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Encontro com o destino Barbara Cartland Coleção Barbara Cartland nº 412 Título original: THEIR SEARCH FOR REAL LOVE Copyright: © 1996 by Barbara Cartland Tradução: H. Magelan EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 — 11a andar CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil CÍRCULO DO LIVRO LTDA. Copyright para língua portuguesa: 1997 Fotocomposição: Círculo de Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo 124 páginas Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal. Digitalização: Logística: Ana R. Revisão: Crysty

Encontro com o destino · Ela, para não contrariar o pai, também concorda com o casamento, mas deixa claro a sir John que será apenas um casamento de aparências. O que os dois

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Page 1: Encontro com o destino · Ela, para não contrariar o pai, também concorda com o casamento, mas deixa claro a sir John que será apenas um casamento de aparências. O que os dois

Encontro com o destino

Barbara Cartland

Coleção Barbara Cartland nº 412

Título original: THEIR SEARCH FOR REAL LOVE Copyright: © 1996 by Barbara Cartland

Tradução: H. Magelan EDITORA NOVA CULTURAL

uma divisão do Círculo do livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 — 11a andar

CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil CÍRCULO DO LIVRO LTDA.

Copyright para língua portuguesa: 1997 Fotocomposição: Círculo de Livro

Impressão e acabamento: Gráfica Círculo 124 páginas

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.

Cultura: um bem universal.

Digitalização:

Logística: Ana R.

Revisão: Crysty

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Amor e fidelidade

Paris, Londres, 1881.

Para fazer a vontade de um grande amigo à morte, sir John Gilmour aceita

casar-se com a filha dele, Melita, única herdeira de uma imensa fortuna.

Ela, para não contrariar o pai, também concorda com o casamento, mas

deixa claro a sir John que será apenas um casamento de aparências. O que

os dois não sabem é que o destino decidiu um desenlace bem diferente

daquele que eles imaginavam.

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Barbara Cartland é, sem dúvida, a mais famosa escritora romântica do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais. Atuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas pobres e crianças abandonadas. Supercriativa e culta, já escreveu mais de 550 livros, editados em todo o mundo cm dezenas de idiomas e dialetos, tendo alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares vendidos.

Algumas datas da vida de Barbara Cartland: 1901 - Nascimento, no dia 9 de julho 1923 - Publica seu primeiro livro 1927 - Casa-se com Alexandre McCorquodale 1933 - O primeiro casamento é desfeito 1936 - Casa-se em segundas núpcias com Hugh McCorquodale, primo

de seu primeiro marido 1963 - Publica seu centésimo livro 1976 - Sua filha Raine casa-se com o Conde Spencer, pai da princesa

Diana 1981 - A princesa Diana, enteada de sua filha, casa-se com Charles,

príncipe-herdeiro da Inglaterra 1983 - Entra no livro de recordes Guinness 1991 - Recebe o título de “Dame” do Império Britânico

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CAPÍTULO I

1891

Sir John Gilmour consultou o lindo relógio dourado sobre a cornija da lareira e, constatando que eram quase duas horas da manhã, decidiu voltar para casa.

Virou-se para a bela mulher que lhe segurava o braço e despediu-se: — Lamento, mas devo deixá-la. Tenho muitas coisas para fazer

amanhã e preciso dormir um pouco antes de começar a trabalhar. Boa noite. A linda mulher sorriu. — Para você, trabalhar não significa o mesmo que para outras pessoas.

Bem, querido John, espero que esteja lembrado de que irá jantar comigo amanhã.

— É claro que não me esqueci — enfatizou sir John. — Estarei contando as horas para vê-la novamente.

— Jantaremos sozinhos. Temos muito a dizer um ao outro — segredou a beldade fitando sir John com olhar sedutor. — Você sabe que Arthur irá assistir às corridas e só voltará no sábado.

— Amanhã conversaremos à vontade — sir John também falou em voz baixa.

Sorriu para a mulher, afastou delicadamente o braço dela apoiado no seu e atravessou o salão de baile, indo ao encontro da anfitriã que se despedia de outros convidados.

Esperou chegar a sua vez e, estendendo a mão para ela, agradeceu-lhe efusivamente:

— Obrigado pela noite memorável. O jantar estava delicioso, o baile muito animado e a orquestra é excelente.

— Sinto-me envaidecida ao ouvir suas palavras gentis — tornou a anfitriã. — Também estou muito feliz por você ter-se divertido, caro John. Espero revê-lo na próxima semana.

— Se eu estiver em Londres, virei visitá-la antes do que você espera — sir John prometeu.

Apertando a mão do charmoso convidado além do necessário, a anfitriã falou, abaixando mais a voz:

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— Você sabe que desejo muito vê-lo. — Eu digo o mesmo — sir John respondeu amavelmente, beijando a

mão da anfitriã. Sem dizer mais nada, passou pelos casais que dançavam e saiu do

salão. Caminhava pelo corredor quando ouviu o som de passos apressados atrás dele.

Virou-se e reconheceu uma linda mulher, considerada uma das mais atraentes e perfeitas anfitriãs de Londres.

— John! — ela chamou-o, um pouco ofegante. Ao chegar perto dele, lembrou-o:

— Espero que não tenha esquecido que prometeu jantar conosco na terça. Portanto, não vá para o campo nem desapareça, privando-nos da sua companhia. Tenho uma surpresa muito agradável para você.

— Como eu poderia esquecer-me desse jantar ou esquecer-me de você? Não se preocupe, estarei em sua casa às oito, na terça — prometeu sir John levando a mão da mulher aos lábios.

— Eu também não consigo esquecê-lo, John — murmurou a atraente mulher fitando sir John de um modo que seus olhos emprestaram às palavras que ela acabara de pronunciar um significado muito íntimo.

Vendo que naquele momento várias pessoas saíam do salão de baile, sir John soltou a mão que ainda segurava e passou a andar mais depressa para o hall.

Era sempre assim, ele pensou com um suspiro. Nas festas às quais comparecia nada mudava. Eram muitas as beldades que faziam parte de sua lista de danças.

Invariavelmente, elas prendiam-no, quando a vontade dele era voltar para casa. Assim, tornava-se difícil, senão impossível, livrar-se delas sem parecer rude.

Como sir John esperava, sua carruagem já se encontrava na frente da casa. Assim que tomou seu assento, ordenou ao cavalariço que segurava a porta:

— Diga a Cochran para tocar os cavalos o mais depressa possível. Estou ansioso para chegar ao conforto da minha casa. Eu devia ter saído da festa uma hora atrás, pelo menos.

— Estávamos à sua espera, sir, embora achássemos que iria demorar-se além do horário previsto — respondeu o cavalariço com um sorriso, fechando a porta.

Vendo-se sozinho, sir John recostou-se no banco estofado e relembrou

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os momentos agradáveis da noite. Sim, porque, afinal de contas, divertira-se bastante.

Durante o jantar sentara-se entre duas famosas beldades da sociedade londrina, as quais não se cansaram de lisonjeá-lo e de segredar-lhe coisas tão íntimas que ele sentira-se embaraçado.

Embora soubesse que as beldades não poderiam ser ouvidas, sir John receara que os respectivos maridos suspeitassem do que as esposas haviam dito.

Seria ainda mais perigoso, ele refletira durante o jantar, se outras belas mulheres com quem ele flertava sentissem ciúme por se julgarem preteridas.

Rico, belo, solteiro e importante, sir John Gilmour tinha consciência de que era um excelente partido, o que o tornava o mais festejado e o mais perseguido aristocrata da sociedade londrina.

Sua fama de conquistador era perfeitamente justificada. Eram tantos os seus affaires de coeur que alguns homens invejavam-no pelo seu sucesso, enquanto outros odiavam-no ao perceber que as próprias esposas chegavam a dirigir olhares apaixonados para o sedutor sir John Gilmour.

— Se não fosse proibido por lei e pelo príncipe de Gales, eu desafiaria Gilmour para um duelo — um dos sócios do White's Club revelara recentemente a um amigo.

Ouvindo o desabafo, o amigo em questão replicara sem conter o riso: — Você não é o único a dizer isso. Mas pode ficar tranqüilo; tenho

certeza de que Gilmour não pretende conquistar a sua esposa. Aqui entre nós, acho que sei quem é a beldade na qual o nosso amigo está interessado. Mas são apenas suspeitas, pois Gilmour é esperto demais para deixar pistas.

Apesar de os homens criticarem sir John Gilmour, todos admitiam que ele era excelente desportista, o melhor quando se achava num campo de caça ou quando manejava uma espingarda.

Também reconheciam que os cavalos de corrida, que ele criava e mantinha em Newmarket, eram fantásticos, e sua casa, em Lincolnshire, era uma das mais belas e imponentes de todo o país.

— O problema com o jovem Gilmour é que ele está determinado a não se casar tão cedo. Por isso, evita as debutantes e foge das mães destas, que sonham em tê-lo para genro por causa de sua fortuna e seu título de nobreza muito antigo. Infelizmente, ele acaba envolvendo-se com senhoras casadas — criticara um sócio do White's Club, já idoso, a um grupo de amigos.

Ouvindo isso, um visconde comentara: — Escrevam o que estou dizendo: Gilmour será apanhado e, quando

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menos esperar estará diante do altar, casando-se com uma debutante. Dois jovens aristocratas que faziam parte do grupo se entreolharam e

sorriram. A expressão no rosto de ambos deixou o visconde muito zangado, pois entendeu que zombavam dele.

É que a história do visconde era conhecida no White's Club. Ele havia sido noivo de uma debutante e desmanchara o noivado quando faltava apenas uma semana para o casamento porque descobrira que a mocinha estava loucamente apaixonada por sir John Gilmour.

A partir daí, ele declarara abertamente que não se casaria tão cedo. Só iria pensar em ter uma esposa quando fosse bem mais velho, e isso apenas para ter um herdeiro a quem pudesse deixar o título de nobreza e tudo o que possuía.

— Se querem saber a minha opinião, Gilmour cometerá um deslize, um descuido, e acabará sendo ridicularizado — prenunciara com rancor um outro sócio. — Então nós aplaudiremos o seu fracasso em vez de exaltarmos seus sucessos e suas vitórias, como fazem vocês no momento.

Assim dizendo, o rancoroso sócio afastara-se do grupo e um dos amigos comentara, rindo:

— Pobre companheiro! Ele morre de inveja de Gilmour. Mas a verdade é que John sempre se sai bem em tudo o que empreende e nos faz sentir medíocres. Enfim, nada podemos fazer senão reconhecer seu valor e suas qualidades.

Houve resmungos ante essa declaração, mas ninguém contradisse o sócio que a fizera.

A caminho de casa, sir John admitiu que se sentia cansado. O que o deixava exausto não eram apenas os almoços, jantares, chás, recepções e bailes aos quais via-se obrigado a comparecer todos os dias da semana, mas também o ardente romance que mantinha no momento com uma linda mulher, cujo marido tivera de partir de repente para o norte da Inglaterra.

— A irmã de William está muito doente e ele ficará no Norte pelo menos uma semana — dissera a beldade a sir John. — Teremos a chance de nos ver todas as tardes ou à noite.

De fato, sir John visitara a amante seguidamente naquela semana e seus encontros foram enlouquecedores.

Agora, já se aproximando da Grosvenor Square, onde ficava sua casa, sir John refletiu que àquela hora tardia todo homem sensato devia estar dormindo para acordar bem disposto pela manhã.

Por mais que seus romances e as festas lhe dessem prazer e o

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estimulassem, ele reconheceu que era tolice cometer tanto excessos. A carruagem parou na frente de uma casa majestosa de dois andares e

ele disse ao cocheiro e ao cavalariço: — Boa noite. Lamento tê-los deixado acordados até tão tarde. Amanhã

pretendo voltar para casa em horário mais razoável. O cocheiro sorriu e levou a mão ao boné, num gesto cortês. — Temos prazer em servi-lo, sir. Alegra-nos saber que se divertiu —

observou. — E se o seu cavalo vencer a corrida em Newmarket, todos nós celebraremos a vitória.

— Espero que vocês não fiquem desapontados — desejou sir John, entrando em casa.

Jules, o valete, que cochilava numa poltrona, ficou de pé assim que ouviu o som de passos no corredor e, quando o patrão entrou no quarto, ajudou-o a trocar de roupa.

Poucos minutos depois, sir John deixou-se cair na cama enorme e confortável. Respirou aliviado. Tudo o que desejava era ter um sono tranqüilo.

Virou-se para apagar as velas do candelabro e viu um telegrama sobre o criado-mudo. Seu primeiro impulso foi ignorá-lo. Qualquer que fosse a mensagem poderia esperar até a manhã seguinte.

No entanto, refletiu que, se o secretário deixara o telegrama ali, deduzira que o assunto devia ser urgente ou importante.

Suspirou, recostou-se nos travesseiros e, embora relutante, abriu o lacre.

Ao ler as poucas linhas, ficou tenso. A mensagem dizia: “Por favor venha ver-me imediatamente. Tenho pouco tempo de vida e preciso

falar-lhe antes de morrer. Gavron Murillo” Gavron Murillo encontrava-se na França, onde morava. Uma vez que

ele sempre fora uma pessoa de grande importância na sua vida, sir John não teve dúvidas de que precisava atender ao seu chamado.

Isso queria dizer que deveria embarcar para Paris logo pela manhã. Como se houvesse necessidade de certificar-se do conteúdo do

telegrama, sir John releu-o. Só então apagou as velas e deitou-se, mas não conseguiu conciliar o

sono. Seria possível que Gavron Murillo, o homem que representava tanto

para ele e sua família, estaria nas últimas?

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Não podia ser. Impossível. Todavia, sir John continuou a refletir, Gavron não mandaria um

telegrama com aquela mensagem caso não lhe restasse mesmo pouco tempo de vida.

Relembrando o passado, sir John admitiu que devia tudo o que era a um único homem: Gavron Murillo. Portanto, era sua obrigação lhe obedecer, ainda que esse homem lhe pedisse para ir ao inferno.

Na escuridão do quarto, sir John recordou claramente que era muito jovem quando Gavron Murillo passou a fazer parte de sua vida.

Gavron, não apenas salvara seu pai da falência, mas também tornara sir John Gilmour o homem de sucesso do presente.

A John parecia extraordinário que, graças a um homem, toda a sua existência de miséria e sofrimento se transformara em uma vida de riqueza, sucesso, luxo e esplendor.

No entanto, fora exatamente o que Gavron Murillo fizera. Filho de pai indiano e mãe francesa, Gavron Murillo nada tinha que

lembrasse um gentleman inglês justamente pela cor da pele e por seus traços orientais.

Entretanto, era bem-apessoado, elegante e possuía um carisma que o fazia destacar-se, mesmo estando no meio de uma multidão.

Gavron Murillo também era determinado, dotado de inteligência brilhante, de incomparável capacidade de conhecer as pessoas e de transformá-las com a habilidade de um artista que, de uma pedra bruta, cria uma obra de arte.

Caso notasse que um homem tinha potencial para tornar-se um sucesso, mas lhe faltava ambição ou força de vontade, monsieur Murillo conseguia, com sua autoridade e orientação, tornar esse homem bem-sucedido.

Sir John Gilmour não se lembrava do modo como o pai, lorde Edward, havia conhecido o Oriental, como muitos chamavam monsieur Murillo, e sempre o intrigara o fato de ambos se tornarem grandes amigos e, por fim, se associarem nos negócios.

O que John sabia era que estava com dezesseis anos quando conhecera Gavron Murillo. Achara-o um velho estranho, porém dotado de um encanto pessoal que o deixara fascinado.

Em sua casa, na ocasião, os pais sentiam-se isolados, deprimidos, só falavam sobre o que lhes faltava, o que haviam perdido e pensavam no futuro com desesperança.

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Então, como um arcanjo descido do céu, monsieur Gavron Murillo surgiu na vida de lorde Edward Gilmour.

A partir desse momento, como se o Oriental tivesse uma varinha de condão, tudo se transformou na casa do aristocrata inglês.

O pai de John tornara-se o chefe da família e herdara uma propriedade enorme, porém praticamente improdutiva; a casa histórica, mal-cuidada e suja, era muito diferente daquela que no passado fora considerada uma obra-prima do período Tudor.

Subitamente, como se a uma ordem de monsieur Murillo, as estrelas voltaram a brilhar para a família Gilmour que saiu do inferno para viver no paraíso.

Aliás, mais exato seria dizer: eles saíram da penúria para a riqueza. Gilmour Hall, a casa de campo que pertencia à família havia muitos

séculos, encheu-se de criados que a limparam, fizeram consertos e deram polimento à mobília e ao piso.

As valiosas telas receberam boa limpeza, algumas foram restauradas e várias tiveram molduras novas, de modo que a galeria de artes tornou-se uma das mais admiradas e elogiadas de todo o país.

O número de jardineiros passou de dois para doze e os jardins, com canteiros bem planejados, recuperaram a beleza e o colorido antigos.

Para John, foi como se ele tivesse sido transportado de um mundo para outro. Deixou o colégio onde havia estudado durante três anos e foi mandado para Eton. Mais tarde, cursou a universidade de Oxford.

A irmã, dois anos mais nova do que John, foi estudar em um colégio, em Paris.

Nas férias, quando vinha para casa, John não cabia em si de contentamento ao montar os cavalos excepcionais que o pai havia comprado, e ao treinar corrida e saltos na nova pista que havia na propriedade.

Na universidade, John tornou-se brilhante tanto nos estudos como nos esportes. Nas competições de remo, sua equipe era invariavelmente a vencedora.

E quando derrotou Cambridge, todos os colegas disseram que deviam a vitória a John Gilmour.

Com a riqueza, lorde Edward ganhou também prestígio e importância social. Oferecia festas e bailes deslumbrantes em sua linda casa.

O salão de baile, que antes servia de depósito de móveis e objetos sem uso, recuperou o esplendor do passado. Por ocasião das caçadas às aves ou à raposa, lorde e lady Gilmour recebiam inúmeros amigos, a maioria deles

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pertencentes às famílias mais ilustres da Inglaterra. Para substituir a casa de Londres, que lorde Edward havia herdado e

fora obrigado a vender por uma ninharia porque não tinha recursos para mantê-la, Gavron Murillo o ajudara a escolher a mais luxuosa mansão de Mayfair, localizada na Grosvenor Square.

