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Em defesa da segurança: uma análise da dinâmica da sociabilidade nas reuniões e cafés Comunitários de Segurança1
Orlinda Claudia de Moraes – PPCIS-UERJ/RJ
Thiago Barcelos Soliva – IFCS-PPGSA-UFRJ/RJ
João Batista Porto – UFF/RJ
O objetivo desse trabalho é analisar a dinâmica da sociabilidade estabelecida entre polícia e comunidade e as suas implicações na condução da política pública de segurança no estado do Rio de Janeiro. Foram analisados dois contextos distintos: as reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança e os cafés comunitários realizados nos Batalhões da Polícia Militar. Ambos os contextos estão inseridos no bojo das mudanças que ocorreram no campo da segurança pública do estado do Rio de Janeiro, em 1999, as quais implicaram alterações significativas nas representações sobre a ordem pública. Essas transformações constituíram novas modalidades de gestão e mediação de conflitos, sendo a população um dos principais agentes envolvidos nesse processo. Nesse curto período de tempo, os cafés e, sobretudo as reuniões de conselhos, cresceram em volume e grau de importância como instância mediadora de conflitos. Contudo, mais do que isso, esses espaços puderam instituir, através da interação entre gestores públicos e usuários, laços de afinidade que ecoam na construção do controle institucional da segurança pública. Considerando essas questões, buscamos compreender como essas relações organizam sentidos diferentes sobre a segurança pública e como elas interagem com a gestão institucional. Os dados de pesquisa foram obtidos por trabalho de campo conduzido nesses espaços, o qual procurou privilegiar a observação dos rituais que regem os mesmos.
Palavras-chave: segurança; conselhos comunitários de segurança; sociabilidade.
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.
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Introdução
O personalismo nas relações é um tema constitutivo dos estudos sobre a
formação da sociedade brasileira. Este tema esteve presente em diferentes autores os
quais buscaram a partir de variados enfoques oferecer explicações acerca da nossa
formação sociocultural e da construção de um suposto caráter brasileiro. O principal
objetivo desses estudos era evidenciar aspectos significativos dos processos de
construção de nossa identidade como povo a partir da análise do fluxo da história. Para
esse conjunto de autores, a dicotomia “tradicional” e “moderno” era fundamental para a
compreensão do nosso passado e, simultaneamente, possibilitava vislumbrar propostas
de superação dos problemas para se alcançar um pleno desenvolvimento em diferentes
planos da vida social.
O autor que reflete de forma mais bem acabada este argumento é Sérgio Buarque
de Holanda. Em Raízes do Brasil, obra publicada em 1936, este autor lança as bases
para uma interpretação da nossa sociedade a partir de três grandes características
significativas: o “iberismo”, o “agrarismo” e o “patriarcalismo”. Tanto o agrarismo
quanto o patriarcalismo já haviam sido apontados por autores como Gilberto Freyre e
Oliveira Vianna como traços constitutivos da sociedade brasileira. Entretanto, o caráter
inovador das reflexões de Sérgio Buarque de Holanda reside na sua análise dos
impactos do processo colonizador – ou seja, dos padrões societários legados ao nosso
povo pelas sociedades ibéricas que encabeçaram este processo.
A herança ibérica é o núcleo central do argumento de Sérgio Buarque de
Holanda para explicar os dilemas pelos quais passam a sociedade brasileira. Para o
autor, as culturas ibéricas se encontrariam organizadas a partir de um traço essencial – o
culto à personalidade -, o que implicaria em uma forte valorização da individualidade
nas relações em detrimento de formas de solidariedade social. Os impactos dessa
inclinação contagiariam toda a vida social, dotando nossas formas de associação antes
de um forte apelo emocional de que por interesses racionalmente orientados.
A transposição desse indelével traço ibérico ao empreendimento colonizador em
nosso país resultou em um tipo de colonização marcada pelo agrarismo e por uma
estrutura familiar fortemente vinculada à antiguidade clássica. A família patriarcal
reproduz a síntese de todo este processo – escravidão e grande propriedade. Mas o grave
3
problema é que esta estrutura vai impregnar toda a vida social, imiscuindo, segundo o
autor, família e estado; público e privado.
A forma acabada desse estado de coisas é o que o autor conceitua de “homem
cordial”, o qual articula duas dimensões centrais de sua análise: cultura e estrutura
social (FERREIRA, 1996). A noção de “homem cordial” irá justamente apontar para
essa profunda aproximação entre dimensões que deveriam ser diferenciadas – público e
privado -, mas que, no caso brasileiro, se encontram marcadamente combinadas,
promovendo entraves à efetivação da sociedade civil e da emergência de um Estado
impessoal. De forma sumária, o “homem cordial” expressa um “padrão de convívio”
entre nós que encontra respaldo em nossas raízes agrária e patriarcal. Em outros termos,
representa a ruptura de uma fronteira que deveria ser intransponível para a vida política
e social – aquela que estabelece limites entre o que é público e o que é privado. Essas
características associadas à importação das ideias liberais entre nós promoveram uma
profunda desigualdade na distribuição de recursos e privilégios sociais, o que será
reproduzido nas interações cotidianas e na vida social como um todo.
Outro autor que apontou o personalismo como uma marca constitutiva da
sociedade brasileira foi o antropólogo Roberto Da Matta. Mas, dessa vez, a ênfase recai
nos rituais através dos quais esse “culto à personalidade” ganha materialidade no fluxo
da vida cotidiana. Em Carnavais, malandros e heróis, sobretudo no capítulo Você sabe
com quem está falado? Da Matta (1983) problematiza situações ritualizadas nas quais a
hierarquia é acionada para “retornar as coisas aos seus devidos lugares sociais”. O uso
dessa expressão sugere uma ruptura fundamental na ordem das coisas – evidenciando as
desigualdade na distribuição do status e do prestígio social em nossa sociedade e as
implicações de acesso e tratamento que esta diferença encerra.
