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Segurança e Desenvolvimento na América do Sul: uma integração estratégica? O processo de integração regional na América do Sul se encontra diante do desafio de dar continuidade, ou ao menos manter, os importantes progressos alcançados pelos países da região no esforço de criação de uma comunidade de segurança. Em outras palavras, trata-se de assegurar que iniciativas como o Conselho de Defesa Sul-Americano na UNASUL não percam o seu dinamismo diante do cenário de baixo crescimento econômico e de instabilidade política no curto prazo. Para tanto, o nosso argumento é de que o incremento na elaboração de parcerias entre países e fabricantes de produtos de defesa representa um importante instrumento para assegurar a continuidade no processo de integração na região. O pensamento político realista da política internacional permanece como a principal tradição teórica para compreender a interação dos Estados no sistema internacional no século XXI. Poder, guerra e ganância permanecem no léxico compartilhado pelos mais importantes atores do sistema internacional, as principais potências. Todavia, esta perspectiva teórica, principalmente em sua vertente anglo-saxã durante o século XX, apresenta diversas limitações para se pensar a política internacional de maneira mais cooperativa do que conflitiva na arena mundial contemporânea. Como reflexo, o realismo, em termos gerais, não proporciona maiores subsídios para se pensar fenômenos como, por exemplo, a integração regional. Na literatura, esta carência é evidenciada pelo predomínio da perspectiva econômica nas relações entre Estados, limitando suas análises nas trocas comerciais regionais como indicador dos níveis de integração.

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Segurança e Desenvolvimento na América do Sul: uma integração estratégica?

O processo de integração regional na América do Sul se encontra diante do desafio de dar continuidade, ou ao menos manter, os importantes progressos alcançados pelos países da região no esforço de criação de uma comunidade de segurança. Em outras palavras, trata-se de assegurar que iniciativas como o Conselho de Defesa Sul-Americano na UNASUL não percam o seu dinamismo diante do cenário de baixo crescimento econômico e de instabilidade política no curto prazo. Para tanto, o nosso argumento é de que o incremento na elaboração de parcerias entre países e fabricantes de produtos de defesa representa um importante instrumento para assegurar a continuidade no processo de integração na região.

O pensamento político realista da política internacional permanece como a

principal tradição teórica para compreender a interação dos Estados no sistema internacional no século XXI. Poder, guerra e ganância permanecem no léxico compartilhado pelos mais importantes atores do sistema internacional, as principais potências.

Todavia, esta perspectiva teórica, principalmente em sua vertente anglo-saxã durante o século XX, apresenta diversas limitações para se pensar a política internacional de maneira mais cooperativa do que conflitiva na arena mundial contemporânea. Como reflexo, o realismo, em termos gerais, não proporciona maiores subsídios para se pensar fenômenos como, por exemplo, a integração regional. Na literatura, esta carência é evidenciada pelo predomínio da perspectiva econômica nas relações entre Estados, limitando suas análises nas trocas comerciais regionais como indicador dos níveis de integração.

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Mas é importante ressaltar que o realismo não é homogêneo e tampouco monolítico, incorporando críticas e contribuições de outras perspectivas teóricas.

O objetivo deste artigo é o de elaborar uma moldura teórica realista para se pensar processos de integração regional. Ou seja, poder e sobrevivência permanecem como objetivos primários do Estado e a questão que emerge é de como estes podem ser maximizados através da integração regional.

O nosso argumento é o de que o caso sul americano providência evidências importantes para se verificar de como Estados, ao procurarem maximizar seus interesses, podem recorrer a políticas cooperativas. Neste sentido, a análise da dimensão da segurança do Estado é particularmente importante e será justamente nesta que

O resgate do realismo para compreender processos de integração regional vem a se somar aos esforços de outras abordagens. É importante destacar que a convergência entre abordagens em relação a processos de integração e cooperação possui uma crescente e importante literatura1.

Ao longo do século XX o pensamento realista mostra-se sempre presente nos diversos debates inter paradigmáticos na política internacional. O realismo não constitui uma teoria para o estudo da política internacional, mas sim uma abordagem geral. Tampouco o realismo é monolítico, dada a existência das diversas escolas dentro do pensamento realista. Como observam Lynn-Jones e Miller, freqüentemente se faz uma distinção entre os realistas “clássicos” e os estruturalistas ou neorealistas2. Porém, é 1 Barry Buzan e Ole Wæver. Regions and Powers. The Structure of International Security. Cambridge University Press, Londres, 2003. - Laura Gomez Mera: Explaining Mercosur's Survival: Strategic Sources of Argentine-Brazilian Convergence. Journal of Latin American Studies, Vol. 37, No. 1 (Feb., 2005), pp. 109-140 - M. Vieira, C. Alden e S. Morphet. The South in World Politics. Palgrave Macmillan, 2010. - F. Sonderbaum, F. e T. Shaw. Theories of New Regionalism. Palgrave Macmillan, 2003. 2 S.Lynn-Jones e S. Miller. (1995), "Preface". In: S. Lynn-Jones e S. Miller, orgs. The Perils of Anarchy.

