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Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina/Epagri Centro de Pesquisa para Pequenas Propriedades CPPP/Epagri Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA Secretaria da Agricultura Familiar SAF Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural NEAD 2001

Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa

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Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Ruralde Santa Catarina/Epagri

Centro de Pesquisa para Pequenas PropriedadesCPPP/Epagri

Ministério do Desenvolvimento AgrárioMDA

Secretaria da Agricultura FamiliarSAF

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento RuralNEAD

2001

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MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO

Raul Belens Jungmann PintoMinistro de Estado do Desenvolvimento Agrário

José AbrãoSecretário-Executivo

Francisco Orlando Costa MunizSecretário Nacional de Reforma Agrária

Gilson Alceu BittencourtSecretário de Agricultura Familiar

Sebastião AzevedoPresidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

José Eli da VeigaSecretário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável

Juarez Rubens Brandão LopesCoordenador-Geral do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

Edson TeófiloCoordenador-Executivo do

Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural

GOVERNO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Esperidião Amin Helou FilhoGovernador do Estado de Santa Catarina

Odacir ZontaSecretário de Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura

Dionísio Bressan LemosPresidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária e

Extensão Rural de Santa Catarina/Epagri

Celso Antônio Dal PivaGerente Regional da Epagri de Chapecó

Nelson CortinaChefe do CPPP/Epagri de Chapecó

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Milton Luiz SilvestroRicardo Abramovay

Márcio Antonio de MelloClovis Dorigon

Ivan Tadeu Baldissera

CoordenadorRicardo Abramovay

Prefácio deJosé de Souza Martins

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EdiçãoIntertexto – Gestão da Informação, Estudos e Projetos

SCS · Quadra 6 · Bloco “A”Edifício Presidente · salas 305/307/309

Tel.: (61) 321-3363Fax.: (61) 223-5702

e-mail:[email protected]

Ficha Catalográfica

Silvestro, Milton Luiz et alii.

Os impasses sociais da sucessão hereditária na agriculturafamiliar / Milton Luiz Silvestro et alii, Florianópolis : Epagri;Brasília : Nead / Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2001

120 p.

1. Agricultura. 2. Agricultura Familiar. 3. Juventude Rural I.Silvestro, Milton Luiz. II. Abramovay, Ricardo. III. Mello, MárcioAntonio. IV. Dorigon, Clovis. V. Baldissera, Ivan Tadeu. VI. Título.

CDU 630

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Prefácio

Engolida pela peleja político-partidária que adistorce, a questão agrária no Brasil tem váriosdos seus aspectos fundamentais e mais dramá-

ticos relegados a um plano secundário e, não raro,completamente ignorados. Hoje, no debate políticomais aceso e mais visível, estamos muito mais em facede impugnadores da política agrária do que de defen-sores da reforma agrária e de políticas sociais queabram ou consolidem uma alternativa de vida e alter-nativa histórica para as populações que associam seudestino tanto ao mundo agrícola quanto ao mundorural que com ele não se confunde necessariamente.

Os autores e agentes de políticas públicas, no en-tanto, se defrontam com aspectos dos problemas so-ciais que não se reduzem aos termos do código fácildas soluções tagarelas e de bolso. São problemas com-plicados, mas que podem ser decididos até com facili-

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dade por meio de vontade política, com base na infor-mação sociológica e econômica fundamentada, no co-nhecimento objetivo da natureza dos problemas e di-ficuldades, da concepção que deles tem quem por elesé vitimado e das alternativas que sua realidade, suaspossibilidades e sua visão de mundo abrem para ado-ção de políticas apropriadas e conseqüentes.

Esta monografia responde a essa necessidade deinformação e compreensão de um dos problemas maisdesdenhados da circunstância social das populaçõesdo campo: os impasses sociais da sucessão hereditá-ria na agricultura familiar. Esse problema constitui umadas conseqüências da dinâmica fundiáriaconcentracionista do nosso sistema fundiário, quepede uma política continuada, corajosa e persistentede correção e revisão.

Se, de um lado, a agricultura familiar é uma realida-de nas várias regiões do país, mais expressiva aqui,menos expressiva ali, o regime de propriedade consti-tuído historicamente a partir da valorização do latifún-dio conspira todo o tempo para privar de terras e demeios a família rural e seu mundo.

Desde a inauguração do regime de propriedade daterra que tem vigência entre nós, em 1850, tem o Esta-do procurado assegurar que, paralelamente ao queentão se chamava de grande lavoura, houvesse tam-bém espaço para a pequena agricultura comercial dasfamílias que quisessem e pudessem trabalhar por contaprópria. Mas, a centralidade da grande lavoura, da gran-de propriedade durante muito tempo voltada para a

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agricultura de exportação, dominou o sistema econô-mico e o próprio sistema político, transformando a agri-cultura familiar numa economia residual condenada agravitar em torno dos seus interesses.

Apenas nos últimos anos a agricultura familiar vemse tornando de fato protagonista de políticas públi-cas, de interesse social e econômico e, mesmo, de al-ternativa a uma economia que, aceleradamente emmodernização, exclui parcelas importantes da popu-lação, que se tornaram retardatárias da História e dodesenvolvimento econômico e social. Esseprotagonismo resulta em parte dos movimentos soci-ais rurais e da ação das organizações partidárias queos engolfaram em seus projetos políticos. Menos por-que a agricultura familiar esteja de fato no centro des-ses projetos, pois esses grupos, nem sempre de ma-neira clara, tem se orientado mais em favor de pro-postas de coletivização da agricultura inspiradas emexperiências de reconhecido anacronismo. E mais por-que a combatividade que se desenvolveu em torno daquestão da propriedade fundiária tem levado outrossetores da sociedade e o próprio Estado a se impor aurgência de ajustar o mundo rural ao mundo modernoe a desenvolver políticas que assegurem um lugarparticipativo e economicamente inovador aos rema-nescentes das populações que não foram engolidaspelo desenvolvimento urbano e industrial.

A compreensão das condições dessa alternativadeve muito à pesquisa científica que se desenvolvenas universidades e nas instituições especializadas.

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Este trabalho é um dos excelentes resultados desselabor paciente de indagação, verificação e compre-ensão dos impasses próprios da situação a que merefiro. Seus autores fizeram uma pesquisa sociológi-ca, cujos resultados aqui apresentam, numa das regi-ões mais características das tradições da agriculturafamiliar, o oeste de Santa Catarina, mesmo assim umaregião de crise social.

Seu trabalho apresenta resultados esclarecedores arespeito do que se poderia chamar de destino das novasgerações no mundo rural e o próprio destino da agricul-tura familiar. De um lado, mais de dez por cento das fa-mílias hoje dedicadas a essa agricultura não tem suces-sores. Os filhos foram embora, optaram por viver e tra-balhar na cidade e em outras regiões. Para a sociedade éum problema que essas terras não venham a reentrar nocircuito de reprodução da mesma agricultura familiar eque, por meio do mercado, acabem sendo incorporadaspela grande propriedade e/ou dedicada à pecuária ex-tensiva, que reduz o número de empregos e o efeito eco-nomicamente multiplicador do trabalho.

De outro lado, os jovens que estão sendo descarta-dos por essas transformações são os que tendem aestar em níveis inferiores de educação escolar, conde-nados, de certo, modo, à participação em oportunida-des de trabalho precárias fora do mundo que os edu-cou. Não obstante, são dotados de um saber, aprendi-do ao longo da vida, desde a infância, como é própriodo campo, que faz deles profissionais altamente qua-lificados para a agricultura familiar.

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Portanto, a migração representa nesses casos a des-truição de um capital social que poderia ser vital para areinserção das novas gerações nesse modelo de econo-mia e em condições de vida potencialmente superiores àsque encontrariam nos lugares para onde migrassem. Com-parando pais e filhos com melhores rendimentos e pais efilhos com menores rendimentos, fica evidente que noprimeiro caso a alternativa de ficar é sua opção e opçãoviável. No segundo caso, ficar dependeria de providênciaspolíticas que assegurassem terra e crédito. Em todos oscasos, mostram os autores, a providência seria a de aper-feiçoar e expandir políticas públicas que de alguma formagarantissem o acesso à terra na extensão e na qualidadeapropriadas e assegurassem os recursos apropriados àhabitação e à produção.

Os autores deste trabalho dão uma contribuição degrande importância não só para a adoção, expansão eaperfeiçoamento de políticas públicas apropriadas àmelhora das condições de vida no meio rural e, portan-to, para incremento de um efetivo programa de desen-volvimento social no campo. Eles também nos ofere-cem um trabalho essencial à modificação da perspecti-va que marca os interesses dos acadêmicos e a açãodos técnicos e educadores em relação ao campo. Elesnos ensinam que na roça há uma possibilidade de des-tino e de inserção ativa e participativa no mundo mo-derno para as novas gerações.

José de Souza MartinsUniversidade de São Paulo

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Lista de Tabelas

Lista de Figuras

Agradecimentos

1. ApresentaçãoDe Santa Catarina para o Boi de PrataA região oeste catarinenseCapitalizados, em Transição e Descapitalizados

2. As expectativas profissionais dos jovens2.1. Opção ou fatalidade?2.2. Alguns determinantes da escolha profissional

a) A importância da educaçãob) Influência familiar e diferenciação socialc) Pobreza e estreitamento das relações sociais

A moradia de uma família de agricultores descapitalizados

3. Preparando a sucessão

3.1. Quem fica?3.2. A compensação dos outros herdeiros3.3. O momento da transferência: o fim do padre padrone3.4. O viés de gênero nos processos sucessórios3.5. O interesse pela terra3.6. Sucessão e renda não-agrícola

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19243235

41414848565961

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Sumário

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Conclusões

Proposição de Políticasa) Reordenamento fundiáriob) Educação e formação profissionalc) Capacitação profissionald) Programa de moradia no meio rurale) Criação de novas oportunidades de renda

Referências Bibliográficas

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107108109112113114

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Futuro profissional “desejado” pelos rapazes (%) 42

Tabela 2 - Opinião dos rapazes quanto ao seu provávelfuturo profissional (%) 42

Tabela 3 - Futuro profissional desejado pelas moças (%) 43

Tabela 4 - Opinião das moças quanto ao seu provávelfuturo profissional (%) 43

Tabela 5 - Opinião dos rapazes quanto ao seu futurocomo agricultor (%) 44

Tabela 6 - Questão dirigida aos rapazes: Considerando o seugrau de instrução onde você acha que tem as melhoresoportunidades (%) 46

Tabela 7- Questão dirigida às moças: Considerando o seugrau de instrução onde você acha que tem as melhoresoportunidades (%) 47

Tabela 8 - Grau de instrução dos filhos de agricultoresfamiliares com idade entre 7 e 29 anos nos municípiospesquisados - em valores absolutos 50

Tabela 9 - Nível de escolaridade dos jovens ao sair dapropriedade paterna segundo o local de destino (%) 51

Tabela 10 - Nível educacional dos jovens que saíram dapropriedade paterna e permaneceram no meio rural (%) 52

Tabela 11 - Nível educacional dos jovens ao deixar apropriedade paterna em direção à cidade (%) 53

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Tabela 12 - Objetivo principal que determinou a saídados jovens para o meio urbano (%) 53

Tabela 13 - Nível educacional e idade média dos jovensentrevistados 55

Tabela 14 - Opinião dos rapazes quanto ao nível mínimo deinstrução para desempenhar a profissão de agricultor (%) 55

Tabela 15 - Questão dirigida aos pais: Você estimula seus(suas)filhos(as) a serem agricultores(as) (%) 57

Tabela 16 - Em que condições os rapazes aceitariam seragricultor fora da região oeste de Santa Catarina (%) 58

Tabela 17 - Quem ficará na propriedade na opiniãodos pais, filhos e filhas (%) 65

Tabela 18 - Quem foi ou será escolhido como sucessor dapropriedade na opinião dos pais, filhos e filhas (%) 66

Tabela 19 - Quem participou da escolha do sucessor naopinião dos pais, filhos e filhas (%) 67

Tabela 20 - Questão dirigida aos rapazes: Quando somenteum filho herdar a propriedade como será feita acompensação aos demais irmãos (%) 68

Tabela 21 - Questão dirigida às moças: Quando somenteum filho herdar a propriedade como será feita acompensação aos demais irmãos (%) 69

Tabela 22 - Questão dirigida aos pais: Em que momento seráfeita a transferência do controle da propriedade (%) 70

Tabela 23 - Questão dirigida aos rapazes: Na sua opiniãoem que momento deve ser feita a transferência docontrole da propriedade (%) 71

Tabela 24 - Questão dirigida às moças: Na sua opinião emque momento deve ser feita a transferência do controleda propriedade (%) 73

Tabela 25 - Questão dirigida aos rapazes: Diante de uma novaidéia que você faça para a organização da propriedade, qual a reação dos seus pais (%) 74

Tabela 26 - Questão dirigida às moças: Diante de umanova idéia que você faça para a organização da propriedade,qual a reação dos seus pais (%) 74

Tabela 27 - Questão dirigida aos rapazes: Você está de acordocom os últimos investimentos realizados na propriedade (%) 76

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Tabela 28 - Questão dirigida às moças: Você está de acordocom os últimos investimentos realizados na propriedade (%) 76

Tabela 29 - Nível de participação dos rapazes nas decisões dapropriedade (%) 77

Tabela 30 - Nível de participação das moças nas decisões dapropriedade (%) 78

Tabela 31 - Questão dirigida aos pais: Como é a divisão e ogerenciamento do trabalho na unidade familiar (%) 79

Tabela 32 - Questão dirigida às moças: Você desenvolveatividades individuais para obter seu próprio dinheiro (%) 80

Tabela 33 - Questão dirigida aos rapazes: Você desenvolveatividades individuais para obter seu próprio dinheiro (%) 80

Tabela 34 - Questão dirigida aos rapazes: Qual o principalmotivo para você buscar seu próprio dinheiro (%) 81

Tabela 35 - Questão dirigida às moças: Qual o principalmotivo para você buscar seu próprio dinheiro (%) 82

Tabela 36 - Opinião dos pais quanto à possibilidade dasfilhas serem as sucessoras (%) 84

Tabela 37 - Opinião das moças quanto à possibilidade delasserem sucessoras (%) 84

Tabela 38 - Atribuições das moças na propriedade (%) 85

Tabela 39 - Questão dirigida aos rapazes: Se você tivesserecursos disponíveis onde aplicaria primeiro (%) 86

Tabela 40 - Questão dirigida às moças: Se você tivesserecursos disponíveis onde aplicaria primeiro (%) 86

Tabela 41 - Questão dirigida aos rapazes: Fora de umprograma adequado para instalação de jovens agricultoresvocê acha que há condições de se viabilizar na agricultura (%) 87

Tabela 42 - Questão dirigida às moças: Fora de um programaadequado para instalação de jovens agricultores você achaque há condições de se viabilizar na agricultura (%) 88

Tabela 43 - Questão dirigida aos pais: Vocês teriam interesseem fazer um financiamento para adquirir uma propriedade e instalar seus filhos na agricultura (%) 89

Tabela 44 - Questão dirigida aos pais: Vocês teriam interesseem fazer um financiamento fundiário nas condições doBanco da Terra (%) 89

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Lista de Figuras

Figura 1 - Mapa de Santa Catarina com destaque para a região oestecatarinense e os municípios onde foi realizada a pesquisa 34

Figura 2 - Vista parcial de uma propriedade capitalizada 37

Figura 3 - Vista parcial de uma propriedade em transição 37

Figura 4 - Vista parcial de uma propriedade descapitalizada 38

Figura 5 - Moradia de uma propriedade descapitalizada 62

Tabela 45 - Questão dirigida aos rapazes: Você tem interesseem fazer um financiamento fundiário nas condições doBanco da Terra (%) 90

Tabela 46 - Questão dirigida às filhas: Você tem interesseem fazer um financiamento para adquirir uma propriedade einstalar-se como agricultora (%) 91

Tabela 47 - Questão dirigida às filhas: Você tem interesseem fazer um financiamento fundiário nas condições doBanco da Terra (%) 91

Tabela 48 - Questão dirigida aos pais: Em relação à terrapara os(as) filhos(as) (%) 92

Tabela 49 - Opinião dos filhos sobre a quantidade e aqualidade da terra (%) 93

Tabela 50 - Opinião das filhas sobre a quantidade e aqualidade da terra (%) 94

Tabela 51 - Origem da renda agrícola das propriedades (%) 96

Tabela 52- Questão dirigida aos pais: Qual a participação daaposentadoria rural na renda total da propriedade (%) 98

Tabela 53 - Questão dirigida aos pais: Quantas pessoasmoram na propriedade e trabalham fora (%) 99

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Agradecimentos

Agradecemos em primeiro lugar, e de formaespecial, aos agricultores e suas famílias onde realizamos os trabalhos de pesquisa. Embora

muitas vezes o tema de nossa pesquisa, nos tenhaobrigado a invadir sua privacidade, sempre fomosrecebidos de forma amável e gentil. São os agricul-tores familiares a razão primeira deste trabalho depesquisa e de toda a nossa atuação profissional. Es-peramos que as proposições aqui apresentadas pos-sam se converter em políticas efetivas em seu apoioe fortalecimento.

