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TEMPO E PROCESSO: EFETIVIDADE E CELERIDADE, ÀS VOLTAS DA SEMPRE DIFÍCIL RELAÇÃO ENTRE A TÊMIS E O LEVIATÃ Carlos Eduardo Araújo de Carvalho 1 El valor que el tiempo tiene en el proceso es inmenso y, em grand parte desconocido. No sería demasiado atrevido parangonar el tiempo a un enemigo contra el cual el juez lucha sin descanso”. (CARNELUTTI, 1971, p.412). Resumo: O presente artigo versa sobre a problemática atual da relação Tempo e Processo e de suas repercussões entre a atividade “da justiça” e a imposição Estatal, bem como põe em crysis a ideologia impositiva da máxima eficiência jurisdicional, que pode culminar em atropelos de direitos e garantias fundamentais historicamente conquistados, no afã de travestir concepções autoritárias em democráticas. E tenta definir em parâmetros democráticos contemporâneos os princípios da celeridade e efetividade jurisdicional. Palavras Chaves: Tempo, Processo Democrático, Princípios Jurídicos, Efetividade, Celeridade, Súmula Vinculante, Fundamentação dos Provimentos, Provimentos de Surpresa, A Repercussão Geral, Determinação dos Ritos Processuais, Urgência de Tutela Introdução: Uma Breve Análise do Tempo no Processo. Os teóricos do direito processual e os demais profissionais do Direito há muito se debruçam sobre o problema do ideal momento de apresentação de resultado procedimental, decorrente da tramitação das demandas, postas para função jurisdicional. O interstício temporal, consubstanciado entre a instauração do procedimento e o proferimento do provimento definitivo, que vem apresentando, segundo parte da doutrina, demasiados percalços. 1 Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito Processual Constitucional, bacharel em Direito. Atualmente é Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Sete Lagoas e da Faculdade de Ciências Jurídicas Alberto Deodato; Professor Convidado - Pesquisador, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; e sócio-diretor do escritório Carvalho & Garcia Advocacia.

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TEMPO E PROCESSO: EFETIVIDADE E CELERIDADE, ÀS VOLTAS DA SEMPRE

DIFÍCIL RELAÇÃO ENTRE A TÊMIS E O LEVIATÃ

Carlos Eduardo Araújo de Carvalho1

El valor que e l t iempo t iene en e l proceso es inmenso y, em grand parte desconoc ido. No sería demasiado at revido parangonar e l t iempo a un enemigo contra e l cual e l juez lucha s in descanso” . (CARNELUTTI, 1971, p.412) .

Resumo:

O presente artigo versa sobre a problemática atual da relação Tempo e Processo e de

suas repercussões entre a atividade “da justiça” e a imposição Estatal, bem como põe

em crysis a ideologia impositiva da máxima eficiência jurisdicional, que pode culminar

em atropelos de direitos e garantias fundamentais historicamente conquistados, no afã

de travestir concepções autoritárias em democráticas. E tenta definir em parâmetros

democráticos contemporâneos os princípios da celeridade e efetividade jurisdicional.

Palavras Chaves: Tempo, Processo Democrático, Princípios Jurídicos, Efetividade,

Celeridade, Súmula Vinculante, Fundamentação dos Provimentos, Provimentos de

Surpresa, A Repercussão Geral, Determinação dos Ritos Processuais, Urgência de

Tutela

Introdução: Uma Breve Análise do Tempo no Processo.

Os teóricos do direito processual e os demais profissionais do Direito há

muito se debruçam sobre o problema do ideal momento de apresentação de resultado

procedimental, decorrente da tramitação das demandas, postas para função

jurisdicional. O interstício temporal, consubstanciado entre a instauração do

procedimento e o proferimento do provimento definitivo, que vem apresentando,

segundo parte da doutrina, demasiados percalços.

1 Mestre em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito Processual Constitucional, bacharel em Direito. Atualmente é Professor da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Sete Lagoas e da Faculdade de Ciências Jurídicas Alberto Deodato; Professor Convidado - Pesquisador, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; e sócio-diretor do escritório Carvalho & Garcia Advocacia.

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Assim, apontam inúmeras circunstâncias geradoras de um procedimento,

que é taxado de lento; além de causador de excessivo dispêndio. É o que se verifica,

nas últimas reformas processuais civis, auferidas pelas Leis 10.352/01; 11.276/01;

11.187/05; 11.276/06; 11.277/06; 11.280/06; 11.341/06; e 11.418/06, que alteraram de

sobre maneira o direito recursal brasileiro.

Busca-se, assim, de forma contínua e inexorável, uma responsabilização

do tempo, que teria um fluir vagaroso, que é incompatível com o virtuoso “acesso à

ordem jurídica justa”2.

O que se põe em contraposição, então, são basicamente duas

concepções: efetividade (como sinônimo de eficiência) e tempo. Como se este fosse

inimigo do daquele.

Na esteira desse reformismo, o procedimento ordinário, em razão de sua

clara divisão em fases, que necessitam ser observadas pelo órgão jurisdicional, está a

ser o próximo a sofrer enormes reformas3, que porventura e diante da celeridade com

que se empreendem as discussões no processo legislativo, estar-se-á a por em risco

direitos e garantias fundamentais, conquistados com o início da era moderna e o

surgimento das bases do Estado Democrático de Direito.

José Rogério Cruz e Tucci pontua que:

Partindo-se do pressuposto de que o fator tempo tornou-se um elemento determinante para garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a técnica de cognição sumária delineia-se de crucial importância para a idéia de um processo que espelhe a realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.4

Na seqüência, o doutrinador defende a existência de “três frentes” que

visam erradicar ou, pelo menos, minimizar os efeitos deletérios produzidos pela

intempestividade da tutela jurisdicional, e que podem ser classificados em: a)

2 TAVARES, Fernando Horta. Tempo e Processo; in TAVARES, Fernando Horta (Cord.). Urgências de Tutela: Processo Cautelar e Tutela Antecipada. Curitiba: Juruá. 2007, p.111 3 O procedimento ordinário de cognição, tradicionalmente tomado como base e ponto central do ordenamento processual, foi sendo corroído por novas posturas, preocupadas com a efetividade da tutela jurisdicional e com um processo de resultados. [...] observou-se que o modelo tradicional de procedimento ordinário é inadequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem. O procedimento ordinário de cognição não pode mais ser considerado técnica universal de solução de controvérsia, sendo necessário substituí-lo, na medida do possível e observados determinados pressupostos, por outras estruturas procedimentais, mais adequadas à espécie de direito material a ser tutelado e capazes de fazer face às situações de urgência. (GRINOVER, Ada Pellegrini. Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua estabilização. Revista de Processo. Repro 121. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.11-37, mar., 2005., p.11-37) 4 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.122-123

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mecanismos endoprocessuais de repressão à chicana; b) mecanismos de aceleração

do processo e c) mecanismos jurisdicionais de controle externo da lentidão.