A partir dos vinte e um anos John passou a oferecer, na nova casa da Grosvenor Square, suas próprias festas aos amigos e colegas da universidade.

A essa altura, John já descobrira que era um dos melhores partidos de Mayfair e, não querendo casar-se tão cedo, prudentemente passara a evitar as debutantes cujos pais ambiciosos cobiçavam-no para genro.

John Gilmour era festejado e admirado pelos amigos e colegas e não havia festa, recepção e baile em Londres para os quais não fosse convidado. Ele também recebia inúmeros convites para caçadas e corridas a cavalo, no campo.

Tudo isso, ele pensava, agradecido, devia à organização, inteligência e ao esforço de Gavron Murillo.

Nada do que lorde Edward conseguira teria sido possível sem a ajuda, a orientação de monsieur Murillo e a sociedade nos negócios que o último oferecera ao aristocrata inglês. John costumava dizer que o Oriental tinha o dom de transformar em ouro tudo o que tocasse.

Era verdade que monsieur Murillo também lucrara com a amizade de lorde Edward. O Oriental tinha cérebro mas, não sendo importante socialmente, pelo menos na Inglaterra, onde acabara de chegar, precisava entrar em contato com as pessoas certas para desenvolver seus vários negócios.

Sua amizade com lorde Edward Gilmour abrira-lhe muitas portas e tornara ainda mais lucrativas suas várias fábricas e inúmeras companhias de importação e exportação, cuja matriz era na França.

Porém, o Oriental pagara a generosidade do amigo tornando-o tão rico e importante como lorde Edward jamais sonhara ser. Tudo parecia a John um conto de fadas e não realidade. Quando ficou mais velho, John costumava se questionar como havia sido possível um homem transformar a sua vida e a do pai de maneira tão extraordinária.

Sem dúvida, a árvore genealógica da família Gilmour era uma das mais antigas mencionadas no Registro de Debrett, do qual constava a relação da famílias nobres inglesas.

Porém, fora graças a Gavron Murillo que lorde Edward conseguira devolver à família, da qual era o chefe, a riqueza que os antepassados

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Gilmour foram dilapidando, geração após geração. Quando John completou vinte e cinco anos, lorde Edward ofereceu ao

filho uma festa deslumbrante em Gilmour Hall. Os convidados cavalgaram na pista de corridas, nadaram e remaram

no grande lago, e dançaram no suntuoso salão de baile. John sentia-se imensamente feliz e pensava que a sua vida era quase

um conto de fadas. Ele não sabia, entretanto, o que aconteceria dentro de pouco mais de

um mês. Chegou o inverno e, com ele, o auge da temporada da caça à raposa. O

pai de John, o homem mais rico do condado, possuía a melhor matilha de cães e era o mestre nas caçadas.

Numa manhã muito fria, em que o solo amanhecera coberto de gelo e estava escorregadio, lorde Edward saiu com os amigos para a caça à raposa. Ao saltar uma sebe, seu cavalo caiu e, não somente derrubou o cavaleiro, como também rolou sobre ele. Lorde Edward teve morte quase imediata.

Nessa noite, John tornou-se o chefe da família, passando a ocupar o lugar do pai, o que significou assumir muitas responsabilidades, mas, em compensação, a possuir uma riqueza incalculável, grande poder e importância.

Felizmente, John estava a par dos negócios que o pai possuía, em sociedade com Gavron Murillo, pois desde que deixara a universidade, ajudava a administrar as filiais inglesas. Tornando-se herdeiro de lorde Edward, ele apenas passou a cuidar do que era seu.

As fábricas e as empresas de importação e exportação que já eram um sucesso, depois da morte de lorde Edward, tendo John na presidência, deram lucros ainda mais fabulosos.

A confiança de Gavron Murillo era tão grande no jovem sócio, que lhe deu plena autonomia e passava muito tempo sem vê-lo.

Sir John trabalhava tanto, que ocasionalmente chegava a pensar se não se excedia, uma vez que era tão jovem e saudável.

Talvez devesse divertir-se mais, em vez de ficar horas num escritório ou viajar com freqüência para cuidar de negócios.

Ao mesmo tempo, raciocinava que seria tolice não seguir exatamente a orientação de Gavron Murillo, graças ao qual o pai tornara-se imensamente rico. Riqueza essa que agora lhe pertencia e não cessava de aumentar.

“Sou um homem afortunado; mais afortunado do que posso expressar com palavras”, John costumava pensar.

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Olhando novamente para o telegrama, John tinha dificuldade de compreender que Gavron Murillo estava morrendo.

É claro que ele vinha notando o envelhecimento do sócio e benfeitor. De fato, o Oriental, que já lhe parecera um velho quando o conhecera, havia doze anos, agora passava dos setenta.

É que, acostumado a ver monsieur Murillo tão ativo, tão inteligente e brilhante, não só nos negócios, mas em tudo o que empreendia, John nunca imaginara que o amigo iria morrer agora, quando havia tantas coisas planejadas para o futuro, mas ainda estavam no papel.

“Eu levarei os planos adiante e eles serão um sucesso como tudo mais que Gavron Murillo planejou e executou”, John disse a si mesmo.

Continuando a refletir, considerou que o sócio iria fazer muita falta. Evidentemente, os negócios iriam sofrer um abalo sem monsieur Murillo.

“Não. Não permitirei que os negócios fracassem. Se depender de mim, as fábricas e as empresas continuarão funcionando muito bem e os negócios se expandirão, como sempre”, John prometeu a si mesmo, pensando em fazer isso em memória do amigo, caso ele viesse a falecer.

Estendendo o braço, John puxou o cordão da campainha, chamando o valete, que deixara o quarto havia poucos minutos. Ainda que Jules estivesse deitado, ouviria o som, pois a campainha tocava do lado de sua cama.

“Embarcarei para Paris pela manhã”, John decidiu, “Preciso de apenas algumas horas de sono para ter o cérebro funcionando com clareza.”

Era grande a sua vontade de ir voando ao encontro do sócio. Porém, refletiu que aprendera com Gavron a ser prático, sensato, imaginativo e, principalmente, a jamais agir com precipitação.

— Chamou-me, sir? — o valete perguntou, assim que entrou no quarto.

— Sim, Jules. Terei de embarcar para Paris de manhãzinha — sir John informou. — Acorde-me às seis e meia e deixe tudo pronto para seguirmos para Dover logo após o breakfast.

Acostumado às decisões inesperadas, Jules não fez perguntas. Respondeu, simplesmente antes de sair do quarto:

— Perfeitamente, sir John. Cuidarei da bagagem e às sete a carruagem estará à frente da casa.

Ficando a sós novamente, John recostou-se nos travesseiros e murmurou, como se falasse com o sócio:

— Por favor, Gavron, não morra antes de eu chegar! Preciso da sua orientação para prosseguir com os nossos negócios. Estou pensando, não em

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mim apenas, mas também nos milhares de operários que dependem do emprego que têm em nossas fábricas e empresas.

Por um momento John olhou para a janela. Tudo o que se relacionava com o Oriental era sempre tão fantástico que ele não se surpreenderia se, como resposta ao seu pedido, visse a claridade de uma estrela cadente ou se a lua lançasse no aposento um raio luminoso.

Mas o quarto permaneceu imerso na escuridão da noite. John fechou os olhos e ficou por algum tempo refletindo sobre o que o

futuro lhe reservaria sem Gavron Murillo. Eram seis e meia quando Jules entrou no quarto para chamar o patrão

que estava profundamente adormecido. Abrindo os olhos, sir John tentou entender o porquê de seu valete

estar ali, tão cedo. Lembrou-se então do telegrama e saltou da cama, indo direto para o banheiro, lavar-se.

Em seguida vestiu-se e desceu para tomar o café da manhã, servido pelo mordomo sonolento. Enquanto comia, sir John ouviu o barulho da bagagem sendo levada para a porta da frente.

Quinze minutos depois, ele acomodava-se no coche de viagem, puxado por quatro cavalos velozes, que o aguardava. Jules já se achava no banco da frente com o cocheiro.

A viagem a Dover durou duas horas e meia. Como sir John imaginara, um navio estava ancorado no porto e iria partir dentro de meia hora.

Graças à sua sorte habitual, sir John conseguiu a melhor cabine. Quando o navio partiu, ele deitou-se, pensando em dormir e descansar durante a viagem.

Não conseguiu. O tempo todo pensou em Gavron Murillo e desejou de coração encontrar o amigo bem disposto quando chegasse a Paris.

“Se Gavron morrer, como poderei cuidar de tudo?”, John perguntou a si mesmo inúmeras vezes.

Era verdade que além dos estudos, da inteligência privilegiada e de ter trabalhado com o pai durante alguns anos, o que lhe permitira conhecer bem todas as companhias da Inglaterra e as fábricas, John sempre havia contado com o apoio, a orientação e a proteção de Gavron Murillo.

Era este último quem formava o quadro de funcionários e sabia melhor do que ninguém, escolher o homem certo para a função certa. Graças à boa administração, as empresas progrediam e os lucros eram crescentes.

Disciplinado e perfeccionista, John trabalhava com afinco e admitia que, aos vinte e oito anos, ainda tinha muito o que aprender. Portanto, não

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gostaria de perder um mestre experiente como o sócio e benfeitor. Por um momento, John viu-se dominado por um desconfortável

pressentimento de que tudo o que o pai construíra corria o risco de desmoronar.

O bom senso, felizmente, o fez refletir que estava sendo tolo. Seu patrimônio era imenso e ele tinha condições de administrá-lo muito bem. Já dera demonstração de sua capacidade, de seu tino para os negócios e seu dinamismo.

Na sua ansiedade para chegar logo a Paris, John achou que a viagem estava durando uma eternidade. Cada minuto era precioso, pois se Gavron estivesse realmente mal, ele poderia encontrá-lo já sem vida.

Foi só na noite seguinte que o trem de Calais a Paris chegou à Gare du Nord.

Passando pelas ruas e avenidas numa carruagem de aluguel, John não se empolgou com a beleza da cidade, como sempre acontecia ao chegar a Paris.

Dirigiu-se ao hotel onde costumava hospedar-se para deixar o valete com a bagagem e seguiu imediatamente para a avenida Champs Elysées. Respirou aliviado quando os cavalos, por fim, pararam por completo na frente de uma imponente mansão.

Ao subir os degraus de mármore e entrar no hall suntuoso, com colunas de pórfiro e belíssimas estátuas, John não pôde deixar de sentir um aperto no coração por não ver o amigo de mão estendida, recebendo-o com entusiasmo.

O mordomo conduziu sir John a um salão que se abria para o jardim; o médico não tardou a aparecer e apresentou-se:

— Sou o dr. Rohan. É uma grande alegria recebê-lo, sir John. Monsieur

Murillo deseja muito vê-lo. — Então, cheguei a tempo? Gavron Murillo está vivo? — indagou sir

John. — Sim, com a graça de Deus. Também está lúcido. Acredito que seja a

grande vontade de vê-lo e de falar-lhe, sir John, que o mantém com vida. Acompanhe-me, por favor. Vou levá-lo à presença de monsieur Murillo imediatamente.

John subiu com o médico a larga e majestosa escadaria, até o primeiro andar. Ambos entraram em um quarto ricamente decorado com móveis franceses.

No leito enorme, com cortinas de veludo cor-de-vinho, estava Gavron

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Murillo, muito pálido e magro, de olhos fechados. Embora contasse setenta e um anos, aparentava mais de oitenta.

Sentando-se do lado da cama, John segurou a mão do sócio. Estava tão gelada que lhe deu a impressão de que Gavron já não vivia.

— Estou aqui, amigo — falou baixinho. — Tudo o que desejo é poder fazer alguma coisa para que você fique bom.

Gavron abriu os olhos. O olhar que muitos homens temeram, mas o qual um número bem maior de pessoas encarou com alegria e agradecimento, perdera a força e a luz.

— Ah… você… veio — Gavron sussurrou com a voz quase inaudível. — Ouça… quero que você… faça uma… coisa… por mim.

— Peça o que você quiser — John respondeu. — Você fez muito por meu pai e continua a fazer muito por mim. Esteja certo de que farei tudo ao meu alcance para demonstrar-lhe quanto lhe sou agradecido.

O moribundo esboçou um débil sorriso. — Era o que… eu desejava… e esperava ouvir. Prometa-me que…

atenderá… ao meu pedido. — Você já tem a minha promessa — John reiterou. Fez-se um instante

de grave silêncio. Então Gavron declarou com evidente esforço para que sua voz soasse

bem distinta: — Quero que você se case com a minha filha.

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CAPÍTULO II Atônito com o pedido, John não conseguiu mover-se ou articular uma

palavra. Manteve os olhos fixos no amigo, sentindo-se como se estivesse paralisado. Quando, por fim, conseguiu recuperar-se do espanto, perguntou com uma voz que soou estranha até para si próprio:

— Está pedindo que eu me case com a sua filha? — Exatamente. É o que eu mais quero… antes de morrer — Gavron

confirmou. — Por favor, amigo, não diga isso. Não queremos que você morra —

John assinalou. — Você sabe que significa muito para todos nós. O que faremos sem a sua orientação?

— A morte é o fim de todos. Não podemos… fugir dela… por mais que tentemos. — Gavron esboçou um sorriso. — Sei que vou partir… e quero ver a minha filha casada com um homem correto… como você… que a protegerá. Não posso deixar Melita… à mercê dos caça-dotes… interessados somente na fortuna que ela irá herdar.

John respirou fundo. Não podia negar-se a fazer o que Gavron lhe pedia. Ao mesmo tempo, não lhe atraía nem um pouco a idéia da casar-se precipitadamente.

Desde que deixara Eton e fora para Oxford, as mães sempre o adulavam tendo em mente forçá-lo a cortejar suas filhas, pensando na enorme fortuna que ele iria herdar e também no título de nobreza, muito antigo e respeitado.

Não sendo tolo, John sabia que era um dos solteiros mais cobiçados da sociedade londrina. Percebia que todos os olhares das senhoras com filhas debutantes se fixavam nele assim que o viam entrando no salão de baile.

Invariavelmente, elas não perdiam a oportunidade de aproximar-se dele para fazer o mesmo tipo de discurso:

— Meu caro John, sou muito amiga de sua mãe e admiro demais lorde Edward. Quero, em nome dessa nossa amizade, que você conheça minha filha. Ela está debutando este ano e, além de encantadora, é excelente bailarina.

Seguia-se um inevitável convite para um jantar ou um baile a ser oferecido na casa da debutante em questão.

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Caso John recusasse um ou outro convite, as senhoras não se davam por vencidas. Insistiam para que ele passasse o fim de semana em sua casa de campo.

Era tudo tão previsível que, a princípio, John divertia-se, encarando tais situações como uma brincadeira. Em pouco tempo cansou-se e passou a achá-las aborrecidas.

Depois que John passara a freqüentar assiduamente a sociedade londrina, fora tão assediado pelas mães e apresentado a tantas jovens que seriam “uma esposa perfeita”, que ele perdera a conta.

Certo de que as mães estavam mais interessadas na posição social e na fortuna daquele que ambicionavam para genro, John passou a evitar bailes e festas de debutantes.

“Quando eu me casar, o que não acontecerá tão cedo, escolherei para esposa uma mulher que me ame por minhas qualidades e não pelo que possuo”, John dizia a si mesmo repetidas vezes.

Na verdade, ele reconhecia que para as pessoas da alta sociedade o que contava eram os valores materiais. Portanto, não esperava encontrar a sua eleita nos suntuosos salões de baile ou nos elegantes jantares aos quais comparecia.

Imaginava que talvez encontrasse a esposa ideal em terras distantes ou no campo.

Embora continuasse a divertir-se e a freqüentar as festas que aconteciam em Londres todas as noites, John nunca se envolveu seriamente com mulher nenhuma, preferindo ter breves romances com senhoras casadas. Estes se resumiam a encontros clandestinos, os quais, se lhe satisfaziam o corpo, aviltavam-lhe o espírito.

Com o tempo, John tornou-se cético. — Você precisa casar-se, John. Já é mais do que tempo de pensar em

um herdeiro — lady Gilmour aconselhava-o insistentemente desde que ele herdara o título e a fortuna do pai.

— Ainda é cedo, mamãe. Sou muito novo e quero divertir-me — John costumava replicar, sorrindo. — Só daqui a dez anos, pelo menos, pensarei em tornar-me um pacato chefe de família. Então minha esposa e eu viveremos tranqüilamente no campo, cuidando de nossos filhos.

Na última vez que ouvira a invariável resposta do filho, lady Gilmour argumentara, muito séria:

— Sua esposa, provavelmente, achará a vida no campo monótona demais.

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— Ora, mamãe, eu não escolherei para esposa uma mulher que não se sinta feliz com a minha companhia viver nos salões londrinos ou encher Gilmour Hall de hóspedes nos fins de semana — John rebatera.

— Você é mesmo impossível — tornara a mãe com um suspiro. E agora, John considerou, ali estava ele diante de seu grande benfeitor

que lhe fazia um pedido inesperado e que ele, se pudesse, deixaria de atender.

Entretanto, como recusar-se a fazer a última vontade de um moribundo?

Como dizer “não” ao homem que salvara seu pai da falência e ajudara-o a acumular um fortuna que se multiplicava ano após ano?

A dívida de gratidão que tinha para com Gavron Murillo era tão grande que ele não sabia como expressá-la por meio de palavras.

John estava consciente de que era chegado o momento de expressar tal gratidão, concordando em fazer o que seu amigo e benfeitor lhe pedia.