Somos gratos ao colega Edson Siminski, da Epagride Concórdia, que de forma prestativa nos forneceuinformações a respeito dos diagnósticos socioeco-nômicos municipais que foram coordenados pelaEpagri regional de Concórdia. Essas informações fo-ram fundamentais para que pudéssemos identificar o

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nosso universo de pesquisa. Agradecemos também asua colaboração na análise preliminar dos dados.

Às equipes de extensionistas locais e aos técnicosdas secretarias municipais de agricultura dos dez mu-nicípios onde realizamos a pesquisa. Muitos deles nosauxiliaram na aplicação dos questionários juntos àsfamílias dos agricultores. Sua solicitude facilitou enor-memente nosso acesso às propriedades selecionadaspara a pesquisa.

Ao professor Wilson Schmidt, a Gilson Bittencourt ea Leandro do Prado Wildner pela leitura crítica e contri-buições ao texto. Lembrando sempre, como é de praxe,que o conteúdo deste trabalho e seus equívocos rema-nescente são de inteira responsabilidade dos autores.

Por último, mas não menos importante, agradece-mos à Epagri e ao Ministério de Desenvolvimento Agrá-rio – Pronaf pela valorização do tema pesquisado e peloapoio financeiro proporcionado.

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1. Apresentação

I

A sociedade brasileira não tem sido capaz de tirar partido de novas oportunidades de aces- so à terra trazidas por mudanças demográficas

fundamentais em seu meio rural. Embora um poucomais tarde e num ritmo menos acelerado que nas ci-dades, o tamanho das famílias rurais diminuiu de ma-neira nítida, nos últimos anos. A conseqüência é o apa-recimento – fundamentalmente nas regiões marcadashistoricamente por maior democratização do acessoà terra – de um problema típico dos países desenvol-vidos, em particular das sociedades européias: a cres-cente quantidade de unidades produtivas cujo desti-no está comprometido pela falta de sucessores. Che-ga a, no mínimo, 12% a proporção de estabelecimen-tos familiares do oeste de Santa Catarina habitados

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por casais com mais de 41 anos de idade e sem o re-gistro da presença permanente de jovens em seu inte-rior, segundo pesquisa realizada pela Epagri (1999)1

em dez municípios da região e na qual se apoiam osdados do presente trabalho. Isso significa que a conti-nuidade profissional de 9,2 mil dos 77 mil estabeleci-mentos familiares da região – considerando que osdez municípios estudados são bastante representati-vos - encontra-se ameaçada. Uma vez que além des-tas unidades sem sucessores, em outras 17% existe ape-nas um filho (rapaz ou moça) residindo com os pais, aproporção de 12% de imóveis sem sucessores podeestar subestimada.

Mas por que razão e em que sentido é possível fa-lar de um problema sucessório? Sob o ângulo econô-mico, a ausência de sucessores2 significa o encontro,por parte dos filhos que deixaram o negócio familiar,de oportunidades mais promissoras de geração de ren-da, na esmagadora maioria dos casos fora do meio

1 Trata-se de um Censo Agropecuário realizado numa parceria entre a Epagri(Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina) eo Icepa (Instituto de Planejamento e Economia Agrícola de Santa Catarina),em 17 municípios do oeste catarinense onde foram levantadas informaçõeseconômicas, sociais e dos sistemas de produção de 15.293 estabelecimentosagropecuários, sobre cuja base calculou-se a amostra desta pesquisa.2 Claro que existe a possibilidade de volta para a propriedade de indivíduosque saíram em busca de outras oportunidades de organização de suasvidas. Além disso, é possível que, em alguns casos, a migração temporáriatenha sido tomada por ausência permanente do jovem na propriedade.Somente um estudo mais detalhado das informações do Censo Demográficode 2000 permitirá saber qual a importância da migração de retorno especi-ficamente para o meio rural. Mas as informações de campo não parecemmostrar que se trate de um fenômeno de grandes proporções, que sirva decontrapeso para a tendência aqui exposta.

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rural. Nada melhor, nestas condições, do que deixarao próprio mercado de terras a incumbência de en-contrar os agentes econômicos capazes de valorizaros imóveis que estarão disponíveis por força do pró-prio envelhecimento de seus titulares e pela falta decandidatos familiares a sua exploração.

De fato, caso houvesse perfeição no mercado deterras, seria muito difícil justificar que regiões cujapaisagem social não é dominada pelo latifúndio, fos-sem objeto de políticas fundiárias. Mas podem serapontados ao menos dois importantes limites dosmecanismos espontâneos de compra e venda de ter-ra em regiões marcadas historicamente pela forçada agricultura familiar. O primeiro representa um dosmais importantes resultados da pesquisa aqui leva-da adiante: nada menos que 69% dos rapazes en-trevistados – mas uma quantidade bem menor demoças, somente um terço delas - manifestaram odesejo de organizar suas vidas profissionais em tor-no da gestão de uma unidade produtivaagropecuária. São jovens que adquiriram experiên-cia de gestão do negócio familiar, que conhecem asprincipais técnicas produtivas e os mais importan-tes canais de obtenção de financiamentos e acessoaos mercados. O impressionante déficit educacio-nal que os caracteriza – sobretudo aos rapazes quejá saíram da escola - torna este conjunto de conhe-cimentos tácitos e não formais um importante ativopara a geração de renda. A intenção de continuar aprofissão paterna choca-se, entretanto, na maioria

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dos casos, contra a exigüidade do tamanho da uni-dade familiar. A dinâmica espontânea dos proces-sos sucessórios impedirá a realização dos potenci-ais produtivos embutidos nos conhecimentos deimensa quantidade de jovens que terão poucasoportunidades de integração nos mercados de tra-balho urbano (ver Box I) e que gostariam de se dedi-car à gestão de um estabelecimento agropecuário.Em outras palavras, o mercado de terras não serácapaz de juntar as duas pontas da questão sucessóriana agricultura familiar: a oferta de terras por parteda população em processo de envelhecimento - ecujos filhos encontraram outras oportunidades detrabalho fora da unidade produtiva - não é absorvi-da pela demanda vinda de jovens com desejo e ca-pacidade de se instalar e permanecer na profissãopaterna. É necessário uma inovação na políticafundiária brasileira que abra o caminho para que mi-lhares de jovens agricultores possam realizar suasvocações e desejos profissionais.

O segundo limite do mercado de terras em regiõesde predomínio da agricultura familiar refere-se a umaexternalidade positiva que ele é incapaz de contem-plar. Imóveis sem sucessores acabam sendo vendidosa pessoas que incorporam a terra como um dos ativosde suas carteiras de negócios. Na maioria das vezes,profissionais liberais adquirem o estabelecimento enele desenvolvem criação extensiva de gado de corte.A geração de riqueza que daí se origina tem comocontrapartida uma dupla destruição: dos equipamen-

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3 Escolas, centros comunitários, igrejas, quadras de esporte, salão defesta, estradas e outros.

tos residenciais e produtivos previamente existentesna propriedade (casa, chiqueiro etc.) e, sobretudo, deum conjunto de equipamentos e serviços coletivos3

que não encontram mais utilização em virtude do es-vaziamento populacional. A própria paisagem édescaracterizada neste processo.

O mercado de terras não contabiliza em suas ope-rações o valor do tecido social, da rede de rela-ções existentes no meio rural que se extingue quan-do agricultores familiares são substituídos por uni-dades pertencentes a proprietários que ali não re-sidem. Os estudos mais importantes na área de so-ciologia e economia das instituições nos últimosdez anos vêm mostrando que os vínculos de proxi-midade e as relações de confiança por eles gera-dos podem tornar-se fonte decisiva de desenvolvi-mento (Abramovay, 2000). É exatamente isso quese perde quando se assiste de maneira passiva aoesvaziamento demográfico, econômico, cultural epolítico das regiões de predomínio da agriculturafamiliar. Em algumas regiões, sobretudo na Euro-pa, a preocupação com o esvaziamento de algu-mas áreas rurais tem ensejado esforços no sentidode atrair empresas e famílias jovens com o objeti-vo de diminuir e reverter o envelhecimento da po-pulação autóctone (Dirven, 2000, Farinelli, 2001).

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(Box 1) De Santa Catarina para o Boi dePrata

É do oeste de Santa Catarina que se originauma considerável quantidade de jovens trabalhandohoje em redes de churrascarias e lanchonetes nosestados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Trata-se demigração altamente organizada: somente as duasmaiores agências voltadas a esta atividade, localiza-das em São Miguel do Oeste e Guaraciaba, coloca-ram nada menos que 700 jovens, na sua grande mai-oria rapazes, em São Paulo e no Rio de Janeiro duran-te o ano 2000. Mas as perspectivas deste tipo de mi-gração parecem hoje menos promissoras do que jáforam, segundo entrevistas com os responsáveis porestas agências. Os salários reduziram-se e as condi-ções de trabalho e moradia para os jovens que che-gam aos grandes centros tornaram-se especialmen-te precárias. As agências locais informam que hojerespondem menos a uma demanda – claramentedeclinante – vinda das regiões metropolitanas que àcolocação de moças como empregadas domésticasno próprio oeste de Santa Catarina. As informaçõesagregadas sobre o padrão recente de crescimento daocupação corroboram a idéia de precariedade e inse-gurança, cuja influência na decisão migratória é deci-siva: dos 936 mil novos postos de trabalho geradosentre agosto de 1999 e agosto de 2000, apenas 18,4%correspondem a empregos com carteira assinada,

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segundo informação do Ministério do Trabalho e doIpea. A proporção de autônomos é de 16,8% e a deempregadores de 3,4% (Cavalcanti, 2000). Ao menosdois terços destas ocupações caracterizam-se porinformalidade, o que, sobretudo para jovens migrantesrecém-chegados, significa, com freqüência, condiçõesdegradantes de vida.

II

Não existe atividade econômica onde as relaçõesfamiliares tenham tanta importância como na agricul-tura. Em primeiro lugar, a esmagadora maioria dosagricultores contemporâneos continuam a atividadepaterna, o que não ocorre em nenhuma outra profis-são. Nos Estados Unidos e no Canadá é cinco vezesmais provável que um negócio agrícola passe de umageração a outra do que um negócio não agrícola (Tayloret alii 1998:553). Na França, em 1953, originavam-seno meio rural 85% dos agricultores; em 1985, este eraainda o caso de 90% deles (Champagne, 1986). Na Grã-Bretanha, 80% dos agricultores em tempo integral pros-seguem na atividade de seus ancestrais (Gasson &Errington, 1993:184).

Além disso, nos países capitalistas centrais, não sóo patrimônio, mas também a gestão e a maior partedo trabalho agropecuário vêm fundamentalmente da

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família. Em grande parte dos países europeus é bemmais freqüente que um assalariado agrícola trabalheem diversas unidades produtivas que a situação emque um estabelecimento reúna uma quantidade apre-ciável de assalariados. A organização da agriculturacontemporânea fere duas importantes premissas con-sideradas por Max Weber (1905/1999:8) como essenci-ais à formação do capitalismo. Em primeiro lugar, amaior parte da agricultura contemporânea não se apóiana separação entre negócio e família. Além disso, olocal de residência, na maior parte das vezes, se con-funde com o local de trabalho. Em que pese a estrutu-ra bimodal da agricultura brasileira, hoje já é reconhe-cida a importância social, econômica e territorial dasunidades de produção familiar.

Existe não só considerável literatura, mas um vastoarsenal de aconselhamentos quanto aos processossucessórios em empresas familiares dotadas de patri-mônios significativos. A gestão profissionalizada e oafastamento dos membros da família dos postos exe-cutivos têm sido a tônica dos últimos anos, em francocontraste com os padrões vigentes na formação his-tórica do capitalismo brasileiro (Bernhoeft, 1999).

Os negócios onde não só a propriedade, mas tam-bém a gestão e o trabalho, pertencem à família nãorecebem a atenção dos especialistas exatamente porexcluírem a forma de profissionalização característicadas empresas patronais. O patrimônio envolvido nes-tas empresas justifica a mobilização privada de umcorpo específico de consultores. Já na agricultura fa-

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miliar, a sucessão aparece como tema de foro íntimodiante do qual as famílias tomam decisões sem qual-quer tipo de orientação profissional. A dimensão decada negócio não permite um corpo de assessoresvoltados a esta finalidade. Mas tanto a quantidade deunidades familiares no campo, como a relação entre odestino da ocupação social no meio rural e os proces-sos sucessórios, deveriam ser razões suficientes paraque as organizações que lutam pela valorização dointerior do país se debruçassem sobre o assunto. En-quanto os processos sucessórios não forem objeto dediscussões organizadas pelos próprios movimentossociais no campo, será difícil organizar a políticafundiária específica às regiões de predomínio da agri-cultura familiar.

