o funcionamento de sua língua e, mediante isso do lugar que ocupa, na vida.

Os autores declaram que muita coisa pode ser feita com o mínimo de

terminologia. A atividade de brinquedo oferece oportunidades para encorajar a

compreensão linguística, por exemplo, a de uma loja. Este brinquedo serve para

ilustrar contrastes gramaticais conhecidos, singular e plural, etc.; o importante nessa

situação é que as crianças observem o resultado do que dizem e qual a causa que

conduz a esse resultado.

A língua usada normalmente pela criança quando fala não é o material

mais fácil pelo qual se deve ensiná-la a ler e a escrever, mas é uma vantagem se a

introdução da criança na linguagem escrita puder ser mais estritamente ligada ao

seu próprio uso da língua falada. Se for possível expor a gramática e o léxico da

língua apelando para as situações em que a linguagem é usada, exploraremos o

significado contextual da língua, para esclarecer seu significado formal e isto será

útil em qualquer fase do aprendizado da língua pelos alunos.

O terceiro tipo de ensino da língua é o chamado produtivo.

Para Hallday et al, 1974, p. 276):

O ensino produtivo da língua interessa-se por ajudá-lo a estender o uso da sua língua materna de maneira mais eficiente. Ao contrário do ensino prescritivo, o produtivo não pretende alterar padrões que o aluno já adquiriu, mas aumentar os recursos que possui, e fazer isso de modo tal que tenha a seu dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de sua língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas .

A criança aprende a gramática e o léxico de sua língua pátria tal como

aprende a fonologia e a fonética, antes de entrar para a escola. Na escola aprende

novos vocábulos e alguma coisa de gramática, mas ainda como alargamento de sua

experiência geral. A criança precisa aprender as variedades da língua adequadas a

diferentes situações. A amplitude e o uso de seus registros e línguas restritas. Mais

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103

cedo ou mais tarde a criança aprende que certos padrões encontrados na fala não

se encontram na linguagem escrita.

De acordo com Halliday et al, (1974) “é a amplitude e o uso das

diferentes variedades da língua materna, mais do que a real introdução de novos

padrões e elementos, que constitui o foco de ensino lingüístico produtivo”.

Embora o aluno aprenda o que é novo em sua língua materna fora da

sala de aula, também pode encontrar alguns aspectos pela primeira vez na sua aula

e muitos que já tenha encontrado, só pode aprender a usar e compreender na sua

aula de língua materna.

Se o professor de português não ensinar os usos literários da língua,

não haverá ninguém mais que o faça; o aluno apreciará a literatura, se puder

compreender e extrair o máximo da sua língua em seus usos literários.

O ensino produtivo é um aspecto habitual da língua pátria, mas existe

uma forma adequada e eficiente de se usar a língua para determinado propósito, a

capacidade de falar e escrever a língua materna que o ensino produtivo pode criar.

“Se tem de manter seu lugar no programa do curso, o ensino da língua

materna deve relacionar-se com ”o modo como usamos a linguagem para viver”.

(HALLIDAY et al, 1974, p. 280).

As relações entre língua falada, leitura e escrita é que leitura e escrita

são atividades escolares e do uso normal da língua no dia-a-dia. Fora da escola, lê-

se por prazer (lazer, televisão, livro) ou por necessidade ( na rua para adquirir

informações. Na escola, infelizmente lê-se por obrigação ( cumprir tarefas, responder

questões), isto é, não se tem a verdadeira vivência da leitura. Quanto à linguagem, a

escola valoriza a escrita e a norma padrão, o que para Neves (2006) não seria

problema já que ninguém pode negar que a escola é uma instituição que prevê

ascensão social. À escola cabe capacitar o aluno a produzir enunciados adequados,

eficientes, “melhores”nas diversas situações de discurso, nas diversas modalidades

de uso. O tratamento da língua padrão na escola, ao contrário de considerar que

essa modalidade seja algo divorciado do uso lingüístico, deve assumir que ela nada

mais é que uma das variantes da língua em uso.

Segundo Pernambuco (1993), a escola deve ajudar o aluno a crescer

linguisticamente e alerta: ele só fará isso como parte de um crescimento global, com

maturidade intelectual e emocional. Em sua proposta de ensino de Português, o

autor destaca o fenômeno da variação lingüística, pois a escola não tem conseguido

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104

equacionar este problema e trata como deficiência o que é apenas diferença de

linguagem entre falantes de diferentes origens sociais.

Diz o pesquisador “se uma criança aprendeu espontaneamente a

língua do seu meio, com certeza aprenderá a variante padrão que a escola deseja

que ela aprenda se a ela forem oferecidas as mesmas formas de aprendizagem do

seu meio ambiente” (PERNAMBUCO, 1998).

É evidente que em uma sociedade econômica e culturalmente

heterogênea há uma heterogeneidade no campo da linguagem e a escola que visa a

uma homogeneidade lingüística culta, tem que trabalhar a partir da realidade

gramatical heterogênea dos alunos.

Continua o autor: “as práticas pedagógicas usadas em nossas escolas

não levam em consideração a aprendizagem natural da língua pela criança e é por

isso que muitos alunos sentem um total desgosto nas aulas de português o que

consequentemente leva o ensino ao fracasso. É isso que necessariamente conduz a

um crítico diante do problema e uma busca de soluções para obtermos um ensino

eficiente da língua como forma de ação do homem” (PERNAMBUCO, 1995).

Se o ensino da Língua Materna tem como objetivo ensinar o aluno a

usar a sua língua, isto é, falar e ouvir falar, escrever e ler a língua, então, o aluno

deverá aprender gramática, a ciência da língua. Aebli (1982) afirma que embora haja

muitas concepções sobre gramática, há uma unanimidade entre os autores de que

se trata de teoria da língua, portanto teoria sobre a língua. Afirma que temos um

“método gramatical” que faz o aluno aprender o sistema da gramática da língua e

num outro extremo temos o “método direto” que recusa ensinar conceitos

gramaticais aos alunos, pretendendo fazê-los aprender a língua mediante o uso.

Para Pernambuco (1995), o profissional de ensino deveria estar

tecnicamente capacitado a detectar os contrastes entre as regras da língua culta e

as regras dos outros níveis gramaticais, ele deveria ter conhecimentos da gramática

contrastiva. Essa gramática ocupa-se das correspondências entre duas ou mais

línguas, ressaltando as diferenças nos diversos planos dos respectivos sistemas:

sintaxe, morfologia, léxico, semântica, fonologia. Sendo toda língua uma soma de

“dialetos”, é fácil compreender a utilidade de análises constrastivas no ensino de

língua materna.

A compreensão deturpada que se tem da gramática da língua é um

entrave à ampliação da competência dos alunos para a fala, a escrita, a leitura e a

Page 105: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

105

escrita de textos adequados e relevantes. São inúmeros os casos de pessoas que

falam muito bem uma língua, sem nunca terem aprendido gramática. Aebli (1982)

diz: “a essência do ensino da língua é o seu uso vivo em situações reais de ação,

percepção e vivência”.

Segundo Antunes (2003), para que haja mudança, para uma

reorientação, há, antes de tudo, necessidade de determinação, vontade e empenho

de querer mudar. Supõe-se uma ação ampla, fundamentada, planejada, sistemática

e participada, para que se chegue a uma escola que, de fato, cumpra seu papel

social e capacite as pessoas para o exercício pleno e consciente de sua cidadania.

