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Enciclopédia VERBO dasLiteraturas deLíngua Portuguesa · Ésob este prisma que podemos inter-pretar o papel desempenhado pela Com-media, no quadro da poesia seiscentista dedicada

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das Literaturasde Língua Portuguesa

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VERBO

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Edição realizadasob o patrodnio da

SOCIEDADE CIENTÍFICADA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direcçãojosê AUGUSTO CARDOSO BERNARDES

(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

ANÍBAL PINTO DE CASTRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

MARIA DE LOURDES A. FERRAZ(da Faculdade de Letras - Universidade Clássica de Lisboa)

GLADSTONE CRAVES DE MELO(da Faculdade de Letras - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

MARIA APARECIDA RIBEIRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

Secretaria-GeralA cargo do

Departamento de Enciclopédias da Editorial Verbosob a direcção de João Bigotte Chorão

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DANTEO códice que contém a Commedia,

seguida pela Divisione de Iacopo Ali-ghieri, guardado na Biblioteca Nacional,com a colocação «Iluminados, n." 55», e

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que remontará, com toda a probabilida-de, a finais do séc. XIV, é um dos maisantigos documentos a comprovar o inte-resse dos leitores portugueses pela per-sonalidade literária de Dante Alighieri.De entre as suas obras, foi precisamentea Commedia aquela que, ao longo dosséculos, atraiu sobremaneira a atençãodo público português. Gomes Eanes deZurara refere-se à «primeira cânrica»desse poema supremo por duas vezes: naCrónica de D. Pedro de Meneses, comoexemplo de premonição intuitiva e segu-ra; na Crónica do Conde D. Duarte deMeneses, como prova da justiça divina.

Os quadros de inspiração dantescaque, já nos alvores do Reriascimento,nos são oferecidos por composições co-mo De Duarte de Brito em que conta oque a ele e a outrém lb' aconteceo comum rousinol e muitas cosas que vio, ouO fingimento d' amores feito por DiogoBrandão, que andam no CancioneiroGeral, inserem-se num filão literário pe-ninsular que tem por precedentes o La-berinto de fortuna, de Juan de Mena, e olnfierno de los Enamorados, do marquêsde Santillana. Apesar de essas composi-ções terem em comum com a Commediaa descrição de um it iner ariurn. além--turnúlo, o fundo ético-sapiencial e filo-sófico que subjaz às páginas de D. é-lhessubstancialmente estranho. À complexaestrutura escatológica concebida porAlighieri, substitui-se uma uisio apresen-tada de forma linear, que se enche de si-gnificados aterradores. Será também pos-sível rastrear sinais da incidência dasconcepções poéticas que enformam a Vi-ta Nuoua em algumas composições doCancioneiro Geral, bem como no episó-dio de Avalor e Arima, da Menina e M 0-

ça; daqui resulta uma linha de continui-dade que se estende até ao livro desonetos de António Ferreira e à lírica dePero de Andrade Caminha. Na carta aJorge de Montemor, ao louvar as musas,Sá de Miranda recorda D., por ter imor-talizado Beatriz, e, no episódio post--rnortern representado na écloga Célia,deparamos com uma deslocação das ma-trizes petrarquistas em sentido dantesco.

Durante o período do Renascimento,porém, a lição petrarquista assume um ca-rácter normativo de tal forma vinculante,

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no âmbito da expressão do lirismo amo-roso, que a imitação dantesca não podedeixar de ocupar um lugar subalterno.Neste sentido, a obra de Camões marcaum ponto de viragem fundamental. A pa-radoxal confluência dos padrões femininosde incidência dantesca, representadosquer pela mulher cruel, quer pela donnaangelicata, vai ser perspectivada à luz dodissídio petrarquista. Daqui brota umconflito dilacerante, que tem por ele-mento resolutivo a dissolução das figurasmodelares de Laura e de Beatriz, na odesexta. Só através dos caminhos do /' neo-platonisrno é possível ascender até à ver-dadeira felicidade.É sob este prisma que podemos inter-

pretar o papel desempenhado pela Com-media, no quadro da poesia seiscentistadedicada ao divino, enquanto protótipode um itinerarium mentis ad Deum do-tado de profundas implicações éticas ereligiosas. O poema bucólico que D. Ma-nuel de Portugal publicou em 1605 é jáum prenúncio desta tendência. Mas nosQuatro novíssimos do homem, de Fran-cisco Child Rolim de Moura, editado em1623, são inequívocas as sugestões deproveniência dantesca que se fundemcom ecos dos Triumphi de Petrarca, numtodo, posto ao serviço da exaltação deum ideal de pureza ascética.