Isso, porque, a corrente teoria-processual dominante no Brasil, preconiza

que a efetividade do processo consiste:

“no adequado cumprimento das sentenças judiciais e na obtenção do maior alcance prático com o menor custo possível na proteção concreta dos direitos dos cidadãos. Na busca desta efetividade, ampliam-se os poderes do Estado-juiz ao argumento de desformalizarem o direito para atingir justiça social”5.

Estas conformações teóricas apodídicas advêm de uma escola

processual, que se autodenomina de “Escola Instrumentalista do Processo” e que

defendem a necessidade inerente de um protagonismo do juiz no procedimento6. Os

juristas pertencentes a esta escola, seguem a doutrina Bülowiana7, pelo qual o

processo se constituiria por um vínculo entre o juiz, autor e o réu, atribuindo-lhe

escopos metajurídicos, que lhe são impositivos, ou seja, o Direito enquanto fenômeno

jurídico, tal como se encontra realizado, deve ser confrontado com formulações

políticas, éticas e sociais, conformando-se a elas8, como se fosse algo (um

instrumento) incapaz de alterar a realidade, mas tão somente adequar-se a ela.

O jurista mineiro Humberto Theodoro Jr. assevera que o processo deve

conceder à atividade judicacional do Estado o papel de idealizador e realizador prático

da “justiça”.

Neste sentido afirma:

“O Processo que lega ao novo milênio é o da efetividade, no qual não se cinge o Judiciário a dar aos litigantes uma solução conforme a lei vigente, mas a que tenha como compromisso maior o de alcançar e pronunciar, ao menor tempo possível, e com o mínimo de sacrifício econômico, a melhor composição do litígio.”9

5 Almeida, Andréa Alves de. A Efetividade, Eficiência e Eficácia do Processo no Estão Democrático. In Estudos continuados de Teoria do Processo. Vol IV. Coord. Rosemiro Pereira Leal. Porto Alegre: Sítese, 2004, p.83. 6 NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ativismo e protagonismo judicial em xeque. Argumentos pragmáticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2106, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12587>. Acesso em: 23 abr. 2009. 7 “meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2003, p.277). 8 Vide in: Nader, Paulo. Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.28; Reale, Miguel. Lições Preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 16. 9 Theodoro Jr, Humberto. A reforma do código de processo civil brasileiro. Revista do Curso de direito da Faculdade de Ciências Humanas – Fumec, Porto Alegre: Síntese, v.2, 2000. p.5-29

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O que se vê nessa colocação teórica, é o velho modelo de pensar

centralizado do iluminismo de outra época, que tende a prosperar nos juristas

brasileiros no presente momento histórico, apesar das conjunturas sociais atuais já

não as comportarem mais10.

A idéia de que o princípio da efetividade impõe a superação de modelos

ultrapassados de tutela jurisdicional para certas situações lesivas ao direito material,

em prol da mais rápida e eficaz realização do direito material (daí, o surgimento das

tutelas executiva lato sensu), que advém de uma noção de Teoria Geral do Direito e

Teoria Geral do Processo que não se adéquam ao paradigma do Estado Processual

de Direito Democrático11, uma vez que restringem a jurisdição à atuação do juiz, num

processo regido por um contraditório aleijado, devido à mutilação do exercício da

cidadania. O que resulta na conformação do povo como ícone12.

Rodrigues Vieira ao se confrontar com o tema, afirma:

“Vista a efet ividade como qual idade do vínculo processual , a agi l idade da prec lusão das exceções (n.3, supra) , t ranscendente aos l im i tes da l ide in tra-autos, at ing indo os l im ites da l i t iscontestat io desde os fatos s imples, daí a garant ia de coinc idênc ia entre a ef icác ia e os efe i tos do provimento jur isd ic ional de mérito (n.5, supra) , cre io estar em condições de deduzir- lhe a natureza jur íd ica.” 13

O que se percebe, assim, é uma simbiose entre efetividade e a

necessidade de agilidade das preclusões. Diante desta simbiose promíscua, entre

10 Obviamente a realização dessa atividade – a concreção do processo de rito comum ordinário – exige tempo. Essa dilação temporal é inevitável mesmo que se cumpram escrupulosamente todas as previsões legais sobre sua duração. Seria ideal que o processo fosse instantâneo, mas isso não deixa de ser na prática uma aspiração desacertada e de todo desaconselhável, porque não seria razoável proferir uma sentença com esteio em alegações jurídicas afirmadas prima facie e ainda não devidamente provadas naquele momento. Disso decorre que a duração do processo se converte em uma garantia dele, porque acrescenta o valor segurança na aplicação do direito, ou seja, para dar a cada um o que é seu (ius suum cuique tribuendi), é condição natural e obrigatória um processo declarativo, isto é, de declaração de certeza jurídica. (Orione Neto, Luiz. Processo Cautelar. São Paulo: Saraiva, 2004. p.01) 11 CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. O futuro da natureza do Estado Democrático de Direito. Uma reconstrução paradigmática a partir dos modelos de Estado Constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2146, 17 maio 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12906>. Acesso em: 08 jun. 2009 12 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. p.42-115; CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. O futuro da natureza do Estado Democrático de Direito. Uma reconstrução paradigmática a partir dos modelos de Estado Constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2146, 17 maio 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12906>. Acesso em: 29 maio 2009. 13 VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Teoria Geral da Efetividade do Processo. Revista da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v.1, n.1, p. 96.

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efetividade e celeridade, mostra-se necessário questionar: qual o papel do tempo no

processo e quais os matizes dessa necessidade relâmpago de provimentos.

Depurando o entendimento sobre o Tempo e sua incidência sobre o processo.

A idéia de uma conceituação do Tempo, sempre foi uma das grandes

batalhas travadas pela filosofia e pela ciência. Esse elemento primordial na

organização das sociedades, entre os primevos, foi tido como uma realidade mágica

ou metafísica. Recorrentemente identificavam-no como manifestações temporais

exteriores, como, por exemplo, passagem das estações, ou algumas vezes

associando-o a entidades divinas.

Maria Coeli Simões Pires salienta que “a evolução das comunidades

humanas traz como conseqüência a racionalização da compreensão do tempo, de

sorte que a criação de unidades abstratas de medição temporal representava avanço

da civilização”14.

Contudo, o aporte filosófico detido até então, não possuía o primado na

análise temporal, sendo que a medição e o conhecimento do tempo, antes de se

explicarem por razões metafísicas, assentado em um critério pragmático, utilitarista.

