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    EEEmmmmmmaaa

    Jane Austen

    Rica e esnobe, Emma Woodhouse tenta arranjar casamento para Harriet Smith,

    jovem pobre e de pais desconhecidos.Ao mesmo tempo, lana suspeitas sobre a reputao de Jane Fairfax.

    Quando suas conspiraes ameaam fugir do controle,seu vizinho e amigo, o senhor Knightly, intervm.

    Disponibilizao: Toca da Coruja

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    PRIMEIRO CAPTULO

    Emma WOODHOUSE, bela, inteligente e rica, com uma famlia acomodada e um bomcarter, parecia reunir em sua pessoa os melhores dons da existncia; e tinha vivido perto de vintee um anos sem que quase nada a afligisse ou a zangasse.

    Era a menor das duas filhas de um pai muito carinhoso e indulgente e, como conseqnciadas bodas de sua irm, desde muito jovem tinha tido que fazer de ama de casa. Fazia j muitotempo que sua me tinha morrido para que ela conservasse algo mais que uma confusa lembranade suas carcias, e tinha ocupado seu lugar uma institutriz, mulher de grande corao, que se tinhafeito querer quase como uma me.

    A senhorita Taylor tinha estado dezesseis anos com a famlia do senhor Woodhouse, maiscomo amiga que como institutriz, e muito afeioada com as duas filhas, mas sobre tudo com aEmma. A intimidade que havia entre elas era mais de irms que de outra coisa. At antes de que asenhorita Taylor cessasse em suas funes nominais de institutriz, a brandura de seu carter

    poucas vezes lhe permitia impor uma proibio; e ento, que fazia j tempo que tinhadesaparecido a sombra de sua autoridade, tinham seguido vivendo juntas como amigas, muitounidas a uma outra, e Emma fazendo sempre o que queria; tendo em grande estima o critrio dasenhorita Taylor, mas regendo-se fundamentalmente pelo seu prprio.

    O certo era que os verdadeiros perigos da situao da Emma eram, de uma parte, que emtudo podia fazer sua vontade, e de outra, que era propensa a ter uma idia muito boa de simesmo; estas eram as desvantagens que ameaavam mesclar-se com suas muitas qualidades.Entretanto, no momento o perigo era to imperceptvel que em modo algum podiam considerar-secomo inconvenientes deles.

    Chegou a contrariedade -uma pequena contrariedade-, sem que isso a turvasseabsolutamente de um modo muito visvel: a senhorita Taylor se casou. Perder senhorita Taylorfoi o primeira de suas insipidezes. E foi o dia das bodas de sua querida amiga quandoEmma comeou a alimentar sombrios pensamentos de certa importncia. Terminada as bodase quando j se foram os convidados, seu pai e ela se sentaram para jantar, sozinhos, semum terceiro que alegrasse a larga velada. depois do jantar, seu pai se disps a dormir, como decostume, e a Emma no ficou mais que ficar a pensar no que havia perdido.

    As bodas parecia prometer toda sorte de sortes a seu amiga. O senhor Weston era

    um homem de reputao irrepreensvel, posio desafogada, idade conveniente eagradveis maneiras; e havia um pouco de satisfao no pensar com que desinteresse, com quegenerosa amizade ela havia sempre desejado e animado esta unio. Mas a manh seguintefoi triste. A ausncia da senhorita Taylor ia sentir se a todas as horas e em todos os dias.

    Recordava o carinho que lhe tinha professado -o carinho, o afeto de dezesseis anos-,como tinha-a educado e como tinha jogado com ela desde que tinha cinco anos... como no tinharegulado esforos para atrair-lhe e distrai-la quando estava s, e como a tinha cuidado quandotinham chegado as diversas enfermidades da infncia. Tinha com ela uma grande dvida degratido; mas o perodo dos ltimos sete anos, a igualdade de condies e a total intimidade que

    tinham seguido bodas da Isabella, quando ambas ficaram sozinhas com seu pai, tinhalembranas ainda mais queridas, mais ntimos. Havia sido uma amiga e uma companheira comoou a e i te i teli e te i t uda e i al afetuo a o he e do tudo o o tu e da fa lia

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    iluses e por todos seus projetos; algum a quem podia revelar seus pensamentos logo quenasciam em sua mente, e que lhe professava tal afeto que nunca podia decepcion-la.

    Como ia suportar aquela mudana? Claro que seu amiga tinha ido viver a s medeia milhade distncia de sua casa; mas Emma se dava conta de que devia haver uma grande diferenciaentre uma senhora Weston que vivia s a meia milha de distncia e uma senhorita Taylor quevivia na casa; e apesar de todas suas qualidades naturais e domsticas corria o grande perigo de

    sentir-se moralmente sozinha. Amava meigamente a seu pai, mas para ela no era esta a melhorcompanhia; os dois no podiam sustentar nem conversaes srias nem em graa.

    O mal da disparidade de suas idades (e o senhor Woodhouse no se casou muito jovem) via-se grandemente aumentado por sua estado de sade e seus costumes; pois, como tinha estadodoentio durante toda sua vida, sem desenvolver a menor atividade, nem fsica nem intelectual,seus costumes eram as de um homem muito major de o que correspondia a seus anos; e emboraera querido por todos pela bondade de seu corao e o afvel de seu carter, o talento no eraprecisamente o mais destacado de seu pessoa.

    Sua irm, embora o matrimnio no a tinha afastado muito deles, j que se havia instaladoem Londres, a s dezesseis milhas do lugar, estava o suficientemente longe como para no poderestar a seu lado cada dia; e no Hartfield tinham que fazer frente a muitas largas veladas deoutubro e de novembro, antes de que o Natal significasse a nova visita da Isabella, de seu maridoe de seus pequenos, que enchiam a casa lhe proporcionando de novo o prazer de sua companhia.

    No Highbury, a grande e populosa vila, quase uma cidade, a que em realidadeHartfield pertencia, apesar de seus prados independentes, e de seus plantios e de sua fama, novivia ningum de seu mesma desse. E portanto os Woodhouse eram a primeira famlia do lugar.

    Todos lhes consideravam como superiores. Emma tinha muitas amizades no povo, pois seu

    pai era amvel com todo mundo, mas ningum que pudesse aceitar-se em lugar da senhoritaTaylor, nem sequer por meio-dia. Era uma triste mudana; e ao pensar nisso, Emma no podia pormenos de suspirar e desejar impossveis, at que seu pai despertava e era necessrio lhe pr boacara. Necessitava que lhe levantassem o nimo. Era um homem nervoso, propenso ao abatimento;queria a qualquer a quem estivesse acostumado, e detestava separar-se dele; odiava as mudanasde qualquer espcie. O matrimnio, como origem de mudanas, sempre lhe era desagradvel; eainda no tinha assimilado nem muito menos o matrimnio de sua filha, e sempre falava dela deum modo compassivo, a pesar de que tinha sido por completo um matrimnio por amor, quandose viu obrigado a separar-se tambm da senhorita Taylor; e seus costumes de plcido egosmo e

    seu total incapacidade para supor que outros podiam pensar de modo distinto a ele,predispuseram-lhe no pouco a imaginar que a senhorita Taylor tinha cometido um engano tograve para eles como para ela mesma, e que tivesse sido muito mais feliz de haver ficado todoo resto de sua vida no Hartfield. Emma sorria e se esforava por que seu bate-papo fora omais animada possvel, para lhe apartar destes pensamentos; mas hora do ch, aosenhor Woodhouse lhe era impossvel no repetir exatamente o que j havia dito ao meio dia:

    -Pobre senhorita Taylor! Eu gostaria que pudesse voltar conosco. O que machuca que aosenhor Weston lhe ocorresse pensar nela!

    -Nisto no posso estar de acordo contigo, papai; j sabe que no. O senhor Weston umhomem excelente, de muito bom carter e muito agradvel, e portanto merece uma boa esposa; esuponho que no tivesse preferido que a senhorita Taylor vivesse com ns para sempre e

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    -Uma casa prpria! Mas o que sai ganhando tendo uma casa prpria? Esta trs vezes maiorE voc nunca tiveste manias, querida.

    -Iremos ver lhes freqentemente e eles viro a nos ver... Sempre estaremos juntos!

    Somos ns os que temos que comear, temos que lhes fazer a primeira visita, e muito embreve.

    -Querida, como vou to longe? Randalls est muito longe. No poderia andar nem a metadedo caminho.

    -No, papai, ningum diz que tenha que ir andando. Certamente que temos que ir em carro.

    -Em carro? Mas ao James no gosta de tirar os cavalos por uma viagem to curta; eonde vamos deixar aos pobres cavalos enquanto esto de visita?

    -Papai, pois nas quadras do senhor Weston. J sabe que estava tudo previsto. Ontem de noitefalamos de tudo isto com o senhor Weston. E quanto ao James, pode estar completamente segurode que sempre querer ir ao Randalls, porque sua filha est servindo ali como donzela. O nico de

    que duvido de que queira nos levar a algum outro stio. Foi tua obra, papai. Foi voc quemconseguiu a Hannah o emprego. Ningum pensava na Hannah at que voc a mencionou... Jameste est muito agradecido!

    -Estou muito contente de ter pensado nela. Foi uma grande sorte, porque por nadado mundo tivesse querido que o pobre James se acreditasse desprezado; e estou seguro deque ser uma magnfica faxineira; uma moa bem educada e que sabe falar; tenho muito boaopinio dela. Quando a encontro sempre me faz uma reverncia e me pergunta como estou commaneiras muito corteses; e quando a tem aqui fazendo costura, fixo-me em que sempre sabe fazergirar muito bem a chave na fechadura, e nunca a fecha de uma portada. Estou seguro de que ser

    uma excelente criada; e ser um grande consolo para a pobre senhorita Taylor ter a seu lado aalgum a quem est acostumada a ver. Sempre que James vai ver sua filha, j pode supor queter nossas notcias. Ele pode lhe dizer como vamos.

    Emma no regateou esforos para conseguir que seu pai se mantivera neste estado de nimo,e confiava, com a ajuda do chaquete, obter que passasse tolerablemente bem a velada, sem que lheassaltassem mais pesar que os seus prprios. ficou a tabela do chaquete; mas imediatamenteentrou uma visita que o fez desnecessrio.

    O senhor Knightley, homem de muito bom critrio, de uns trinta e sete ou trinta e oito anos,no s era um velho e ntimo amigo da famlia, mas sim tambm se achava particularmenterelacionado com ela por ser irmo maior do marido da Isabella. Vivia aproximadamente a umamilha de distncia do Highbury, visitava-lhes com freqncia e era sempre bem recebido, e estavez melhor recebido que de costume, j que trazia novas recentes de seus mtuos parentes deLondres. depois de vrios dias de ausncia, havia voltado pouco depois da hora de jantar, e tinhaido ao Hartfield para lhes dizer que tudo partia bem na praa de Brunswick. Esta foi uma felizcircunstncia que animou ao senhor Woodhouse por certo tempo. O senhor Knightley era umhomem alegre, que sempre levantava-lhe os nimos; e suas numerosas perguntas a respeito dapobre Isabella e seus filhos foram respondidas a plena satisfao. Quando teve terminado, osenhor Woodhouse, agradecido, comentou:

    -Senhor Knightley, foi voc muito amvel ao sair de sua casa to tarde e vir a nos visitar. Nolhe ter sentado mal sair a esta hora?

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    -No, no, absolutamente. Faz uma noite esplndida, e com uma formosa lua; eto temperada que inclusive tenho que me apartar do fogo da chamin.