Uma dimensão importante da análise formulada por Da Matta (1983) se
relaciona a distinção básica entre os domínios das relações pessoais (pessoas) e o das
relações impessoais (indivíduos). Para este antropólogo, o ritual de separação
operacionalizado pelo uso do Você sabe com quem está falando? imprime uma
distinção entre aqueles que estão inseridos em relações – em termos bourdiesianos
possuem capital social – e aqueles que não são dotados desse aparato. A forma como
estas relações são negociadas no curso da vida social corresponde à pesada hierarquia
que divide a sociedade brasileira entre aqueles poucos que são beneficiados pela lei e
aquela multidão massificada que apenas sofre os seus impactos.
4
A partir desses dois autores, encontramos elementos que justificam do ponto de
vista teórico e empírico a ausência entre nós de uma sociedade pautada por ideais
racionais de participação. Mas será mesmo que a sociedade civil inexiste nessas
condições ou ela teria assumido outros significados que Sérgio Buarque de Holanda e
Da Matta, ambos bastante influenciados pela experiência de democracia norte-
americana, não teriam vislumbrado? Dadas essas questões, este trabalho se propõe a
pensar como a participação social pode acionar de diferentes maneiras esses “padrões de
convívio” baseados na domesticidade, na aproximação e na docilização das instituições
públicas promovendo “aberturas” na burocracia, sem as quais o acesso aos serviços
públicos seria ainda mais dificultado.
Assim, o objetivo desse trabalho é analisar a dinâmica da sociabilidade
estabelecida entre polícia e comunidade e as suas implicações na condução da política
pública de segurança no estado do Rio de Janeiro. Foram analisados dois contextos
distintos: as reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança e os cafés comunitários
realizados nos Batalhões da Polícia Militar. Ambos os contextos estão inseridos no bojo
das mudanças que ocorreram no campo da segurança pública do estado do Rio de
Janeiro, em 1999, as quais implicaram alterações significativas nas representações sobre
a ordem pública. Essas transformações constituíram novas modalidades de gestão e
mediação de conflitos, na qual através da instituição de espaços híbridos compartilhados
entre Estado e sociedade, a população passa a ter uma nova perspectiva de atuação
nesse processo. Nesse curto período de tempo, os cafés e, sobretudo as reuniões de
conselhos, cresceram em volume e grau de importância como instância mediadora de
conflitos.
Contudo, mas do que isso, esses espaços puderam instituir, através da interação
entre gestores públicos e usuários, laços de afinidade que ecoam na construção do
controle institucional da segurança pública. Considerando essas questões, buscamos
compreender como essas relações organizam sentidos diferentes sobre a segurança
pública e como elas interagem com a gestão institucional. Os dados de pesquisa foram
obtidos por trabalho de campo conduzido nesses espaços, o qual procurou privilegiar a
observação dos rituais que regem os mesmos.
1.1. Metodologia
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Este trabalho possui uma abordagem qualitativa adotando como estratégias
principais de pesquisa a observação participante e a análise documental. A pesquisa de
campo foi conduzida nas reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança realizadas
entre os anos de 2013 e no primeiro semestre de 2014. Faz-se necessário, contudo,
problematizar essas incursões nas referidas reuniões uma vez que participei na condição
de Coordenadora dos CCS, cargo vinculado ao Instituto de Segurança Pública (ISP) 2.
Na condição de coordenadora ia quase sempre representando o estado, tendo assento na
mesa de autoridades.
Essa inserção diferenciada provocou em mim uma necessidade de relativizar a
dinâmica dos conselhos no tocante a forma como os mesmos administram os seus
conflitos internos e se relacionam com as autoridades do campo da segurança pública.
Trabalhar como gestora junto aos conselhos propiciou observar em diferentes reuniões
eventos que merecem receber tratamento analítico adequado, algo para além dos
relatórios gerenciais. Reunindo uma pequena equipe – um antropólogo e um estudante
do curso de segurança pública – venho reunindo informações sobre a dinâmica da
sociabilidade nos conselhos com o objetivo de compreender como ela evidencia
sentidos e práticas diferentes em torno da noção de segurança pública.
Os dados coletados nessas reuniões, ainda em curso, revelam importantes pontos
de tensão sobre o debate em torno da relação segurança pública e participação
comunitária. Dadas essas questões, busco aqui problematizar a minha inserção neste
campo, uma vez que como gestora e também policial militar me insiro no elenco de
nativos que compõe esse espaço de pesquisa. Mas, simultaneamente, como cientista
social formada, reitero a necessidade de refletir sobre a difícil interação entre polícia e
sociedade civil a partir das inserções nestes espaços. Assim, foi privilegiada nessas
reuniões a observação dos rituais de congraçamento e separação através dos quais a
segurança pública é negociada por cidadãos nem sempre conscientes da noção de “coisa
pública”.
Também foi importante para a produção deste artigo, a leitura das atas
produzidas pelos conselhos para registrar essas reuniões. Este leitura, ainda que aponte
para padronizações sobre um dado discurso, revela importantes aspectos sobre os temas
e os “culpados” sobre os problemas discutidos durante o curso dessas reuniões. A
2 O ISP é uma autarquia da administração indireta do estado do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria de Estado de Segurança (SESEG/RJ), responsável pela consolidação e divulgação dos dados estatísticos de segurança pública do estado e pela coordenação dos CCS.
6
leitura das atas possui ainda o mérito de informar a assiduidade e a quantidade de
pessoas que frequentam esses espaços, oferecendo dados quantitativos que
complementam esta análise.
1.2. O espaço da pesquisa: os cafés comunitários e os CCS
Os Conselhos Comunitários de Segurança foram instituídos em 1999, como
parte de um plano governamental de reestruturação da política de segurança pública no
estado do Rio de Janeiro3. De acordo com Teixeira: “Está ação estava inserida na implantação de uma política pública de segurança, que se fundamentou num entendimento mais amplo do conceito de ordem, tornando possível a existência de outros tipos de mediação para o gerenciamento de seus diversos conflitos e a redução da criminalidade” (TEIXEIRA, 2006, p. 205).