Neste sentido Maria Coeli Simões Pires explica:

“para a organização dos pr imeiros povoados ou v i las , faz-se necessár io seccionar a l inha temporal , em si mesma i l im itada e i l im itável , já que se deve determinar quando dormir , quando caçar , quando festejar e quando rezar; em soc iedades medianamente complexas, a s imples a l ternância entre o sol , a lua e as es tre las não é suf ic iente para a d iv isão do trabalho soc ia l. Ass im, sob inspiração ut i l i tar is ta, os agrupamentos humanos, desde os mais pr im it ivos até as c iv i l izações mais poderosas, adotam calendár ios , realçando-se entre aqueles o asteca, de cur iosa sof is t icação, e, entre es tas , o calendár io do Ocidente, cr iado em Roma e, por impos ição cul tura l , mundialmente aceito. Reformulado na Idade Média, com a nova denominação de ‘ca lendár io gregor iano’, o ins trumento a inda hoje sustenta a noção l inear da passagem do tempo” 15.

Algo ainda preso às constatações Newtonianas e suas formulações

teóricas, que assim se pronunciava: “o tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por

14 PIRES, Maria Coeli Simões. Direito Adquirido e a ordem pública: Segurança Jurídica e Transformação Democrática. Belo Horizonte: Del Rey. 2005, p.65 15 PIRES, Maria Coeli Simões. Op Cit, p.65

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si mesmo e sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com qualquer fator

externo”16.

Contudo, a maneira como a ciência, no atual momento histórico, encara o

tempo, vem sofrendo mudanças radicais17. Colocando-se em xeque a linearidade e

completude como pressupostos fundamentais da compreensão temporal18.

Maria Coeli novamente nos socorre e define essa constatação com a

seguinte afirmação:

“Tal constatação faz-se tanto mais nít ida quando se tomam em conta as cont ingênc ias da Alta modernidade, sob cuja inf luênc ia a noção de tempo exper imenta drást ica reconf iguração, graças aos avanços da tecnologia de comunicação (como a Internet) , à mit igação das f ronte iras nacionais-espac ia is (global ização) e ao surg imento de novas formas de conhec imento não l im itadas pelo r igor da lógica c lássico-ar istoté l ica” 19

No Direito, não diferentemente dos demais ramos do saber e acatando as

premissas do utilitarismo temporal “desenvolveu-se a teoria tradicional de

compreensão intelectualística do tempo jurídico, tomado como noção espacializante –

o tempo dividido em pedaços como o espaço”20.

E, talvez, seja o grande engano dos processualistas reformistas atuais,

que atacam de forma errada as bases do problema, no intuito, de, nessa concepção

linear e pragmática de tempo, obter respostas jurisdicionais rápidas, com bases

carismáticas de atuação do poder21.

É o que nos lembra Carnelutti:

[...] la palabra tiempo se entiende ante todo como duración, esto es, como distancia entre el inicio y el fin ce um desarrollo y, por tanto, como necesidad de espera. El proceso dura; no se puede hacer todo de una vez. Es necesario tener paciencia. Se siembra, como hace el campesino, y hay que esperar pra recoger. Junto a la atención hay

16 WHITROW, G. J. O que é tempo? Uma visão clássica sobre a natureza do tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 101 17 A idéia de tempo nessa concepção utilitarista passa de uma circularidade cíclica, a uma linearidade infinita e por conseguinte, devido as conquistas da física, a uma relação interdependente com a figura do Espaço, não fosse esse evolução, as modernas teorias, graças aos avanços da física quântica, nos remontam a descrição de vários tempos que dependem do observador. Cf. ARAÚJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey. 2002 18 sobre o assunto vide ARAÚJO PINTO, Cristiano Paixão. Op. Cit. 19 PIRES, Maria Coeli Simões. Op Cit, p.66 20 PIRES, Maria Coeli Simões. Op Cit, p.72 21 WEBER, Max. Os Três tipos puros de Poder Legítimo. (Preußischen Jahrbücher, Vol. CLXXXVII, 1922, pp. 1-12)

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que colocar la paciencia entre las virtudes necesarias al juez y a las partes. Desgraciadamente éstas son impacientes por definición; impacientes como los enfermos, puesto que sufrem también ellas. Uno de los cometidos de los defensores es el de inspirarles la paciencia. el slogan de la justicia rápida y segura, que se encuentra siempre en las bocas de los políticos inexpertos, contiene, desgraciadamente, una contradicción in adiecto; si la justicia es segura no es rápida, si es rápida no es segura. Algunas veces la semilla de la verdad pone anõs, incluso siglos, para convertirse en uma espiga(veritas filia temporis).

22

Nos ensinamentos de Batalha23, pode-se verificar que o tempo jurídico é

considerado em duas perspectivas, quais sejam: uma estática e outra dinâmica, que

nos remete à atuação do direito no campo abstrato e no campo da aplicação,

respectivamente.

Esta projeção da concepção de tempo provoca mais prejuízos do que

benefícios, isso ainda num aporte próprio da pragmática, haja vista que distância os

discursos de justificação e aplicação de tal sorte, que a indeterminação da norma

remonta à onipotência de um intérprete perspicaz, que através de elucubrações que

fogem da intersubjetividade discursiva, própria das democracias plenárias, determinam

uma simbiose entre interpretação histórica e filosófica metafísica, buscando-se uma

aplicação a concreticidade fática, que se projeta na dinâmica do tempo jurídico

subjacente à interação entre idealidade e realidade; ou seja, busca-se, aqui, uma

interpretação teleológica, própria do paradigma social de Estado e de Direito24; nesta

perspectiva, o passado prefigura o presente e o futuro.

Maria Coeli esclarece tal colocação com a seguinte afirmação:

“É que não se constró i o Dire ito, nem se maneja sua normat iv idade, nem se produz conhecimento, no campo jur íd ico, com abstrações da temporal idade de referênc ia dos suje i tos envolv idos, que, para além do tempo jur íd ico es tr i to, t razem a temporal idade do eu, no presente, numa das possíveis molduras conceptuais de temporal idade mais abrangente”. 25

22 (CARNELUTTI, Francesco. Derecho Procesal Civil y Penal. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas, 1971., p.176-178) 23 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Forense. 1980, p.15 24 CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. O futuro da natureza do Estado Democrático de Direito. Uma reconstrução paradigmática a partir dos modelos de Estado Constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2146, 17 maio 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12906>. Acesso em: 08 jun. 2009 25 PIRES, Maria Coeli Simões. Op Cit, p.73

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Foi somente com François Ost26, que dando seqüência aos estudos de

Thomas Kuhn e Prigogine, que dando continuidade aos de Einstein27, compreendem o

tempo como algo que abarca uma noção de multiplicidade (existem diversos tempos,

localizados uns sobre os outros), que enquadramos a noção de tempo no Direito e, por

conseguinte, no Processo.

Ora, é no Processo, enquanto elemento essencial do constitucionalismo

contemporâneo , balizado pelo contraditório, isonomia e ampla defesa, que o confronto

das diferentes temporalidades possibilitaria a aplicação da normatividade de forma

concisa e adequada ao Paradigma do Estado Democrático de Direito, pois são as

visões de mundo que intersubjetivamente compartilhadas retiram das sociedades

humanas, ávidas pela serenidade, a procura incessante deste porto seguro no tempo

pretérito, apoiado em costumes e tradições inesclarecidas. Não que esse feedback

não tenha presteza, muito pelo contrário, ele serve de ponto de partida para a

construção de uma visão de mundo que se pretende no futuro.

