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Número 36 Edição Especial Publicação bimestral O Ministério Público de Per- nambuco participou de audiên- cia pública da Comissão Parla- mentar de Inquérito do Senado Federal sobre assassinatos de Jovens Negros no País, realizada na Assembleia Legislativa do Es- tado. Pág. 2 MPPE participa de audiência de CPI Índice de Vulnerabilidade Dados apresentados pelo Relatório Índice de Vulnera- bilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014, da Unesco e Ministério da Justi- ça,- apontam que a juventude negra entre 12 anos e 29 anos é a principal vítima da violência no País. Pág. 3 Foto: Ascom/Alepe Para debater sobre as barreiras de acesso à Justiça, bem como o alto índice da mortalida- de da juventude negra, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou no dia 6 de maio, audiência pública, no auditório do Ministério Público Federal em Pernambuco. Pág.5 Em Pernambuco, o risco de morte de um jovem negro é 11,5 vezes maior do que o observado para um jovem branco. E no País, o risco é de 2,5.

Em Pernambuco, o risco de morte de um jovem negro é 11,5 … · O Ministério Público de Per-nambuco (MPPE) participou de audiência da Comissão Par-lamentar de Inquérito do Sena

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Page 1: Em Pernambuco, o risco de morte de um jovem negro é 11,5 … · O Ministério Público de Per-nambuco (MPPE) participou de audiência da Comissão Par-lamentar de Inquérito do Sena

Número 36Edição EspecialPublicação bimestral

O Ministério Público de Per-nambuco participou de audiên-cia pública da Comissão Parla-mentar de Inquérito do Senado Federal sobre assassinatos de Jovens Negros no País, realizada na Assembleia Legislativa do Es-tado. Pág. 2

MPPE participa de audiência de CPI

Índice de Vulnerabilidade

Dados apresentados pelo Relatório Índice de Vulnera-bilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014, da Unesco e Ministério da Justi-ça,- apontam que a juventude negra entre 12 anos e 29 anos é a principal vítima da violência no País. Pág. 3

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Para debater sobre as barreiras de acesso à Justiça, bem como o alto índice da mortalida-de da juventude negra, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) realizou no dia 6 de maio, audiência pública, no auditório do Ministério Público Federal em Pernambuco. Pág.5

Em Pernambuco, o risco de morte de um jovem negro é 11,5 vezes maior do que o observado para um jovem branco. E no País, o risco é de 2,5.

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O Ministério Público de Per-nambuco (MPPE) participou de audiência da Comissão Par-lamentar de Inquérito do Sena-do Federal sobre assassinatos de jovens negros no País, realizada na Assembleia Legislativa do Es-tado de Pernambuco, no dia 11 de setembro, a requerimento do senador pernambucano Hum-berto Costa. A audiência teve por finalidade investigar o as-sassinato de jovens negros com o recorte da situação em Per-nambuco. A mesa foi presidida pela senadora Lídice de Mata, da Bahia.

Na audiência, o MPPE foi representado pela procuradora de Justiça e coordenadora do Grupo de Trabalho de Enfren-tamento à Discriminação Racial (GT Racismo), Maria Bernade-

te Figueiroa. Para a coordenado-ra do GT Racismo, a necessida-de da realização da audiência em Pernambuco ficou evidenciada a partir da audiência pública realizada anteriormente por aquela Comissão parlamentar, no Senado Federal, onde foram apresentados dados demons-trando que os estados da Região Nordeste cresceram, na última década, de forma expressiva nos indicadores de mortalidade por homicídio de jovens.

Participaram os senadores Humberto Costa, Lídice da Mata e José Medeiros; das au-toridades locais, estavam o de-sembargador e coordenador da Infância e Juventude do Tribu-nal de Justiça de Pernambuco, Luiz Carlos de Barros Figuei-redo; defensor público-geral de Pernambuco, Manoel Jerônimo; secretário estadual de Defesa Social, Alessandro Mattos; co-mandante-geral da Polícia Mi-litar de Pernambuco, Antônio Francisco Pereira Neto; e presi-dente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Pernambu-co, João Olímpio Mendonça.