Os Conselhos Comunitários de Segurança têm natureza consultiva e vêm se
constituído como importantes canais de participação popular em conjunto com as
instituições policiais – Polícia Civil e a Polícia Militar. Atualmente o estado do Rio de
Janeiro possui 67 conselhos ativos distribuídos em mais da metade dos municípios
fluminenses. Uma das premissas que delineia a construção desses conselhos é o resgate
da credibilidade das polícias frente à sociedade, transmitindo confiança e sentimento de
segurança.
No tocante aos atos normativos que institucionaliza e regula o funcionamento
dos CCS há quatro resoluções emanadas pela Secretaria de Estado de Segurança
(SESEG/RJ) que tratam desse tema, sendo elas: a Resolução SSP Nº 263/1999, que cria
os Conselhos Comunitários de Segurança e estabelece algumas regras gerais sobre o seu
funcionamento, a Resolução SSP Nº 629/2003 que revitaliza os Conselhos
Comunitários das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) e dentre outras
providências institui os cafés comunitários, a Resolução SSP Nº 781/2005 que aprova o
Regulamento dos CCS, a qual foi alterada posteriormente pela Resolução SESEG
78/2007.
Sobre o papel da Coordenadoria dos Conselhos Comunitários de Segurança
nesse contexto, vale dizer que, em 2004, a Secretaria de Segurança Pública (SESEG)
3 A Resolução SSP 263 de 26 de julho de 1999 cria as Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) e institui os Conselhos Comunitários de Segurança no estado do Rio de Janeiro
7
transferiu a coordenação do CCS ao Instituto de Segurança Pública (ISP) através da
Resolução SSP 781/2005, a qual: “Em resumo, criava regras mínimas para o
funcionamento dos conselhos e, além disso, em seus primeiros artigos, aponta a
presença do ISP na organização dos CCS, através da figura do Coordenador dos CCS.”
(MORAES, 2013, p.10).
Os CCS têm por função canalizar as demandas da comunidade de forma que os
integrantes das polícias e os demais órgãos e entidades do campo da segurança pública
possam maximizar suas ações em defesa da comunidade, bem como: estimular o
espírito cívico e comunitário; desenvolver um trabalho auxiliar de combate às causas da
violência, agregar as lideranças comunitárias, juntamente com as autoridades locais,
com o objetivo de planejar ações integradas de segurança pública; promover eventos
comunitários que fortaleçam o vínculo da comunidade com a polícia; estudar, discutir e
elaborar sugestões e encaminhamentos para as políticas públicas de segurança;
funcionar como fórum para a prestação de contas por parte da polícia quanto a sua
atuação local e, por fim, assumir a função de aproximar a sociedade e as instituições de
segurança pública através da perspectiva da prevenção.
Quanto a sua composição, os Conselhos Comunitários de Segurança são
formados por membros natos, efetivos e participantes. Os membros natos são os
representantes da Polícia Militar (Comandante do Batalhão) e da Polícia Civil
(Delegado Titular) responsáveis pela área de circunscrição do CCS4, sendo que a
participação dos representantes das polícias é obrigatória, ao passo que os
representantes da sociedade civil são voluntários. Os membros efetivos são
representantes de organizações atuantes na área dos CCS, ou ainda membros da
comunidade que voluntariamente manifestam seu interesse em vincular-se ao CCS. Essa
adesão é feita através do preenchimento de ficha cadastral. Eles ainda precisam atender
a uma série de requisitos previstos na resolução, dentre elas: ter idade mínima de 18
anos, não registrar antecedentes criminais, morar, trabalhar ou estudar na área de
circunscrição do CCS, ou em circunscrição vizinha que ainda não possua CCS
organizado e devem seguir as normas reguladoras dos Conselhos. Já os membros
participantes são aqueles que frequentam as reuniões do CCS, mas não possuem
nenhum vínculo efetivo com o mesmo (MORAES, 2013).
4 Normalmente esta corresponde a Área Integrada de Segurança Pública, todavia há situações em que a extensão da AISP e limites dos municípios torna necessário o desdobramento de mais de um CCS por AISP.
8
A estrutura mínima de uma diretoria de CCS é composta por cargos preenchidos
por eleição, são eles: Presidente, Vice-Presidente, 1º secretário, 2º secretário e Diretor
Social e de Assuntos Comunitários. É importante destacar que essa diretoria é formada
por representantes da sociedade civil. Quanto às dinâmicas de funcionamento, os
Conselhos se reúnem uma vez por mês, em reuniões abertas ao público, com horário e
local pré-definidos pela diretoria que devem ser informados ao Instituto de Segurança
Pública (ISP) para que seja feita a divulgação através da Coordenadoria dos Conselhos
Comunitários no site do ISP e da Fanpage dos CCS5.
Vale ressaltar que os CCS atuam geograficamente, respeitando os contornos da
Área Integrada de Segurança Pública (AISP), mas não necessariamente restritos a ela.
Cada AISP é estruturada com base nas áreas geográficas de atuação das Polícias Civil e
Militar. Dessa maneira, a configuração espacial de cada AISP é estabelecida a partir da
área de atuação de um batalhão de Polícia Militar e as circunscrições das delegacias de
Polícia Civil nela contidas. Uma AISP pode conter mais de um CCS. Essa existência
está condicionada as especificidades de cada região, a qual demanda ou não a
necessidade de mais conselhos6. O mapa a seguir traz a distribuição atualizada dos CCS
no estado do Rio de Janeiro e, tendo em vista as características de cada localidade e suas
dinâmicas sociais, esta configuração não é estática podendo sofrer alterações, tais como
a implantação de novos CCS, ou reativação de antigos, assim como a desativação de
conselhos já existentes, mas que não atenderam às condições para sua existência, como
presença de diretoria mínima ou devido a cometimento de outras infrações regimentais,
por exemplo.