Nesta escola já não há mais lugar para o professor simplistamente repetidor,

passivo, à espera que lhe digam como fazer, como “passar” ou “aplicar” as noções

que lhe ensinaram. O novo perfil do professor é aquele do pesquisador que, com

seus alunos produz conhecimento.

A complexidade do processo pedagógico impõe o cuidado em se

preverem e se avaliarem concepções, objetivos, procedimentos e resultados, de

forma que todas as ações se orientem para um ponto comum e relevante: conseguir

ampliar as competências comunicativo-interacionais dos alunos. A aproximação do

estudo da língua deste ideal de competências para a cidadania é o começo de uma

mudança, pois já concretiza a intenção dos professores de querer adotar uma

atividade pedagógica realmente capaz de oferecer resultados mais positivos e

gratificantes. Os professores que assumem a orientação ou a atividade de ensino de

Português, do Fundamental ao Ensino Médio, têm que possuir elementos que os

ajudem a descobrir “novos jeitos de ver a língua e, automaticamente, de ver-se

como professor da aula de Português”. É importante que se conscientize que não

existe prática eficiente sem fundamentação num corpo de princípios teóricos sólidos

e objetivos.

Antunes (2003) também afirma que deriva da concepção interacionista,

funcional e discursiva da língua, o principio geral de que “a língua só se atualiza a

serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social e através de

práticas discursivas, materializadas em textos orais e escritos”.

As aulas de nossas escolas denominam-se aulas de português e são

aulas de “português do Brasil”, mas aplicam-se regras do “português europeu”. Por

exemplo, a aplicação das regras de colocação pronominal do português europeu

gera uma série de incompatibilidades que apenas reafirmam a idéia de que o

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106

brasileiro fala mal. Além desta, existem várias outras questões. A chamada “norma-

padrão” deve ter como parâmetro os usos próprios do Brasil nos diferentes

contextos do funcionamento da língua, do contrário, cria-se um problema sem

solução.

4.2 ESCRITA E LEITURA

A escrita é uma atividade interativa, isto é, é realizada conjuntamente

por duas ou mais pessoas numa inter-ação (ação entre), portanto é tão interativa,

tão dialógica, dinâmica e negociável quanto a fala. A atividade escrita é uma

atividade interativa de expressão, de manifestação verbal das idéias, informações;

ter o que dizer é condição primordial para o êxito da atividade de escrever. As

palavras são apenas a mediação, ou o material com quem se faz a ponte entre

quem fala e quem escuta entre quem escreve e quem lê.

A crescente competência para a escrita vai ficando por conta da prática

de cada dia, do exercício de cada evento, com as regras próprias de cada tipo e de

cada gênero do texto. O grande equívoco em torno do ensino da língua é acreditar-

se que ensinando análise sintática, nomenclatura gramatical, os alunos ficarão

competentes para ler e escrever textos, conforme as diversificadas situações sociais.

A escrita existe para servir à comunicação entre sujeitos em interação.

Sem o outro, do outro lado da linha, não há linguagem. Pela escrita alguém informa,

avisa, adverte, anuncia, documenta, faz literatura, etc. Socialmente, não existe a

escrita “para nada”, “para não dizer”, “para não ser um ato de linguagem” e é por

isso que em nenhum grupo social, há escrita de palavras ou frases soltas, de frases

inventadas, de textos sem propósitos, sem a clara e inequívoca definição de sua

razão de ser.

Assim como não existe padrão único de fala, não existe padrão único

de escrita: falamos e escrevemos com maior ou menor formalidade, mais ou menos

à vontade, com maior ou menor espontaneidade e fluência. A principal diferença é

que a fala é mais informal e a escrita é mais formal. Produzir um texto escrito não é

uma tarefa que implica apenas o ato de escrever, ao contrário, passa por várias

etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento,

Page 107: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

107

passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da

reescrita.

As práticas de “redações” escolares devido ao limite escasso de tempo,

à improvisação e à ausência de objetivos mais amplos, levam o aluno a produzir

textos de qualquer maneira, sem planejamento e sem uma revisão em busca da

melhor forma de dizer o que se pretende comunicar.

Pobreza de repertório, falta de informação, não ter o que dizer, não são

problemas que se solucionam com regras de gramática e nem com exercícios de

analise sintática. Para escrever bem, é preciso, antes de tudo, ter o que dizer,

conhecer o objeto sobre o qual vai se discorrer. O tempo destinado a exercícios

como procura de dígrafos, de encontros consonantais, classificação das funções do

que e outras questões semelhantes, poderia ser bem mais aproveitado com a leitura

e análise (diária) de textos interessantes, ricos, sejam eles literários ou não.

A leitura possibilita a experiência gratuita do prazer estético, de ler pelo simples gosto de ler. Para admirar. Para deleitar-se com as idéias, com as imagens criadas, com o jeito bonito de dizer literariamente as coisas. Sem cobrança, sem a preocupação de qualquer prestação de contas posterior. Apenas sentindo e, muitas vezes, dizendo: “Que coisa bonita!” (ANTUNES, 2003, p. 71).

É para este plano de leitura que se destinam os textos literários:

romances, crônicas, contos, poemas principalmente; reduzi-los a objetos de análise

sintática, a pretexto para exercício de ortografia, é esvaziá-los de sua função poética

e ignorar a arte que se pretendeu com o arranjo diferente de seus elementos

lingüísticos. Como ilustração da sua afirmativa, Antunes (2003, p. 73) transcreveu

uma proposta de atividade apresentada em um livro didático, sobre a poesia “Ave

Alegria” de Sylvia Orthof.

Na proposta de exploração desse texto havia a observação “Ave =

salve (é uma interjeição”), indicar a classe gramatical a que pertence a palavra,

“Escreva três substantivos e forme frases com eles”,etc. Essa atividade além de

matar toda a “poesia” do texto, porque nem a reconhece, favorece ao aluno

exercitar a “competência” de formar frases soltas, o que vai na direção oposta da

textualidade.

Existem outras motivações para a exploração do texto, como começar

pela sua intertextualidade e recuperar a clara alusão que se faz no poema à oração

Page 108: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

108

“Ave Maria”, poderia ainda recuperar outros pequenos textos ou expressões que

remetem para outras preces bem conhecidas e também poderia ser feita a

exploração da associação semântica entre as palavras do texto. Poderia ser

comentado o uso de tantos pontos de exclamação. Evidentemente, todo esse

trabalho deve depois de uma emocionada leitura e releitura do texto, para que, antes

de tudo, possamos desenvolver no aluno o gosto e o afeto pela apreciação da

literatura.

Antunes (2003) confirma que é pela leitura que se aprende o

vocabulário específico de certos gêneros de textos, os padrões gramaticais

(morfológicos e sintáticos) peculiares à escrita, as forma de organização seqüencial

e de apresentação dos diversos gêneros de textos escritos. A exposição, pela

leitura, é claro, a bons textos escritos é fundamental para a ampliação de nossa

competência discursiva em língua escrita, mas é bom lembrar que “bons textos” não

são apenas os textos corretos gramaticalmente. A aprendizagem das regularidades

próprias da escrita acontece no contacto com textos escritos, da mesma maneira

como a aprendizagem da fala acontece com a exposição do aprendiz a experiências

de oralidade.

