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S e a temporada final de Lost decepcionou a muitos pelo misticismo exacerbado , e encantou a tantos outros ao utilizar toda uma mistura de mitologias para criar seu próprio universo mítico, a aclamada série não pode ser considerada pioneira neste aspecto. Muitos antes, a HBO apostou em um enredo que contava a história de desajusta- dos, unidos em torno de um parque itinerante, em pleno auge da Grande Depressão. A série utilizava o drama humano e a falta de esperança típicas da época para falar da corrupção humana, enveredando-se no ocultismo. O que prometia de início ser apenas um drama humano, intercalando a história dos “outsiders” pertencentes ao car - nivale e a narração dos sofrimentos de um pregador sincero, que decide abandonar a igreja e seguir pelo país pregando o cristianismo, torna-se com o tempo uma batalha arquetípica do bem contra o mal. In Memorian Mariana Guarilha Uma reflexão sobre a fé e o desalento do homem

Em Série - Piloto 2

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Materia - Carnivale

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Se a temporada final de Lost decepcionou a muitos pelo misticismo exacerbado , e encantou a tantos outros ao utilizar toda uma mistura de mitologias para criar

seu próprio universo mítico, a aclamada série não pode ser considerada pioneira neste aspecto. Muitos antes, a HBO apostou em um enredo que contava a história de desajusta-dos, unidos em torno de um parque itinerante, em pleno auge da Grande Depressão. A série utilizava o drama humano e a falta de esperança típicas da época para falar da corrupção humana, enveredando-se no ocultismo.

O que prometia de início ser apenas um drama humano, intercalando a história dos “outsiders” pertencentes ao car-nivale e a narração dos sofrimentos de um pregador sincero, que decide abandonar a igreja e seguir pelo país pregando o cristianismo, torna-se com o tempo uma batalha arquetípica do bem contra o mal.

In Memorian

Mariana Guarilha

Uma reflexão sobre a fé e o desalento do homem

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E se engana quem pensa que o roteiro apostou na op-ção segura de seguir com o discurso de redenção pelo sofrimento do Cristianismo. Em suas duas temporadas, a série não se cansa de apontar as incrongruências da doutrina cristã, colocando- a lado a lado com sombrias explicações das ciências ocultas. Há momentos em que o enredo torna-se aterrorizante, não só pelo envolvimento do sobrenatural,mas o próprio cenário, e seus persona-gens todos atormentados pelas suas dores e suas frustra-ções favorecem o clima dantesco.

Foi veiculada pela primeira vez em 2003, e suas duas temporadas totalizam 24 episódios. Além das referên-cias ao ocultismo, as críticas a religião dominante, e o clima desolador, a série ainda teve a ousadia de nunca se entregar ao maniqueísmo. Em toda a primeira temporada, acompanhamos a trupe e o pregador ,sem a certeza de quais são seus papéis na guerra do bem contra o mal. Tanto o entretenimento quanto a religião pareciam tornar suportáveis a aridez daquelas terras e a incerteza daqueles tempos, possuindo um papel parecido. O homem da fé , tanto quanto os proscritos do espetáculo itinerante estavam aparecem perdidos, e sedentos pela ajuda do sobrenatural.

A GrAnde LutA do Bem contrA o mAL

Ao contrário das filosofias e religiões orientais que colocam o bem e o mal em contato relacionando-os ao equilíbrio, nossa sociedade cristã ocidental herdou a concepção aristotélica de que o bem e o mal estão em constante conflito. É este conflito a força que move a história em Carnivale. Se tal concepção dualista tenderia a criar personagens unilaterais , um dos grandes méritos de Carnivale está em exatamente não permitir que isso aconteça.

Bem Hawkins – que conhecemos provavelmente no pior momento de sua vida , acaba de enterrar a mãe, ao mesmo tempo que perde sua casa, demolida. É 1934, e as conseqüências da crise de 1929 se fazem sentir com toda a intensidade. Os desesperançados habitantes daquela região ainda enfrentam tempestades de areia,

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Coadjuvantes?

Samson ( Michael J. Anderson) – O anão que é o único a ter contato com o misterioso propri-etário do Carnivale, parece compreender melhor os mistérios que rondam a trupe.

Clayton Jones ( Tim Dekay) Conseguiu jogar baseball profissionalmente por um tempo, mas uma contusão o coloca fora das competições. Junta-se a trupe como ajudante, e vai se trans-formando a medida que acultura-se entre os “outsiders”.

Ruthie ( Adrienne Barbeau) A encantadora de Serpentes já está a um longo tempo no Carnivale. Apesar de ser uma das mais velhas naquele meio, é sedutora e misteriosa.