    -Mas deve hav-la encontrado muito mida e com muito gradeio no caminho. Confio em queno se resfriou.

    -Barro? Olhe meus sapatos. Nenhuma bolinha de p.

    -V! Pois me deixa muito surpreso, porque por aqui tivemos muitas chuvas.Enquanto tomvamos o caf da manh esteve chovendo de um modo terrvel durante meia

    hora. Eu queria que postergassem as bodas.

    -A propsito... Ainda no lhe dei a parabns. Acredito que me dou conta da classe de alegriaque os dois devem sentir, e por isso no tive pressa em lhes felicitar; mas espero que tudo tenhapassado sem mais complicaes. Que tal se encontram? Quem chorou mais?

    -Ai! Pobre senhorita Taylor! Que pena!

    -Se me permitir, seria melhor dizer pobre senhor e senhorita Woodhouse; mas o que no

    me possvel dizer pobre senhorita Taylor. Eu os avaliao muito a voc e a Emma; masquando se trata de uma questo de dependncia ou independncia... Sem dvida nenhuma, temque ser prefervel no ter que agradar mais que a uma s pessoa em vez de dois.

    -Sobre tudo quando uma dessas duas pessoas muito caprichosa e fastidiosa -disse Emmabrincando-; j sei que isto o que est pensando... e que sem dvida o que diria se no estivessediante meu pai.

    -O certo, querida, que acredito que isto a pura verdade -disse o senhorWoodhouse suspirando-; temo que s vezes sou muito caprichoso e fastidioso.

    -Papai querido! No vais pensar que referia a ti, ou que o senhor Knightley te aludia!A quem lhe ocorre semelhante coisa! OH, no! Eu me referia mesma. J sabe que ao senhor

    Knightley gosta de tirar reluzir meus defeitos... em brincadeira... tudo em brincadeira.

    Sempre nos dizemos mutuamente tudo o que queremos.

    Efetivamente, o senhor Knightley era uma das poucas pessoas que podia ver defeitos naEmma Woodhouse, e a nica que lhe falava deles; e embora isso a Emma no era muito grato,sabia que a seu pai ainda o era muito menos, e que lhe custava muito chegar a suspeitar quehouvesse algum que no a considerasse perfeita.

    -Emma sabe que eu nunca a adulo -disse o senhor Knightley-, mas no referia a ningum emconcreto. A senhorita Taylor estava acostumada a ter que agradar a dois pessoas; agora no terque agradar mais que a uma. portanto h mais possibilidades de que saia ganhando com amudana.

    -Bom -disse Emma, desejosa de trocar de conversao-, voc quer que o falemos das bodas, eeu o farei com muito prazer, porque todos nos levamos admiravelmente. Todo mundo foi pontual,todo mundo luzia os melhores ornamentos... No viu-se nenhuma s lgrima, e apenas algumacara larga. OH, no! Todos sabamos que amos viver s a meia milha de distncia, e estvamosseguros de nos ver todos os dias.

    -Minha querida Emma o agenta tudo muito bem -disse seu pai-; mas, senhor Knightley, averdade que h sentido muito perder a pobre senhorita Taylor e estou seguro de que a sentir

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    Emma voltou a cabea dividida entre lgrimas e sorrisos.

    - impossvel que Emma no sinta falta da uma companheira assim -disse osenhor Knightley-. No a apreciaramos como a apreciamos se supusramos uma coisasemelhante.

    Mas ela sabe quo benfica estas bodas para a senhorita Taylor; sabe o importante que temque ser para a senhorita Taylor, a sua idade, ver-se em uma casa prpria e ter assegurada umavida desafogada, e portanto no pode por menos de sentir tanta alegria como pena. Todos osamigos da senhorita Taylor devem alegrar-se de que se casou to bem.

    -E esquece voc -disse Emma- outro motivo de alegria para mim, e no pequeno: que fuieu quem fez as bodas. Eu fui quem fez as bodas, sabe voc?, faz quatro anos; e ver que agora serealiza e que se demonstre que acertei quando eram tantos os que diziam que o senhor Westonno voltaria a casar-se, me compensa de todo o resto.

    O senhor Knightley inclinou a cabea ante ela. Seu pai se apressou a replicar:

    -OH, querida! Espero que no vais fazer mais bodas nem mais predies, porque tudo o que

    voc diz sempre termina ocorrendo. Por favor, no faa nenhuma bodas mais.

    -Papai, prometo-te que para mim no vou fazer nenhuma; mas me parece que devo faz-lopor outros. a coisa mais divertida do mundo! Imagine, depois deste xito! Todo mundo diziaque o senhor Weston no se voltaria a casar. OH, no! O senhor Weston, que fazia tanto tempoque era vivo e que parecia encontrar-se to a gosto sem uma esposa, sempre to ocupado comseus negcios da cidade, ou aqui com seus amigos, sempre to bem recebido em todas partes,sempre to alegre... O senhor Weston, que no precisava passar nenhuma s velada s se noqueria. OH, no! Seguro que o senhor Weston nunca mais se voltaria a casar. Havia inclusivequem falava de uma promessa que fazia a sua esposa no leito de morte, e outros diziam que ofilho e o tio no o deixariam. Sobre este assunto se disseram as mais solenes tolices, mas eu noacreditei nenhuma. Sempre, desde dia (faz j uns quatro anos) que a senhorita Taylor e euo conhecemos na Broadway-Lane, quando comeava a garoar e se precipitou to galantemente apedir emprestados na loja do Farmer Mitchell dois guarda-chuva para ns, no deixei de pensarnisso. Aps j planejei as bodas; e depois de ver o xito que tive neste caso, papai querido, novais supor que vou deixar de fazer de casamenteira.

    -No entendo o que quer voc dizer com isso de xito -disse o senhor Knightley-.

    xito supe um esforo. Houvesse voc empregado seu tempo de um modo muito

    adequado e muito digno se durante estes quatro ltimos anos tivesse estado fazendo o possvelpara que se realizasse estas bodas. Uma ocupao admirvel para uma jovem! Mas se for comoeu imagino, e suas funes de casamenteira, como voc diz, reduzem-se a planejar as

    bodas, dizendo-se a si mesmo um dia em que no tem nada que pensar: Acredito que seriamuito conveniente para a senhorita Taylor que se casasse com o senhor Weston, repetindo-lhea si mesmo de vez em quando, como pode falar de xito?, onde est o mrito? De o que est vocorgulhosa? Teve uma intuio afortunada, isso tudo.

    -E alguma vez conheceu voc o prazer e o triunfo de uma intuio afortunada?O compadeo. Acreditava-lhe mais inteligente. Porque pode estar seguro de uma coisa

    uma intuio afortunada nunca to somente questo de sorte. Sempre h um pouco de talentoem isso. E quanto a minha modesta palavra de xito, que voc me reprova, no vejo que esteja

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    que o senhor Weston nos visitasse e no lhe tivesse atentado em mil pequenas coisas, e no tivesseaplainado muitas pequenas dificuldades, a fim de contas possivelmente no tivssemos chegado aeste final. Acredito que voc conhece Hartfield o suficientemente bem para compreender isto.

    -Um homem franco e sincero como Weston e uma mulher sensata e sem melindres como asenhorita Taylor, podem muito bem deixar que seus assuntos se arrumem por si mesmos.

    mesclandose expor voc a fazer-se mais machuco a si mesmo que bem a eles.

    -Emma nunca pensa em si mesmo se pode fazer algum bem a outros -interveio o senhorWoodhouse, que s em parte compreendia o que estavam falando-; mas, por favor, querida, rogo-te que no faa mais bodas, so disparates que rompem de um modo terrvel a unidade da famlia.

    -S uma mais, papai; s para o senhor Elton. Pobre senhor Elton! Voc aprecia aosenhor Elton, papai... Tenho que lhe buscar algema. No h ningum no Highbury que lhemerea... e j leva aqui todo um ano, e arrumou sua casa de um modo to confortvel queseria uma lstima que seguisse solteiro por mais tempo... e hoje me pareceu que quandoos juntava as mos punha cara de que lhe tivesse gostado de muito que algum fizesse o mesmo

    com ele. Eu aprecio muito ao senhor Elton, e esse o nico meio que tenho de lhe fazer um favor.-Certamente, o senhor Elton um jovem muito bonito e um homem excelente, e eu o tenho

    em grande avaliao. Mas, querida, se quer ter uma deferncia para com ele melhor que lhe peaque deva jantar conosco qualquer dia. Isso ser muito melhor. E confio que o senhor Knightleyser to amvel para nos acompanhar.

    -Com muitssimo gosto, sempre que voc o deseje - disse rendo o senhor Knightley-; e estoutotalmente de acordo com voc em que isso ser muito melhor. lhe convide para jantar, Emma, elhe mostre todo seu afeto com o pescado e o frango, mas deixe que ele seja mesmo quem seescolha esposa. me crie, um homem de vinte e seis ou vinte e sete anos j sabe cuidar de si mesmo.

    CAPTULO II

    O senhor Weston era natural do Highbury, e tinha nascido no seio de uma famlia honorvelque no curso das duas ou trs ltimas geraes tinha ido acrescentando sua nobreza e sua fortuna.Tinha recebido uma boa educao, mas ao ter j de uma idade muito temprana uma certaindependncia, encontrou-se incapaz de desempenhar nenhuma das ocupaes da casa s que sededicavam seus irmos; e seu esprito ativo e inquieto e seu temperamento socivel lhe tinhalevado a ingressar na tropa do condado que ento se formou.

    O capito Weston era apreciado por todos; e quando as circunstncias da vida militar lhetinham feito conhecer a senhorita Churchill, de uma grande famlia do Yorkshire, e a senhoritaChurchill se apaixonou por ele, ningum se surpreendeu, exceto o irmo dela e sua esposa, quenunca lhe tinham visto, que estavam cheios de orgulho e de pretenses, e que se sentiamofendidos por este enlace.

    Entretanto, a senhorita Churchill, como j era major de idade e se achava em plena posse desua fortuna -embora sua fortuna no fosse proporcionada aos bens da famlia- no se deixoudissuadir e as bodas teve lugar com infinita mortificao por parte do senhor e a senhora

    Churchill, quem a tirou de cima com o devido decoro. Este foi um enlace desafortunado e no foimotivo de muita felicidade. A senhora Weston tivesse devido ser mais ditosa, pois tinha um

    id j f d d f i id d d d

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    melhor. Tinha tmpera suficiente como para fazer sua prpria vontade contrariando a seu irmo,mas no o suficiente como para deixar de fazer recriminaes excessivas clera tambmexcessiva de seu irmo, nem para no sentir falta dos luxos de sua antiga casa. Viveram por cimade suas possibilidades, mas inclusive isso no era nada em comparao com o Enscombe: elanunca deixou de amar a seu marido mas quis ser de uma vez a esposa do capito Weston e asenhora Churchill de Enscombe.