Quando alguém é capaz de falar uma língua, também o é de usar as

regras fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas dessa língua, pois não

existe falante sem conhecimento de gramática. Ensinar ou não ensinar gramática

nem é uma questão já que não se pode falar nem escrever sem gramática. O

importante é discernir sobre o objeto do ensino: as regras( mais precisamente: as

regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e

escritos.

A distinção entre “regras de gramática” e “nomenclatura gramatical” é

muito importante. As regras implicam o uso, destinam-se a ele, orientam a forma de

como dizer, para que este dizer seja interpretável e inteligível. A nomenclatura

corresponde aos “nomes” que as unidades, as categorias, os fenômenos da língua e

suas classificações têm. Infelizmente, a maioria das pessoas quando se referem ao

ensino de gramática na escola, referem-se a esse ensino da nomenclatura, da

análise sintática e similares.

Nem mesmo as provas do vestibular, do ENEM ( Exame Nacional do

Ensino Médio) e de alguns outros concursos, feitas fundamentalmente em cima da

compreensão de textos, têm conseguido fazer as pessoas entenderem qual a função

Page 109: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

109

da gramática de uma língua e deixar a obsessão pelo estudo da nomenclatura

gramatical.

Muitas vezes o aluno que aprende a sua língua materna numa forma

regional, pode transferir grande número de regras de construção para a língua

erudita padrão; mas certas regras causam dificuldades como o caso da

concordância do plural, da colocação dos pronomes oblíquos, etc.. Para se obterem

condições adequadas ao processo de ensino-aprendizagem da língua portuguesa,

todos os trabalhos desenvolvidos deverão estar centrados no texto. Ele deverá ser o

ponto de partida e o ponto de chegada de qualquer prática de ensino que pretenda

levar o aluno a falar e a escrever a língua conforme as normas socialmente aceitas.

Segundo Pernambuco (1995):

A metodologia de trabalho do texto deve ser aquela que faça da prática pedagógica diária uma oportunidade de troca e existência em comum de valores díspares tendo a linguagem como veículo de interação. Este trabalho com o texto e pelo texto pretende levar o aluno a ter uma visão crítica da realidade com percepção dos conteúdos ideológicos destinados a mascarar a essência do real, a função do professor será a de conduzir o aluno a fazer textos que falem de textos, instrumentalizando-o para ocupar seu espaço na sua comunidade.

4.3 PROPOSTA CURRICULAR DE SÃO PAULO

A ineficiência do ensino levou a Secretaria de Educação do estado de

São Paulo, em 2008, a elaborar um projeto que visa propor um currículo para os

níveis do ensino Fundamental – Ciclo II e Médio. A sociedade do século XXI é cada

vez mais caracterizada pelo uso intensivo do conhecimento. Na sociedade de hoje

não é aceito nenhum tipo de exclusão, tanto pela falta de acesso a bens materiais

quanto pela falta de acesso ao conhecimento e aos bens culturais. A qualidade da

educação oferecida nas escolas públicas também ganha importância, pois para elas

acorrem as camadas mais pobres da sociedade brasileira.

Os currículos das escolas têm que levar em conta os princípios centrais

desta Proposta Curricular: a escola que ensina e aprende, o currículo como espaço

de cultura, as competências com eixo de aprendizagem, a prioridade da

competência de leitura e de escrita, a articulação das competências para aprender a

contextualização no mundo do trabalho.

Page 110: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

110

A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de

Língua Portuguesa visa a formar os alunos para o mundo do conhecimento, por

meio da linguagem. A proposta de ensinar a língua como uma atividade social,

espaço de interação entre as pessoas, num determinado contexto de comunicação,

implica a compreensão da enunciação como o eixo central de todo o sistema

lingüístico.

Centrar o ensino de Língua Portuguesa no texto requer o

desenvolvimento de habilidades que ultrapassem uma visão reducionista dos

fenômenos lingüístico e literário. Estudar uma frase mesmo que incorporando esse

estudo ao texto, não responde a todas as necessidades daquele que faz uso da

língua nas mais diversas situações. Há o aspecto social da língua que, como

organismo vivo e pulsante, se transforma a toda hora e relaciona os textos, literários

ou não, com o momento de produção da leitura.

É importante que a atividade da Língua Portuguesa evite que o aluno

se sinta um estrangeiro a utilizar-se de sua própria língua e das literaturas que essa

língua produziu.

Essa proposta, em consonância com os parâmetros e com os avanços

feitos até o momento, parte do estudo do texto como base para o estudo de

conteúdos, o desenvolvimento de habilidades e competências – especialmente de

leitura e escrita – e propostas metodológicas de ensino e aprendizagem. Os

mesmos conteúdos de uma série serão apresentados nas séries seguintes com

aspectos organizadores: o desenvolvimento das habilidades de leitura, de escrita, do

falar, do ouvir e as relacionadas aos aspectos gramaticais da língua. No que diz

respeito aos aspectos gramaticais da língua: haverá momentos de sistematização,

com destaque maior para os temas que geram mais problemas de uso para os

falantes. Além disso, o olhar gramatical seguirá a organização tradicional

apresentada pelos livros didáticos tendo o cuidado de expor os temas dentro da

perspectivas das variedades lingüísticas e textuais.

4.4 SISTEMA DE AVALIAÇÃO DO RENDIMENTO ESCOLAR DO ESTADO DE SÃO

PAULO (SARESP)

Page 111: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

111

A necessidade de citar-se essa avaliação deve-se ao fato da mesma

ter sido elaborada considerando um ensino de gramática não normativo, com a

preocupação de verificar o nível de leitura e de compreensão de textos por parte dos

alunos.

A Secretaria de Educação do estado de São Paulo (SEE) avalia a

educação básica do Estado desde 1996, por meio do Sistema de Avaliação de

Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Esse exame tem como

finalidade avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos ao

longo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Quanto aos tipos de provas: as de redação foram do tipo narrativo-

descritivo no EF e dissertativo-argumentativo no EM.

Quanto às correções das provas: antes, houve capacitação para os

professores que participariam da correção. Recebemos o Manual para a avaliação

das redações do Saresp/2008 e este continha todas as orientações necessárias,

orientações estas que muito colaboraram com a aprendizagem dos professores

participantes.

Primeiramente destacou-se a necessidade de compreender qual foi a

situação de produção de texto proposta para depois definir critérios para a avaliação,

pois cada situação de produção de texto, dependendo da sua finalidade exige

competências diferentes dos alunos.

No Saresp/2008 procurou-se observar a construção da proposta

atrelada a um determinado gênero textual. Com base em Bakhtin, pode-se dizer que

os gêneros são formas relativamente estáveis e padronizadas de enunciação,

diretamente relacionadas a determinadas esferas discursivas e a determinadas

formas de circulação social do texto. Podem ser reconhecidos pelo tipo de autoria,

por um conteúdo temático próprio, pela estrutura e organização de sua composição

e, portanto, pelos recursos lingüísticos e textuais que tendem a mobilizar.

A proposta nas provas do Saresp/2007 estava situada em uma

proposição de tipos textuais como a narração e a argumentação. Estes tipos foram

associados aos gêneros e de acordo com as indicações das Matrizes curriculares

para a avaliação de Língua Portuguesa do Saresp/2008, da seguinte forma:

4ª série (5º ano) do Ensino Fundamental: produzir um relato de

experiência pessoal vivida com base em proposta que estabelece tema, gênero,

linguagem, finalidade e interlocutor do texto.

