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em Matemática em Rede Nacional - PROFMATmoodle.profmat-sbm.org.br/MA21/OLD/unidade1.pdf · Dedicamos este livro as nossas esposas e lhos, que omprcendeream os sábados sacri cados

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Mestrado Profissional

em Matemática em Rede Nacional

Iniciação à Matemática

Autores:

Krerley Oliveira Adán J. Corcho

Unidade I:

Capítulos I e II

.

Dedicamos este livro as nossas esposas e �lhos, que compreenderam

os sábados sacri�cados em função de escrevê-lo e a nossos pais, por

tudo o que eles representam.

Tente! E não diga que a vitória está perdida. Se é de batalhas que se

vive a vida. Tente outra vez! (Raul Seixas)

vi

Sumário

Prefácio xi

1 Primeiros Passos 1

1.1 Organizando as Ideias . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.2 Verdadeiro ou Falso? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.3 Teoremas e Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.3.1 Métodos de Demonstração . . . . . . . . . . . . 10

1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas . . . . . . . . 15

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 . . . . . . . . . . 18

1.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

2 Equações e Inequações 31

2.1 Equações do Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . 33

2.1.1 Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . 37

2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau . . . . . . . . 42

2.2.1 Problemas Resolvidos . . . . . . . . . . . . . . . 46

2.3 Equação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . . 49

2.3.1 Completando Quadrados . . . . . . . . . . . . . 50

2.3.2 Relação entre Coe�cientes e Raízes . . . . . . . 55

2.3.3 Equações Biquadradas . . . . . . . . . . . . . . 59

2.3.4 O Método de Vièti . . . . . . . . . . . . . . . . 60

vii

viii SUMÁRIO

2.4 Inequações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

2.5 Inequação do Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . 63

2.6 Inequação do Segundo Grau . . . . . . . . . . . . . . . 69

2.6.1 Máximos e Mínimos das Funções Quadráticas . 75

2.7 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

2.7.1 Equações Modulares . . . . . . . . . . . . . . . 77

2.7.2 Um Sistema de Equações Não lineares . . . . . 80

2.8 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

3 Divisibilidade 89

3.1 Conceitos Fundamentais e Divisão Euclidiana . . . . . 90

3.2 Bases Numéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

3.3 Máximo Divisor Comum e Mínimo Múltiplo Comum . 106

3.3.1 Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . 106

3.3.2 Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . 111

3.3.3 Mínimo Múltiplo Comum . . . . . . . . . . . . 115

3.3.4 Equações Diofantinas Lineares . . . . . . . . . . 120

3.4 Números Primos e Compostos . . . . . . . . . . . . . . 123

3.5 Procurando Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

3.5.1 O Crivo de Eratóstenes . . . . . . . . . . . . . . 127

3.5.2 Primos de Mersenne . . . . . . . . . . . . . . . 129

3.5.3 O Teorema Fundamental da Aritmética . . . . . 133

3.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

4 O Princípio da Casa dos Pombos 143

4.1 Primeiros Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

4.2 Uma Versão mais Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

4.3 Aplicações na Teoria dos Números . . . . . . . . . . . . 149

4.4 Aplicações Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151

SUMÁRIO ix

4.5 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

4.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157

5 Contagem 161

5.1 Princípio Aditivo da Contagem . . . . . . . . . . . . . 162

5.2 Princípio Multiplicativo de Contagem . . . . . . . . . . 170

5.3 Uso Simultâneo dos Princípios Aditivo e Multiplicativo 178

5.4 Permutações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181

5.5 Arranjos Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184

5.6 Combinações Simples . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

5.7 O Binômio de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193

5.8 Contagem e Probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . 195

5.9 Exercícios Propostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

6 Indução Matemática 203

6.1 Formulação Matemática . . . . . . . . . . . . . . . . . 204

6.2 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206

6.2.1 Demonstrando Identidades . . . . . . . . . . . . 206

6.2.2 Demonstrando Desigualdades . . . . . . . . . . 210

6.2.3 Indução e Problemas de Divisibilidade . . . . . 212

6.3 Indução na Geometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

6.4 Miscelânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220

6.4.1 Cuidados ao Usar o Princípio da Indução . . . . 222

6.5 Indução e Recorrências . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222

6.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 229

7 Desigualdades 233

7.1 Desigualdade Triangular . . . . . . . . . . . . . . . . . 234

7.2 Desigualdade das Médias . . . . . . . . . . . . . . . . . 238

x SUMÁRIO

7.3 Desigualdade de Cauchy-Schwarz . . . . . . . . . . . . 245

7.4 Desigualdade de Jensen . . . . . . . . . . . . . . . . . . 246

7.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250

8 Polinômios 255

8.1 Operações com Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . 255

8.2 Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

8.3 Sempre Existem Raízes de um Polinômio? . . . . . . . . 268

8.3.1 Números Complexos e Raízes de Polinômios . . 269

8.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272

A Apêndice: Funções 279

Referências 285

PrefácioImaginação é mais importante que onhe imento. Albert Einstein�Leo, vo ê tem uma religião? Assim, uma religião, omo judaísmo,ou ristianismo, ou Matemáti a...?�Alon Peres, 6 anos, �lho do Matemáti o Yuval PeresNeste livro pretendemos oferecer ao leitor uma introdução à Mate-

mática Elementar. Juntando as experiências didáticas vividas pelos

autores individualmente no Brasil e em Cuba, e mais alguns anos

juntos como treinadores de projetos de introdução à Matemática no

estado de Alagoas, esperamos tornar para o leitor a Matemática mais

interessante, mostrando um pouco do imenso brilho e beleza que ela

esconde.

O livro foi escrito em capítulos, cada um deles detalhando um

tema central e trazendo alguns teoremas fundamentais. Com muitos

exemplos e aplicações dos conceitos introduzidos, pretendemos mos-

trar ao leitor a importância do assunto abordado. A organização dos

exemplos tenta seguir uma linha em ordem crescente de di�culdade e,

para o melhor aproveitamento do livro, o trabalho com os exercícios

é parte fundamental. Ler o enunciado e resolver o maior número pos-

xi

xii Prefácio

sível de exercícios é imperativo. Como já disse o Prof. Elon Lima,

�Matemática não se aprende passivamente�.

Os exemplos e aplicações dos conceitos, bem como os teoremas,

devem ser lidos com cuidado e muita atenção. Para os estudantes

que desejem treinar para olimpíadas de Matemática, sugerimos que

formem grupos de estudo para trabalhar os temas individualmente,

sob a orientação de um professor. Acreditamos que o texto pode ser

utilizado em uma disciplina elementar num curso de licenciatura ou

bacharelado em Matemática.

O primeiro capítulo é para introduzir o leitor no espírito do livro

e dar uma amostra do tipo de problemas e material que seguirá nos

demais capítulos. São propostos alguns problemas, muitos deles com

soluções, e discutimos alguns métodos importantes para uso no dia a

dia dos estudantes. Nesta discussão incluímos o estudo de proposições

matemáticas, provas por contraposição, o método de redução ao absur-

do e algumas outras regras básicas e cuidados que devemos ter ao

resolver problemas em Matemática.

Em seguida, estudamos as equações do primeiro e do segundo grau.

Estudamos os métodos de resolução dessas equações, sistemas de equa-

ções, relações entre raízes e coe�cientes, bem como alguns problemas

interessantes que podem ser solucionados via essas equações. Em se-

guida, estudamos inequações do primeiro e do segundo grau.

O capítulo seguinte trata do conceito de divisibilidade. Tentamos

introduzir o leitor nos principais aspectos básicos, incluindo-se a divisi-

bilidade com resto, máximo divisor comum e mínimo múltiplo comum,

números primos e compostos, e um pouco de equações diofantinas li-

neares.

Um capítulo útil para o estudante que deseja participar de Olim-

Prefácio xiii

píadas de Matemática é o que trata do princípio da casa dos pombos.

Este capítulo é um belo exemplo de como algo aparentemente ingênuo

pode gerar consequências interessantes. Alguns dos exemplos estão

conectados com os capítulos anteriores e aparentemente aplicam o

princípio de modo inusitado, em problemas de geometria, teoria dos

números e em áreas diversas.

No capítulo de contagem, começamos com noções úteis sobre con-

juntos e princípios básicos para contar os elementos de um conjunto.

Nesse capítulo, estamos mais preocupados com as aplicações imediatas

do assunto, sugerindo alguns problemas para o estudante iniciante.

Seguimos discutindo os tipos de agrupamento de elementos e suas

consequências. Obtemos o binômio de Newton e introduzimos a no-

ção de probabilidade de um conjunto, resolvendo alguns problemas

relacionados.

Em seguida, estudante se depara com uma arma poderosa do mate-

mático. O método da indução �nita é estudado procurando conectar

esta noção com os capítulos anteriores, reobtendo com o auxílio do

método da indução algumas coisas que já foram deduzidas por outros

métodos. Vários exemplos e problemas são resolvidos, alguns deles de

modo surpreendente e inesperado.

No próximo capítulo, introduzimos algumas desigualdades popula-

res para o uso do estudante. Algumas dessas desigualdades são muito

importantes no estudo mais profundo da Matemática e não apare-

cem em cursos introdutórios, apesar de suas provas e aplicações serem

elementares. Todas as desigualdades aparecem com demonstrações,

em muito dos casos utilizando-se álgebra elementar e o método de

indução �nita. São apresentados vários exemplos que mostram a uti-

lidade dessas desigualdades em alguns problemas práticos. Para �xar

xiv Prefácio

o conhecimento, propomos vários exercícios complementares. Alguns

deles, cuja solução é mais elaborada, são sugeridos. No último ca-

pítulo, estudamos um pouco as propriedades gerais dos polinômios.

Para complementar a formação do leitor menos experiente, incluímos

um apêndice sobre funções.

Somos gratos a muitas pessoas que colaboraram com a elaboração

deste livro com sugestões e correções em versões iniciais. Entre eles,

citamos: Carlos Gustavo Moreira, Ali Tahzibi, Feliciano Vitório, Edu-

ardo Teixeira, Chico Potiguar e vários de nossos alunos de Iniciação

Cientí�ca e mestrado, que por várias ocasiões deram sugestões para

a melhoria do texto. Um agradecimento especial vai para Fernando

Echaiz, que nos ajudou ativamente nas notas do Capítulo 5 que origi-

naram este texto. Finalmente, agradecemos aos revisores pela leitura

cuidadosa e ao comitê editorial da SBM, na pessoa da profa. Helena

Lopes, pelo excelente trabalho de editoração.

Maceió, Abril de 2010

Krerley Oliveira

Adán J. Corcho

1

Primeiros PassosRedu tio ad absurdum, que Eu lides gostava tanto, é uma das mais�nas armas do matemáti o. É muito mais �no que um movimentode xadrez: o jogador de xadrez pode ofere er o sa rifí io de umapeça, mas o matemáti o ofere e o jogo inteiro. G. H. HardyNeste capítulo, discutiremos algumas ideias gerais e convenções

que servirão como base para os diferentes métodos de resolução de

problemas que trataremos nos capítulos seguintes. Alguns dos exem-

plos que abordamos serão úteis para orientar quanto ao cuidado que

devemos ter quando discutimos problemas em Matemática.

1.1 Organizando as Ideias

Para resolver problemas matemáticos precisamos ter bem claro o que

devemos provar e o que estamos assumindo como verdade. É sobre

isso que falaremos agora. Começaremos observando as seguintes a�r-

mações:

1

2 1 Primeiros Passos

(a) A soma de dois números pares é sempre um número par.

(b) Todo brasileiro é carioca.

(c) A terra é um planeta.

(d) Se c é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados a e

b, então c2 = a2 + b2.

(e) Se a < 1, então a2 > a.

Todas as a�rmações acima se encaixam no conceito de proposição,

que damos a seguir.

Uma proposição ou sentença é uma frase a�rmativa em forma de

oração, com sujeito, verbo e predicado, que ou é falsa ou é verdadeira,

sem dar lugar a uma terceira alternativa.

Por exemplo, as proposições (a) e (c) são claramente verdadeiras;

mais adiante nos convenceremos da veracidade da proposição (d). Por

outro lado, as proposições (b) e (e) são falsas. Com efeito, para cons-

tatar a veracidade da sentença (b) teríamos que checar o registro de

nascimento de cada brasileiro e veri�car se nasceu no Rio de Janeiro,

mas isto é falso pois o conhecido escritor Graciliano Ramos é um

brasileiro nascido em Alagoas. Analogamente, para convencer-nos de

que a proposição (e) é falsa basta tomar a = 1/2 e checar que (1/2)2 =

1/4 não é maior do que 1/2 como a sentença a�rma. Em ambos os

casos temos veri�cado que as proposições (b) e (e) são falsas apre-

sentando casos particulares onde as mesmas deixam de valer. Estes

casos particulares são chamados de contraexemplos e são muito úteis

para veri�car a falsidade de algumas proposições.

Notemos que as proposições (d) e (e) são do tipo:

1.1 Organizando as Ideias 3

�Se P , então Q�,

onde P e Q também são sentenças. Por exemplo, na proposição (e)

temos que:

P : c é o comprimento da diagonal de um retângulo de lados a e b,

Q: c2 = a2 + b2,

ou seja, estamos assumindo que P é verdade e usando este fato deve-

mos veri�car se P é verdade ou não.

Uma proposição condicional ou implicativa é uma nova proposição

formada a partir de duas proposições P e Q, que é escrita na forma:

�Se P , então Q� ou �P implica Q�,

onde para o último caso usamos a notação: P =⇒ Q. Chamaremos

a proposição P de hipótese e a proposição Q de tese. A hipótese

também é chamada de proposição antecedente e a tese, de proposição

consequente.

Por exemplo, na proposição condicional (f) a hipótese é: a < 1 e a

tese é: a2 > a.

A partir de uma de uma proposição condicional podem-se gerar

novas proposições que são de especial interesse para os matemáticos.

Vamos chamar o modo em que apresentamos uma proposição de forma

positiva. Por exemplo, quando enunciamos a proposição

�Se como laranja, então gosto de frutas�,

assumimos esta a�rmação como sua forma positiva. Vamos descrever

agora como podemos obter novas proposições a partir desta.

4 1 Primeiros Passos

Forma recíproca de uma proposição condicional: para cons-

truirmos a forma recíproca, temos que trocar na forma positiva a hi-

pótese pela proposição consequente e vice-versa. Vejamos em nosso

exemplo:

Forma da proposição Hipótese Tese

Positiva como laranja gosto de frutas

Recíproca gosto de frutas como laranja

Assim, a recíproca de proposição de nosso exemplo é então:

�Se gosto de frutas, então como laranja�

Forma contrapositiva de uma proposição condicional: Para

obtermos a forma contrapositiva a partir da forma positiva de uma

proposição condicional podemos fazer primeiro sua forma recíproca e

em seguida negamos as sentenças antecedente e consequente da recí-

proca ou, também, podemos primeiro negar as sentenças antecedente

e consequente da forma positiva e imediatamente fazer a forma recí-

proca desta última. A forma contrapositiva também é conhecida como

forma contrarrecíproca. Usando novamente nosso exemplo temos que:

Forma da Proposição Hipótese Tese

Positiva como laranja gosto de frutas

Recíproca gosto de frutas como laranja

Contrapositiva não gosto de frutas não como laranja

Portanto, a forma contrapositiva escreve-se assim:

1.2 Verdadeiro ou Falso? 5

�Se não gosto de fruta, então não como laranja�

Em particular, a forma contrapositiva de uma proposição poderá ser,

eventualmente, uma forma indireta muito e�caz de veri�car resultados

em Matemática.