    O capito Weston, de quem se considerou, sobre tudo pelos Churchill, que fazia umas bodasto vantajosa, resultou que tinha levado com muito a pior parte; pois quando morreu sua esposadepois de trs anos de matrimnio, tinha menos dinheiro que ao princpio, e devia manter a umfilho. Entretanto, logo lhe liberou da carga de este filho. O menino, havendo alm outroargumento de conciliao devido enfermidade de sua me, tinha sido o meio de uma sorte dereconciliao e o senhor e a senhora Churchill, que no tinham filhos prprios, nem nenhum outromenino de parentes to prximos de que cuidar-se, ofereceram-se a fazer-se carrego do pequenoFrank pouco depois da morte de sua me. J pode supor-se que o vivo sentiu certos escrpulos eno cedeu com muito gosto; mas como estava afligido por outras preocupaes, o menino foi

    crdulo aos cuidados e riqueza dos Churchill, e ele no teve que ocupar-se mais que de seuprprio bem-estar e de melhorar tudo o que pde sua situao, impunha-se uma mudanacompleta de vida. Abandonou a tropa e se dedicou ao comrcio, pois tinha irmos que j estavam

    bem estabelecidos em Londres e que lhe facilitaram os comeos. Foi um negcio que no lheproporcionou mais que certo desafogo. Conservava ainda uma casita no Highbury aonde passavaa maior parte de seus dias livres; e entre sua proveitosa ocupao e os prazeres da sociedade,passaram alegremente dezoito ou vinte anos mais de sua vida. Para ento havia j conseguidouma situao mais desafogada que lhe permitiu comprar uma pequena propriedade prxima aoHighbury pela que sempre tinha suspirado, assim como casar-se com uma mulher incluso com to

    pouca dote como a senhorita Taylor, e viver de acordo com os impulsos de seu temperamentocordial e socivel.

    Fazia j algum tempo que a senhorita Taylor tinha comeado a influir em seus planos, mascomo no era a tirnica influncia que a juventude exerce sobre a juventude, no havia feitovacilar sua deciso de no assentar-se at que pudesse comprar Randalls, e a venda do Randallsera algo no que pensava fazia j muito tempo; mas tinha seguido o caminho que se riscou tendo vista estes objetivos at que obteve seus propsitos.

    Tinha reunido uma fortuna, comprado uma casa e conseguido uma esposa; e estavacomeando um novo perodo de sua vida que segundo todas as probabilidades seria mais feliz

    que nenhum outro dos que tinha vivido. Ele nunca tinha sido um homem desventurado;seu temperamento lhe tinha impedido de s-lo, inclusive em seu primeiro matrimnio; mas osegundo devia lhe demonstrar quo encantadora, judiciosa e realmente afetuosa pode chegar a seruma mulher, e lhe dar a mais grata das provas de que muito melhor escolher que sereleito, despertar gratido que senti-la.

    S podia felicitar-se de sua eleio; de sua fortuna podia dispor livremente; pois por o que serefere ao Frank, tinha sido manifiestamente educado como o herdeiro de seu tio, quem o tinhaadotado at o ponto de que tomou o nome do Churchill ao chegar maioria de idade. portanto eramais que improvvel que algum dia necessitasse a ajuda de seu pai. Este no tinha nenhum temordisso. A tia era uma mulher caprichosa e governava por completo a seu marido; mas o senhorWeston no podia chegar a imaginar que nenhum de seus caprichos fosse o suficientemente forte

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    apresentando como um arrumado jovem tinham feito que Highbury sentisse por ele como umaespcie de orgulho. Lhe considerava pertencente a aquele lugar at o ponto de fazer queseus mritos e suas possibilidades fossem um pouco de interesse geral.

    O senhor Frank Churchill era um dos orgulhos do Highbury e existia umagrande curiosidade por lhe ver, embora esta admirao era to pouco correspondida que elenunca tinha estado ali. Freqentemente se tinha falado de fazer uma visita a seu pai, mas

    esta visita nunca se efetuou.Agora, ao casar-se seu pai, falou-se muito de que era uma excelente ocasio para

    que realizasse a visita. Ao falar deste tema no houve nenhuma s voz que dissentisse,nem quando a senhora Perry foi tomar o ch com a senhora e a senhorita Bate, nem quandoa senhorita Bate devolveu a visita. Aquela era a oportunidade para que o senhor Frank Churchillconhecesse o lugar; e as esperanas aumentaram quando se soube que havia escrito a sua novame sobre a questo. Durante uns quantos dias em todas as visitas matinais que se faziam noHighbury se mencionava de um modo ou outro a formosa carta que tinha recebido a senhoraWeston.

    -Suponho que ouviu voc falar da preciosa carta que o senhor Frank Churchill h escrito senhora Weston. Ho-me dito que uma carta muito bonita. H-me isso dito o senhorWoodhouse. O senhor Woodhouse viu a carta e diz que em toda sua vida no h lido uma cartato formosa.

    A verdade que era uma carta admirvel. obvio, a senhora Weston se havia formado umaidia muito favorvel do jovem; e uma deferncia to agradvel era uma irrefutvel prova de suagrande sensatez, e algo que vinha a somar-se gratamente a todas as felicitaes que tinha recebidopor suas bodas. sentiu-se uma mulher muito afortunada; e tinha vivido o suficiente para saber

    quo afortunada podia considerar-se, quando o nico que lamentava era uma separao parcial deseus amigos, cuja amizade com ela nunca se tinha esfriado, e a quem tanto custou separar-se dela.

    Sabia que s vezes a sentiria falta de; e no podia pensar sem dor em que Emma perdesse ums prazer ou sofresse uma s hora de tdio ao lhe faltar sua companhia; mas seu querida Emmano era uma pessoa dbil de carter; sabia estar altura de sua situao melhor que a maioria dasmoas, e tinha sensatez e energia e nimos que era de esperar que lhe fizessem agentarfelizmente suas pequenas dificuldades e contrariedades.

    E alm disso era to consolador o que fosse to curta a distncia entre o Randalb eHartfield, to fcil de percorrer, o caminho incluso para uma mulher s e no caso e

    nas circunstncias da senhora Weston que na estao que j se aproximava no poria obstculosem que passassem a metade das tardes de cada semana juntas.

    Sua situao era a um tempo motivo de horas de gratido para a senhora Weston e s demomentos de pesar; e sua satisfao -mais que satisfao-, sua extraordinria alegria era to justa eto visvel que Emma, apesar de que conhecia to bem a seu pai, s vezes ficava surpreendida aover que ainda era capaz de compadecer a pobre senhorita Taylor, quando a deixaram noRandalls em meio das maiores comodidades, ou a viram afastar-se ao entardecer junto a seuatento marido em um carro prprio. Mas nunca se ia sem que o senhor Woodhouse deixasseescapar um leve suspiro e dissesse:

    -Ah, pobre senhorita Taylor! Tanto como gostaria de ficar!

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    No havia modo de recuperar senhorita Taylor... Nem tampouco era provvel quedeixasse de compadec-la; mas umas poucas semanas trouxeram algum consolo ao senhorWoodhouse.

    As felicitaes de seus vizinhos habian terminado; j ningum voltava a pinar em suaferida lhe felicitando por um acontecimento to penoso; e o bolo de bodas, que tantapesadumbre tinha-lhe causado, j tinha sido comido por completo. Seu estmago no suportava

    nada substancioso e resistia a acreditar que outros no fossem como ele. O que lhe sentava mauconsiderava que devia sentar mal a todo mundo; e portanto tinha feito todo o possvel para lhesdissuadir de que fizessem bolo de bodas, e quando viu que seus esforos eram em vo fez todo opossvel para evitar que outros comessem dele. havia-se tomado a molstia de consultar o assuntocom o senhor Perry, o farmacutico. O senhor Perry era um homem inteligente e de muito mundocujas freqentes visitas eram um dos consolos da vida do senhor Woodhouse; e ao ser consultadono pde por menos de reconhecer (embora parea ser que mas bem a pesar dele) que o certo eraque o bolo de bodas podia prejudicar a muitos, possivelmente maioria, a menos que se comessecom moderao. Com esta opinio que confirmava a sua prpria, o senhor Woodhouse tentou

    influir em todos os visitantes dos recm casados; mas apesar de tudo, o bolo terminou-se; e seusbenevolentes nervos no tiveram descanso at que no ficou nenhuma migalha.

    Pelo Highbury correu um estranho rumor a respeito de que os filhos do senhor Perryhaviam sido vistos com um pedao do bolo de bodas da senhora Weston na mo; mas o senhorWoodhouse nunca o tivesse acreditado.

    CAPTULO III

    A sua maneira, ao senhor Woodhouse gostava da companhia. Gostava muitssimo que suas

    amizades fossem ver lhe; e se somavam uma srie de fatores, sua larga residncia em Hartfield eseu bom carter, sua fortuna, sua casa e sua filha, fazendo que pudesse escolher as visitas de seupequeno crculo, em grande parte segundo seus gostos. Fora deste crculo tinha pouco trato comoutras famlias; seu horror a tresnoitar e aos jantares muito concorridos impediam que tivessemais amizades que as que estavam dispostas a lhe visitar segundo seus convenincias. Felizmentepara ele, Highbury, que inclua o Randalls em seu parquia, e Donwell Abbey na parquiavizinha -onde vivia o senhor Knightley- compreendia a muitas de tais pessoas. No poucas vezesse deixava convencer pela Emma, e convidava para jantar a alguns dos melhores e maisescolhidos, mas o que ele preferia eram as reunies da tarde, e a menos que em alguma ocasio lhe

    desejasse muito que algum deles no estava altura da casa, logo que havia alguma tarde dasemana em que Emma no pudesse reunir a suas redor pessoas suficientes para jogar s cartas.

    Uma verdadeira avaliao, j antigo, deu entrada a sua casa aos Weston e aosenhor Knightley; e quanto ao senhor Elton, um jovem que vivia sozinho contra sua vontade,tinha o privilegio de poder fugir todas as tardes livres de sua negra solido, e troc-lapelos refinamentos e a companhia do salo do senhor Woodhouse e pelos sorrisos deseu encantadora filha, sem nenhum perigo de que lhe expulsasse dali.

    Depois destes vinha um segundo grupo; do qual, entre os mais assduos figuravam asenhora e a senhorita Bate, e a senhora Goddard, trs damas que estavam quase sempre a pontode aceitar um convite procedente do Hartfield, e a quem ia se recolher e se devolvia a sua casa tofreqentemente, que o senhor Woodhouse no considerava que isso fosse pesado nem para o

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    James nem para os cavalos. Se s tivesse sido uma vez ao ano, houvesse-o considerado como umagrande molstia.

    A senhora Bate, viva de um antigo vigrio do Highbury, era uma senhora muitoanci, incapaz j de quase toda atividade, excetuando o ch e em cuatrillo.1 Viviamuito modestamente com sua nica filha, e lhe tinham todas as consideraes e todo orespeito que uma anci inofensiva em to incmodas circunstncias pode suscitar. Sua

    filha gozava de uma popularidade muito pouco comum em uma mulher que no era nem jovem,nem formosa, nem rica, nem casada. A posio social da senhorita Bate era das piores para quegozasse de tantas simpatias; no tinha nenhuma superioridade intelectual para compensar o restoou para intimidar aos que tivessem podido detest-la e fazer que lhe demonstrassem um aparenterespeito. Nunca tinha presumido nem de beleza nem de inteligncia. Sua juventude tinha passadosem chamar a ateno, e j de idade amadurecida se dedicou a cuidar de seu decrpita me, e empresa de fazer com seus exguos ganhos o maior nmero possvel de coisas. Entretanto era umamulher feliz, e uma mulher a quem ningum nomeava sem benevolncia. Era sua grande boavontade e o contentadizo de seu carter o que obrava estas maravilhas. Queria a todo mundo,

    procurava a felicidade de todo o mundo, ponderava em seguida os mritos de todo o mundo;considerava-se a si mesmo um ser muito afortunado, a quem se dotou de um pouco to valiosocomo uma me excelente, bons vizinhos e amigos, e um lar no que nada faltava. A simplicidade ea alegria de seu carter, seu temperamento contentadizo e agradecido, agradavam a todos e eramuma fonte de felicidade para ela ' mesma. Gostava de muito conversar de assuntos corriqueiros,o qual encaixava perfeitamente com os gostos do senhor Woodhouse, sempre atento s pequenasnotcias e s intrigas inofensivas.