Page 112: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

112

6ª série (7º ano) do Ensino Fundamental: produzir uma carta pessoal

vivida com base em proposta que estabelece tema, gênero, linguagem, finalidade e

interlocutor do texto.

8ª série (9º ano) do Ensino Fundamental: produzir um artigo de opinião

com base em proposta que estabelece tema, gênero,linguagem, finalidade e

interlocutor do texto.

3ª série do Ensino Médio: produzir um artigo de opinião com base em

proposta que estabelece tema, gênero, linguagem, finalidade e interlocutor do texto..

Esse é o diferencial dessa proposta que faz com que a produção de

determinado gênero delimite, mesmo que de forma simulada, a competência do

aluno em produzir um texto que reflita a sua preocupação com as expectativas do

leitor a quem ele se dirige, identificável por marcas características como valores,

referências e formulações. Essa proposta caracteriza-se pela proposição de um

tema em determinado gênero, definindo um provável leitor do texto produzido, esfera

de circulação e finalidade social. Mesmo antes de o aluno produzir a redação e de o

professor avaliá-la, a compreensão da proposta de redação é essencial.

Em todas as séries serão avaliadas quatro competências dos alunos:

tema, gênero, coesão/coerência e registro; a proposição é uma competência que faz

parte da avaliação do ensino médio.

Os outros objetivos da avaliação em Língua Portuguesa promovida

pelo Saresp são essencialmente diagnósticos, trata-se de aferir as capacidades e

habilidades em leitura e escrita que os alunos puderam desenvolver no contexto da

rede estadual de ensino, tomando-se como referências os objetivos de ensino

definidos para as diferentes séries avaliadas.

A redação nas provas do Saresp se expressa pela proposição de uma

situação-problema, cujo desafio é o desenvolvimento, por parte do aluno, de um

texto escrito. Para tanto, o aluno necessita, primeiro, ler a proposta. Ler implica

compreender e interpretar, ou seja, atribuir um significado aos diferentes aspectos

apresentados na proposta da redação. Neste momento, o que está escrito na

proposta de redação é um meio ou um recurso para a produção de uma outra

escrita, a do próprio aluno, que deve mobilizar tudo o que ele sabe, nos limites

espaciais e temporais disponíveis para isso. Mas atribuir um significado à proposta

implica, igualmente, destacar aquilo que o aluno considera relevante, aquilo que o

toca, que o instiga e, portanto, se torna motivo de consideração.

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113

Planilha de correção 4ª, 6ª e 8ª EF e 3º EM

competências Nível1 Insuficiente

Nível 2 Razoável

Nível 3 Bom

Nível 4 Muito bom

C1 Tema

Desenvolver o texto, de acordo com as determinações temáticas e situacionais da proposta de redação

Apresenta dificuldades em compreender a proposta de redação e desenvolve um texto que tangencia o tema.

Compreende razoavelmente a proposta de redação e desenvolve razoavelmente o tema, parafraseando os textos da proposta ou apresentando uma série de idéias associadas (listas) ao tema.

Compreende bem a proposta de redação e desenvolve bem o tema, apresentando indícios de um projeto temático pessoal.

Compreende muito bem a proposta de redação e desenvolve muito bem o tema, com base na definição de um projeto temático pessoal.

CII Gênero

Mobilizar, no texto produzido, os conhecimentos relativos aos elementos organizacionais do gênero

Apresenta dificuldades em compreender a proposta de redação e apresenta indícios do gênero

Compreende razoavelmente a proposta de redação e desenvolve razoavelmente os elementos constituintes do gênero indicado.

Compreende bem a proposta de redação e desenvolve bem os elementos constituintes do gênero mesmo que com desvios.

Compreende bem a proposta de redação e desenvolve muito bem os elementos constituintes do gênero.

CIII Coesão/Coerência Organizar o texto de forma lógica e produtiva, demonstrando conhecimento dos mecanismos lingüísticos e textuais necessários para sua construção

Organiza precariamente as partes do texto, apresentando grande dificuldade em articular as proposições; e demonstra pouco domínio na utilização dos recursos coesivos

Compreende razoavelmente as partes do texto, apresentando redundâncias ou inconsistências constantes, mas com alguns elos entre partes e proposições do texto, demonstrando um domínio básico na utilização dos recursos coesivos

Organiza bem partes do texto apresentando problemas pontuais na articulação entre as partes e/ou as preposições, e demonstra um bom domínio no uso dos recursos coesivos

Organiza muito bem as partes do texto e demonstra um bom domínio no uso dos elementos coesivos

C IV Registro

Aplicar as convenções e normas do sistema da escrita.

Apresenta muitas inadequações, no registro do texto, referentes à norma gramatical, à escrita das palavras, à segmentação de palavras e frases e/ou à pontuação.

Apresenta inadequações no registro do texto, referentes à norma gramatical, à escrita das palavras, à segmentação de palavras e frases e/ou à pontuação mas com indícios de seu domínio básico

Demonstra no registro do texto, bons domínios das regras normativas do sistema de representação da escrita, mesmo que apresente alguns desvios recorrentes no uso dessas regras.

Demonstra no registro do texto, bom domínio das regras normativas do sistema de representação da escrita.

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114

C V Proposição

Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado demonstrando um posicionamento crítico e cidadão a respeito do tema, considerando os valores humanos e a diversidade sociocultural. EM

Elabora proposta de intervenção precariamente relacionada ao tema. EM

Elabora proposta de intervenção razoavelmente relacionada ao tema, mas incipientemente articulada com a argumentação necessária ao posicionamento crítico. EM

Elabora proposta de intervenção bem relacionada ao tema, mas ainda pouco articulada do ponto de vista da argumentação necessária ao posicionamentocritico.EM

Elabora proposta de intervenção muito bem relacionada ao tema e muito bem articulada à argumentação necessária ao posicionamento crítico.EM

( Manual para a avaliação das redações do SARESP, 2008, p. 9)

As partes consideradas mais importantes na redação, dessa prova, são

o Tema e o Gênero. Se o aluno não atendeu à proposta de redação, isto é, escreveu

sobre outro tema ou escreveu em outro gênero, sua produção se enquadra no

conceito 1 – Insuficiente em todas as competências. O momento de transição entre

a leitura da proposta de redação e sua referência na produção do texto é

fundamental. O professor deve estar atento para esta transição. Seja qual for a

temática desenvolvida pelo aluno, a redação deve manter um elo com a proposta

solicitada.

Os alunos do atual 7º ano teriam que responder a uma carta do primo

André. Nesta carta ele dizia que ia se mudar para perto deles, falava sobre a escola

que freqüentava, seus amigos, e perguntava sobre a escola deles, pois seria a que

ele iria freqüentar.

A proposta de redação para os alunos do 9º ano foi produzir um artigo

de opinião tendo como tema: A escola pública em discussão: a escola que eu tenho

e a escola que eu gostaria de ter. Foram apresentados alguns textos publicados em

um blog da internet com algumas opiniões sobre o assunto e as seguintes

recomendações:

Ao desenvolver o tema, procure utilizar conhecimentos adquiridos e as

reflexões feitas ao longo de sua formação. Selecione, organize e relacione

argumentos, fatos e opiniões para defender o seu ponto de vista, elaborando

propostas para a solução do problema discutido em seu texto.