Apesar de sentir como se houvesse um torvelinho em sua cabeça e que não se achava em terreno firme, John pediu com voz bem calma:

— Fale-me sobre a sua filha, pois nunca a vi. Gavron fechou os olhos e guardou silêncio, como se precisasse reunir

suas forças para poder falar. Após um momento, respondeu: — Vou contar-lhe a minha história, da qual apenas o amigo Edward

estava a par. — Sou todo ouvidos. — O dinheiro sempre significou muito para mim. Usei meu cérebro e

cada gota do meu sangue para tornar-me rico — Gavron começou. — Porém, foi depois de ter sido discriminado que passei a ter verdadeira obsessão para multiplicar muitas vezes a minha fortuna. Para mim, essa era uma forma de ganhar o respeito das pessoas. Assim, não tive tempo de pensar no amor. As mulheres não representavam parte importante na minha existência…

A voz do moribundo era tão baixa que John puxou a cadeira para bem perto da cabeceira da cama, não querendo perder uma só palavra do que estava sendo dito.

Após uma pausa, como se estivesse recordando o passado, Gavron foi adiante:

— Desde os dezessete anos passei a acompanhar meu pai em suas viagens porque minha mãe havia falecido. Papai trabalhava com loteamentos e, embora não fosse milionário, tinha propriedades e uma situação financeira bem sólida.

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Percebendo o meu tino comercial e meu interesse pelos negócios, papai começou a orientar-me; falava-me sobre dinheiro, sobre economia e administração. Viajávamos muito e logo entendi porque certos países tornavam-se tão ricos e outros permaneciam pobres, ainda que nestes últimos houvesse tantas riquezas a serem exploradas.

O esforço de falar obrigou Gavron a fazer nova pausa. Percebendo que o amigo estava ofegante, John ofereceu-lhe:

— Você gostaria de beber alguma coisa? — Não, não! Devo terminar a minha história. — Gavron inspirou

fundo, depois continuou: — Eu estava com vinte e cinco anos quando meu pai me mandou para a Tailândia. O país lhe parecia muito promissor. Papai encarregou-me de fazer amizade com as pessoas mais ricas e influentes do país e enviar-lhe regularmente relatórios com um levantamento das possibilidades locais. Achei a Tailândia um país exótico, encantador, com prédios e templos belíssimos. Estabeleci-me em Bangkok, e dentro de dois meses meu pai juntou-se a mim. Nossos negócios estavam indo muito bem e nos davam muito lucro. Na ocasião conhecemos aristocrata inglês com quem tínhamos negócios e de quem nos tornamos amigos. Papai e eu passamos a freqüentar a sua casa. Então aconteceu um fato que marcou a minha vida e me fez decidir a permanecer solteiro e concentrar-me apenas em ganhar dinheiro…

— Imagino que você tenha sofrido uma desilusão amorosa — inferiu John.

— Exatamente — Gavron concordou. — Apaixonei-me pela filha desse lorde inglês, mas ela me desprezou dizendo que eu não estava à sua altura, que era mestiço…

Gavron Murillo fechou os olhos e sua expressão indicava que a recordação do que acontecera ainda o fazia sofrer.

— Compreendo a sua mágoa — John falou com simpatia. — Naturalmente, você dedicou-se ao trabalho e aumentou a sua fortuna, só vindo a casar-se bem mais tarde.

— Sim — Gavron confirmou. — Durante mais de vinte anos evitei todo e qualquer envolvimento sério com as mulheres. Graças à minha fortuna eu podia escolher a mulher que quisesse para satisfazer-me e pela manhã ela era esquecida. Os negócios expandiram-se e meu pai, apesar da idade, cuidava das empresas da França e da Inglaterra, enquanto eu passava a maior parte do tempo na Ásia, principalmente na Tailândia. Tornei-me um homem influente e muito bem relacionado em Bangkok, onde morava numa linda

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mansão. Certa noite fui apresentado ao embaixador inglês, o visconde de Sternwood, viúvo muito distinto, recém-chegado da Inglaterra. Na semana seguinte, a convite do visconde, fui a um jantar na embaixada. A única presença feminina à mesa era lady Evelyn, filha do embaixador, que me encantou. Após o jantar fomos todos para uma sala de estar e lady Evelyn deixou-nos. O visconde e os outros cavalheiros passaram a falar sobre política, mas eu só pensava em lady Evelyn. Na primeira oportunidade despedi-me do anfitrião e de seus convidados. Quando eu ia saindo da embaixada, vi lady Evelyn no jardim e fui até ela. A noite estava linda, havia luar e ficamos conversando durante algum tempo. Esse foi o começo…

— Você apaixonou-se por lady Evelyn? — Perdidamente. Continuamos a nos ver e poucos dias depois do

primeiro encontro, Evelyn revelou que também estava apaixonada por mim. — Lady Evelyn era muito mais nova do que você, não? — John

indagou, movido pela curiosidade. — A diferença entre nós era de quase vinte anos. Eu já completara

quarenta e nove e ela estava com trinta. Ficara viúva no ano anterior; o marido morrera numa rebelião, na Índia. Eu nunca havia conhecido uma mulher como Evelyn. Era tipicamente inglesa. Tinha olhos azuis, cabelos loiros, corpo esguio, voz e gestos muito suaves.

— Vocês logo se casaram? O moribundo suspirou. — Infelizmente, não. O embaixador, um aristocrata muito severo e

arrogante, não me considerou digno de casar-se com sua filha. Rejeitou-me por ser estrangeiro, não possuir título de nobreza e, principalmente, por não ser branco. Na verdade, o visconde já analisara as famílias inglesas importantes para encontrar um outro genro merecedor da mão de lady Evelyn. Fiquei sabendo que ele tinha planos para casá-la com um marquês.

— Nesse caso, o que vocês fizeram? — Evelyn e eu decidimos nos encontrar secretamente Ela deixou a casa

do pai e foi morar com sua ex-governante que dava aulas de música em um colégio para moças que funcionava em um convento, situado na periferia de Bangkok.

— Você podia visitar Evelyn nesse convento? — perguntou John, cada vez mais interessado na história.

— Eu ia vê-la à noite, quando a velha governanta se encontrava na capela tocando órgão ou ensaiando o coro do colégio. Nós vivíamos desesperados, com medo de que o visconde decidisse voltar para a Inglaterra. Então… Evelyn deu-me uma notícia que para mim foi um choque… —

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Gavron fez uma pausa, depois acrescentou: — Evelyn revelou-me que esperava um filho. Nosso filho! Fiquei exultante e, ao mesmo tempo, com medo da reação do visconde. É claro que eu disse a ela que devíamos nos casar o mais depressa possível. Evelyn, no entanto, pediu-me para esperar. Receou que o pai fizesse um escândalo quando soubesse do nosso romance.

Gavron interrompeu a narrativa. John permaneceu em silêncio e aguardou pacientemente que o amigo prosseguisse, o que, por fim, aconteceu.

— Poucos meses depois de eu ter ficado sabendo da gravidez de Evelyn, o embaixador decidiu voltar para a Inglaterra. Evelyn agarrou-se a mim e disse que não suportaria partir e deixar-me para trás. Novamente sugeri que nos casássemos e revelássemos a verdade ao visconde; ela foi contra a sugestão. Foi essa a primeira vez que brigamos. Finalmente, o destino decidiu por nós. O embaixador foi gravemente ferido durante uma manifestação popular e faleceu poucos dias depois. O governo britânico insistiu para que o embaixador fosse levado para a Inglaterra e enterrado com toda pompa de Estado no cemitério do castelo Sternwood, onde jazia toda a família.

Diante de nova pausa do amigo, John não se conteve e indagou: — Evelyn voltou para a Inglaterra, acompanhando o corpo do pai? — Não! Ela não quis separar-se de mim e suspeitava que, mesmo que

nos casássemos, os parentes não me aceitariam. Diante disso, felizmente, concordou com o casamento. Escreveu para o tio que se tornara o chefe da família, no lugar do falecido visconde, dizendo que, tendo perdido o pai e o marido, nada a prendia na Inglaterra. Assim, decidira ficar no convento com sua ex-governanta.

— Os parentes aceitaram essa decisão? Não estranharam que a filha não quisesse assistir ao enterro do pai?

— Evelyn era uma mulher determinada e, francamente, todos estavam consternados com o falecimento do visconde e preocupados com a repercussão que sua morte teria na Inglaterra. Assim, não questionaram a decisão de Evelyn. Afinal, ela era viúva, emancipada, tinha sua própria fortuna que lhe permitia viver com conforto e estava afastada da família havia anos, pois deixara a Inglaterra quando se casara, para morar na Índia.

— Compreendo. De fato, nada a prendia à Inglaterra — John murmurou.

— Certamente. A governanta providenciou tudo para o casamento que foi celebrado na capela do colégio — Gavron prosseguiu. — Foi uma

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cerimônia muito breve e simples, porém nos tornamos marido e mulher. Isso era tudo o que nos importava.

— Lady Evelyn deixou o convento e foi morar com você em sua mansão?

— Apesar de estarmos casados, Evelyn preferiu continuar no convento com a governanta. Ela já entrara no quinto mês de gravidez e não queria que a vissem, pois perceberiam que a criança fora concebida antes do casamento.

— Então ninguém ficou sabendo que vocês eram casados? — Só a governanta e a madre superiora do convento — respondeu

Gavron. — Evelyn morreu ao dar à luz nosso bebê. Seus parentes jamais souberam que ela se casara e tivera uma filha.

— Você nunca revelou à família do visconde que era o viúvo de lady Evelyn e que Melita era filha de vocês dois?! — John admirou-se.

— De que adiantaria? Os parentes não me aceitariam e ficariam escandalizados com o comportamento de lady Evelyn. A governanta escreveu ao novo visconde de Sternwood, tio de Evelyn e chefe da família, comunicando o falecimento da sobrinha. Apenas isso. Eu estava arrasado com a morte da mulher que eu amava e não sabia o que fazer com o bebê. Novamente foi a dedicada governanta quem se prontificou a cuidar de Melita, pois no convento havia outras órfãs. É claro que eu fazia doações generosas à instituição que mantinha o convento e o orfanato. Além disso, eu entregava mensalmente à governanta uma grande quantia para que nada faltasse a Melita. Quando a garota cresceu, foi educada no colégio, como as outras internas, em geral inglesas e francesas, cujos pais moravam na Ásia. Nunca me preocupei com minha filha por saber que, além do carinho da governanta, ela estava recebendo a melhor educação possível. No colégio as alunas internas tinham aulas extras e aprendiam, além das matérias curriculares, vários idiomas, música, dança e pintura.

— Você via Melita com freqüência? — Nos primeiros meses, após a morte de Evelyn eu ia ao convento

diariamente para ver o bebê. Mas, desolado como eu estava, comecei a liquidar alguns negócios, deixei outros nas mãos de pessoas da minha confiança e mudei-me para a Inglaterra. Eu ia a Bangkok duas ou três vezes por ano e nessas visitas ficava encantado com a beleza de Melita. Ela tornava-se cada vez mais parecida com a mãe. Com o passar do tempo e a idade, minhas visitas tornaram-se anuais e depois ficaram mais raras. Porém, minha filha e eu nos correspondemos por carta regularmente.

Gavron estava tão ofegante e falava tão baixinho que John insistiu para

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que ele tomasse um pouco de água. Depois de beber apenas uns goles, o moribundo quis prosseguir. Parecia ter medo de não conseguir terminar a narrativa.

— Quando conheci lorde Edward, um homem admirável, do qual você deve orgulhar-se; fiz sociedade com ele e estabeleci-me definitivamente na França para que meu pai se aposentasse. Como você sabe, papai faleceu pouco depois de minha mudança.

— Sua filha continua no convento? — inquiriu John. — Melita nunca saiu de lá. O convento é o seu mundo e as freiras

representam a sua família — Gavron assentiu. — Sei que minha filha é feliz. Atualmente está com vinte e um anos. Porém, desde os dezoito, com a morte da governanta, dá aulas de música, canto, inglês, francês e italiano para as internas. Asseguro-lhe que você amará minha querida Melita. Não estou exagerando ao afirmar que ela é bem-educada e linda. Assim que a conhecer você concordará comigo e verá que minha filha é tão inteligente como o pai e deve sua beleza e modos refinados ao sangue Sternwood que herdou da mãe.

Fez-se um longo silêncio. John ouvira o pai falar com freqüência sobre o visconde de Sternwood,

cujo castelo era muito admirado, porém jamais imaginara que Gavron Murillo tivesse alguma relação com o importante aristocrata.

Agora ele, sir John Gilmour, via-se diante de um sério dilema. Como poderia casar-se com uma jovem desconhecida, filha de um oriental, ainda que também tivesse nas veias o sangue de uma das mais importantes famílias inglesas?

Dotado de grande sensibilidade, Gavron captou o que se passava na mente de John e murmurou:

— Sei em que você está pensando, amigo, e compreendo as suas dúvidas. Mas asseguro-lhe que ficará encantado com Melita e jamais se arrependerá de tê-la desposado. Ela não se parece comigo; repito que de mim ela herdou apenas a determinação e o cérebro brilhante. — Gavron deu uma pequena risada antes de acrescentar:

— O que mais um homem pode desejar ao receber por esposa uma mulher linda como a lady Evelyn e com a inteligência prodigiosa de Gavron Murillo?

Não se contendo, John também riu. Em seguida falou em tom solene: — Prometo-lhe, amigo, fazer tudo ao meu alcance para tornar sua filha

muito feliz. Meu pai, eu e toda a minha família devemos tudo o que temos a você. Considero-o um anjo benfeitor e que nos tirou do inferno da penúria e

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levou-nos para o paraíso do conforto e da prosperidade. Sem a sua ajuda estaríamos na miséria. Tudo o que fizer por você será pouco para demonstrar-lhe o meu reconhecimento. Portanto, como eu poderia deixar de atender ao seu pedido?

— É verdade que dei a mão a seu pai e confiei nele — Gavron admitiu. — Porém, Edward também me ajudou e contribuiu para que a minha fortuna aumentasse ainda mais. Eu admirava Edward e também admiro você, caro John. O que mais desejo é ver a união da família Gilmour com a minha. Morrerei feliz sabendo que Melita será sua esposa.

Após um instante pensativo, John perguntou: — E se Melita não gostar de mim e não aceitar ser minha esposa? — Conheço minha filha. Ela é extremamente meiga e, embora

tenhamos vivido tão separados, nos amamos muito. Sou o único parente que Melita conhece e ela fará o que eu lhe pedir, ainda que seja apenas para ver-me morrer feliz. Na última carta que escrevi a ela, pedindo para vir para Paris, mencionei que estava ansioso para vê-la amparada e já havia prometido sua mão a um aristocrata inglês em quem eu confiava e cujo pai fora meu melhor amigo.

— Então Melita já está a par do noivado? — Não só está a par de tudo, como respondeu-me concordando com a

minha escolha e informando-me sobre a data de sua partida da Tailândia. — Ela já deixou a Tailândia? — John quis saber. — Já. Melita deve chegar a Paris amanhã ou depois de amanhã.

Porém, ela não virá diretamente para esta casa. Um de meus advogados e a esposa irão hospedá-la, caso eu ainda esteja vivo.

— Melita não virá para cá!? — John surpreendeu-se. — Você não está ansioso vê-la? Não deseja falar com sua filha?

— Para quê? Não quero que Melita me veja morrer. Será muito doloroso para nós dois. Prefiro que ela se lembre de mim como eu era quando estive na Tailândia pela última vez, há um ano. Na ocasião eu ainda era forte e saudável. Depois que eu partir, sim, ela poderá vir para cá e vocês se conhecerão. Deixei com o advogado ao qual me referi, uma carta endereçada à minha filha. Nessa carta, que Melita só receberá após a minha morte, despeço-me de minha filha, expresso o meu contentamento porque ela concordou em se casar com você, e dou-lhes a minha bênção.

— Por favor, Gavron, queremos que você esteja presente ao casamento — John protestou. — Podemos chamar um padre para realizar a cerimônia aqui neste quarto.

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— Ora, você está sendo tolo, caro rapaz — disse Gavron num fio de voz. — Como pode um casamento ter início junto de um leito de morte? Nada disso. De mais a mais, sinto que meu tempo está se esgotando. Quero que Melita, após minha morte, procure a família da mãe; ela deve apresentar-se ao tio e outros parentes. Então explicará que o pai faleceu e que está noiva de sir John Gilmour. Como já não estarei neste mundo, os parentes nada dirão contra mim. Assim que conhecerem Melita nenhum deles duvidará que ela seja filha de lady Evelyn, pois é o retrato da mãe. Sem dúvida, a aceitarão como uma Sternwood e exultarão porque Melita está noiva de um aristocrata importante como você, prezado rapaz, o mais cobiçado solteiro da sociedade londrina. Naturalmente, toda a família será muito discreta ao referir-se ao marido de lady Evelyn. Então o casamento de vocês poderá ser realizado no castelo da família ou em Londres, como preferirem, e será um grande acontecimento social.

— Vejo que você planejou tudo muito bem — louvou John. — Conheço os homens e a sociedade, meu rapaz. — Havia um sorriso

amargo nos lábios pálidos de Gavron. — Apesar de possuir uma enorme fortuna e de relacionar-me com pessoas importantes, sei o que é ser discriminado. A imprensa esquecerá o pai da noiva e citará que ela é neta de um dos mais ilustres nobres ingleses e que o noivo é um dos aristocratas mais ricos do país.

— Concordo com você. — E quando conhecer Melita também concordará que não exagerei ao

descrevê-la como uma jovem inteligente, linda, bem-educada e meiga. Você não ficará desapontado.

Acabando de falar, Gavron fechou os olhos e seu rosto ganhou uma expressão tranqüila.

John aguardou, esperando que o amigo dissesse mais alguma coisa. Estranhando o prolongado silêncio, inclinou-se sobre o corpo magro e notou que já não tinha mais vida.

Gavron Murillo passara deste mundo terreno para o espiritual, onde todos os homens são iguais.

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CAPÍTULO III Ao voltar para o hotel onde estava hospedado, John tinha a sensação

de que o mundo se desmoronara ao seu redor e ele via-se envolto em trevas. Chegou a pensar que talvez estivesse tendo um pesadelo. Porém, seu

cérebro lhe dizia com clareza que tudo era real e ele devia encarar a situação com coragem.