Neste ponto salutar a lição de José Marcos Rodrigues Vieira que afirma:

“Cabe às leis do processo estruturar, pelo espaço, o domínio do tempo[...]”28.

O mesmo afirma Habermas:

“Os procedimentos jur íd icos regulam, entre outras coisas, [ . . . ] a pontuação dos transcursos de tempo ( lei turas rei teradas, prazos de dec isão etc. ) . Em suma, os procedimentos de d ire i to devem cuidar de que ocorra a inst i tu ição vinculat iva de processos de aconselhamento discurs ivos e de processos dec isór ios justos e honestos” 29.

Contudo, não há como concordar com a afirmação de que:

“É o mesmo problema ar istoté l ico – passível de solução na ocas ião em que tomadas as suas premissas, já sob autor idade judicante. Esta se encarrega da estabi l ização, porque a prec lusão é efe i to prat icamente co-extenso a todo o procedimento. E a transformação de fatos s imples em fatos jur íd icos processuais consente a d ivisão út i l da matér ia sub judice, a c isão técnica da fat ispéc ie. [ . . . ] Para esse ju lgamento parc ial , conta o juiz com a f lex ib i l idade da tute la jur is id ic ional , de modo a que não haja at iv idade processual jud icante sem ef icác ia imediata, ou seja, mediante a supressão do que

26 OST, François. O tempo do Direito. São Paulo: Edusc. 2005 27 Para Eintein o termo “duração do tempo” pode ser conceituado como o espaço entre dois eventos, (WHITROW, 2005, p. 117/122). 28 VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Teoria Geral da Efetividade do Processo. Revista da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v.1, n.1, p. 94. 29 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola. 2002, p.329-330

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repet idamente se tem denominado de ‘ tempos mortos’ . A cognição já deixa de ser at ividade uniforme ou trabalho preconcebido, porque pode e deve var iar , em extensão e profundidade. Cognição parc ia l , no pr imeiro caso (atuando sobre o espaço) e cognição superf ic ia l , no segundo (atuando sobre o tempo) – aí estão duas técnicas gera is de efet ividade, podendo produzir técnicas gera is de efet ividade, podendo produzir técnicas mescladas. Cabe ao ju lgador operar a assoc iação de cognição e execução, v isto como uma não exc lu i a outra e, mais, não vale sem a outra, o que sugere a a l ternat iv idade, com benef íc io recíprocos. Prova é que a c lassif icação tr ipar t i te de ef icác ias apresenta s inais de exaustão (e a regra do ar t . 273, CPC, remete, indis t in tamente, à execução provisór ia) . ” 30

Não é o mesmo problema aristotélico. O tempo, como visto, em

Aristóteles, nada mais era do que uma realidade metafísica, ocorrida pela medida do

movimento, conforme o antes e o depois, que provinham da alma ou da consciência31.

Tempo, hoje, deve partir de uma verificação de tempos concorrentes.

Menelick de Carvalho Netto leciona:

“O passado e o futuro, por def in ição, são indisponíveis, pois o pr imeiro somente é passado na medida em que já passou, que já não mais exis te; e o futuro, que a inda não ex iste, só o é na medida em que é futuro. Essas indisponib i l idades, contudo, são inevitáveis porque, é sempre reconstruído sob o olhar se let ivo e as angúst ias do presente, bem como tudo o que se faz no presente é sempre a construção de um futuro. [ . . . ] A soc iedade se faz ins tável por s i e assim produz cont ingênc ia, já que, no presente, tudo também pode ser d iverso. O presente é, desse modo, autoprodução de instabi l idade. Ass im, a leg i t im idade da soc iedade moderna res ide na imposs ibi l idade de nela se produzir uma representação natura l e sem concorrênc ia da soc iedade e que lhe s irva de fundamento inquest ionável já que compart i lhado por todos. [ . . . ] Ass im é que a trajetór ia da semânt ica moderna do tempo soc ia lmente construído percorre o trâmite do tempo tomado como his tór ia cr iada pelas consc iências indiv iduais e colet ivas para o da temporal idade dos d ist in tos mundos-da-vida; cr iadora não só das formas de v ida mas das própr ias estruturas de personal idade ou consc iências” 32.

Assim, como ensina Horta Tavares, “não é o tempo que corrói, porque o

tempo apenas passa”33 e não passa em um único sentido, passa em vários e no

30 VIEIRA, José Marcos Rodrigues. Op. Cit,, p. 94. 31 PUENTE, Fernando Rey. Os sentidos de tempo em Aristóteles. Edições Loyola. P. 201 32 CARVALHO NETTO, Menelick de. na apresentação do Livro de ARAÚJO PINTO, Cristiano Paixão. Modernidade, Tempo e Direito. Belo Horizonte: Del Rey. 2002 33 TAVARES, Fernando Horta. Tempo e Processo; in TAVARES, Fernando Horta (Cord.). Urgências de Tutela: Processo Cautelar e Tutela Antecipada. Curitiba: Juruá. 2007, p.113

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procedimento isso se mostra claro, quando verificamos o instrumental de

possibilidades de concorrência de tempos, apenas para fins elucidativos, cita-se: 1) os

casos de simultaneous processus; 2) Os recursos sobre postos (como o caso do

Agravo de Instrumento); 3) a Execução provisória, e tantos outros, que vem sendo de

forma atabalhoada atacados, como se os equívocos geradores das revisões/reformas

judicacionais, deixassem de existir pelo simples fato de inexistir instrumento próprio

para fazê-lo.

No Processo, como nos ensina Rosemiro Pereira Leal, a busca pela

celeridade não pode reduzir a cognição processual, que se constrói pelo trinômio

contraditório, isonomia e ampla defesa, sob o argumento de protelação.

“Sabe-se que não é possível protelar o que está dentro do tempo legal e o que est iver fora do tempo legal já ser ia at ingível pela decadênc ia, prescr ição, preclusão e perempção, não havendo como protelar . [ . . . ] Não há se falar em ato prote latór io se prat icado no tempo legal de defesa, porque o tempo legal da defesa é insupr imível e ir redutíve l. Prote lação é o que vai a lém do tempo legal opor tunamente ut i l izado. É o excesso legalmente vedado de tempo para atuar no procedimento e não a ausênc ia ou demora de demonstração ou argumentação insat is fatór ia no tempo legal da prova” 34.

E exemplifica:

“Se o réu levanta uma exceção substancia l indireta no tampo legal , não pode ser es ta cons iderada uma alegação prote latór ia sob argumento de que, de pronto, não exc lu i o d ire i to do autor, porque a possível incons istência ou impert inênc ia da matér ia de defesa, opor tunamente apresentada, não traduz in tenção protelatór ia, como quer Mar inoni , mas inocuidade da defesa que, se ass im produzida, tornar ia incontroverso o d ire i to a legado pelo autor” 35.