Podemos observar que o aluno para fazer uma boa redação, precisa

ter criatividade e o mais importante é que seu professor seja um adepto do ensino

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115

produtivo. Durante a orientação para a correção disseram-nos sobre a importância

dos aspectos lingüísticos e a pouca importância das regras da gramática normativa.

Estas provas vieram ao encontro das idéias dos lingüistas que acham

que está na hora de mudarmos a nossa maneira de ensinar, devemos mudar nossos

valores, nossas crenças, direcionar nossos objetivos levando em consideração os

alunos, eles sempre deverão estar em primeiro lugar.

Podemos aqui dizer que o professorado de português vive uma

situação muito incômoda, pois as opiniões de respeitados estudiosos convergem

para a posição de que o ensino de Português deve privilegiar o texto com as novas

contribuições lingüísticas, focalizando gêneros diversos sem ater-se ao livro didático.

A gramática tradicional tem o seu lugar no ensino, mas não é um

caminho ideal para desenvolver o desempenho na leitura e na escrita.

O grande perigo é transformar a gramática – uma disciplina já em si um tanto difícil – em uma doutrina absolutista, dirigida mais ou menos exclusivamente à “correção” de pretensas impropriedades lingüísticas dos alunos. A cada passo, o aluno que procura escrever encontra essa arma apontada sobre sua cabeça: “Não é assim que se escreve (ou se fala)”, “Isso não é português”e assim por diante. Daí só pode surgir aquele complexo de inferioridade lingüístico tão comum entre nós: ninguém sabe português – exceto, talvez, alguns poucos privilegiados, como os que se especializam em publicar livros com listas de centenas ou milhares de “erros” de português” ( PERINI,1995, p. 13).

4.5 GRAMÁTICA E ENSINO

Muitas dicotomias têm cercado a noção de gramática. Dentre elas, a

mais problemática das dicotomias do estudo lingüístico é: certo x errado. Segundo

Neves (2006, p. 155), pode-se argumentar que cabe à escola preservar seus

educandos da discriminação social que, com certeza, será vítima se não receberem

a devida orientação escolar; o temor do erro é uma questão mal conduzida, pois

mesmo os que pregam a liberdade sobre o modo de falar ou escrever dos usuários

da língua, possuem preconceitos lingüísticos.

Outra dicotomia muito discutida é a uso x norma-padrão, é a mais

legitima confrontação quando se trata da atuação escolar no trabalho com a

linguagem. Por ser uma norma socialmente legítima, essa norma padrão merece

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116

reflexão profunda e precisa estar sob consideração o espaço escolar que a língua

materna deve ocupar. Para as situações informais de fala no seu próprio meio

social, todos estão minuciados desde que aprenderam a falar, mas o

monodialetalismo é a maior fonte de barreiras para a mobilidade social, além de

constituir fonte inegável de frustração pessoal.

Neves (2006) afirma ser necessário que não nos iludamos quando,

demagogicamente, em nome de “somos todos iguais”, condenarem o cuidado da

escola com a língua escrita e com a norma prestigiada, pois estarão pregando que

as desigualdades de oportunidade e realização pessoal sejam mantidas e

alimentadas. Não é legítimo que se apregoe condição de inferioridade para os

alunos que ingressam na escola sem nenhuma versatilidade quanto, e pela falta de

posse de outro padrão que não aquele de seu grupo familiar, desprestigiado. A

escola está instituída justamente para caminhar em trabalho participativo, para a

colocação de seus alunos em outras situações que acionem outros padrões, aos

quais eles terão que chegar pela construção e pelo aproveitamento de situações de

interação, nunca pelo oferecimento de lições prontas de “boa” linguagem.

A terceira dicotomia – língua falada x língua escrita tem sido

falsamente avaliada principalmente quando se trata de trabalho escolar com a

linguagem. A alfabetização parte do princípio de que alfabetizar é ensinar a codificar

os sons em letras e cadeia sonora em cadeia gráfica. O insucesso no desempenho

escrito, verificado mais tarde, é inevitável, conseqüência do entendimento no trânsito

das normas coloquiais para a padrão e mobilidade entre os diversos registros para a

necessária adequação devam ser obtidos em lições “gramaticais” desvinculadas do

processo de interlocução. A atenção escolar se concentra na produção escrita e o

sistema escolar entende que a desvinculação deve ser imediata, simplesmente não

admitindo que a criança escreva “como fala”, mesmo no inicio de sua atividade de

produção de textos escritos.

O que ocorre na situação escolar de produção escrita é que, com condições de produção absolutamente rituais, com motivações artificialmente criadas, com finalidades ditadas do exterior, afinal com total ausência de uma situação consentida de interlocução, o aluno se põe a produzir um texto simplesmente na hora em que lhe dizem que está na hora de produzir um texto, sem mais quê nem por quê. E, afinal, o que a escola obtém, com essa atitude, é fazer a criança perder o domínio de seu desempenho em linguagem, e confundir a consciência intuitiva de linguagem que a fala lhe deu (NEVES, 2006. p. 159)

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117

A quarta dicotomia - descriçào x prescrição – pertence ao domínio da

analise lingüística, da investigação sobre o funcionamento da linguagem. Com esta

dicotomia entramos no domínio conceitual, aqui, exige-se muito, discussões

envolvidas serão de ordens tais como a própria concepção de gramática e a

natureza das gramáticas.

Nogueira (1999) buscando “compreender a extensão e a variedade do

conceito de gramática em função de suas implicações pedagógico-didáticas” (p.

104), considera três perspectivas complementares: “descritiva, normativa-prescritiva

e produtiva”. O autor considera indiscutível a distinção entre as duas primeiras

perspectivas porque as línguas naturais são mecanismos cujo funcionamento

decorre do rigor inerente à relação que entre si mantêm os elementos que as

constituem como sistemas e porque as práticas de uso da língua em situações

concretas de enunciação e comunicação implicam por meio dos falantes, a

consciência crítica de que existe uma norma, que até certo ponto determina o

estabelecimento de padrões de correções vigentes em períodos mais ou menos

longos (in NEVES, 2006, p. 160).

O imobilismo da língua é um ideal a ser perseguido, e de uma

concepção ainda sociopoliticamente de que uma língua nacional deve ser

preservada, como instrumento de dominação.

Relacionado à natureza da gramática é o discurso dos manuais de

gramática, que Barros (2001, in NEVES, 2006. p. 161) investiga como “discurso da

norma”, ou seja, “o conjunto de procedimentos discursivos que levam o enunciatário

a acreditar na verdade e na necessidade de certos usos lingüísticos”.

4.6 EM BUSCA DE PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE ENSINO

Com base em Pernambuco (1995) apresentaremos alguns princípios

que poderão nortear uma proposta de ensino. Segundo este autor, a escola deve

ajudar o aluno a crescer linguisticamente com maturidade intelectual e emocional,

com crescimento de toda a vida, e em todas as demais disciplinas do currículo

escolar. Somente com a ascensão do nível sócio-culltural é que crescerá o nível de

línguagem do indivíduo.