III

Mais que um momento, a sucessão é um processoformado por três componentes. A transferênciapatrimonial, a continuação da atividade profissionalpaterna e a retirada das gerações mais velhas do co-mando sobre o negócio (Gasson & Errington, 1993;Abramovay et alii 1998). Mais importante que o instan-te específico em que se faz a transferência jurídica debens é a gradual passagem de responsabilidades deuma geração para a outra. Nesta “unidade indissolúvelde geração de renda” (Chayanov, 1925/1986) que é a

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agricultura familiar, os filhos e filhas integram-se aosprocessos de trabalho – auxiliando a conduzir os ani-mais, acompanhando os pais em algumas tarefas, aju-dando na casa – desde muito cedo. Aos poucos vãoassumindo atribuições de maior importância e chegamà adolescência não só dominando as técnicas obser-vadas durante sua vida, mas os principais aspectos daprópria gestão do estabelecimento. Entretanto, estesconhecimentos não significam que os jovens organi-zam seu futuro com os olhos necessariamente volta-dos para a propriedade paterna. Se até o final dos anos1960, a continuidade na profissão agrícola podia ain-da revestir-se do caráter de uma obrigação moral4 , hojeesta pressão deixou de existir.

Mas, seria um exagero dizer que a profissão passaa ser uma escolha livre e soberana. Em primeiro lugar,o nível educacional de muitos dos rapazes é tão bai-xo, que reduz fortemente suas chances de inserção nomercado de trabalho urbano. Por outro lado, entretan-to, entre os agricultores de menor renda, o horizonteprodutivo é tão precário – em virtude da escassez e damá qualidade da terra, antes de tudo – que o mercadode trabalho urbano será muitas vezes mais promissor,apesar de seus riscos e suas dificuldades. Além disso,é interessante observar que os vínculos familiares detransferência de renda permanecem decisivos, apesarda migração e do processo de individualização a ele

4 Conforme mostram os trabalhos de Woortman (1994) e nossa própriapesquisa anterior Abramovay et alii (1998).

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associado. A pesquisa mostra que, sobretudo entre asfamílias de menor renda, a contribuição dos filhos quepartiram para o orçamento da casa de origem é bas-tante freqüente e significativa.

Este trabalho procura compreender – com base numquestionário fechado respondido por pais, filhos e fi-lhas de 116 unidades representativas da agriculturafamiliar do oeste catarinense – os principaisdeterminantes da formação de uma nova geração deagricultores. É bem provável que o número de estabe-lecimentos agropecuários continue o declínio que vemmostrando desde o final dos anos 1970. Mas o ritmodesta queda pode ser fortemente atenuado caso hajapolíticas que permitam aos 69% dos rapazes e 32% dasmoças da região satisfazer seu desejo e sua vocaçãode permanecer na atividade agrícola familiar.

Quais as aspirações profissionais dos jovens agri-cultores do oeste de Santa Catarina? Uma respostacompleta a esta pergunta exigiria que se dispusessedo conjunto de possibilidades que a população estu-dada tem pela frente. Um questionário fechado – talcomo o desta pesquisa – tem a vantagem de quantificarresultados e a desvantagem de limitar necessariamenteo leque de opções de quem responde. Os entrevista-dos não foram colocados frente a diferentes possibili-dades de inserção urbana. Mas o estudo corroboroufortemente hipóteses que ligam as opções profissio-nais a dois fatores básicos: por um lado, à formaçãoeducacional dos próprios jovens; por outro, ao nívelde renda das famílias.

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São fortes os indícios de que, ao menos até recentemen-te, acabaram ficando na propriedade paterna exatamenteaqueles jovens que menos tiveram oportunidades educacio-nais. Ao mesmo tempo entre as famílias mais pobres, a mi-gração para as cidades aparece como um horizonte maispromissor que a permanência no campo. Mas esta migra-ção é provocada menos por uma atração real das luzes dacidade que pela falta de perspectivas promissoras no meiorural. Tanto é assim que mesmo jovens de famílias pobres sedizem candidatos fortes ao crédito fundiário.

A pesquisa confirmou resultados obtidos anteriormen-te que mostram um fortíssimo viés de gênero nos proces-sos sucessórios: dizer, entretanto, que o padrão vigente“beneficia” os rapazes em detrimento das moças supõeque estas fossem candidatas preteridas à sucessão, o quenão parece ocorrer. Ao mesmo tempo, as moças têm níveleducacional nitidamente superior aos rapazes e o acessoà educação é, em muitos casos, uma contrapartida pre-sente da herança paterna futura não recebida.

Este estudo dá continuidade a uma linha de pesquisainiciada com a publicação de Juventude e agricultura familiar– Desafios dos novos padrões sucessórios (Abramovay et alii, 1998).Naquele primeiro momento, o trabalho apoiou-se em da-dos recolhidos em apenas um município e contemplando55 famílias selecionadas sem qualquer pretensão derepresentatividade. Mais que retratar o problema sucessórioda região, a pesquisa foi uma primeira tentativa de exporos grandes temas de que ele se compõe. Já o presentetrabalho apóia-se num universo bem mais significativo erepresentativo da agricultura familiar do oeste catarinense.

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Uma breve caracterização desta região e da sua agriculturaé apresentada no Box 2. A base inicial dos dados para adeterminação da amostra constituiu-se de 15.293 estabe-lecimentos, presentes em 17 municípios da região ondeexistiam estudos com informações relevantes nos cam-pos econômico e social que permitiram uma satisfatóriacaracterização do meio rural e das unidades familiares deprodução. Deste universo, para a realização da pesquisa,selecionamos dez municípios que no seu conjunto possu-em 9.190 propriedades, constituindo-se numa amostra re-presentativas das 75 mil unidades familiares de produçãopresentes no oeste de Santa Catarina. A localização geo-gráfica dos municípios onde se realizou a pesquisa podeser observada na figura 1. A escolha destes municípios sedeu fundamentalmente por duas razões: a) pela suarepresentatividade da agricultura familiar da região,identificada pela análise preliminar dos dados censitáriose por informações complementares fornecidas pelos téc-nicos que realizaram os Censos Agropecuários Municipais.b) pela própria existência deste estudo socioeconômico,realizado pela Epagri e prefeituras municipais entre os anosde 1997 e 1999, que, entre outras variáveis, estratificou osagricultores familiares em três segmentos de renda: Con-solidados, Em Transição e Periféricos5 (Box 3). A pesquisasobre as questões sucessórias nestes municípios possibi-lita melhor interpretação das respostas em função da si-tuação socioeconômica das famílias entrevistadas.

5 Neste trabalho, denominaremos estes segmentos de Capitalizados, EmTransição e Descapitalizados.

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(Box 2) A região oeste catarinense

O oeste catarinense foi colonizado a partirdo início do século XX por imigrantes oriundosdo Estado do Rio Grande do Sul, na sua maioriaagricultores familiares que migraram para a re-gião em busca de terra para se instalar (Cam-pos,1987; Silvestro 1995).

A região caracteriza-se por sua forte indús-tria agroalimentar, alicerçada historicamente emunidades familiares de produção, tendo consti-tuído, em apenas cinco décadas, o maior póloagroindustrial de aves e suínos do país. Trata-sede um dos grandes exemplos brasileiros do po-tencial da agricultura familiar na alavancagem docrescimento econômico regional. Ocupando umaárea de 25,3 km2 e constituída, atualmente, por95 municípios, a região produz mais de 50% doValor da Produção Agrícola do Estado, destacan-do-se na produção de suínos, aves, milho, leite,feijão, soja e fumo. A população é de 1,17 mi-lhão de habitantes (IBGE, 2000), com 37% locali-zada no espaço que o IBGE classifica como meiorural. O relevo é montanhoso, com apenas 1/3da área apta para culturas anuais. O número to-tal de estabelecimentos rurais verificados noCenso Agropecuário de 1995/96 era de 88 mil,sendo 33,6% com menos de 10 ha e 93,8% commenos de 50 ha (IBGE,1996). Alguns estudos

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censitários municipais realizados pela Epagri/Icepa, permitem estimar que a região oestecatarinense é composta por aproximadamente 75mil unidades familiares de produção.

Dentre os municípios em que foi realizada apesquisa destaca-se a presença de agroindústriade aves ou suínos em Seara, Xaxim e Ipumirim. Énos frigoríficos destes municípios que os filhos dosagricultores buscam emprego, geralmente comooperários. Em geral, os postos de trabalho ocupa-dos por eles apresentam remuneração que varia de2 a 3 salários mínimos por mês. Merece destaqueo fato de os jovens que se empregam nestes frigo-ríficos deixarem de residir na propriedade e setransferirem para a cidade, onde nos primeirosmomentos optam por morar em pensões ou casasfamiliares. Neste sentido, observou-se em apenasum dos municípios onde realizamos a pesquisa, apresença da figura do “colono-operário” como foireferido por Anjos (1995). Neste caso, umaagroindústria ligada a uma cooperativa, contratafilhos de agricultores que continuam morando napropriedade e se deslocam de ônibus diariamenteaté o local de trabalho.

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FIGURA 1 - Mapa de Santa Catarina com destaque para aregião oeste catarinense e os municípios onde foi realiza-da a pesquisa

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(Box 3) Capitalizados, em Transição eDescapitalizados

O levantamento socioeconômico realizadonos dez municípios que serviu de base para a pes-quisa, considerou globalmente três trajetórias paraa agricultura familiar, definindo três categorias eco-nômicas. Embora os níveis de renda sejam apenasum dos critérios para uma estratificação social daspropriedades, ele se mostrou adequado para anali-sar as questões exploradas, possibilitando uma com-preensão melhor do comportamento dos pais e dosfilhos em cada um dos diferentes grupos.

Agricultores capitalizados: correspondem a13% dos estabelecimentos agrícolas do oestecatarinense e são representados por aquelas unida-des cuja atividade agrícola tem possibilitado a repro-dução da família e também um certo nível de investi-mento e acumulação. Neste grupo estão incluídosaqueles estabelecimentos que proporcionam um va-lor agregado6 (VA) superior a três salários mínimospor mês por unidade de mão-de-obra ocupada.

6 O valor agregado (VA) de cada propriedade rural foi definido como adiferença entre o valor bruto da produção (VBP) e os custos variáveis daprodução (despesas). Da forma como foi calculado, o valor agregado re-presenta a margem bruta mais o consumo interno da propriedade. Istosignifica que o valor agregado (VA) por pessoa ocupada é um saldo dispo-nível para remunerar a mão-de-obra familiar (Epagri/Icepa, 1998).

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Agricultores em transição: Correspondem a29% dos estabelecimentos agrícolas do oestecatarinense. São aqueles que vivem da agricultura,mas não conseguem realizar investimentos. A idéiade transição mostra que a trajetória socioeconômicadesses agricultores pode ser ascendente ou descen-dente, dependendo das políticas a eles direcionadas.Neste grupo estão incluídos aqueles estabelecimen-tos que proporcionam um valor agregado entre um etrês salários mínimos por mês por pessoa ocupada.

Agricultores descapitalizados: Correspon-dem a 42% dos estabelecimentos agrícolas do oestecatarinense. Neste grupo, estão incluídos aquelesestabelecimentos que proporcionam um valor agre-gado menor que um salário mínimo por mês porpessoa ocupada.

O restante dos estabelecimentos agrícolaspresentes no oeste catarinense são representadospor unidades onde a agricultura tem importânciaeconômica irrisória na formação da sua renda(14,5%) e agricultores patronais (1,5 %).

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Figura 2 – Vista parcial de uma propriedade capitalizada

Figura 3 – Vista parcial de uma propriedade em transição

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Uma vez que se tratava de conhecer as questões en-volvidas no processo sucessório da agricultura familiardo oeste de Santa Catarina, foram identificadas no con-junto das 9.190 propriedades familiares estudadas, aque-las onde residissem pelo menos um rapaz e uma moçacom idade entre 13 a 29 anos. Aplicado este critério,restaram 834 propriedades que serviram de base para osorteio daquelas que seriam entrevistadas. Para a reali-zação da amostra a ser pesquisada foram sorteados 15%dos estabelecimentos em cada estrato de renda, consi-derando a sua representatividade em cada município.Foram aplicados questionários fechados no interior de116 famílias, das quais 21 capitalizadas, 46 em transi-ção e 49 descapitalizadas. Em cada uma das proprieda-des sorteadas foram entrevistados, separadamente, ospais, um rapaz e uma moça. Com o objetivo de garantir

Figura 4 – Vista parcial de uma propriedade descapitalizada

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a independência das informações fornecidas pelospais, filhos e filhas, constituímos equipe de três pes-quisadores, sempre com a preocupação de realizar asentrevistas simultaneamente e em locais separados dapropriedade de forma que os entrevistados não so-fressem interferências uns dos outros em suas respos-tas. Nas propriedades onde havia mais de um filho oufilha com idade entre 13 a 29 anos, foi entrevistado omais velho. A pesquisa de campo foi realizada no pe-ríodo de maio a julho de 2000. Em função da comple-xidade do tema pesquisado muitas perguntas não fo-ram respondidas por alguns dos entrevistados, razãopela qual, não foi possível obter respostas para todasas questões no conjunto das 116 propriedades entre-vistadas. Por este motivo, como poderá ser visto notexto, o número de respostas varia significativamentepara cada uma das questões utilizadas.

Além desta apresentação, o trabalho compõe-se demais quatro partes. No item dois examinam-se as ex-pectativas profissionais dos jovens agricultores e os prin-cipais determinantes da escolha profissional. Com re-lação a continuidade da atividade agrícola, existe umadiferença marcante entre as aspirações dos rapazes edas moças. Enquanto os rapazes manifestaram um for-te desejo de continuidade na profissão paterna, asmoças têm uma visão bastante negativa a respeito des-te horizonte profissional. A escolha profissional é ana-lisada do ponto de vista da geração de renda da unida-de produtiva, da formação educacional dos jovens e dainfluência exercida pela família.

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O item três estuda os principais elementos de quese compõe o processo sucessório propriamente dito:quem é o filho que fica no estabelecimento paterno?Em que circunstâncias e como são compensados osherdeiros não-sucessores? Qual o momento em que osucessor assume o poder e o controle da proprieda-de? E qual a relação dos rapazes e das moças arespeito dos processos sucessórios?

No item quatro são apresentadas as conclusõesdeste trabalho e no item cinco são apontadas propo-sições de políticas públicas voltadas a que os jovensagricultores possam construir seu futuro profissionalno meio rural. As propostas procuram enfatizar espe-cificamente os elementos voltados a que os jovenspossam ter no meio rural uma opção e não uma fatali-dade na construção de seus destinos. Não se trata en-tão de conceber apenas remendos que possam mino-rar o sofrimento de quem não conseguiu se aventurarem direção às “luzes da cidade”: o mais importanteestá em conquistar mudança radical na relação entreo meio rural e o mundo do conhecimento. Para isso,enfatiza-se o papel decisivo que o acesso àstecnologias da informação devem ter para uma políti-ca que tenha nos jovens os protagonistas centrais davalorização do meio rural.