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necessário ressaltar que mesmo entre os realistas “clássicos” há diversas diferenças, o mesmo ocorrendo entre as diferentes correntes do realismo estrutural, em suas variantes “agressivas” e “defensivas”, por exemplo3. Mas, como ressalta Gilpin, a continuidade dentro da tradição do realismo político é mais importante do que as eventuais diferenças entre as suas diversas correntes contemporâneas e é justamente esse ponto que justifica resgatar o realismo para análises de integração e cooperação regional.4 Dentro da tradição do realismo político é possível verificar a existência de dois pressupostos teóricos fundamentais e que podem ser apresentados de maneira sintética na seguinte forma5: 1) Para os realistas, a característica principal do sistema internacional é a anarquia a

ausência de uma autoridade central capaz de assegurar o cumprimento de acordos e de providenciar segurança para os países que o compõem implicando que os Estados devem se valer exclusivamente de seus próprios meios para proteger os seus interesses.

2) Os Estados nacionais são considerados pelos autores realistas como os principais atores do sistema internacional. Desta forma, procuram enfatizar em suas análises o comportamento dos Estados, relegando para um segundo plano os indivíduos e os atores transnacionais como corporações, organizações internacionais e organizações não-governamentais.

Em termos gerais, o conceito de anarquia em política internacional designa a ausência de um governo ou autoridade com poder de agência acima dos Estados nacionais6. Para diversos autores, realistas ou não, o conceito de anarquia define a 3 Charles Jones. E.H Carr and International Relations. A Duty to Lie. 4 Robert Gilpin. (1986), "The Richness of the Tradition of Political Realism". In: Robert Keohane, org. Neorealism and Its Critics. 5 Robert Keohane, “Theory of World Politics: Structural Realism and Beyond”. In: Robert Keohane, org. Neorealism and Its Critics, p.164-65. 6 Graham Evans e Jeffrey Newnham. Dictionary of International Relations, p. 18-20.

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natureza fundamental da política internacional7. Já para outros, a ênfase exacerbada na anarquia constituiria uma das principais limitações da disciplina8 e, a permanência da condição anárquica nas relações entre os Estados deve-se ao fato de que esta é de interesse dos Estados mais ricos e poderosos9.

Dado que o objetivo de Waltz foi o de desenvolver uma teoria sistêmica parcimoniosa da política internacional, este autor realmente não dedicou maiores considerações aos fatores políticos domésticos. Para tanto, Waltz se valeu da premissa da anarquia para erigir uma espécie de muro analítico com a finalidade de delimitar as esferas da política internacional e nacional10. Não que Waltz ignorasse a importância do papel das unidades para se pensar a política internacional. Nas palavras do autor, “qualquer teoria de política internacional requer também uma teoria de política doméstica”11.

Entretanto, esta lacuna na teoria de Waltz será alvo de pesadas críticas. Waltz é questionado por não se preocupar com a ontologia das unidades. De acordo com Waltz, a rígida estrutura do sistema internacional terá um impacto imutável no comportamento dos Estados independentemente de suas características internas. Os seus críticos argumentam que esta falta de interesse no Estado teria consequências fatais para a sua teoria de política internacional porque não conseguiria apreender as origens do Estado. Neste sentido, Wendt irá argumentar que este problema na perspectiva neorealista irá surgir devido ao fato de que o Estado é tratado como um dado ontológico, ou seja, um

7 Robert Gilpin. War and Change in World Politics, p.7. Robert Keohane. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. 8 Helen Milner. (1993), "The Assumption of Anarchy in International Relations Theory: A Critique". In: David Baldwin, org. Neorealism and Neoliberalism. The Contemporary Debate, p. 144-69. 9 Alexander Wendt. (1992), "Anarchy Is What States Make of It: The Social Construction of Power Politics". International Organization, vol. 41, p. 391-426. 10 Kenneth Waltz. Theory of International Politics, p.102-104. 11 Kenneth Waltz. "Reflections on Theory of International Politics: A Response to My Critics". In: Robert O. Keohane, org. Neorealism and Its Critics, p.327 e 331: “any theory of international politics requires also a theory of domestic politics”.