1.2 Verdadeiro ou Falso?

Uma das coisas que distingue a Matemática das demais ciências natu-

rais é o fato de que um tema de Matemática é discutido utilizando-se

a lógica pura e, por conta disso, uma proposição em Matemática, uma

vez comprovada sua veracidade, é aceita como verdade irrefutável e

permanecerá assim através dos séculos. Por exemplo, até hoje usamos

o teorema de Tales do mesmo modo que foi usado antes de Cristo e

este fato continuará valendo eternamente.

Vamos ilustrar melhor essa diferença com um exemplo em Geo-

gra�a. Hoje, todos nós sabemos que a Terra tem aproximadamente

o formato de uma laranja, um pouco achatada nos polos. Porém,

na época de Pitágoras, um dos grandes temores dos navegadores era

encontrar o �m do mundo. No pensamento de alguns destes aventu-

reiros, a Terra tinha o formato de um cubo, e uma vez chegando em

um dos seus extremos, o navio despencaria no vazio. Esse é um dos

muitos exemplos de como a concepção da natureza mudou ao longo

do tempo, transformando uma concepção verdadeira num período da

humanidade em algo completamente falso em outra época. Porém,

para nossa felicidade, isso não acontece na Matemática. Uma propo-

sição matemática ou é verdadeira ou é falsa e permanecerá assim para

sempre.

6 1 Primeiros Passos

Mas como saber se uma proposição é verdadeira ou falsa? A pri-

meira coisa que devemos fazer é tomar muito cuidado. As aparências

enganam ou, como diziam nossos avós, �nem tudo que reluz é ouro�.

O leitor, avisado disso, pense agora na seguinte pergunta:

Pergunta 1: Qual é a chance de que pelo menos duas pessoas num

ônibus com 44 passageiros façam aniversário no mesmo dia do ano?

Como já avisamos, o leitor deve ter cuidado ao responder à per-

gunta acima, pois podemos nos enganar muito facilmente. Por exem-

plo, podemos formular o seguinte argumento errado: o ano tem 365

dias e, como estou escolhendo um grupo de 44 (número muito pequeno

com respeito a 365) pessoas ao acaso, é claro que podemos responder

à pergunta com a seguinte a�rmação:

Resposta intuitiva: A chance de que num grupo de 44 pessoas pelo

menos duas delas façam aniversário no mesmo dia do ano é pequena.

À primeira vista a resposta dada pode até parecer verdadeira, mas

com uma análise mais cuidadosa veremos que é completamente falsa.

Na verdade, a chance de que pelo menos duas pessoas do ônibus façam

aniversário no mesmo dia do ano é de cerca de 93%!

Quem não acreditar nisto pode fazer duas coisas: primeiro, ir a

sua sala de aula ou no seu ônibus escolar, que deve ter pelo menos

44 pessoas, e fazer o experimento ao vivo. Muito provavelmente você

deve conseguir duas pessoas que fazem aniversário no mesmo dia do

ano. Se você veri�ca que existem duas pessoas que fazem aniversário

no mesmo dia do ano, não é por acaso, pois a chance de isso acontecer

é muito alta. Mas, cuidado! Isso não é uma prova matemática para

este fato. Para provar que este fato é verdadeiro você deve veri�car

que se escolhermos ao acaso um grupo de 44 pessoas então com aproxi-

1.2 Verdadeiro ou Falso? 7

madamente 93% de chance, pelo menos duas delas fazem aniversário

no mesmo dia do ano!

Porém, se você faz o experimento e não encontra duas pessoas que

fazem aniversário no mesmo dia do ano (você seria muito azarado!),

não se desespere. Lembre-se de que se trata de algo que acontece com

chance de 93% e que pode não acontecer quando fazemos um teste.

Em qualquer um dos casos, para ter a certeza de que a proposição

é verdadeira o leitor deve demonstrá-la. Faremos isso no �nal do

Capítulo

Vamos analisar agora outro fato aparentemente óbvio.

Pergunta 2: Num campeonato de futebol onde cada time joga a

mesma quantidade de jogos, cada vitória vale três pontos, o empate

vale um ponto e a derrota nenhum ponto. Em caso de empate, o

critério de desempate entre as equipes era o seguinte:

• A melhor equipe é aquela que tem mais vitórias.

Os organizadores decidiram passar a adotar o critério a seguir:

• A melhor equipe é aquela que tem mais derrotas.

Você acha que este último critério adotado é justo?

Com respeito a esta pergunta, o leitor deve ter respondido do se-

guinte modo:

Resposta: Um time que perdeu mais é pior que um que perdeu me-

nos; portanto, a mudança de critério é totalmente injusta. Acertamos

a sua resposta?

Na verdade, não houve mudança nenhuma de critério, ou seja,

ambos os critérios nos conduzem ao mesmo ganhador.

8 1 Primeiros Passos

Para ver isso rapidamente, lembre-se de que se a equipe A perdeu

mais que a equipe B e ainda assim empataram, então ela deve ter

ganho mais, para que no �m do campeonato a equipe A ainda assim

conseguisse empatar com a equipe B. Vamos mostrar isso precisa-

mente. Sejam d1, e1, v1 o número de derrotas, empates e vitórias,

respectivamente, da equipe A. Do mesmo modo, sejam d2, e2, v2 o

número de derrotas, empates e vitórias, respectivamente, da equipe

B. Suponhamos que a equipe A obteve mais vitórias do que a equipe

B, ou seja, que v1 > v2. Como cada equipe jogou o mesmo número de

jogos, temos que

d1 + e1 + v1 = d2 + e2 + v2. (1.1)

Por outro lado, note que o número de pontos obtidos pela equipe A é

e1 + 3v1. Do mesmo modo, o número de pontos obtidos pela equipe

B é igual a e2 + 3v2. Como as duas empataram, temos que:

e1 + 3v1 = e2 + 3v2.

Ou ainda,

3(v1 − v2) = e2 − e1 ou v2 − v1 = −e2 − e1

3.

Como v1−v2 > 0, temos que e2−e1 > 0. Reescrevendo a equação (1.1),

temos que:

d1 − d2 = e2 − e1 + (v2 − v1) = e2 − e1 −e2 − e1

3=

2

3(e2 − e1).

Logo, temos que d1 − d2 > 0, pois e2 − e1 > 0. Isso signi�ca que

A teve mais derrotas que B; logo, qualquer um dos dois critérios de

desempate usado nos leva à equipe vencedora.

1.3 Teoremas e Demonstrações 9

Assim, como estes dois exemplos mostram, ao depararmos com um

problema em Matemática, devemos ter cuidado ao tirar conclusões

apressadas para evitar que cometamos algum engano. Pode acontecer

que uma situação que é claramente falsa para um observador menos

atento, se mostre verdadeira quando fazemos uma análise mais crite-

riosa.

1.3 Teoremas e Demonstrações

Agora de�nimos o que entendemos por demonstração matemática de

uma proposição.

Uma demonstração em Matemática é o processo de raciocínio ló-

gico e dedutivo para checar a veracidade de uma proposição condici-

onal. Nesse processo são usados argumentos válidos, ou seja, aqueles

que concluam a�rmações verdadeiras a partir de fatos que também

são verdadeiros.

Como exemplo de demonstração citamos a argumentação usada

para mostrar na segunda pergunta da seção anterior que os critérios

de desempate eram similares.

Sempre que, via uma demonstração, comprovemos a veracidade de

uma proposição passamos então a chamar esta de teorema. Assim, um

teorema é qualquer a�rmação que possa ser veri�cada mediante uma

demonstração.

Alguns teoremas se apresentam na forma de uma proposição con-

dicional, isto é, uma sentença do tipo �Se P , então Q� ou implicativa

da forma �P =⇒ Q�. Nesse caso, a sentença P é chamada de hipótese

e a sentença Q é denominada de tese. Ou seja, a validade da hipótese

nos implica a veracidade da tese.

10 1 Primeiros Passos

Um exemplo de teorema é o famoso teorema de Pitágoras, cujo

enunciado diz o seguinte:

Teorema 1.1 (Teorema de Pitágoras). Num triângulo retângulo a

soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa.

Notemos que o teorema de Pitágoras não está enunciado na forma

condicional, mas pode ser reescrito nessa forma como:

Teorema 1.2 (Teorema de Pitágoras). Se T é um triângulo retângulo

de catetos a e b e hipotenusa c, então c2 = a2 + b2.

Observação 1.3. Em geral, é mais comum usar a palavra �teorema�

apenas para certas proposições que são de grande �importância mate-

mática�, chamando-se simplesmente de proposição ao resto das propo-

sições verdadeiras que admitem uma demonstração. Para uma discus-

são mais detalhada, recomendamos [8].

1.3.1 Métodos de Demonstração

Quando realizamos uma demonstração não existe um caminho único.

Dependendo do problema em questão podemos usar métodos dife-

rentes. A seguir ilustramos os seguintes três métodos:

• Demonstração direta.

• Demonstração por contraposição.

• Demonstração por redução ao absurdo.

1.3 Teoremas e Demonstrações 11

Demonstração Direta

A demonstração direta é aquela em que assumimos a hipótese como

verdadeira e através de uma série de argumentos verdadeiros e dedu-

ções lógicas concluímos a veracidade da tese.

γ

α

βa b

b

a

a

bc

Q

Figura 1.1: Figura auxiliar para a demonstração do teorema de Pitágoras

Um exemplo de demonstração direta é a que daremos a seguir,

para o teorema de Pitágoras enunciado anteriormente no Teorema

1.1. Com efeito, usando a �gura acima temos que a área do quadrado

de lado a + b é a soma das quatro áreas dos triângulos retângulos

congruentes pelo critério lado-ângulo-lado (de catetos a e b) mais a

área do quadrilátero Q, o qual é um quadrado visto que cada um dos

seus lados coincide com a hipotenusa c dos triângulos retângulos de

catetos a e b e, além disso, cada um dos seus ângulos internos mede

γ = 180o − (α + β) = 180◦ − 90◦ = 90◦ (veja a Figura 1.1).

Portanto,

(a+ b)2 = 4 · ab2

+ c2,

de onde

a2 + 2ab+ b2 = 2ab+ c2,

e consequentemente

a2 + b2 = c2,

12 1 Primeiros Passos

como queríamos.

Demonstração por Contraposição

Este método é baseado no fato de que a veracidade de forma positiva

de uma proposição é equivalente à veracidade de sua forma contraposi-

tiva, podendo ser esta última, eventualmente, mais fácil de se provar.

Por exemplo, a a�rmação

�Se sou alagoano, então sou brasileiro�

é equivalente à a�rmação

�Se não sou brasileiro, então não sou alagoano�

Por exemplo, provemos a seguinte proposição:

Proposição 1.4. Se N2 é par, então N é par.

• Hipótese: N2 é par.

• Tese: N é par.

Desa�amos o leitor a tentar mostrar esta proposição partindo da hipó-

tese e tentando concluir a tese. Note que podemos veri�car que nossa

proposição é verdadeira para vários valores de N2 como na tabela a

seguir, mas isso não é uma prova matemática da nossa proposição.

N2 4 16 36 64 100 144

N 2 4 6 8 10 12

1.3 Teoremas e Demonstrações 13

Mesmo veri�cando para um bilhão de valores de N2, sempre nos

restariam números para serem veri�cados. Como nossas tentativas

de provar a forma positiva dessa proposição estão sendo frustradas,

apelaremos para mostrar a forma contrapositiva da mesma, isto é:

Proposição 1.5. Se N não é par, então N2 não é par.

Neste caso, temos:

• Hipótese: N não é par.

• Tese: N2 não é par.

Demonstração. Como estamos assumindo que N não é par, logo N

tem que ser ímpar, ou seja, existe p, número inteiro, tal queN = 2p+1.

Logo,

N2 = (2p+ 1)(2p+ 1)

= 4p2 + 2p+ 2p+ 1

= 4p2 + 4p+ 1

= 2(2p2 + 2p) + 1

= 2q + 1,

onde q = 2p2 + 2p. Logo, N2 = 2q + 1 é ímpar e concluímos assim

nossa prova.

Demonstração por Redução ao Absurdo

Este método é uma das ferramentas mais poderosas da Matemática.

O nome provém do latim reductio ad absurdum e também é conhecido

como método do terceiro excluído devido ao mesmo estar baseado na

14 1 Primeiros Passos

lei do terceiro excluído que diz o seguinte: uma a�rmação que não

pode ser falsa, deverá ser consequentemente verdadeira.

De um modo geral, o roteiro que segue uma demonstração por

redução ao absurdo é o seguinte:

• Assumimos a validade da hipótese.

• Supomos que nossa tese é falsa.

• Usando as duas informações anteriores concluímos, através de

argumentos verdadeiros, uma a�rmação falsa; como tal fato não

poderá ocorrer, então nossa tese deverá ser verdadeira.

Vamos mostrar como o método funciona na prática provando a

seguinte proposição:

Proposição 1.6. Seja x um número positivo, então x+ 1/x ≥ 2.

Destaquemos primeiramente a nossa hipótese e a nossa tese.

• Hipótese: x é um número positivo.

• Tese: x+ 1/x ≥ 2.

Demonstração. Seja x um número positivo e suponhamos que a tese

é falsa, isto é, x + 1x< 2. Usando que x > 0 e multiplicando por este

a desigualdade anterior, obtemos que

x2 + 1 < 2x.

Daí segue-se que x2 − 2x+ 1 < 0 é equivalente a (x− 1)2 < 0, já que

x2 − 2x + 1 = (x − 1)2, o que é impossível. Portanto, x + 1/x ≥ 2,

como desejávamos.

1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas 15

1.4 Algumas Dicas para Resolver Proble-

mas

Nesta seção, damos algumas �regras gerais� que consideramos impor-

tante ter em mente na hora de resolver um problema de Matemática.

Aplicaremos estas regras a alguns problemas interessantes para ilus-

trar a sua importância. Elas são:

R1) Ler bem o enunciado do problema e utilizar todas as informações

disponíveis.

R2) Fazer casos particulares ou casos mais simples de problemas si-

milares, para adquirir familiaridade com o problema.

R3) Mudar a representação do problema, transformando-o em um

problema equivalente.

R4) Usar a imaginação pesquisando caminhos alternativos. Extra-

polar os limites!

A seguir propomos vários problemas onde as regras anteriores são

muito úteis. O leitor deve tentar resolvê-los; mas se não conseguir

achar solução depois de muito tentar poderá então passar para a pró-

xima seção onde os solucionamos.

Problema 1.7. Ao encontrar uma velha amiga (A), durante uma

viagem de trem, um matemático (M) tem a seguinte conversa:

(M) � Como vão os três �lhos da senhora?

(A) � Vão bem, obrigada!

16 1 Primeiros Passos

(M) � Qual a idade deles mesmo?

(A) � Vou lhe dar uma dica. O produto das idades deles é 36.

(M) � Só com essa dica é impossível!

(A) � A soma das idades deles é igual ao número de janelas deste

vagão.

(M) � Ainda não sei!

(A) � O mais velho toca piano!

(M) �Agora eu sei!

Você é capaz de descobrir as idades dos três �lhos da senhora?

Problema 1.8. Numa cesta encontram-se 9 moedas idênticas, sendo

que 8 delas têm o mesmo peso e uma moeda é mais leve que as demais.