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2. As expectativasprofissionais dos jovens

2.1. Opção ou fatalidade?

O que mais chama a atenção no desejo de perma-necer na profissão agrícola por parte da maioria dosrapazes do oeste de Santa Catarina é a coincidênciaem suas respostas sobre o futuro almejado e o queimaginam ser seu destino provável. É claro que sem-pre se pode dizer que os indivíduos – da mesma for-ma que as sociedades – não formulam projetos dosquais não possam antever minimamente as possibili-dades de realização. Assim, no futuro desejado já es-tariam embutidas as restrições que o aproximam dofuturo provável7.

7 Este é o pressuposto básico, em microeconomia, da teoria do consumidor:“a racionalidade considerada pela teoria do consumidor pressupõe portantoque não existe distância entre preferência e escolha: o consumidor prefereo que ele escolhe e escolhe o que prefere” (Zamagni, 1984/1987:125).

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Nas tabelas 3 e 4, que se referem às moças, vê-seuma pequena diferença entre as duas respostas: 32%das moças desejam permanecer num estabelecimentoagropecuário, mas 37% julgam provável que este seja oseu destino. A diferença entre as duas respostas aumenta

Entretanto, se, de fato, entre os rapazes foi notável acoincidência entre as duas respostas – mais de dois ter-ços deles querem permanecer na atividade que apren-deram com os pais, como mostram as tabelas 1 e 2 – omesmo não pode ser dito com relação às moças.

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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nitidamente quando se observa a última coluna das ta-belas 3 e 4: entre as moças vivendo em famílias“descapitalizadas”, apenas 28% desejam permanecer noestabelecimento agropecuário, mas um total de 40% dizque aí estará o seu destino. Entre as moças de menorrenda há distância, para usar a linguagem da teoria doconsumidor, entre “preferência e escolha” no que serefere à organização do futuro profissional. Permanecernuma unidade produtiva rural, para muitas delas, é mui-to mais uma fatalidade que uma opção.

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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Mesmo para os rapazes, entretanto, existe uma ní-tida consciência dos limites que se opõem à realiza-ção de sua vocação explícita. Na tabela 5, pode-seobservar como os rapazes encaram seu futuro profis-sional, apontando o que há de mais importante naquestão sucessória. A convicção de que a vida profissi-onal estará organizada em torno de um estabelecimen-to agropecuário é bem menor, entre os rapazes, que orevelado nas tabelas 1 e 2, citadas anteriormente. Ape-nas 38% dos jovens responderam ao item “gosta de seragricultor e é certo que será agricultor”. Mas quando sesoma esta resposta àquela em que o rapaz afirma que“desejaria ser agricultor, mas vê dificuldade”, constata-se que além dos 38% dos rapazes que gostam outros31% desejariam permanecer na profissão de agricultor,mas vêem dificuldades para tanto. Entre os principaisfatores que dificultam o exercício da profissãoagropecuária, 81% dos rapazes apontaram a falta decapital para investimento, 40% a falta de novas oportu-nidades de renda e 30% a falta de terra.

Fonte: Pesquisa de Campo

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O acesso à terra está entre as maiores dificulda-des para a continuidade na agropecuária. Assim éque para apenas 21% dos rapazes (e somente 7%entre os descapitalizados), “a quantidade de terra aser herdada é suficiente e boa” revelando um nítidoproblema de insuficiência ou de qualidade de terraem todas as categorias de renda estudadas.

É claro que estas respostas variam – e com im-pressionante coerência – segundo as classes de ren-da consideradas. Nas tabelas 1 e 2, citadas anteri-ormente, percebe-se que o desejo de permanecerna agricultura “como proprietário” cai conforme de-clina a categoria de renda considerada. Ao contrá-rio, a aspiração por viver na cidade é tanto maiorquanto menos promissor o horizonte de geração derenda no estabelecimento paterno.

Da mesma forma, como se vê na tabela 6, nadamenos que 72% dos rapazes julgam que “conside-rando seu grau de instrução” têm melhores oportu-nidades “no meio rural, na agricultura”. Note-se quea possibilidade de inserção urbana é encarada combastante ceticismo pelos rapazes. Somente 13%deles julgam que em “atividades da cidade” estãosuas melhores chances de realização profissional.E este percentual sobe conforme cai a renda famili-ar: a cidade é encarada como fonte promissora degeração de renda para somente 5% dos filhos defamílias “capitalizadas”, mas para 20% dos filhos dasfamílias mais pobres.

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Fonte: Pesquisa de Campo

Já entre as moças, à rejeição majoritária da profis-são agropecuária corresponde maior esperança na in-serção urbana. As tabelas 3 e 4 mostraram que traba-lhar e morar na cidade é o futuro desejado de 43% dasmoças – embora proporção menor (36%) acredite queconseguirá alcançar este futuro. Se, como foi visto natabela 6, 72% dos rapazes consideram ter melhoresoportunidades no meio rural (com base em seu graude instrução), esta proporção cai, entre as moças, para54% como pode ser visto na tabela 7. E da mesma for-ma que entre os rapazes – só que em proporções mai-ores – a cidade aparece como horizonte tanto maispromissor, quanto menor é a renda familiar.

A tabela 6 fornece também uma indicação recor-rente neste trabalho. Apesar das evidências da im-portância das atividades não-agrícola no meio ruralbrasileiro (Graziano da Silva, 1999; Campanhola &Graziano da Silva, 2000) e mesmo em Santa Catarina(Mattei, 1998), os estabelecimentos estudados são fun-

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Fonte: Pesquisa de Campo

damentalmente voltados à produção agrícola e pe-cuária. As atividades não-agrícolas no meio rural nãofazem parte da experiência cotidiana dos jovens quevivem no interior dos estabelecimentos agropecuáriosdo oeste de Santa Catarina.

A tabela 6 indica ainda uma apreciação positiva daagricultura bem maior entre os filhos de famílias “ca-pitalizadas” que entre aqueles vivendo em unidadesempobrecidas. Mas chama a atenção que quase doisterços dos descapitalizados consideram que suas me-lhores chances estão na agricultura e que apenas 20%deles considerem que as cidades oferecem-lhes asmelhores oportunidades.

Em suma, pode-se dizer que existe uma importanteaspiração de continuidade na agricultura familiar porparte dos rapazes – mesmo aqueles vivendo em uni-dades que não chegam a gerar sequer a renda neces-sária à reprodução familiar - e uma visão bastante ne-gativa a respeito deste horizonte profissional para a

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maioria das moças. Os filhos das famílias de maiorrenda encaram a permanência na agricultura como pro-missora e isso é nítido tanto entre rapazes como entreas moças. O preocupante é que parece haver uma as-sociação forte entre a escolha profissional em tornoda agricultura familiar e um nível de educação especi-almente precário por parte dos que encaram comodesejado este futuro. É o que será visto a seguir.

2.2. Alguns determinantes da escolha profissionala) a importância da educação

A escolha profissional dos jovens agricultores édeterminada por um conjunto de fatores, dos quaisos mais relevantes são suas expectativas de geraçãode renda na unidade paterna comparadas com o queimaginam ser possível alcançar inserindo-se em mer-cados de trabalho assalariado. A educação é um ele-mento decisivo no horizonte profissional de qualquerjovem: na agricultura familiar, entretanto, a regra cons-tatada em inúmeros estudos da América Latina(Durston, 1996) é que fica no campo o filho ao qual“la cabeza no le dá para más”. Mesmo um Estado comoSanta Catarina, onde o nível educacional está entreos mais altos do país, acaba não fugindo a esta re-gra. A geração que hoje mais pode candidatar-se àdireção dos trabalhos agropecuários - os filhos quepermanecem nas propriedades paternas e que já sa-íram da escola – tem formação educacional tão pre-

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cária que confirma a asserção segundo a qual ou seestuda, ou se fica no campo.

Os dados da tabela 8, apresentados abaixo, foramretirados diretamente do Censo realizado pela Epagri/Icepa e referem-se aos jovens presentes nas 9.190 pro-priedades dos 10 municípios onde foi realizada a pes-quisa. Ela mostra um quadro desolador quanto à situ-ação educacional dos jovens no interior da agriculturafamiliar. Dos 1.940 jovens entre 25 e 29 anos – candi-datos óbvios, portanto, à sucessão hereditária – 1.163(60% deles) estudaram apenas até a 4ª série. Ao quetudo indica, ficaram na propriedade aqueles que nãoobtiveram o passaporte educacional para ingressar nomercado de trabalho urbano. Nesta faixa etária estátambém a maior proporção de analfabetos (4% do to-tal). A idéia é corroborada pela situação da faixa etáriaimediatamente anterior: dos 1.823 jovens entre 19 e24 anos morando na propriedade paterna, nada me-nos que 697 (38% deles) estudaram apenas até a 4ªsérie. Entre os jovens com 13 a 18 anos, a proporçãodos que possuem apenas até a 4ª série cai para 19%,mostrando que o padrão de freqüência escolar alte-rou-se nitidamente. Tirar os jovens da escola no 4° anoprimário, na década de 90, deixou de ser uma práticasocialmente dominante. De qualquer maneira, pormais que o padrão anterior não seja mais predomi-nante, ele deixa uma pesada herança para os proces-sos sucessório no interior da agricultura familiar.

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O destino dos jovens que deixaram a propriedadepaterna corrobora a associação entre permanência naatividade agrícola e baixo nível educacional. A tabela 9contém informações sobre os filhos que deixaram a pro-priedade paterna. Das 116 famílias entrevistadas tinhamsaído, até o momento em que foram coletadas as infor-mações, 187 jovens. Destes, 115 mudaram-se para o“meio urbano”8 e 72 saíram para instalar-se no própriomeio rural, na esmagadora maioria das vezes na condi-ção de agricultores. A tabela mostra o contraste entre onível educacional dos que permanecem na agricultura,quando comparado à situação dos que foram para ascidades. Pouco mais de um terço dos que destinaram-seao “meio urbano” têm somente até a 4ª série, proporçãoque sobe além de dois terços, para os que saíram da pro-priedade paterna para prosseguir na profissãoagropecuária. Com nível superior à 5ª série estão menos

Fonte: Censo Agropecuário Municipal - Epagri (1999).

8 Seja uma região metropolitana (do Estado ou fora dele), seja o núcleourbano do município em que está instalada a propriedade paterna.

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Fonte: Pesquisa de Campo

A tabela 10 examina o nível educacional daqueles72 filhos de agricultores que deixaram a propriedadepaterna e permaneceram no meio rural. O vínculo en-tre agricultura e baixo nível educacional resiste até àsdiferenças de renda entre as famílias: não há dife-rença no nível educacional dos jovens egressos dasfamílias pobres, relativamente aos que vêm de famí-lias mais abastadas, o que indica que a opção poreducar os filhos associava-se diretamente ao horizon-te de deixar a atividade agropecuária. Pior: a perma-nência na atividade agropecuária esteve, até muitorecentemente, associada diretamente ao desprezopela formação dos jovens.

de um terço dos que permanecem no meio rural e 45%dos que foram para as cidades. Nenhum dos que se ins-talaram como agricultor tem nível superior à oitava série.

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Tanto é assim que, na tabela 11 – que examina osjovens que deixaram a propriedade paterna em dire-ção à cidade – aparece a esperada associação entrerenda das famílias e formação educacional dos filhos.Quando se comparam as tabelas 10 e 11 vê-se que,nas duas, a formação dos filhos que foram para cida-des é melhor que a dos que ficaram na atividadeagropecuária. Só que entre os que foram para as cida-des, o nível educacional cresce conforme a renda fa-miliar, o que não se observa entre os que permanece-ram na agropecuária. A expectativa de retorno econô-mico da educação é relevante quando se trata da mi-gração para as cidades e quase inexistente para os jo-vens que permanecem na agropecuária.

Fonte: Pesquisa de Campo

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É importante observar na tabela 12, no entanto, quea grande maioria dos jovens que migram para a cida-de fazem-no para trabalhar e não para continuar seusestudos num ambiente mais propício para tanto. Ape-nas 14% dos filhos dos agricultores entrevistados e quemigraram para a cidade fizeram-no com o objetivo de-clarado de estudar.

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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Os dados levantados na pesquisa de campo tam-bém permitiram identificar que apenas 12,5% dos jo-vens que saíram da propriedade conseguiram avançarna sua formação educacional.

A tabela 13 “Nível educacional e idade média dosjovens entrevistados” corrobora esta idéia e traz umainformação adicional importante: é entre os rapazesque se concentra a maior parte dos que praticamentenão tiveram acesso à educação. Todo o universo denossa pesquisa compõe-se de jovens que, em princí-pio, já deveriam ter completado a 4ª série do primeirograu. Ora, nada menos que 30% dos rapazes entrevis-tados têm apenas este grau de estudo. Entre as mo-ças, esta proporção cai para 13%. E o interessante éque a idade média dos jovens que se encontram nestasituação é muito alta (26 anos para as moças e 27 anospara os rapazes). Confirmando a precariedade do aces-so à educação, sobretudo entre os rapazes, percebe-se que somente 22% deles têm ou estão cursando osegundo grau (1ª a 3ª série). Esta proporção sobe a56% entre as moças. E é aí que está a menor idademédia deste universo, 44% dos rapazes têm ou cursamde 5ª a 8ª série, contra apenas 29% das moças. Masnesta faixa etária, a idade média das moças é muitomais baixa que a dos rapazes: 17 anos, contra 25 anos,o que leva a crer que nesta idade as moças ainda es-tão estudando e os rapazes já devem ter parado.

A própria visão dos jovens a respeito das necessida-des educacionais para o desempenho da profissão agrí-cola varia conforme sua situação social. Assim, na tabe-

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Fonte: Pesquisa de Campo

la 14 pode-se ver que nenhum filho de agricultor capita-lizado considera possível um bom exercício profissio-nal apenas com a quarta série do primeiro grau. Entreos descapitalizados, 11% dos entrevistados dizem queé possível ser agricultor somente sabendo ler e escrevere outros 12% julgam que é suficiente a quarta série doprimeiro grau. Entre os “em transição” estas proporçõessão de 5% e 21%. Apenas um quarto dos filhos de agri-cultores “descapitalizados” e dos “em transição” asso-

Fonte: Pesquisa de Campo

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ciam nitidamente a agricultura ao baixo nível educacio-nal. Já o curso técnico é necessário para 28% dos rapa-zes vivendo em unidades “capitalizadas”, mas para ape-nas 5% e 4% respectivamente dos que estão em famíli-as “em transição” e “descapitalizadas”.

