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Fls. 1 Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001. Signatário: IVANIRA FEITOSA BORGES:1010352 Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112 Pág. 1 de 8 PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA Tribunal de Justiça Câmaras Criminais Reunidas Data de distribuição : 10/11/2011 Data de julgamento : 16/03/2012 0011885-42.2011.8.22.0000 Embargos Infringentes e de Nulidade Origem : 00045847220108220002 Tribunal de Justiça de Rondônia Embargante : Claudimar Saldanha Lima Advogado : Denis Augusto Monteiro Lopes (OAB/RO 2.433) Advogado : Dênio Franco Silva (OAB/RO 4.212) Embargado : Ministério Público do Estado de Rondônia Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges Revisora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno EMENTA Embargos infringentes e de nulidade. Porte irregular de munição de uso permitido. Ausência de ofensividade ou potencial perigo de dano ao bem jurídico tutelado a incolumidade pública. Absolvição. Procedência. Uso de documento falso. Autodefesa. Falsificação grosseira. Atipicidade. Não ocorrência. Absolvição. Impossibilidade. O porte ilegal de munição de uso permitido desacompanhado de arma de fogo não representa risco concreto à incolumidade pública, apresentando uma insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, razão pela qual enseja a absolvição por atipicidade da conduta. A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido da Justiça não descaracteriza o delito de uso de documento falso. A falsificação que não pode ser percebida de plano pelo homem médio não poderá ser considerada como grosseira.

Embargos infringentes ii

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Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.Signatário: IVANIRA FEITOSA BORGES:1010352

Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIATribunal de Justiça

Câmaras Criminais Reunidas

Data de distribuição : 10/11/2011Data de julgamento : 16/03/2012

0011885-42.2011.8.22.0000 Embargos Infringentes e de NulidadeOrigem : 00045847220108220002 Tribunal de Justiça de RondôniaEmbargante : Claudimar Saldanha LimaAdvogado : Denis Augusto Monteiro Lopes (OAB/RO 2.433)Advogado : Dênio Franco Silva (OAB/RO 4.212)Embargado : Ministério Público do Estado de RondôniaRelatora : Desembargadora Ivanira Feitosa BorgesRevisora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno

EMENTA

Embargos infringentes e de nulidade. Porte irregular de munição de uso permitido. Ausência de ofensividade ou potencial perigo de dano ao bem jurídico tutelado a incolumidade pública. Absolvição. Procedência. Uso de documento falso. Autodefesa. Falsificação grosseira. Atipicidade. Não ocorrência. Absolvição. Impossibilidade.

O porte ilegal de munição de uso permitido desacompanhado de

arma de fogo não representa risco concreto à incolumidade pública, apresentando

uma insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal,

razão pela qual enseja a absolvição por atipicidade da conduta.

A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido da Justiça não descaracteriza o delito de uso de documento falso.

A falsificação que não pode ser percebida de plano pelo homem médio não poderá ser considerada como grosseira.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, em, POR MAIORIA, JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTES EMBARGOS, VENCIDO O DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA QUE DEU TOTAL PROVIMENTO.

Os Desembargadores Marialva Henriques Daldegan Bueno e Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes e os Juízes Francisco Borges Ferreira Neto e Sandra A. Silvestre de Frias Torres acompanharam o voto da Relatora.

Porto Velho, 16 de março de 2012.

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGESRELATORA

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIATribunal de Justiça

Câmaras Criminais Reunidas

Data de distribuição : 10/11/2011Data de julgamento : 16/03/2012

0011885-42.2011.8.22.0000 Embargos Infringentes e de NulidadeOrigem : 00045847220108220002 Tribunal de Justiça de RondôniaEmbargante : Claudimar Saldanha LimaAdvogado : Denis Augusto Monteiro Lopes (OAB/RO 2.433)Advogado : Dênio Franco Silva (OAB/RO 4.212)Embargado : Ministério Público do Estado de RondôniaRelatora : Desembargadora Ivanira Feitosa BorgesRevisora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno

RELATÓRIO

Claudimar Saldanha Lima interpõe embargos infringentes contra o acórdão de fls. 167/173, proferido pela 2ª Câmara Criminal que, por maioria, deu provimento à apelação em epígrafe, condenando o embargante em 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, por infração ao art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de munição) e 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, por infringência ao art. 304 do Código Penal (uso de documento falso), ambas a serem cumpridas no regime aberto, sendo substituídas por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo.

Nas razões, a defesa requer o provimento do recurso nos termos do voto vencido na apelação, a fim de absolver o embargante de ambos os crimes, em razão da atipicidade das condutas praticadas (fls. 176/187).

A Procuradoria-Geral de Justiça, em suas contrarrazões, manifestou-se pelo não provimento dos embargos (fls. 190/195).