Usando duas vezes uma balança de dois pratos, encontrar a moeda

mais leve.

Problema 1.9. Numa pequena ilha existem 5 pessoas de olhos azuis

e 5 pessoas de olhos verdes. Existe um grande tabu nesta ilha que é o

seguinte: se uma pessoa descobre que possui olhos azuis ela se suicida

à meia-noite do dia em que descobriu, pulando do alto da prefeitura.

Por conta disso, ninguém conversa sobre o assunto, olha para espelhos

ou vê seu re�exo na água. Todos se cruzam diariamente e conhecem

os olhos de seus amigos. Numa manhã, um estrangeiro chegou à ilha

e reuniu as 10 pessoas para o seguinte pronunciamento:

�Nesta ilha, existe uma pessoa de olhos azuis.�

Pergunta-se:

1.4 Algumas Dicas para Resolver Problemas 17

(a) O que aconteceu com os habitantes da ilha?

(b) Que informação nova o estrangeiro trouxe?

Problema 1.10. Um viajante deseja se hospedar durante 31 dias num

hotel. Entretanto, percebe que está sem dinheiro e que a única coisa

que possui é uma corrente com 31 elos de ouro. Para pagar sua conta,

ele acertou com o gerente pagar um elo por dia, sem atrasar ou a-

diantar o pagamento, durante os 31 dias. O gerente pode dar troco em

elos. Depois ele deseja recuperar a corrente e por isso ele quer pagar

a conta cortando a corrente no menor número de pedaços. Quantos

cortes você conseguiria dar e pagar a conta?

Problema 1.11. Sabendo que em cada jogada o movimento do cavalo

consiste em se deslocar duas casas na horizontal e uma na vertical

ou duas na vertical e uma na horizontal, decidir se é possível sair

da con�guração apresentada no tabuleiro (a) e chegar à con�guração

apresentada no tabuleiro (b) da Figura 1.2 sem que em algum momento

existam dois cavalos na mesma casa.

(a) (b)Figura 1.2: Cavalos de xadrez

18 1 Primeiros Passos

Problema 1.12. Mostre que podemos cobrir os 9 pontos no reticulado

da Figura 1.3 traçando 4 segmentos de reta sem tirar o lápis do papel.

•••

•••

•••

Figura 1.3: Reticulado de 9 pontos

Sugerimos seguir as dicas abaixo para obter sucesso na solução dos

problemas:

• Para os problemas 1.7 e 1.8 use a primeira regra.

• Para os problemas 1.9 e 1.10 use a segunda regra. Por exemplo,

no problema 1.9 fazer primeiro o caso: uma pessoa com olhos

azuis e uma com olhos verdes e depois fazer o caso: duas pessoas

de olhos azuis e duas de olhos verdes; generalize.

• Para os problema 1.11 use a terceira regra.

• Para o problema 1.12 use a quarta regra.

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4

A seguir apresentamos soluções para os problemas enunciados na seção

anterior.

Solução do Problema 1.7. É muito importante neste problema tirar

o máximo de informação das dicas da senhora. Vamos à primeira dica:

o produto das idades é 36.

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 19

Suponhamos que as idades dos �lhos sejam 0 6 x 6 y 6 z 6 36.

Como xyz = 36, temos as seguintes possibilidades para os números x,

y e z:x y z xyz

1 1 36 36

1 2 18 36

1 3 12 36

1 4 9 36

1 6 6 36

2 2 9 36

2 3 6 36

3 3 4 36

A segunda dica dada pela senhora é a soma das idades. Assim,

vamos agora calcular todas as possíveis somas de acordo com as fato-

rações de 36 dadas na tabela anterior:

x y z x+ y + z

1 1 36 38

1 2 18 21

1 3 12 16

1 4 9 14

1 6 613

2 2 913

2 3 6 11

3 3 4 10

Sabemos que após a segunda dica, o matemático ainda não conse-

guiu deduzir as idades das crianças.

20 1 Primeiros Passos

Por que ele não conseguiu? Imagine que o número da casa fosse

14. Ora, de acordo com nossa tabela, só existe um terno de números

cujo produto é 36 e a soma é 14, que é o terno (1,4,9). Assim, se o

número da casa fosse 14 o matemático teria dado a resposta após a

segunda dica. Como ele �cou em dúvida, olhando a tabela 2, chegamos

à conclusão de que o número da casa só pode ser igual a 13.

Lembremos a última dica: o mais velho toca piano. No início essa

dica parecia inútil, mas agora ela é fundamental para resolvermos o

problema. De fato, como o mais velho toca piano, isso signi�ca que

existe um mais velho, o que descarta o caso (1,6,6). Assim, as idades

são 2, 2, e 9.

Solução do Problema 1.8. Este é o tipo de problema que a primeira

vista pode parecer difícil, mas que quando usamos todas as informa-

ções do seu enunciado se torna fácil. A ideia é dividir as moedas em

três grupos de três moedas cada, que chamaremos grupos A, B e C.

Colocaremos na balança os grupos A e B e deixaremos o grupo C fora.

Podem acontecer duas coisas:

(a) Os pratos �cam equilibrados.

(b) Os pratos �cam desequilibrados.

No caso (a), temos que os grupos A e B têm o mesmo peso. Logo,

a moeda mais leve deve estar no grupo C. No caso (b), um dos grupos

�cou mais leve, o que signi�ca que a moeda mais leve está neste grupo.

Assim, utilizando a balança apenas uma vez conseguiremos descobrir

qual é o grupo em que a moeda mais leve está. Digamos que este grupo

seja o grupo A. Para achar a moeda mais leve, procedemos de modo

semelhante ao que �zemos anteriormente: separamos as três moedas

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 21

do grupo A colocando uma em cada prato e deixando a terceira de

fora. Podem acontecer duas coisas:

(a) Os pratos �cam desequilibrados e assim a moeda mais leve está

no prato mais leve.

(b) Os pratos �cam equilibrados, logo a moeda mais leve foi a que

�cou fora.

No �nal, usamos a balança exatamente duas vezes.

Solução do Problema 1.9. Como em muitos problemas de Mate-

mática, abordar casos mais simples do problema pode ajudar bastante

na solução. Assim, vamos imaginar o seguinte caso mais simples:

na ilha existe somente uma pessoa de olhos azuis e a outra de olhos

verdes. Pensando neste caso, a pessoa que tinha olhos azuis só via as

que tinham olhos verdes. Quando o estrangeiro a�rmou que existia

uma pessoa de olhos azuis, ela descobriu que tinha olhos azuis, pois as

outras pessoas tinham olhos verdes. Assim, à meia-noite ela subiu na

prefeitura e pulou. Com isso, a pessoa que tinha olhos verdes descobriu

que tinha olhos verdes, pois se ela tivesse olhos azuis sua companheira

não se suicidaria no dia anterior.

Vamos agora dar um passo crucial na solução do nosso problema

original, considerando o caso onde existem duas pessoas de olhos azuis

e duas pessoas de olhos verdes na ilha. Vamos chamar as pessoas de

olhos azuis de A e B e as pessoas de olhos verdes de C e D. No dia

em que o estrangeiro fez o seu pronunciamento, nada aconteceu, pois

as pessoas C e D viam as pessoas A e B com olhos azuis e a pessoa

A via a pessoa B com olhos azuis e vice-versa. Já no segundo dia, a

pessoa A teve o seguinte pensamento:

22 1 Primeiros Passos

�Se eu tivesse olhos verdes, a pessoa B teria descoberto que

tinha olhos azuis ontem, pois ela veria três pessoas de olhos

verdes. Como ela não se suicidou ontem, eu tenho olhos

azuis.�

Pensando da mesma forma, a pessoa B descobriu que também tinha

olhos azuis. Por isso, à meia-noite do segundo dia, as pessoas A e B

se suicidaram.

O que aconteceu depois? As pessoas C e D ainda tinham a dúvida

da cor de seus olhos. Para chegar à conclusão de que seus olhos são

verdes, no terceiro dia, a pessoa C pensou assim:

�Bem, se eu tivesse olhos azuis, as pessoas A e B veriam

cada uma duas pessoas com olho azul. Logo, elas não te-

riam se suicidado no segundo dia, pois não conseguiriam

deduzir a cor de seus olhos. Logo, tenho olhos verdes.

Ufa!�

Do mesmo modo, a pessoa D conseguiu descobrir a cor de seus olhos.

Analisando de modo semelhante, conseguiremos deduzir que no

problema original as cinco pessoas de olhos azuis descobrirão que pos-

suem olhos azuis e juntas se suicidarão no quinto dia após o pronun-

ciamento do estrangeiro.

Agora vamos descobrir a resposta da segunda pergunta do enun-

ciado: que informação nova o estrangeiro trouxe? Aparentemente

nada de novo foi acrescentado pela frase do estrangeiro, pois cada

pessoa estava vendo alguma pessoa com olhos azuis. Mas isso não é

verdade.

Para ver isso e descobrir qual é a nova informação que o estrangeiro

trouxe, vamos voltar ao caso de somente duas pessoas na ilha, uma

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 23

de olhos azuis e outra de olhos verdes. Neste caso, a pessoa de olhos

azuis somente vê uma pessoa de olhos verdes. Com a informação de

que existe uma pessoa de olhos azuis ela pode descobrir a cor de seus

olhos. Note que a pessoa de olhos verdes já sabia que existia pelo

menos uma pessoa de olhos azuis. Mas ela não sabia que a pessoa

de olhos azuis tinha conhecimento de que na ilha existia alguém com

olhos azuis. Essa é a nova informação que o estrangeiro trouxe.

Solução do Problema 1.10. Uma primeira solução é cortar a cor-

rente 30 vezes, separando todos os elos. Porém, essa não é a melhor so-

lução, como veremos a seguir. Vamos iniciar nossa análise observando

que para pagar o primeiro dia precisamos dar um corte na corrente.

Assim, o gerente receberá um elo. O �pulo do gato� do problema vem

agora: para pagar o 2◦ dia, vamos cortar a corrente de modo a separar

dois elos de uma vez. Assim, daremos dois elos ao gerente e ele de-

volverá um elo de troco. Com este elo pagaremos o terceiro dia. Note

que pagamos três dias fazendo dois cortes na corrente, como mostra a

tabela:

Gerente Viajante

Elos 1, 2 28

Note que o número 2 denota o pedaço que contém 2 elos. Para

pagar o 4◦ dia, cortaremos a corrente de modo a obter um pedaço

com quatro elos. Entregamos ao gerente este pedaço e recebemos

de troco um elo solto e um pedaço com dois elos. Com o elo solto,

pagamos o 5◦ dia. Assim, no 5◦ dia teremos os seguintes grupos de

elos:

Gerente Viajante

Elos 1, 4 2, 24

24 1 Primeiros Passos

Assim, pagamos o 6◦ dia com o pedaço que contém dois elos e

receberemos o elo solto de troco. Finalmente pagaremos o 7◦ dia com

o elo solto. Note que foi possível pagar 7 dias com apenas três cortes na

corrente. A continuação do procedimento está quase revelada. Para

pagar o 8◦ dia, cortaremos um pedaço com oito elos. Daremos este

pedaço e receberemos de troco 7 elos, sendo um elo solto, um pedaço

com 4 e um pedaço com dois elos. Repetindo o procedimento anterior,

pagaremos os 7 dias seguintes, pagando até o 15◦ dia sem precisar de

cortes adicionais. Ou seja, para pagar os 15 primeiros dias, precisamos

de 4 cortes na corrente. Neste momento, a corrente está distribuída

do seguinte modo:

Gerente Viajante

Elos 1, 2, 4, 8 16

Para pagar o 16◦ dia, entregaremos ao gerente o pedaço com os 16

elos restantes, recebendo 15 elos divididos em pedaços de 1, 2, 4 e 8

elos. Se repetirmos o processo, pagaremos o hotel até o 31◦ dia sem

precisar de novos cortes. Assim, o mínimo número de cortes é 4.

Solução do Problema 1.11. Para resolver este problema vamos usar

a estratégia de mudar a representação. O que signi�ca isso? Vamos

reescrever o problema com outros ingredientes, porém sem alterar em

nada sua essência. Primeiramente, enumere as casas do tabuleiro com

os números 1, 2, . . . , 9, como na Figura 1.4.

Vamos agora associar ao tabuleiro, um conjunto de nove pontos

também enumerados com os números 1, 2, . . . , 9. Se for possível sair

de uma casa i e chegar à casa j com apenas uma jogada do cavalo,

colocaremos um segmento ligando os pontos i e j. Por exemplo, é

1.5 Soluções dos Problemas da Seção 1.4 25

1 2 3

4 5 6

7 8 9

Figura 1.4: Tabuleiro de 9 casas

possível, saindo da casa 1 chegar à casa 6 e a casa 8. Desse modo,

o ponto com número 1 está ligado com o ponto com número 8. Se

analisarmos todas as possíveis ligações entre os pontos obteremos um

esquema com o mostrado na Figura 1.5

•5• •1 86 34927

•••

Figura 1.5: Conexões das casas

•5• •1 86 34927

•••

Figura 1.6: Tabuleiro (a)

Assim, se colocarmos os cavalos como no tabuleiro (a), teremos

a situação descrita na Figura 1.6. Deste modo, �ca evidente que não

podemos trocar a posição dos cavalos branco e preto sem que em algum

momento eles ocupem a mesma casa.

26 1 Primeiros Passos

1.6 Exercícios

1. Uma sacola contém meias cujas cores são branca, preta, amarela

e azul. Sem olhar para a sacola, qual é a quantidade mínima de

meias que precisamos retirar da mesma para garantir pelo menos

um par de meias da mesma cor?

2. O pai do padre é �lho único de meu pai. O que eu sou do padre?

3. Numa mesa há 5 cartas:

Q T 3 4 6

Cada carta tem de um lado um número natural e do outro lado

uma letra. João a�rma: �Qualquer carta que tenha uma vogal

tem um número par do outro lado�. Pedro provou que João

mente virando somente uma das cartas. Qual das 5 cartas foi a

que Pedro virou?

4. A polícia prende 4 homens, um dos quais é culpado de um furto.

Eles fazem as seguintes declarações:

• Arnaldo: Bernaldo é o culpável.

• Bernaldo: Cernaldo é o culpável.

• Dernaldo: eu não sou culpável.

• Cernaldo: Bernaldo mente ao dizer que eu sou culpável.

Se se sabe que só uma destas declarações é a verdadeira, quem

é culpável pelo furto?

1.6 Exercícios 27

5. Numa cidade existe uma pessoa X que sempre mente terças,

quintas e sábados e é completamente sincera o resto dos dias

da semana. Felipe chega um certo dia na cidade e mantém o

seguinte diálogo com a pessoa X:

� Felipe: Que dia é hoje?

� X: Sábado.

� Felipe: Que dia será amanhã?

� X: Quarta-feira.

Em qual dia da semana foi mantido este diálogo?

6. Divida o relógio de parede abaixo em 6 partes iguais de forma tal

que a soma das horas que �cam em cada parte seja a mesma.n12 1 234567891011 •

7. João adora Gabriela, que é uma aluna excelente em Matemática.

João armou um plano para dar um beijo nela, e descobriu que

poderá fazer isso apenas dizendo uma frase. Que frase é essa?

8. No plano se colocam 187 rodas dentadas do mesmo diâmetro,

enumeradas de 1 até 187. A roda 1 é acoplada com a roda 2, a 2

com a 3, . . . , a 186 com a 187 e esta última com a roda 1. Pode

tal sistema girar?