Sophie ( Clea DuVall) Trabalha como carto-mante , porém o verdadeiro poder que possui é se comunicar telepaticamente com a mãe que permanece catatônica a vários anos. Sua mãe é quem possui o dom de ver o futuro nas cartas, e desde antes de seu nascimento vive com os itinerantes. Parece extremamente desajustada naquele meio, porém não conhece um outro mundo.

Rita Sue Dreifuss (Cynthia Ettinger) – Vaidosa e temperamental , é responsável pelo show burle-sco que protagoniza com suas filhas. Seu próprio marido, devido as condições precárias em que vivem a agencia, estimulando-a a se prostituir.

Iris Crowe ( Amy Madigan) – Irmã do reverendo Justin , tem um amor quase incestuoso por ele. Sempre viveu pelo irmão, amparando-o em seus projetos.

fenômeno conhecido como Dust Bowl. Cenários e figurinos puídos e cheios de poeira evidenciam o quão sobreviventes são aquelas pessoas que atravessam o cenário desértico. Uma corrente nos pés de Hawkins nos comunica que ele tem problemas com a justiça, mas os itinerantes o acolhem normalmente como aju-dante, afinal em tempos de crise, não é incomum que as pessoas desenvolvam uma ética alternativa. É pelos olhos de Hawkins que conhecemos o dia a dia do carnivale, e somos apresentados a todos os “freaks”. A série abusa do sensorial, muitas vezes apostando na intuição do expectador, sabemos que há algo estra-nho com o recém chegado, mas não sabemos qual a natureza desse mal.

O outro protagonista , Justin Crown é um metodista fervoroso, que passa a ter sonhos e visões que ele considera proféticos. Ele também passa por um mo-mento complicado no início da trama. Por mais que ele tente ser um bom cristão, parece que qualquer das suas ações produz destruição e morte. Acompanham-os essa crise de fé, até que transformado ele conduz um grupo de desempregados, que foge pelas terras áridas , fugindo dos tempos de crise e das tempest-ades de areia. A Partir desse momento, torna-se claro que as duas tramas se encontrarão.

o divino e o HumAno

No Cristianismo há a idéia de um deus perfeito, que mesmo em sua encarnação humana como o Cristo, não sucumbe as fraquezas humanas. Porém, no próprio velho testamento percebemos o quanto a divindade cristã rende-se a crueldades e incoerências conforme seus humores e seus afetos, característica definitivamente humana.

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Libby Dreifuss (Carla Gallo) - Filha mais nova de Rita Sue e Felix, tem uma personalidade completamente oposta a da mãe. Tenta ter uma vida “normal” , apesar de viver com os itinerantes.

Felix “Stumpy” Dreifuss ( Toby Huss ) - Person-agem que mais me incomodou durante toda a série. Vende os favores sexuais de sua mulher para os próprios amigos e em um episódio emocionante deixa que sua filha mais velha seja o preço da fuga de sua trupe de uma cidade atormentada por fantasmas.

Lila (Debra Christofferson) - A mulher barbada vive um romance com o misterioso mentalista Lodz.

Em Carnivale, o divino relaciona-se com o humano através de Avatares – na chamada “Era da Magia” cada geração produzia um avatar da luz e um avatar das trevas. O Avatar é um conceito Hindu , seria a expressão divina em um ser material. Porém, na mi-tologia da série, apesar dos avatares terem o poder de expressar o divino, mantém sua personalidade e livre arbítrio, não apresentando-se como mera mari-onete de forças maiores.

Descobre-se que um avatar das trevas pode negar-se a cumprir seu papel na guerra do bem quanto o mal, tanto quanto pode entregar-se a entidade sombria que nele está. Não há um destino , só uma predis-posição para a luz ou para as trevas.

o que o cAnceLAmento premAturo não permitiu expLicAr

Havia uma mulher antidiluviana onde a entidade da luz e a entendidade das trevas coabitavam em equilíbrio. Pouca informação resta sobre ela desde a destruição da biblioteca de Alexandria, mas ela é chamada o Alpha. Dela decendem os primeiros profetas, crianças gêmeas , cada uma um avatar – a luz e as trevas começam o conflito que move a “Era da Magia”, iniciada pelo fim do equilíbrio que havia em Alpha. Todos que tem um laço de sangue com os profetas/avatares são chamados de vetores – os vetores podem desenvolver alguns poderes menores. Outra curiosidade sobre a linhagem de cada uma das casas é que aquela que dá origem ao próximo avatar tem a sanidade comprometida. Um avatar das trevas pode gerar um avatar da luz e vice e versa. O sangue azul , símbolo da deidade que habita nos profetas é conquistado apenas após a morte de seu antecessor em uma espécie de ritual. A “Era da Magia” teria seu fim quando surgisse o Omega, um vetor de linhagem avatárica que uniria novamente em si a Luz e as Tre-vas – dando início da “Era da Razão” .

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