Ora, a celeridade que nas mãos de juiz hercúleo, nos moldes

apresentados por Dworkin36, que gerencia as normas rígidas da legislação, aplicando-

as a seu bel prazer e contento, reduz a própria cognição fático-reconstrutiva,

temporalizada, do fato simples, o que o impede de se tornar jurídico, como pretendem

os Reformadores da Constituição e os afoitos processualista acríticos-pragmáticos.

34 PEREIRA LEAL, Rosemiro. Antecipação de Tutela legal em face de defesa abusiva e manifesto propósito protelatório na teoria do processo. In Relativização Incontitucional da Coisa Julgada: temática Processual e Reflexões jurídica. Belo Horizonte: Del Rey. 2005, p.60-61. 35 Idem. Op. Cit. 36 CARVALHO, Carlos Eduardo Araújo de. Ativismo judicial em crise . Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2137, 8 maio 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12781>. Acesso em: 08 jun. 2009.

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Como se efetividade pudesse ser reduzida a parâmetro meramente de eficiência

econômica37.

A Razoável Duração do Processo.

Para adequada verificação e adequação do conceito de “eficiência”

(celeridade) utilizado nos trâmites processuais, cabe indagar qual o significado da

expressão “razoável duração do processo”, inserida no art. 5º, LXXVIII, da CR/88 pela

Emenda Constitucional 45, que hoje é entendida como sendo a norma instituidora do

“princípio da celeridade”.

Ressalta-se que, na verdade, esta norma já está a vigorar no

ordenamento pátrio desde o ano de 1992.

... o direito fundamental à duração razoável do processo, agora positivado no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, não consiste em inovação jurídica, mas apenas legislativa. Referido direito já estava garantido no ordenamento jurídico brasileiro, através do artigo 5º, XXXV, da Carta Magna de 1988, além de constar expressamente no artigo 8, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), assinado pelo Brasil e em vigor no País desde 1992. Não obstante tal circunstância, o acréscimo do dispositivo ao texto constitucional é de grande relevância, porquanto deixa claro que o legislador quis evidenciar o direito ali descrito. Numa concepção moderna acerca do direito de ação, entendido como direito à ordem jurídica justa, não se pode mais conceber que o acesso à justiça corresponda somente ao ingresso em juízo. O problema que se põe atualmente é o de obter uma prestação jurisdicional qualificada, seja quanto ao tempo, seja no que toca à sua diferenciação/especificidade. Removidos os obstáculos que outrora obstavam o ingresso em juízo (agora amplo e irrestrito), a preocupação passou a residir na saída do conflito do Judiciário

38.

Inicialmente, cabe asseverar que se trata de norma principiológica, razão

pela qual de observância obrigatória nos casos concretos. Exatamente por este motivo

é que não se concorda com a identificação de “prazo razoável” com um parâmetro fixo

de tempo para solução definitiva do processo, a exemplo da proposta de Belmiro

37 NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Ativismo e protagonismo judicial em xeque. Argumentos pragmáticos. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2106, 7 abr. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12587>. Acesso em: 23 abr. 2009. 38 BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. O direito fundamental à razoável duração do processo e a reforma do Poder Judiciário: uma desmistificação. Reforma do Poder Judiciário de acordo com a EC 45.2004. São Paulo: Saraiva, 2006. p.51-52

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Jorge Patto, que sugere o lapso adequado como sendo o dobro daquele previsto na

legislação para o procedimento específico39.

Com efeito, a estrutura técnica de cada procedimento, envolve diversas

peculiaridades e características, de modo a inviabilizar a adoção de um critério geral

para cada tipo, como aquele estipulado na legislação pátria, pois no decorrer do

procedimento podem ocorrer certas situações que alteram a duração do procedimento,

cita-se, para elucidação, as seguintes questões: 1) o número de partes, 2) eventuais

dificuldades de citação, 3) greves dos servidores do judiciários ou dos correios, 4)

férias do juiz titular com cumulação de unidades jurisdicionais pelo respectivo

substituto, 5) necessidade de produção de provas, 6) dificuldade para convocação da

testemunha, 7) ausência de perito especialista na área necessária, intempéries que

impeça eventual inspeção judicial, 8) alteração brusca no número de entradas de

processos decorrentes de ondas esporádicas de litigiosidade (casos em que há

aumento da demanda em razão do surgimento de nova tese jurídica), 9) controvérsia

quanto à eventual decisão judicial a ser resolvida após contraditório entre as partes,

10) apresentação extemporânea de documentos relevantes, diligências posteriores,

11) alternância dos juízes e servidores encarregados de dar andamento aos feitos, 12)

eventual falecimento das partes, 13) suspensão dos prazos a pedido das partes ou no

aguardo de definição quanto à constitucionalidade de preceito prejudicial, dentre

muitas outras circunstâncias imprevisíveis.

Prega, parte da doutrina clássica, como visto, que, no atual estágio

evolutivo do sistema jurisdicional, a indefinição semântica do conceito de “razoável

duração do processo”, haja vista que a interpretação de tal expressão só pode

alcançar ares de objetividade em cada caso concreto, exatamente por consubstanciar

preceito de baixa densidade, segundo eles, princípio constitucional, no sentido de

valor.

Não se crê nessa concepção, pois se sabe, a partir da obras de Dworkin,

que os princípios não possuem “baixa densidade”, são mais densos que as regras,

mas de inteligibilidade direta na aplicação dos casos concretos40.

Ora, a palavra “razoável”, da expressão, importa em um sopesar,

condições de possibilidade, haja vista que o “razoável”, não pode ser o “mais rápido”,

nem tão pouco permite ser o “mais lento”, ou seja, é o meio termo.

Como dito, inúmeras situações inesperadas no procedimento, muitas

vezes atrapalham o fluir dos prazos41. Assim, cabe analisar cada caso para se verificar 39 PATTO, Belmiro Jorge. Aspectos da Dimensão Temporal do Processo Civil nas Alterações Advindas da EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004. In Reforma do Judiciário. São Paulo: RT, 2005 40 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípios. São Paulo: Martins fontes, 2002.

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“atraso injustificado no andamento procedimental”, com relação a um ou mais atos do

procedimento. E, acaso constatado o atraso, aferir se ocorreu algum prejuízo relevante

para as partes em razão de tal morosidade.

Incorporando tal entendimento, é possível conceituar, agora, a “razoável

duração do processo”, como sendo: “somatório das preclusões temporais (prazo -

lapso temporal) constituídoras da estrutura procedimental, suficientes para adequado

proferimento do provimento final, dentro do espaço-tempo juridicamente determinado

para o procedimento, garantidor do Devido Processo legal, que evite prejuízo ou perda

superveniente da utilidade do procedimento, para as partes”.

A Efetividade Processual Democrática.

Após esse retrospecto distintivo de institutos jurídicos, cabe questionar: o

que seria efetividade Processual democrática, já que não podemos reduzi-la a

parâmetros de diminuição de espaço procedimental e de tempo jurídico, que estão

relacionados aos prolegômenos da eficiência jurisdicional, nem tão pouco à eficácia da

norma jurídica?