28 1 Primeiros Passos

9. Um canal, em forma quadrada, de 4 metros de largura rodeia um

castelo. A ponte do castelo está fechada e um intruso quer entrar

no castelo usando duas pranchas de 3,5 metros de comprimento.

Será que o intruso consegue?

10. Os números 1, 2, 3, . . . , 99 são escritos no quadro-negro e é permi-

tido realizar a seguinte operação: apagar dois deles e substituí-

los pela diferença do maior com o menor. Fazemos esta operação

sucessivamente até restar apenas um último número no quadro.

Pode o último número que restou ser o zero?

11. Alguém elege dois números, não necessariamente distintos, no

conjunto de números naturais 2, . . . , 20. O valor da soma destes

números é dado somente a Adriano (A) e o valor do produto dos

números é dado unicamente a Karla (K).

� Pelo telefone A diz a K: �Não é possível que descubras minha

soma.�

� Uma hora mais tarde, K lhe diz a A: �Ah! sabendo disso, já

sei quanto vale tua soma�!

� Mais tarde A chama outra vez a K e lhe informa: �Poxa,

agora eu também conheço teu produto�!

Quais números foram eleitos?

12. É possível cobrir um tabuleiro de xadrez com 31 dominós onde

removemos as casas dos vértices superior esquerdo e inferior di-

reito?

13. Num saco encontram-se 64 moedas leves e 64 moedas pesadas.

1.6 Exercícios 29

É possível separar duas moedas de pesos diferentes com 7 pesa-

gens?

14. Quantas vezes precisamos dobrar um papel de 1mm de espessura

para que a altura da pilha chegue da Terra à Lua?

15. Descubra o erro da prova da a�rmação abaixo:

A�rmação: Três é igual a dois.

�Seja x um número diferente de zero. Temos que:

3x− 3x = 2x− 2x.

Colocando x− x em evidência, temos que:

3(x− x) = 2(x− x).

Cancelando x− x em ambos os lados, obtemos que 3 = 2.�

30 1 Primeiros Passos

2

Equações e Inequações

Álgebra é generosa; ela geralmente nos dá mais do que lhe pedimos.D'AlembertNa antiguidade, todo conhecimento matemático era passado de

geração para geração através de receitas. A falta de símbolos e notação

adequada complicava substancialmente a vida de quem precisava usar

a Matemática e de quem apreciava sua beleza. Por exemplo, o uso de

letras (x, y, z etc.) para representar números desconhecidos não tinha

sido inventado ainda. Isso só veio ocorrer por volta dos meados do

século XVI, ou seja, a menos de 500 anos atrás.

Apesar disso, o conhecimento matemático das antigas civilizações

era surpreendente. Os egípcios, babilônios, gregos e vários outros po-

vos tinham o domínio de métodos e técnicas que são empregados hoje,

como soluções de equações do primeiro e segundo graus, inteiros que

são soma de quadrados e vários outros conhecimentos. Especialmente

os gregos, cuja cultura matemática resistiu aos tempos com a preser-

vação de Os Elementos de Euclides, tinham desenvolvido e catalisado

31

32 2 Equações e Inequações

muitos dos avanços da época.

Entretanto, todos os resultados tinham uma linguagem através dos

elementos de geometria, mesmo aqueles que só envolviam proprieda-

des sobre os números. Essa di�culdade deve-se em parte aos sistemas

de numeração que eram utilizados pelos gregos e, posteriormente, pe-

los romanos, que eram muito pouco práticos para realizar operações

matemáticas.

Por volta de 1.100, viveu na Índia Bhaskara, um dos mais impor-

tantes matemáticos de sua época. Apesar de suas contribuições terem

sido muito profundas na Matemática, incluindo-se aí resultados sobre

equações diofantinas, tudo indica que Bhaskara não foi o primeiro a

descobrir a fórmula, que no Brasil chamamos de fórmula de Bhaskara,

assim como Pitágoras não deve ter sido o primeiro a descobrir o te-

orema que leva o seu nome, já que 3.000 a.c. os babilônios tinham

conhecimento de ternas pitagóricas de números inteiros bem grandes.

Apesar de ter conhecimento de como solucionar uma equação do

segundo grau, a fórmula que Bhaskara usava não era exatamente igual

a que usamos hoje em dia, sendo mais uma receita de como encontrar

as raízes de uma equação. Para encontrar essas raízes, os indianos

usavam a seguinte regra:

Multiplique ambos os membros da equação pelo número que vale

quatro vezes o coe�ciente do quadrado e some a eles um número igual

ao quadrado do coe�ciente original da incógnita. A solução desejada

é a raiz quadrada disso.

O uso de letras para representar as quantidades desconhecidas só

veio a se tornar mais popular com os árabes, que também desenvol-

veram um outro sistema de numeração, conhecido como indo-arábico.

Destaca-se também a participação do matemático francês François

2.1 Equações do Primeiro Grau 33

Vièti, que aprimorou esse uso dos símbolos algébricos em sua obra In

artem analyticam isagoge e desenvolveu um outro método para resol-

ver a equação do segundo grau.

Na seção seguinte estudaremos com detalhe a equação do primeiro

grau, e como podemos utilizá-la para resolver alguns problemas em

Matemática.

2.1 Equações do Primeiro Grau

Iniciamos nossa discussão resolvendo o seguinte problema:

Exemplo 2.1. Qual é o número cujo dobro somado com sua quinta

parte é igual a 121?

Solução: Vamos utilizar uma letra qualquer, digamos a letra x, para

designar esse número desconhecido. Assim, o dobro de x é 2x e sua

quinta parte é x/5. Logo, usando as informações do enunciado, obte-

mos que:

2x+x

5= 121,

ou ainda,

10x+ x = 605,

onde 11x = 605. Resolvendo, temos que x = 605/11 = 55.

Se você já teve contato com o procedimento de resolução do exem-

plo acima, notou que o principal ingrediente é a equação do primeiro

grau em uma variável.

De�nição 2.2. Uma equação do primeiro grau na variável x é uma

expressão da forma

ax+ b = 0,

34 2 Equações e Inequações

onde a 6= 0, b ∈ R e x é um número real a ser encontrado.

Por exemplo, as seguintes equações são do primeiro grau:

(a) 2x− 3 = 0.

(b) −4x+ 1 = 0.

(b)3

2x− π = 0.

Para trabalhar com equações e resolvê-las, vamos pensar no mo-

delo da balança de dois pratos. Quando colocamos dois objetos com

o mesmo peso em cada prato da balança, os pratos se equilibram.

Quando os pratos estão equilibrados, podemos adicionar ou retirar a

mesma quantidade de ambos os pratos, que ainda assim eles perma-

necerão equilibrados. Essa é uma das principais propriedades quando

estamos trabalhando com uma equação. Em geral, para resolver uma

equação, utilizamos as seguintes propriedades da igualdade entre dois

números:

Propriedade 1. Se dois números são iguais, ao adicionarmos a

mesma quantidade a cada um destes números, eles ainda permane-

cem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se a

e b são dois números iguais, então a+ c é igual a b+ c, ou seja,

a = b =⇒ a+ c = b+ c.

Note que podemos tomar c um número negativo, o que signi�ca

que estamos subtraindo a mesma quantidade dos dois números. Por

exemplo, se x é um número qualquer que satisfaz

5x− 3 = 6,

2.1 Equações do Primeiro Grau 35

somando-se 3 a ambos os lados da equação acima, obtemos que x deve

satisfazer:

(5x− 3) + 3 = 6 + 3, ou seja, 5x = 9.

Propriedade 2. Se dois números são iguais, ao multiplicarmos a

mesma quantidade por cada um destes números, eles ainda permane-

cem iguais. Em outras palavras, escrevendo em termos de letras, se a

e b são dois números iguais, então a · c é igual a b · c, ou seja,

a = b =⇒ ac = bc.

Por exemplo, se 5x = 9 podemos multiplicar ambos os lados da

igualdade por 1/5 para obter

x =5x

5=

9

5,

encontrando o número que satisfaz a equação 5x− 3 = 6.

Para nos familiarizarmos um pouco mais com a linguagem das

equações, vamos pensar no seguinte problema:

Exemplo 2.3. Para impressionar Pedro, Lucas propôs a seguinte

brincadeira:

- Escolha um número qualquer.

- Já escolhi, disse Pedro.

- Multiplique este número por 6. A seguir, some 12. Divida o que

você obteve por 3. Subtraia o dobro do número que você escolheu. O

que sobrou é igual a 4!

Pedro realmente �cou impressionado com a habilidade de Lucas.

Mas não há nada de mágico nisso. Você consegue explicar o que Lucas

fez?

36 2 Equações e Inequações

Solução: Na verdade, Lucas tinha conhecimento de como operar com

equações. Vamos ver o que Lucas fez de perto, passo a passo, utili-

zando a linguagem das equações. Para isso, vamos chamar a quanti-

dade que Pedro escolheu de x:

• Escolha um número: x.

• Multiplique este número por 6: 6x.

• A seguir, some 12: 6x+ 12.

• Divida o que você obteve por 3:6x+ 12

3= 2x+ 4.

• Subtraia o dobro do número que você escolheu: 2x+ 4−2x = 4.

• O que sobrou é igual a 4!

Observação 2.4. Devemos ter cuidado na hora de efetuar divisões em

ambos os lados de uma equação, para não cometer o erro de dividir

os lados de uma igualdade por zero. Por exemplo, podemos dar uma

prova (obviamente) falsa de que 1 = 2, utilizando o seguinte tipo de

argumento: sempre é verdade que

x+ 2x = 2x+ x.

Logo,

x− x = 2x− 2x

Colocando (x− x) em evidência:

1(x− x) = 2(x− x)

Dividindo por (x − x) os dois lados da igualdade acima, temos que

1 = 2. Qual o erro?

2.1 Equações do Primeiro Grau 37

Para encontrar a solução da equação ax + b = 0, procedemos do

seguinte modo:

• Somamos −b a ambos os lados da equação, obtendo

ax+ b+ (−b) = 0 + (−b)⇐⇒ ax = −b.

Note que como somamos a mesma quantidade aos dois lados da

equação, ela não se alterou.

• Dividimos os dois lados da equação por a 6= 0. Isso também não

altera a igualdade e nos dá que o valor de x é:

ax

a=−ba⇐⇒ x = − b

a.

Assim, a solução da equação ax+ b = 0 é

x = − b

a.

2.1.1 Problemas Resolvidos

Vamos ver agora alguns problemas que podem ser solucionados utili-

zando as equações do primeiro grau.

Problema 2.5. Se x representa um dígito na base 10 e a soma

x11 + 11x+ 1x1 = 777,

quem é x?

38 2 Equações e Inequações

Solução: Para resolver este problema, precisamos nos recordar que se

abc é a escrita de um número qualquer na base 10, então esse número

é igual a 102a+ 10b+ c. Assim, temos que

x11 = 100x+ 11

11x = 110 + x

1x1 = 101 + 10x

Logo, temos a seguinte equação do primeiro grau:

100x+ 11 + 110 + x+ 101 + 10x = 777 ou 111x+ 222 = 777

Logo,

x =777− 222

111= 5.

Problema 2.6. Determine se é possível completar o preenchimento

do tabuleiro abaixo com os números naturais de 1 a 9, sem repetição,

de modo que a soma de qualquer linha seja igual a de qualquer coluna

ou diagonal.

1 6

9

Solução: Primeiro, observe que a soma de todos os números naturais

de 1 a 9 é 45. Assim, se denotamos por s o valor comum da soma dos

elementos de uma linha, somando as três linhas do tabuleiro, temos

que:

45 = 1 + 2 + · · ·+ 9 = 3s,

Onde s deve ser igual a 15. Assim, chamando de x o elemento da

primeira linha que falta ser preenchido,

2.1 Equações do Primeiro Grau 39

1 x 6

9

temos que 1 + x + 6 = 15. Logo, x = 8. Assim, observando a coluna

que contém 8 e 9, temos que sua soma é maior que 15. Logo, não é

possível preencher o tabuleiro de modo que todas as linhas e colunas

tenham a mesma soma.

Os quadrados de números com essas propriedades se chamam qua-

drados mágicos. Tente fazer um quadrado mágico. Você já deve ter

percebido que no centro do quadrado não podemos colocar o número

9. De fato, vamos descobrir no exemplo abaixo qual é o número que

deve ser colocado no centro de um quadrado mágico.

Problema 2.7. Descubra os valores de x de modo que seja possível

completar o preenchimento do quadrado mágico abaixo:

x

Solução: Para descobrir x, vamos utilizar o fato de que a soma de

qualquer linha, coluna ou diagonal é igual a 15, já obtido no exemplo

anterior. Se somarmos todas as linhas, colunas e diagonais que contêm

x, teremos que a soma será 4 · 15 = 60, pois existem exatamente uma

linha, uma coluna e duas diagonais que contêm x. Note também que

cada elemento do quadrado mágico será somado exatamente uma vez,

exceto x que será somado quatro vezes. Assim:

1 + 2 + 3 + 4 + · · ·+ 9 + 3x = 60,

onde temos que 45 + 3x = 60 e consequentemente x = 5.

40 2 Equações e Inequações

O problema a seguir é um fato curioso que desperta nossa atenção

para como a nossa intuição às vezes é falha.

Problema 2.8. Imagine que você possui um �o de cobre extrema-

mente longo, mas tão longo que você consegue dar a volta na Terra

com ele. Para simpli�car a nossa vida e nossas contas, vamos supor

que a Terra é uma bola redonda (o que não é exatamente verdade)

sem nenhuma montanha ou depressão e que seu raio é de exatamente

6.378.000 metros.

O �o com seus milhões de metros está ajustado à Terra, �cando

bem colado ao chão ao longo do equador. Digamos agora que você

acrescente 1 metro ao �o e o molde de modo que ele forme um círculo

enorme, cujo raio é um pouco maior que o raio da Terra e tenha o

mesmo centro. Você acha que essa folga será de que tamanho?

Nossa intuição nos leva a acreditar que como aumentamos tão

pouco o �o, a folga que ele vai ter será também muito pequena, di-

gamos alguns poucos milímetros. Mas veremos que isso está comple-

tamente errado!

Solução. Utilizaremos para isso a fórmula que diz que o comprimento

C de um círculo de raio r é

C = 2πr,

onde π (lê-se pi) é um número irracional que vale aproximadamente

3, 1416 (veja a observação a seguir).

De fato, o comprimento da Terra CT calculado com essa fórmula é

aproximadamente:

CT = 2πrT ∼= 2× 3, 1415× 6.378.000 = 40.072.974 metros,

2.1 Equações do Primeiro Grau 41

onde rT é o raio da Terra.

Se chamamos de x o tamanho da folga obtida em metros e rf o raio

do �o, temos que a folga será igual a x = rf −rT . Logo, basta calcularrf . Por um lado, o comprimento do �o é igual a CT + 1 = 40.072.975.

Logo,

40.072.975 = 2πrf onde rf =40.072.975

2π.

Fazendo o cálculo acima, temos que rf é aproximadamente igual

a 6.378.000, 16 metros. Assim, x é aproximadamente igual a x =

rf − rT = 0, 16 metros, ou seja, 16 centímetros!