5 A coordenadoria dos CCS desde 2013 criou uma página oficial na rede social Facebook. 6 Na região metropolitana, normalmente cada Área Integrada de Segurança Pública conta com apenas um CCS, todavia há situações em que a extensão da AISP e sua abrangência a mais de um município tornem o conselho pouco operativo, demandando assim a necessidade de um CCS para cada município da AISP.
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Mapa 1 – Distribuição dos CCS no estado do Rio de Janeiro
MACAÉ
CAMPOS DOS GOYTACAZES
VALENÇA
PARATY
RESENDE
ITAPERUNA
PIRAÍ
SÃO FIDÉLIS
RIO CLARO
RIO DE JANEIRO
SILVA JARDIM
QUISSAMÃ
MAGÉ
PETRÓPOLIS
CANTAGALO
CAMBUCI
NOVA FRIBURGO
ARARUAMA
TERESÓPOLIS
SAPUCAIA
ITABORAÍ
MARICÁ
ITALVA
VASSOURAS
CARMO
ITAOCARA
QUATIS
RIO BONITO
BARRA MANSA
ANGRA DOS REIS
BARRA DO PIRAÍ
ITAGUAÍ
SANTA MARIA MADALENA
NATIVIDADE
ITATIAIA
BOM JARDIM
TRÊS RIOSRIO DAS FLORES
MIRACEMA
SAQUAREMA
CARAPEBUS
MANGARATIBA
NOVA IGUAÇU
CABO FRIO
CACHOEIRAS DE MACACU
PARAÍBA DO SUL
SÃO FRANCISCO DE ITABAPOANA
SUMIDOURO
GUAPIMIRIM
TRAJANO DE MORAES
DUAS BARRAS
CARDOSO MOREIRA
DUQUE DE CAXIAS
CASIMIRO DE ABREU
SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA
SEROPÉDICA
SÃO JOÃO DA BARRA
BOM JESUS DO ITABAPOANA
PORCIÚNCULA
TANGUÁ
PATY DO ALFERES
VARRE-SAI
MIGUEL PEREIRA
AREAL
SÃO GONÇALO
NITERÓI
SÃO SEBASTIÃO DO ALTO
PARACAMBI
LAJE DO MURIAÉ
SÃO PEDRO DA ALDEIA
CONCEIÇÃO DE MACABU
SÃO JOSÉ DE UBÁ
RIO DAS OSTRAS
JAPERI
MENDESVOLTA REDONDA
APERIBÉ
CORDEIRO
ANGRA DOS REIS
MACUCO
ARRAIAL DO CABO
PINHEIRAL
SÃO JOSÉ DO VALE DO RIO PRETO
QUEIMADOS BELFORD ROXO
ENGENHEIRO PAULO DE FRONTIN
PORTO REAL
MESQUITA
MANGARATIBA
COMENDADOR LEVY GASPARIAN
IGUABA GRANDE
ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
NILÓPOLIS
ITAGUAÍ
SÃO JOÃO DE MERITI
ARRAIAL DO CABO
Mapa dos CCS – Estado*
CCS ativos
Áreas sem CCS
CCS em reestruturação
*Mapa produzido com base nos dados da Coordenadoria dos CCS, atualizados até o mês de janeiro de 2014.
Fonte: ISP
Uma vez instaurado o CCS em sua área, sua diretoria em conjunto com a
população e instituições de segurança, devem identificar e analisar os problemas locais,
propondo soluções e avaliando as respostas e as soluções dos problemas demandados.
Embora os CCS possuam caráter consultivo, ou seja, suas eventuais deliberações não
produzem obrigação de fazer por parte dos gestores da segurança ou demais órgãos
públicos participantes, a prática vem demonstrando as possibilidades de influência e
contribuição dos CCS na gestão da segurança pública, a princípio em nível local.
Outro aspecto do trabalho desenvolvido pelos Conselhos Comunitários de
Segurança pode ser percebido e reconhecido através da adesão crescente, de novos
membros efetivos, representações de associações de bairro, de clubes de serviço, de
sindicatos, do comércio, da indústria, de bancos, de estabelecimentos de ensino, dentre
outras entidades públicas e privadas, além dos cidadãos que residem, trabalham ou
estudam na localidade.
Entretanto, é importante considerar que a participação social é assunto
relativamente novo no campo da segurança pública brasileira, com isso, até mesmo
10
difundir tal ideia já se constitui num primeiro desafio, uma vez que esta não se
concretiza simplesmente a partir da institucionalização de espaços de diálogo em termos
legais. Aliás, o fato de esses espaços associativos serem criados pelo Estado já lhes
rendem críticas, pois em certa medida são entendidos como uma “política de cima para
baixo”.
Não obstante tais constatações, conforme vimos até aqui o estado do Rio de
Janeiro possui dois desses canais institucionais, cujo objetivo principal é promover a
aproximação entre polícia e comunidade, sendo eles os Cafés Comunitários e os
Conselhos Comunitários de Segurança (CCS). Os Cafés Comunitários são considerados
de natureza mais informal e, em linhas gerais, seriam encontros, normalmente cafés da
manhã, regularmente promovidos pelos batalhões da Polícia Militar sem regras rígidas,
enquanto os Conselhos Comunitários de Segurança têm natureza formal, são regidos
por legislação própria, com regras a serem seguidas pelos participantes, ou seja, polícia
e sociedade (TEIXEIRA, 2009).
Pode-se dizer que a existência formal dos Conselhos Comunitários de Segurança
e dos cafés comunitários é uma realidade, tendo em vista sua presença na maior parte
das 39 Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP) do estado do Rio de Janeiro. O
que significa dizer que, em média, entre cafés e reuniões de CCS, são realizados a cada
mês cerca 70 desses encontros, em distintas localidades do estado, que permitem a
interação, ou pelo menos reúnem no mesmo espaço físico, policiais, gestores públicos
dos diferentes níveis governamentais, parlamentares, representantes de associações de
moradores, empresários, moradores, dentre outros atores.