O fundo teorético-aristotélico do Bar-roco, a par com a vertente antitradiciona-lista, que é própria deste período literário,não favorecem a imitação dantesca. Masa atenta leitura da obra de D. levada acabo pelos Árcades parece preparar a ve-neração dos românticos.

Assim, as Letras portuguesas acompa-nham a exaltação do sumo intérprete domundo medieval, conforme é feita poreminentes personalidades da Literatura in-glesa, francesa, ou alemã, que tiveramgrande influência sobre os rumos do Ro-mantismo português. E quando, na 2.'metade do séc. XIX, a Itália do Risorgi-mento aclama D. como poeta nacional,esse fervor patriótico ainda mais acalentaa devoção pelo exilado florentino. Daspáginas da revista Panorama, AlexandreHerculano analisa e enaltece o seu pen-samento civil e religioso. No famosocapo VI das Viagens na Minha Terra, Al-meida Garrett exalta a coragem com que,

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na Commedia, exprimiu JUIZOS quepõem a descoberto os vícios de altas per-sonalidades do seu tempo. Antero deQuental, por sua vez, mostra-se parti-cularmente sensível não só à modemidadede D., enquanto génio criador que captaa fórmula filosófica do seu tempo e a ra-zão de todos os tempos, como também àintensidade da sua poesia, que classificacomo «nova e original». Se estas são aslinhas de força do próprio lirismo deAntero, ele mesmo cantou Beatrice comemoção.

A índole sentimental do interessesuscitado pela obra de D. prolonga-se,de finais do séc. XIX, até às primeirasdécadas do séc. xx. Ilustra-o, de formasintomática, o grande número de tradu-ções das cenas da Commedia que se en-chem de uma mais forte carga emocio-nal, com relevo para o episódio de Paoloe Francesca e para o episódio do CondeUgolino. De entre os seus tradutores,contam-se os poetas João de Deus, Ra-mos Coelho e Eduardo Augusto Vida!.D. torna-se uma figura tão próxima dopúblico português, que Teófilo Braga ofaz personagem da sua peça intituladaFrei Gil de Santarém (1905), e GentilMarques escreve um romance sobre asua vida, a H istória Maravilhosa deDante (1943).

Esta familiaridade com a sua persona-lidade literária leva-nos a compreendermelhor as várias imitações do poemadantesco, com intenção satírica, ou emtom humorístico, que têm vindo a serdadas à estampa. Já José Agostinho deMacedo, no Motim Literário, fizera do'poeta florentino motivo de chacota.Mas, tanto António de Serpa Pimentel,na «Excursão fantástica" (in IlustraçãoLuso-Brasileira, I, 20, 1856), como Pa-

. trocínio da Costa, nas Viagens no Siste-ma Planetário (1875), como ainda, maisrecentemente, Alberto Pimenta, na Divi-na Multicomédia (1991), recriam um ver-dadeiro percurso dantesco, que se fazpretexto para a representação caricaturalde várias facetas da sociedade portugue-sa, através de recursos literários que vãoda paráfrase dantesca à arrojada e directaprovocação.

Hoje em dia, existem no mercado tra-duções de quase todas as obras de D.

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A L" ed., em língua portuguesa, das suaobras completas, foi publicada em SãoPaulo. O exemplo do apreço que o impe-rador Pedro II do Brasil nutria por D.,como o documentam as versões que elepróprio fez de excertos do poeta, foi se-guido pelos muitos tradutores que a Com-media encontrou em terras de Santa Cruz.Em Portugal, é muito conhecida quer aversão de Marques Braga, quer a de Fer-nanda Botelho, Sophia de Melo Breynere Armindo Rodrigues. A mais recente éa de Vasco Graça Moura (995).BIBLIOGRAFIA: G. Manuppella, Dantesca Luso--Brasileira, Universidade de Coimbra, 1966; JoséV. de Pina Martins, «Sâ de Miranda and the recep-tion of a revived do Ice stil nuovo», in Portuguesestudies, 1, 1985.

Rita Mamoto