Observação 2.9. Vale observar que a folga obtida aumentando o �o

não depende do raio em consideração. Por exemplo, se repetíssemos

esse processo envolvendo a Lua em vez da Terra, obteríamos que ao

aumentar o �o em um metro, a folga obtida seria dos mesmos 16

centímetros. Veri�que isso!

Observação 2.10. De fato, podemos de�nir (e calcular!) o número

π de várias maneiras práticas. Vamos considerar dois experimentos

(que se você não conhece π deve fazer):

Experimento 1: Pegar um cinto e fazer um círculo com ele. Calcule

o comprimento do cinturão e divida pelo diâmetro do círculo obtido.

Experimento 2: Pegar uma tampa de uma lata e medir o compri-

mento do círculo da tampa e dividir pelo diâmetro da tampa.

Se você efetuou os cálculos acima com capricho, deve ter notado

que o número obtido é aproximadamente o mesmo. Se nossos círculos

fossem perfeitos (eles nunca são: sempre têm algumas imperfeições)

obteríamos o número π. Uma aproximação para π é

π ∼= 3, 1415926535897932384626433832795.

42 2 Equações e Inequações

2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau

Nesta seção iremos discutir situações onde queremos descobrir mais de

uma quantidade, que se relacionam de modo linear, ou seja, através

de equações do primeiro grau. Por exemplo, considere o seguinte pro-

blema:

Exemplo 2.11. João possui 14 reais e deseja gastar esse dinheiro em

chocolates e sanduíches para distribuir com seus 6 amigos, de modo

que cada um �que exatamente com um chocolate ou um sanduíche.

Sabendo que cada chocolate custa 2 reais e cada sanduíche custa 3

reais, quantos chocolates e sanduíches João deve comprar?

Para resolver esse problema, vamos chamar de x a quantidade de

chocolates que João deve comprar e y o número de sanduíches. Assim,

como João deseja gastar 14 reais, temos que

2x+ 3y = 14. (2.1)

Como João comprará exatamente 6 guloseimas, uma para cada amigo,

temos que

x+ y = 6. (2.2)

Note que não encontramos uma equação do primeiro grau em uma

variável e sim duas equações do primeiro grau em duas variáveis. Esse

é um caso particular de um sistema de equações do primeiro grau em

várias variáveis.

De�nição 2.12. Uma equação do primeiro grau nas variáveis x1, x2,

. . . , xn é uma expressão da forma

a1x1 + a2x2 + · · ·+ anxn + b = 0,

2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 43

onde os números a1, a2, . . . , an são diferentes de zero e b é um número

real.

Por exemplo,

2x− 3y = 0

é uma equação do primeiro grau nas variáveis x e y. Assim como,

2a− b+c

3= 5

é uma equação do primeiro grau nas variáveis a, b e c.

Dizemos que os números (r1, r2, . . . , rn) formam uma solução da

equação, se substituindo x1 por r1, x2 por r2, . . . , xn por rn, temos

que a equação acima é satisfeita, isto é, a1r1 +a2r2 + · · ·+anrn+b = 0.

Por exemplo, (3, 2) é uma solução da equação 2x− 3y = 0 acima,

pois

2 · 3− 3 · 2 = 0.

Note que a ordem que apresentamos os números importa, pois (2, 3)

não é solução da equação 2x − 3y = 0, já que 2 · 2 − 3 · 3 = −5 6= 0.

Do mesmo modo, (2, 0, 3) é solução da equação 2a− b+c

3= 5, pois

2 · 2− 0 +3

3= 5.

De�nição 2.13. Um sistema de equações do primeiro grau em n

variáveis x1, x2, . . ., xn é um conjunto de k equações do primeiro

grau em algumas das variáveis x1, x2, . . . , xn, isto é, tem-se o seguinte

conjunto de equaçõesa11x1 + a12x2 + · · ·+ a1nxn + b1 = 0,

a21x1 + a22x2 + · · ·+ a2nxn + b2 = 0,

· · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·ak1x1 + ak2x2 + · · ·+ aknxn + bk = 0,

(2.3)

44 2 Equações e Inequações

onde alguns dos elementos aij (1 ≤ i ≤ k, 1 ≤ j ≤ n) podem ser zero.

Porém, em cada uma das equações do sistema algum coe�ciente aij é

diferente de zero e, além disso, cada variável xj aparece em alguma

equação com coe�ciente distinto de zero.

Dizemos que os números (r1, r2, . . . , rn) formam uma solução do

sistema de equações (2.3) se (r1, r2, . . . , rn) é solução para todas as

equações simultaneamente.

Quando resolvemos um sistema de equações do primeiro grau, po-

dem acontecer três situações:

(a) o sistema tem uma única solução;

(b) o sistema tem uma in�nidade de soluções;

(c) o sistema não possui solução.

A seguir ilustramos com exemplos cada uma das situações acima.

Situação (a): Retomamos o sistema proposto no Exemplo 2.11, o

qual se encaixa neste caso.2x+ 3y = 14,

x+ y = 6.

Isolamos o valor de uma das variáveis numa das equações. Por conveni-

ência nos cálculos isolamos o valor de x na segunda equação, obtendo:

x = 6− y.

A seguir, substituímos esse valor na outra equação, obtendo uma equa-

2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 45

ção do primeiro grau. Resolvendo temos:

2(6− y) + 3y = 14,

12− 2y + 3y = 14,

y = 2.

Assim, y = 2. Imediatamente, encontramos o valor de x = 6− 2 = 4.

Vamos agora resolver alguns problemas semelhantes.

Situação (b): Consideremos os sistema de primeiro grau nas variáveis

x, y e z dado por x+ y − z − 1 = 0,

x− y − 1 = 0.(2.4)

Da segunda equação segue-se que

x = y + 1. (2.5)

Substituindo esta expressão na primeira equação obtemos

(y + 1) + y − z − 1 = 0,

2y − z = 0,

z = 2y. (2.6)

Notemos que as variáveis x e z são resolvidas em função da variável y,

a qual não possui nenhuma restrição, de modo que se y assumir um

valor real t então x e z �cam automaticamente determinadas por este

valor t. Isto é, para todo t real, de (2.5) e (2.6) tem-se que

x = t+ 1, y = t, z = 2t

é solução do sistema (2.4) e, portanto, temos in�nitas soluções para

este.

46 2 Equações e Inequações

Situação (c): Consideremos agora o sistema de primeiro grau nas

variáveis x, y e z dado porx+ y + 2z − 1 = 0,

x+ z − 2 = 0,

y + z − 3 = 0.

(2.7)

Neste caso, da segunda e da terceira equação segue-se que

x = 2− z e y = 3− z.

Substituindo estas expressões na primeira equação obtém-se

(2− z) + (3− z) + 2z − 1 = 0⇐⇒ 4 = 0,

o que é uma incompatibilidade. Logo, este sistema não tem solução.

Observação 2.14. Os sistemas de equações de primeiro grau são tam-

bém conhecidos como sistemas de equações lineares. Quando um sis-

tema de equações lineares envolve muitas variáveis não é tão fácil

resolvê-lo se não se organiza com cuidado seu processo de resolução.

Existe uma teoria bem conhecida e amplamente divulgada sobre mé-

todos de resolução para esse tipo de sistemas. Um dos métodos mais

usado e e�ciente para resolver sistemas lineares é o �método de elimi-

nação gaussiana�. O leitor interessado pode consultar [7].

2.2.1 Problemas Resolvidos

O problema a seguir foi proposto na primeira fase da Olimpíada Bra-

sileira de Matemática.

2.2 Sistemas de Equações do Primeiro Grau 47

Problema 2.15. Passarinhos brincam em volta de uma velha árvore.

Se dois passarinhos pousam em cada galho, um passarinho �ca voando.

Se todos os passarinhos pousam, com três em cada galho, um galho �ca

vazio. Quantos são os passarinhos?

Solução: Vamos chamar de p o número de passarinhos e g o número

de galhos da árvore. Temos que se dois passarinhos pousam em cada

galho, um passarinho �ca voando, ou seja,

2g = p− 1.

Além disso, se todos os passarinhos pousam, com três em um mesmo

galho, um galho �ca vazio:

3(g − 1) = p.

Substituindo na equação anterior, temos que 2g = 3g − 3 − 1, onde

segue-se que g = 4 e p = 9.

Problema 2.16. Quanto medem as áreas A1 e A2 na �gura abaixo,

sabendo que o quadrado tem lado 1 e as curvas são arcos de círculos

com centros nos vértices V1 e V2 do quadrado, respectivamente.

A1

A2

V2

V

Solução: Aplicando relações de áreas na �gura temos que{A1 + A2 = π

4,

A1 + 2A2 = 1,

48 2 Equações e Inequações

ou seja, chegamos a um sistema de equações do primeiro grau com

duas incógnitas A1 e A2. Da primeira equação temos que

A1 =π

4− A2;

substituindo esta na segunda equação obtemos

π

4− A2 + 2A2 = 1,

de ondeπ

4+ A2 = 1.

Logo, A2 = 1− π4

e A1 = π4−(1− π

4

)= π

2− 1.

Problema 2.17. Carlos e Cláudio são dois irmãos temperamentais

que trabalham carregando e descarregando caminhões de cimento. Para

Carlos e Cláudio tanto faz carregar ou descarregar o caminhão, o tra-

balho realizado por eles é o mesmo. Quando estão de bem, trabalham

juntos e conseguem carregar um caminhão em 15 minutos. Cláudio

é mais forte e trabalha mais rápido conseguindo carregar sozinho um

caminhão em 20 minutos.

(a) Um dia, Cláudio adoeceu e Carlos teve que carregar os caminhões

sozinho. Quanto tempo ele leva para carregar cada um?

(b) Quando os dois brigam, Carlos costuma se vingar descarregando

o caminhão, enquanto Cláudio o carrega com sacos de cimento.

Quanto tempo Cláudio levaria para carregar o caminhão com

Carlos descarregando?

Solução: Vamos chamar de x a quantidade de sacos que Cláudio car-

rega por minuto e y a quantidade de sacos que Carlos carrega por

2.3 Equação do Segundo Grau 49

minuto. Como Cláudio carrega mais que Carlos, sabemos que y < x.

Do enunciado, sabemos que os dois juntos carregam um caminhão em

15 minutos. Se um caminhão tem capacidade para c sacos, temos que:

15x+ 15y = c.

Além disso, sabemos que Cláudio sozinho carrega o mesmo caminhão

em 20 minutos. Logo,

20x = c.

Assim, igualando as duas equações, temos que

15x+ 15y = 20x, onde 15y = 20x− 15x = 5x.

Logo, dividindo ambos os lados por 5, temos que 3y = x. Assim, Cláu-

dio carrega três vezes mais sacos que Carlos e a resposta do primeiro

item é 20× 3 minutos, já que 60y = 20× 3y = 20x = c.

Para descobrir quanto tempo os dois levam para carregar o cami-

nhão quando estão brigados, observamos que a cada minuto eles car-

regam x − y sacos, ou seja, 3y − y = 2y sacos. Logo, precisam de 30

minutos, já que 30× 2y = 60y = c.

2.3 Equação do Segundo Grau

Como já mencionamos em nossa introdução, o conhecimento de mé-

todos para solucionar as equações do segundo grau remonta às civi-

lizações da antiguidade, como os babilônios e egípcios. Apesar disso,

a fórmula que conhecemos por fórmula de Bhaskara, em homenagem

ao matemático indiano de mesmo nome e que determina as soluções

de uma equação do segundo grau, só veio a aparecer do modo que

usamos muito mais tarde, com o francês Vièti. Nesta seção iremos

deduzir esta fórmula e aplicá-la a alguns problemas interessantes.

50 2 Equações e Inequações

2.3.1 Completando Quadrados

Um modo de resolver uma equação do segundo grau é o método de

completar quadrados. Ele consiste em escrever a equação numa forma

equivalente que nos permita concluir quais são as soluções diretamente.

Vamos ilustrar isso com um exemplo, resolvendo a equação

x2 − 6x− 8 = 0.

Podemos escrever essa equação como:

x2 − 6x = 8.

Somando 9 ao lado esquerdo, obtemos x2− 6x+ 9 que é o mesmo que

(x− 3)2. Assim, somando 9 a ambos os lados da equação, obtemos:

(x− 3)2 = 9 + 8 = 17.

Logo, x− 3 =√

17 ou x− 3 = −√

17. Logo, as soluções são:

x1 = 3 +√

17 e x2 = 3−√

17.

De�nição 2.18. A equação do segundo grau com coe�cientes a, b e c

é uma expressão da forma:

ax2 + bx+ c = 0, (2.8)

onde a 6= 0, b, c ∈ R e x é uma variável real a ser determinada.

Para encontrar as soluções desta equação, vamos proceder do se-

guinte modo: isolando o termo que não contém a variável x do lado

direito da igualdade na equação (2.8)

ax2 + bx = −c

2.3 Equação do Segundo Grau 51

e dividindo os dois lados por a, obtemos:

x2 +b

ax =−ca.

Agora vamos acrescentar um número em ambos os lados da equa-

ção acima, de modo que o lado esquerdo da igualdade seja um qua-

drado perfeito. Para isso, observe que é necessário adicionar b2

4a2aos

dois lados da igualdade. Assim, temos que:(x+

b

2a

)2

= x2 + 2b

2ax+

(b

2a

)2

=b2

4a2− c

a=b2 − 4ac

4a2.

Em geral, chamamos a expressão b2−4ac de discriminante da equação

(2.8) e denotamos pela letra maiúscula ∆ (lê-se delta) do alfabeto

grego. Assim, podemos escrever a igualdade anterior como:(x+

b

2a

)2

=b2 − 4ac

4a2=

4a2. (2.9)

Por isso, para que exista algum número real satisfazendo a igual-

dade acima, devemos ter que ∆ ≥ 0, já que o termo da esquerda na

igualdade é maior ou igual a zero. Extraindo a raiz quadrada quando

∆ ≥ 0, temos as soluções:

x+b

2a=

√b2 − 4ac

2ae x+

b

2a= −√b2 − 4ac

2a.

Assim, obtemos as seguintes soluções:

x1 = − b

2a+

√b2 − 4ac

2a=

−b+√∆

2a

e

52 2 Equações e Inequações

x2 = − b

2a−

√b2 − 4ac

4a2=

−b−√∆

2a.

Em resumo,

• Se ∆ > 0 existem duas soluções reais.

• Se ∆ = 0 só existe uma solução real (x1 = x2 = −b/2a).

• Se ∆ < 0 não existe solução real.

A seguir apresentamos alguns exemplos.

Exemplo 2.19. Encontre as soluções da equação 2x2 − 4x+ 2 = 0.

Solução: Observe que a = 2, b = −4 e c = 2. Logo,

∆ = b2 − 4ac = (−4)2 − 4 · 2 · 2 = 0.

Assim, a única solução é x = − b

2a=

4

4= 1.

Exemplo 2.20. Encontre as raízes da seguinte equação do segundo

grau:

x2 − x− 1 = 0.

Solução: Basta aplicarmos diretamente a fórmula que acabamos de

deduzir. Como a = 1, b = −1 e c = −1, calculando ∆ temos:

∆ = b2 − 4ac = (−1)2 − 4 · 1 · (−1) = 5.

Logo, as soluções são

x1 =−b+

√∆

2a=

1 +√

5

2e x2 =

−b−√

2a=

1−√

5

2.

2.3 Equação do Segundo Grau 53

Exemplo 2.21. Sabendo que x é um número real que satisfaz

x = 1 +1

1 +1

x

,

determine os valores possíveis de x.