Em suma, existe um forte contraste entre as opini-ões dos jovens entrevistados a respeito das exigênci-as educacionais para o exercício da profissãoagropecuária e a situação atual dos responsáveis pe-los estabelecimentos ou seus sucessores mais prová-veis, cujo nível de escolaridade foi e é muito precário.É evidente que uma política fundiária voltada a estasregiões e a agricultores na faixa etária entre 18 e 30anos terá que associar-se a métodos alternativos aosda educação formal para que o acesso à terra venhade par com uma melhoria em suas capacidades pro-fissionais. Convém, no entanto, expor as demais in-formações que contribuem para a compreensão da es-colha profissional dos jovens, antes de iniciar a for-mulação das propostas que decorrem deste trabalho.

b) Influência familiar e diferenciação social

A influência familiar nas decisões profissionais dosfilhos – que, nas gerações anteriores, até o final dosanos 1960, revestia-se freqüentemente de considerá-vel conotação moral – pode ser claramente interpreta-da com base nos diferentes níveis de renda dos queresponderam ao questionário. Assim, entre as famíli-as de agricultores capitalizados e em transição, a mai-

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Fonte: Pesquisa de Campo

Quando perguntados sobre as razões que os leva-vam a influir num sentido ou noutro as respostas dospais variaram segundo os níveis de renda: assim, paraos agricultores “capitalizados” e “em transição”, a pro-ximidade da família e a rejeição ao assalariamento sãofatores importantes para o desejo de que os filhos pros-sigam na profissão paterna. Para os descapitalizados,a rejeição ao assalariamento é irrisória: é que, na ver-dade, a reprodução da família já depende fundamen-talmente do trabalho assalariado e sua pobreza agrí-cola mostra poucas perspectivas de que a exploraçãoda unidade produtiva seja uma fonte essencial de ren-da. É interessante observar que a obrigação de ficarcom os pais é também francamente minoritária, con-

or parte – mais até entre os “em transição” que entreos “capitalizados” – estimulam os filhos a permanecerna atividade. Entre os descapitalizados, este percentualcai para 31% conforme pode ser visto na tabela 15.

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firmando que o padrão sucessório anterior em que ofilho destacado para cuidar dos pais era compensadocom a herança da propriedade (Abramovay et alii, 1998)foi claramente ultrapassado.

Isso não significa porém que as relações familiarespercam importância nas decisões sobre o futuro. Co-locados diante da questão “em que condições vocêaceitaria ser agricultor fora do oeste catarinense” (ta-bela 16), metade dos rapazes entrevistados disseramque não sairiam da região onde moram hoje. Mas háuma nítida diferença social nas respostas: para os fi-lhos de agricultores capitalizados é mais visível o hori-zonte de se estabelecer em outra região do país. As-sim, 33% deles afirmam que não sairiam do oestecatarinense e 43% o fariam, desde que obtivessem cré-dito fundiário e de instalação. Entre osdescapitalizados 57% não aceitariam sair da região eapenas 19% conseguem encarar a perspectiva de mu-dança com base em crédito fundiário e de instalação.

Fonte: Pesquisa de Campo

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Para aqueles que vão se habituando a gerir um negó-cio com certa prosperidade a idéia de expandir suasatividades e mesmo de instalar-se longe é bem maisverossímil que para os rapazes cujo cotidiano é mar-cado pela imensa dificuldade de reproduzir a unidadeprodutiva e garantir a manutenção da família.

c) Pobreza e estreitamento das relações sociais

A imagem de isolamento freqüentemente associa-da à vida no meio rural não é apenas um preconceito.Os grupos de jovens da Igreja Católica são a mais im-portante forma de socialização dos rapazes e dasmoças do oeste de Santa Catarina. Convém lembrarque a maioria deles não são grupos constituídos per-manentemente. Os encontros acontecem de formaesporádica e com o objetivo principal de discutir ques-tões religiosas e relacionadas ao lazer. Quase nuncatratam das questões ligadas ao seu futuro profissio-nal. Dos rapazes entrevistados, 20% declaram nãomanter qualquer relação com agentes externos. Entreestes, a grande maioria vive nas famílias“descapitalizadas”: 44% dos rapazes destas famílias vi-vem num impressionante isolamento social. Não fre-qüentam sequer as atividades dos grupos de jovensda Igreja. Uma vez que estes jovens são exatamenteos que mais exercem atividades assalariadas fora dapropriedade, é possível que seus círculos de relaçõessociais não estejam incluídos entre as alternativas doquestionário. Mas o mais provável é que a pobreza

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esteja associada a esta restrição no universo social devida dos jovens (Box 4).

Também é importante observar que dos 116 ra-pazes entrevistados, apenas um terço possui o “blo-co do produtor rural”. Esta proporção é baixa, umavez que este documento corresponde a uma espé-cie de pagamento previdenciário sem qualquer ônuspara a família. Apenas 16% dos rapazes entrevista-dos, têm conta corrente bancária individual. Entreas moças, a situação não é diferente, 28% delas de-clararam não pertencer ou manter contatos perma-nentes com qualquer organização local. Como nocaso dos rapazes, a grande maioria destas vive emfamílias “descapitalizadas”. Apenas 4% das moçasentrevistadas possuem conta corrente e somente12% “bloco de produtora rural”.

Este capítulo procurou mostrar, em suma, a am-bigüidade envolvida nas expectativas profissionaisdos jovens. Por um lado, é nítido o desejo dos ra-pazes de dar continuidade à profissão paterna.Esta preferência não pode ser caracterizada comoo resultado do exercício do que Amartya Sen (2000)chama de liberdade: ela se apóia fundamentalmen-te na percepção realista de que o nível educacio-nal de que dispõem não permite à grande maioriadestes rapazes ter um horizonte minimamente pro-missor fora do meio rural. Já entre as moças, amenor preferência por permanecer na profissãoagropecuária associa-se, nitidamente, ao melhornível educacional.

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Ao mesmo tempo, é clara a consciência de que a dota-ção de conhecimento com que contam os jovens hoje éinsuficiente para os desafios de gerar renda numa unida-de produtiva rural. Esta consciência abre um amplo espa-ço para políticas públicas cujo eixo esteja na mudança doambiente educacional existente hoje no meio rural.

(Box 4) A Moradia de uma família deagricultores descapitalizados

As casas onde residem as famílias destes agri-cultores são geralmente pequenas, com mais ou me-nos 50 m2, em sua quase totalidade construídas de ma-deira, já comprometidas pela ação do tempo e malacabadas. Em muitas delas há frestas nas aberturas eentre as tábuas, por onde passa o vento frio do inver-no, amenizado apenas pelo calor do fogão a lenhaque acaba sendo o bem mais precioso da moradia,em torno do qual a família se reúne para se aquecer etomar chimarrão nas horas de folga e à noite. Sua divi-são interna é geralmente composta por uma cozinha,uma pequena sala e um ou dois quartos, que na maio-ria das vezes não possibilita a acomodação minima-mente adequada de seus habitantes. A maioria dasresidências não possui banheiro na parte interna. De-vido à ausência de instalações na propriedade, muitasvezes as pessoas têm que dividir esse espaço com pro-dutos agrícolas que são armazenados temporariamente

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em seu interior. Em alguns casos os cômodos são divi-didos por cortinas de pano, não propiciando qualquerprivacidade aos seus habitantes. As águas utilizadasnão têm destino adequado, correndo a céu aberto,onde bebem animais domésticos e ficam ao acessodas crianças. Estas condições são mais facilmente acei-tas pelos pais, mas não pelos jovens, que se sentemconstrangidos em receber visitas e, principalmente, emreceber em sua residência o namorado ou a namora-da. Apesar desta precariedade observa-se, porém, umgrande esforço para a preservação dos bens e para amanutenção de um ambiente limpo e agradável. Aabsoluta falta de recursos para fazer as melhorias ne-cessárias impede que esses agricultores morem em con-dições mais dignas.

Figura 5 – Moradia de uma propriedade descapitalizada

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3. Preparando a sucessão

Uma vez que o universo selecionado para estapesquisa compõe-se de famílias onde vivem aomenos um rapaz e uma moça, não é de se es-

tranhar a quase inexistência de unidades sem suces-sores: a pesquisa toma o problema sucessório pelolado da demanda de terra e não examinou a situaçãodas famílias onde não há sucessores.9 A etapa anteri-or do trabalho (Abramovay et alii, 1998) mostrou que,até o final dos anos 1960, existia um processosucessório centrado no minorato10 que possibilitava a

9 O tema merece ser melhor investigado: se, por um lado, o universo depropriedades sem sucessores pode ser bem superior aos 12% identificadosna pesquisa Epagri/Icepa, por outro não se conhece o tamanho e as condi-ções destes estabelecimentos. É bem possível que parte deles não sejamadequados para receber jovens agricultores iniciando suas atividades pro-fissionais autônoma. Neste caso, seria necessário um trabalho dereordenamento fundiário.10 Instituição pela qual a propriedade paterna é transmitida ao filho maisnovo que, em contrapartida, fica com a responsabilidade de cuidar dos paisdurante a velhice. Este padrão, também conhecido como ultimogenitura,não foi inteiramente eliminado, como será visto adiante.

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reprodução social e econômica de novas unidades deprodução. A partir dos anos 70 esse padrão sucessóriose esgota. A “questão sucessória” na agricultura surgequando a formação de uma nova geração de agricul-tores perde a naturalidade com que era vivida até en-tão pelas famílias envolvidas neste processo. A con-seqüência é – convém insistir – o desencontro entre aoferta de terras das gerações que envelhecem e a de-manda dos jovens que não podem satisfazer suas vo-cações profissionais nas propriedades paternas.

Este capítulo procura descrever os principais ele-mentos de que se compõe o processo sucessório pro-priamente dito: Quem fica no estabelecimento pater-no? Em que circunstâncias e como são compensadosos herdeiros não sucessores? Qual o momento da su-cessão? Qual a relação de rapazes e moças, respecti-vamente, com os processos sucessórios?

3.1. Quem fica?

A maioria das famílias entrevistadas ainda não de-finiu quem será o sucessor. Entretanto, afirma que al-guém ficará na propriedade como pode ser visto natabela 17. É importante salientar que não houve dife-rença nas respostas quando considerados os três es-tratos de renda.11 A resposta dos pais coincide com ados rapazes e moças, quanto a este item.

11 Julgou-se desnecessário mostrar esta igualdade nas respostas entre ostrês segmentos de renda, por meio de tabelas.

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Fonte: Pesquisa de Campo

A indefinição quanto à escolha do sucessor tam-bém pode ser observada quando se analisa os dadosda tabela 18. Para 75% das moças e 78% dos rapazes“ainda não foi definido quem ficará com a proprieda-de”. Esta percepção dos filhos sobre a questãosucessória diverge um pouco da opinião dos pais: 61%deles disseram que “ainda não foi escolhido quem fi-cará com a propriedade”. Na verdade, a pesquisa decampo12 mostrou que as questões sucessórias sãopouco discutidas no interior das famílias. Apesar dis-so, em alguns casos, utilizando as atribuições de “che-fe da família”, os pais já escolheram o sucessor. Sóque, na maioria das vezes, esta decisão ainda não foiexplicitada para o conjunto da família. Nas famíliasque já escolheram o sucessor, como pode ser obser-

12 Ao aplicar os questionários, a equipe, evidentemente, conversava comas famílias, o que permitiu colher informações não expressas diretamentenas tabelas.

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vado na tabela 18, o que predomina é a preferênciapelo filho mais velho, sendo que em todos os casos aescolha recaiu sobre um filho homem. Esta informação– que mostra o viés fortemente masculino na sucessão– vem das conversas informais em campo: é curioso quequando respondem aos questionários, todos reconhe-cem a igualdade formal de direitos entre rapazes e mo-ças. Mas a verdade é que todas as escolhas de sucesso-res já identificadas recaem sobre os rapazes.

Fonte: Pesquisa de Campo

Nas propriedades onde já foi escolhido o sucessor,em mais da metade delas, houve a participação detoda a família no processo de escolha, como pode serobservado na tabela 19. Esta informação sugere que opadrão de rigidez hierárquico típico das famílias ruraisestá sendo substituído por um considerável grau dedemocratização das decisões, como será visto adian-te com mais detalhe.

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O processo sucessório, na maioria dos casos, podeconduzir a conflitos que vão desde as formas de re-muneração dos irmãos não contemplados com a pro-priedade paterna até a questão do viés de gênero quetende a acompanhar esses processos. O afastamentodestas questões acaba atrasando a definição dos ar-ranjos familiares necessários, que envolvem tanto oherdeiro e a continuidade da unidade de produçãopaterna, quanto o destino dos demais irmãos não-su-cessores. Está em discussão a necessidade de realizaros investimentos necessários na propriedade e dedefinir o valor e as formas de pagamento aos irmãosque não serão contemplados com a propriedade pa-terna. Embora as famílias hoje já tenham um razoávelnível de diálogo sobre o destino dos filhos e mesmosobre a organização da propriedade, os temas de na-tureza sucessória acabam sendo raramente abordados.

Mas é interessante observar que os arranjossucessórios não passam necessariamente pela remu-neração monetária de todos os herdeiros. Confirman-

Fonte: Pesquisa de Campo

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do que a unidade produtiva é, ao mesmo tempo,patrimônio e forma de reprodução familiar, muitas ve-zes seu destino não responde a um critério de nature-za estritamente econômica, como será visto a seguir.

3.2. A compensação dos outros herdeiros

Apenas 6% das moças e 9% dos rapazes, disseramque o herdeiro não necessita compensar os demaisirmãos “porque fica com a responsabilidade de cuidardos pais” (tabelas 20 e 21). A resposta dos pais comrelação a essa responsabilidade, difere um pouco dados filhos: 15% dos pais disseram que o herdeiro nãonecessita compensar os demais irmãos “porque ficacom a responsabilidade de cuidar dos pais”13.

Fonte: Pesquisa de Campo

13 Não se julgou necessário colocar a tabela correspondente a esta informa-ção no texto.

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Fonte: Pesquisa de Campo

E os outros? Quando os rapazes foram colocadosdiante desta pergunta, as duas respostas com maiorincidência (tabela 20) enfatizam que “depende da si-tuação de cada filho no momento da transmissão”(31%) e que a compensação se faz em “estudo e di-nheiro” (23%). Infelizmente, o questionário não sepa-rou “estudo e dinheiro”; mas, esta resposta é um forteindicativo de que o estudo credencia o jovem ao exer-cício de uma ocupação urbana que torna dispensávelo acesso à renda da propriedade para sua sobrevivên-cia. Esta idéia é corroborada pela repartição social daresposta: “depende da situação de cada filho no mo-mento da transmissão”. Quando o patrimôniofundiário e o valor do negócio é relativamente impor-tante, sua transmissão dá lugar, quase sempre, à com-pensação dos herdeiros não-sucessores. Por isso ape-nas 21% dos capitalizados respondem nesta direção.

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Já entre os descapitalizados, 44% vão neste sentido,admitindo que a herança depende da situação em quevai encontrar-se cada filho no momento da ausênciados pais. No caso dos descapitalizados, a unidade pro-dutiva é uma fonte de sobrevivência precária e é pos-sível que ela não seja sequer suficiente para a repro-dução de uma família, quanto mais para compensaras dos filhos não-sucessores.

3.3. O momento da transferência: o fim dopadre padrone

Pais e filhos não têm um ponto de vista comum arespeito do momento da transferência do controle dapropriedade. Pouco mais de um quarto dos pais (masmetade dos filhos) não pensaram ainda no assunto,como pode ser visto nas tabelas 22e 23.