Também estiveram represen-tados organizações não governa-mentais e movimentos sociais, como o Gajop, por Edna Jato-bá; Movimento Negro Unifica-do, por José Bezerra; Juventude de Terreiro, por Anderson Ve-

nâncio; e Mães pela Igualdade, por Eleonora Pereira.

Outras audiências - No dia 13 de julho, o MPPE foi con-vidado para participar de audi-ência da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados sobre a violência contra jovens negros e pobres, realizada na Alepe. O MPPE foi representado pelo 8° promotor de Justiça de Defesa da Cida-dania da Capital, Maxwell Vig-nolli. A CPI da Câmara fez duas recomendações específicas para os Mps Estaduais no relatório conclusivo: criação de promoto-rias especializadas na juventude; e que sejam estabelecidas parce-rias com as diversas instituições do sistema de Justiça e demais organismos da rede para o ofe-recimento de capacitação per-manente e interdisciplinar aos integrantes da rede.

No dia 6 de agosto, a Alepe também promoveu uma audi-ência pública, convocada pelo deputado estadual Bispo Os-sésio Silva, com o objetivo de aprofundar as ações da frente parlamentar de combate ao ex-termínio da juventude negra em Pernambuco e encaminhar pro-postas de políticas de combate ao alto índice de homicídios. O MPPE foi representado pela coordenadora do GT Racismo.

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MP em ação

EditorialOs índices de mortalidade da

juventude negra mostram que o País está cada vez mais perigoso para essa parte da população. E a solução não pode ser apenas pen-sada como questão de segurança pública. Essa situação tem porquês históricos que precisam ser revisi-tados. Há uma cidadania que está sendo reivindicada.

A proposta desta edição de n° 36 é focar nos alarmantes dados sobre a situação que apontam a ju-ventude negra entre 12 anos e 29 anos como a principal vítima da violência no País. São nos Estados do Nordeste onde os jovens negros correm mais risco de exposição à violência, principalmente por se encontrarem em grande propor-ção em situação de vulnerabilidade social. Os dados são do Relatório Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014.

O MPPE realizou uma audiên-cia pública, em maio, para ouvir e encaminhar propostas sobre a situação em Pernambuco, reunin-do o Governo Federal, o Conselho Nacional do Ministério Público, Movimento Negro, Polícias Civil e Militar, Secretarias Estaduais, promotores de Justiça e sociedade civil.

Ainda sobre o tema, o MPPE foi convidado para participar de audiência da Comissão Parlamen-tar de Inquérito do Senado Federal sobre assassinatos de Jovens Ne-gros no País, com o recorte da si-tuação em Pernambuco, realizada na Assembleia Legislativa do Esta-do de Pernambuco, em setembro, a requerimento do senador Hum-berto Costa. A mesa foi presidida pela senadora Lídice de Mata, da Bahia.

GT RACISMO - MPPE

Carlos Augusto Arruda Guerra de HolandaProcurador-geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo Fi-gueiroa (Coordenadora), Helena Capela Gomes (Sub-coordenadora), Janeide Oliveira de Lima, Maria Betânia Silva, Maria Ivana Botelho Vieira da Silva,

Irene Cardoso Sousa, Fernanda Arco-verde C. Nogueira, Roberto Brayner Sampaio, Antônio Fernandes Oliveira Matos Júnior, Marco Aurélio Farias da Silva, Humberto da Silva Graça, André Felipe Barbosa de Menezes, Muirá Belém de Andrade, Juliana Calado, Emmanuel Morim, Izabela Cavalcanti Pereira e Ma-ria Eduarda Souza (estagiária).Projeto gráfico: Leonardo Dourado

Texto e edição: Bruno Bastos, Giselly Veras e Izabela Cavalcanti (jornalistas), Geise Araújo, Igor Souza, Vanessa Falcão e Vinícius Maranhão (estagiários de jor-nalismo).

www.mppe.mp.br - [email protected] - (81)3182.7201 - Rua 1º de Março, 100, 3º andar, Stº Antônio Recife-PE - CEP: 50.010-170