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118

Pernambuco ressalta:

O realismo lingüístico é indispensável ao professor: a língua (e a gramática) é como é, não como deveria ser, como o professor quereria que fosse, como os gramáticos pretendem impor que seja, presos a modelo do passado. Relativismo lingüístico: língua e comportamento gramatical devem ser vistos e julgados relativamente aos falantes/escreventes, à natureza, objetivos e circunstâncias de seus atos de comunicação. O inverso desse relativismo é o absolutismo gramatical do ensino tradicional ingênuo. (...). Em sociedades econômica e culturalmente heterogêneas, é inevitável a heterogeneidade no campo da linguagem.

De acordo com o pesquisador, os alunos não falam a mesma

variedade lingüística e nossa proposta defende por parte da escola um trabalho

eficiente no sentido de ampliar a competência lingüística do aprendiz ensinando-lhe

a variedade prestigiada sem menosprezar a variedade lingüística que ele aprendeu

em seu meio ambiente. Se a criança aprendeu-a espontaneamente em seu

ambiente, certamente aprenderá a variante que a escola quer que ela aprenda

desde que as atividades para tal sejam semelhantes.

O fracasso escolar acontece porque a escola não está conseguindo

que o aluno desenvolva a habilidade de domínio da modalidade escrita da língua.

Isto acontece devido ao fato de que tem feito uso somente do ensino prescritivo.

Segundo Pernambuco (1995), para se criarem condições adequadas

ao processo ensino-aprendizagem de língua portuguesa, as atividades pedagógicas

em sala de aula deverão estar centradas nos trabalhos com o texto. Aqui, texto

significa toda a produção verbal, seja ela escrita ou oral, organizada, com sentido e

dentro de um contexto determinado.

Sendo a principal função do professor, ensinar ao aluno como se

produz e como se lê o texto em busca do que dizer e do como dizer, há necessidade

de que ele tenha conhecimento a respeito da concepção do texto que a criança

possui na fase de alfabetização e da influência que tem tal concepção na forma

como estrutura seus textos.

Segundo Koch (2008), os modelos de texto de uma criança nas séries

iniciais de escolarização: a) quanto à forma de estrutura, está ligada ao texto oral,

conversacional, ou a textos narrativos (estórias, “casos”); ao entrar na fase de

alfabetização seu modelo é acrescido pelo texto da cartilha o qual é considerado o

modelo “correto”. Com estes modelos seus textos passam a ser mais artificiais

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119

perdendo muito da criatividade de seus primeiros textos. Mais tarde ela encontra

outros modelos de textos: quadrinhos, livros de literatura infantil e modelos de

redação; mesmo assim seus textos continuam cheios de marcas de oralidade que

deverão ser eliminadas por meio da intervenção do professor. b) quanto a

superestrutura ou esquema textual e à macroestrutura ou conteúdo semântico

global: quando narrativas, o esquema textual mais freqüente é o de contos de fada,

das historias tradicionais, estes textos apresentam situação, complicação,resolução

e a coda para finalizar: “E viveram felizes para sempre”. c) tempo verbal inadequado:

em todas as séries, diminuindo sensivelmente nas séries finais.

A metodologia do trabalho com o texto que queremos é aquela que faça da prática pedagógica diária uma oportunidade de troca e existência em comum de valores díspares tendo a linguagem como veículo de interação. O trabalho com o texto e pelo texto que preconizamos pretende levar o aluno a ter uma visão crítica da realidade com percepção dos conteúdos ideológicos destinados a mascarar a essência do real (PERNAMBUCO, 1995, p. 110).

O professor tem a função de direcionar o aluno a fazer textos e para

isso ele deverá ser um bom leitor que tenha intimidade com tipos variados de textos.

O professor é o mediador entre o aluno e o texto levando-o a produzir sua própria

leitura, percebendo as várias significações que um texto pode ter e observando suas

estruturas. O sucesso desse trabalho com o texto em sala de aula depende somente

de o professor utilizar alguns procedimentos básicos, ser competente nesse trabalho

e direcionar seu trabalho às finalidades educacionais escolhidas como adequadas

ao seu trabalho docente.

4.6.1 O texto do aluno como ponto de partida

É imprescindível que nesta fase o professor interaja com o seu aluno

para conhecê-lo, é necessário que através da oralidade ele descubra o meio em que

o aluno vive, os seus anseios quanto à escola, seus interesses e gostos. Através

deste diálogo, o professor cria condições adequadas para o desenvolvimento da

oralidade do aluno e também para a produção de textos escritos. O tempo

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120

estipulado para esse processo é o necessário para que todos os alunos falem e que

suas falas sejam ouvidas e respeitadas pelos outros alunos.

Como próximo passo será a estimulação para o texto escrito, mas sem

exigências, sem traumas. Após a escrita o ideal será que cada um leia o texto que

acabou de escrever para os demais, pois esta é uma grande oportunidade para os

alunos se desinibirem e para o professor verificar a concepção que cada aluno tem

da modalidade escrita da língua em relação à língua oral.

Para Pernambuco (1995), “é preciso que o professor tenha

conhecimentos seguros a respeito dos processos que acontecem na leitura e na

redação para que sua interferência seja adequada”, pois somente assim ele poderá

conduzir o aluno na produção de textos na modalidade escrita.

Nesta etapa da nossa proposta levamos em conta: o aluno e seu

universo lingüístico (experiências), o processo da fala e da escrita e o professor com

ciência de que ele tem do que seja ler e escrever e ter seu projeto de ensino.

É notório que a chegada à produção do texto escrito é bem mais

complexa do que a aprendizagem da fala, mas o aluno também aprenderá desde

que esse processo seja bem conduzido pelo professor.

Durante o desenvolvimento de sua pesquisa, Pernambuco (1993)

percebeu que ao pedir aos alunos que fizessem alguns textos, confessionais no

caso, que o aluno não encontra dificuldade em escrever sobre suas experiências

pessoais, mas sua escrita é a transcrição da fala. Percebeu também que lendo os

textos com atenção percebe-se que o aluno não está preocupado com a possível

avaliação do professor; escrever para ele é falar através da palavra escrita. A partir

do conhecimento que se tem do aluno através de seus textos é que se deve traçar

um projeto de ensino adequado às necessidades, interesses e gostos para melhor

poder conduzi-lo à aquisição da habilidade da produção de textos. O que importa ao

professor no momento é levar o aluno a aprender a pensar o que seja a modalidade

escrita da língua. Até chegar a essa compreensão ele passa por três fases: “a

escrita é a fala transcrita graficamente, a escrita é diferente da fala porque exige o

uso de palavras mais difíceis e frases mais complicadas, a escrita é outra

modalidade de língua e exige conhecimento de técnicas”.

O contato dos alunos com textos múltiplos e variados com relação à

estruturação e à temática é que vai definindo o tempo necessário para que ele

ultrapasse as etapas.

Page 121: EM BUSCA DE UM ENSINO PRODUTIVO DA GRAMÁTICA

121

4.6.2 Trabalhar o texto do aluno em todos os aspectos

Muitos aspectos poderão ser observados coletivamente pelo professor

como: paragrafação, pontuação, coesão, coerência, etc.

Segundo Koch (2008) “a concepção de texto que a criança possui tem

reflexos na escrita, em termos da coesão e da coerência do texto. A coesão diz

respeito ao modo como os constituintes textuais se encontram explicitamente

interligados. Geralmente, os problemas apresentados são:

a) a conexão entre os enunciados faz-se por simples justaposição ou

por meio de seqüenciadores típicos do texto oral;

b) encontra-se várias ocorrências de mas, às vezes com função

adversativas, às vezes meramente continuativa;

c) repetições em abundância;

d) referência ambígua.