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conceito primitivo que dispensa maiores considerações. Como reflexo, Wendt ressaltará que o sistema internacional somente pode ser pensado em termos de Estados porque a estrutura do sistema foi definida pelas características dos seus agentes constitutivos. Desta forma, não existe nenhum elemento gerador no sistema que proporcione uma explanação acerca da formação do Estado.

Em síntese, diversos autores realistas empreenderam o esforço de buscar a convergência nas dimensões externa e doméstica do Estado em estudos de política internacional e, consequentemente, buscavam desatar o problema de nível de análise desta perspectiva teórica. Este esforço veio a ser denominada de “realismo neoclássico” por Rose12.

Em sua resenha sobre estes autores e a contribuição destes ao pensamento político contemporâneo, Rose define o realismo neoclássico destacando que esta perspectiva incorpora explicitamente tanto variáveis externas e internas, atualizando e sistematizando pontos centrais do pensamento realista clássico. De acordo com Rose, os aderentes do realismo neoclássico defendem que o escopo e a ambição da política externa de um país são determinados principalmente pelo seu lugar no sistema internacional e, mais especificamente, através de seus recursos de poder material relativos. Por esta característica, Rose define estes autores como realistas. Contudo, como estes autores também defendem que o impacto dos recursos de poder na política externa é indireto e complexo, uma vez que as pressões sistêmicas são filtradas através de variáveis intervenientes nos níveis das unidades, Rose define-os como neoclássicos.

Rose destaca como principal mérito do realismo neoclássico o fato de que esta perspectiva incorpora em suas considerações a capacidade dos governos em extrair e

12 Gideon Rose. (1998), "Neoclassical Realism and Theories of Foreign Policy." World Politics, vol.51, n.1, p.144 - 72.

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direcionar recursos de suas sociedades em análises relativas às questões de poder internacional. Ressaltando que este esforço parece óbvio e de tratar-se somente de incorporar na teoria das relações internacionais variáveis que são utilizadas de forma rotineira por outros campos da ciência política, Rose conclui enfatizando que esta iniciativa representa um desenvolvimento importante e poderoso para a teoria realista, uma vez que permite uma maior aproximação com o mundo real sem abandonar os conceitos e premissas fundamentais deste paradigma. Em suma, para os neorealistas como Waltz política externa pode ser compreendida por uma perspectiva que considera exclusivamente o nível sistêmico e a distribuição de poder em termos de capacidades e de polarização. Ao considerar Estados como “unidades” idênticas ou como “caixas-pretas”, sem dúvida os requisitos de parcimônia são atendidos mas em contrapartida verifica-se a baixa capacidade explicativa para a elaboração e condução de políticas externas, principalmente no que se refere a iniciativas de integração e cooperação regional. A entrada dos neorealistas clássicos no debate teórico da política internacional nos anos 90 contribuiu de maneira significativa para o enriquecimento desta tradicional perspectiva. Ao incorporar em suas análises fatores pertencentes à dimensão endógena do Estado os neorealistas clássicos resgatam um aspecto importante desta corrente que, por sua vez, permite uma maior aproximação com a realidade e logo, proporciona teorias mais robustas.

1. Realismo, alianças e integração regional Na literatura de relações internacionais sobre integração regional verifica-se que

o realismo vem, progressivamente e frequentemente combinado com outras abordagens, sendo utilizado por pesquisadores. Na virada do século autores realistas como Gilpin ressalvavam as limitações teóricas desta perspectiva em relação ao fenômeno da

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integração regional13. Todavia, atualmente o realismo vem ganhado força ao se somar a outras abordagens para analisar a integração regional14 em particular na América do Sul15. Uma importante contribuição da tradição realista da política internacional para se pensar processos de integração regional encontra-se na formação de alianças. Para o realista clássico Morgenthau alianças são uma função necessária da balança de poder operando em um sistema multipolar. Alinhamento é considerado uma estratégia possível para incrementar a posição de poder relativa do Estado, seja adicionando os recursos de poder de outro Estado aos seus próprios seja retendo os recursos de poder deste Estado em relação a um adversário16. Desta forma, a abordagem realista às alianças é similar à perspectiva neorealista e compartilha a preocupação com o equilíbrio de poder. Waltz diferencia dois tipos de comportamento em relação às alianças: bandwagoning17, ou seja, se aliar ao Estado mais poderoso e balanceamento, no qual o Estado se alia contra o Estado mais poderoso com o objetivo de restaurar o equilíbrio de poder. É importante destacar que para Waltz o balanceamento seria o comportamento mais frequente dos Estados em formação de alianças.