Nada mais poderia fazer pelo amigo falecido, a não ser cumprir a promessa de se casar com Melita. Mas só de pensar em casamento cada nervo de seu corpo repelia a idéia com veemência.

Ele decidira que pensaria em ter uma esposa para constituir a própria família depois dos trinta e cinco anos. Como os homens, em geral, ele detestava a idéia de ver-se amarrado a uma mulher.

Entretanto, o que poderia fazer, senão esperar que a noiva chegasse? Ocorreu-lhe com um vislumbre de esperança que poderia acontecer de ele amar Melita, de fato, como Gavron Murillo lhe havia assegurado.

Inquieto e incapaz de raciocinar com calma, John pôs-se a andar pela sala da suíte. Cansou-se e foi até a janela onde ficou olhando distraidamente para fora, sem notar o tráfego intenso na rua.

Estava com o pensamento voltado para si mesmo e sentia-se um prisioneiro.

“Por que isto está acontecendo comigo?”, questionou-se. Sabia, porém que não havia resposta para aquela pergunta, pois o

destino era inquestionável. Tendo vindo a Paris apenas para atender ao chamado de Gavron, John

não avisara nenhum amigo de sua chegada. Além disso, não estava com humor ou disposição para divertir-se. Sendo assim, jantou sozinho e deitou-se cedo.

Porém, demorou a conciliar o sono, pensando no amigo que se fora e na noiva que devia chegar dentro de poucos dias.

Por mais que detestasse a idéia de se casar com uma mulher que não amava, dera sua palavra de honra ao amigo no seu leito de morte e via-se obrigado a cumprir o que prometera.

Ainda era muito cedo, mas John já estava de pé e pronto para sair. No saguão do hotel mandou chamar uma carruagem que o levou à mansão da

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avenida Champs Elysées. Durante o trajeto pensou no enterro de monsieur Murillo que seria

realizado no dia seguinte e certamente contaria com a presença de milhares de pessoas de todas as classes sociais, uma vez que Gavron se relacionava muito bem, não só com empresários e magnatas como ele, mas também com seus empregados e subalternos.

Era uma pena que os que trabalhavam nas empresas de Gavron Murillo na Tailândia ou em outros países distantes não teriam condições de chegar a tempo para o funeral.

Ao transpor a porta da frente, John imaginou-se entrando numa prisão da qual não teria como fugir. A governanta e o mordomo receberam-no e informaram-no que o diretor das empresas de monsieur Murillo devia chegar a qualquer momento.

Ofereceram-lhe em seguida café ou champanhe e, como ainda era cedo e não apreciando muito bebidas alcoólicas, John aceitou o café.

Ficando sozinho, foi até a janela, porém não prestou atenção ao jardim bem-cuidado, com canteiros repletos de flores. O que ele desejava, acima de tudo, era sair dali e voltar para a Inglaterra.

Mas seria grande indelicadeza e até ingratidão de sua parte não acompanhar o enterro do homem que tanto bem fizera a seu pai, a ele próprio e a toda a sua família.

Do homem que acreditava tanto na sua retidão que lhe confiara, antes de morrer, o que possuía de mais precioso: a própria filha.

“Devo comportar-me decentemente em respeito ao amigo Gavron”, John disse a si mesmo.

O barulho da porta se abrindo fez com que ele se voltasse depressa. Um homem idoso entrou no hall.

John reconheceu-o. Era monsieur D'Alembert, sem dúvida o mais antigo e mais importante dos funcionários de alto escalão que dirigiam as empresas de monsieur Murillo na França.

O francês estendeu a mão para sir John. — É muito bom encontrá-lo aqui, sir John. Você seria a primeira

pessoa que eu devia notificar do falecimento de monsieur Murillo. Vou precisar de sua ajuda e estou certo de que posso contar com você.

— É claro que farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo — John respondeu.

Monsieur D'Alembert ficou em silêncio por um momento, depois disse: — O corpo de monsieur Murillo já foi preparado e precisamos decidir

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sobre o funeral. Suponho que você esteja pensando que seu sócio e meu amado patrão deva ter um enterro pomposo, digno de seu nome, ao qual comparecerá o maior número de pessoas, inclusive de outros países, principalmente aqueles a quem monsieur Murillo tanto ajudou.

— Você acha que um homem reservado como Gavron Murillo iria querer um enterro pomposo? — John indagou.

— Bem, nós dois sabemos que monsieur Murillo era contra todo tipo de ostentação. Ele ficava constrangido quando alguém lhe oferecia presentes ou uma festa em sua homenagem para expressar sua gratidão por ter sido beneficiado pelo magnânimo e querido Gavron.

— É verdade — John concordou. — Gavron também não fazia questão de receber troféus e condecorações; aceitava-os e, por gentileza, os agradecia com palavras cheias de entusiasmo, o qual estava longe de sentir.

— Imaginei que você fosse dizer isso. Sendo assim, o querido monsieur

Murillo terá um funeral simples. Deixemos que os jornais se encarreguem de fazer as homenagens póstumas e os necrológios ao homem que, apesar de muito rico, era tão despretensioso; ao homem que tanto contribuiu para o progresso, não só da França, como de outros países.

— Sinto que é exatamente assim que Gavron Murillo gostaria que fosse o seu enterro. Como ele não tem família na França, só alguns amigos e os funcionários muito ligados a ele o acompanharão ao cemitério — John decidiu.

— Concordo com você. Cuidarei para que monsieur Murillo seja velado pelos amigos e depois seja levado ao jazigo com respeito, mas sem a pompa e a comoção, as quais o desagradariam.

— Já que estamos de acordo, vou cuidar do sepultamento. Sei onde fica o jazigo de Gavron. Deixarei tudo preparado para que o enterro seja amanhã, às nove — John expôs.

— Deixo tudo em suas mãos eficientes — disse monsieur D'Alembert com alívio. — Encarrego-me de dar a notícia do falecimento aos jornais, mas só farei isso amanhã.

Deixando a mansão, John foi diretamente para a igreja católica, em cujo cemitério Gavron mandara erguer seu jazigo. Apesar de não ter sido católico, o magnata fora em vida amigo do vigário e o maior benfeitor dessa igreja que mantinha um asilo e um orfanato.

O vigário ficou consternado com a morte do amigo e concordou em realizar o serviço fúnebre.

Só então John voltou ao hotel. Sentia-se deprimido, muito só, porém

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não quis entrar em contato com os amigos. Desde os tempos de universidade passava anualmente algumas

semanas em Paris. Costumava assistir às corridas clássicas e gostava de ir ao teatro. Achava as peças teatrais francesas muito mais interessantes do que as londrinas.

Também se divertia com as belas, alegres e espirituosas mulheres francesas que sabiam como cativar e distrair um homem.

Era verdade que John já viajara muito e conhecia grande parte do mundo, porém nenhuma cidade exercia sobre ele o fascínio de Paris.

Além disso, John podia dizer que tinha mais amigos em Paris do que em Londres, e todos sempre estavam mais do que dispostos a recebê-lo.

Entretanto, como procurar os amigos com os quais sempre se divertia, se estava triste, ressentido e confuso?

Como havia sido planejado, Gavron Murillo foi sepultado sem pompas. Compareceram ao enterro, além de sir John, do dr. Rohan e monsieur

D'Alembert, apenas dois amigos, meia dúzia de funcionários mais antigos que ocupavam cargos importantes nas empresas do falecido, seus advogados, seu valete, o mordomo e a governanta.

A última, toda vestida de preto, chorou o tempo todo durante o serviço fúnebre. Quem não a conhecesse poderia imaginar que se tratava da viúva do morto.

Terminado o sepultamento, John e monsieur D'Alembert voltaram à mansão com os três fiéis empregados que haviam servido Gavron Murillo durante mais de vinte e cinco anos.

O mordomo conduziu os dois cavalheiros à sala de estar e serviu-lhes vinho, certo de que precisavam de uma bebida estimulante.

Eles beberam em silêncio e pouco depois a governanta apareceu na sala para dizer a sir John:

— Estive pensando que seria mais confortável se deixasse o hotel e ficasse hospedado nesta casa. O senhor deve ter sido informado de que a filha de monsieur Murillo está vindo do Oriente e deve chegar a qualquer momento.

— Sim, sir John está a par da vinda de mademoiselle Melita — antecipou-se monsieur D Alembert. — Também acho conveniente que ele se hospede nesta mansão. Como o maior amigo e sócio de monsieur Murillo, ele deve esperar a chegada da herdeira para discutir com ela o seu futuro.

— Obrigado pelo convite — John agradeceu. — Nesse caso, irei ao hotel buscar minha bagagem.

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— Não se preocupe. Mandarei Niko, o valete de Gavron, buscar suas roupas imediatamente — monsieur D'Alembert propôs.

— Está bem. Escreverei a meu valete autorizando-o a acertar a conta do hotel e pedindo-lhe que venha para cá com Niko, trazendo a bagagem.

Terminando de falar, John foi até à sécretaire que havia perto da janela para redigir um bilhete. Enquanto isso, a governanta subiu para chamar Niko que se achava no quarto de vestir do patrão separando as roupas que iriam ser doadas.

Minutos depois, tendo Niko ido para o hotel e monsieur D'Alembert deixado a mansão, John foi para o jardim. Não estava suportando a atmosfera lúgubre que reinava naquela casa enorme e sombria, cujas janelas estavam fechadas com cortinas escuras.

Precisava de sol, de ar puro e queria refletir sobre o futuro. E o futuro significava casamento!

Só de pensar nisso, sentiu como se estivesse andando numa caverna escura sem poder encontrar a saída.

De uma coisa estava certo: sua família ficaria feliz ao saber que ele decidira casar-se.

Mas, e quanto à importante família de lady Evelyn? Como os parentes iriam receber a jovem herdeira, neta do falecido visconde de Sternwood?

Apesar de multimilionária, Melita fora criada no Oriente, longe do convívio social, e, por certo, não teria o refinamento que se esperava de uma lady pertencente a uma família aristocrática importante que fazia parte da história da Inglaterra.

“É impossível Melita saber como comportar-se entre aristocratas ingleses se viveu sempre entre estrangeiros”, John refletiu, imaginando que no futuro encontraria dificuldades que nunca havia esperado que fizessem parte de sua vida e de seu mundo.

Suas reflexões continuaram. Inúmeras perguntas povoavam sua mente, atordoando-o.

“Se ela for ingênua como os nativos da Tailândia, como a suportarei? Gavron me assegurou que a filha era linda como a mãe; mas, e se ele, por ser pai, exagerou na descrição e nos atributos de Melita? Será que a amarei se ela tiver a pele escura e traços orientais? E se ela cometer erros grosseiros, próprios de pessoas que não nasceram no seio de uma família ancestral, como me sentirei? E se a noiva que espero não passar de uma jovem grosseira e mal-educada?”

Caminhando entre os lírios e as rosas, John se perguntou por que não

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atendera ao pedido da mãe e de outros parentes e não se casara, um ou dois anos atrás, com uma das jovens que ansiavam por um mero olhar seu?

Pelo menos todas elas eram educadas, tinham o mesmo nível social que ele, conheciam perfeitamente as regras de etiqueta e saberiam receber com classe quando se tornassem a esposa de um dos mais ricos aristocratas da Inglaterra.

John nunca visitara um convento no Ocidente, muito menos no Oriente. Porém, tinha idéia de que os internatos europeus que funcionavam em conventos eram freqüentados por jovens das melhores famílias e lhes propiciavam a melhor educação possível.

Essas internas, depois de formadas, tornavam-se as mais perfeitas anfitriãs e jamais cometiam um deslizei em matéria de comportamento social.

Muitas de suas parentes, inclusive a irmã, haviam estudado em internatos da França, da Itália e da Inglaterra.

Não querendo voltar para dentro da casa sombria, John sentou-se num banco de madeira que ficava na frente de um pequeno tanque com nenúfares, onde conseguiu sentir-se confortável.

Por quanto tempo ficou sentado, pensando no futuro, não saberia dizer. Tinha consciência apenas de que, apesar de ter feito o propósito de ser sensato e aguardar os acontecimentos, sentia-se num purgatório.

Pela primeira vez na vida desejou fugir para um lugar deserto. Estava absorto quando uma voz suave tirou-o de seu alheamento. — Disseram-me que você estava aqui e vim ao seu encontro. Achei

que seria melhor conversarmos a sós. John, que se voltara ao ouvir a voz, ficara de pé e por um instante

apenas fitara atônito para a linda jovem que estava perto do banco. — Você… é a filha de Gavron Murillo? — ele conseguiu dizer ao

apertar a mão que Melita lhe havia estendido. — Sou. Vim da Tailândia a pedido de papai e acabo de saber que ele

morreu e já foi sepultado — Melita murmurou com a voz embargada. — Ele queria que eu conhecesse a família de mamãe.

— Sente-se — John convidou-a. — Talvez você nos reprove por não termos esperado a sua chegada para enterrar seu pai.

— É verdade que foi um choque para mim saber do falecimento de papai — disse Melita, sentando-se no banco. — Porém, prefiro lembrar-me dele com vida.

— Seu pai foi um grande amigo e o benfeitor de toda a minha família. Ele escreveu-me pedindo-me para vir vê-lo, pois estava muito mal e atendi ao

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pedido imediatamente. Tive sorte de encontrá-lo com vida. — John hesitou antes de acrescentar: — Gavron falou-me sobre você… e pediu-me para desposá-la.

— Estou sabendo disso. Ele me escreveu. Também já li a carta que papai deixou com seu advogado, endereçada a mim — Melita falou calmamente. — Suponho que você tenha ficado… apreensivo… imaginando como seria sua noiva.

Antes de responder, John olhou de modo crítico para a moça sentada do seu lado.

Ela usava um conjunto azul-marinho, de fina seda, e chapéu da mesma cor. Percebendo que estava sendo examinada, Melita tirou o chapéu e deixou-o aos seus pés para que seu rosto ficasse bem exposto.

Enquanto fazia seu exame, John reconheceu que Gavron estava absolutamente certo ao afirmar que a filha era uma perfeita lady inglesa. Nada nela indicava o contrário.

Seus cabelos loiros lembravam os primeiros raios dourados do sol da manhã, os olhos eram intensamente azuis, contrastando com o vestido e a pele era clara, sedosa e perfeita.

Percebendo que John desviara o olhar, como se tivesse terminado a inspeção, Melita indagou:

— O que achou? Está satisfeito porque não tenho traços orientais, nem a pele escura como a de papai?

Por um momento John ficou tão surpreso com aquela pergunta feita de modo tão direto, que não soube o que responder.

Melita prosseguiu: — Eu sei que você estava com medo de conhecer-me, imaginando que,

se eu não fosse como meu pai, pelo menos teria alguns traços que indicariam que sou mestiça. Os europeus, sobretudo os ingleses, são muito preconcei-tuosos. Conheço a história de meus pais e sei o que eles sofreram porque meu avô, orgulhoso e intolerante, não aceitou o casamento de ambos.

Diante daquela calma e daquela franqueza, John só pôde dizer, nada à vontade:

— Você está generalizando… — Estou sendo realista — Melita rebateu, tendo nos lábios um débil

sorriso. — Sei o que os franceses e ingleses pensam dos orientais. Se aceitam a amizade dos últimos, estão querendo que esta lhes traga algum proveito. Da mesma forma, aceitam o dinheiro e a sabedoria dos orientais, mas não querem qualquer relacionamento com eles.

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— Como eu disse há pouco, você está generalizando — John repetiu. — Sempre admirei Gavron Murillo por ele mesmo e não por sua fortuna. Ele foi o maior amigo de meu pai e meu também. Tínhamos orgulho dessa amizade e jamais escondemos que lhe éramos, imensamente agradecidos por nos ter salvo da pobreza para nos tornar imensamente ricos.

— Eu sei que papai ajudou lorde Edward e que ambos foram grandes amigos. Porém, foi meu próprio pai quem me advertiu de que nenhuma grande família inglesa como a de lorde Edward ou a de mamãe me aceitaria de bom grado por eu ser filha de um oriental — Melita falou com suavidade e sem o menor constrangimento.

— Acredito que os seus parentes maternos a aceitarão porque amavam lady Evelyn — John contrapôs. — Se você quiser fazer a vontade de seu pai, deve procurar o atual visconde de Sternwood, seu tio-avô, e apresentar-se como a filha de lady Evelyn e de monsieur Gavron Murillo. Deve dizer também que está noiva de sir John Gilmour. Foi isso que seu pai me disse pouco antes de morrer.

— Naturalmente, papai estava pensando em tornar mais fácil o meu ingresso na sociedade londrina. Ele achava que eu seria bem aceita pela nobreza e pelos esnobes ingleses apresentando-me como neta do visconde de Sternwood e noiva de sir John Gilmour. Mas eu sempre tive orgulho de ser filha de um homem inteligente, magnânimo e admirável como Gavron Murillo.

— Seu pai foi mesmo um grande homem — John endossou. — Você tem todos os motivos para orgulhar-se dele.

— Na última viagem que fez à Tailândia papai me disse que estava na hora de eu ir para a Inglaterra. Ele chegou a sugerir que eu procurasse a família de mamãe e contasse aos parentes que era filha de lady Evelyn e de um capitão inglês morto, como vovô, numa das rebeliões que eram comuns na Tailândia. Na verdade, essa era a história que me haviam contado na infância, quando eu ainda não sabia que era filha de Gavron Murillo.

— Você não sabia que era filha dele? — Só fiquei sabendo a verdade na adolescência. Depois eu lhe falo

sobre isso. — O que você achou da sugestão de seu pai? — Abracei-o, disse que me orgulhava dele e que jamais o renegaria. —

Melita fez uma pausa, pois estava prestes a chorar. Compreendendo a sua dor, John agasalhou a mão dela nas suas. Pouco

depois Melita acrescentou:

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— Eu queria muito estar com papai nos seus últimos momentos. Quando ele me escreveu pedindo-me para vir para a Inglaterra, mencionou que não teria muito tempo de vida. Como eu poderia imaginar que nunca mais o veria?

— Gavron não queria que você o visse morrer. Achou que seria melhor você lembrar-se dele como o vira pela última vez, há um ano, quando a visitou no convento — John falou em tom consolador.