    A senhora Goddard era professora de escola, no de um colgio nem de um pensionato, nemde qualquer outra costure pelo estilo aonde se pretende com largas frases de refinada tolice

    combinar a liberdade da cincia com uma elegante moral a respeito de novos princpios e novossistemas, e aonde as jovens em troca de pagar enormes somas perdem sade e adquirem vaidade,a no ser uma verdadeira, honrada escola de internas antiga, aonde se vendia a um preorazovel uma razovel quantidade de conhecimentos, e aonde podia mandar-se s moas para queno estorvassem em casa, e podiam fazer um pequena educao sem nenhum perigo de quesassem dali convertidas em prodgios. A escola da senhora Goddard tinha muito boa reputao,e bem merecida, pois Highbury estava considerado como um lugar particularmente saudvel:tinha uma casa espaosa, um jardim, dava s meninas comida s e abundante, no vero deixavaque brincassem de correr a seu gosto, e no inverno ela mesma lhes curava os frieiras. No era,

    pois, de sentir saudades que uma fileira da dois de umas quarenta jovens a seguissem quando ia igreja. Era uma mulher singela e maternal, que tinha trabalhado muito em sua juventude, e queagora se considerava com direito a permitir o ocasional pulverizao de uma visita para tomar och; e como tempo atrs devia muito amabilidade do senhor Woodhouse, sentia-separticularmente obrigada a no desatender seus convites e a abandonar sua pulcra salita, e passarsempre que podia umas horas de cio perdendo ou ganhando umas quantas moedas de seispeniques junto chamin de seu anfitrio.

    1 Cuatrillo: jogo de naipes de quatro pessoas, semelhante ao conjunto de sof e poltronas.

    Estas eram as senhoras que Emma podia reunir com muita freqncia; e estava nopouco contente de consegui-lo, por seu pai; embora, por isso a ela se referia, no havia remedeiopara a ausncia da senhora Weston. Estava encantada de ver que seu pai parecia sentir-se a gosto

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    papo daquelas trs mulheres o fazia dar-se conta que cada velada que passava deste modo erauma das largas veladas que com tanto temor havia previsto.

    Uma manh, quando acreditava poder assegurar que o dia ia terminar destemodo, trouxeram um bilhete de parte da senhora Goddard que solicitava nos trminosmais respeitosos que lhe permitisse vir acompanhada da senhorita Smith; uma petio que foimuito bem acolhida; porque a senhorita Smith era uma moa de dezessete anos a quem Emma

    conhecia muito bem de vista e por -quem fazia tempo que sentia interesse devido a sua beleza.Respondeu com um amvel convite, e a gentil proprietria da casa j no temeu a chegada datarde.

    Harriet Smith era filha natural de algum. Fazia j vrios anos algum a tinha feito ingressarna escola da senhora Goddard, e recentemente algum a tinha elevado desde sua situao decolegiala a de hspede. Em geral, isto era tudo o que se sabia de sua histria. Na aparncia notinha mais amigos que os que se feito em Highbury, e agora acabava de voltar de uma larga visitaque tinha feito a umas jovens que viviam no campo e que tinham sido suas companheiras deescola.

    Era uma moa muito linda, e sua beleza resultou ser de uma classe que Emmaadmirava particularmente. Era baixa, gordinha e loira, cheia de vio, de olhos azuis,cabelo reluzente, rasgos regulares e um ar de grande doura; e antes do fim da veladaEmma estava to agradada com suas maneiras como com sua pessoa, e completamente decididaa seguir tratando-a.

    No lhe chamou a ateno nada particularmente inteligente no trato da senhorita Smith, masem conjunto a encontrou muito simptica -sem nenhum acanhamento desconjurado e sem reparospara falar- e com tudo sem ser por isso absolutamente inoportuna, sabendo estar to bem em seu

    lugar e mostrando-se to diferente, dando amostras de estar to agradavelmente agradecida porter sido admitida no Hartfield, e to sinceramente impressionada pelo aspecto de todas as coisas,to superior em qualidade ao que ela estava acostumada, que devia ter muito bom julgamento emerecia flego. E lhe daria flego. Aqueles olhos azuis e mansos e todos aqueles dons naturais noforam desperdiar se na sociedade inferior do Highbury e suas relaes. As amizades que j sefeito eram indignas dela. As amigas de quem acabava de separar-se, embora fossem muito boagente, deviam estar prejudicando-a. Eram uma famlia cujo sobrenome era Martin, e a queEmma conhecia muito de ouvidas, j que tinham uma grande granja do senhor Knightleyarrendada, e viviam na parquia do Donwell, tinham muito boa reputao conforme acreditava -sabia que o senhor Knightley lhes estimava muito- mas deviam ser gente vulgar e pouco educada,em modo algum prpria de ter intimidade com uma moa que s necessitava um pouco mais deconhecimentos e de elegncia para ser completamente perfeita. Ela a aconselharia; faria-amelhorar; faria que abandonasse suas ms amizades e a introduziria na boa sociedade; formariasuas opinies e suas maneiras. Seria uma empresa interessante e sem dvida tambm uma boaobra; algo muito adequado a sua situao na vida; a seu tempo livre e a suas possibilidades.

    Estava to absorta admirando aqueles olhos azuis e mansos, falando e escutando, e riscandotodos estes planos nas pausas da conversao, que a tarde passou muitssimo mais s pressas quede costume; e o jantar com a que sempre terminavam essas reunies, e para a que Emma estava

    acostumada preparar a mesa com calma, esperando a que chegasse o momento oportuno, aquelavez se disps em um abrir e fechar de olhos, e se aproximou do fogo, quase sem que ela mesma sedesse conta Com uma presteza que no era habitual em um carter como o seu que contudo

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    Evidentemente, Harriet no era inteligente, mas tinha um carter doce e era dcile agradecida; carecia de todo presuno, e s desejava ser guiada por algum a quem pudesseconsiderar como superior. O espontneo de sua inclinao pela Emma mostrava umtemperamento muito afetuoso; e sua afeio ao trato de pessoas seletas, e seu capacidade deapreciar o que era elegante e inteligente, demonstrava que no estava isenta de bom gosto, emborano podia pedir-se o um grande talento. Em resumo, estava completamente convencida de que

    Harriet Smith era exatamente quo amiga necessitava, exatamente o que se necessitava em suacasa.

    Em uma amiga como a senhora Weston no havia nem que pensar. Nuncahouvesse encontrado outra igual, e tampouco a necessitava. Era algo completamente distinto,um sentimento diferente e que no tinha nada que ver com o outro. Pela senhora Westonsentia um afeto apoiado na gratido e na estimativa. Ao Harriet a apreciava como a algum aquem podia ser til. Porque pela senhora Weston no podia fazer nada; pelo Harriet podia faz-lotudo.

    Seu primeiro intento para lhe ser til consistiu em tentar saber quem eram seus pais; mas

    Harriet no o disse. Estava disposta a lhe dizer tudo o que soubesse, mas as pergunta a respeitodesta questo foram em vo. Emma se viu obrigada a imaginar o que quis, mas nunca pdeconvencer-se de que, de encontrar-se na mesma situao, ela no tivesse revelado a verdade.Harriet carecia de curiosidade. contentou-se com ouvir e acreditar o que a senhora Goddard tinhaquerido lhe contar, e no se preocupou com averiguar nada mais.

    A senhora Goddard, os professores, as alunas, e em geral todos Ios assuntos da escolaformavam como era lgico uma grande parte da conversao, e a no ser por seu amizade com osMartin do Abbey-Mill-Farm, no tivesse falado de outra coisa. Mas os Martin ocupavam grandeparte de seus pensamentos; tinha passado com eles dois meses muito felizes, e agora gostava defalar dos prazeres de sua visita, e descrever os numerosos encantos e delcias do lugar. Emma lheincitava a conversar, divertida por esta descrio de um gnero de vida distinto ao dele, e gozandoda ingenuidade juvenil com a que falava com tanto entusiasmo de que a senhora Martin tinhadois sales, nada menos que dois magnficos sales; um deles to grande como a sala de estarda senhora Goddard; e de que tinha uma faxineira que j levava com ela vinte e cinco anos; e deque tinha oito vacas, duas delas Alderneys, e outra de raa galesa, a verdade que uma lindavaquita galesa; e de que a senhora Martin dizia, j que a tinha muito carinho, que teria quechamar-se o sua vaca; e de que tinham um precioso pavilho do vero em seu jardim, aonde o anopassado algum dia tomavam todos o ch: realmente um precioso pavilho do vero o

    suficientemente grande para que coubessem uma dzia de pessoas.Durante algum isto tempo divertiu a Emma sem que se preocupasse de pensar em

    nada mais; mas medida que foi conhecendo melhor famlia surgiram outros sentimentos, feito-se uma idia equivocada ao imaginar-se que se tratava de uma me, uma filha e um filho e suaesposa que viviam todos juntos; mas quando compreendeu que o senhor Martin que tantaimportncia tinha no relato e que sempre se mencionava com elogios por seu grande bondade emfazer tal ou qual coisa, era solteiro; que no havia nenhuma senhora Martin, jovem, nenhuma norana casa; suspeitou que podia haver algum perigo para seu pobre amiguita atrs de toda aquelahospitalidade e amabilidade; e pensou que sim algum no velava por ela corria o risco de ir amenos para sempre.

    Esta suspeita foi a que fez que suas perguntas aumentassem em nmero e fossem cada vez

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    -No duvido de que seja um jovem muito digno. A verdade que sei que o , e como a talo desejo muita sorte. Que idade crie que pode ter?

    -Nos dia oito do passado junho fez vinte e quatro anos, e meu aniversrio o dia vinte etrs... exatamente duas semanas e um dia de diferena! Que casual, verdade?

    -S vinte e quatro anos. muito jovem para casar-se. Sua me tem toda a razo ao no terpressa. Agora parece ser que vivem muito bem, e se ela se preocupasse com lhecasar provavelmente se arrependeria. dentro de seis anos se conhecer uma boa moa deseu mesma classe com um pouco de dinheiro, a coisa poderia ser muito conveniente.

    -dentro de seis anos! Mas, querida Emma, ele ento j ter trinta anos!

    -Bom, essa a idade a que a maioria dos homens que no nasceram ricos tm que esperarpara casar-se. Suponho que o senhor Martin ainda tem que lavrar um futuro; e antes disso nopode fazer-se nada. Por muito dinheiro que herdasse ao morrer seu pai, por importante que sejasua parte na propriedade da famlia atreveria a dizer que tudo no est disponvel, que estempregado no rebanho; e embora com laboriosidade e boa sorte dentro de um tempo pode fazer-

    se rico, quase impossvel que agora o seja.-Certamente tem razo. Mas vivem muito bem. No tm nenhum criado na casa, mas no os

    falta nada, e a senhora Martin fala de contratar a uma moo para o ano prximo.

    -Harriet, no quisesse que te encontrasse com dificuldades quando ele se case; refiro a suasrelaes com sua esposa, pois embora suas irms tenham recebido uma educao superior e nopossa objetar-se os nada, isso no quer dizer que ele no possa casar-se com algum que no sejadigno de alternar contigo. A desgraa de seu nascimento deveria te fazer ainda mais cuidadosacom a gente que trficos. No cabe nenhuma dvida de que a filha de um cavalheiro e deve temanter nesta categoria por todos os meios a seu alcance, ou do contrrio sero muitos os quesentiro prazer em te rebaixar.