Entre as contribuições recentes mais importantes para o debate acerca de alianças encontra-se a obra de Stephen Walt A Origem das Alianças de 1987. A principal contribuição deste autor consiste na sugestão de substituir o conceito de equilíbrio de poder pelo de equilíbrio de ameaças, afirmando que “Estados se aliam para fazer frente

13Walter Mattli. The Logic of Regional Integration. 1999. Robert Gilpin. Global Political Economy. Understanding the International Economic Order. 2001 14 Buzan, Barry e Ole Wæver. Regions and Powers. The Structure of International Security. 2003. 15 Laura Gomez Mera: Explaining Mercosur's Survival: Strategic Sources of Argentine-Brazilian Convergence. 2005 16 Hans Morgenthau, Politics Among Nations, p.193. 17 Decidimos manter o conceito de bandwagoning no original dado a perda de sentido na tradução.

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às ameaças e não contra o poder por si só”18. Novamente duas hipóteses emergem: o alinhamento como mecanismo de equilíbrio ou como bandwagoning.

Enquanto o balanceamento implica que dois ou mais Estados se tornam aliados para restaurar o equilíbrio de poder ou de ameaça provocado por um outro Estado, bandwagoning implica que o Estado se alie com a fonte da ameaça. Em ambos casos o alinhamento é considerado com um tipo de comportamento reativo, provocado por uma percepção de ameaça por parte de outro Estado. A percepção de perigo encontra-se na origem da formação de alianças em conceituações tradicionais. Por esta razão e no que tange às alianças, o foco geralmente se concentra no Estado que procura aderir. Todavia, a importante questão de como atrair aliados não é alvo de maiores considerações. Neste sentido, a teoria de balança de interesses da perspectiva realista neoclássica é uma importante contribuição.

Randall Schweller argumenta que o balanceamento e o bandwagoning não devem ser compreendidos como conceitos em pólos opostos. Waltz, por exemplo, utiliza o termo bandwagoning em um sentido muito perto da capitulação. Ao contrário, Schweller defende que o uso convencional do conceito, no sentido de que o bandwagon atrai aliados pelo seu “momentum” político. Esta perspectiva abre a possibilidade de bandwagoning por livre escolha, independentemente da existência de ameaça iminente ou não. Ao contrário, Estados possuem a tendência à bandwagoning por recompensas ou podem aderir ao lado mais forte por acreditar que “representa a onda do futuro”19. Ou seja, a capacidade em recompensar ou de sugerir de que é a “onda do futuro” aumentará o poder de atração do Estado e induzirá outros a adotarem a política de bandwagon. Consequentemente, a capacidade do Estado em exercer influência como meio para alcançar seus próprios objetivos irá aumentar também. Desta forma, quando são as 18 Stephen Walt, Theory of Alliances: “… states ally against threats rather than against power alone”. P.6. 19 Randall Schweller, “Bandwagoing for profit”, p.80.

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oportunidades de caráter econômico que determinam as escolhas para a formação de alianças, Estados o farão de livre vontade, não sendo necessário a coerção ou pressão para aderir. Em outras palavras, o bandwagon ganha “momentum” através da promessa de recompensa e Schweller desenvolve o conceito de balança de interesses lastreado por essa ideia.

A estratégia das grandes potências regionais e suas respostas a balança de interesses, como Pedersen afirma, pode leva-los a perseguir seus objetivos através de meios não coercitivos elaborando uma política de hegemonia cooperativa20. Neste mesmo sentido, Hancock argumenta que um arranjo plutocrático possui diversos aspectos positivos e não coercitivos que proporcionariam elementos importantes para incrementar processos de integração regional21.

Em suma, para o realismo os Estados percebem a integração regional como um instrumento político calibrado pelos custos relativos e pelos benefícios adquiridos. Em outras palavras, os Estados irão perseguir maior integração regional se essa estratégia satisfazer seus interesses nacionais. Desta perspectiva, a persistência da cooperação regional é determinada pela habilidade do regime em assegurar a convergência dos interesses nacionais dos Estados membros de maneira ótima em relação às alternativas.