— Na carta que o advogado entregou-me assim que eu cheguei, papai escreveu que eu iria conhecer sir John Gilmour, meu futuro marido. Mencionou também que a família de meu noivo me aceitaria e teria orgulho de mim, da mesma forma que ele se orgulhava de ser meu pai.

— É verdade — John confirmou. Melita olhou para John do mesmo modo perscrutador do pai, para

então perguntar: — O que mais papai lhe disse, já que você foi seu confidente e a última

pessoa com quem ele falou? — Gavron contou-me a sua história e pediu-me que eu me casasse com

você, pois era merecedor de sua confiança — John respondeu sucintamente. — Não pude recusar o pedido de um amigo, no seu leito de morte.

— Se pudesse você recusaria? John ficou em silêncio. — Compreendo. O seu silêncio já disse tudo — Melita observou. — É

natural que você não queira se casar com uma desconhecida. Também não quero me casar com você.

John encarou-a, perplexo. — Você não quer ser minha esposa!? Então por que escreveu a seu pai

dizendo que aceitava casar-se com o noivo que ele havia escolhido para você? Melita sorriu. — Quem conheceu meu pai como você, sabe como ele podia ser

persuasivo. De mais a mais, ele nunca errou ao fazer uma escolha e sempre foi bem-sucedido. Eu simplesmente concordei com o que ele havia decidido para mim. E você? Por acaso recusou-se a fazer o que o seu amigo lhe pedia?

John também riu. — E claro que não me recusei a atender ao pedido de Gavron. Nem

poderia. E não me arrependi da promessa que fiz ao meu amigo. Sei que ele morreu tranqüilo e feliz.

— Papai sempre ficava feliz quando conseguia realizar um desejo. Em toda a sua vida foram bem poucos os que ele deixou de realizar.

— Gavron era um homem determinado. Graças à sua determinação e

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inteligência, tornou-se multimilionário — John comentou. — Você sabe que é herdeira de um império?

— Estou a par dos negócios de papai. Naturalmente, não posso traduzir em cifras o que ele deixou para mim, mas tenho consciência de que, se eu não for aceita na alta sociedade pelo que sou, serei aceita pela minha fortuna — Melita falou em tom levemente irônico.

— Você conquistará os ingleses, os franceses e toda a sociedade européia com a sua beleza — apontou John serenamente. — Seu pai estava certo ao dizer que você era o retrato de lady Evelyn.

— Era o que papai e Nanny, a governanta que me criou, me diziam com freqüência. Também vi retratos de mamãe e constatei que a semelhança entre nós duas era impressionante. É claro que eu ficava muito vaidosa por ser parecida com mamãe. Nanny me disse muitas vezes que mamãe era considerada uma das maiores beldades do seu tempo e que teve inúmeros pretendentes. Quando ela ficou viúva, meu avô queria que ela se casasse com um marquês.

— Por que sua mãe casou-se com Gavron? — John perguntou impulsivamente.

Secretamente ele imaginava que lady Evelyn fora atraída pela fortuna de Gavron Murillo.

— Segundo Nanny, meu pai era um homem cativante, apesar de estar com quase cinqüenta anos. Papai tinha inúmeras qualidades; era inteligente, culto, romântico, generoso e trajava-se com elegância. Mamãe apaixonou-se por ele e costumava dizer a Nanny que perto dele nunca ficava entediada ou triste. Nanny, então, dizia: “O sangue francês de monsieur Murillo é responsável por sua vivacidade e seu encanto pessoal”.

— Realmente, Gavron Murillo era um homem de personalidade marcante — John concordou.

— Bem, voltemos a falar sobre nós. Podemos dizer que estamos em pé de igualdade: não queremos nos casar e, ao mesmo tempo, nos sentimos no dever de fazer a vontade de meu pai. Sendo assim, o que você sugere?

— Nunca esperei encontrar-me um dia numa situação como esta, de modo que nada me ocorre — John falou com franqueza.

— Suponho que você esteja rangendo os dentes por ver-se forçado a se casar com uma moça que nunca viu — presumiu Melita. — É natural que se sinta como se tivesse sido apanhado numa armadilha, da qual não pode escapar por ter dado a sua palavra a um amigo, no seu leito de morte.

— É exatamente assim que me sinto — John assentiu.

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— Bem, eu não empenhei a minha palavra, nem tenho obrigação nenhuma para com você. Entretanto, por amor a meu pai e por confiar na escolha dele, creio que devemos nos casar — Melita falou sem o menor entusiasmo.

— Se você quiser, podemos esquecer o que prometemos e cada um seguirá o seu caminho — John sugeriu.

Houve uma pausa. Melita ficou pensativa, depois ponderou: — Parece muito simples, mas acredito que se eu fizer isso, viverei com

a perene sensação de que traí meu pai ou, pelo menos… de que não confiei nele… que lhe desobedeci. Espero que você me entenda.

— E claro que a compreendo. — John sorriu. — Eu sentirei a mesma coisa se faltar com a minha palavra. Seu pai morreu acreditando que eu estava lhe dizendo a verdade. Portanto, queiramos ou não, devemos nos casar.

— Também não é assim — Melita contestou. — Não vamos nos “casar por casar”, como se o casamento fosse um ato inconseqüente. Tenho uma idéia e, se você quiser me ouvir, eu gostaria de expô-la.

— Estou mais do que disposto a ouvi-la — John enfatizou. — Gavron me disse que você tinha a aparência da mãe e a inteligência do pai. Portanto, estou certo de que a sua idéia é brilhante. De que se trata?

— Usando a inteligência privilegiada de papai, acredito ter encontrado a solução para o nosso presente problema — foi a resposta.

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CAPÍTULO IV Pareceu a John que se fez um longo silêncio antes de Melita começar a

expor, com sua voz agradável e melodiosa, o que tinha em mente. — Em primeiro lugar eu gostaria de falar sobre a minha vida no

convento. Estou certa de que você não sabe quase nada a meu respeito ou sobre a vida pessoal de papai.

— Isso é verdade — John assentiu. — Gavron, além de ser muito reservado, teve pouco contato comigo, uma vez que morava aqui na França e eu na Inglaterra. Ele foi o maior amigo de meu pai.

— Pois bem. Cresci sem saber que era filha de Gavron Murillo — Melita prosseguiu. — A história que Nanny e a madre superiora do convento sempre me contavam era que meu pai, um capitão inglês, havia sido morto numa rebelião no norte do país. Tendo ficado viúva, grávida e sem parentes em Bangkok, mamãe foi morar no convento com Nanny até o nascimento da criança. Como mamãe morreu quando eu nasci, fiquei morando definitivamente no convento.

— Gavron não ia sempre visitá-la? — John indagou. — Enquanto ele morou em Bangkok ia ver-me todos os dias. Depois

que se mudou para a Europa, ia à Tailândia duas ou três vezes por ano — Melita respondeu. — Ele dizia que havia sido amigo de meus pais, me trazia presentes e eu o adorava. Aliás, ele presenteava todas as órfãs e era o maior benfeitor do convento. Cresci desejando ter um pai tão maravilhoso, tão encantador como Gavron Murillo.

Melita fez uma pausa e parecia estar recordando o passado. — No convento funcionava um internato e eu tive colegas de várias

nacionalidades — prosseguiu. — O contato com garotas de outros países despertou em mim o desejo de aprender vários idiomas. Tornei-me amiga de uma menina grega, cujos pais viajavam muito por motivo de trabalho e preferiam deixá-la interna. Graças a ela, aprendi grego.

— Você devia ter muitas colegas inglesas e francesas. — Eram a maioria. Mas eu não gostava muito das inglesas porque as

achava esnobes. John riu. Em seguida perguntou: — Quando você descobriu que Gavron Murillo era seu pai?

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— Você ficará surpreso ao saber que só descobri a verdade aos dezessete anos. Quando fiquei sabendo que o homem reverenciado no convento por ser o seu maior benfeitor, que o homem que eu já amava e achava maravilhoso, era o meu verdadeiro pai, quase morri de alegria. Enchi-me de orgulho ao saber que eu era Melita Elizabeth Wood Murillo! Então, Nanny e a madre superiora me revelaram tudo sobre Gavron Murillo; disseram que ele era multimilionário, que era muito respeitado na Tailândia, que era amigo e conselheiro do rei e que vinha contribuindo para o progresso de muitos outros países.

— E sobre a sua mãe? O que lhe contaram sobre ela e a verdadeira história de seu romance com Gavron Murillo?

— Foi Nanny, principalmente, quem me contou sobre a família de mamãe, sobre meu avô, a sua importância e sua morte. A medida que fui crescendo, passei a entender instintivamente o que mamãe havia representado para papai. Eu notava que ele ficava com a voz embargada quando falava sobre a esposa e que os olhos se enchiam de lágrimas quando a descrevia. Não tive dúvidas de que ambos se amaram loucamente e que eu era o fruto desse amor. Nanny, porém, nunca me falou sobre a oposição de vovô ao casamento da filha com um “oriental”.

— Nanny, sem dúvida, achou que você era muito jovem e muito pura para entender que as pessoas, em sua maioria, eram orgulhosas e cheias de preconceitos. Além disso, ela deve ter pensado em transmitir a você a melhor imagem da sua família materna.

— Foi isso, com toda certeza — Melita aquiesceu. — Compreendi que meu pai não fora aceito pela família de mamãe quando ele comentou certa vez: “Se o seu avô ou os outros parentes de Evelyn soubessem do seu casamento com um oriental, ficariam escandalizados. Todos eles criticariam a cor da minha pele, porém ficariam deslumbrados com a cor do meu ouro e cobiçariam a minha fortuna”.

— Esse tipo de comentário era bem próprio de Gavron — John reconheceu. — Ele tinha consciência de que era brilhante, mas costumava dizer que seu dinheiro era uma chave que lhe abria todas as portas, desde as do Palácio de Buckingham às mais modestas. Porém todos que o conheciam o estimavam, admiravam-no e respeitavam-no. Ele era um líder nato. Aqueles a quem Gavron havia ajudado ou que trabalhavam para ele viam-no como um rei.

— Meu pai era muito inteligente para acreditar na estima de ingleses ou europeus em geral — Melita contrapôs. — Na Tailândia era diferente.

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Gavron Murillo era benquisto até pelo rei. Quanto a mim, você pode avaliar como eu o amava e admirava. Ele era quase um deus. Eu tinha um pai e achava isso maravilhoso! Afinal, sempre me vi cercada de mulheres. Só lamento ter convivido tão pouco com papai. Eu poderia ter morado com ele na Inglaterra ou na França.

— Gavron achava que no convento você estaria bem mais protegida — John argumentou.

— Protegida dos caça-dotes, de seqüestradores, e livre de sofrer a humilhação de ser rejeitada pela família de mamãe — Melita salientou.

— Talvez o receio de Gavron quanto a você não ser aceita por sua família materna tenha sido exagerado — John considerou. — De fato, os nobres ingleses são orgulhosos e preferem que os membros da família se casem com aristocratas. Entretanto, acredito que o atual visconde de Sternwood jamais rejeitaria a filha de lady Evelyn e de um homem tão brilhante como Gavron Murillo.

— E tão rico — Melita completou. — Agora, a imensa fortuna de papai é minha. Reconheço que ele teve razão de se preocupar em proteger-me de caça-dotes. Mas sou contra o costume, tão comum no Oriente, de os pais arranjarem o casamento dos filhos. Eu gostaria de escolher meu próprio marido e, é claro, ele teria de ser um homem que me amasse por minhas qualidades e não por ser a herdeira de um império. Mesmo depois de ter concordado em me casar com o noivo escolhido para mim, não deixei de pensar um só instante que seria maravilhoso poder apaixonar-me, casar-me por amor e ter uma grande família. Creio ser esse o sonho de toda moça.

— Não são apenas as moças que buscam o verdadeiro amor. O mesmo acontece com os homens — John ressaltou.

— Acredito que sim. Melita parou de falar e ficou por algum tempo com o olhar distante.

Por fim, com um pequeno estremecimento, retomou o assunto: — Creio que chegou o momento de eu expor qual é a idéia que me

ocorreu para nos tornar felizes e afastar o temor de, no futuro, nos odiarmos mutuamente porque fomos obrigados a fazer… um casamento… sem amor.

— Pelo menos não foi o que escolhemos para nós — John admitiu. — Contudo, não creio que eu seria capaz de odiá-la. Mas diga o que tem em mente para solucionar o nosso problema. Estou ansioso para ouvi-la.

— Convenci-me de que devemos entrar em contato com a família de mamãe, como era a vontade de meu pai. Só que você será apresentado como grande amigo dele e meu marido. Participaremos que preferimos nos casar

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em Paris, numa cerimônia muito discreta, pois quisemos evitar as notícias nos jornais, e, principalmente, as especulações sobre a filha de Gavron Murillo e sua única herdeira que, depois de morar durante vinte e um anos no exterior, surgiu, de repente para cuidar nos negócios do pai e administrar a sua extraordinária fortuna.

— Não estou entendendo — John interrompeu a narrativa. — Vamos nos casar aqui em Paris?

— Não é isso. Creio que não fui clara. O que eu quero dizer é que anunciaremos à família de mamãe que nos casamos, mas, na verdade, continuaremos solteiros — Melita esclareceu. — Pode ser que nos perguntem em que igreja nos casamos, para não sermos apanhados de surpresa, escolheremos de antemão o nome de uma das muitas igrejas que há em Paris,

— Quando e onde será o casamento verdadeiro? Afinal, concordamos em nos casar para cumprirmos a promessa que fizemos a seu pai.

— Eu ia chegar a esse ponto. O que eu proponho é que esperemos um pouco para marcar o casamento. Desse modo nos conheceremos melhor. Quem sabe, com o tempo e a convivência, descobriremos que nos amamos. O que não pode acontecer é ficarmos amarrados um ao outro pelos laços do casamento, até que a morte nos separe, sem nos querermos bem. Se eu tivesse encontrado papai com vida era exatamente isso que eu pretendia discutir com ele. Iria pedir-lhe para deixar-me esperar um ano ou dois e se, nesse período, eu encontrasse o homem dos meus sonhos, ficaria desobrigada da promessa de casar-me com o noivo que ele havia escolhido para mim. Estou certa de que papai me compreenderia porque ele e mamãe amaram-se verdadeiramente. — Melita inspirou fundo. — O que você acha da minha sugestão?

— Todos nós procuramos encontrar o que os gregos chamam de a “outra metade de nós mesmos”, mas são poucos os que têm a felicidade de encontrá-la — John lembrou. — Só posso concordar com o que você acaba de sugerir.

— Já que você está de acordo, partiremos para a Inglaterra e iremos conhecer a minha família. Depois disso, eu me mudarei para a sua casa. Viveremos sob o mesmo teto, como se fôssemos casados, mas seremos duas pessoas livres. Se, passado o tempo estabelecido, não encontrarmos a “nossa outra metade”, nos casaremos e teremos nossos filhos — Melita concluiu e fitou John esperando que ele expressasse a sua opinião.

— Seu pai estava certo ao afirmar que você possuía a beleza da mãe e inteligência brilhante, como a dele — John manifestou-se.

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— Papai também me disse que você era muito inteligente. Portanto, o que se pode esperar de dois jovens talentosos, senão muito sucesso?

— Só tenho a acrescentar que devemos ser muito cuidadosos ao representar que somos marido e mulher para não levantar suspeitas de que o casamento não passa de uma encenação.

— Seremos tão convincentes na representação de nossa comédia que todos nos olharão com inveja, enquanto nós dois estaremos rindo interiormente.

— De minha parte não será nem um pouco difícil agradar minha “esposa”, fazer elogios à sua beleza e repetir muitas vezes que nenhum homem é feliz como eu na companhia de uma mulher tão linda.

— É o que você, como marido apaixonado deve dizer — Melita aprovou. — Se houver sinceridade na sua voz, ninguém duvidará que estamos presos um ao outro por toda a eternidade.

De repente John deu uma risada e Melita olhou para ele, surpresa. — Acaba de me ocorrer que a minha família ficará exultante ao saber

que, por fim, me casei. Você nem imagina como meus parentes têm insistido para eu arranjar uma esposa — ele explicou. — Mamãe, principalmente, contará os meses até ver o nascimento de um herdeiro, seu neto.

— Estou antecipando que lady Gilmour e os outros parentes ficarão desapontados, pois esse herdeiro não chegará depressa como eles esperam — Melita comentou descuidadamente.

— Há uma outra coisa que devemos considerar — apontou John, ficando muito sério. — Uma vez que somos ambos muito ricos e importantes, é certo que estaremos nas páginas dos jornais. A imprensa não nos dará sossego.

— Podemos viver sossegados no campo — Melita sugeriu. — Mas é claro que antes disso eu quero conhecer a família de mamãe. Pretendo visitar os parentes e saber como vivem. Talvez eu até descubra que eles não são preconceituosos e arrogantes.

— Morar no campo é uma boa opção — John concordou. — Também podemos viajar. Certamente você gostará de conhecer outros países.

— Oh! É uma idéia fantástica! — Melita exultou. — Sempre tive vontade de conhecer os países sobre os quais já li ou ouvi falar.

— Discutiremos esse assunto mais tarde. Agora devemos entrar em casa. Está na hora do almoço. Teremos de ir, ainda esta tarde, ao escritório dos advogados de seu pai que nos aguardam — John lembrou. — Acredito que eles irão ler o testamento de Gavron. Isso nos tomará a tarde inteira.

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Amanhã iremos ver algumas igrejas para escolhermos aquela na qual, para todos os efeitos, teria sido celebrado o nosso casamento. E, por fim, como você é mulher, eu a levarei às lojas para fazer algo que lhe dará imenso prazer: comprar o enxoval mais rico que houver, digno da herdeira de um império.

Inclinando a cabeça para trás, Melita deu uma risada cristalina. — Você entendeu perfeitamente o espírito do jogo. Receei que isso não

acontecesse. — Por que não? Por que sou inglês? — John questionou em tom

provocativo, porém também ria. — O meu maior desejo é fazer tudo para agradar a minha encantadora noiva. Ainda está em tempo de eu dizer que fiquei maravilhado quando a vi. Seu pai já havia exaltado a sua beleza, porém você é tão linda que as palavras são pobres para descrevê-la com justiça.