Expediente

MPPE participa de CPI sobre homicídios da juventude negra no Brasil

Coordenadora do GT Racismo representa o MPPE na audiência

Foto: Ascom/Alepe

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Dados apresentados pelo Relatório Índice de Vulnerabili-dade Juvenil à Violência e Desi-gualdade Racial 2014 (ver dica de leitura, página 7) apontam que a juventude negra entre 12 e 29 anos é a principal vítima da violência no País. São nos Estados do Nordeste onde os jovens negros correm mais risco de exposição à violência, prin-cipalmente por se encontrarem em grande proporção em situ-ação de vulnerabilidade social. O levantamento é da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do Ministério da Justi-ça e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ci-ência e a Cultura (Unesco) no Brasil.

De acordo com o Relatório, o Índice de Vulnerabilidade Ju-venil à Violência e Desigualdade Racial (IVJ – Violência e Desi-gualdade Racial) classifica as 27 unidades da federação segundo a vulnerabilidade à violência dos jovens e incorpora na di-mensão violência entre jovens um indicador de desigualdade racial. Esse indicador é expres-so pela razão entre a taxa de mortalidade violenta de jovens negros e a taxa de mortalida-de violenta de jovens brancos (risco relativo). O Estado com o maior valor na escala do IVJ – Violência e Desigualdade Ra-cial é Alagoas (0,608), seguido da Paraíba (0,517), Pernam-buco (0,506) e Ceará (0,502), (ver tabela 1). Como é possível observar na Tabela 2, os quatro Estados apresentam situações de alta vulnerabilidade juvenil à violência em quase todos os componentes do IVJ – Violên-cia e Desigualdade Racial, com destaque para o maior risco de mortalidade por homicídio en-tre jovens negros do que bran-cos.

Na Paraíba, o risco de mor-

te de um jovem negro é 13,40 vezes maior do que o observa-do para um jovem branco, em seguida vem Pernambuco, com 11,57, Alagoas, com 8,75, e Ceará, 4,01. (Tabelas 1 e 2). O Distrito Federal, apesar de apre-sentar um dos menores indica-dores de vulnerabilidade juvenil à violência, possui um risco rela-tivo entre os mais altos (6,527), atrás apenas dos quatro estados nordestinos. O indicador risco relativo incorporado na dimen-são da violência a desigualdade racial mostra que a cor da pele e o risco de exposição à violência estão relacionados.

A prevalência de jovens ne-gros serem mais vítimas de as-sassinatos do que jovens bran-cos é uma tendência nacional: em média, jovens negros têm 2,5 mais chances de morrer do que jovens brancos no País. Abaixo desse índice nacional estão os Estados de Mato Gros-so do Sul (2,4), Rio de Janeiro (2,3), Minas Gerais (2,2), Mato Grosso (2,0), Rondônia (1,8), Tocantins (1,8), Rio Grande do Sul (1,7), São Paulo (1,5), San-ta Catarina (1,4) e Paraná (0,7). O único caso em que o risco de um jovem negro ser assassinado é inferior ao do jovem branco é o Paraná, que, de acordo com o último censo 2010, 70,32% da população se declarou branca.

No indicador de violência letal entre jovens separados pelo componente raça/cor, ve-rificou-se que as taxas de mor-talidade por homicídio entre jovens negros são superiores em todas as regiões, com a maior discrepância verificada na região Nordeste, cuja taxa de homicídios entre jovens negros é de 87% e a de jovens bran-cos, 17,4, ver gráfico. A região Sul destaca-se por apresentar a menor taxa de homicídios en-tre jovens negros, bem como a

menor discrepância entre a taxa de jovens brancos. No entanto, o panorama nacional apresenta uma taxa de homicídios entre jovens negros 155% superior à da taxa de jovens brancos, o que a pesquisa destaca como uma evidência de como a violência tem sido seletiva no País e da necessidade de implementação de políticas públicas focalizadas para este grupo de risco.