2. Mercosul e Unasul

De acordo com o realismo, a formação de blocos regionais pode ser perseguida para fazer frente a ameaças externas, sejam econômicas ou políticas. Neste sentido, para diversos autores, a emergência do Mercosul em meados dos anos 80 e revigorado no início dos anos 90, foi uma resposta aos anseios de marginalização e vulnerabilidade em

20 Thomas Pedersen: Cooperative Hegemony: Power, Ideas and Institutions in Regional Integration. Review of International Studies. Vol. 28, No. 4, 2002. 21 K. Hancock. Regional Integration Choosing Plutocracy, 2009

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relação à economia global por parte dos países do Cone Sul22. Todavia, a dimensão política doméstica se revela igualmente importante para se compreender a formação do Mercosul, tanto no que se refere às percepções de setores da sociedade destes países quanto ao processo de redemocratização no Cone Sul, entre outros. 23

Se inicialmente a dimensão comercial e econômica figurava no topo da agenda política de integração no Cone Sul, em função das crises econômicas que atingiram o Brasil e a Argentina, como a desvalorização do Real em janeiro de 1999 e a crise da Argentina em 2001, deslocaram essa prioridade para segundo plano. Em contrapartida, ao longo da última década reforçou-se a dimensão político-estratégica da cooperação regional. Assim, como observa Mera, apesar de historicamente apresentar baixos níveis de comércio e de fluxos de investimentos, além de várias imperfeições e exceções na tarifa externa comum, os países parceiros continuaram a investir no projeto do Mercosul.

Para diversos autores, como por exemplo Dabene, a debilidade comercial e econômica do Mercosul seria uma evidência do fracasso do projeto liderado pelo Brasil e Argentina24. Sem dúvida o comércio intra-regional na América do Sul é baixo: 27% em comparação com 63% na Europa e 52% na Ásia25. Todavia, é um equívoco resumir uma iniciativa como o Mercosul a somente a sua dimensão econômica.

Por outro lado, as diversas iniciativas de integração regional na América do Sul ao longo dos últimos séculos compartilham uma característica importante, ou seja, a

22 A. Hurrell, 'Latin America in the New World Order: A Regional Bloc of the Americas?,' International Affairs, vol. 68, I992. 23 Tullo Vigevani e Haroldo Ramanzini Júnior: The Impact of Domestic Politics and International Changes on the Brazilian Perception of Regional Integraton. Latin American Politics and Society. Vol 53, No.1, 2011. G. Gardini. The Origins of Mercosur Democracy and Regionalization in South America.

.London,Palgrave Macmillan, 2010. 24 O. Dabene,. The Politics of Regional Integration in Latin America. Theoretical and Comparative Explorations, 2009 25 A Continental Divide”. The Economist, p.38, 18/05/2013

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permanência no topo da agenda de política externa desses Estados ao longo do tempo. Em outras palavras, apesar das sucessivas e fracassadas tentativas de integração regional na América do Sul desde seu processo de independência no início do século 19, as elites desses países persistiram nesse empreendimento de política externa. No caso sul americano a insistência em uma maior integração regional reflete o compartilhamento de uma perspectiva estratégica comum entre os países. Esta, por sua vez, reflete a crença de que a sua prosperidade e segurança está irremediavelmente associada a sua região geográfica. Em outras palavras, a dimensão da segurança dos Estados sul americanos é um fator essencial para se compreender o fenômeno e é frequentemente excluída de análises acerca da integração regional na América do Sul.

Conclusão

O objetivo deste artigo foi de contribuir para o resgate do realismo para análises sobre o processo de integração regional na América do Sul. Esta iniciativa decorre da carência na literatura recente de abordagens que concentrem seu foco nos interesses do Estado. É importante ressaltar que para essa perspectiva teórica o Estado é o principal ator numa arena internacional anárquica e cuja necessidade de sobrevivência determina suas escolhas. Assim, Estados elegem como prioridade a sua segurança e a formação de alianças é um desdobramento racional da necessidade de maximizar recursos de poder.

A ênfase realista na dimensão da segurança é satisfeita no processo de integração no Cone Sul. Neste sentido, os avanços na região podem ser apontados como os mais significativos em termos mundiais. A rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina, que culminou com ambos desenvolvendo armas nucleares, deu lugar para a certeza de que a cooperação e integração atendem melhor seus interesses nacionais. Desta forma, a dimensão da segurança encontra-se presente na origem e na continuidade do projeto do

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Mercosul. Este aspecto é importante para se compreender a persistência no esforço de integração regional a despeito dos insucessos na esfera econômica e comercial.

O único ponto que se pode ter certeza é de que com o fim do boom de commodities que beneficiou a América do Sul como um todo nos últimos anos, o futuro do crescimento econômico terá que vir da produtividade, investimentos e eficiência. Estes, por sua vez, podem encontrar um terreno fértil arado pela persistência política pelos países membros do Mercosul em seu projeto de integração. Ou não. O aspecto mais importante da ênfase da dimensão da segurança em processos de integração regional é de que os benefícios dos dividendos da paz são amplamente compartilhados e pavimentam as vias para o aprofundamento da integração na região.

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