Obviamente a consolidação e a efetividade desses espaços dependem do
desenvolvimento de novas formas de relacionamento entre polícia e comunidade, visto
que esse contato é historicamente marcado pela desconfiança mútua.
Passados quase quinze anos de seu surgimento oficial no Rio de janeiro, ainda
não há avaliações acerca da efetividade desses conselhos, não sendo possível afirmar
em que medida eles de fato têm, ou não, contribuído para a melhoria da segurança
pública nas áreas onde funcionam. Todavia, é plausível a hipótese de que esses contatos
regulares entre policiais e “civis”, tenham promovido mudanças nas práticas e
percepções de uns em relação aos outros, e é disso trataremos adiante.
11
1.3. Cafés e Conselhos: espaços de interação e estratégias de mediação
Tendo em vista a natureza consultiva dos CCS e o caráter informal dos Cafés
Comunitários, contornar as frustrações decorrentes dos limites de competência desses
espaços em relação às expectativas dos participantes e ainda apontar soluções viáveis
para os problemas ali apresentados é um desafio que requer habilidade, tanto por parte
dos gestores da segurança pública local quanto dos representantes da sociedade civil.
Esses processos podem ser percebidos em algumas falas de um presidente de CCS: “O
conselho não tem poder de caneta!”. Por outro lado, esse mesmo presidente definiu o
CCS como “um órgão representante da sociedade civil junto aos poderes públicos”.
Quanto à função do CCS, tinha ele a seguinte percepção: “nossa função é pegar as
solicitações de vocês e encaminhar para as autoridades” 7.
A notória desproporcionalidade entre gestores públicos e sociedade civil no que
tange ao poder de decisão nesses espaços, a habilidade para o diálogo e a mediação são
fatores percebidos como determinantes para que esses encontros não se resumam a
meras estratégias de relações públicas com vistas à melhoria da imagem da polícia
frente à sociedade.
Nesse sentido, o local e a forma como esses encontros são realizados podem
favorecer, mais ou menos, a aproximação entre os atores sociais e os gestores públicos.
Não obstante a existência de atos normativos que regulam os CCS e a realização dos
cafés comunitários; na prática, há que se considerar que as diferenças entre as áreas do
estado produzem distinções em suas dinâmicas de funcionamentos, as quais vão desde a
estrutura física dos locais de reunião8 até o relacionamento entre a comunidade e os
gestores públicos locais.
Há reuniões que são mais ritualizadas, iniciadas solenemente com a execução do
Hino Nacional, com mestres de cerimônia e roteiros definidos. Por outro lado, há
também aquelas menos formais. Porém, todas conservam a formação da mesa das
autoridades como elemento comum e atribuem a elas grande importância. A
composição da mesa nas reuniões dos CCS é um momento em que as disputas pela
autoridade no conselho podem aflorar. Nesse sentido, ter um lugar na mesa principal
significa prestígio. Nesses termos, a quem compete decidir sobre a composição da 7 Anotações de campo, declarações do presidente do CCS AISP16. 8 Existem conselhos que possuem locais de reunião fixos com recursos multimídia para apresentação de palestras e filmes. Há a outros, contudo, que realizam suas reuniões em salas cedidas pela Prefeitura, ou ainda, aqueles que optam por reuniões itinerantes realizadas em igrejas, escolas, clubes etc.
12
mesa? A princípio, no caso dos conselhos, ao Presidente do CCS. Já nos cafés, essa é
uma escolha do Comandante do Batalhão, o anfitrião do evento. Conforme observou
Moraes (2011) analisando a reunião de um CCS da Zona Sul do Rio de Janeiro. Ainda sobre a composição da mesa das “autoridades”, no CCS da 23ª AISP é normalmente fruto da iniciativa do presidente do conselho o convite a outros participantes “especiais” para a reunião. No período de realização da pesquisa, deputados, vereadores, secretários do Executivo estadual e municipal e até um ex-ministro estiveram presentes às reuniões, ocupando lugar na mesa das “autoridades”. A decisão de quem e quando convidar parte normalmente do presidente do conselho. E estas presenças ilustres, ao mesmo tempo em que trazem prestígio para o CCS, geram reações controversas entre os participantes (MORAES, 2011, p.118).
Há CCS que acabam assumindo em suas reuniões alguns rituais das instituições
militares, como a entrega de medalhas e honrarias. Os CCS das AISP 09 e AISP 03 são
exemplos interessantes desse tipo de situação. As medalhas, muitos mais do que
reconhecimento, tende a promover laços afetivos entre estes CCS e as instituições
policiais. Interessante destacar que é também nesses conselhos que o personalismo
assume um caráter mais bem acabado, sendo manifestado em situações nas quais a
aproximação é verbalizada abertamente em diferentes ocasiões: “meus policiais!”, fala o
presidente de um desses CCS.
O uso do pronome possessivo implica duas ordens de coisas: manifestar uma
efetiva apropriação do público por essas pessoas, as quais parecem começar a perceber a
polícia como uma instância a quem podem confiar. Simultaneamente, o “meu” pode se
constituir como uma individualização do público – um recurso de apadrinhamento –
revelando desigualdades de acesso aos serviços públicos mediadas por relações de
proximidade.
A entrega de medalhas e honrarias, uma atividade recorrente em diferentes CCS,
também revela um outro componente significativo, a possibilidade dos CCS falarem a
mesma língua das instituições policiais. O reconhecimento da hierarquia policial e a sua
incorporação pelos CCS, menos que sinalizar para a cooptação dos CCS pelas
instituições de segurança é uma forma de amolecer a rígida hierarquia policial e
compartilhar das decisões sobre a segurança no estado. Nesse empreendimento, a
conversa de bastidores é um recurso de grande valia. É através dessas conversas
informais que se obtém respostas às demandas por segurança pública, até mesmo
influenciando na arquitetura do policiamento. É possível observar em várias reuniões a
troca de telefones entre as autoridades e os usuários de serviços. A possibilidade de ligar
13
direto para a autoridade oferece uma agência a estes CCS, a qual abre possibilidades de
construção coletiva de estratégias de mediação de conflitos.