É o relatório.

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VOTO

DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES

O recurso é próprio e tempestivo, portanto dele conheço.

Conforme mencionado, o embargante foi processado e condenado, pela prática dos crimes de porte ilegal de munição e uso de documento falso.

Segundo consta na denúncia, no dia 01/05/2010, por volta de 20h00min., na Comarca de Ariquemes/RO, o embargante Claudimar Saldanha Lima mantinha sob sua guarda e oculto dentro do veículo VW Cross Fox, cor preta, de placas NDF-7609, uma munição de calibre 38, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, que estava acondicionada dentro de uma bolsa preta.

Consta, ainda, que após ser preso pelos policiais o embargante fez uso de uma carteira de habilitação (CNH) falsa, em nome de Vilson Teixeira da Silva.

Encerrada a instrução, o embargante foi absolvido de ambos os crimes.

Irresignado, o Parquet interpôs recurso de apelação, pleiteando a condenação do embargante pela prática de porte ilegal de munição e uso de documento falso.

Em sede de apelação, foi dado provimento ao recurso ministerial,

por maioria, resultando vencido o Desembargador Valter de Oliveira, que votou pela manutenção da sentença absolutória de 1º grau.

Em razão disso, foram interpostos os presentes embargos infringentes e de nulidade.

Pois bem.

Quanto ao delito de porte ilegal de munição de uso permitido, verifico que não há qualquer dúvida quanto à materialidade e a autoria delitiva, sendo certo que a divergência reside exclusivamente na tipicidade material da conduta praticada.

Segundo dispõe o ordenamento jurídico vigente o porte de munição e assemelhados são de perigo abstrato, não necessitando, pois, da demonstração de que efetivamente alguém foi exposto a perigo de dano, que é presumido pela lei de forma absoluta, ou seja, prescindem da comprovação da ocorrência de perigo concreto, bastando que o indivíduo possua essa munição o, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

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Entretanto, no caso do delito em tela, entendo que o porte ilegal de munição de uso permitido não se configurou em toda sua amplitude, em face da ausência de potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido.

A Lei n. 10.826/2003 tem como bem jurídico tutelado a incolumidade pública, ou seja, a segurança da coletividade.

Sob esse aspecto, o que importa para a caracterização do delito é saber se o porte de munição exercida pelo agente representa uma ameaça ou uma verdadeira lesão ao estado de segurança que a norma procurou proporcionar à sociedade.

In casu, não se denota na conduta do apelante nenhum tipo de ofensividade ou potencial perigo de dano a esse bem jurídico, especialmente quando a munição apreendida não representa risco concreto pela falta de artefato necessário para produzir o resultado.

A conduta passível de punição importa em lesão ou ameaça de lesão à incolumidade pública, pois, do contrário, esvazia-se de razão e proteção penal.

Nesse sentido é a jurisprudência:

Porte irregular de munição. Acessório. Previsão legal. Bem jurídico sob tutela. Lesividade potencial.

Se a apreensão de munição não é acompanhada do artefato, arma de fogo, que lhe garanta a finalidade não constitui elemento do tipo (Embargos infringentes e de nulidade n. 00035148920118220000, Rel. Des. Daniel Ribeiro Lagos, Câmaras Criminais Reunidas, J. 15/07/2011).

Portanto, estando os elementos dos autos a demonstrar que o apelante não praticou o crime com ofensividade ou potencial perigo de dano ao bem jurídico tutelado, ou seja, a segurança da coletividade, entendo que a absolvição é medida que se impõe.

No tocante ao crime de uso de documento falso, o embargante alega que o fato é atípico, por ser a falsificação grosseira, bem como pelo fato de ter agido em autodefesa, visto que foragido da Justiça.

O uso de documento falso caracteriza-se por ser um crime formal que não exige resultado naturalístico para a consumação, pois efetiva-se com o ato de exibição, independentemente da obtenção de proveito ou produção de dano no local onde é utilizado.

No mais, insta salientar que a utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido da justiça não descaracteriza o delito de uso de documento falso, conforme entendimento já pacificado no Supremo Tribunal Federal:

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HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. AGENTE QUE SE UTILIZA DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR SUA CONDIÇÃO DE FORAGIDO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DESCRITO NO ART. 304 DO CP. ORDEM DENEGADA. 1. A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido do agente não descaracteriza o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP). 2. Não se confunde o uso de documento falso com o crime de falsa identidade (art. 307 do CP), posto que neste não há apresentação de qualquer documento, mas tão-só a alegação falsa quanto à identidade. 3. O princípio da autodefesa tem sido aplicado nos casos de crime de falsa identidade, em que o indiciado identifica-se como outra pessoa perante a autoridade policial para ocultar sua condição de condenado ou foragido. 4. Writ denegado.