    -Sim, sim, tem razo, suponho que h gente assim. Mas enquanto EU freqente Hartfielde voc seja to amvel comigo no tenho medo do que outros possam fazer.

    -Harriet, compreende muito bem o que influem as amizades; Mas eu queria verteto solidamente estabelecida na sociedade que fosse independente in luso do Hartfield e de asenhorita Woodhouse. Quero verte bem relacionada e isso de um modo permanente... e para issoseria aconselhvel que tivesse to poucas amizades inferiores como fora possvel;

    e portanto o que te digo que se ainda seguir na comarca quando o senhor Martin se case,seria prefervel que sua intimidade com suas irms no te obrigasse a te relacionar com suaesposa, que provavelmente ser a filha de um simples granjeiro, sem nenhuma educao.

    -Certamente. Sim. Mas no acredito que o senhor Martin se case com algum que no tenhaum pouco de educao e que no seja de boa famlia. Entretanto, no quero dizer com isso que tecontradiga, eu estou segura de que no sentirei nenhum desejo de conhecer sua esposa.

    Sempre terei muito afeto a suas irms, sobre tudo a Elizabeth, e sentiria muito deixar dastratar, porque receberam to boa educao como eu. Mas se ele se casa com uma mulher vulgar emuito ignorante claro est que faria melhor em no visit-la, se puder evit-lo.

    Emma esteve analisando-a atravs das flutuaes deste raciocnio e no viu nela sintomasalarmantes de amor. O jovem tinha sido seu primeiro admirador, mas ela confiava que as coisas

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    Ao dia seguinte se encontraram com o senhor Martin enquanto passeavam peloDonwell Road. Ele ia a p, e detrs olhar respetuosamente a Emma, olhou a sua companheira comuma satisfao no dissimulada. Emma no lamentou dispor desta oportunidade paraestudar suas reaes; e se adiantou umas quantas jardas, enquanto eles falavam e sua aguda olharno demorou para formar uma idia suficiente sobre o senhor Robert Martin. Seu aspecto eramuito pulcro e parecia um jovem judicioso, mas sua pessoa carecia de outros encantos; e quando o

    comparou mentalmente com outros cavalheiros, pensou que era foroso que perdesse todo oterreno que tinha ganho no corao do Harriet. Harriet no era insensvel s maneirasdistinguidas, e lhe tinha chamado a ateno a cortesia do pai da Emma, da que falava comadmirao, maravilhada. E parecia que o senhor Martin no soubesse nem o que eram as boasmaneiras.

    S estiveram juntos uns poucos minutos, j que no podiam fazer esperar senhorita Woodhouse; e ento Harriet alcanou correndo a seu amiga, to confusa e comuma sorriso no rosto, que a senhorita Woodhouse no demorou para interpretar devidamente.

    -Pensa o casual que foi o lhe encontrar! Que coincidncia! H-me dito que h sido muita

    casualidade que no tenha ido dar a volta pelo Randalls. Ele no sabia que passessemos por aquiAcreditava que a maioria dos dias passeavam em direo ao Randalls.

    Ainda no pde conseguir um exemplar da novela do bosque. A ltima vez que esteve noKingston estava to ocupado que se esqueceu por completo, mas amanh voltar ali. Quecasualidade que lhe tenhamos encontrado! Bom, me diga, como voc acreditava? O que tepareceu? Parece-te muito vulgar?

    -Certamente o , e bastante; mas isso no nada comparado com sua absoluta faltade desse; no tinha por que esperar muito dele, e a verdade que no me fazia muitas iluses;

    mas no supunha que fosse to grosseiro, de to pouca categoria. Confesso que o imaginava umpouco mais refinado.

    -Certamente -disse Harriet, em um tom de contrariedade-, no tem os maneiras deum verdadeiro cavalheiro.

    -Parece-me, Harriet, que desde que trficos conosco tiveste muitas ocasies de estar emcompanhia de verdadeiros cavalheiros, e que deve te chamar a ateno a diferena entre estes e osenhor Martin. No Hartfield conheceste a modelos de homens bem educados e distinguidos.Surpreenderia-me se agora que os conhece pudesse tratar ao senhor Martin sem te dar conta deque muito inferior, e mas bem te assombrando de que antes tivesse podido consider-lo como

    uma pessoa agradvel. No comea a sentir algo assim? No te chamou isto ateno? Estou segurade que tiveste que reparar em seu aspecto desajeitado, em suas maneiras bruscos e na rudeza desua voz, que inclusive daqui se advertia que no tinha a menor modulao.

    -Certamente no como o senhor Knghtley. No tem um ar to distinto como ele, nem sabeandar como o senhor Knightley. Vejo muito bem a diferena. Mas o senhor Knightley umhomem to elegante!

    -O senhor Knightley to distinto que no me parece bem lhe comparar com osenhor Martin. Entre dem cavalheiros no encontraria um que merecesse to bem este

    nome como o senhor Knightley. Mas no o nico cavalheiro a quem trataste nestes ltimostempos. O que me diz do senhor Weston e do senhor Elton? Compara ao senhor Martin comual ue do doi Co a a ua a ei a eu odo de a da de fala de ua da il io Te

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    -OH, sim! H uma grande diferencia. Mas o senhor Weston quase um velho. Osenhor Weston deve ter entre quarenta e cinqenta anos.

    -O qual ainda d mais mrito a suas boas maneiras. Harriet, quanta mais idade temuma pessoa mais importante que tenha boas maneiras... e mais notria edesagradvel qualquer falta de tom, grosseria ou estupidez. O que passvel na juventude, imperdovel na idade amadurecida. Agora o senhor Martin rude e desajeitado; como ser

    quando tiver a idade do senhor Weston?-Isso nunca pode dizer-se -replicou Harriet com certa nfase.

    -Mas bastante fcil de adivinhar. Ser um granjeiro tosco e completamente vulgar, que nose preocupar o mais mnimo pelas aparncias e que s pensar no que vontade ou deixa deganhar.

    -Se for assim, a verdade que no ser muito atrativo.

    -at que ponto, inclusive agora, absorvem-lhe suas ocupaes, adverte-se pelo fato de quetenha esquecido procurar o livro que lhe recomendou. Estava to preocupado por seus negcios

    no mercado que no pensou em nada mais... que precisamente o que deve fazer um homem quequeira prosperar. O que tem ele que ver com os livros? E eu no duvido de que prosperar e deque com o tempo chegar a ser muito rico... e o que seja um homem pouco refinado e de poucasletras no tem por que nos preocupar.

    -Sente saudades que se esquecesse do livro -foi tudo o que respondeu Harriet, e em suavoz havia um matiz de profunda contrariedade em que Emma no quis intervir. Pelo tanto,deixou passar uns minutos em silncio, e logo recomeou:

    -Em certo aspecto possivelmente as maneiras do senhor Elton so superiores s do

    senhor Knightley ou o senhor Weston; so mais delicadas. Poderiam considerar-se comomais modlicas que as dos outros. No senhor Weston h uma franqueza, uma vivacidade,quase uma brutalidade, que nele todo mundo encontra bem porque respondem ao expansivo deseu carter... mas que no deveriam ser imitadas. E o mesmo ocorre com a simplicidade, esse arresolvido e imperioso do senhor Knightley, embora lhe sente muito bem; seu rosto e seu aspectofsico, e inclusive sua situao na vida, parecem permitir-lhe mas se qualquer jovem ficasse a lheimitar resultaria insofrvel. Pelo contrrio, a meu entender, a um jovem poderia recomendar-se omuito bem que tomasse por modelo ao senhor Elton. Tem bom carter, alegre, amvel e corts. Eme parece que nestes ltimos tempos se mostra especialmente amvel. No sei se tiver o propsito

    de chamar a ateno de alguma das dois, Harriet, redobrando suas amabilidades, mas mesurpreende que suas maneiras sejam ainda mais delicadas do que eram antes. Se algo se propetem que ser te agradar. No te disse o que havia dito de ti o outro dia?

    E ento repetiu uma srie de calorosos elogios que o senhor Elton fazia de seu amiga, semomitir nem inventar nada; e Harriet se ruborizou e sorriu, e disse que sempre tinha acreditado queo senhor Elton era muito agradvel.

    O senhor Elton era precisamente a pessoa escolhida pela Emma para conseguir que Harrietno pensasse mais no jovem granjeiro. Parecia-lhe que ia formar uma magnfica casal; s que umcasal muito evidente, natural e provvel para que, para ela, tivesse muito mrito o planejar suas

    bodas. Temia que no fosse algo que todos os demais deviam pensar e predizer. Entretanto, o queno era provvel era que a ningum mais lhe tivesse ocorrido antes que a ela, j que a idia a tinha

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    eram umas listas excelentes, com livros muito bem escolhidos e classificados com muita ordem, svezes alfabeticamente, outras segundo algum outro sistema.

    Lembrana a lista que confeccionou quando s tinha quatorze anos, que me fez formar umaidia to favorvel de seu bom critrio que a conservei durante algum tempo; e me atreveria aassegurar que agora deve ter alguma lista tambm excelente. Mas j hei perdido toda esperana deque Emma se atenga a um plano fixo de leituras. Nunca se submeter a nada que requeira esforo

    e pacincia, uma sujeio do capricho razo.Onde nada puderam os estmulos da senhorita Taylor, posso afirmar sem temor a me

    equivocar que nada poder Harriet Smith. Voc nunca conseguiu convenc-la para que lesse nemsequer a metade do que voc queria; j sabe voc que no o conseguiu.

    -Eu diria -replicou a senhora Weston sonriendo- que ento opinava assim; mas desde que mecasei no me possvel recordar nem um s desejo meu que Emma tenha deixado de satisfazer.

    -Compreendo que no voc sinta um grande desejo de evocar lembranas como estes -disseo senhor Knightley vivamente.

    Permaneceu em silencio durante uns momentos, e em seguida acrescentou:

    -Mas eu, que no sofri o efeito de seus encantos to diretamente, ainda devo ver, ouvir erecordar. A Emma a prejudicou o ser a mais inteligente de sua famlia. Aos dez anos tinha adesgraa de saber responder a perguntas que deixavam desconcertada a seu irmana aos dezessete.Sempre foi rpida e esteve segura de si mesmo; Isabella sempre foi lenta e indecisa. E sempre, dosdoze anos, Emma foi a proprietria da casa e de todos vocs. Com sua me perdeu nica pessoacapaz de lhe fazer frente. herdei o talento de sua me e tivesse devido educar-se sob suaautoridade.

    -Senhor Knightley, em bonita situao me tivesse visto de ter que depender deuma recomendao dela, em caso de que tivesse tido que deixar a famlia do senhor Woodhouse eme buscar outro emprego; no acredito que voc tivesse feito nenhum elogio de mim a ningum.Estou segura de que sempre me considerou como algum pouco adequado para a misso quedesempenhava.

    -Sim -disse sonriendo-. Seu lugar este; voc uma esposa admirvel, mas no serveem absoluto para institutriz. Mas esteve voc preparando-se para ser uma excelentealgema durante todo o tempo que esteve no Hartfield. Voc no podia dar a Emma umaeducao to completa como sua capacidade parecia prometer; mas estava voc

    recebendo, precisamente dela, uma magnfica educao para a vida matrimonial no que se refere asubmeter sua vontade a outra pessoa, fazendo o que lhe mandava; e se Weston senhorita Taylor.

    -Muito obrigado. Tem muito pouco mrito ser uma boa esposa com um homem comoo senhor Weston.