Fonte: Pesquisa de Campo

Mas é interessante observar na tabela 23 que trêsquartos dos filhos vivendo em unidades capitaliza-

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das já têm uma opinião a respeito, confirmando ointeresse dos jovens deste segmento pela continui-dade na profissão paterna. Nas unidades produti-vas dos agricultores capitalizados parece existirmaior espaço de diálogo dos jovens com os pais. Ébem verdade que nestas propriedades existe umaparticipação no trabalho mais constante dos jovens,determinada pela natureza das atividades, consti-tuídas principalmente pela produção de suínos, avese leite. Para o funcionamento deste conjunto de ati-vidades é preciso, em geral, a contribuição perma-nente do trabalho de todos os membros da família.Por isso, é que qualquer investimento mais impor-tante, como um aviário, por exemplo, tem que pas-sar por um acordo com os filhos que serão decisi-vos no trabalho e na gestão da propriedade.

Fonte: Pesquisa de Campo

Entre os que já pensaram no momento da suces-são, a ênfase dos pais (e sobretudo daqueles que vi-

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vem em propriedades de maior renda) está em suaprópria capacidade de trabalho: 38% do total e 45%dos pais de unidades capitalizadas dizem que passa-rão o domínio da propriedade para o sucessor quan-do não puderem mais trabalhar (tabela 22). Entre osrapazes, as opiniões se dividem entre o acento no tra-balho paterno e a ênfase em sua própria capacidadeprofissional (tabela 23).

Demonstrando que não existe uma discussão préviae organizada das questões que envolvem o processosucessório, nas tabelas 23 e 24 pode-se verificar quepara 47% dos rapazes entrevistados e 53% das moças,ainda não foi discutido qual o melhor momento parafazer a transferência do controle da propriedade para osucessor. Na pesquisa de campo ficou nítido, contudo,que a transferência do controle da propriedade, nãoocorre exatamente a partir da retirada dos pais por oca-sião da aposentadoria ou da preparação do sucessor. Apassagem das responsabilidades sobre a gestão da pro-priedade, se dá em um processo de transição em queos pais gradativamente vão passando as tarefas de ges-tão da propriedade, como a abertura de conta bancáriaprópria ou conjunta, bloco de produtor, responsabili-dades de gerir os negócios até a passagem completado gerenciamento da propriedade.

O caráter rigidamente hierárquico da organização fa-miliar tradicional centrado no poder quase absoluto dopai está definitivamente desaparecendo, dando lugar aum ambiente de maior participação de todos os mem-bros da família, sobretudo dos rapazes, criando portanto

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um maior espaço de discussão em torno das questõesrelacionadas à gestão da propriedade e também da-quelas que envolvem os processos sucessórios.

Fonte: Pesquisa de Campo

Alguns dados da pesquisa apontam para a constru-ção deste ambiente familiar mais democratizado. Pelasinformações dos filhos (tabela 25), 49% (chegando a 62%entre os capitalizados) responderam que o pai “aceitaquase sempre” as idéias que são sugeridas, enquantoque 34% disseram que o pai “discute em família e aceitaalgumas propostas”. Apenas 7% dos rapazes entrevis-tados, nenhum deles dentre os capitalizados, “não cos-tumam fazer propostas novas para os pais”.

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O comportamento das moças, que mostra na ver-dade sua não -participação, é diferente do observadoentre os rapazes: 28% delas (porém 42% das vivendoem famílias mais pobres) responderam que “não cos-tumam fazer propostas para os pais” que impliquemalgum tipo de mudança na propriedade (tabela 26). Osdados mostram claramente o afastamento das moçasdas decisões da propriedade, sobretudo aquelas dossegmentos mais pobres. A sua não - participação nas

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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discussões sobre o futuro da propriedade demonstraa pouca atração, que, em geral, as moças têm pelo tra-balho na agricultura. Este comportamento é resultan-te de, pelo menos, duas razões (sem levar em contaseu maior preparo educacional para enfrentar o mer-cado de trabalho urbano): ausência de espaço de par-ticipação na propriedade e o desinteresse das moçaspela agropecuária em função da penosidade do traba-lho associada a esta atividade. Talvez esta última ra-zão explique a preferência de algumas moças entre-vistadas casar com rapazes de fora do meio rural.

A democratização das decisões sobre o destino dapropriedade aparece também nas respostas à ques-tão sobre quem toma as decisões importantes na uni-dade produtiva. Sobre esta questão, embora os dadosnão estejam expressos em tabelas, as respostas dospais, filhos e filhas são coincidentes: 50% dos pais,(67% capitalizados e, apenas, 37% entre osdescapitalizados) e 51% dos rapazes e das moças res-ponderam que as decisões importantes sobre os ru-mos da propriedade são tomadas “pelo conjunto da fa-mília”. Disseram que é “o pai quem toma a decisão depois deconversar com toda a família” 35% dos pais, 22% dos rapa-zes e 18% das moças. Outro fato que indica a maiorparticipação dos jovens está em sua concordância arespeito das mudanças e dos investimentos realiza-dos nas propriedades nos últimos anos. Embora em24% das unidades produtivas descapitalizadas não te-nha sido feito nenhum tipo de investimento, naque-las que o fizeram, havia o acordo de 68% dos rapazes

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Fonte: Pesquisa de Campo

e 67% das moças. O fato de concordar com os investi-mentos realizados significa que houve pelo menos umcerto grau de participação nas discussões que orienta-ram as mudanças (tabela 27 e 28).

Fonte: Pesquisa de Campo

Ainda com relação à democratização dos espaçosde decisão, a pesquisa se preocupou em levantar a evo-lução histórica da participação dos jovens nas deci-sões sobre o destino das propriedades. Embora aquitambém esteja presente o viés masculino dos proces-

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sos sucessórios, está havendo maior incorporação dosjovens nos espaços de decisão da família, sobretudodos rapazes, e nas discussões sobre as questões liga-das ao gerenciamento da propriedade. Embora em ape-nas 6% delas, (10% entre as propriedades capitaliza-das) o filho já seja responsável pela propriedade, 68%dos rapazes (85% entre os capitalizados) e 46% das mo-ças (61% entre os capitalizados) responderam que estáaumentando sua participação nas decisões da propri-edade nos últimos anos. Estes dados ajudam a confir-mar a hipótese de que nas propriedades dos agricul-tores capitalizados, os jovens vêm conquistando mai-or espaço de participação (tabelas 29 e 30). Ao mesmotempo mostram que os jovens adquirem uma experi-ência de gestão (e não só trabalho comandado) preci-osa para a organização de seu futuro profissional.

Fonte: Pesquisa de Campo

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Fonte: Pesquisa de Campo

A maior perspectiva de permanência destes jovensna propriedade paterna, a intensificação dos sistemade produção (maior número de atividades econômicasformadoras de renda) e uma certa divisão do trabalhopode estar fazendo com que os pais sejam obrigados acriar este espaço de participação para os filhos sob penade colocarem em risco, em função da saída do jovem, aprópria continuidade da unidade de produção. Por ou-tro lado, com relação à não-participação nas decisõesda propriedade, apenas 6% dos rapazes (nenhum entreos capitalizados), e 16% das moças, das quais 20% en-tre os descapitalizados disseram que não participam denenhum tipo de decisão que é tomada no interior daunidade de produção. Esta não-participação das mo-ças vem reafirmar mais uma vez o seu afastamento dasatividades agrícolas e do meio rural.

Apesar disso deve ser ressaltado que ainda em 42%das propriedades “o pai controla todas as atividades e todostrabalham em todas as atividades”, e em outras 18% das pro-priedades (33% entre os capitalizados) “o pai controla to-

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das as atividades e o trabalho é dividido” (tabela 31). Prevale-ce, portanto, ainda sob o controle do pai os aspectosligados à gestão do estabelecimento. Estes dados indi-cam também que nas propriedades capitalizadas emrazão das atividades desenvolvidas com maior presen-ça de criações (suínos e aves), começa a surgir uma cer-ta divisão do trabalho entre os membros da família.

Fonte: Pesquisa de Campo

A obtenção independente de dinheiro para supriras necessidades próprias por parte dos jovens é mui-to rara. As tabelas 32 e 33 mostram que 82% das mo-ças e 66% dos rapazes não desenvolvem qualquer ati-vidade na propriedade de cunho individual com o ob-jetivo de obter seu próprio dinheiro. Este comporta-mento deriva menos da concentração dos recursos nasmãos paternas que de um contexto de ausência deoportunidades de trabalho tanto agrícola como não-agrícola fora da propriedade. Contudo, entre os agri-cultores descapitalizados adquire certa importância avenda de mão-de-obra: 29% dos rapazes e 10% das

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moças desenvolvem atividades agrícolas fora da pro-priedade, em situação de assalariamento permanenteou de venda temporária de mão-de-obra. Comparan-do-se os dados das tabelas 32 e 33, verifica-se que oassalariamento das moças acontece em atividades não-agrícolas, ao contrário dos rapazes. Esta situação podeser explicada por, pelo menos, duas razões: o seu maiornível educacional e o próprio afastamento das ativida-des agrícolas, conforme já assinalado acima.

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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A ausência de perspectivas na unidade familiar deprodução, pode significar também o início do afasta-mento da atividade agrícola. Essa hipótese da maiorproximidade da condição de assalariado dos jovensdescapitalizados fica comprovada na resposta à ques-tão: “como você obtém dinheiro para o seu lazer” ? 13% dosrapazes (27% dos quais vivendo em unidades mais po-bres) responderam “trabalhando fora da propriedade”.O desenvolvimento de atividades próprias no interiorda propriedade, para obtenção de renda individual,só é realizado por 9% dos rapazes e apenas uma moça.

O dinheiro para utilização própria destina-se na suamaior parte, para atividades de lazer e aquisição debens de uso pessoal (71% dos rapazes e 64% das mo-ças, segundo as tabelas 34 e 35). Apenas quatro rapa-zes, todos do segmento dos capitalizados, responde-ram que estão obtendo recursos para capitalização daunidade de produção do pai ou para obtenção de suapropriedade no futuro. Com relação a investimento em

Fonte: Pesquisa de Campo

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A verdade é que a organização econômica da unida-de de produção familiar está centrada em torno de umaconta bancária única, normalmente administrada pelopai. Nesta forma de funcionamento, onde não há divi-são da renda entre os membros da família. Para obterdinheiro próprio, os jovens precisam pedir para os paisou então os pais tomam a iniciativa de dar dinheiro a seucritério. Em, aproximadamente, um terço das proprieda-des entrevistadas acontecem as duas formas simultanea-mente: o pai toma a iniciativa de oferecer dinheiro aosfilhos, mas muitas vezes os filhos também precisam pedir.

As percepções levantadas na pesquisa de campoindicam que esta questão está mais ligada à disponi-

Fonte: Pesquisa de Campo

sua formação profissional – principalmente educaçãoformal – existe uma diferença significativa e importan-te no comportamento dos jovens. Enquanto apenas5% dos rapazes (12% entre os capitalizados) disseramque “buscam recursos próprios para aplicar no estudo”, 20%das moças deram esta resposta.

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bilidade de recursos na propriedade - que é baixa, mes-mo entre os capitalizados - do que propriamente a umcontrole mais rigoroso dos recursos por parte dos pais.Este é mais um indicativo da democratização das de-cisões no interior das unidades de produção por nósinvestigadas. Mesmo assim, 28% dos rapazes e 35%das moças precisam pedir dinheiro aos pais.

3.4. O viés de gênero nos processos sucessórios

As moças têm as mesmas chances sucessórias queos rapazes; esta é a resposta de 62% dos pais entrevis-tados (85% entre os capitalizados) conforme pode serobservado na tabela 36. Aqui aparece um contraste sig-nificativo entre a opinião dos pais e a das próprias mo-ças a este respeito: apenas 46% delas dizem ter as mes-mas chances que os rapazes e 38% (mas apenas 17%entre os capitalizados) responderam que “não serãosucessoras”. Deve-se considerar contudo, que opercentual de moças que dizem ter a mesma chanceque os rapazes na sucessão da propriedade, pode estarrefletindo muito mais seu sentimento de que deveriahaver igualdade na partilha dos bens, uma vez que aherança está associada ao pagamento dos serviços pres-tados na terra, do que uma possibilidade concreta derealização. Nesse sentido, Paulilo (2000) observou queo alijamento das mulheres por ocasião da partilha dapropriedade é uma questão muito delicada. Tudo quese consegue, diz a autora, é que as mulheres digam,com timidez, que elas deveriam ter os mesmos direitos.É nítida a preferência familiar masculina na escolha do

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sucessor. Isto é o que pode ser observado pelas respos-tas das moças na tabela 37. Conforme já assinalado,na pesquisa de campo não foi encontrado nenhum casoonde a moça tenha sido escolhida sucessora ou entãodirigisse, de fato, a propriedade paterna.

Existe uma completa distância não apenas das ta-refas que envolvem a responsabilidade nas tomadasde decisão quanto ao destino da propriedade, mas

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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Fonte: Pesquisa de Campo

Um dos indicadores que mostra a diferença de par-ticipação dos jovens na propriedade está relacionadoà obtenção de crédito agrícola. Com relação a estaquestão, 85% das moças nunca sugeriram fazer umempréstimo para a propriedade. Fizeram financiamen-to em seu nome apenas 5% das moças entrevistadas,a maioria de propriedades capitalizadas. Com relaçãoaos rapazes, 39% deles já sugeriram fazer um financia-mento, sendo que 20% deles (32% entre os capitaliza-dos) já fizeram um financiamento em seu nome.

Outro indicativo do desinteresse das moças pelagestão da propriedade, e que pode estar relacionadoao seu alijamento da sucessão, é a resposta relaciona-da à pergunta “onde aplicaria primeiro os recursos dis-poníveis”. Enquanto 49% dos rapazes disseram queaplicariam primeiro na agricultura, 51% das moças dis-

também um afastamento das atividades de trabalholigadas à atividade agrícola. Lembramos aqui, que 60%das moças responderam que concentram suas ativi-dades “nos trabalhos domésticos e só esporadicamente na la-voura e criações” (tabela 38)

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seram que aplicariam no “estudo e na poupança”, ca-racterizando que o investimento no ensino formal évisto como uma alternativa para sair da agricultura (ta-belas 39 e 40).

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

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Para os jovens agricultores do oeste de SantaCatarina, a possibilidade mais concreta de ascender àprofissão de agricultor é herdando a propriedade pa-terna: 27% dos rapazes e 24% das moças responde-ram nesta direção (tabelas 41 e 42). Preocupa contudoo fato de que, desconsiderando essa possibilidade - ena ausência de um programa adequado para a instala-ção de jovens agricultores, onde esteja incluída a com-pra da terra - 41% dos rapazes e 44% das moças (60%entre as descapitalizadas) responderam que “não hácondição de se viabilizar na agricultura”. A coincidên-cia das respostas entre rapazes e moças, num contex-to de ausência de atividades não-agrícolas, reflete cla-ramente a falta de oportunidades para os jovens quedesejam permanecer no meio rural desenvolvendo aprofissão de agricultor.