Quanto à coerência, “ela diz respeito ao modo como os elementos

expressos na superfície textual e aqueles que se encontram explicitados vêm a

permitir aos usuários do texto a construção de um sentido devido à atuação de uma

série de fatores de ordem cognitiva, sociocultural, situacional, interacional (KOCH

2008, p. 181).

Pode-se falar em diversos tipos de coerência: semântica, sintática,

temática, superestrutural e temporal.

4.6.3 Selecionar as dificuldades apresentadas pelos alunos.

Após a leitura dos textos pelo professor que, neste primeiro momento,

só deverá estar preocupado com o conteúdo do texto, deverá ser feita uma releitura

deles. Durante essas releituras, em algum caderno ou folha, o professor deverá

anotar as principais dificuldades dos alunos para depois trabalhá-las uma a uma. O

professor não deve preocupar-se com o tempo que irá gastar com este trabalho,

mas sim com os resultados que deverá obter,.interessa nessa fase conhecer o aluno

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122

e sua visão de mundo, sem preocupação excessiva com o domínio que ele possa ter

de correção gramatical.

4.6.4 Propostas de leituras

A seleção de textos é imprescindível para o sucesso de nossa

proposta; para poder fazê-la, naturalmente, o professor deverá ser bom leitor e

conhecer os mais variados tipos de textos, tanto ficção como não-ficção. É de

grande importância a presença no dia-a-dia da sala de aula, de textos como cartas

familiares, diários íntimos, jornais, revistas, diálogos informais, romances, etc. A

literatura infanto-juvenil é uma grande oportunidade para despertar a sensibilidade

no aluno e ampliar a sua visão de mundo. Enredos palpitantes e trama bem

construída é o tipo de livro que proporciona, aos adolescentes, prazer na leitura.

O momento decisivo para o nascimento de um bom leitor, dentro e fora

da aula, é este, daí a necessidade do professor ser um amante da literatura para

crianças e adolescentes. Os textos selecionados não podem ser somente os

voltados para uma pedagogia moral, mas aquele que deixa espaço para a reflexão,

para a busca, para a fantasia da criança e do adolescente.

É inaceitável que o professor trate a literatura como simples obrigação

didática, como instrumento para atribuir notas e conceitos. O professor tem que

despertar no aluno o prazer pela leitura.

Nas Escolas Municipais de Sertãozinho, de primeiro ao nono ano,

temos o “Projeto Sol do Saber”. Ele é desenvolvido nas bibliotecas das escolas e

coordenado por professores que gostam e têm o hábito de ler. Os alunos participam

de uma aula neste local com decoração e mobiliário apropriado, todas as semanas.

Lá, eles ouvem e contam histórias, escolhem livros para lerem em casa, trocam os

livros com os amigos, indicam leituras, assistem a filmes, fazem comparações, etc.

Do aluno é cobrado responsabilidade e cuidados com os livros. A leitura é cobrada

descontraidamente, através de leitura ou reprodução oral, desenhos, textos escritos,

etc. eles não gostam de faltar às aulas no dia que “tem biblioteca”, amam ler. A

criança lê o livro que lhe dá prazer e costumam freqüentar a Biblioteca Municipal

para retirarem livros que não têm na escola e também para fazer pesquisas. Não há

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123

atribuição de notas nem conceitos, o aluno gosta de ler. As séries iniciais também

levam livros para lerem em casa com a ajuda dos pais, das mães ou irmãos, muitas

vezes decoram as histórias. Esse projeto, às vezes completa o trabalho do professor

na sala de aula e às vezes é completado por eles, é um trabalho interdisciplinar e

coletivo.

4.6.5 A aula de gramática, laboratório de leitura e escrita.

Segundo Pernambuco (1995), “a aula de português deve funcionar

como uma espécie de laboratório em que o erro ocasional é sempre oportunidade de

uma nova descoberta”. Quando esse processo é bem dirigido não há

constrangimento por parte dos alunos e muitas vezes ele é capaz de perceber sua

próprias falhas em um ou outro aspecto do trabalho.

Há necessidade de o professor se conscientizar de que ele deve ler

cada vez mais, mas não é porque ele gostou do texto que os alunos também irão

gostar, deve ir preparado para a aula para não se decepcionar. “O gosto é do aluno

e para ele não existe autor clássico ou não”, diz Pernambuco (1995)..

O leitor deve ver no texto um todo de estruturação e um todo de

significação; deve enxergar no texto o jogo que se faz com as palavras para a

abertura de caminhos para as diferentes leituras. Logicamente uma prática de leitura

bem conduzida não fará do leitor, obrigatoriamente, um grande produtor de textos,

mas com certeza escreverá textos muito melhores, pois o caminho da modalidade

escrita é a partir do domínio da leitura.

Não se pretende fazer surgir um escritor mas proporcionar aos alunos

situações de aprendizado significativas para que eles se apropriem da língua.

As perguntas que o aluno faz sobre a língua, quando em contato com a leitura de textos ou durante o processo de produção deles é que devem constituir o material de ensino do professor. Da forma como é conduzido, o ensino de língua portuguesa em nossas escolas causa a impressão de que o que se deseja é fazer do aluno um autor de gramática normativa da língua, quando, na verdade, o que deveria estar em foco é a possibilidade de o ensino contribuir para a expansão do material lingüístico e cultural dos alunos, como forma de crescimento

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124

individual e a conseqüente transformação da sociedade. (PERNAMBUCO, 1995,p. 117).

Esta proposta de trabalho com textos pretende alcançar a participação

ativa dos alunos e levá-los a desenvolver um trabalho produtivo, sendo um bom

leitor e produtor de textos. Bons leitores referindo-se à capacidade de o aluno ler

percebendo o sentido do que se disse, usando a língua e, quanto à produção de

textos, pretende-se que o aluno seja capaz de usar a língua produzindo textos orais

e escritos de acordo com as necessidades. Um texto narrativo curto, um convite,

uma carta familiar, um bilhete, uma página de diário, um comentário sobre um texto

lido devem fazer parte dos textos trabalhados até uma quinta série..

Para Pernambuco (1995), o ensino de língua portuguesa deve ter como

objetivo maior levar o aluno a usar a língua entendendo o que está fazendo através

dela e usá-la expressando o seu próprio mundo.

A redação não deve ser usada, prioritariamente para atribuição de

notas, mas, sim, como um elemento diagnóstico para o professor detectar as

dificuldades dos alunos no domínio da modalidade escrita da língua e tentar saná-

las.

Os objetivos e a proposta desenvolvida em nossa pesquisa é a mesma

defendida por Pernambuco em 1995.

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125

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Ser conservador em matéria de linguagem é estupidez. E ser totalmente inovador é ilusão, pois não se abole nada só porque se quer abolir. O equilíbrio é difícil.”

Glauco Mattoso (1951)

A proposta dessa dissertação foi analisar o trabalho do professor de

português na sala de aula, principalmente no que diz respeito ao ensino da

gramática. Através dessa análise pretendemos desenvolver princípios que dêem ao

aluno, acesso à modalidade escrita da língua, possível a todas as pessoas que já

dominam esta mesma língua, em sua modalidade oral e em diversos dialetos e

registros. A escola assume o papel de ser, na sociedade, mais um dos veículos

divulgadores de uma variedade lingüística considerada como padrão. Nossa

pesquisa buscou investigar como a escola tem agido para ensinar a língua de forma

produtiva.