Nesse contexto ter acesso aos telefones dos comandantes e delegados de sua área
e com isso a possibilidade de ser atendidos por eles a qualquer hora, se constitui num
fator de distinção no relacionamento dos conselheiros e membros natos. Isso implica na
abreviação dos contatos via burocracia, tais como envio de ofícios, emails ou mesmo a
disputa pelas concorridas agendas desses gestores. Além disso, em alguns casos, esse
canal privilegiado de acesso pode ser mobilizado como forma de obter reconhecimento
e prestígio em determinados ambientes ou situações, como no caso observado por
Moraes, em que ao se sentir mal atendido pelo policial atendente do 190 o conselheiro
ameaçou ligar de madrugada para o comandante geral da PM. Outro conselheiro destacou a falta de conhecimento sobre os conselhos por parte dos atendentes do 190 (serviço de atendimento telefônico da PM): “Pelo menos nós, conselheiros, eles poderiam identificar. Aí eu disse para ele: ‘Vou acordar o Comandante Geral’” (MORAES, 2012:115)
Outro dado que pode ser destacado nessa interação são as parcerias e o apoio dos
conselheiros que mobilizam suas redes de contatos, quer seja junto aos poderes públicos
ou mesmo aos empresários locais, de modo a auxiliar na execução de algum projeto do
Batalhão ou Delegacia de sua área. Não são raras essas interlocuções promovidas por
conselheiros visando cessão de terrenos ou a obtenção de parcerias logísticas para a
construção de destacamentos policiais, delegacias, consertos de viaturas, dentre outras
iniciativas das polícias que eventualmente não contem com recursos públicos
previamente destinados. Em certos casos os próprios alimentos servidos nos cafés
comunitários (que normalmente são oferecidos pelo batalhão) são fornecidos pelos
participantes dos conselhos, por vezes foi possível observá-los chegando às reuniões
trazendo garrafas térmicas, pães, bolos adquiridos ou feitos com seus recursos
particulares. Apesar de reduzidas na região da Capital do estado as parcerias logísticas
ainda são comuns nas áreas interioranas.
Considerando, tratar-se a segurança pública e suas questões de ordem técnica,
como assuntos normalmente restritos aos policiais ou especialistas, é possível imaginar
que a participação social neste cenário se restrinja a informar as autoridades acerca dos
problemas em termos de “o que, quando e onde” cabendo então aos policiais o “como”
resolver. Todavia, percebe-se que em alguns casos pode ser bem-vinda a “intromissão”,
não especializada dos conselheiros, em questões como a captação de recursos, tais como
mais policiais e equipamentos, quer seja junto à Secretaria de Estado de Segurança ou
14
mesmo ao Comando Geral da PM ou Chefia de Polícia Civil. Nesse sentido são
recorrentes os pedidos de agendamento de encontros de conselheiros com o Secretário
Estadual de Segurança e os Chefes das corporações policiais, bem como a promoção de
abaixo-assinados e entrega de ofícios solicitando aumento de efetivo policial, viaturas,
equipamentos, construção de delegacias, bem como pedidos para que determinados
policiais não sejam movimentados de suas unidades, dentre outras.
Em princípio, é possível perguntar: tais solicitações não poderiam ser
encaminhadas pelos próprios gestores às suas instituições? Entretanto, é necessário
salientar que tanto os comandantes de batalhão quanto os delegados são nomeados e que
suas instituições, guardadas as notórias diferenças, são marcadamente hierarquizadas e,
nesse contexto os representantes da sociedade, em tempos democráticos, têm mais
liberdade para brigar pelas parcelas de recursos para sua região. Percebe-se que nestes
casos, mais uma possibilidade de parceria, onde a comunidade diz aquilo que o gestor
tem vontade de dizer, mas não pode em função de seu cargo.
Corrobora com esse argumento a fala de um presidente de CCS proferida
durante uma reunião: “a delegacia tal está caindo aos pedaços, chove dentro, precisa de
reforma urgente” 9. Não é plausível imaginar que o delegado ou seus agentes, presentes
à reunião, não tivessem conhecimento de tal situação acerca de seu próprio local de
trabalho, sendo possível que estes tenham esgotado seus recursos junto à administração
superior com vistas à solução do problema, restando à comunidade “colocar a boca no
trombone”.
A interação nos cafés e conselhos permite a sensibilização dos conselheiros
assim como os demais participantes em relação às dificuldades do trabalho policial.
Com isso as mobilizações promovidas pelos conselheiros com vistas à melhoria das
condições de trabalho dos policiais, para além do ganho objetivo com a resolução do
problema, apontam também para a possibilidade de vínculos de solidariedade
construídos entre esses atores e, nesses casos, as cobranças deixam de ser feitas
diretamente aos comandantes e delegados, passando a ser direcionadas aos seus
superiores hierárquicos. Podendo assim produzir ganhos mútuos.
Ao considerar, mesmo que superficialmente, a participação comunitária a partir
dos Conselhos Comunitários de Segurança pública e cafés comunitários, percebe-se que
polícia e comunidade ainda estão em processo de aprendizagem. “Era absolutamente
9 A designação da delegacia policial foi omitida pelos autores.
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estranho ver um paisano dentro do quartel” 10, afirma um comandante. O relato deste
comandante referindo-se à reação e estranhamento das primeiras reuniões de conselho
realizadas em unidades da polícia militar, com a presença de “paisanos” no ambiente da
“caserna”, revela alguns elementos determinantes desse longo processo de aproximação
ainda em andamento.