Solução: A solução desse problema consiste numa simples manipula-

ção algébrica, que feita com cuidado nos levará a uma equação do

segundo grau. Com efeito,

1 +1

x=x+ 1

x.

Logo,

1 +1

1 +1

x

= 1 +x

1 + x=

1 + 2x

1 + x.

Então devemos ter x =1 + 2x

1 + x, de onde segue-se que

x2 + x = 1 + 2x⇐⇒ x2 − x− 1 = 0.

Resolvendo a equação tem-se

x1 =1 +√

5

2e x2 =

1−√

5

2.

Observação 2.22. O número (1+√5)/2 é chamado de razão áurea.

Este número recebe essa denominação pois, frequentemente, as pro-

porções mais belas e que a natureza nos proporciona estão próximas

da razão áurea. Por exemplo, no arranjo das pétalas de uma rosa, nas

espirais que aparecem no abacaxi, na arquitetura do Parthenon, nos

quadros de da Vinci e nos ancestrais de um zangão podemos encon-

trar a razão áurea.

54 2 Equações e Inequações

O problema a seguir está relacionado com a seqüência de Fibonacci

e com a razão áurea. Dizemos que uma seqüência de números ansatisfaz a relação de Fibonacci se, para todo n ≥ 0, temos que

an+2 = an+1 + an. (2.10)

Exemplo 2.23. Encontre todas as sequências an da forma an = xn

para algum x 6= 0 que satisfazem a relação de Fibonacci.

Solução: Sabendo que an satisfaz a relação de Fibonacci e que an é da

forma xn, podemos concluir que para todo n ≥ 0 tem-se

xn+2 − xn+1 − xn = 0.

Colocando xn em evidência na equação acima, temos que

xn(x2 − x− 1) = 0

Logo, temos duas possibilidades: xn = 0 ou x2 − x − 1 = 0. Como

x 6= 0, temos que xn 6= 0 e, portanto, x2 − x − 1 = 0. Observando a

solução do Exemplo 2.20 temos que as únicas sequências são

an =

(1 +√

5

2

)n

ou an =

(1−√

5

2

)n

.

Observação 2.24. Se an e bn satisfazem a relação de Fibonacci (2.10),

então dados números reais α e β, qualquer sequência da forma αan +

βbn satisfaz a relação. Pode-se provar que as sequências dessa forma,

com an = xn1 e bn = xn2 calculados anteriormente, são as únicas

sequências que satisfazem a relação. Veja, por exemplo, [4].

2.3 Equação do Segundo Grau 55

2.3.2 Relação entre Coe�cientes e Raízes

Dada a equação ax2 + bx+ c = 0, com a 6= 0, já calculamos explicita-

mente as suas raízes x1 e x2. Vamos estabelecer agora as relações entre

a, b e c e as raízes x1 e x2. Vamos supor ∆ ≥ 0. Como já sabemos,

temos que

x1 =−b+

√∆

2ae x2 =

−b−√

2a.

Assim, somando x1 com x2 tem-se

x1 + x2 =−b+

√∆

2a+−b−

√∆

2a=−2b

2a= − b

a. (2.11)

Por outro lado, fazendo o produto x1x2 obtemos

x1x2 =

(−b+

√∆

2a

)·(−b−

√∆

2a

)

=

(− b+

√∆)(− b−

√∆)

4a2=b2 −∆

4a2

=4ac

4a2=c

a.

(2.12)

Em particular, quando a = 1, temos o seguinte resultado.

Teorema 2.25. Os números α e β são as raízes da equação

x2 − sx+ p = 0 (2.13)

se, e somente se,

α + β = s e αβ = p. (2.14)

56 2 Equações e Inequações

Demonstração. Com efeito, se α e β são as raízes de (2.13) então os

cálculos feitos em (2.11) e (2.12) nos dão (2.14). Reciprocamente, se

vale (2.14) então da igualdade

(x− α)(x− β) = x2 − sx+ p

segue-se que α e β são as raízes de (2.13).

Observação 2.26. Em geral, dada a equação ax2 + bx + c = 0, com

a 6= 0, podemos escrevê-la como a(x2 − sx + p) = 0, com s = −b/a e

p = c/a. Supondo que a equação x2 − sx + p = 0 tem raízes α e β, a

igualdade

ax2 + bx+ c = a(x2 − sx+ p) = a(x− α)(x− β) (2.15)

nos permite concluir que α e β são as raízes da equação de segundo

grau ax2 + bx+ c = 0.

A equação (2.15) mostra que se α é raiz de um polinômio do se-

gundo grau, então a divisão desse polinômio pelo polinômio (x− α) é

uma divisão exata. Voltaremos a tratar desse assunto no Teorema 8.5.

Exemplo 2.27. Paulo cercou uma região retangular de área 28 m2

com 24 metros de corda. Encontre as dimensões dessa região.

Solução: Se chamamos de a e b os lados do retângulo construído por

Paulo, as condições sobre o perímetro e a área desse retângulo nos

levam às seguintes equações:{a+ b = 12,

ab = 28.

Como já observamos, a e b são raízes da equação x2 − 12x + 28 = 0.

Calculando o discriminante, obtemos ∆ = 122−4·28 = 32. Utilizando

2.3 Equação do Segundo Grau 57

a fórmula, temos que as soluções são

a =12 +

√32

2= 6 + 2

√2

e

b =12−

√32

2= 6− 2

√2.

Exemplo 2.28. Mostre que a equação x2 + bx + 17 = 0 não possui

raiz inteira positiva, se b é um inteiro não negativo.

Solução: Suponhamos que a equação possui alguma raiz inteira n po-

sitiva e seja m a outra raiz (podendo ser m = n). Então, n+m = −b,onde m = −n− b deverá ser necessariamente um número inteiro. Por

outro lado, m e n são números inteiros tais que m · n = 17, o que só

é possível se m = 1 ou n = 1, o que nos daria em qualquer um dos

casos que 1 + b + 17 = 0 (b = −18), sendo isto uma contradição com

o fato de b ser inteiro não negativo.

Exemplo 2.29. Numa reunião havia pelo menos 12 pessoas e todos

os presentes apertaram as mãos entre si. Descubra quantas pessoas

estavam presentes na festa, sabendo que houve menos que 75 apertos

de mão.

Solução: Vamos denotar por a o número de apertos de mão e enumerar

as pessoas com os números do conjunto P = {1, 2, . . . , n}. A cada

aperto de mão associaremos um par (i, j), signi�cando que a pessoa i

apertou a mão da pessoa j. Assim, os apertos de mão envolvendo a

pessoa 1 foram

A1 ={

(1, 2), (1, 3), . . . , (1, n)}.

58 2 Equações e Inequações

Do mesmo modo, de�nimos os apertos de mão envolvendo a pessoa 2

que não envolvem a pessoa 1, como

A2 ={

(2, 3), (2, 4), . . . , (2, n)}.

Note que o aperto (2, 1) é o mesmo que o aperto (1, 2), já que se 1

aperta a mão de 2, então 2 aperta a mão de 1. Analogamente,

Ai ={

(i, i+ 1), (i, i+ 2), . . . , (i, n)}, para 1 ≤ i ≤ n− 1.

Note que Ai ∩ Aj = ∅ para i 6= j. Observe também que todos os

apertos aparecem em um dos conjuntos Ai. Assim, A1 ∪ · · · ∪ An−1

contém todos os apertos de mão. Logo, se |X| denota o número de

elementos do conjunto X e a o número de apertos de mão, temos

|(A1 ∪ A2 ∪ · · · ∪ An−1)| = |A1|+ |A2|+ · · ·+ |An−1|= (n− 1) + (n− 2) + · · ·+ 2 + 1

=(n− 1)n

2= a.

Portanto, n2−n−2a = 0 deve admitir admite uma raiz inteira, maior

ou igual a 12. Deste modo, basta descobrirmos para que valores de

a < 75 a equação acima admite alguma raiz inteira n ≥ 12. Denotemos

as raízes da equação por n1 e n2 e suponhamos que n1 ≥ 12. Das

relações {n1n2 = −2a,

n1 + n2 = 1,

concluímos que −n2 = n1 − 1 ≥ 11. Assim, podemos deduzir que

−n2n1 ≥ 11 · 12 = 132, pois −n2 ≥ 11 e n1 ≥ 12.

Observe que o mesmo raciocínio nos leva a concluir que se n1 ≥ 13

então −n2n1 = 2a ≥ 12 · 13 = 156, o que nos daria a ≥ 78, sendo

2.3 Equação do Segundo Grau 59

isto impossível pois a < 75. Assim, a raiz positiva para tal equação

não pode ser maior ou igual que 13, restando somente n1 = 12 como

solução. De fato, essa solução é possível, se considerarmos a = 66.

Logo, haviam 12 pessoas na festa.

2.3.3 Equações Biquadradas

A dedução da solução da equação do segundo grau nos permite resolver

equações de grau mais alto, desde que elas se apresentem numa forma

peculiar, que nos permita reduzi-las a uma equação do segundo grau.

Por exemplo,

Exemplo 2.30. Resolva a equação

x4 − 2x2 + 1 = 0. (2.16)

Apesar da equação acima ser de grau quatro, podemos solucioná-la

utilizando o que aprendemos até agora. O truque será denotar por y

o valor x2.

Solução: Denote por y = x2. Neste caso, temos que 0 = y2− 2y+ 1 =

(y − 1)2. Logo, y = 1. Assim, x2 = y = 1, de onde segue-se que x = 1

ou x = −1.

De modo geral consideremos a equação

ax2k + bxk + c = 0, k ∈ N, (2.17)

e façamos a mudança y = xk. Então, a equação se transforma na

seguinte;

ay2 + by + c = 0, (2.18)

60 2 Equações e Inequações

a qual já sabemos resolver. Logo, se (2.18) não possui solução então

(2.17) também não terá solução e no caso em que y = α seja uma

raiz de (2.18) então as soluções para (2.17), correspondentes à raiz α,

podem ser encontradas resolvendo a equação simples

xk = α,

a qual tem as seguintes possibilidades:

• uma única solução: x = k√α se k é ímpar;

• nenhuma solução: se α < 0 e k é par;

• duas soluções: x = ± k√α se α > 0 e k é par.

2.3.4 O Método de Vièti

A maneira que François Vièti (1540-1603) descobriu para resolver a

equação do segundo grau baseia-se em relacionar a equação

ax2 + bx+ c = 0 (2.19)

como uma equação do tipo

Ay2 +B = 0, (2.20)

onde A eB são números que dependem de a, b, c, de modo que qualquer

solução da equação (2.20) determinará uma solução da equação (2.19).

Note que a última equação possui soluções

y1 =

√−BA

e y2 = −√−BA, se − B

A≥ 0.

2.3 Equação do Segundo Grau 61

Para fazer isso, usamos o seguinte truque: escrevendo x = u+ v como

a soma de duas novas variáveis u e v, a equação (2.19) se escreve como

a(u+ v)2 + b(u+ v) + c = 0,

a qual, desenvolvendo o quadrado, equivale a

au2 + 2auv + av2 + bu+ bv + c = 0.

Agrupando convenientemente, podemos escrever a expressão acima

como uma equação na variável v, isto é,

av2 + (2au+ b)v + au2 + bu+ c = 0.

Assim, podemos obter uma equação do tipo da equação (2.20), esco-

lhendo o valor de u de modo que o termo (2au + b)v se anule. Esco-

lhendo u = −b/2a temos que

av2 + a

(−b2a

)2

− b b2a

+ c = 0⇐⇒ av2 +b2

4a− b2

2a+ c = 0,

o que é equivalente a

av2 +−b2 + 4ac

4a= 0.

Observando que a equação assumiu a forma da equação (2.20), temos

que suas soluções são

v1 =

√b2 − 4ac

4a2e v2 = −

√b2 − 4ac

4a2, se ∆ = b2 − 4ac ≥ 0.

Lembrando que u = −b/2a e que x = u+ v temos que as soluções da

equação (2.19) são

x1 = − b

2a+ v1 e x2 = − b

2a+ v2,

como já obtivemos anteriormente.

62 2 Equações e Inequações

2.4 Inequações

Inequações aparecem de maneira natural em várias situações dentro

do contexto matemático, assim como no próprio dia a dia.

Exemplo 2.31. Numa loja de esportes as bolas de tênis Welson en-

traram em promoção, passando a custar cada uma três reais. Pedro

que é um assíduo jogador de tênis quer aproveitar ao máximo a oferta

da loja, mas ele só dispõe de cem reais. Qual é a maior quantidade

possível de bolas que Pedro pode comprar?

Solução. Se denotamos por x o número de bolas que Pedro compra,

então devemos achar o maior valor possível de x tal que

3x ≤ 100. (2.21)

Notemos que o problema se reduz a encontrar o maior múltiplo

positivo de 3 que seja menor ou igual a 100. Observe que 99 = 3 · 33

é o maior múltiplo de 3 menor ou igual a 100, pois 3 · 34 = 102 > 100

e Pedro não teria orçamento para efetuar a compra. Logo, a solução

é x = 33, ou seja, Pedro poderá comprar 33 bolas.

Observemos que no exemplo anterior o que �zemos foi achar o

maior valor inteiro de x tal que 3x−100 < 0; porém note que qualquer

número x real menor que 100/3 satisfaz que 3x− 100 < 0. Isto é um

caso particular de resolução de uma inequação, chamada inequação do

primeiro grau.

2.5 Inequação do Primeiro Grau 63

2.5 Inequação do Primeiro Grau

Uma inequação do primeiro grau é uma relação de uma das formas

abaixo ax+ b < 0, ax+ b > 0,

ax+ b ≤ 0, ax+ b ≥ 0,(2.22)

onde a, b ∈ R e a 6= 0.

O conjunto solução de uma inequação do primeiro grau é o con-

junto S de números reais que satisfazem a inequação, isto é, o conjunto

de números que quando substituídos na inequação tornam a desigual-

dade verdadeira. Para achar tal conjunto será de vital importância

tomar em conta as seguintes propriedades das desigualdades entre dois

números

• Invariância do sinal por adição de números reais: sejam

a e b números reais tais que a ≤ b, então a + c ≤ b + c para

qualquer número real c. O mesmo vale com as desigualdades do

tipo: <, ≥ ou >.

• Invariância do sinal por multiplicação de números reais

positivos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então

ac ≤ bc para qualquer número real positivo c. Resultados aná-

logos valem para as desigualdades do tipo: <, ≥ ou >.

• Mudança do sinal por multiplicação de números reais

negativos: sejam a e b números reais tais que a ≤ b, então ac ≥bc para qualquer número real negativo c. Resultados análogos

valem para as desigualdades do tipo: <, ≥ ou >.

64 2 Equações e Inequações

Vejamos como solucionar as inequações estritas

ax+ b < 0 e ax+ b > 0.

Para isto, dividimos a análise em dois casos.