Fonte: Pesquisa de Campo

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Fonte: Pesquisa de Campo

3.5. O interesse pela terra

O acesso à propriedade da terra é visto pelos agri-cultores do oeste catarinense como o único caminhopara construir uma trajetória ascendente na profissãoagropecuária. O horizonte para chegar à condição deproprietário via arrendamento não é considerado, en-tre as possibilidades existentes, como uma alternativaconcreta e também não faz parte da história da agri-cultura familiar na região. Pode ser que este compor-tamento explique o alto interesse dos pais e tambémdos jovens em adquirir terra por meio de financiamen-tos junto ao Programa Banco da Terra. Muitas são asdificuldades de inserção no mercado de um agricultornão-proprietário; entre eles está o acesso ao crédito eàs demais políticas de apoio existentes. Além disso,existe também um certo constrangimento de origemcultural que coloca a família de agricultores não- pro-prietários em posição social inferior dentro da comu-nidade. Assim é que, ao serem perguntados se teriam

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interesse em fazer um financiamento para adquirir umapropriedade e instalar um filho como agricultor, 77%dos pais responderam positivamente. Quando colo-cadas diante das condições proposta pelo Banco daTerra, esta proporção caiu, mas, ainda assim, 58% dosentrevistados dizem que tomariam o empréstimo (ta-belas 43 e 44).

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

O desejo de acesso à terra, embora não de uma ma-neira tão forte como no caso dos pais aparece tam-bém entre os filhos: 32% dos jovens disseram que têminteresse em fazer um financiamento para adquirir uma

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propriedade e instalar-se como agricultor. Entre os ra-pazes, 45% disseram que tomariam um empréstimo nascondições do Banco da Terra. Quase um terço recusaesta possibi lidade e um quarto afirma não saber ava-liar (tabela 45). É interessante que não há grandedisparidade entre as categorias sociais nesta respos-ta. Uma vez que se explicou ao entrevistado quais sãoas condições do Banco da Terra, pode-se dizer que qua-se metade dos rapazes da região se disporia a adquiriruma propriedade nestas condições.

Fonte: Pesquisa de Campo

No caso das moças apenas 21% delas (13% perten-centes a propriedades descapitalizadas) responderamque têm interesse em fazer um financiamento paraadquirir uma propriedade e instalarem-se comoagricultoras. Demonstrando mais uma vez o desinte-resse pela atividade agrícola, 41% delas responderamque não têm interesse neste tipo de investimento (ta-bela 46). Diante da pergunta se tomariam ou não fi-nanciamento pelo Banco da Terra, apenas 23% respon-deram que tomariam (28% entre as das famílias capi-

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talizados); 34% não tomariam o empréstimo e 43% dis-seram que não têm condições de avaliar (tabela 47).

Fonte: Pesquisa de Campo

Fonte: Pesquisa de Campo

Embora a maioria dos agricultores entrevistadosainda não tenha decidido quem vai ficar com a propri-edade e o que farão os demais irmãos não-sucesso-res, a necessidade de terra, como fator importante nacomplementação do processo sucessório, apareceutambém em outros momentos da pesquisa de campo.Em apenas 14% das famílias entrevistadas (5%descapitalizadas, 23% em transição e 18% capitaliza-dos), mais de um sucessor ficará com a terra que será

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A necessidade de terra aparece também nas respos-tas dos jovens. Sobre este tema os jovens responderamà questão relacionada à quantidade e à qualidade da ter-ra. “A quantidade de terra a ser herdada é suficiente e

dividida e é suficiente. Esta resposta indica que pelotipo de atividades que desenvolvem, principalmenteentre os capitalizados, ainda existe uma pequena pos-sibilidade de subdivisão da propriedade. Entre as pro-priedades descapitalizadas esta possibilidade não exis-te mais. “Mais de um sucessor ficará com a terra queserá dividida mas não é suficiente” foi a resposta dadapor 35% dos pais entrevistados (39% descapitalizadas,32% em transição e 27% capitalizados). A necessidadede terra aparece ainda em 14% das propriedades (ne-nhum entre os capitalizados, 12% em transição e 20%descapitalizadas), que responderam “que só ficará umsucessor e os outros precisarão de terra”. Além disso,deve-se ressaltar que em 8% das propriedades só existeum sucessor, mas a terra não é suficiente (tabela 48).

Fonte: Pesquisa de Campo

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boa”, foi a resposta dada por 21% dos rapazes. Apenas7% dos descapitalizados; 23% das moças, apenas 10%descapitalizadas, também deram esta resposta. “A quan-tidade de terra é insuficiente e predominantemente demá qualidade foi a resposta dada por 24% dos rapazes(39% descapitalizados e apenas 5% entre os capitaliza-dos). É interessante observar que as respostas das mo-ças vão na mesma direção das dos rapazes: 25% delasderam a mesma resposta (38% descapitalizadas, 19% emtransição e apenas 6% capitalizadas). Mesmo conside-rando a terra de boa qualidade, porém insuficiente, foi aresposta dada por 32% dos rapazes (52% entre os capita-lizados) e 24% das moças (tabelas 49 e 50).

Fonte: Pesquisa de Campo

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3.6. Sucessão e renda não-agrícolaO trabalho de campo mostra a precariedade das fon-

tes não-agrícolas de geração de renda no interior dosestabelecimentos familiares do oeste de Santa Catarina.Os jovens não mencionam atividades não-agrícolas combase no estabelecimento, nem sequer a possibilidadede que a unidade familiar se torne um local de residên-cia para um eventual futuro emprego urbano.

Existem basicamente três fontes de renda vindas defora do estabelecimento, em ordem de importância: apo-sentadoria, o envio de dinheiro por parte de filhos quedeixaram a propriedade familiar e o trabalho assalariadona própria agricultura (que se faz fora do estabelecimen-to, mas não fora da agricultura, bem entendido). Rendasprovenientes de fontes exteriores ao estabelecimentoagropecuário são tanto mais importantes quanto maiora pobreza das famílias. E estas rendas – ao menos to-mando-se por base o universo do oeste de Santa Catarina– distanciam-se nitidamente do que se poderia conside-

Fonte: Pesquisa de Campo

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rar como “novo rural”. Tanto é assim, que nos estabeleci-mentos mais prósperos a renda não-agrícola tem partici-pação bem reduzida. As rendas não-agrícolas e as possi-bilidades de trabalho fora do estabelecimento estão as-sociadas muito mais à precariedade de condições de vida,que a novas alternativas de geração de riquezas para asfamílias. Discutindo as ocupações rurais não-agrícolas,Dirven (2000), as denomina de “ocupações refúgio” e “ocu-pações dinâmicas”. Aquelas são ocupações com baixasbarreiras à entrada (capital humano e físico), baixa pro-dutividade e baixa renda, enquanto estas respondem auma demanda dinâmica e geram rendas maiores que orendimento médio das atividades agrícolas, porém pos-suem altas barreiras à entrada (capital humano e físico).Ao fazer esta divisão, a autora também aponta que as“ocupações refúgio” estão mais relacionadas com os agri-cultores pobres, enquanto as “ocupações dinâmicas” es-tão mais ao alcance dos agricultores ricos. As rendas não-agrícolas e as oportunidades de trabalho fora do estabe-lecimento no oeste de Santa Catarina, parecem estarassociadas ao que Dirven (2000) denomina de “ocupa-ções refúgio”. Sob a perspectiva da distribuição mais equ-ânime das oportunidades de renda e da criação de pos-sibilidades concretas para que os jovens (homens e mu-lheres) possam construir seu futuro profissional no meiorural o desafio que se coloca é superar o que Reardon etalii (1998) chamaram de “paradoxo” das ocupações ruraisnão-agrícolas. No nível micro, os autores consideram quesão os estabelecimentos mais pobres os que mais ne-cessitam de fontes de renda adicionais àquelas que são

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geradas pela agricultura; porém, são justamente estes queenfrentam as maiores limitações de capital humano ecapital produtivo e dificuldades para oferecer como ga-rantia na obtenção de crédito. Geralmente são tambémestes estabelecimentos que se encontram mais distan-tes dos centros consumidores. Por outro lado, como co-locam os autores, são os estabelecimentos mais ricos osque têm menos necessidades, porém maiores possibili-dades de ganhos com as rendas não-agrícolas.

Observando a origem da renda agrícola das propri-edades, 21% dos agricultores responderam que elaadvém somente da agricultura, 10% responderam queresulta exclusivamente da pecuária e 64% dos agricul-tores declararam ter renda da agricultura e da pecuá-ria. Somente 5% dos agricultores declararam ter parteda renda formada pela venda de produtos frescos outransformação da produção. Estes dados, bem comoa origem da renda agrícola nos diferentes segmentossociais, podem ser observados na tabela 51.

Fonte: Pesquisa de Campo

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Com relação à composição da renda total das uni-dades de produção pesquisadas, identificou-se que50% delas não possuem nenhum tipo de renda origi-nada fora da atividade agropecuária. Em relação àrenda não-agrícola, embora os dados não estejam ex-pressos em tabelas, as que têm maior relevância sãoa aposentadoria presente em 35 propriedades (30%do universo pesquisado). O trabalho assalariado tem-porário na agricultura ocorre em 20 propriedades (17%do universo pesquisado), porém em 33% das propri-edades descapitalizadas. O assalariamento ou traba-lho autônomo de uma pessoa da família apareceu em16 propriedades (14% do universo pesquisado). A ren-da proporcionada pelo dinheiro enviado pelos filhosque saíram da propriedade, ocorre em 11 estabeleci-mentos (10% do universo pesquisado). Destaca-se,ainda, que muitas propriedades possuem mais de umafonte de renda não-agrícola. É importante salientarque 22% das propriedades – todas pertencentes aosegmento em transição e descapitalizados – têm ren-da proveniente da aposentadoria e também recebemrecursos dos filhos que estão fora. Por ocasião dapesquisa de campo, em conversa com os membrosdestas famílias, constatamos que a renda da aposen-tadoria e os recursos financeiros enviados pelos fi-lhos são fundamentais à manutenção familiar, bemcomo para realizar pequenos investimentos na pro-priedade, como por exemplo, a compra de uma vaca,a construção ou ampliação de pequenas instalaçõese até a aquisição de equipamentos.

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De um total de 35 agricultores que responderamreceber aposentadoria (tabela 52) 18 deles declararamque esta receita representa menos que 25% da rendada propriedade (todos do segmento capitalizado), 10agricultores disseram que representa entre 25% a 50%e 5 responderam que representa mais de 50% da ren-da da propriedade.

Fonte: Pesquisa de Campo

A unidade produtiva tampouco tem sido um localde residência para quem exerce atividades urbanas.Em 78% das famílias entrevistadas (tabela 53) não ha-via pessoas trabalhando fora e morando na proprie-dade. Embora não fosse o foco da investigação pro-posta neste trabalho, verifica-se que na maioria dosmunicípios da pesquisa são raras as oportunidades detrabalho não-agrícola no meio rural e, quando exis-tem, são de natureza precária. Em apenas um dosmunicípios identificou-se, no meio rural, a presençade uma usina de reciclagem de lixo que gerava 35 pos-

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tos de trabalho aos agricultores da vizinhança. Mes-mo sendo um trabalho pouco qualificado, a renda queele proporciona – apesar de baixa – viabiliza a perma-nência daquelas famílias no meio rural. Em outro mu-nicípio, um frigorifico de aves contrata jovens agricul-tores que vivem em suas comunidades para trabalharna linha de abate. Diariamente um ônibus percorre asestradas do interior transportando os “colonos operá-rios” que vão dedicar parte do seu tempo ao trabalhoassalariado proporcionado por esta agroindústria. Massão casos suficientemente raros e que quase não apa-receram nas respostas dos entrevistados.

Fonte: Pesquisa de Campo

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Isso não significa, evidentemente, que as atividadesnão-agrícolas sejam supérfluas ou pouco importantes.Elas, certamente, são decisivas para o desenvolvimen-to rural. O fato é que, até aqui, elas não parecem fazerparte da experiência regional do oeste de SantaCatarina, ao menos no que se refere às populações quevivem no interior dos estabelecimentos agropecuários.

Em suma, o processo sucessório na agricultura fa-miliar, não é objeto de planejamento sistemático porparte da família, nem recebe qualquer tipo de atençãoou subsídio vindo de instituições públicas ou repre-sentativas. Este quadro é coerente com a falta de pre-paro educacional dos filhos que vão assumir a propri-edade. A remuneração dos filhos não- herdeiros nãoparece ser um obstáculo importante no processosucessório; no caso de famílias descapitalizadas e emtransição, a compensação dos filhos não herdeirosdiretos é decidida em função da capacidade de paga-mento da unidade produtiva. Já nos casos das famíli-as mais abastadas, pode existir até remuneração emdinheiro. A maneira como foram estratificados os agri-cultores entrevistados mostrou-se coerente: os capi-talizados não só têm maior propensão a permanecerna atividade paterna, como já se preparam de manei-ra mais intensiva para tanto. Apesar da existência dediálogo em vários aspectos que concernem o destinoda propriedade, é muito precária a autonomia dos jo-vens no interior da família: poucos têm recursos, inici-ativas próprias e até uma conta bancária. No caso das

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moças, a esta falta de autonomia acrescenta-se a com-pleta ausência de horizonte de assumir responsabili-dades na gestão do estabelecimento. As respostas comrelação ao Banco da Terra mostram bem o potencialque pode ter uma política fundiária ativa numa regiãoque não se caracteriza pela presença massiva do lati-fúndio. As atividades não-agrícolas no meio rural, atéaqui, não parecem despertar de maneira significativaos interesses dos jovens agricultores.

A dinamização do meio rural passa pela incorpora-ção do grande número de jovens que demonstraram odesejo de construir sua vida profissional no campo.Trata-se de um conjunto de capacidades que não podeser desprezado quando se busca atuar na perspectivado desenvolvimento local. Por isso, é necessário queorganizações voltadas ao desenvolvimento rural per-cebam que este não é necessariamente sinônimo deagrícola e orientem suas ações, seu pessoal técnico,seus instrumentos de desenvolvimento, investimentoem infra-estrutura e capacitação, para este mundo ru-ral e heterogêneo que necessita de uma visãomultidisciplinar em sintonia com a realidade e aspotencialidades locais. Também é necessário fazer es-forços no sentido de eliminar as imperfeições de mer-cado – especialmente preponderantes no meio rural –e buscar uma situação de igualdade de condições en-tre as zonas rurais e urbanas, numa realidade queDirven (2000) denomina de “a level play field”, ou seja,um equilíbrio entre ambas as áreas.

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Conclusões

Os atuais padrões sucessórios não vão conseguir atender à demanda por terra dos jovens que vivem nas unidades familiares do oeste

catarinense e que desejam permanecer no meiorural. Portanto, é necessário o estabelecimento depolíticas fundiárias que conciliem a demanda dosjovens por terra com a oferta das propriedades quenão terão sucessores.