Melita presenteou-o com um lindo sorriso e ambos entraram na casa de braços dados.

Naquela tarde e no dia seguinte, John e Melita conseguiram cumprir tudo o que havia sido planejado.

A compra do enxoval tomou parte da manhã e a tarde inteira. Após o delicioso jantar, os dois conversaram até quase meia-noite.

Cada um falou sobre si mesmo, sobre seus interesses e aspirações. John achou extraordinário que Melita, uma moça criada num

convento, pudesse ser tão desembaraçada e tão culta. Lembrou-se então de Gavron ter-lhe dito que a educação dada no internato era excelente.

Melita falava seis idiomas, estava a par do que se passava no mundo, tocava piano muito bem, dançava e cantava.

— Como você sabe tanta coisa, se nunca saiu do convento? — John indagou.

— As freiras que lecionavam no internato eram excelentes. Além disso, sempre gostei muito de ler. Nanny costumava dizer que eu não lia e, sim, devorava os livros — Melita respondeu. — E não é verdade que eu nunca saí do convento. Tanto as internas como as órfãs costumavam fazer passeios, visitas a museus e iam à igreja, na cidade. Quando papai ia me visitar sempre saía comigo. Também cheguei a passar algumas férias na casa de colegas. Mas esta é a primeira vez que saio da Tailândia.

Ambos continuaram a conversar e John quis saber o que Melita pretendia fazer com a mansão da avenida Champs Élysées.

— Creio que não devemos vendê-la porque se a vida na Inglaterra tornar-se intolerável para mim, poderemos voltar para cá — ela opinou. —

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Estando em Paris, você terá a alternativa de divertir-se na companhia das mulheres fascinantes, as quais são excelentes para curar maridos entediados.

— Como sabe disso? — John perguntou, surpreso. — Naturalmente não foi no convento que lhe falaram sobre as cocottes!

— Oh, não! E claro que não! — Melita respondeu depressa, tendo um sorriso nos lábios. — Era papai quem costumava descrever-me não apenas Paris, mas outras cidades como Roma, Constantinopla, Londres e muitas outras. Ele falava sobre elas, sobre sua história, o povo e seus costumes com tantos detalhes e tanta vida, que eu parecia transportar-me para o lugar que estava sendo descrito. Quando eu não tinha papai para me conversar comigo, sonhava com o que ele me havia contado.

— Realmente, você é extraordinária! — John exclamou ao acompanhar Melita até seu quarto. — Tenho a impressão de que, através de leituras e do que ouviu de seu pai, você conhece o mundo melhor do que eu que já viajei tanto. Eu fazia uma idéia completamente diferente de você. Imaginei que uma garota criada no convento soubesse bem pouca coisa além de rezar o Pai-nosso.

— Não a filha de Gavron Murillo! — rebateu Melita, rindo. — Isso mesmo. Não a filha de Gavron — John falou suavemente. —

Posso imaginar que o seu corpo estava no convento, mas no pensamento e nos seus sonhos você voava para além daqueles muros. Agora os seus sonhos se tornarão realidade. Vamos viajar pelo mundo. Partiremos quando você quiser.

Não se contendo, Melita bateu palmas de alegria. John fitou-a cheio de admiração. Estava linda. Seus cabelos loiros

refulgiam à luz das velas dos candelabros de parede e nos azuis havia um brilho de estrelas, tal o seu entusiasmo.

— Viajar é exatamente o que eu quero. Veremos um pouco do mundo lá fora e, ao mesmo tempo, teremos a chance de nos conhecer mutuamente — ela declarou, eufórica. — Não precisamos ter pressa de ir para a Inglaterra. Deixaremos para visitar meus parentes depois da viagem. Creio que poderemos partir amanhã mesmo, uma vez que papai deixou tudo em ordem nas empresas, os advogados nos liberaram e temos recursos.

— Realmente, não podemos alegar que as nossas economias não nos permitem fazer uma pequena extravagância — John brincou.

Melita riu e comentou: — Lembro-me de papai ter dito que o que lhe dava verdadeira

sensação de riqueza era poder entrar numa joalheria, ou em outra loja cara,

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escolher o que fosse do seu agrado, mandar embrulhar e, só então, perguntar o preço.

— É a pura verdade — John concordou, rindo também.

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CAPÍTULO V — Decidi comprar um iate — John comunicou a Melita na manhã

seguinte. — Um barco nosso nos dará independência, nos proporcionará mais conforto e tranqüilidade. Se viajarmos em um navio de carreira, seremos obrigados a ficar presos a horários e a conhecer só as cidades onde houver escalas.

— Ótimo. Eu sempre quis viajar de iate. Papai deixou-me o Pearl, mas já é um barco antigo — observou Melita. — Convém termos um novo, com equipamentos modernos e capaz de desenvolver grande velocidade.

Por sorte, John encontrou o iate que procurava. Havia sido fabricado para um americano milionário, o qual, por algum motivo que John nem procurou saber, desistira do negócio e voltara para a América.

O iate ainda não tinha nome e Melita sugeriu que se chamasse Poseidon, em homenagem ao deus das águas, na mitologia grega.

Entusiasmados como duas crianças, Melita e John prepararam-se para partir na manhã seguinte.

Apesar de Jules ser extremamente discreto e muito útil, foi dispensado e voltou para a Inglaterra. John preferiu assim porque achou muito importante ficar a sós com Melita naquela viagem que talvez decidisse seus destinos.

Durante o jantar, na primeira noite a bordo do Poseidon, John expôs a Melita que eles fariam paradas breves nas cidades mais importantes e do interesse de ambos, porém ficariam vários dias na Grécia, visitando Atenas e as ilhas gregas.

Como era de se esperar, a notícia deixou-a exultante. Ambos conversaram sobre a mitologia grega e John não se

surpreendeu ao constatar que Melita sabia tudo sobre os deuses e deusas e que havia lido mais livros sobre a Grécia do que ele.

— Eu sempre achei que foram os gregos os primeiros a conceituar o amor verdadeiro. Eles também nos estimularam a buscar esse amor, sem o qual não nos sentimos plenamente felizes e completos — John comentou e notou que os olhos de Melita se iluminaram.

— Interessante. Vejo que você acredita no amor verdadeiro, que é bem diferente daquele descrito em alguns romances — ela inferiu.

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— É claro que sim. Contudo, esse não é um assunto sobre o qual costumo conversar com alguém.

— Bem, comigo você deve conversar — Melita insistiu. — Nenhum assunto é mais importante do que esse para duas pessoas que, como nós, querem se conhecer melhor e estão determinadas a não se casar enquanto não encontrarem o amor verdadeiro pelo qual a humanidade tem lutado e morrido desde o início dos tempos.

John surpreendia-se cada vez mais com Melita. Nunca ouvira uma mulher falar com tanta franqueza e simplicidade.

Ambos conversaram sobre o que haviam lido a respeito dos grandes amores, reais ou fictícios, imortalizados em romances, poemas, peças teatrais ou óperas.

Melita não deixou de mencionar a história de amor do imperador Shah Jahan pela esposa, Muntaz Mahal, sua companheira inseparável durante quase vinte anos, que morreu ao dar à luz um filho.

— Para mim, o Taj Mahal, mausoléu que Jahan mandou construir para a esposa, é um monumento ao amor — Melita opinou. — Sempre desejei ir a Agra para conhecer o Taj Mahal, porém não surgiu a oportunidade.

— Já estive em Agra, a cidade da Índia mais famosa pela beleza de seus monumentos. O Taj Mahal, sem dúvida, é portentoso e fica em meio a jardins maravilhosos. Sua construção teve início em 1631, quando morreu a esposa de Jahan, e terminou catorze anos depois. Os materiais empregados são mármore, arenito e pedras semipreciosas — John complementou.

Consultando o relógio de ouro do colete e vendo que passava da meia-noite, exclamou:

— Já é tão tarde! Ficamos conversando e nos esquecemos das horas. Vamos para as nossas cabines. Como estamos representando o papel de marido e mulher, quem nos surpreender dormindo separados poderá achar um comportamento muito estranho para um casal. A idéia que me ocorreu foi que você pode dizer que não partilhamos do mesmo leito porque eu ronco.

Melita não conteve o riso. — É verdade que você ronca? — Como posso saber? Nunca fiquei acordado ouvir-me e assim não

descobri se ronco ou não — John brincou. — Aqui no iate não precisamos nos preocupar com a tripulação.

Porém, na Inglaterra, nossas famílias duvidarão de que somos marido e mulher se souberem que dormimos separados — Melita apontou.

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— Nossas famílias também acharão estranho o fato de termos nos casado sem oferecer uma festa grandiosa para centenas de convidados, o que representaria centenas de presentes — John, por sua vez, considerou.

— Presentes!? Que idéia! — Melita exclamou, sorrindo. — Podemos viver perfeitamente felizes, cercados de tudo que o dinheiro pode comprar.

— Claro. Eu só queria provocar o seu sorriso maravilhoso, e consegui — disse John, ficando de pé.

Levantando-se também, Melita ficou séria de repente. Olhou ao redor, observando o iate luxuoso, mas não fez comentário algum.

Estava pensando que o amor não podia ser comprado. É claro que tinha em mente o amor verdadeiro que ela e John buscavam.

A chegada a Atenas deixou Melita empolgada. A seu pedido, John levou-a em primeiro lugar à Acrópole que dominava a cidade. Ambos visitaram as ruínas do Partenon e do templo de Zeus.

A tarde, John foi à embaixada britânica para saber se havia alguma correspondência e entregaram-lhe uma carta. No envelope, antes mesmo de ler o nome do remetente, ele reconheceu a letra da irmã.

Logo no início da viagem John enviara dois cabogramas: um para o seu secretário e outro para a família, avisando que estava indo para a Grécia; se houvesse necessidade de entrarem em contato com ele, que o fizessem através da embaixada britânica, em Atenas.

Na carta, a irmã de John dizia que a mãe não estava bem e queria ver o filho, de quem não tinha notícias havia muito tempo, o que não era normal.

John reconheceu que deixara de dar atenção à mãe. Por causa dos negócios ficara quase dois meses sem ir a Gilmour Hall.

— Teremos de interromper a viagem — John comunicou a Melita assim que chegou ao iate. — Preciso voltar para casa porque minha mãe está doente.

— Era exatamente o que eu estava pensando em fazer. Veja o que está escrito sobre papai e nós dois nestes jornais ingleses de algumas semanas atrás. — Melita indicou a mesinha onde estavam dois jornais dobrados.

Assim que começou a ler um deles, John franziu a testa. Sentou-se e durante alguns minutos concentrou-se na leitura. Ambos os jornais diziam praticamente a mesma coisa.

Traziam uma breve biografia de Gavron Murillo, elogiavam a sua inteligência e o seu talento para os negócios, enalteciam o que ele havia feito pelo bem e desenvolvimento de vários países, por fim lamentavam a perda do grande homem.

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Vinha a seguir a longa lista de suas empresas, das pessoas beneficiadas pelo falecido e davam destaque à herdeira, Melita, filha de Gavron, e ao sócio, sir John Gilmour.

— Como será que a imprensa conseguiu todos estes dados? — Melita perguntou assim que John terminou a leitura.

— Os jornalistas devem ter pago a funcionários das empresas para fazê-los falar — John deduziu.

—Não acredito. Todos os que trabalhavam para papai eram devotados a ele e não seriam subornados. Se forneceram alguma informação não o fizeram por mal — Melita argumentou.

— Seja como for, nada podemos fazer, uma vez que praticamente o mundo todo já está sabendo que Melita Murillo é a herdeira do império deixado por Gavron Murillo. Prepare-se! Quando chegarmos a Inglaterra você não terá sossego. Centenas de pessoas a importunarão querendo emprego e suplicando-lhe que as ajude. Outras tentarão tapeá-la ou roubá-la.

— Você está sendo muito pessimista — Melita queixou-se. — Não creio que será tão grave assim. Nos jornais não há nenhuma estimativa da fortuna deixada por Gavron Murillo. De mais a mais, há tantas pessoas ricas na Inglaterra que eu logo serei esquecida.

— Engana-se. Dinheiro é uma coisa que ninguém esquece e todos desejam — John retrucou.

Naquela mesma tarde, o Poseidon deixou a Grécia. — Que pena! Não visitamos as ilhas gregas! — Melita lamentou. — Eu

gostaria de conhecer Delos, pelo menos. — Voltaremos à Grécia na primeira oportunidade — John prometeu.

— Mamãe está doente e precisa de mim. Iremos diretamente para a Inglaterra. Mais tarde eu a levarei para a França. Ficaremos um longo tempo na sua mansão de Champs Élysées e então você conhecerá a verdadeira Paris.

— Tem razão. O dever vem em primeiro lugar. A diversão fica para depois. — Melita suspirou. — E que eu estava tão feliz, imaginando que esta viagem era a nossa lua-de-mel. Foi uma pena ter acabado tão depressa.

— Lua-de-mel? — John repetiu, rindo. — Quando você se casar de verdade terá uma autêntica viagem de lua-de-mel e verá que é bem diferente desta.

— Será diferente porque amarei meu marido e terei certeza de seu amor por mim — Melita prenunciou.

John havia telegrafado para o seu secretário de Londres avisando sobre a sua chegada, de modo que uma carruagem puxada por quatro

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cavalos muito rápidos estava no porto à sua espera quando o Poseidon atracou em Dover.

Durante a viagem para Londres, Melita quase não conversou. Ficou atenta, olhando pela janela da carruagem, apreciando os lugares por onde passava.

Mal podia acreditar que estava na Inglaterra. Era tarde da noite quando eles chegaram à casa da Grosvenor Square. — Espero que você goste da minha casa tanto quanto eu — disse John

ao ajudar Melita a descer da carruagem. — Estou vendo que é muito grande e imponente — ela observou. Apesar do adiantado da hora, todos os criados estavam esperando

pelos patrões. John apresentou-lhes a esposa, explicou-lhes que ambos se casaram

em Paris, numa cerimônia muito discreta e, subiu com Melita para seus aposentos, uma suíte com dois quartos, uma saleta e banheiro. Melita ocupou um dos quartos e John o outro. Na manhã seguinte, após o breakfast, John foi ao escritório onde encontrou uma pilha de jornais.

Não ficou de todo surpreso ao ver que durante vários dias Gavron Murillo havia ocupado as primeiras páginas dos jornais. Em conseqüência, Melita e sir John Gilmour também haviam ficado em evidência.

O que surpreendeu John foi saber pelo mordomo que a mãe encontrava-se em Londres, onde estava fazendo tratamento. Sentindo-se melhor, lady Gilmour iria reunir seus parentes e pessoas da família Sternwood para um almoço e para conhecerem a esposa de sir John.

John subiu imediatamente para a suíte e avisou Melita que eles iriam visitar a mãe dele.

— Iremos a Gilmour Hall? — Melita indagou. — Não. Mamãe foi trazida para Londres por causa do tratamento.

Papai deixou para ela uma casa perto do Tâmisa, onde ela prefere ficar sempre que vem para a cidade, por ser menor e mais aconchegante do que esta mansão.

— Sua mãe está melhor? — Bem melhor. Tanto que nossos parentes irão reunir-se na casa dela

para conhecer a nova lady Gilmour, minha esposa. — Nossos parentes? Você quer dizer… pessoas da minha família…

também? — Melita indagou, apreensiva. — Exatamente. — Só de pensar que serei submetida ao primeiro teste, sinto frio no

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estômago — Melita murmurou. — Não se preocupe. Você será recebida calorosamente — John

tranqüilizou-a. — A minha família está muito feliz com a notícia do nosso casamento. Ninguém esperava que eu me casasse antes ter completado trinta anos. Quanto aos seus parentes, depois do que foi publicado sobre você, todos os Sternwood a reverenciarão. Separei alguns jornais para você ver. Se fosse possível a imprensa a tornaria ainda mais rica.

Melita não fez comentário algum. Vendo-a tão calada, John indagou: — O que foi? Eu disse alguma coisa que a aborreceu? — Não é isso. Eu estava pensando que ter muito dinheiro por vezes

chega a ser mais motivo de preocupação do que tranqüilidade e alegria. Até o momento eu nunca tinha considerado o ônus da condição de milionária — Melita observou.

— Ora, não deixe que o dinheiro perturbe a sua vida tirando-lhe a serenidade e a alegria que a caracterizam — John aconselhou-a. — Dizem que “o dinheiro é a origem de todo mal”, o que, por vezes é verdade. Em contrapartida, o dinheiro nos proporciona conforto, segurança, nos dá importância e poder.

— Dinheiro demais é sempre uma preocupação; não nos proporciona tranqüilidade — Melita rebateu. — Refiro-me a muito, muito dinheiro. O ideal é termos o suficiente para vivermos com dignidade.

— De fato, o dinheiro é uma coisa singular. Porém o mal não reside no dinheiro em si, mas nas pessoas que não o empregam bem — John apontou.

— Isso é verdade. Papai sempre empregou bem a sua fortuna e nós faremos o mesmo — Melita assinalou. — E agora, graças a tudo que o dinheiro pode me proporcionar, vou vestir-me e ficar gloriosa para enfrentar os parentes.

— Era o que eu queria ouvir — John aplaudiu. — Ah, não se esqueça de colocar no terceiro dedo da mão esquerda a aliança que pertenceu à sua mãe. Você não se lembrou de usá-la na Grécia, mas aqui esse detalhe é muito importante.

— Naturalmente! Vou pegar a aliança. É que… não estou acostumada a mentir e usar uma aliança sem ser casada, de certa forma me incomoda.

— Você se acostumará com a aliança. Afinal, a nossa representação exige que você a use.