    -Ver voc, para falar a verdade temo que no tenha ocasio de empregar seus dotes, eque estando disposta a suport-lo tudo, no tenha nada que suportar. Entretanto,no desesperemo-nos. Weston pode chegar a sentir-se molesto por levar uma vidaexcessivamente dada de presente, ou possivelmente seu filho lhe d desgostos.

    -Espero que no seja assim. No provvel. No, senhor Knightley, no vocprognostique desgostos por essa parte.

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    Estou seguro de que estaro de acordo comigo.

    -J sei que todos vocs a querem muito para ser injustos ou muito duros com ela; mas vocme desculpar, senhor Knightley, se tomar a liberdade (j sabe que me considero com o direito deexpor minha opinio como tivesse podido faz-lo-a me da Emma), se tomar a liberdade deindicar que no acredito que se consiga nenhum bem fazendo que a amizade do Harriet Smith eEmma seja matria de uma larga discusso entre vocs. Rogo-lhe que no leve a mal; mas caso que

    encontrssemos algum pequeno inconveniente nesta amizade, no de esperar que Emma, queno tem que dar contas de seus atos a ningum mais que a seu pai, quem aprova totalmente essaamizade, pusesse fim a ela enquanto seja algo que a agrade. foram muitos anos nos que minhamisso foi a de dar conselhos, ou seja que no pode voc sentir saudades, senhor Knightley, deque ainda fique algum ressaibo.

    -Absolutamente! -exclamou-; eu o agradeo muito; um magnfico conselho, e ter maissorte da que estiveram acostumado a ter seus conselhos; porque este ser seguido.

    -A senhora do John Knightley se alarma facilmente, e no quisesse que se preocupe com suairm.

    -voc tranqilize-se -disse ele-, no vou provocar nenhum alvoroo. Guardarei-me omal humor. Sinto um interesse muito sincero pela Emma. No considero a minha cunhada Isabellamais irm que ela; no sinto maior interesse por ela que pela Emma, e possivelmente nemsequer tanto. O que sinto pela Emma como uma ansiedade, uma curiosidade. Preocupa-meo que possa ser dela.

    -Tambm a mim, e muito -disse a senhora Weston quedamente.

    -Emma sempre diz que nunca se casar, o qual, obvio, no significa absolutamente nada.Mas no acredito que tenha encontrado ainda a um homem que atraia seu ateno. Seria-lhe umgrande bem apaixonar-se perdidamente de algum que a merecesse.

    Eu gostaria de ver a Emma apaixonada, sem que estivesse segura de tudo deser correspondida; faria-lhe muito bem. Mas por estes arredores no h ningum em quem possapensar-se, e sai to pouco de casa.

    -O certo que agora me parece ainda menos decidida que antes a romper esta resoluo -disse a senhora Weston-; enquanto seja to feliz no Hartfield, eu no posso lhe desejar que seforme novas relaes que criariam tantos problemas ao pobre senhor Woodhouse. No momentoeu no aconselharia a Emma que se casasse, embora lhe asseguro a voc que no pretendo

    absolutamente desdenhar o estado matrimonial.Em parte, o que ela se propunha com tudo isto era ocultar, dentro do possvel, os projetos

    que ela e o senhor Weston acariciavam a respeito daquela questo. No Randalls existiam planosrespeito ao futuro da Emma, mas no era conveniente que ningum suspeitasse nada deles; equando o senhor Knightley no demorou para trocar tranqilamente de conversao,perguntando: O que pensa Weston do tempo? Acredita que vamos a ter chuva?, convenceu-sede que ele no tinha nada mais que dizer a respeito do Hartfield e que no barruntaba nada detodo aquilo.

    CAPTULO VI

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    advertia que a moa era muito mais sensvel que antes ao feito de que o senhor Elton fosse umhomem grandemente atrativo e de maneiras muito agradveis; e como no desperdiavanenhuma oportunidade para fazer que Harriet se convencesse da admirao que ele sentia por ela,apresentando-se o de um modo sugestivo, Emma no demorou para estar segura de ter suscitadona moa tanto interesse como era possvel; por outra parte estava plenamente convencida de que osenhor Elton estava a ponto de apaixonar-se, se que j no estava apaixonado. Emma no

    duvidava dos sentimentos do jovem. Falava-lhe do Harriet e a elogiava com tanto entusiasmoque Emma no podia por menos de pensar que s com que passasse algum tempo mais tudo ia aser perfeito. que ele se desse conta dos surpreendentes progressos que tinha feito Harriet em suasmaneiras desde que freqentava Hartfield, era uma das mais gratas provas de seu crescenteinteresse.

    -Voc deu senhorita Smith tudo o que ela necessitava -dizia o jovem-; h-lhe dado graa enaturalidade. Quando comearam a tratar-se j era uma moa muito bela, mas em minha opinioquo atrativos voc lhe proporcionou so imensamente superiores aos que recebeu que anatureza.

    -Alegra-me saber que voc acredita que lhe pude ser til; mas Harriet s necessitava umpouco de orientao, receber umas escassas, muito escassas, indicaes. Tinha o dom natural dadoura de carter e da naturalidade. Eu tenho feito muito pouco.

    -Se fosse possvel contradizer a uma dama... -disse o senhor Elton, galantemente.

    -Eu possivelmente lhe dei um pouco mais de deciso, talvez lhe tenho feito pensar em coisasque antes nunca lhe tinham ocorrido.

    -Exatamente, isso; isso o que mais me assombra. A deciso que adquiriu. H tido ummagnfico professor!

    -E eu uma boa aluna, a quem lhe asseguro que foi grato ensinar; nunca havia conhecido aalgum com maiores disposies, com mais docilidade.

    -No o duvido.

    E estas palavras foram pronunciadas com uma espcie de viveza ofegante, que parecia j ade um apaixonado. Outro dia no ficou Emma menos agradada ao ver como secundou o jovemseu repentino desejo de pintar um retrato do Harriet.

    -Harriet, alguma vez lhe tm feito um retrato? -disse-; alguma vez posaste para um pintor?

    Naquele momento Harriet se dispunha a sair da estadia, e s se deteve para dizer com umaingenuidade um tanto afetada:

    -OH, querida! No, nunca.

    Logo que teve sado, Emma exclamou:

    -Seria precioso um bom retrato dele! Eu o pagaria a qualquer preo. Quase me do ganha depint-lo eu mesma. Suponho que voc o ignorava, mas faz dois ou trs anos tive uma grandeafeio pela pintura, e provei a fazer o retrato de vrios de meus amigos, e em geral me disseramque no o fazia mal de tudo. Mas por uma ou outra razo, cansei-me e deixei-o correr. Mas claro

    est que poderia provar outra vez se Harriet queria posar para mim.Seria maravilhoso ter um retrato dele!

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    benefcio de seu amiga. Eu vi seus desenhos. Como podia supor que ignorava que fosse voc umaartista? No h neste salo abundantes mostra de suas pinturas de paisagens e flores?; no tem asenhora Weston em seu salo do Randalls uns inimitveis desenhos que so obra dela?

    Sim, homem de Deus -pensou Emma-, mas todo isso o que tem que ver sabendo reproduziro parecido de uma cara? Sabe muito pouco de desenho. No fique em xtase pensando em meus.te guarde os xtase para quando estiver diante do Harriet. -Ver voc, senhor Elton -disse em voz

    alta-, se me animar voc de um modo to amvel, acredito que tratarei de fazer o que puder. Asfaces do Harriet so muito delicadas, e por isso so mais difceis de reproduzir em um retrato; etem rasgos muito peculiares, como a forma dos olhos ou o traado da boca, que precisoreproduzir exatamente.

    -Voc o h dito... A forma dos olhos e o traado da boca. Eu no duvido de que voc oconseguir. Por favor, tente-o. Estou seguro de que tal como voc o faa ser, para usar suaprpria expresso, algo precioso.

    -Mas eu temo, senhor Elton, que Harriet no queira posar. Concede to pouco valor aseu beleza. Viu voc a maneira em que me respondeu? O que outra coisa queria dizer se no:Para que fazer meu retrato? -OH, sim! Asseguro-lhe que j me fixei. No me passou por cima.Mas no duvido de que poderemos convenc-la.

    Harriet no demorou para retornar, e quase imediatamente lhe fez a proposio; eseus reparos no puderam resistir muito ante a insistncia de ambos. Emma quis ficar mos obrasem mais demora, e portanto foi procurar a pasta aonde guardava seus esboos, j que nenhumdeles estava terminado, a fim de que entre todos decidissem qual podia ser a melhor medida parao retrato. Mostrou-lhes seus numerosos esboos.

    Miniaturas, retratos do meio corpo, de corpo inteiro, desenhos a lpis e ao carvo,

    aquarelas, tudo o que tinha ido ensaiando. Emma sempre tinha querido faz-lo tudo, e tinha sidono desenho e na msica onde seus progressos tinham sido maiores, sobre tudo tendo em conta aescassa disciplina no trabalho a que se submeteu. Tocava algum instrumento e cantava; edesenhava em quase todos os estilos; mas sempre o tinha faltado perseverana; e em nada tinhaalcanado o grau de perfeio que ela tivesse querido possuir, j que no admitia enganos. No sefazia muitas iluses aproxima de suas habilidades musicais ou pictricas, mas no lhe desgostavadeslumbrar a outros, e no lhe importava saber que tinha tina fama freqentemente maior que aque mereciam seus mritos.

    Todos os desenhos tinham seu mrito; e possivelmente os melhores eram os menos

    acabados; seu estilo estava cheio de vida; mas tanto se tivesse tido muito menos, como sehouvesse tido dez vezes mais, a complacncia e a admirao de seus dois amigos tivesse sidoa mesma. Ambos estavam extasiados. O parecido gosta a todo mundo, e neste aspecto os acertosda senhorita Woodhouse eram muito notveis.

    -No ver voc muita variedade de caras -disse Emma-. No dispunha de outrosmodelos que os de minha famlia. Aqui est meu pai (outra de meu pai), mas a idia de posarpara este quadro lhe ps to nervoso que tive que lhe desenhar quando ele no se dava conta;por isso em nenhum destes esboos lhe tirei muito parecido. Outra vez a senhora Weston, e outrae outra, j v. Ai, minha querida senhora Weston! Sempre meu melhor amiga em todasas ocasies. Sempre que o pedia estava disposta a posar. Esta minha irm; e a verdade querecorda muito sua silhueta fina e elegante; e as faces so o bastante parecidas. Tivesse podido

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    -Pode voc pensar o que quiser -exclamou o senhor Elton-, mas eu devo confessarque parece-me uma idia acertadsima o situar senhorita Smith ao ar livre; e a rvore est tratadocom uma graa inimitvel! Qualquer outra ambientao tivesse tido muito menos carter. Aingenuidade da postura da senhorita Smith... Enfim, tudo! OH, algo mais que admirvel! Noposso apartar os olhos do desenho. Nunca tinha visto um parecido to assombroso.

    E o imediato foi pensar em emoldurar o quadro; e aqui surgiram algumas dificuldades.

    Algum tinha que cuidar-se disso; e devia fazer-se em Londres; o encargo tinha que confiar-se a uma pessoa inteligente de cujo bom gosto se pudesse estar seguro; e no podia pensar-se naIsabella, que era quem estava acostumado a ocupar-se destas coisas, j que estavam em dezembro,e o senhor Woodhouse no podia suportar a idia de faz-la sair de casa com a nvoa dedezembro. Mas tudo foi inteirar o senhor Elton do conflito e ficar este resolvido. Sua galanteriaestava sempre alerta.