Começa a existir no interior das famílias maior de-mocratização das decisões, ampliando o espaço departicipação dos jovens. Entretanto, esta maior parti-cipação nas decisões da propriedade não vem acom-panhada de novas possibilidades de realização pro-fissional oferecidas no âmbito das políticas de apoio.Existe um enorme e crescente isolamento social dosjovens que vivem nas comunidades rurais. Verificou-sepreocupante ausência das organizações representati-

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vas e de apoio, sobretudo no segmento dos agriculto-res em transição e descapitalizados.

As oportunidades de renda para os jovens agricul-tores do oeste catarinense são compostas, fundamen-talmente, pela produção de commodities, como suínos,aves, leite, milho e feijão, que nas condições estrutu-rais da maioria das propriedades, não proporcionamrentabilidade atraente. Constatou-se a baixa presen-ça de ocupações e de rendas não-agrícolas no meiorural. As alternativas existentes representam muitomais uma situação de precariedade econômica do quede ascensão social.

Existe um forte desejo de continuidade na agricultu-ra familiar por parte dos rapazes, mesmo no caso da-queles que vivem em unidades com rendimento econô-mico precário; porém, há uma visão bastante negativadas moças a respeito desta alternativa profissional.

Os jovens que permanecem no meio rural, e que pro-vavelmente serão os sucessores, possuem um baixo ní-vel de escolaridade que dificulta o desempenho da ati-vidade agrícola e principalmente a organização e o de-senvolvimento das novas atividades que se colocam parao meio rural. O nível de escolaridade atual comprometeo próprio exercício de cidadania, na medida que elesnão conseguem sequer ter acesso aos direitos legalmen-te constituídos, como por exemplo, a obtenção da con-dição de agricultor por meio do “bloco do produtor”.

O elevado desejo de acesso à terra, por parte dos ra-pazes, contrasta com a magnitude do êxodo rural, sobre-

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tudo da população jovem, e conduz a vaziosdemográficos que destróem o capital social existente,comprometendo a continuidade da agricultura familiar ea construção de projetos de desenvolvimento regional.

A população vivendo hoje no meio rural do oestede Santa Catarina (aí incluindo também suas peque-nas aglomerações urbanas) é suficientemente impor-tante para que um conjunto ativo de políticas possadespertar o interesse dos jovens em sua valorização.O mais importante é a reunião de um conjunto varia-do de esforços no sentido não só de facilitar o acessoà terra, ao crédito e aos mercados, mas a mudança doambiente educacional existente no campo e que nãoé capaz de valorizar o conhecimento e por aí desper-tar o real interesse dos jovens. Existe, no oeste de SantaCatarina, um conjunto variado de organizações esta-tais e não-estatais preocupadas com o desenvolvimen-to regional. É das ações que decidirem desde já comrelação aos jovens que depende o futuro desta queaté hoje tem sido uma das mais importantes áreas deafirmação da agricultura familiar no país.

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Proposição de Políticas

As políticas orientadas a melhorar a inserção pro-dutiva e a articulação com o mercado dos agri- cultores famili ares do oeste de Santa Catarina

devem cuidar para que as ações em matéria detecnologia, crédito e comercialização sejam dirigidasprioritariamente aos segmentos jovens (homens emulheres) das famílias dos agricultores mais pobres.

Considerando que o atual padrão sucessório vigentena agricultura familiar do oeste catarinense é umaameaça a sua continuidade, é preciso desenvolvermecanismos de ajuda para fazer a transferência dapropriedade (incluindo a transferência formal da terrae o controle da propriedade) para os filhos que dese-jam construir seu futuro profissional no meio rural. Es-tudar as experiências de outros países, sobretudo aque-les pertencentes à União Européia, e que já desenvol-vem ações neste sentido pode ser o ponto de partida

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para a construção de uma proposta adequada a nossarealidade. As proposições que seguem não poderiamter caráter exaustivo. Na verdade, os movimentos so-ciais brasileiros têm incluído de maneira pouco siste-mática a reflexão sobre juventude em suas pautas.Portanto, as reivindicações, as políticas e os instrumen-tos para sua conquista serão desenhados e postos emexecução aos poucos. Trata-se aqui apenas de modes-ta contribuição neste sentido.

a) Reordenamento fundiário

O acesso à terra é condição necessária para que osjovens possam seguir na profissão agropecuária, umavez que o arrendamento não é considerado por elescomo opção. Ao mesmo tempo em que se constatauma forte demanda por terra – traduzida pelo altointeresse pelo Banco da Terra (ver acima, item 3.5) epelo número elevado de jovens que desejam seragricultores e não serão sucessores ou que possuemterra em quantidade insuficiente – há um grandenúmero de propriedades que não terão sucessor ouque serão vendidas. O grande desafio está em construirpolíticas de acesso à terra que permitam transferirestas propriedades para aqueles jovens que desejamcontinuar na profissão de agricultor. As políticasagrárias atualmente existentes mostram claramenteseus limites. Tanto o programa de assentamentosquanto o Banco da Terra, em sua concepção atual, nãosão suficientes para fazer com que as propriedades

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sem sucessores, passem para as mãos daqueles jovensque não possuem terra e que desejam prosseguirexercendo a profissão de agricultor.

É necessário conceber políticas específicas dereordenamento fundiário, que permitam a transferên-cia de propriedades sem sucessores para jovens agri-cultores, garantindo que estes estabelecimentos per-maneçam nas mãos da agricultura familiar.

b) Educação e formação profissional

O baixo nível de instrução, tanto formal quanto in-formal, demonstra a necessidade da urgenteimplementação de programas de capacitação dos jo-vens agricultores. Estes programas não devem se res-tringir apenas à capacitação para o trabalho, mas tam-bém para o exercício da cidadania. Propostas de ins-trução dos jovens agricultores devem se preocupar tan-to com o ensino formal quanto com programas deprofissionalização. Deve ser dada especial ênfase, nes-te tipo de formação, a que os jovens tenham acessoaos meios eletrônicos que possam permitir a amplia-ção de seu círculo social e de seus conhecimentos. Maisimportante que a abertura de novas escolas é que sealtere o ambiente institucional que preside a relaçãoentre os habitantes rurais e o mundo do conhecimen-to. O desafio de aproveitar os trunfos que o meio ruralrepresenta para a sociedade contemporânea supõeque o acesso à informação e a valorização do conhe-cimento tornem-se prioridades de primeira grandeza.

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A base inicial de um projeto de educação articula-do entre governo federal (por meio do Ministério doDesenvolvimento Agrário e do Ministério da Educação),governos estaduais e municipais é que todos os jo-vens residentes no meio rural possam completar osegundo grau sem, para isso, ter que abandonar a re-sidência dos pais. Mas o desafio maior está em que ofaçam em condições de qualidade que lhes permitamtanto capacidade de gestão para o trabalho em umapropriedade familiar, como a possibilidade de enfren-tar os desafios da inserção fora da profissão agrícola.Transformar este objetivo num grande desafio regio-nal (e, por que não, nacional) é a premissa mais im-portante para a mudança na visão da sociedade a res-peito do destino do meio rural.

A pesquisa constatou um impressionante atraso edu-cacional, entre os jovens que pararam de estudar e quesão os mais prováveis sucessores. A geração de agricul-tores que está tomando conta dos negócios hoje temum nível educacional muito aquém dos desafios que vaiencontrar pela frente. A própria introdução da informáticana agricultura fica seriamente comprometida, nem tantopela precariedade dos meios materiais de que dispõe amaior parte dos agricultores, mas sobretudo pela escas-sez de recursos culturais para lidar com novas tecnologias.Assim, ao mesmo tempo em que se faz necessária a ga-rantia do acesso ao ensino formal por parte daquelesjovens em idade escolar, é necessária a construção deprogramas para aqueles jovens que pararam de estudarantes de concluir o segundo grau.

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Muitos jovens são levados a abandonar os estudos;outros (sobretudo as moças) deixam o meio rural paracontinuar estudando. Portanto, é necessário que sejagarantido o transporte escolar a todos os estudantes,pelo menos até o segundo grau; responsabilidade esta,que deve ser partilhada entre prefeituras municipais eEstado. Além disso, é fundamental que as escolas fa-miliares rurais possam receber incentivos significati-vos, já que representam um caminho que associa aformação dos mais jovens à mudança da atitude dospróprios pais diante do trabalho e uma abertura po-tencial em direção à inovação.

A criação de um programa de bolsas de estudo,evitando que os pais interrompam a formação dosfilhos devido às necessidades de mão-de-obra na pro-priedade, pode desempenhar um papel importantepara a agricultura familiar. Além de garantir o acessoà educação aos filhos de agricultores, este programapode tornar-se uma importante forma de transferên-cia de renda para o meio rural. É fundamental que asexperiências de bolsa-escola (tão bem sucedidas nomeio urbano), possam beneficiar as áreas rurais maisprecárias do país.

É fundamental que se criem mecanismos que per-mitam aos filhos de agricultores – sobretudo aquelescom desempenho econômico mais precário – o aces-so aos cursos técnicos de nível médio voltados para aagricultura e ao meio rural. Além disso, deve-se esti-mular e fortalecer aquelas iniciativas de formação dejovens agricultores existentes na região, como a expe-

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riência das Casas Familiares Rurais e o Programa TerraSolidária que, gerido diretamente por organizações nãogovernamentais e coordenado pela Central Única dosTrabalhadores vem permitindo associar a formaçãotécnica e profissional à difusão de uma consciênciavoltada explicitamente à valorização do meio rural.

c) Capacitação profissional

Existe hoje um conjunto considerável de organiza-ções e programas voltados à formação profissional dosagricultores. O desafio não está em localizar um ououtro programa ainda não existente, mas em criar asinergia que transmita à população rural (sobretudoaos jovens) os sinais necessários para que possam demaneira verossímil construir seus projetos de vida nomeio rural. O essencial para isso é que se forme umaverdadeira rede composta pelos mais diferentes tiposde atores, das organizações locais, à Epagri, passan-do pelos sindicatos, pelas escolas e pelas ONG e pe-los Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural eque associem a capacitação profissional à valorizaçãodo território, da cultura e dos conhecimentos da po-pulação. Os técnicos da Epagri, os estudantes univer-sitários, os colégios agrícolas podem associar-se nummovimento de descoberta de potenciais produtivosainda não explorados na região. O importante é que aformação estritamente técnica esteja sempre associa-da a uma prática de valorização das capacidades pro-dutivas e associativas da agricultura familiar.

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É importante ressaltar, que juntamente com estetipo de programa de capacitação profissional, devemser criadas linhas de crédito específicas para a instala-ção de jovens agricultores que contemplem aviabilização do projeto econômico da nova unidade.Em resumo, que isto resulte em uma política perma-nente para a criação e a formação de uma nova gera-ção de agricultores.

Convém insistir, porém, na urgência de que o apren-dizado e o uso da informática possam fazer parte douniverso de formação destes jovens. Se hoje o acessoaté à Internet pode parecer distante, o avanço dastecnológicas de comunicação vai fazer com que em pou-cos anos, o meio rural possa dispor destas tecnologiasde maneira bastante massiva. O acesso às novastecnologias da informação é tão fundamental para a ci-dadania dos jovens agricultores quanto o acesso à edu-cação, ao crédito e aos mercados. Sem a informatizaçãodas regiões de agricultura familiar, é totalmente ilusórioimaginar uma política de desenvolvimento rural capazde despertar o entusiasmo dos jovens.

d) Programa de moradia no meio rural

Embora a pesquisa não tenha formulado ques-tões para analisar as condições de moradia dos agri-cultores, por ocasião da aplicação dos questionári-os constatou-se que este problema é um dos com-ponentes importantes que pesa nas decisões depermanência dos jovens no meio rural em função

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da precariedade em que vivem as famílias dos agri-cultores, sobretudo os descapitalizados.

Em função da necessidade urgente de melhorar ascondições de moradia, propõe-se a criação de um pro-grama nacional de habitação para o meio rural, quepoderia fazer parte do mesmo escopo do Pronaf (“Pronafmoradia”) e deve ficar sob responsabilidade executivada Caixa Econômica Federal. A seleção dos beneficiáriosdeste programa deve passar, obrigatoriamente, peloconselho municipal de desenvolvimento rural.

O custo necessário para construir ou reformar es-sas casas é baixo frente ao impacto na melhoria daqualidade de vida que ele proporcionará. Durante apesquisa de campo observou-se que alguns agriculto-res conseguiram construir suas casas com bom nívelde conforto com custos entre R$ 3.000,00 a 10.000,00.A organização deste programa deve ser concebida pre-vendo a utilização da mão-de-obra e de materiais exis-tentes nas comunidades rurais, podendo servir tam-bém como oportunidade de capacitação de agriculto-res em atividades não agrícolas, como pedreiros, car-pinteiros, eletricistas e pintores. O programa dever serflexível prevendo várias formas de pagamento, taiscomo: programa de renda mínima articulado a um pro-jeto de reflorestamento (para pagamento futuro emmadeira) ou pagamento em dinheiro.

e) Criação de novas oportunidades de rendas

A produção de commodities ainda é a principal alter-

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nativa de renda e ocupa um papel fundamental na eco-nomia regional. Contudo, apenas a produção primá-ria não cria os postos de trabalho necessários paraatender o desejo de permanência dos jovens no meiorural. Além disso, somente a atividade agrícola não gerarenda atrativa para satisfazer as expectativas dos jo-vens, principalmente das moças que buscam ativida-des menos penosas que o trabalho na agricultura. Aspolíticas públicas devem ter a preocupação de viabilizaras atividades agrícolas no interior da agricultura fami-liar e ao mesmo tempo criar um ambiente propício parao surgimento de atividades não-agrícolas e deverticalização da produção no meio rural.

A criação de agroindústrias de pequeno porte apre-senta-se como uma importante alternativa de geraçãode postos de trabalho e renda. Embora estas experi-ências estejam ainda distante do horizonte da maio-ria dos agricultores da região, iniciativas inovadorasestão sendo desenvolvidas. Estas iniciativas vão nadireção da criação de pequenas agroindústrias famili-ares grupais comandadas pelos próprios agricultores.

Uma das experiências de maior importância desen-volvidas na região foi a construção do Projeto deAgroindústrias Associativas dos Agricultores Familiares do OesteCatarinense- “Pronaf Agroindústria” elaborado em parce-ria entre Epagri, prefeituras municipais e ONGs e con-cebido de acordo com os princípios estabelecidos pelaentão Secretaria do Desenvolvimento Rural do Minis-tério da Agricultura e do Abastecimento – SDR/MA.

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Este projeto partiu do que já havia acumulado na re-gião em termos de competências técnicas, estruturasorganizacionais e institucionais.

Esta experiência pode constituir-se de base para aconstrução de um projeto mais abrangente, capaz decontemplar, principalmente, os grupos de agriculto-res em transição e descapitalizados. Para tanto, sefaz necessária a superação dos problemas que estãobloqueando a consolidação desta proposta, como asdificuldades de acesso ao crédito, legislação restritivaà construção de pequenas indústrias e apoioinstitucional adequado.

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