A escola atual não é capacitada para transmitir uma modalidade

lingüística a um público bastante diversificado social e linguisticamente. A

democratização da escola trouxe um grande número de alunos, e os professores

não estavam preparados metodologicamente para receberem essas crianças

socioeconomicamente diferentes e com uma grande variedade lingüística.

Há uma grande variação quanto às práticas pedagógicas usadas pelos

docentes e uma delas é a predominância do ensino de metalinguagem, através de

exercícios de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análises de

problemas, domínios de conceitos. Este tipo de prática está ligada ao conceito de

que para se escrever bem, deve-se saber a gramática normativa. Ensinar português

não se restringe apenas ao trabalho de metalinguagem, é preciso mostrar ao falante

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126

que, ao usar a língua, ele estará se sujeitando não somente às normas gramaticais e

semânticas, mas também às normas pragmáticas e sócio-culturais.

O trabalho do professor é de enorme importância, pois ele deve saber

conciliar os objetivos específicos de sua função com sua ação didática. Para que

isso aconteça há a necessidade de que o professor tenha claro o conceito de que

seja uma língua e especificamente do que seja a gramática da língua.

A leitura também faz parte das estratégias de trabalho com os alunos

e, não é uma unanimidade, mas quase sempre o aluno que lê mais escreve melhor.

Os exercícios de redação, também fazem parte das atividades escolares, mas tem

como objetivo principal a correção feita pelo professor, é uma avaliação. Os textos

dos alunos são destinados a um único leitor: o professor. O professor de língua

materna interfere diretamente na formação do indivíduo e este fato deve ser

assumido com todas as suas implicações. . A finalidade que deveria ter uma

redação escolar é a de proporcionar aos alunos condições de domínio da língua

escrita para a sua expressão individual.

Há necessidade de que todos se conscientizem de que ao aprender

uma língua, o falante está aprendendo a refletir, a distinguir a dimensão pessoal da

sociedade e a comunicar experiências e sensações. Dominar a língua é ser capaz

de entender os seus usos, descobrir o que as pessoas podem fazer umas com as

outras usando as palavras, e saber usá-la para se produzir os textos que se quer

produzir, falando ou escrevendo com controle dos recursos que ela oferece aos seus

usuários. Trabalhar com a língua deve ser uma prática social prazerosa e com

sentido.

O preconceito social, lingüístico, sempre esteve e ainda está presente

nas nossas salas de aula. A escola nunca ofereceu condições de igualdade aos

seus alunos, ao contrário, às vezes recrimina, provocando grande reprovação e

evasão deles. O caminho para a igualdade desses alunos começaria pela escola

aceitar a variedade lingüística deles, proporcionando condições para que ocorra o

domínio da variedade considerada padrão em nossa sociedade.

Para que isso ocorra, não será através de regras gramaticais, mas,

sim, que a função do professor seja fundamentada numa metodologia de:

trabalho com o texto e pelo texto que leve o aluno a ter uma visão crítica da realidade com concepção dos conteúdos ideológicos destinados a mascarar a essência do real. A função do professor será a de conduzir o aluno a fazer

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127

textos que falem de textos instrumentalizando-o para ocupar adequadamente um espaço na sua comunidade, agindo para a sua transformação. (PERNAMBUCO, 1986,p. 136).

O professor deve mostrar ao aluno por que fazer, como fazer, sugerir

possibilidades, alternativas, explicitar, corrigir, mostrar caminhos para o

desenvolvimento do texto a ser lido por ele e por outros. Para que o professor efetive

o desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, suas aulas devem

dispor de atividades diversificadas que conduzam os alunos para o domínio dos

diferentes modos de atuação lingüística, para que assim se tornem capacitados para

explorarem a adequação do discurso às diversas situações de comunicação. Cabe

ao professor fornecer meios para que o aluno adquira e aprenda os elementos

lingüísticos correspondentes às diferentes situações comunicativas, pressupondo

que a variação lingüística está ligada a mudanças de situação.

Para que o ensino de português atinja os objetivos almejados, a

concepção de língua adotada deve levar em conta o processo de linguagem na

integração das atividades da gramática, leitura e produção de textos, tornando as

aulas dinâmicas e operatórias.

Há necessidade de que se estabeleça uma conexão entre as

atividades de gramática, de leitura/compreensão e de produção de textos. Os alunos

criticando os seus próprios textos poderão ampliar a teoria gramatical podendo

assim entender as variedades de recursos sintáticos expressivos disponíveis ao

escritor ou ao falante para a composição do sentido dos textos. Trabalhos isolados

com orações, com o intuito de exemplificar os diferentes aspectos gramaticais não

levam o aluno a operar com a linguagem; construindo e transformando os textos os

alunos estão operando e conhecendo os diferentes valores argumentais das

expressões que tem ao seu dispor.

Em vez de dedicar suas aulas às definições de categorias gramaticais,

o professor deve levar o aluno a uma melhor compreensão da função da morfologia

na sintaxe, o caráter relacional das estruturas sintáticas, o valor categorial dos

elementos nas estruturas.

A escola deve configurar situações específicas de linguagem com fins

e propósitos específicos e próprios. É necessário que se criem condições para o

exercício do saber lingüístico e da gramática interiorizada, que se manifesta na

interação.

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128

Os PCNs (1998) preconizam que o ensino de Língua Portuguesa deve

ter como objeto central o texto:

Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e interpretar textos, não é possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com a competência discursiva, que é a questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o texto. Priorizar o texto não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que o exijam.

Segundo Koch (2008), a maior “novidade” no ensino da língua materna

é o deslocamento que se vem operando do foco na gramática normativa para o foco

no texto. Justifica : não quer dizer que a gramática não é útil e que não deva ser

ensinada, mas sim que deve ser ensinada dentro das práticas concretas da

linguagem; que não se deve fazer do texto um pretexto para ensinar a gramática;

não significa que deva encher as crianças de conceitos recém aprendidos na

faculdade, mas sim levar o aluno a uma reflexão sobre como se produzem sentidos

na interação por meio da língua, ou seja, por intermédio de textos.

O processamento textual quer em termos de produção ou de

compreensão, depende de uma interação entre produtor e leitor. Compreende da

parte do produtor do texto um “projeto de dizer”. E da parte do leitor, uma

participação ativa na construção do sentido, por meio da mobilização do contexto a

partir das pistas e sinalizações que o texto lhe oferece.

Os PCNs deixam clara a necessidade do recurso do contexto na

produção da linguagem. O contexto abrange não só o co-texto (situação de

interação imediata e mediata), mas também o contexto sociocognitivo dos

interlocutores. As abordagens sociocognitivas do processamento textual vêm

postulando que o contexto físico não afeta a linguagem diretamente, mas sempre

por intermédios dos conhecimentos.

Esta pesquisa envolveu-se com o ensino de gramática e com o

trabalho do professor. Ao final, buscou apresentar, com base nas teorias lingüísticas

que tratam do texto e sua produção, princípios para uma proposta de ensino

produtivo da gramática e do texto.

Esperamos que este trabalho possa colaborar para a ampliação das

habilidades lingüísticas de seus alunos.

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129

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