    -Se me confiasse este encargo, com que infinito prazer o cumpriria! Em qualquer momentoestou disposto a selar o cavalo e ir a Londres. Seria-me impossvel descrever a satisfao que mecausaria me ocupar deste encargo.

    muita amabilidade por sua parte!, Nem pensar em lhe dar tantas molstias!, Por nadado mundo consentiria em lhe dar um encargo to incmodo!... Cumpridos que suscitaram aesperada repetio de novas insistncias e frases amveis, e em poucos minutos se lembrou queassim se faria.

    O senhor Elton levaria o quadro a Londres, escolheria o marco e se encarregaria de todoo necessrio; e Emma pensou que podia enrolar o tecido de modo que pudesse lev-la sem perigoe sem que ocasionasse muitas molstias ao jovem, enquanto que este parecia temeroso de que taismolstias fossem muito pequenas.

    -Que precioso depsito! erijo suspirando meigamente quando lhe entregaram o quadro.

    --Quase muito galante para estar apaixonado -pensou Em MA-. Pelo menos isso o que meparece, mas suponho que deve haver muitas maneiras distintas de estar apaixonado. um jovemexcelente, e isso o que lhe convm ao Harriet; exatamente, isso, como ele diz sempre; mas duns suspiros, se enternece de uma maneira e gasta uns cumpridos to exagerados que mais doque eu poderia suportar em um homem. me toca uma boa parte dos cumpridos, mas em segundoplano; sua gratido pelo que fao pelo Harriet.

    CAPTULO VII

    O mesmo dia da partida do senhor Elton para Londres ofereceu a Emma uma nova ocasiode emprestar um servio a seu amiga. Como de costume, Harriet tinha ido a Hartfield poucodepois da hora do caf da manh; e ao cabo de um momento tinha voltado para seu casa pararetornar ao Hartfield na hora do jantar. Retornou antes do que se havia acordado, e com um ar denervosismo e de confuso que anunciavam que lhe havia ocorrido algo extraordinrio que estavadesejando contar. No demorou nem um minuto em diz-lo tudo. Logo que voltou para casa dasenhora Goddard, disseram-lhe que uma hora antes tinha estado ali o senhor Martin, e que ao no

    encontr-la em casa e que possivelmente ia demorar ainda, tinha deixado um paquetito para elade parte de uma de suas irms e se havia ido; e ao abrir o pacote tinha encontrado, junto com asduas canes que havia emprestado a Elizabeth para que as copiasse uma carta para ela; e esta

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    -Quem tivesse podido pens-lo! Fiquei to surpreendida que no sabia o que fazer. Sim,sim, toda uma proposio de matrimnio; e uma carta muito atenta, ou ao menos me o parece.Escreve-me como se me amasse muito seriamente... mas eu no sei... e por isso vim o antespossvel para te perguntar o que tenho que fazer...

    Emma quase se envergonhou de seu amiga ao ver que parecia to agradada e to duvidosa.

    -V! -exclamou-. O jovem est decidido a no deixar-se perder nada por tiimdez. Por emcima de tudo quer relacionar-se bem.

    -Quer ler a carta? -perguntou Harriet-. Rogo-lhe isso. Eu gostaria tanto que a lesse...

    Emma no se fez rogar muito. Leu a carta e ficou assombrada. A carta estava muito melhorredigida do que esperava. No s no havia nenhum engano gramatical, mas sim sua redao notivesse feito desmerecer a nenhum cavalheiro; a linguagem, embora plano, era enrgico e semartificiosidad, e a expresso dos sentimentos dizia muito em favor de quem a tinha escrito. Era

    breve, mas revelava bom sentido, um intenso afeto, liberalidade, correo e inclusive delicadezade sentimentos. atrasou-se lendo-a, enquanto Harriet a olhava ansiosamente esperando sua

    opinio, e murmurando:-V, v!

    At que por fim no pde conter-se e acrescentou:

    - uma carta bonita no? Ou possivelmente te parece muito curta?

    -Sim, a verdade que uma carta muito bonita -replicou Emma com estudada lentido-,to bonita, Harriet, que, tendo em conta todas as circunstncias, acredito que alguma deseus irms teve que lhe ajudar a escrev-la. Logo que posso conceber que o jovem que vi o outrodia falando contigo se expresse to bem sem ajuda de ningum, e entretanto tampouco o estilo

    de uma mulher; no, certamente muito enrgico e conciso; no suficientemente difuso para serescrito por uma mulher. Sem dvida um homem de sensibilidade, e admito que possa ter umtalento natural para... Pensa de um modo enrgico e conciso... e quando agarra a pluma sabeencontrar as palavras adequadas para expressar seus pensamentos. Isso ocorre a certos homens.Sim, j me fao cargo de como sua maneira de ser. Enrgico, decidido, no sem certasensibilidade, sem a menor grosseria. Harriet -acrescentou lhe devolvendo a carta- est melhorescrita do que esperava.

    -Sim -disse Harriet, que seguia aguardando algo mais-. Sim... Y... o que tenho que fazer?

    -O que tem que fazer? O que quer dizer? Refere a esta carta?-Sim.

    -Mas como possvel que duvide? Certamente tem que respond-la... e alm em seguida.

    -Sim. Mas o que lhe vou dizer? Querida Emma, me aconselhe!

    -OH, no, no! muito melhor que a carta a escribas voc sozinha. Expressar-te commuita mais propriedade, estou segura. No h nenhum perigo d-que no te faa entender, e isso o mais importante. Tem que te expressar com toda claridade, sem vaguedades nem rodeios.E estou segura de que todas essas frases de gratido, e de sentimento pela dor que o causas, e que

    exige a urbanidade, ocorrero a ti mesma. No necessita que ningum lhe aconselhe para lheescrever lamentando a decepo que lhe causa.

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    esta tivesse sido a conseqncia de que te casasse com o senhor Martin. Enquanto tehouvesse visto duvidosa, embora tivesse sido no mais mnimo, no te houvesse dito nada arespeito de esta questo, porque no queria te influir; mas para mim tivesse significado perder auma amiga. Eu no tivesse podido visitar a senhora do Robert Martin no Abbey-Mill Farm.

    Agora j estou segura de no te perder nunca.

    Ao Harriet no lhe tinha ocorrido pensar naquele perigo, mas ento a s idia a deixou muitoimpressionada.

    -Que no tivesse podido me visitar? -exclamou horrorizada-. No, certamente no tivessepodido; mas nunca me tinha ocorrido pensar nisso antes de agora. Houvesse sido muito horrvel.E isso ia ser a soluo de minha vida? Querida Emma, por nada do mundo renunciaria ao prazer e honra de sua amizade.

    -Sim, Harriet, para mim tivesse sido um golpe terrvel te perder; mas tivesse tido queser assim; voc mesma te teria afastado de toda a boa sociedade. Eu tivesse tido que renunciar a ti.

    -Querida! Como tivesse podido suport-lo? Seria minha morte o no voltar nunca mais ao

    Hartfield!

    -Pobre criatura, to carinhosa! Voc, desterrada no Abbey-Mill Farm! Condenada durantetoda sua vida a no tratar mais que a gente vulgar e sem cultura! Pergunto-me como esse jovemteve a ousadia de te propor tal coisa. Deve ter o que se diz muito boa opinio de si mesmo.

    -Tampouco acredito que seja um presunoso -disse Harriet, cuja conscincia se opunha aesta censura-; seja como for, uma pessoa de intenes retas, e eu sempre lhe estareimuito agradecida e pensarei dele com afeto... Mas isto uma coisa, e casar-se com ele... E almdisso, embora eu possa lhe atrair, isso no quer dizer que eu v A... e certamente tenho que

    confessar que desde que venho aqui conheci a pessoas... e se ponho a fazer comparaes, refiro-me atitude e ao trato, pois certamente no h comparao possvel... aqui conheci a cavalheiros toatrativos e de trato to agradvel...

    Entretanto, a verdade que considero o senhor Martin como um jovem amabilsimo, e tenhomuito boa opinio dele; e o que se mostre to atrado por mim e o que me escreva uma carta comoesta... Mas eu no me separaria de ti por nada do mundo.

    -Obrigado, muito obrigado, querida amiga; to carinhosa! No nos separaremos.Uma mulher no tem por que casar-se com um homem s porque ele o pea, ou porque lhehaja inspirado um afeto, ou porque ele seja capaz de escrever uma carta aceitvel.

    -OH, no! E alm disso uma carta muito curta...

    Emma se dava conta do mau sabor de boca que lhe tinha ficado a seu amiga, mas quis pass-lo por alto e seguiu:

    -Certamente; e de pouco consolo te ia servir o saber que seu marido sabe escrever bem umacarta quando pode estar te pondo em ridculo cada momento do dia, com a ordinarismo de suasmaneiras.

    -OH, sim! Tem muita razo. O que importa uma carta? O que importa gozar sempre da

    companhia de pessoas agradveis. Estou totalmente decidida a lhe rechaar.Mas como vou fazer o? O que vou dizer lhe?

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    de seu amiga; e embora Emma seguia afirmando que no necessitava nenhuma classe de ajuda, ocerto foi que colaborou na redao de todas e cada uma das frases de a carta. Ao reler a do senhorMartin para respond-la Harriet se sentiu mais propensa a abrandar-se, tanto que foi preciso queEmma robustecesse sua deciso com umas poucas mas decisivas frases; Harriet estava topreocupada com a idia de lhe fazer desventurado, e pensava tanto no que foram pensar e dizersua me e suas irms, e tinha tanto medo de que a considerassem como uma ingrata, que Emma

    no pde por menos de convencer-se de que se o jovem tivesse acertado a passar por ali naquelemomento, a pesar de tudo tivesse sido aceito.

    Entretanto a carta foi escrita, selada e enviada. A questo estava resolvida e Harriet a salvo.Durante toda a noite a moa esteve mas bem deprimida, mas Emma escutou com pacincia suastenras lamentaes, e de vez em quando tentava lhe levantar o nimo lhe falando do afeto que lheprofessava, e, s vezes tambm, reavivando o lembrana do senhor Elton.

    -Nunca mais voltaro a me convidar ao Abbey-Mill -disse Harriet em um tom masbem lastimero.

    -E se lhe convidassem, Harriet, eu nunca saberia me separar de ti. muito necessriaem Hartfield para que te deixe perder o tempo no Abbey-Mill.

    -E estou segura de que nunca terei desejos de ir ali; porque o nico stio onde eu sou feliz no Hartfield. E ao cabo de um momento, Harriet prosseguiu:

    -Estou pensando que a senhora Goddard ficaria sorprendidsima se soubesse todo o quepassou. E estou segura de que a senhorita Nash tambm... Porque a senhorita Nash acredita quesua irm tem feito umas grande bodas, e isso que s se casou com um paero.

    -Seria penoso ver que uma professora de escola tem mais orgulho ou uns gostosmais refinados. Atreveria-me a dizer que a senhorita Nash te invejaria uma oportunidadecomo esta para casar-se. Inclusive esta conquista seria de grande valor a seus olhos. Quanto aalgo que para ti fora mais valioso, suponho que ela no capaz nem de imaginar-lhe Duvidoque as cuidados de certa pessoa sejam ainda motivo de intrigas no Highbury. at agora imaginoque voc e eu somos as nicas para quem seus olhares e seu proceder foram suficientementeexplcitos.