Afirma Rosemiro Pereira Leal que:

“No d ire ito democrát ico, a efet iv idade do processo não se faz em juízos de sens ib i l idade, conveniência ou eqüidade do dec id idor , tão própr ios ao Welfare State e ao Judge made law, em que o polí t ico e o socia l se real izam por um Estado cerebr ino de ‘mudança de menta l idade’ do processual is ta e do ju iz e pela adoção de um método pecul iar inaudito (panacéia v igorosa) de rompimento com ‘ve lhas posturas int rospect ivas do s istema e abr indo os o lhos para a real idade da v ida que passa fora do processo’ (s ic) . Compreendendo-se equivocadamente a efet ividade do processo como um bem de consumo a ser oferec ido numa decisão judic ia l (prestação jur isd ic ional?! ) apoiada em essênc ias de valores colh idos num mundo pol í t ico e social fora do processo pelo afas tamento judicat ivo de abomináveis ‘mazelas do di re i to pos it ivo ’ e dos casuísmos legis lat ivos’ . Põe-se, erroneamente, o processo como instrumento de uma jur is id ição judic ia l por tadora e garant is ta de um sent imento de Const i tuc ional de just iça que ser ia o único sent imento capaz de adequadamente assegurar so l idez à ordem jur íd ica de um Estado democrát ico de di re i to ’ . ” 42.

41 “entre a interposição da demanda e a providência judicial satisfativa do direito de ação (sentença ou ato executivo), medeia necessariamente certo espaço de tempo, que pode ser maior ou menor conforme a natureza do procedimento e a complexidade do caso concreto. (Theodoro Júnior, Humberto. Processo Cautelar. 22. ed. rev. e atual. São Paulo: Liv. e. Ed. Universitária de Direito, 2005. p.21-22) 42 LEAL, Rosemiro Pereira. . Op. Cit, 2002, p.126-127

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No estado Democrático de Direito é a participação direta do povo que

fornece legitimidade às decisões judiciais43, ou seja, “não é indiferente às razões pelas

quais ou ao modo através do qual um juiz ou tribunal toma suas decisões: ele cobra a

reflexão acerca dos paradigmas que informam a própria decisão jurisdicional”44.

Habermas neste sentido leciona:

“Por não haver, em questões prát icas, evidênc ias ‘úl t imas’ nem argumentos ‘acachapantes ’ , temos de recorrer a processos argumentat ivos, como procedimentos, a f im de expl icar por que nos atrevemos a assumir e resolver re iv indações de val idade ‘que transecendam’, is to é, que apontem para além do respect ivo contexto part icu lar” 45

Contudo, contrariando a corrente do rio, os instrumentalista são aversos à

teoria discursiva da democracia que baliza o Estado Democrático de Direito. Neste

sentido:

“Os ins trumental is tas entendem expressamente que, ‘ t ra tando-se de fenômeno soc io lógico, a leg i t imidade manifes ta-se na aceitação geral do poder pela populção ’ numa visão luhmanniana de que não se insurg indo a população, ou os in teressados contra a dec isão, es ta ser ia democrat icamente justa e legí t ima”46

Ora é essa participação, e a possibilidade de fiscalidade plena dos

cidadãos, é que dá efetividade à decisão. E é nesses termos que nas democracias se

fala de efetividade processual.

Donde se insurge, sustentado por Habermas, uma própria crítica, à outra

tentativa de cleridade-efetividade.

“Por f im, e isso justamente no d irei to pr ivado, observamos uma impressionante convergênc ia dos desenvolv imentos jur íd icos em todas as sociedade oc identa is, de ta l, modo que hoje o Common law, de um ponto de vis ta comparat ivo, pode cada vez menos re ivindicar para s i uma posição pecul iar em face das codif icações européias cont inenta is” 47.

43 CARVALHO, Carlos Eduardo A Carvalho. Legitimidade dos Provimentos: Fundamentos da Ordem Jurídica Democrática. No prelo, com direitos já cedidos à editora Juruá 44 CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Op. Cit, 2001, 142. 45 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. Trad. George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Edições Loyola. 2002, p.331 46 LEAL, Rosemiro Pereira. Op. cit, 2002, p.128 47 HABERMAS, Jürgen. Op. Cit. 2002, p.337

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É o uso pleno dos direitos fundamentais institutivos do Processo, que

garantem efetividade Processual à Jurisdição.

Desafeta dessa concepção de direitos e garantias fundamentais, a

doutrina clássica brasileira, põe de lado os princípios constitucionais, no afã de

produzir uma jurisdição de Magnaud48.

Arroubos dos Mecanismos utilizados para impor velocidade.

Diante desse frenesi legislativo para impor velocidade à jurisdição

brasileira49, serão abordados alguns mecanismos já implementados, que

supostamente ensejam maior “eficiência” na prestação da tutela jurisdicional e,

supostamente, melhoram a qualidade dos serviços judiciários.

A questão da fundamentação dos Provimentos E dos Provimentos de Surpresa.

Os prosélitos da doutrina clássica brasileira, que pretendem imprimir

velocidade a qualquer custo aos procedimentos jurisdicionais, que não entendem

existir oposição entre qualidade e celeridade (nos termos antes expostos), consideram

que a rapidez na prolação de decisões enseja redução da exposição da

fundamentação da decisão.

Tal entendimento em termos democráticos é falaciosamente correto

apenas em parte de sua lógica, quando afirma que a rapidez na elaboração do texto

deliberativo enseja redução do número de palavras utilizadas para fundamentar o

48 “O mais alto grau de racionalidade atingido pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, que se seguiu à conquista das garantias constitucionais, importa na superação do critério de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspeirada apenas na sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade extremada do juiz, simbolizada pelo ‘fenômeno Magnaud’ (expressão de Gény, quando, na segunda edição do Méthode d’Interprétation et Sources em Droit Prive Positif, analisou os possívies efeitos dos métodos empregados pelo Juiz Magnaud, que presidiu, de 1889 a 1904, o tibunal de primeira instância de Château-Thierry, cujas decisões se celebrizaram e o celebrizaram como lê bom juge Magnaud). Esse critério é substituído por uma técnica de aplicação do direito que se vincula a elementos não-subjetivos, a uma estrutura normativa que possibilita aos membros da sociedade, que vão a Juízo, contarem com a mesma segurança, no processo, quer estejam perante um juiz dotado de inteligência, cultura e sensibilidade invulgares, quer estejam diante de um juiz que não tenha sido agraciado com os mesmo predicados.” GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Belo Horizonte: AIDE. 1996 49 “pensar em Reforma do Judiciário é pensar em celeridade, soluções para uma cada vez maior demanda de processos e em uma Justiça que atenda, de maneira eficiente, aos anseios dos cidadãos que dela dependem. E pensar uma reforma que atinja todos esses pontos sem pensar numa reforma administrativa é tratar o assunto sem a profundidade necessária. Mais do que uma reforma no papel é preciso que se sintam os efeitos dessa reforma”. In Leonardo Peter da Silva. Princípios Fundamentais da Administração Judiciária. Jus Navigandi. www.jus.com.br. Acesso em 15.05.2008

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despacho, a interlocutória, a sentença ou o acórdão, ou seja, exige do julgador um

maior poder de síntese. Entretanto, a idéia tradicional é incorreta no ponto em que

empreende um prejuízo na qualidade do conteúdo decisório50.