Outro índice apresentado no relatório é o IVJ – Violência,

que existe desde 2008 e tam-bém é medido numa escala de 0 a 1. Para esta edição 2014, foram analisados 288 municí-pios com mais de 100 mil ha-bitantes. Os índices mais altos estão, mais uma vez, no Nor-deste onde, entre os 59 locais analisados, mais de 20 têm co-eficientes altos. De acordo com a pesquisa, um conjunto de fa-tores leva a este resultado, como as condições socioeconômicas da população, que encontram-se em territórios com Índice

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Índice de vulnerabilidade juvenil à violência e desigualdade racial 2014

Relatório mostra que jovens negros são mais vulneráveis à violência no BrasilNo Brasil, um jovem negro tem 2,5 maior probabilidade de estar exposto à violência; em Pernambuco,

esse índice é de 11,57, ficando atrás apenas da Paraíba, com 13,40

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de Desenvolvimento Humano mais baixo, bem como evasão escolar, renda per capita extre-mamente baixa. São territórios que, em geral, concentram uma série de indicadores socioeco-nômicos mais baixos do que o da média brasileira.

Se o País quer reduzir a vulnerabilidade juvenil à violência e reduzir a desi-gualdade entre jovens ne-gros e brancos, faz-se mais do que urgente a adoção de estratégias integradas de prevenção e redução de homicídios e outros cri-mes letais. Os homicídios mostram-se como a gran-de tragédia da população jovem negra hoje no Bra-sil. O Índice de Vulnerabi-lidade Juvenil à Violência (IVJ – Violência) e Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualda-de Racial (IVJ – Violência e Desigualdade Racial) evidenciam que, de modo geral, os municípios com mais de 100 mil habitan-tes e/ou as unidades da federação que apresentam situações mais graves de exposição juvenil à violên-cia são aqueles com altos indicadores de violência letal. Porém, mesmo nos casos classificados como de baixa vulnerabilidade, parece haver uma sobrer-representação de negros, reforçando a desigualda-de racial e a necessidade de políticas de prevenção mais focalizadas nesse gru-po de risco.

Adoção de estratégias integradas

Jogando luz na invisibilidade

Quando analisa-se o movimento da violência letal, as taxas de encarce-ramento e, ainda jogando luz à desigualdade racial, percebe-se um enorme abismo que ainda separa os jovens negros do ple-no exercício de direitos e de cidadania. Os jovens negros acompanham a tendência de melhoria das condições sociais, mas ain-da ocupam papel secun-dária no rol das políticas públicas de prevenção e redução da violência. (Re-latório, página 41, ver dica de leitura na página 7 do Jornal)

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MPPE buscou ouvir sociedade em audiência pública e debater situação de PE

Em PE, o risco de morte de um jovem negro é 11,5 vezes maior do que o observado para um jovem branco

A audiência debateu sobre as barreiras de acesso à Justiça e o alto índice da mortalidade da juventude negra

Os índices de mortalidade da juventude negra mostram que o País está cada vez mais perigoso para essa parte da população. E a solução não pode ser apenas pen-sada como questão de segurança pública. Essa situação tem porquês históricos que precisam ser revisi-tados. Há uma cidadania que está sendo reivindicada.

Para ouvir e encaminhar pro-postas sobre as barreiras de acesso à Justiça, bem como trazer para a discussão o alto índice da morta-lidade da juventude negra, o Mi-nistério Público de Pernambuco (MPPE) realizou no dia 6 de maio, audiência pública, no auditório do Ministério Público Federal em Pernambuco. Cerca de 25 pessoas se pronunciaram durante o even-to, que contou com a participação de promotores de Justiça da área criminal, saúde, infância e juven-tude, GT Racismo do MPPE, e as Centrais de Inquéritos do MPPE, além da presidência da audiência pelo 8º promotor de Justiça de Defesa da Cidadania com atuação em Direitos Humanos, Maxwell Vignoli. A realização da audiência teve a parceira dos GTs do MPPE e das Polícias Militar e Civil, e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Para o presidente da audiência, promotor de Justiça Maxwell Vig-noli, as demandas trazidas ultra-passaram a esfera de atribuição de direitos humanos. “Alguns assun-

tos trazidos aprimoraram a minha atuação nos dois procedimentos instaurados por ação da polícia em duas comunidades recifenses; ou-tros foram encaminhados para as Promotorias de Justiça de Educa-ção e Saúde”, explicou. As deman-das perpassaram por áreas como segurança pública, saúde, racismo institucional, efetiva implantação das Leis Federais 10.639/2003 e 11.645/2008 (ensino obrigatório das matérias de cultura e história africanas, afro-brasileiras e indíge-nas), ações articuladas para tratar o assunto, e direitos fundamentais negados, entre outras. Maxwell Vignoli solicitou às Promotorias de Justiça de Educação e Saúde a possibilidade de uma atuação em conjunto devido à abrangência do tema.