• Caso 1: a > 0

Inequação ax + b < 0: neste caso, dividindo por a obtemos

que x + b/a < 0 e somando −b/a, em ambos os membros desta

última inequação, temos que x < −b/a. Portanto,

S = {x ∈ R; x < −b/a},

o qual representamos no seguinte desenho:

•−b/a

SInequação ax + b > 0: procedendo do mesmo modo que o

caso anterior, obtemos que o conjunto solução vem dado por

S = {x ∈ R; x > −b/a},

representado no desenho abaixo:

•−b/a

S• Caso 2: a < 0

Inequação ax + b < 0: neste caso, quando dividimos por a o

sinal da inequação se inverte, obtendo assim que x + b/a > 0,

logo temos que x > −b/a e, consequentemente,

S = {x ∈ R; x > −b/a},

cuja representação na reta é a seguinte:

2.5 Inequação do Primeiro Grau 65

•−b/a

SInequação ax + b > 0: similarmente, o conjunto solução vem

dado por

S = {x ∈ R; x < −b/a},cuja representação é a seguinte:

•−b/a

SObservação 2.32. Notemos que se queremos resolver as inequações

ax + b ≤ 0 e ax + b ≥ 0, então o conjunto solução S em cada um

dos casos acima continua o mesmo acrescentado apenas do ponto x =

−b/a.

Vejamos agora um exemplo simples.

Exemplo 2.33. Para resolver a inequação 8x−4 ≥ 0, primeiramente

dividimos por 8 a inequação (prevalecendo o sinal da desigualdade)

e imediatamente adicionamos 1/2 em ambos os membros da mesma,

para obter x− 4/8 + 1/2 ≥ 1/2, ou seja,

S = {x ∈ R; x ≥ 1/2}.

A seguir damos alguns exemplos que podem ser resolvidos usando

inequações lineares.

Exemplo 2.34. Sem fazer os cálculos, diga qual dos números

a = 3456784 · 3456786 + 3456785 e b = 34567852 − 3456788

é maior?

66 2 Equações e Inequações

Solução. Se chamamos de x ao número 3456784 então das de�nições

de a e b temos que a = x · (x + 2) + (x + 1) e b = (x + 1)2 − (x + 4).

Logo, a = x2 + 3x+ 1 e b = x2 + x− 3. Se supomos que a ≤ b, então

x2 + 3x+ 1 ≤ x2 + x− 3,

e somando−x2−x+3 a ambos os membros desta desigualdade obtemos

2x+ 4 ≤ 0.

A solução desta inequação do primeiro grau é o conjunto dos x ∈ Rtais que x ≤ −2, mas isto é falso, desde que x = 3456784. Logo,

nossa suposição inicial de a ser menor ou igual a b é falsa, sendo então

a > b.

O próximo exemplo já foi tratado antes (ver Problema 2.7), porém

apresentamos a seguir uma solução diferente usando inequações do

primeiro grau.

Exemplo 2.35. Um quadrado mágico 3× 3 é um quadrado de lado 3

dividido em 9 quadradinhos de lado 1 de forma tal que os números de 1

até 9 são colocados um a um em cada quadradinho com a propriedade

de que a soma dos elementos de qualquer linha, coluna ou diagonal é

sempre a mesma. Provar que no quadradinho do centro de tal quadrado

mágico deverá aparecer, obrigatoriamente, o número 5.

Solução. Primeiramente observamos que a soma 1 + 2 + 3 + · · ·+ 9 =

45, logo como há três linhas e em cada uma destas �guram números

diferentes temos que a soma dos elementos de cada linha é 15. Logo,

a soma dos elementos de cada coluna ou diagonal também é 15.

Chamemos de x o número que aparece no centro do quadrado

mágico, como mostra o desenho a seguir.

2.5 Inequação do Primeiro Grau 67

x

Agora fazemos as seguintes observações:

• O número x não pode ser 9, pois nesse caso em alguma linha,

coluna ou diagonal que contém o quadrado central aparecerá

o número 8, que somado com 9 dá 17 > 15 e isto não pode

acontecer.

• O número x não pode ser 1, pois nesse caso formaria uma linha,

coluna ou diagonal com o número 2 e um outro número que

chamamos de y, então 1 + 2 + y = 15 ⇔ y = 12, o qual é

impossível.

Feitas as observações anteriores, temos então que o número x forma

uma linha, coluna ou diagonal com o número 9 e algum outro número

que chamamos de z, logo

z = 15− (x+ 9) ≥ 1⇔ 6− x ≥ 1,

de onde segue que x ≤ 5.

Por outro lado, o número x aparece numa linha, coluna ou diagonal

com o número 1 e algum outro número que chamamos de s, logo

s = 15− (x+ 1) = 14− x ≤ 9, de onde temos que x ≥ 5. Finalmente,

como 5 ≤ x ≤ 5 segue-se que x = 5.

Exemplo 2.36. Num triângulo com lados de comprimento a, b e c

traçamos perpendiculares desde um ponto arbitrário P , sobre o lado

de comprimento c, até cada um dos lados restantes (ver a Figura 2.1).

Se estas perpendiculares medem x e y e a > b, então

68 2 Equações e Inequações

(a) Qual a posição onde deve ser colocado P de maneira que ` = x+y

seja mínimo?

(b) Qual a posição onde deve ser colocado P de maneira que ` = x+y

seja máximo?

a

b

c

Px y

B A

C

Figura 2.1: No desenho, os segmentos que partem do ponto P são perpen-

diculares aos lados AC e BC

Solução. Denotemos por S a área do triângulo e notemos que divi-

dindo este em dois triângulos menores: um com base a e altura x e

outro com base b e altura y, temos que

ax

2+by

2= S,

de onde se segue que

ax = 2S − by

x =2S − by

a.

Somando y em ambos os lados da última igualdade, obtemos

x+ y =2S − by

a+ y

=2S − by + ay

a

=2S

a+a− ba

y,

2.6 Inequação do Segundo Grau 69

logo

` = α + βy,

onde

α =2S

ae β =

a− ba

.

Agora notemos que 0 ≤ y ≤ hb, onde hb denota a altura relativa ao

lado de comprimento b no triângulo dado. Como β é positivo, por ser

a > b, temos então que 0 ≤ βy ≤ βhb e, portanto, α ≤ α + βy ≤α + βhb, de onde

0 ≤ ` ≤ α + βhb.

Resumindo, o valor mínimo de ` é atingido quando y = 0, portanto

P deve ser colocado no vértice A, e o valor máximo é obtido quando

y = hb, portanto P deve ser colocado no vértice B.

2.6 Inequação do Segundo Grau

Agora passamos a discutir a solução das inequações do segundo grau,

que possuem um maior grau de di�culdade quando comparadas com

as inequações do primeiro grau. Será de vital importância o uso das

propriedades da função quadrática ax2 + bx+ c, estudadas no capítulo

anterior.

Uma inequação do segundo grau é uma relação de uma das formas

abaixo ax2 + bx+ c < 0, ax2 + bx+ c > 0,

ax2 + bx+ c ≤ 0, ax2 + bx+ c ≥ 0,(2.23)

onde a, b, c ∈ R e a 6= 0. Por simplicidade, chamaremos o número a de

coe�ciente líder da função quadrática ax2 + bx+ c.

70 2 Equações e Inequações

Por exemplo, para resolver a inequação x2 − 3x+ 2 > 0 fatoramos

o trinômio usando que as raízes da equação x2− 3x+ 2 = 0 são 1 e 2,

isto é,

x2 − 3x+ 2 = (x− 1)(x− 2).

O trinômio toma valores positivos quando o produto (x−1)(x−2) for

positivo, ou seja, quando os fatores (x− 1) e (x− 2) tenham o mesmo

sinal:

• Ambos positivos:

x− 1 > 0⇔ x > 1

e

x− 2 > 0⇔ x > 2,

logo x > 2.

• Ambos negativos:

x− 1 < 0⇔ x < 1

e

x− 2 < 0⇔ x < 2,

logo x < 1.

Portanto, x2 − 3x+ 2 > 0 se, e somente se, x < 1 ou x > 2.

A seguir explicamos como podemos resolver a inequação do se-

gundo grau de forma geral.

Suponhamos primeiramente que queremos resolver a inequação

ax2 + bx+ c > 0. (2.24)

2.6 Inequação do Segundo Grau 71

Notemos que valem as seguintes igualdades:

ax2 + bx+ c = a

(x2 +

b

ax+

c

a

)= a

(x2 +

b

ax+

b2

4a2− b2

4a2+c

a

)= a

(x2 +

b

ax+

b2

4a2

)− a

(b2

4a2− c

a

)= a

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a,

(2.25)

onde ∆ = b2− 4ac. Considerando esta igualdade, dividimos em vários

casos:

Caso 1: ∆ = b2 − 4ac > 0. Nesta situação procedemos tomando

em conta o sinal de a.

• (a > 0). Usando (2.25) notamos que basta resolver a inequação

a

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a> 0.

Como a > 0, multiplicando por 1/a em ambos os membros da

desigualdade anterior o sinal desta não muda, obtendo-se então

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a2> 0.

Agora usamos que ∆ > 0 para obtermos que

72 2 Equações e Inequações

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a2=

(x+

b

2a

)2

−(√

2a

)2

=

(x+

b+√

2a

)(x+

b−√

2a

)

=

(x− −b−

√∆

2a

)(x− −b+

√∆

2a

)= (x− α)(x− β) > 0,

onde α = −b−√

∆2a

e β = −b+√

∆2a

são as raízes de ax2 + bx+ c = 0.

Agora notamos que (x − α)(x − β) > 0 se os fatores (x − α) e

(x − β) são ambos positivos ou ambos negativos. No primeiro

caso (ambos positivos) temos que x > α e x > β, mas como

α < β, então x > β. No segundo caso (ambos negativos), temos

que x < α e x < β, logo x < α, novamente por ser α < β.

Resumindo, a solução da inequação vem dada pelo conjunto

S = {x ∈ R; x < α ou x > β},

com a seguinte representação na reta:

• •α β

S S• (a < 0). Esta situação é bem similar à anterior, a única dife-

rença é que ao multiplicar por 1/a o sinal se inverte tendo então

que resolver a inequação(x+

b

2a

)2

− ∆

4a2< 0,

2.6 Inequação do Segundo Grau 73

a qual é equivalente a provar (seguindo os mesmos passos do

caso anterior) que

(x− α)(x− β) < 0,

com α = −b−√

∆2a

e β = −b+√

∆2a

raízes de ax2 + bx + c = 0.

Notemos que a desigualdade acima é válida sempre que os sinais

dos fatores (x − α) e (x − β) forem diferentes. Por exemplo,

se x − α > 0 e x − β < 0 temos então que x deve satisfazer a

desigualdade α < x < β, mas isso é impossível considerando que

neste caso α > β, por ser a < 0. No caso restante, se x− α < 0

e x − β > 0 temos então que β < x < α, o que é possível.

Portanto, o conjunto solução, neste caso, é dado por

S = {x ∈ R; β < x < α},

cuja representação na reta é:

• •β α

SCaso 2: ∆ = b2 − 4ac = 0. Usando novamente (2.25), devemos

resolver a inequação

a

(x+

b

2a

)2

> 0,

a qual é válida para qualquer x 6= − b2a, se a > 0 e sempre falsa, se

a < 0.

Caso 3: ∆ = b2 − 4ac < 0. Neste caso, quando a é positivo todos

os valores de x reais são solução para (2.24), pois a desigualdade

ax2 + bx+ c = a

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a> 0,

74 2 Equações e Inequações

é sempre satisfeita, dado que −∆4a> 0. Por outro lado, se a é negativo

não temos nenhuma solução possível para a inequação (2.24) já que

ax2 + bx+ c = a

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a

é sempre negativo, dado que −∆4a< 0.

Observação 2.37. Para a desigualdade do tipo

ax2 + bx+ c < 0

são obtidos resultados similares, seguindo o mesmo processo descrito

anteriormente. Além disso, para as inequações

ax2 + bx+ c ≥ 0 e ax2 + bx+ c ≤ 0

os resultados são os mesmos, acrescentados apenas dos pontos α, β

ou −b/2a, dependendo do caso.

Exemplo 2.38. Provar que a soma de um número positivo com seu

inverso é sempre maior ou igual que 2.

Solução. Seja x > 0, então devemos provar que

x+1

x≥ 2.

Partimos da seguinte desigualdade, que sabemos vale para qualquer

x ∈ R:(x− 1)2 ≥ 0

logo

x2 − 2x+ 1 ≥ 0⇐⇒ x2 + 1 ≥ 2x.

2.6 Inequação do Segundo Grau 75

Se x é positivo, podemos dividir ambos os membros da última desi-

gualdade sem alterar o sinal da mesma, ou seja,

x+1

x≥ 2,

conforme queríamos provar.

2.6.1 Máximos e Mínimos das Funções Quadráti-

cas

A função quadrática f(x) = ax2 + bx+ c, como já foi observado ante-

riormente, satisfaz a identidade

ax2 + bx+ c = a

(x+

b

2a

)2

− ∆

4a, (2.26)

onde ∆ = b2 − 4ac. O valor mínimo (máximo) da função quadrática

f(x) é o menor (maior) valor possível que pode assumir f(x) quando

fazemos x percorrer o conjunto dos reais.

Da igualdade (2.26) segue-se que, quando a > 0 o valor mínimo

do trinômio é obtido quando x = − b2a

e este vale f(− b2a

) = −∆4a.

Similarmente, quando a < 0 o valor máximo do trinômio é obtido

quando x = − b2a, valendo também f(− b

2a) = −∆

4a

Exemplo 2.39. Sejam a, b reais positivos tais que a+ b = 1. Provar

que ab ≤ 1/4.

Solução. Notemos que ab = a(1 − a) = −a2 + a. De�nindo f(a) =

−a2 + a, basta provar que f(a) ≤ 1/4 para qualquer 0 < a < 1.

Completando o quadrado a função f(a), obtemos

f(a) = −(a2 − a) = −(a2 − a+ 1/4− 1/4) = −(a− 1/2)2 + 1/4,

logo este assume seu valor máximo igual a 1/4, quando a = 1/2.

76 2 Equações e Inequações

Alguns problemas de máximos ou mínimos não parecem que pos-

sam ser resolvidos achando o máximo ou mínimo de funções quadrá-

ticas. Porém, estes problemas podem ser reformulados de forma tal

que isto seja possível. Vejamos um exemplo.

Exemplo 2.40. Na �gura abaixo ABCD é um retângulo inscrito den-

tro do círculo de raio r. Encontre as dimensões que nos dão a maior

área possível do retângulo ABCD.

xyr

A B

CD

Solução. A área do retângulo vem dada pela fórmula

A = 2x · 2y = 4xy.

Usando o teorema de Pitágoras, temos que

y =√r2 − x2, (2.27)

logo, substituindo esta última igualdade na fórmula de área anterior,

obtemos

A = 4x√r2 − x2.

Não é muito difícil nos convencermos de que as dimensões, que nos

dão a maior área possível para o retângulo ABCD, são as mesmas

que nos dão o máximo para o quadrado desta área, ou seja, basta

encontrar as dimensões que maximizam A2. A vantagem que tem esta

2.7 Miscelânea 77

reformulação do problema é que A2 tem uma expressão mais simples,

dada por

A2 = 16x2(r2 − x2) = 16r2x2 − 16x4.

Agora fazemos a mudança z = x2, para obter

A2 = −16z2 + 16r2z = −16(z − r2

2

)2

+ 4r4,

de onde segue que o menor valor de A2 é obtido quando z = r2

2e

portanto quando x = r√2. Usando agora a igualdade (2.27) temos que

y =

√r2 − r2

2=

r√2.

Então, o retângulo de maior área possível é o quadrado de lado2r√

2= r√

2.

2.7 Miscelânea

Nesta seção combinamos a teoria desenvolvida nos tópicos anteriores

para resolver outros tipos de equações com um nível de complexidade

maior.