Percebe-se que essa visão dá sinais de mudança, sendo frequente nas reuniões
falas do tipo “o batalhão está de portas abertas” ou “a delegacia está de portas abertas”,
proferidas por comandantes de batalhão e delegados de polícia civil, em alusão a
possibilidade de a comunidade procurar essas instâncias, para além das situações de
crise – a construção de um registro de ocorrência, por exemplo. Como afirma um
delegado: “Porque ninguém procura uma delegacia para tomar um cafezinho ou dizer
que seu filho passou no vestibular”, o argumento desse profissional demonstra a
percepção desses espaços como locais onde naturalmente as pessoas não desejam estar.
A delegacia, principalmente, tem sido representada como um espaço de desonra onde a
presença de um “cidadão de bem” é moralmente reprovável.
Todavia, percebe-se que alguns conselheiros já demonstram se sentir à vontade
em algumas unidades policiais, especialmente os batalhões, onde com mais frequência
que nas delegacias, são realizadas solenidades de premiação de policiais, eventos
cívicos tais como cerimônia da bandeira, formaturas de policiais, entregas de medalhas,
dentre outras. Não é incomum que, após a realização das reuniões de CCS e cafés
comunitários – normalmente realizados no horário da manhã – alguns participantes
“civis” permaneçam no batalhão para o almoço onde compartilham o rancho dos
oficiais, local tradicionalmente destinado às refeições dos policiais de patentes mais
altas da unidade. A presença dessas pessoas nessas unidades constitui de um único
golpe a dissolução do espaço – que antes parecia intransponível – entre a sociedade e as
instituições policiais, vistas como endurecidas e extremamente hierarquizadas.
Outro aspecto importante observado pela interação entre polícia (Militar e Civil)
e sociedade é o alargamento dos sentidos atribuídos a noção de segurança pública. O
buraco na rua, a falta de iluminação pública, a ausência de coleta de lixo adequada
ganha nesses espaços sentidos associados à segurança pública. Este processo tende a
gerar tensões entre os CCS e as instituições policiais, mas, ao mesmo tempo, favorece
10 Cabe destacar que, apesar da frase, a princípio, denotar uma insatisfação do oficial, o mesmo se referia à reação de estranhamento por parte dos policiais ante a presença de civis nos quartéis da polícia
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uma discussão interserccional do campo da segurança. Esta interseccionalidade
promove um aprendizado dos usos e atribuições das instituições públicas – eles ficam
cientes de quem é o responsável por cada problema. O convite cada vez mais frequente
de outras instituições – tais como: bombeiros, prefeituras, secretarias municipais,
regiões administrativas etc. -, até mesmo na mesa de autoridades, implica uma
especialização cada vez maior dos CCS em qualificar as suas demandas, um processo
somente possível a partir dessa cooperação ativa entre os CCS e as polícias.
Gráfico 1 – Participação de representantes de Poderes Públicos e Entidades
em Reuniões de CCS – valores percentuais – Jan a mai / 201411
Valores Percentuais
13,3 13,3
10,6 10,08,0 7,3 6,7 6,7 6,0 5,3 5,3
4,0 3,4
02468
10121416
Políc
ia Mi
litar
Políc
ia Ci
vil
Repr
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ombe
iros
Entid
ades
Reli
giosa
s
Órgãos / Entidades
Fonte: Coordenadoria dos CCS/ISP.
A presença dessas autoridades tem despertado ainda o interesse de outros setores
da sociedade para os CCS, uma vez que estes espaços têm se constituído como caixas
11 Os dados apresentados neste gráfico foram produzidos a partir da leitura de 20 (vinte) atas de reuniões de CCS, produzidas pelos conselheiros através de um sistema de registro de atas produzido para este fim. Todavia nem todos os conselhos até o momento aderiram ao método e sistema confecção eletrônica das atas,esta adesão tem sido paulatina, razão pela qual o gráfico é ilustrativo e tem o objetivo de mostrar a participação de outros segmentos da gestão pública e sociedade civil organizada nas reuniões de CCS.
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de ressonância dos diferentes problemas vivenciados por toda a comunidade – uma
espécie de associação de moradores ampliada, ou uma grande reunião de condomínio.
Assim, mais do que representantes da sociedade civil, os CCS têm sido procurados por
associações comerciais e de serviços cujo objetivo, ainda que individual, terminam por
oferecer respostas coletivas aos problemas enfrentados no campo da segurança pública.
1.4. “Café com bobagem?”: disputas e tensões em torno da noção de segurança
pública e participação comunitária
Por vezes, ao longo das inserções no campo na condição de gestor12 foi possível
ouvir a expressão “café com bobagem” proferida inadvertidamente por alguns policiais,
especialmente os mais jovens, ao se referirem de forma jocosa às reuniões dos CCS ou
café comunitário. Para além da possibilidade desses policiais simplesmente
desqualificarem estas reuniões como algo útil às polícias, essa expressão pode estar
relacionada aos tipos de assuntos ali tratados os quais, em alguns casos, passam ao largo
das questões estritamente policiais.
Nesses encontros, ao ser franqueada a palavra aos participantes, pode sair de
tudo. Desde pedidos de providências relativas a saneamento básico, lixo, população de
rua, perturbação do sossego, saúde, educação, meio ambiente, ordem pública,
iluminação, sistema de transporte, fornecimento de serviços de telefonia, ou ainda em
alguns casos é possível que algum participante utilize seus dois ou três minutos de fala13
para declamar uma poesia ou ler um texto de sua própria autoria.
Diferentes fatores podem influenciar no tipo das solicitações levadas ao CCS.