O que se verifica na verdade, é que esse argumento promove uma maior

delonga nos procedimentos jurisdicionais vez que translada o debate argumentativo

para os Tribunais de segunda instância.

O art. 93, inciso IX, da CR/88 determina, é necessário que discorra sobre

todos os aspectos da controvérsia, contudo, na atuação jurisdicional da prolação do

provimento, torna-se desnecessário colacionar doutrina nacional e estrangeira e

transcrever ementas de julgados de diversos tribunais do país ou do exterior, vez que,

numa concepção de jurisdição democrática, tais elementos já estariam suficiente

expostos no procedimento, pelas partes. Ou seja, como já defendido em outra obra, o

contraditório garante a celeridade nesse aspecto, vez que expulsa a fundamentação

da sentença para o seio do procedimento51.

O magistrado que alonga a solução dos litígios para exacerbar o

conteúdo da sua decisão está extrapolando o objetivo do processo judicial, que visa

oferecer uma resposta àqueles que procuram o Poder Judiciário, o que muitas das

vezes propicia o aparecimento do argumento inusitado e da remessa da

responsabilidade para a instância hierarquicamente superior.

Outro ponto que merece deliberação, vez que diretamente coligado a

esse é o dos provimentos, compreendidos como “decisões de surpresa”. Esses

provimentos ocorrem, quando o magistrado ao proferir seu decisium, insere argumento

novo, não posto em contraditório, pelas partes, nem tão pouco de ciência das partes.

Certamente, a melhor cultura jurídica é expressa através do poder de

síntese e da correta avaliação das questões postas, vez que como já defendido a

fundamentação das decisões, por força do princípio do contraditório, não pode ser

entendia tão somente como requisito formal do provimento. O contraditório expulsa a

fundamentação dos limites técnico-formais da sentença, para dentro da estrutura

procedimental, o que resulta no oferecimento de resposta ágil e útil, ao invés de

transcrever e abordar vários temas correlatos ao assunto em discussão, cujo escopo é

50 “A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia da justiça quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontrar-se, através dos fundamentos, em que altura do caminho o magistrado se desorientou.”. CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados. 9ª ed. São Paulo: Clássica Editora, s.d; 51 Fundamentação Racional das Decisões Jurídicas. In Constituição, Direito e Processo. Ed. Juruá. 2007.

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apenas demonstração de conhecimento dissociada da perspectiva da missão da

instituição (resolver conflitos ao invés de produção de teses)52.

Parte dessa celeuma é culpa da adoção de uma concepção de sentença

ultrapassada, qual seja, a de que o provimento é resultado da inteligência ou da

vontade do juiz. A decisão judicial deve ser conceituada, em termos democráticos,

como resultante processual-discursiva de um microssistema (procedimento) replicante

de um único sistema jurídico (ordenamento) vivente, auto-conceituador de seu

conteúdo, legitimante da integração social, por se colocar ante a "comunio opinio",

para modificá-la ou se modificar, que utiliza para tanto a lógica de aplicação

inferencionalista.

Dessa forma, compreende-se, o princípio da fundamentação das

decisões constitucionalmente adequada ao paradigma do estado processual, sem,

contudo, prostituí-lo pelo princípio da “duração razoável do processo”.

Súmula vinculante

Outros dois mecanismos que importam em eficiência desacobertada de

qualidade, na prestação da tutela jurisdicional, são a súmula vinculante e a preliminar

recursal de repercussão geral, ambos já incorporados ao ordenamento jurídico

brasileiro, por força da já mencionada Emenda Constitucional nº 45.

O entendimento consagrado na doutrina clássica brasileira determina

que, a Súmula Vinculante consista no resumo de um entendimento, expresso em

decisões reiteradas do Supremo Tribunal Federal (STF – órgão de cúpula do Poder

Judiciário brasileiro), sobre matéria constitucional (versando sobre direitos

fundamentais ou preceitos estruturais do Estado expressos na CR), que é vinculante

(de observância obrigatória) para todos os órgãos do Poder Judiciário e da

Administração Pública.

Para fins de interpretação, cabe transcrever o texto constitucional,

segundo o qual:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação

52 “um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito científico da decisão” BIELSA, Rafael A. GRAÑA, Eduardo R. El tiempo y el proceso. Revista del Colegio de Abogados de La Olata. La plata, 1994. Apud CRUZ e TUTTI, José Rogério. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 65

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aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.53

Embora tais preceitos normativos ensejem uma análise aprofundada em

obras jurídicas específicas, em face sua relevância e complexidade, para os fins deste

estudo cabe apenas destacar que tal mecanismo visa imprimir velocidade aos

julgamentos em todas as instâncias, mediante a imposição de um entendimento

jurídico obrigatório para certas causas.

Segundo a doutrina clássica, tal instituto foi motivado pelo fato de que,

alguns magistrados, estavam exorbitando a aplicação do princípio da independência

do julgamento e culminavam por desrespeitar a orientação pacíficada pelas cortes

superiores em determinados assuntos, ainda que sem a invocação de novos

fundamentos fáticos ou jurídicos ainda não apreciados, o que prejudicava os princípios

da segurança jurídica e da uniformização.

Com efeito, o princípio da uniformização, implícito na ordem

constitucional pela previsão de cortes superiores de superposição para análise das

questões jurídicas, indica que as orientações de tais instâncias devem ser respeitadas

pelos juízes de grau inferior.

Assim, a Súmula Vinculante visa forçar a conformação das decisões dos

juízes de grau inferior às orientações da Corte Suprema em matérias constitucionais

pacificadas, de modo a ensejar maior celeridade na prolação de decisões e evitar a

reiteração de recursos meramente protelatórios.

Contudo, necessário ressaltar que o entendimento de que a súmula

pacifica e vincula o entendimento utiliza uma lógica falaciosa, pois nos remete a

questionar sobre o trata a própria súmula. As súmulas vinculantes, assim como as

normas jurídicas, estão dispostas no ordenamento como texto e compreendidas como

53 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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texto serão. Desta forma a única coisa que os visionários da súmula vinculante

conseguirão é aumentar o número de textos a serem interpretados, quando da

necessidade de sua aplicação.

Mestre Pontes de Miranda advertia que toda lei nova deve ser recebida

com um mínimo de boa vontade, talvez porque feita com a melhor das intenções. A

crítica, contudo, sempre, é indispensável até porque a experiência italiana aponta:

“fata la legge trovato l`inganno”. E isso se dá pela perspectiva de que a lei não resolve

o problema, e sim cria tantos outros, decorrentes das possíveis interpretações na

aplicação.