    Harriet se ruborizou, sorriu e disse algo a respeito de sua estranheza de que houvessequem pudesse interessar-se tanto por ela. Evidentemente, adulava-lhe pensar no senhor Elton;mas ao cabo de um momento voltava a comover-se pensando na negativa que tinha dado

    ao senhor Martin.-A estas horas j teria recebido minha carta -disse quedamente-. Eu gostaria de saber o

    que esto fazendo todos... se souberem suas irms... se ele se sentir desventurado outros o serotambm. Confio em que isto no lhe afete muito.

    -Pensemos em nossos amigos ausentes que vivem horas mais felizes -exclamou Emma-.

    Nestes momentos possivelmente o senhor Elton est ensinando seu retrato a sua me e aseus irms, e lhes est contando at que ponto mais formoso o original, e depois de haver-lhefato rogar cinco ou seis vezes consentir em lhes revelar seu nome, seu nome to querido para ele.

    -Meu retrato! Mas no o deixou no Bond Street?- possvel! Se o tiver feito assim que eu no conheo senhor Elton. No, minha querida

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    companheiro, seu consolo, seu deleite. Servir-lhe para mostrar suas intenes a sua famlia, paraque lhe conheam, para difundir entre os que lhe rodeiam os mais gratos sentimentos da naturezahumana, a viva curiosidade e a calidez de uma predisposio favorvel. Que alegres, o queanimados devem estar! Como devem transbordar de fantasias as imaginaes de todos eles!

    Harriet voltou a sorrir, e seus sorrisos se foram acentuando.

    CAPTULO VIII

    AQUELA noite Harriet dormiu no Hartfield. Nas ltimas semanas passava ali quase ametade do dia, e pouco a pouco foi tendo um dormitrio fixo para ela; e Emma julgava prefervelem todos os aspectos ret-la em sua casa, segura e contente, todo o tempo possvel, pelo menosnaqueles momentos. manh seguinte teve que ir a casa de a senhora Goddard por uma ou duashoras, mas j se conveio que voltaria para Hartfield para ficar ali durante vrios dias.

    Durante sua ausncia chegou o senhor Knightley e esteve conversando com osenhor Woodhouse e Emma, at que o senhor Woodhouse, que aquela manh se havia proposto

    sair a dar um passeio, deixou-se convencer por sua filha de que no o postergasse, e a insistnciade ambos conseguiu vencer os escrpulos de sua cortesia, que resistia a deixar ao senhorKnightley por aquele motivo. O senhor Knightley, que no tinha nada de cerimonioso, com suasrespostas concisas e rpidas oferecia um divertido contraste com as interminveis desculpas ecorteses vacilaes de seu interlocutor.

    -Senhor Knightley, me permita que tome esta licena; se voc queria me desculpar, se no meconsiderasse voc muito grosseiro, eu seguiria o conselho da Emma e sairia a dar um passeio deum quarto de hora. Como o sol se ps acredito que seria melhor que desse meu paseto antes deque refrescasse muito. J v que no fao nenhum completo com voc, senhor Knightley. Ns osinvlidos nos consideramos com certos privilgios.

    -Por Deus, no faltava mais, no tem voc que me tratar como a um estranho.

    -Deixo-lhe com minha filha, que um excelente substituto. Emma estar muito agradadade lhe atender. Assim volto a lhe pedir mil perdes, e vou dar meu vueltecita... meu passeio deinverno.

    -Parece-me muito boa idia, senhor Woodhouse.

    -Eu lhe pediria muito gostoso que tivesse a bem me acompanhar senhor Knightley, mas ando

    muito devagar, e lhe seria muito pesado acomodar-se a meu passo; e alm disso, j tem voc quedar outro comprido passeio para voltar para o Donwell Abbey.

    -Muito obrigado, voc muito amvel; mas eu vou agora mesmo; e acredito que o melhorseria que sasse voc quanto antes. Vou lhe buscar a capa larga e lhe abro a porta do jardim.

    Por fim o senhor Woodhouse se foi; mas o senhor Knightley, em vez de dispor-se asair tambm, voltou a sentar-se como se estivesse desejoso de mais conversao. Comeou falandodo Harriet e fazendo espontaneamente grandes elogios deles, mais dos que Emma tinha ouvido

    jamais em seus lbios.

    -Eu no poderia elogiar sua beleza tanto como voc -disse ele-, mas uma moa linda, e meinclino a acreditar que no lhe faltam bons objetos. Sua personalidade depende da de os que lherodeiam; mas em boas mos chegar a ser uma mulher de mrito

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    -V! -disse ele-. Vejo que o que est desejando que lhe faa um completo, de modo que lhedirei que graas a voc melhorou muito. Voc lhe tem feito perder seu risita boba de colegiala, eisso diz muito em favor de voc.

    -Muito obrigado. Confesso que me levaria um desgosto se no pudesse acreditar quehei servido para algo; mas no todo mundo nos elogia quando o merecemos. Voc, por exemplo,no est acostumado a me afligir com muitas louvores.

    -Dizia voc que a est esperando esta manh, no?

    -Sim, de um momento a outro. Por isso disse j tivesse devido de estar de volta.

    -Algo a deve ter feito atrasar-se; talvez alguma visita. -Que gente mais charlatana a doHighbury! Que fastidiosos som!

    -Ao melhor Harriet no encontra a todo mundo to fastidioso como voc.

    Emma sabia que isto era uma verdade muito evidente para que pudesse lhe levar a contrria,e portanto guardou silncio. Ao cabo de um momento o senhor Knightley acrescentou com um

    sorriso:-No pretendo fixar tempo nem lugar, mas devo lhe dizer que tenho boas razes para supor

    que seu amiguita no demorar muito em inteirar-se de algo que a alegrar.

    -De ver? Do que se trata? Que classe de notcia ser esta? -OH, uma notciamuito importante, o asseguro! -disse ainda sonriendo.

    -Muito importante? S pode ser uma coisa. Quem est apaixonado por ela? Quem o fezconfidncias?

    Emma estava quase segura de que tinha sido o senhor Elton quem lhe tinha feito

    alguma insinuao. O senhor Knightley era um pouco o amigo e o conselheiro de todo o mundo,e ela sabia que o senhor Elton lhe considerava muito.

    -Tenho razes para supor -replicou- que Harriet Smith no demorar para receberuma proposio de matrimnio procedente de uma pessoa realmente irrepreensvel. trata-sede Robert Martin. Parece ser que a visita do Harriet ao Abbey-Mill o vero passado h sortidoseus efeitos. Est locamente apaixonado e quer casar-se com ela.

    - muito de agradecer por sua parte -disse Emma-; mas est seguro de que Harrietquerer aceit-lo?

    -Bom, bom, essa j outra questo; de momento quer propor-lhe Conseguir o que seprope? Faz duas noites veio para ver-me Abadia para consultar o caso comigo. Sabe que tenhouma grande avaliao por ele e por toda sua famlia, e acredito que me considera como um deseus melhores amigos. Veio a me consultar se me parecia oportuno que se casasse to jovem; seno a considerava a ela muito menina; em resumidas contas, se aprovava sua deciso; tinha certomedo de que a considerasse (sobre tudo desde que voc tem tanto trato com ela) como pertencentea uma classe social superior sua.

    Eu gostei de muito tudo o que disse. Nunca tinha ouvido falar com ningum com maissentido comum. Fala sempre de um modo muito oportuno; franco, no se anda pelos ramos e

    no tem nada de tolo. Contou-me isso tudo; sua situao e seus projetos, tudo o quese propunham fazer em caso de que ele se casasse. um jovem excelente, bom filho e bom irmo.

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    elogios de sua amada, e se foi de minha casa alegre e feliz. Caso que antes no tivesse tido emmuito minha opinio, a partir de ento se feito de mim a idia mais favorvel; e me atreveria adizer que saiu de minha casa me considerando como o melhor amigo e conselheiro que jamaisteve homem algum. Isso ocorreu anteontem noite. Agora bem, como fcil de supor, noquerer deixar acontecer muito tempo antes de falar com ela, e como parece ser que ontem no lhefalou, no improvvel que hoje se apresentou em casa da senhora Goddard; e portanto Harriet

    pode haver-se visto retida por uma visita que lhe asseguro que no vai considerar precisamentecomo fastidiosa.

    -Perdoe, senhor Knightley -disse Emma, que no tinha deixado de sorrir enquanto ele falava-, mas como sabe voc que o senhor Martin no lhe falou ontem?

    -Certo -replicou ele, surpreso-, a verdade que no sei absolutamente nada disso, mas otenho suposto. que ontem Harriet no esteve todo o dia com voc?

    -Ver -disse ela-, em justa correspondncia ao que voc me contou, eu vou a lhe contar aminha vez algo que voc no sabia. O senhor Martin falou ontem com o Harriet, dizer, escreveu-lhe, e foi rechaado.

    Emma se viu obrigada a repeti-lo para que seu interlocutor acreditasse; e ao momentoo senhor Knightley se ruborizou de surpresa e de contrariedade, e ficou de p indignado dizendo:

    -Ento que esta moa muito mais boba do que eu acreditava. Mas o que o ocorre a essainfeliz?

    -OH, j me fao cargo! -exclamou Emma-. A um homem sempre resulta incompreensvel queuma mulher rechace uma proposio de matrimnio. Um homem sempre imagina que umamulher sempre est disposta a aceitar ao primeiro que pea seu mo.

    -Nem muitssimo menos! A nenhum homem lhe ocorre tal coisa. Mas o que significatudo isso? Harriet Smith rechaando ao Robert Martin! Se for verdade uma loucura! Masconfio em que estar voc mal informada.

    -Eu mesma vi a resposta a sua carta, no h engano possvel.

    -De modo que voc viu a resposta do Harriet? E a escreveu tambm, no?

    Emma, isto obra dela. Voc a convenceu para que lhe rechaasse.

    -E se o tivesse feito (o qual, entretanto, estou muito longe de reconhecer), noacreditaria fazer nada mau. O senhor Martin um jovem muito honorvel, mas no posso admitir

    que lhe considere mesma altura do Harriet; e a verdade que mas bem me assombra que seatreveu a dirigir-se a ela. Por isso voc conta parece haver tido alguns escrpulos. E uma lstimaque se desembaraasse deles.

    -Que no est mesma altura do Harriet? -exclamou o senhor Knightley, levantando a voz eacalorando-se; e uns momentos depois acrescentou mais acalmado, mas com aspereza-:

    No, a verdade que no est a sua altura, porque ele muito superior em critrio eem posio social. Emma, voc est cegada pela paixo que sente por essa moa. que HarrietSmith pode aspirar por seu nascimento, por sua inteligncia ou por sua educao a casar-se com

    algum melhor que Robert Martin? Harriet a filha natural de um desconhecido queprovavelmente no tinha a menor posio, e sem dvida nenhuma relao mais ou menosrespeitvel No mais que uma pensionista de uma escola pblica uma moa que carece de

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    sensibilidade e de toda instruo. No lhe ensinaram nada til, e muito jovem e muito obtusapara ter aprendido algo por si mesmo.

    A sua idade no pode ter nenhuma experincia, e com suas curtas luzes no fcilque jamais chegue a ter uma experincia que lhe sirva para algo. agraciada e tem bom carter,isso tudo. O nico escrpulo que tive para dar minha opinio favorvel a esta bodas foi por ela,porque acredito que o senhor Martin merece algo melhor, e no muito bom partido para ele. Por

    isso se refere questo econmica, tambm me parece que ele tem todas as probabilidades defazer um matrimnio muito mais vantajoso; e assim que a ter a seu lado a uma mulherpormenorizada e sensata que lhe ajude, acredito que no podia haver eleito pior. Mas eu nopodia raciocin