As instituições presentes re-conheceram a importância de se reunirem para debater o assunto e escutar a sociedade civil. A co-ordenadora do GT Racismo da PMPE, capitã Lúcia Helena Sal-gueiro, convocou todos a refleti-rem sobre os papéis que exercemos na sociedade em relação ao tema. Já o advogado do Centro de Es-tudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Daniel Teixeira, ressaltou que o desafio está além da questão legal e que é preciso identificar as soluções pos-síveis. Por sua vez, a coordenadora do GT Racismo do MPPE, Maria Bernadete Figueiroa, incentivou um esforço conjunto de imediato para que a situação não se amplie.

Na ocasião, o coordenador do Fórum da Juventude Negra de Per-

nambuco, Arlison Teixeira, pon-tuou que o foco está sendo dado aos autos de resistência. “Foram solicitados à Secretaria de Defesa Social (SDS) os números de autos de resistência há dois meses e até o momento não tivemos resposta”, relatou. O assunto foi reforçado pelo conselheiro do Conselho Na-cional do Ministério Público e pre-sidente da Comissão de Direitos Fundamentais (na época), Jarbas Soares, que identifica nos autos de resistência uma maneira grotes-ca de se tratar as questões sociais. “Vários dos homicídios cometidos pela polícia são registrados com a justificativa de tentativa de resis-tência do suspeito”, destacou.

O medo. Esse foi o motivo le-vantado pelo procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Luciano

Genocídio da juventude negra

Foto: Marcos César

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Maia, ao buscar olhar para a situ-ação do confronto. Antes de um atirar o outro já faz, como defesa, mas aprisionado no medo, como reflexo. “Quem vai às comunida-des mais carentes do subúrbio se nós temos medo? A Polícia. Deve-mos nos esforçar para separarmos o que são causas sociais, das conse-quências sociais e das característi-cas de grupos humanos”. E ainda, frisou que hoje há uma noção de que direitos humanos são para pessoas direitas e, para as que não são, seria possível justificar a eli-minação. “Porque bandido bom é bandido morto”, ironizou.

Um olhar sistêmico se faz ne-cessário. E essa criança que se tor-nou um bandido, como nasceu, viveu, estudou, trabalhou, quem é ela, é filha de quem? Houve au-sência do Estado, estava à margem da sociedade sem chance e negada nos seus direitos fundamentais? Mas, se a intitular de bandido, drogado, traficante, torna mais impessoal, fácil e justificável a sua exterminação, em contrapartida, a situação da população à margem continuará a produzir mais pessoas vulneráveis e em situação de risco.

Para a representante do gover-no federal, Ângela Magalhães, da Secretaria Nacional da Juventude Negra, deve-se reconhecer que a forma que se conhece e se aplica até hoje de o Estado lidar com a violência nas comunidades pobres faliu, não serve como solução que preserve a vida. Os dados apontam que o Brasil está cada vez mais pe-rigoso para ser um jovem negro. “Devemos eivar esforços para pre-serva a vida. No mapa da violência existem 142 cidades brasileiras em que os índices são alarmantes; o governo está buscando priorizá-las no projeto Juventude Viva”.

Durante a audiência, o pro-curador-geral de Justiça, Carlos Guerra, parafraseou Nelson Man-dela, ex-presidente da África do Sul, ao falar que o negro não quer ser tratado melhor que o branco, mas apenas igual. E isso é uma meta possível. Já a advogada do Movimento Negro, Ana Paula Maravalho, contextualizou o ter-mo genocídio, que foi cunhado pelas Nações Unidas em 1948, e ressaltou que a história do Bra-sil mostra que o negro não ficou inerte diante do seu sofrimento,

inicialmente com a escravidão, e que não ficará também diante des-ta situação.