Nesse sentido, o fato de as reuniões e atas dos CCS constantemente fazerem referência a
problemas ligados a temas não policiais - sobretudo problemas da municipalidade –
pode indicar um sentido amplo da segurança pública por parte daqueles que procuram os
conselhos. Por outro lado, é possível que a ausência ou ineficiência dos espaços
legítimos e competentes para a resolução desses problemas façam do Conselho
Comunitário de Segurança uma espécie de catalisador da demanda reprimida de outros
órgãos, como é possível observar nas narrativas de algumas das atas eletrônicas de CCS, 12 Até a conclusão deste artigo a autora esteve presente em mais de 80 reuniões entre CCS e Cafés Comunitários em distintas regiões do estado. 13 Para atender ao maior número de participantes o tempo de fala dos inscritos, normalmente são cronometrados, em geral entre dois e três minutos.
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acessadas durante a pesquisa. Nessas atas, alguns participantes demonstraram conhecer a
natureza de sua solicitação, bem como o órgão encarregado de atendê-la. Todavia, na
ausência de resposta por parte dos mesmos, recorrem ao CCS.
A ênfase nesse aspecto dos CCS não significa que outras questões, consideradas
de segurança pública em sentido estrito, não sejam ali abordadas. Nesse contexto, as
solicitações se referem geralmente a aumento do efetivo policial, viaturas, criação de
delegacias e postos de policiamento. O efetivo é uma reclamação recorrente nesses
espaços.
Porém, a forma como os membros natos e as diretorias dos CSS lidam com as
solicitações e expectativas, que de início não dizem respeito às suas esferas de
competência, pode sinalizar o entendimento de que tais atores têm sobre a segurança
pública, ou mesmo o papel dos CCS.
É frequente observar nos discursos dos participantes a tentativa de relacionar os
problemas apresentados (lixo acumulado, árvore em risco de cair e muros em vias de
desabamento, etc.) com a questão da segurança pública, cuja falta de resolução poderia
transformá-los em problemas efetivos de segurança pública – “coisa de polícia”.
Entretanto, é importante considerar que situações como essas não podem ser tomadas
como regra para avaliação do entendimento dos participantes sobre o termo. Afinal,
tratam-se de discursos proferidos em arenas públicas onde estão em jogo, além de
recursos escassos, as performances e habilidades dos atores em legitimar as suas
demandas.
Embora não revelem exatamente o entendimento dos participantes dos CCS
sobre segurança pública, os desdobramentos das solicitações apresentadas podem
fornecer algumas pistas. Atos como: simplesmente informar não ser aquele o foro
competente, ou encaminhar as solicitações aos órgãos responsáveis ou, ainda, convidar
os representantes dos órgãos demandados para as reuniões onde possam responder
diretamente aos representantes da comunidade demonstram algumas possibilidades
dessas questões “não policiais” serem acolhidas e encaminhadas pelos CCS.
Porém, nas reuniões e cafés comunitários nem tudo se resume aos problemas de
segurança pública, quer seja em sentido ampliado ou estrito, esses encontros também
podem proporcionar situações constrangedoras tais como, os desentendimentos pessoais
e brigas internas de diretorias CSS, que por vezes são expostos em público nesses
encontros. Por outro lado, o descontentamento também pode ser direcionado aos
gestores públicos ou mesmo os próprios membros natos, em alguns casos a postura mais
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enfática, ou agressiva, por parte dos participantes do CCS pode desestimular a
frequência de gestores ou mesmo de moradores.
As trocas de comandantes de batalhão e titulares de delegacias também são
fatores que geram descontentamentos por parte alguns participantes desses espaços,
conforme visto até aqui o estabelecimento de laços entre comunidade e gestores policiais
pode levar certo tempo, o que significa dizer essas mudanças provocam o recomeço do
processo de aproximação, sendo frequente as reclamações do tipo “quando começamos a
conhecer e a nos acostumar com os comandantes e delegados eles são substituídos”.
Por outro lado, podemos observar que as autoridades policiais, por vezes se
demonstram saturadas com o “excesso de temas” tratados nessas reuniões bem como
com o demasiado tempo de duração das mesmas, que embora tenham duração
regulamentar de no máximo duas horas, há casos de reuniões que duram até quatro
horas.
A “bobagem” a que se referem na expressão já famosa entre os policiais – “café
com bobagem” – pode ser significativa para entender esse cansaço em relação aos
problemas lançados nessas reuniões. É comum, e não apenas entre policiais, a visão de
que o trabalho policial se resume a resolução de crimes, nesse sentido alguns deles têm
expectativas de nesses encontros com moradores colher informações privilegiadas sobre
crimes e criminosos o que normalmente é frustrado pelos pedidos de podas de árvores,
iluminação, etc. Quase sempre as polícias tentam promover uma distinção entre “coisas
de polícia” e outros problemas, definindo limites entre áreas de competência, as quais
não são respeitas nesses espaços. Este desrespeito não ocorre porque estes não conhecem
a especificidade dos serviços policiais, mas antes porque os CCS acabam se constituindo
como o único lugar onde estas pessoas podem reclamar diretamente com gestores
públicos da infraestrutura urbana e têm a possibilidade de ser atendidos.
Com isso, as reuniões dos cafés e Conselhos Comunitários de Segurança
oferecem, pelo menos uma vez ao mês, a oportunidade do encontro entre diferentes
segmentos da sociedade e poderes públicos. O que advirá destes encontros, se benefícios
públicos ou privados, dependerá dos atores envolvidos.
Referências bibliográficas
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FERREIRA, Gabriela Nunes. A formação nacional em Buarque, Freyre e Vianna. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 37, 1996, p. 229-254.
MORAES, Luciane Patrício Braga de. Falar, ouvir e escutar. Etnografia dos processos de produção de discursos e de circulação da palavra nos rituais de participação dos Conselhos Comunitários de Segurança. Tese de Doutorado em Antropologia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF. Niterói, 2011.
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TEIXEIRA, Paulo Augusto Souza. Os Conselhos e Cafés Comunitários de Segurança Pública/RJ no Contexto Democrático. In: LYRA, Rubens Pinto (org.). Participação e Segurança Pública no Brasil: teoria e prática. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009.
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