2.7.1 Equações Modulares

Uma equação modular é aquela na qual a variável incógnita aparece

sob o sinal de módulo. Por exemplo, são equações modulares

(a) |2x− 5| = 3;

(b) |2x− 3| = 1− 3x;

78 2 Equações e Inequações

(c) |3− x| − |x+ 1| = 4.

Para resolver equações modulares se usam basicamente três méto-

dos:

(1) eliminação do módulo pela de�nição;

(2) elevação ao quadrado de ambos os membros da equação;

(3) partição em intervalos.

Ilustramos a seguir estes métodos com os exemplos dados em (a),

(b) e (c).

Exemplo 2.41. Resolver a equação |2x− 5| = 3.

Solução: O método (1) pode ser utilizado para resolver esta equação.

Para isto, usamos a de�nição de módulo:

|a| =

a se a ≥ 0,

−a se a < 0.

de onde segue-se a propriedade: seja b um número não negativo, então

|a| = b ⇐⇒ a = b ou a = −b.

Logo, x é solução da equação se, e somente se, x satisfaz uma das

equações de primeiro grau a seguir:

2x− 5 = 3 ou 2x− 5 = −3.

Da primeira equação obtemos a solução x1 = 4 e da segunda obtemos

a solução x2 = 1.

2.7 Miscelânea 79

Exemplo 2.42. Resolver a equação |2x− 3| = 1− 3x

Solução: Resolveremos esta equação pelos métodos (1) e (2).

Método (1): Aplicando a de�nição de módulo temos que resolver a

equação é equivalente a resolver os sistemas mistos

(a)

2x− 3 ≥ 0,

2x− 3 = 1− 3x,ou (b)

2x− 3 < 0,

−(2x− 3) = 1− 3x.

O sistema (a) não tem solução visto que a solução da equação do

primeiro grau 2x− 3 = 1− 3x⇔ 5x = 4 é x = 4/5 a qual não satisfaz

a desigualdade 2x − 3 ≥ 0. Por outro lado, no sistema (b) a solução

da equação −(2x−3) = 1−3x tem por solução x = −2 a qual satisfaz

a inequação 2x− 3 < 0. Logo, a única solução da equação é x = −2.

Método (2): Observemos que a equação é equivalente ao sistema

misto 1− 3x ≥ 0,

(2x− 3)2 = (1− 3x)2.

Resolvendo agora a equação de segundo grau (2x− 3)2 = (1− 3x)2 a

qual é equivalente a 5x2 + 6x− 8 = 0, temos que as possíveis soluções

são x1 = 4/5 e x2 = −2, mas x1 é descartada pois não satisfaz que

1−3x1 ≥ 0. Assim, a solução do sistema misto e, portanto, da equação

modular é apenas x2 = −2.

Exemplo 2.43. |3− x| − |x+ 1| = 4.

Solução. Neste caso usaremos o método de partição em intervalos que

consiste no seguinte: marcamos na reta real os valores onde |3 − x|e |x + 1| se anulam, neste caso, x1 = 3 e x2 = −1. Com isto a reta

80 2 Equações e Inequações

numérica é dividida em 3 intervalos x < −1, −1 ≤ x ≤ 3 e x > 3.

Agora analisamos a equação em cada intervalo:

Intervalo x < −1: Neste caso a equação modular toma a forma

3− x− (−x− 1) = 4⇐⇒ 4 = 4,

Portanto, todo o intervalo x < −1 é solução.

Intervalo −1 ≤ x ≤ 3: Neste caso a equação modular toma a forma

3− x− (x+ 1) = 4⇐⇒ 2− 2x = 4,

de onde segue-se que x = −1. Portanto, neste intervalo a solução é

x = −1.

Intervalo x > 3: Neste caso a equação modular toma a forma

−3 + x− (x+ 1) = 4⇐⇒ −4 = 4,

o que é uma contradição. Portanto, neste intervalo não temos solução.

Em resumo, a solução da equação modular é o intervalo x ≤ −1.

2.7.2 Um Sistema de Equações Não lineares

O seguinte exemplo nos mostra como podemos combinar a técnica de

resolução de sistemas lineares e de equações de segundo grau para

resolver sistemas mais complicados.

Exemplo 2.44. Resolva o sistema de equações:√x2 + 3x− (x2 − 2)3 = 3,√x2 + 3x+ (x2 − 2)3 = 1.

2.8 Exercícios 81

Solução. Propomos a seguinte mudança de variáveis:

u =√x2 + 3x e v = (x2 − 2)3.

Assim, o sistema se converte no sistema de equações do primeiro grauu− v = 3,

u+ v = 1,

o qual tem como solução u = 2 e v = −1. Veri�que! Assim,

√x2 + 3x = 2⇐⇒ x2 + 3x = 4,

sendo x = 1 e x = −4 as soluções desta equação do segundo grau.

Por outro lado

(x2 − 2)3 = −1,

de onde x2−2 = −1, sendo x = 1 e x = −1 as soluções desta equação.

Logo, a solução do sistema é x = 1, que é a única que satisfaz u = 2

e v = −1 simultaneamente.

2.8 Exercícios

1. Observe as multiplicações a seguir:

(a) 12.345.679× 18 = 222.222.222

(b) 12.345.679× 27 = 333.333.333

(c) 12.345.679× 54 = 666.666.666

Para obter 999.999.999 devemos multiplicar 12.345.679 por quan-

to?

82 2 Equações e Inequações

2. Outro dia ganhei 250 reais, incluindo o pagamento de horas

extras. O salário (sem horas extras) excede em 200 reais o que

recebi pelas horas extras. Qual é o meu salário sem horas extras?

3. Uma torneira A enche sozinha um tanque em 10 h, uma torneira

B enche o mesmo tanque sozinha em 15 h. Em quantas horas

as duas torneiras juntas encherão o tanque?

4. O dobro de um número, mais a sua terça parte, mais a sua quarta

parte somam 31. Determine o número.

5. Uma certa importância deve ser dividida entre 10 pessoas em

partes iguais. Se a partilha fosse feita somente entre 8 dessas

pessoas, cada uma destas receberia R$5.000,00 a mais. Calcule

a importância.

6. Roberto disse a Valéria: �Pense um número, dobre esse número,

some 12 ao resultado, divida o novo resultado por 2. Quanto

deu? � Valéria disse �15� ao Roberto, que imediatamente reve-

lou o número original que Valéria havia pensado. Calcule esse

número.

7. Por 2/3 de um lote de peças iguais, um comerciante pagou

R$8.000,00 a mais do que pagaria pelos 2/5 do mesmo lote. Qual

o preço do lote todo?

8. Determine um número real a para que as expressões 3a+68

e 2a+106

sejam iguais.

9. Se você multiplicar um número real x por ele mesmo e do resul-

tado subtrair 14, você vai obter o quíntuplo do número x. Qual

é esse número?

2.8 Exercícios 83

10. Eu tenho o dobro da idade que tu tinhas quando eu tinha a

tua idade. Quando tu tiveres a minha idade, a soma das nossas

idades será de 45 anos. Quais são as nossas idades?

11. Um homem gastou tudo o que tinha no bolso em três lojas. Em

cada uma gastou 1 real a mais do que a metade do que tinha ao

entrar. Quanto o homem tinha ao entrar na primeira loja?

12. Com os algarismos x, y e z formam-se os números de dois alga-

rismos xy e yx, cuja soma é o número de três algarismos zxz.

Quanto valem x, y e z?

13. Quantos são os números inteiros de 2 algarismos que são iguais

ao dobro do produto de seus algarismos?

14. Obter dois números consecutivos inteiros cuja soma seja igual a

57.

15. Qual é o número que, adicionado ao triplo do seu quadrado, vale

14?

16. O produto de um número positivo pela sua terça parte é igual a

12. Qual é esse número?

17. Determine dois números consecutivos ímpares cujo produto seja

195.

18. A diferença entre as idades de dois irmãos é 3 anos e o produto

de suas idades é 270. Qual é a idade de cada um?

19. Calcule as dimensões de um retângulo de 16 cm de perímetro e

15 cm2 de área.

84 2 Equações e Inequações

20. A diferença de um número e o seu inverso é 83. Qual é esse

número?

21. A soma de dois números é 12 e a soma de seus quadrados é 74.

Determine os dois números.

22. Um pai tinha 30 anos quando seu �lho nasceu. Se multiplicarmos

as idades que possuem hoje, obtém-se um produto que é igual

a três vezes o quadrado da idade do �lho. Quais são as suas

idades?

23. Os elefantes de um zoológico estão de dieta juntos. Num período

de 10 dias devem comer uma quantidade de cenouras igual ao

quadrado da quantidade que um coelho come em 30 dias. Em

um dia os elefantes e o coelho comem juntos 1.444 kg de cenoura.

Quantos kilos de cenoura os elefantes comem em 1 dia?

24. Sejam α1 e α2 as raízes do polinômio ax2 + bx + c, com a 6= 0.

Calcule as seguintes expressões, em função de a, b e c:

(a)α1 + α2

2;

(b)√α1 +

√α2;

(c) 4√α1 + 4

√α2.

25. O número −3 é a raiz da equação x2 − 7x − 2c = 0. Nessas

condições, determine o valor do coe�ciente c.

26. Encontre o polinômio p(x) = 2x4 +bx3 +cx2 +dx+e que satisfaz

a equação p(x) = p(1− x).

2.8 Exercícios 85

27. (OBM) Dois meninos jogam o seguinte jogo. O primeiro esco-

lhe dois números inteiros diferentes de zero e o segundo monta

uma equação do segundo grau usando como coe�cientes os dois

números escolhidos pelo primeiro jogador e 1.998, na ordem

que quiser (ou seja, se o primeiro jogador escolhe a e b o se-

gundo jogador pode montar a equação 1.998x2 + ax + b = 0 ou

ax2 +1.998x+b = 0 etc.) O primeiro jogador é considerado ven-

cedor se a equação tiver duas raízes racionais diferentes. Mostre

que o primeiro jogador pode ganhar sempre.

28. (OBM) Mostre que a equação x2 + y2 + z2 = 3xyz tem in�nitas

soluções onde x, y, z são números inteiros.

29. (Gazeta Matemática, Romênia) Considere a equação

a2x2 − (b2 − 2ac)x+ c2 = 0,

onde a, b e c são números inteiros positivos. Se n ∈ N é tal que

p(n) = 0, mostre que n é um quadrado perfeito.

30. (Gazeta Matemática, Romênia) Sejam a, b ∈ Z. Sabendo que a

equação

(ax− b)2 + (bx− a)2 = x,

tem uma raiz inteira, encontre os valores de suas raízes.

31. (Gazeta Matemática, Romênia) Resolva a equação:

[2x2

x2 + 1

]= x.

Obs.: [x] é o menor inteiro maior ou igual a x.

86 2 Equações e Inequações

32. Demonstrar que:

(a) n4 + 4 não é primo se n > 1;

(b) generalize, mostrando que n4 + 4n não é primo, para todo

n > 1.

33. Para fazer 12 bolinhos, preciso exatamente de 100 g de açúcar,

50 g de manteiga, meio litro de leite e 400 g de farinha. Qual a

maior quantidade desses bolinhos que serei capaz de fazer com

500 g de açúcar, 300 g de manteiga, 4 litros de leite e 5 kg de

farinha ?

34. Dadas as frações

966666555557

966666555558e

966666555558

966666555559,

qual é maior?

35. Achar o maior valor inteiro positivo de n tal que

n200 < 5300.

36. Achar o menor valor inteiro positivo de n tal que

10111 · 10

211 · 10

311 · · · 10

n11 > 100000.

37. Nove cópias de certas notas custam menos de R$ 10,00 e dez

cópias das mesmas notas (com o mesmo preço) custam mais de

R$ 11,00. Quanto custa uma cópia das notas?

38. Se enumeram de 1 até n as páginas de um livro. Ao somar estes

números, por engano um deles é somado duas vezes, obtendo-se

o resultado incorreto: 1.986. Qual é o número da página que foi

somado duas vezes?

2.8 Exercícios 87

39. Determine os valores de a para os quais a função quadrática

ax2 − ax+ 12 é sempre positiva.

40. Ache os valores de x para os quais cada uma das seguintes ex-

pressões é positiva:

(a)x

x2 + 9(b)

x− 3

x+ 1(c)

x2 − 1

x2 − 3x

41. Resolver a equação:

[x]{x}+ x = 2{x}+ 10,

onde [x] denota a parte inteira de x. Por exemplo, [2, 46] = 2 e

[5, 83] = 5. O número {x} é chamado parte fracionária de x e é

de�nido por {x} = x− [x].

42. Mostre que entre os retângulos com um mesmo perímetro, o de

maior área é um quadrado.

43. Entre todos os triângulos isósceles com perímetro p �xado, ache

as dimensões dos lados daquele que possui a maior área.

44. (OBM Júnior 1993)

É dada uma equação do segundo grau x2 + ax + b = 0, com

raízes inteiras a1 e b1. Consideramos a equação do segundo grau

x2 + a1x + b1 = 0. Se a equação x2 + a1x + b1 = 0 tem raízes

inteiras a2 e b2, consideramos a equação x2 + a2x+ b2 = 0. Se a

equação x2+a2x+b2 = 0 tem raízes inteiras a3 e b3, consideramos

a equação x2 +a3x+b3 = 0. E assim por diante. Se encontramos

uma equação com ∆ < 0 ou com raízes que não sejam inteiros,

encerramos o processo.

88 2 Equações e Inequações

Por exemplo, se começamos com a equação x2 = 0 podemos

continuar o processo inde�nidamente. Pede-se:

(a) Determine uma outra equação que, como x2 = 0, nos per-

mita continuar o processo inde�nidamente;

(b) Determine todas as equações do segundo grau completas a

partir das quais possamos continuar o processo inde�nida-

mente.

Referências Bibliográ�cas

[1] AIGNER, M. e ZIEGLER, G. (2002). As Provas estão

no Livro. Edgard Blücher.

[2] GARCIA, A. e LEQUAIN, I. (2003). Elementos de Ál-

gebra. Projeto Euclides, IMPA.

[3] LIMA, E. L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e

MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-

dio. Volume 1. Sociedade Brasileira de Matemática.

[4] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER, E. e

MORGADO, A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-

dio. Volume 2. Sociedade Brasileira de Matemática.

[5] LIMA,E.L.; CARVALHO,P. C. P.; WAGNER,E. e

MORGADO,A.C. (2004). A Matemática do Ensino Mé-

dio. Volume 3. Sociedade Brasileira de Matemática.

[6] LIMA, E.L.; CARVALHO, P. C. P.; WAGNER,E. e

MORGADO, A.C. (2001). Temas e Problemas. Socie-

dade Brasileira de Matemática.

[7] LIMA, E.L. (2001). Álgebra Linear. Sociedade Brasileira

de Matemática.

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286 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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tica. EDUFCG.

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FERNANDEZ, P. (1991). Análise Combinatória e Pro-

babilidade . Sociedade Brasileira de Matemática.

[10] RIBENBOIM, P. (2001). Números Primos: Mistérios e

Recordes. Sociedade Brasileira de Matemática.

[11] SANTOS, J. P. O. (1993) Introdução à Teoria dos Nú-

meros. IMPA.

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C. (2006). Introdução à Análise Combinatória. Editora

Unicamp.

[13] SOARES, M. G. (2005). Cálculo em uma Variável Com-

plexa. Sociedade Brasileira de Matemática.