O público participante abran-geu o Movimento Negro de Pernambuco, as Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, professores universitários, Movi-mento de Direitos Humanos, Go-verno Federal, Conselho Nacional do Ministério Público, ciganos, quilombolas, universitários e pós-graduandos, terreiros, membros e servidores do MPPE, e pessoas interessadas.

Desdobramentos - O 8º pro-

motor de Justiça de Defesa da Ci-dadania com atuação em Direitos Humanos, Maxwell Vignoli, agen-dou para o mês de novembro três reuniões de desdobramentos das ações propostas na audiência pú-blica. A primeira será com o Mo-vimento Negro Social, a segunda reunião será com o setor governa-mental, e a terceira com os pro-motores de Justiça participantes da audiência, para o alinhamento das ações institucionais. Após essas três reuniões, uma outra será mar-cada para reunir o MPPE, o setor governamental e o Movimento Negro Social.

8° promotor de Justiça de Cidadania da Capital, Maxwell Vignoli Procurador-geral de Justiça, Carlos Guerra de Holanda

Bernadete: precisamos unir forças para, pelo menos, frear a situação

Para Ângela, as soluções do Estado hoje não preservam a vida Jarbas: Autos de resistência é uma maneira grotesca de tratar a questão racial

Fotos: Marcos César

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Dica de leitura

O relatório de Vulnerabilidade Juvenil à Violência da Unesco tem por objetivo gerar insumos e indicadores para a formulação e imple-mentação de políticas públicas que levem em consideração a incor-poração de estratégias de prevenção e enfrentamento das altas taxas de violência observadas no País contra adolescentes e jovens entre 12 e 29 anos de idade, em especial os jovens negros.

Um índice considera quatro dimensões: violência entre os jovens; frequência à escola e situação de emprego; pobreza do município; e escolaridade. O outro indicador constitui um índice de vulnerabili-dade juvenil à violência que, em seu cálculo, considera o risco relativo de jovens negros e brancos serem vítimas de assassinatos.

Relatório do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial 2014 - Unesco

http://unesdoc.unesco.org/ima-ges/0023/002329/232972POR.pdf

Coordenadora do GT Racismo do PMPE, capitã Lúcia Helena Daniel: O desafio está além da questão legal

EncaminhamentosO 8º promotor de Justiça de Defesa da Cidadania com atuação em Direitos Huma-nos, Maxwell Vignoli, em reunião com o GT Racismo, deliberou os pontos específi-cos para serem abordados na continuidade da intervenção do inquérito civil e da audi-ência:

1. Controle externo das ati-vidades policiais no que se refere à prática de autos de re-sistência nas abordagens à ju-ventude negra nas comunida-des e a presunção de culpa na atuação de alguns integrantes da Polícia e do sistema de Jus-

tiça em relação à juventude negra.

2. Fiscalização da implan-tação efetiva da presença do Estado nas comunidades atra-vés das unidades de educação, saúde e assistência social e in-teração destas unidades com os policiais.

3. Recomendar a adesão e im-plantação do Plano Nacional contra a Mortalidade da Ju-ventude Negra – Plano Juven-tude Viva.

4. Recomendar o atendimen-to de saúde e socioassistencial das famílias vítimas do exter-

mínio da juventude negra.

5. Intensificação das fiscali-zações sobre ações para en-frentar a prática de racismo institucional das unidades de saúde e assistência social, for-mação dos profissionais para respeitarem os usuários.

6. Intensificar a fiscalização do grau de implementação no Estado e Município da Lei 10.639/2003, que torna obri-gatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasi-leira.

7. Fiscalizar a efetivação do atendimento socioeducativo

para os adolescentes negros em conflito com a lei e aten-dimento preventivo-proteti-vo;

8. Fiscalizar o atendimento à saúde das mulheres negras para coibir a violência obsté-trica, a esterilização contínua e as doenças que acometem a população negra.

9. Recomendar atuação arti-culada governamental com as lideranças comunitárias e do movimento negro para solu-ção das demandas. Verificação dos Conselhos e a atuação deles.

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