Ao dizer isso, John teve um súbito desejo de que aquele casamento não fosse apenas uma farsa…

Conduzindo uma carruagem aberta, a caminho da casa da mãe, John

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sentia grande prazer em controlar perfeitamente os dois excelentes animais. Sentada do lado dele, Melita repassava mentalmente o que devia dizer

à família Gilmour. Ao refrear os cavalos na frente de uma casa muito bonita, porém

menor do que a mansão da Grosvenor Square, John sorriu para Melita e falou em voz baixa:

— Boa sorte! Tudo correrá bem. — Não estou preocupada. — Ela devolveu-lhe o sorriso. — Sei que

vencerei esta corrida e terei outras vitórias. Deixando os cavalos aos cuidados do cavalariço, John deu a mão a

Melita e ambos subiram os degraus da frente da casa. A porta foi aberta imediatamente pelo mordomo que os aguardava e

saudou-os cortesmente: — Sejam bem-vindos, sir John e lady Gilmour. E um grande prazer

recebê-los. Queiram aceitar, em nome dos demais criados e do meu, os mais sinceros parabéns e nossos votos de felicidade.

— Agradecemos sensibilizados a todos — tornou John, amável. — A família está no salão?

— Sim, todos os aguardam, sir John. Estão ansiosos para conhecer sua esposa.

Adiantando-se, o mordomo abriu a porta do salão e, com voz portentosa, usada em ocasiões especiais, anunciou os recém-chegados.

Entrando no salão, John viu que ali estavam reunidos pelo menos oito parentes seus e um número igual de pessoas da família de Melita.

Muito pálida, lady Gilmour achava-se deitada num sofá, recostada numa pilha de almofadas, tendo sobre as pernas uma manta de peles.

Assim que o filho se aproximou, lady Gilmour ergueu os braços para ele que, inclinando-se, beijou-a no rosto e disse em seguida:

— Fiquei muito preocupado ao saber de sua doença, mamãe, e voltei para casa imediatamente, interrompendo a lua-de-mel.

— Estou melhor, meu querido. Todos nós ficamos muito felizes quando soubemos do seu casamento — disse lady Gilmour, ganhando até um pouco de cor por causa da alegria de ver o filho.

— Eu tinha certeza de que a senhora ficaria muito contente com a notícia. — John voltou-se para Melita. — Esta é Melita, minha esposa, mamãe.

Lady Gilmour segurou as duas mãos da pretensa nora. — Bem-vinda à nossa família. John não poderia ter escolhido melhor

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esposa do que a filha do nosso querido Gavron e de lady Evelyn, uma grande amiga.

— Obrigada. A senhora é muito gentil. — Melita beijou o rosto de lady Gilmour.

Ao ser apresentada às outras pessoas da sala, Melita ouviu de todos praticamente as mesmas frases e elogios. Presenteou cada um com seu sorriso cativante e palavras afetuosas de agradecimento.

Observando o comportamento dos membros das duas famílias, John pensou com ceticismo que todos estavam encantados, não com Melita, mas com o fato de ela ser herdeira de milhões.

Entretanto, ninguém fez a menor alusão a negócios e muito menos a dinheiro. Foram extremamente amáveis e quiseram saber como e onde os dois se conheceram.

Melita agiu com naturalidade e saiu-se muito bem. Sempre que a pergunta era de nível pessoal ou difícil de ser

respondida, soube contorná-la com tanto brilhantismo que John sentiu vontade de aplaudi-la.

O almoço transcorreu num clima de muita descontração. Mais para poupar Melita, John dirigiu a conversa para amenidades sociais.

Como ele esperava, as senhoras falaram sobre as recepções mais importantes ocorridas em Londres, principalmente as oferecidas pelo príncipe de Gales; os homens tiveram muito o que dizer sobre a corridas de cavalos.

De volta ao salão, após o almoço, os parentes de Melita convidaram os recém-casados para um jantar na noite seguinte.

John, habilmente, desculpou-se, dizendo que já assumira compro-missos para os próximos dois dias, depois eles iriam para o campo. O jantar ficaria para quando eles voltassem.

Finalmente, Melita e John viram-se na carruagem, de volta para casa. — Você esteve maravilhosa! Foi um sucesso! — ele elogiou-a. — Pois eu ia dizer o mesmo de você — tornou Melita. — Percebi que

os parentes queriam fazer muitas outras perguntas, mas não tiveram a oportunidade, graças à sua intervenção.

— Vi-me obrigado a lançar mão de subterfúgios. Afinal, não poderíamos esgotar o repertório deles e o nosso na primeira reunião. Senti também que precisávamos respirar — John alegou, sorridente. — Agora vamos nos preparar para saber exatamente o que dizer no segundo capítulo.

— Temos talento para ir além — rebateu Melita, rindo. — Chegaremos

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ao quinto capítulo, pelo menos. — Vá com calma e não se vanglorie. Se você cair lá do alto, a queda

será pior — John admoestou-a, rindo também. — Falando com sinceridade, gostei de todos os parentes, tanto meus,

como seus. Eles foram muito amáveis. — Nem poderia ser de outra forma. Mas não se iluda. Não

satisfizemos a curiosidade deles. Todos irão querer saber muito mais coisas a seu respeito. Portanto, estou pensando em irmos para o campo, se você concordar, é claro. Vi que mamãe está bem e nada nos prende em Londres. Quero que você conheça a casa onde passaremos a maior parte do tempo sempre que estivermos na Inglaterra.

— É claro que estou de acordo em ir para o campo, pelo menos por enquanto, para não sermos perturbados — Melita aquiesceu. — Mais tarde, quero conhecer Londres. Vi muito pouco da cidade, mas já a achei fascinante.

— Então está combinado. Londres ficará para quando voltarmos do campo. Você irá gostar de Gilmour Hall. É uma casa histórica e, graças a Gavron Murillo, meu pai teve condições de restaurá-la. Muitas pessoas vêm de longe para admirá-la.

— Você permite que a casa seja visitada por estranhos? — Melita indagou, surpresa.

— As visitas tornaram-se uma tradição. Entretanto, são permitidas só em ocasiões especiais, quando há comemorações importantes no condado. Mesmo assim, é restrita a estudiosos ou a pessoas interessadas em artes ou na história do país. Os visitantes têm acesso a apenas alguns cômodos da casa, entre eles, como não poderia deixar de ser, à galeria de pinturas e de emblemas históricos. Os cômodos, naturalmente, são bem guardados, e há cordões de isolamento para que nada seja tocado, muito menos roubado. Além da casa, toda a propriedade é linda, muito bem-cuidada, os jardins não ficam a dever aos italianos ou franceses que cercam os palácios, e a vista que se tem de um belvedere, construído no ponto mais alto do terreno, é de tirar o fôlego — John descreveu com entusiasmo.

— Que sorte a sua ter herdado uma casa e uma propriedade assim! — Melita exclamou, empolgada.

— A maior sorte foi papai ter conhecido o magnânimo Gavron Murillo — John observou suavemente. — Ele operou uma verdadeira transformação, não apenas na casa, mas na vida de toda a nossa família.

— Estou ansiosa para partirmos para Gilmour Hall. Custa-me acreditar que eu esteja vivendo tudo isto. Chego a ter receio de que estou

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sonhando e ao acordar constatarei que não saí do convento. Depois de passar vinte e um anos praticamente fechada, é maravilhoso sentir-me livre e conhecendo tantos lugares sobre os quais eu só havia lido ou ouvido falar.

— Você é tão inteligente e tão bem informada, que até me esqueço de que esteve num convento desde que nasceu.

— Vivi muito feliz com Nanny, as freiras, as colegas e recebendo as visitas ocasionais de papai. Mas agora que estou vendo como é o mundo fora daquele muros, posso avaliar o que eu estava perdendo. É muito bom sentir que as portas estão abertas. É fantástico estar na Inglaterra! — Melita olhou para cima e ergueu as mãos para o céu,

“Ela é realmente encantadora e tão espontânea”, John pensou. “Farei tudo ao meu alcance para que não se decepcione, e estarei atento para que não a magoem.”

Eles chegaram à casa da Grosvenor Square e ao entrar no hall, John disse a Melita:

— Partiremos para Gilmour Hall o mais depressa possível. Não se esqueça de que você é a patroa e deve orientar a governanta e a arrumadeira sobre o que deseja levar para o campo. Enquanto você sobe para a suíte, vou falar com os criados.

Minutos depois John reunia-se a Melita para informá-la: — Está tudo arranjado. Viajaremos no faetonte, Jules irá depois de nós,

em outra carruagem, levando toda a bagagem. — É uma boa idéia. Só acho que será um transtorno para os criados

que trabalham na casa de campo se chegarmos de surpresa — Melita lembrou.

John sorriu para ela e tranqüilizou-a: — Um dos cavalariços já partiu a cavalo para avisá-los de que estamos

a caminho e chegaremos para o jantar. O mordomo e a governanta são experientes e tomarão as providências para que sejamos recebidos com um verdadeiro banquete.

— Será muito bom passarmos algum tempo isolados — Melita apreciou.

— Era exatamente nisso que eu estava pensando. Se continuarmos em Londres, onde sou muito conhecido, receberemos centenas convites para recepções, bailes e jantares, os quais teremos de retribuir. E todas as pessoas que a conhecerem estarão calculando mentalmente quantos milhões de libras você vale.

Havia uma nota de humor na voz de John, porém Melita ficou muito

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séria e observou: — Por favor, não vamos falar em dinheiro. Tentemos esquecer que

somos herdeiros de milhões. E claro que dou valor à fortuna que papai acumulou, mas quero, da mesma forma que ele, usá-la para ajudar aqueles que passam necessidade.

Compreendendo que havia falado de modo leviano, John segurou a mão de Melita e desculpou-se:

— Sinto muito por dizer tolices. Você está certa, naturalmente. Prometo comportar-me. Passaremos dias muito felizes e despreocupados no campo. Quero mostrar-lhe os meus cavalos. A propósito, você sabe montar?

— É claro que sim — Melita respondeu com ênfase. — Uma das coisas que eu apreciava no convento era cavalgar. Geralmente fazíamos passeios a cavalo de manhãzinha e no fim da tarde. Ganhei meu primeiro pônei logo que aprendi a andar. E a cada ano papai me mandava um cavalo maior até eu poder montar os melhores e mais velozes puros-sangues que ele importava e mandava para a Tailândia. Não conheço os seus cavalos, mas os que papai comprava para mim eram magníficos.

— Não duvido. Gavron sempre quis ter o melhor. Contudo, você não ficará desapontada com os meus. Muitos deles têm sangue árabe — John falou com orgulho. — Mas, continue a falar sobre a sua vida no convento,

— Algumas das internas também tinham seus próprios cavalos e havia outros, do convento, geralmente doados — Melita prosseguiu. — Mas era papai quem mais ajudava as irmãs. Ele deu carruagens e inúmeros cavalos excelentes para o convento. Graças a ele, o trabalho missionário, social e as obras de caridade das freiras tornaram-se menos árduos. Elas tinham de sair para catequese e para visitar os pobres e doentes em lugares distantes e não se cansavam de abençoar Gavron Murillo, o grande benfeitor do convento.

John suspirou. — Seu pai era um homem extraordinário. Sempre pensou nas outras

pessoas e em minimizar-lhes os sofrimentos. — E fez tudo o que pôde por mim. No convento eu era tratada como

uma princesa. — Se depender de mim, nada mudará—John prometeu. — Falta apenas meia hora para chegarmos — John avisou Melita,

depois de passar por uma densa mata. Ele estava conduzindo com extraordinária perícia o luxuoso faetonte

projetado por ele mesmo. Tinha molas especiais para proporcionar mais conforto aos viajantes e era muito leve, o que permitia aos cavalos avançarem

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com grande rapidez. Notando o entusiasmo na voz dele, Melita comentou: — Deve ser emocionante voltar para casa depois de ter ficado tanto

tempo fora. Também estou ansiosa para conhecer Gilmour Hall e apreciar as obras de arte que ela abriga.

— Você ficará encantada — John assegurou. — Graças a seu pai, pudemos restaurar a casa e deixá-la deslumbrante como no passado. Uma casa histórica e tão linda merecia ter como proprietária uma jovem lady encantadora como você.

— Receio que você esteja dizendo isso apenas para me animar. — Estou sendo sincero. Uma mulher com a sua beleza e o seu charme

se enquadrará com perfeição numa casa como a minha — John asseverou. — Está faltando a Gilmour Hall o toque feminino e a presença de uma bela mulher. É a mulher que cria a atmosfera da casa em que vive. Estou convencido de que você transformará Gilmour Hall; ela deixará de ser apenas uma casa suntuosa para tornar-se um lar.

— Receio de que você esteja confiante demais. E se eu desapontá-lo? Lembre-se de que nunca tive um lar verdadeiro e só hoje conheci algumas pessoas da minha família — Melita ponderou.

— Não me desapontará. Até o momento você foi além das expectativas — John enfatizou.

Eles saíram da estrada principal e seguiram por uma outra mais estreita, porém bem-cuidada. John informou Melita:

— Já estamos nas minhas terras, ou, melhor dizendo, nossas terras. Daqui a meia milha passaremos por uma vila. Pode esperar que os moradores ficarão alvoroçados ao vê-la do meu lado. Sem dúvida, a notícia da chegada de minha esposa já se espalhou como um rastilho de pólvora e todos estarão curiosos para conhecer a jovem lady mais famosa do momento.

— Oh, por favor, não me deixe nervosa — Melita protestou. — Acho desconfortável sentir que estou sendo observada e avaliada.

— Desculpe, eu não quis perturbá-la — tornou John. — Todos aqui são muito gentis e ficarão encantados com a nova lady Gilmour.

O faetonte entrou na vila que parecia deserta. Aquela hora todos deviam estar em suas casas preparando-se para o jantar.

Melita ficou admirada com os chalés e bangalôs tão graciosos e bem-cuidados, na frente dos quais, invariavelmente, havia um jardim florido e, nos fundos, uma horta e árvores frutíferas.

As lojas tinham as paredes pintadas com cores fortes e tabuletas

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coloridas ostentando o nome do estabelecimento; algumas tinham até vitrine. A igreja de pedras cinzentas, muito antiga, completava a atmosfera

romântica daquela típica vila inglesa. Os cavalos transpuseram os majestosos portões com ponteiras

douradas, subiram o caminho sombrio, marginado de carvalhos enormes, velhos e nodosos; passaram por uma ponte, e pararam na frente de uma casa imponente, enorme, linda e cercada de jardins.

Dos lados dos degraus de entrada da casa havia dois leões de mármore esculpidos por um artista italiano.

Embevecida, Melita prestou atenção a tudo. Quando desceu do faetonte, correu os olhos pelos jardins que eram uma exuberância de cores, depois ergueu a cabeça para admirar as torres e as janelas da casa, cujas vidraças refletiam os últimos raios de sol.

Não se contendo, exclamou: — Esta casa parece um castelo de contos de fadas! Com entusiasmo quase infantil, ela adiantou-se, tocou um dos leões

com as mãos, como se afagasse um animal com vida, para só então subir os degraus de mármore.

John, que a observava, tão linda, tão etérea, disse a si mesmo que ela sim, parecia uma fada.

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CAPÍTULO VI Após o delicioso jantar, preparado pela cozinheira que trabalhava para

a família havia mais de vinte anos, John quis mostrar a Melita os cômodos principais da casa.

Ela ficou maravilhada com as telas, as estátuas, as armaduras, brasões e os livros que vinham sendo colecionados através dos séculos.

Sempre que olhava para os seus tesouros, John agradecia a Deus porque nada fora vendido nos anos de pobreza da família. As telas, os objetos de arte e os livros eram tão raros e preciosos que fariam inveja a qualquer museu.

— Você possui obras de arte incomparáveis! Maravilhosas! — Melita não se cansava de repetir. — Gilmour Hall mais parece um palácio de contos de fadas!

— Quero mostrar-lhe a coleção de jóias da família que a deixará pasmada — John falou com orgulho. — Todas elas sempre estiveram vinculadas e permaneceram conosco desde o primeiro visconde até hoje.

Os olhos de Melita brilharam. — Iremos vê-las agora? — Imediatamente. Eles entraram em uma saleta onde havia um cofre e um armário com

portas de vidro. Neste estavam expostas as insígnias e condecorações usadas pelos viscondes. No cofre eram mantidas as jóias.

Melita ficou deslumbrada ao ver a grande quantidade de tiaras, anéis, colares, braceletes, brincos, correntes, broches e uma esplêndida coroa de diamantes.

John explicou que até o século anterior essa coroa fora usada pelas viscondessas na abertura do Parlamento.

— Atualmente ela não é mais usada? Por quê? — Melita perguntou. — Observe que é pesada demais. As viscondessas reclamavam que era

uma agonia usá-la durante horas. Então foi feita esta aqui — John abriu um grande estojo de veludo e exibiu uma coroa mais delicada que a primeira, também de diamantes.

— É lindíssima! — Melita exclamou. — Ficará mais linda na sua cabeça. Você irá usá-la ao ser apresentada à

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rainha Vitória. — Eu?! Ao notar o espanto de Melita, John deduziu que ela não pensava em si

mesma como uma viscondessa. Porém, ele não fez nenhum comentário. Deixou que ela experimentasse alguns anéis que lhe chamaram a

atenção, em seguida trancou o cofre e ambos subiram para os seus aposentos, uma suíte com dois dormitórios, quarto de vestir e sala íntima.

— O que você tem nesta casa é suficiente para pagar o resgate de um rei — Melita observou quando eles passavam pelo corredor.

— O que “nós” temos nesta casa — John corrigiu. — Mas ainda falta muita coisa para você ver. Amanhã à tarde eu lhe mostrarei os outros cômodos. Pela manhã faremos um passeio a cavalo. Quero que você conheça a nossa propriedade.

— “Nossa” propriedade enquanto representarmos o papel de marido e mulher — Melita murmurou. — A propósito, logo que chegamos, eu disse às criadas que me atenderam que nós dois dormimos em quartos separados porque você ronca e eu tenho o sono muito leve.