In casu, ao utilizar o documento falso, a conduta do embargante extrapolou aquela de quem pretende apenas se defender e passa à de quem realmente usou de má-fé, criminosamente, de forma a se beneficiar.

Doutro norte, verifico que a falsificação da carteira de habilitação apresentada pelo embargante somente foi constatada posteriormente, já na Delegacia, pelo serviço de inteligência da Polícia Militar (fl. 16), não podendo, assim, ser compreendida como falsificação grosseira.

Vejamos a jurisprudência acerca do tema:

Não pode ser considerada como falsificação grosseira, a ponto de descaracterizar o crime previsto no art. 304, o documento capaz de enganar o homem comum, não considerado como tanto o policial que, diante de conhecimentos específicos , é treinado para detectar falsificações (TJSP – RT 762/592).

Note-se, portanto, que a falsificação que não pode ser percebida de plano pelo homem médio não poderá ser considerada como grosseira.

Destarte, mantenho a condenação pelo crime de uso de documento

falso.

Ante o exposto, dou provimento parcial aos embargos infringentes, para reformar o acórdão e absolver o embargante Claudimar Saldanha Lima tão somente quanto à imputação do art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de munição de uso permitido), com base no art. 386, inc. III, do CPP, mantendo a condenação quanto ao crime previsto no art. 304 do CP (uso de documento falso), à pena de 02 anos de reclusão, em regime aberto e 10 dias-multa, com a unidade fixada no mínimo legal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviço à comunidade, por período igual à condenação (art. 55 do CP) e em prestação pecuniária no valor de um salário mínimo.

É como voto.

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DESEMBARGADORA MARIALVA HENRIQUES D. BUENO

Acompanho o voto da e. relatora, ressalvando, porém, quanto à atipicidade material do crime de posse de munição, registro que a (in) ofensividade mínima não pode ser avaliada como critério objetivo, ou seja, não se trata avaliar exclusivamente a quantidade de munição apreendida.

É possível, por exemplo, que o porte ou posse, isoladamente, de munições constitua o crime previsto no art. 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03, conforme a natureza, desde que o acessório ou munição de uso permitido, proibido ou restrito represente, isoladamente, um risco social, como p. ex., o porte ou posse de granadas, bananas de dinamite, minas explosivas, ou mesmo a simples posse ou porte de projeteis, ainda que apreendidos fora do armamento, ou que estejam no pente de uma pistola que eventualmente não esteja acoplado na mesma, permitindo, entretanto, a pronta ou rápida utilização.

É possível também que, diante das circunstâncias fáticas, a única munição possa fazer presumir a periculosidade do agente, como p. ex., a prisão do infrator e, locais criminógenos, onde notoriamente se praticam compra e venda de armas e munições, o tráfico de drogas, a receptação de produtos de origem criminosa, etc.

Não se está ignorando o estabelecido nos artigos 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03 pelo fato de se exercer juízo de tipicidade material em razão da ofensividade concreta da conduta formalmente típica. Ao contrário, estar-se-á avaliando, em de cada caso concreto, se a conduta praticada afetou ou não o bem jurídico tutelado pelo direito de última razão legal e fragmentário.

No caso em análise, reanalisando o feito não há efetivamente qualquer circunstância fática que permita identificar o potencial uso da munição aprendida, tampouco circunstâncias do fato indicam a periculosidade do recorrente.

Nesse sentido, já decidi:

Apelação criminal. Porte ilegal de munição. Atipicidade material. Ofensividade mínima ao bem jurídico penalmente tutelado. Absolvição. Recurso provido.

1. A apreensão com o réu, em via pública, de um único cartucho cal. 16, sem a pronta possibilidade de utilização e a míngua de outros elementos que demonstrem o concreto risco à sociedade, retira a tipicidade material da conduta.

2. Recurso provido. (TJ/RO AC - 0009036-83.2010.8.22.0501, SUA RELATORIA, J. 29.02.2012).

JUIZ FRANCISCO BORGES FERREIRA NETO Acompanho integralmente o voto da eminente Relatora.

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DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA Peço vênia à Relatora, mas mantenho minha posição por ocasião do

voto na 2ª câmara.

JUÍZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRESAcompanho integralmente o voto da Relatora.

DESEMBARGADOR CÁSSIO RODOLFO SBARZI GUEDES

Peço vênia ao Desembargador Valter, mas vou acompanhar o voto da Desembargadora Ivanira e registrar que entendo possível, sim, desde que em benefício do réu, adotar o ponto de vista mantido pela Desembargadora Ivanira que seria um meio termo entre os votos divergentes.

Acompanho a Relatora.