O problema todo nessa perspectiva é que, num aspecto lógico, parece

estar resolvido o problema. Ou seja, a “norma foi feita”. Contudo, não é bem assim,

pois o que foi criado, no final das contas é mais um texto.

A Repercussão Geral

A repercussão geral, conforme a doutrina clássica, objetiva reduzir o

número de recursos repetidos (veiculando a mesma matéria com base nos mesmos

argumentos) a serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo tal instituto

processual, somente serão apreciadas as insurgências quando a parte recorrente, em

sede de preliminar recursal nas suas razões, demonstrar a relevância e abrangências

dos temas abordados, sob pena de rejeição do reclamo sem análise de mérito.

Nos exatos termos do § 3º do art. 102 da CR/88: “no recurso

extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões

constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine

a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços

de seus membros”.

Assim, seguindo esse raciocínio, fica claro que o emprego de tal filtro

recursal permite uma melhor otimização do tempo pelos julgadores integrantes do

Pretório Excelso, na medida em que possibilita o deslocamento de sua atenção para

os casos ainda não apreciados (inéditos), rejeitando a análise de temas já definidos

pela jurisprudência da Corte, ou temas que sejam considerados supérfluos.

Segundo estimativa da própria administração do Supremo Tribunal

Federal, o uso de tal instrumento “fará com que os mais de 100 mil recursos que a

Corte julga anualmente caia para cerca de 1 mil casos”54.

54 Supremo racionaliza pauta com Repercussão e Súmula. Consultor Jurídico. www.conjur.com.br. Acesso em 15.05.2008

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Contudo, não podendo recorrer ao judiciário estar-se-á negando acesso à

justiça por meio de excusa de analise de mérito.

Verificando os pressupostos de admissibilidade recursal in casu, o da

demonstração da repercussão geral, pode-se concluir que há uma análise prévia do

mérito e há a necessidade de que ao menos dois terços dos integrantes da corte se

manifestem sobre ela, para que não seja admitido o recurso.

Ora, a verificação de tal pressuposto, per se, poderia ser feita de outra

forma, com a utilização de outra técnica, mais adequada aos ditames democráticos e

de procedimento menos despótico, erigindo-se procedimento claro e de concepções

precisas sobre como determinar quais as causas que poderiam ou não ser levadas à

analise dos tribunais superiores e não deixá-las relegadas à critério subjetivo de

afirmação.

Determinação dos Ritos Processuais e a Urgência de Tutela

Grande parte do problema da morosidade da prolação dos provimentos

jurisdicionais se dá pela falta de auto-crítica do próprio órgão estatal responsável por

tal função. Contudo, verifica-se que seria indispensável uma melhor normatização

sobre a utilização das formas estruturais dos procedimentos55.

Na grande maioria das legislações civis estão previstas formas estruturais

que propiciam maior eficiência na atividade jurisdicional. No Brasil optou-se pela

denominação ordinária e sumária, para distinguir essas estruturas. Contudo, a forma

de uso necessita de uma melhor determinação, pois a utilizada culmina em ineficiência

seja pela inapropriada diagnose, que leva ao retardamento do procedimento, seja má

utilização jurisdicional de tais institutos.

No direito brasileiro o critério distintivo de utilização é o econômico e isso

vale também para os procedimentos dos Juizados Especiais. Contudo, não crer-se

que tal critério seja o mais adequado, pois não abarca uma grande gama de casos que

poderiam ser abrangidas. Fala-se, aqui, das causas de cunho probatório ínfimo ou

pequeno.

Essa observação já é utilizada no direito francês, art. 760 e 761, do

Nouveau Code de Procedure Civile, que possibilita modalidades distintas de instrução,

menos burocráticas.

55 A doutrina clássica utiliza para tal verificação a denominação de “ritos processuais”. Porém, utilizando uma concepção mais precisa e técnica, optamos pela nomenclatura de formas estruturais dos procedimentos.

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O Código de Processo Civil francês estabelece, ainda, formas menos

burocráticas de realização de atos nas tutelas de urgência, mas que garantam o

contraditório, , quais sejam: a) “citação com prefixação de dia para comparecimento

das partes, produção de provas, debates orais e julgamento (artigos 788 e segs. do

NCPC). Somente em casos excepcionais de muita urgência o presidente do TGI ou do

Tribunal do Comércio autoriza esse procedimento”; e, b) “citação com prefixação de

hora (art. 485, al. 2 do NCPC) - obedece à mesma sistemática, apenas que, nesse

caso, a audiência pode ser realizada inclusive em dia feriado e até na casa do juiz se

assim for mais conveniente, sendo utilizada principalmente em casos de matéria de

proteção da vida privada”56.

Tais procedimentos visam agilizar a conclusão de processos

dependentes da produção de provas orais (oitiva das partes), sem que ocorra a

alegação de nulidades procedimentais.

A descrença dos juristas franceses quanto às provas orais é muito

acentuada, algo que paulatinamente vem se consolidando no direito brasileiro, com

pode ser visto no direito procedimental jurisdicional eleitoral, que faz com que a prova

testemunha tenha pouquíssimo valor. Também se pensa que a tomada de depoimento

toma muito tempo. Por isso se prefere que no caso de afirmação de testemunha isso

seja feito por escrito com obediência a certas exigências. A respeito ensina Mme

Béroujon que “o juiz e bem assim as partes podem provocar o depoimento de

terceiros. Ele ouve suas declarações presencialmente ou por intermédio de simples

documento escrito.”57

Segundo Croze, “os depoimentos de testemunhas são em princípio

escritos em atestações sujeitas a um formalismo particular.”58

O que faz surgir a seguinte indagação: o protagonismo judicial pode estar

causando o emperramento do próprio órgão jurisdicional.

Considerações finais.

Pela presente análise, ainda que superficial, mas escorreita pelo viés

democrático, verifica-se que a pretensão de culpar o “tempo” e a tentativa de aumentar

o protagonismo judicial (Leviatã) na tentativa de sanar as mazelas dos órgãos que

exercem a função jurisdicional no Brasil, estão a merecer melhor análise crítico-

científica e não podem ser realizadas à toque de caixa, sob pena de perversão do 56 Marques, Luiz Guilherme. Celeridade no Processo Civil. Jus Navigandi. www.jus.com.br. Acesso em 15.05.2008 57 Curso de Processo Civil, in <http://www.artnet.com.br/~lgm/procciv.htm> 58 CROZE, Hervé. Le procès civil, Dalloz, 1997, p. 89

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sistema processual, que travestido de democrático, esconde um realidade despótica-

autoritária.

Assim, compreende-se que assumir uma perspectiva teórico-

procedimentalista (Têmis), seja o início do caminhar para desatar o nó górdio, que

vem sendo tramado nas últimas e fulminantes reformas processuais.

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