— Elas acreditaram? — Pelo menos se comportaram como se acreditassem. Mas dei a

entender que nós dois só nos separávamos quando íamos dormir mesmo. — Na frente dos criados vamos representar o papel de casal

apaixonado — John sugeriu. — Foi o que me ocorreu — Melita aprovou. Entrando na suíte, sentaram-se na sala íntima, onde havia uma

sécretaire francesa, dois sofás, duas poltronas e duas telas pintadas por Jean Honoré Fragonard. Olhando ao redor, Melita lembrou-se do pai e observou:

— Papai também comprou várias obras de Fragonard, o pintor francês que ele mais apreciava. Toda vez que penso em meu pai sinto-me culpada porque não estamos fazendo a sua vontade.

— Não se culpe. O maior desejo de Gavron era vê-la feliz e você seria infeliz casando-se sem amor. Portanto, não olhe para trás, tampouco se arrependa da decisão que tomou — John falou em tom confortador.

Melita suspirou. Sentou-se no sofá e pediu: — Fale-me sobre os antepassados Gilmour. Sem se fazer de rogado, John discorreu com entusiasmo sobre a

importância de sua família na história da Grã-Bretanha. O assunto estava tão interessante que eles esqueceram-se das horas. Era bem tarde quando se despediram.

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No outro dia, John levantou-se tarde. Sentia-se descansado, bem-disposto e com a sensação de haver dormido durante um século.

Como Melita ainda não havia acordado, ele vestiu-se e desceu para o breakfast. Terminava de comer quando ela entrou na sala, muito elegante. Usava um conjunto de montaria verde-garrafa e chapéu, da mesma cor, porém de um tom mais claro.

Aquele era um dos trajes comprados para o enxoval e tinha um chique indiscutivelmente parisiense.

— Ontem à noite você disse que iríamos cavalgar pela propriedade, portanto, já desci pronta para o passeio — disse Melita, indo servir-se de ovos com bacon e peixe.

— Já ordenei que selassem os dois melhores cavalos. Ficarei magoado se você não os admirar.

— Só podem ser magníficos, pois você faz questão de possuir o que há de melhor — Melita inferiu.

— Não me canso de repetir que devo tudo o que tenho a seu pai — John falou em tom descuidado, correndo os olhos pelo jornal que se achava sobre uma bandeja de prata.

Melita, que vinha para a mesa carregando o prato, sobressaltou-se ao ouvir a voz zangada de John.

— Droga de imprensa! Isto não tem fim! — O que foi? Alguma notícia ruim? — Esses jornalistas parecem não ter mais nada importante para

publicar! Continuam a falar sobre a fortuna deixada por Gavron Murillo, enaltecem a “maior herdeira do momento”, publicam uma lista do que você herdou, escrevem também sobre o nosso casamento e a “união de duas grandes fortunas”. — John indicou uma seção do jornal. — Está aqui, se você quiser ler.

— Eu já esperava por algo semelhante. — Melita suspirou. — Os nossos parentes ficaram eufóricos demais para se manterem calados. E a imprensa é igual em todo país: está sempre atrás de uma boa história.

— Bem, para nós dois é uma péssima história — John retrucou, irritado. — Seu nome continuará aparecendo nos jornais até que a imprensa descubra alguma outra coisa interessante para publicar.

— De nada adianta nos irritarmos — Melita falou suavemente. — Papai me disse, mais de uma vez, que a imprensa tanto pode ser nossa amiga e aliada, como inimiga. Ele preferia a primeira alternativa.

— Se um bando de jornalistas vier nos entrevistar, você estará disposta

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a recebê-los e a lhes oferecer o meu melhor vinho? — É o que devemos fazer. E melhor que fiquem satisfeitos e escrevam

coisas agradáveis sobre nós ao invés de desagradáveis — Melita argumentou. — Afinal, nada há de errado em sermos ricos.

— Eu só estou pensando na repercussão dessas notícias publicadas de modo tão insistente. Não teremos sossego; você receberá uma montanha de cartas e pessoas de toda parte baterão à nossa porta implorando a sua ajuda — John apontou.

— Devemos ajudar os que precisam; não podemos negar auxílio a quem nos estende a mão.

— Você está mesmo disposta a isso? — Foi o que papai sempre fez. Nós dois fomos beneficiados por ele;

portanto, nada mais justo do que continuar o trabalho de Gavron Murillo. Devemos fazer alguma coisa por aqueles menos favorecidos pela sorte — declarou Melita.

— É claro que concordo em ajudar os que precisam, mas com critério, como Gavron fazia. Seu pai nunca fez alarde de sua fortuna, nem distribuía suas libras, seus xelins e pences indiscriminadamente — John ressaltou. — Profundo conhecedor da alma humana, ele agia discretamente e ajudava as pessoas transformando-as, dando-lhes chances de produzir. Assim, elas progrediam e eram úteis à sociedade.

— Nada nos impede de continuar a obra de papai, Na posição de sócio das empresas Gavron Murillo, você poderá fazer muito pela sociedade, gerando empregos educando os operários e dando-lhes melhores condições de vida. Eu atenderei aqueles que baterem à nossa porta e, além de orientá-los, lhes darei ajuda material, de acordo com suas necessidades — Melita propôs.

— Quando você visitar as fábricas e empresas que herdou verá que tudo o que acaba de sugerir, já está sendo feito — John adiantou.

— Bem, isso não me surpreende. Papai sempre pensou nos outros e no bem-estar social. — Melita balançou a cabeça. — Se todos seguissem o exemplo de Gavron Murillo, o mundo seria mais justo. É muito errado algumas pessoas possuírem demais, enquanto outras vivem na miséria.

John concordou com um murmúrio e um aceno da cabeça. Estava pensando que Melita era extraordinária. Ele nunca havia conhecido uma mulher tão sensata nem tão altruísta.

Enfim, reconheceu, era o que devia esperar da filha de Gavron Murillo.

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Atirando no chão o jornal que o deixara irritado, ele tomou uma xícara de café e esperou que Melita terminasse de comer.

Quando eles deixaram a sala de desjejum e foram para o hall, encontraram os cavalos à sua espera, no pátio à frente da casa.

Muito contente com Firefly, o cavalo que lhe fora reservado, Melita chegou perto dele, agradou-o e disse-lhe algumas palavras amáveis antes de John erguê-la nos braços para colocá-la na sela.

— Vou levá-la a um dos bosques da propriedade. É um lugar encantador que amo desde os tempos de menino — ele anunciou montando Samson. — Para chegar lá atravessaremos o pomar. Assim você terá a oportunidade de admirar as árvores carregadas de frutas. Temos ameixeiras, macieiras, pereiras, e muitas outras.

— Sempre desejei ver um pomar inglês. Na Tailândia não se cultivam as mesmas frutas daqui porque o clima é tropical, bem diferente do europeu.

— Nada mais fácil do que tornar o seu desejo uma realidade. Vamos! — John tocou Samson na direção do pomar.

Eles contornaram os canteiros, vivamente multicoloridos pelas flores, transpuseram um portão de madeira e entraram no pomar bem-cuidado.

Maravilhada, Melita puxou as rédeas do cavalo e, por um momento, admirou as árvores, cujos galhos carregados se curvavam com o peso das frutas.

Por fim, seguiu com John que partiu a galope até uma ponte de madeira que se estendia sobre o ribeirão que cortava a propriedade.

Atravessaram a ponte com cuidado para que os animais não escorregassem e, pouco depois, entraram no bosque.

Cavalgaram devagar pelos caminhos cobertos de musgo ou de relva e chegaram a um pequeno lago cercado de ranúnculos. Melita pensou que eles iriam desmontar naquele recanto tão agradável, porém John seguiu adiante.

Só parou depois de atravessar todo o bosque. — Aqui estamos. Observe o terreno à nossa frente — ele fez um

movimento com o braço indicando um campo extenso coberto de relva. — É perfeito para galopar. Vamos apostar uma corrida? Desafio Firefly a vencer Samson.

Havia tanta confiança na voz dele que Melita percebeu que ele já considerava Samson o vencedor.

Não se enganou de todo. Os dois cavalos chegaram emparelhados às árvores marcadas como ponto de chegada.

— Nunca me passou pela cabeça que uma mulher fosse capaz de

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montar tão bem. Você é a melhor amazona que já vi — ele admitiu. — Cheguei até a pensar que eu teria de lhe dar algumas aulas, mas estou com receio de precisar aprender com você.

— Você sabe muito bem que é exímio cavaleiro e está querendo elogios — Melita acusou-o, risonha. — Não podia ser diferente. Papai me dizia que para um inglês há duas coisas realmente importantes: sua árvore genealógica e seus cavalos. Ele atribuía ao meu sangue inglês o fato de eu montar muito bem e lamentava não ser bom cavaleiro.

— Gavron era modesto. Ele montava muito bem — John contrapôs. — Aliás, graças à sua determinação e disciplina, seu pai era perfeito em tudo o que se dispusesse a fazer.

— É verdade. — Melita afagou o pescoço de Firefly e observou: — Este cavalo é excepcional. Mas eu gostaria de montar todos os outros que houver em suas cocheiras para eu decidir qual o meu favorito.

— Estão às suas ordens. Contudo, a menos que você monte três ou quatro por dia, levará muito tempo para fazer a sua escolha — John advertiu-a.

— Você possui tantos cavalos assim? — Bem mais do que você imagina. Mas agora quero mostrar-lhe um

lugar curioso, sobre o qual há várias histórias. — Fale-me sobre esse lugar — Melita pediu, muito interessada. Eles tocaram os cavalos bem devagar e John começou sua narrativa: — Muitos anos atrás, meu trisavô, não sei porque razão, cismou que

havia ouro nestas terras. Começou a cavar o sopé de um pequeno morro e descobriu algumas pedras cheias de veios e pontos amarelos e chegou à conclusão de que encontrara uma mina de ouro. A partir daí, ficou obcecado e trabalhava na sua “mina” todos os dias.

— Ele encontrou alguma coisa? — Melita perguntou, sem conter a curiosidade.

— Morreu antes disso. No entanto, cavou nesse morro uma caverna e túneis, onde eu adorava brincar quando criança. Quando fiquei sabendo da história do ouro, também tentei descobrir alguma pepita. Tudo o que encontrei foram algumas ferraduras, certamente enterradas no lugar para trazer sorte, e umas pedras estranhas que imaginei serem ouro. Mostrei-as a meu pai e ele zangou-se comigo. Disse que já bastava seu bisavô ter perdido tanto tempo com maluquices.

— Você desistiu de “explorar” a caverna? — Claro. Mas continuei a ir à caverna para brincar de esconde-esconde

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com amigos e primos. Eles cavalgaram mais um pouco e John apontou para um lugar. — A caverna fica ali. Olhando na direção indicada, Melita viu apenas uma plantação de

girassóis. — Só estou vendo os girassóis — disse. — De fato, daqui não podemos ver a entrada da caverna por causa da

plantação de girassóis — John explicou. — Vamos nos aproximar. Eles cavalgaram mais alguns metros e desmontaram. — Venha comigo. Vamos entrar na caverna. Mas, cuidado. Não

encoste nas flores para não ficar com o seu lindo conjunto sujo de pólen amarelo — John recomendou.

A caverna em si nada tinha de extraordinário. John chamou a atenção de Melita para as pedras da parede da caverna e ela comentou:

— Não entendo do assunto, mas mesmo que não contenham ouro, essas pedras devem conter algum minério. Talvez seja conveniente mandarmos analisar as amostras retiradas deste morro.

— Nem pense nisso — John discordou, — Prefiro deixar tudo como está. Meu pai já encontrou uma verdadeira mina de ouro quando conheceu Gavron Murillo.

Melita sorriu. — Papai gostaria de ouvi-lo dizer isso. — Imagino que sim. — Bem, meu trisavô cavou outros dois túneis,

mas é claro que não entraremos em nenhum deles. Para ser sincero, a manhã está muito linda e ensolarada para ficarmos aqui. Vamos cavalgar. Quero mostrar-lhe outras coisas.

Eles deram uma volta pelos campos e voltaram para casa. Observando a magnífica construção delineada contra o azul do céu, Melita disse subitamente:

— Falta uma coisa na sua casa. — O que é? — John indagou, intrigado. Todos diziam que Gilmour Hall era perfeita. Que defeito Melita teria

encontrado na casa? — E algo que todos devem ter e surpreendi-me ao ver que você não

tinha em Londres. Porém achei que no campo não poderia faltar. — Não sei do que você está falando. O que falta na minha casa? O que

é que não tenho? — John insistiu. — Você tem cavalos excelentes, a casa em si é perfeita, mas o que falta

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aqui é um cachorro, ou melhor, vários deles. — Cachorros!? — Isso mesmo — Melita reiterou. — Sempre imaginei que os ingleses

viviam cercados de cães. Vi inúmeras telas retratando ingleses ou cenas inglesas, e os cães em geral estavam presentes — Melita assinalou.

— Tem razão. Eu devia ter cães nesta propriedade e, de fato, até pouco tempo tínhamos cães de caça à raposa e três da raça labrador, dos quais meu pai se orgulhava.

— O que aconteceu com eles? — Foram morrendo e não pensei em formar nova matilha. — Por quê? Você não gosta de cães? — Gosto muito. Quando criança eu queria ter um cão, de preferência

um spaniel. Eu invejava os amigos e colegas que tinham seus cães. Mas na época meu pai não podia comprar um cão de raça e eu não queria um vira-lata qualquer — John revelou.

— Agora você pode ter quantos cães desejar e não possui nenhum. Por quê?

— A resposta é simples. O cão é o maior amigo do homem e deve ser tratado como tal. Ele gosta de ficar perto do dono e sofre caso seja ignorado. Como passei a viajar muito desde que assumi os negócios de papai, preferi não ter cão. Assim nem o animal nem eu sofreríamos — John esclareceu. — Mas se decidirmos ficar morando no campo, teremos quantos cães você desejar.

Os olhos de Melita ganharam um brilho repentino. — Está falando sério? — Dou-lhe a minha palavra. E claro que devemos cuidar bem deles,

amá-los e tê-los sempre na nossa companhia. De repente, mesmo enquanto falava, John sentiu uma vontade imensa

de não se afastar de Melita, de estar sempre junto dela. A idéia de que talvez ela desejasse partir pareceu-lhe insuportável. Como a admirava! Como se encantava com o seu sorriso espontâneo, a

voz musical e a delicadeza de seus gestos. Melita era linda, inteligente e, como se tudo isso não bastasse,

cavalgava maravilhosamente. O pequeno trecho até o pátio da cocheiras foi feito em silêncio. Antes

de deixarem os cavalos entregues aos cuidados dos cavalariços, John desculpou-se:

— Marquei uma reunião com alguns agricultores e com o

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administrador das fazendas para depois do almoço. Provavelmente não poderei cavalgar com você esta tarde.

— Não se preocupe comigo — Melita tranqüilizou-o. — Estou pensando em andar um pouco no jardim ou ir até o pomar. Há muita coisa para eu ver e fazer nesta propriedade tão maravilhosa.

— Está bem, mas não se afaste muito da casa. Se decidir fazer um passeio a cavalo pelos campos, peça para um dos cavalariços acompanhá-la — John recomendou.

— Farei isso — ela prometeu. O almoço estava tão delicioso que ao terminar a refeição Melita quis ir

à cozinha dar os parabéns à cozinheira. — Não é de praxe fazer isso — John lembrou-a. — Palavras amáveis não fazem mal a ninguém — alegou Melita,

levantando-se. — Você está certa — John aquiesceu. — Eu a acompanharei. A

cozinheira e suas ajudantes ficarão envaidecidas. A entrada dos patrões na cozinha deixou boquiabertos os criados que

ali se achavam. Melita apertou a mão de todos: da cozinheira, das duas ajudantes e do

rapazinho que lavava a louça e fazia pequenos serviços. Agradeceu-lhes por serem dedicados, e elogiou os pratos servidos. Mencionou que ninguém preparava carne assada tão bem quanto os

ingleses e que a torta de ameixas era um verdadeiro manjar dos deuses. — No convento onde fui criada a comida era muito simples. Receio

ficar mal-acostumada se vocês servirem pratos tão sofisticados, além de deliciosos. Isto, sem contar que vou ganhar mais alguns quilos — Melita falou com um sorriso.

Quando eles saíram da cozinha, John comentou: — O seu gesto deixou os criados atônitos e, ao mesmo tempo, muito

felizes. A cozinheira, que está nesta casa há mais de vinte anos, ficou emocionada. Durante todo o tempo que trabalha para nós ela nunca faltou nem tentou abandonar o emprego nos anos difíceis, quando papai não podia pagar uma ajudante.

— Empregados tão fiéis e dedicados merecem, além do nosso reconhecimento, um bom salário. E, por falar nisso, todos acreditam que estamos casados. Sendo assim, esperam um aumento, pois o trabalho deles também será maior — Melita considerou.

— Você está certa, como sempre.

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Eles chegaram ao hall e Bates, o mordomo, informou-os de que o administrador e quatro fazendeiros já haviam chegado e esperavam por sir John no escritório.

— Vou sair um pouco. Quando terminar a reunião você me encontrará no jardim — Melita avisou.

A reunião demorou mais tempo do que o previsto e quando os homens, por fim, deixaram a casa, John foi para o jardim, Não viu ninguém.

Imaginou que encontraria Melita no salão e correu para lá. Também estava vazio.

“Onde ela poderá estar?”, questionou-se. Deduziu que ela só poderia ter ido às cocheiras. Não se enganou. — Sim, lady Melita esteve aqui — um dos cavalariços informou. — Ela

pediu que eu selasse um dos cavalos. Disse que iria só até a vila. — Até a vila! — John repetiu. — Que estranho! O que ele pensou, mas não disse, foi que Melita talvez tivesse ido rezar

na igreja. Qualquer que tivesse sido a intenção dela, ele continuou a refletir, não

era prudente andar sozinha. Ordenou ao cavalariço que selasse Aldebaran, um cavalo muito veloz,

e poucos minutos depois galopava para a vila. Ao passar por uma fileira de casas surpreendeu-se ao ver à frente de

uma delas um de seus cavalos. Dois garotos seguravam as rédeas do animal. Imaginando que Melita estivesse no interior da casa, refreou

Aldebaran. Mesmo antes de ele desmontar, um rapazinho que saíra da casa vizinha surgiu à frente dele.

Ofereceu-se para segurar o cavalo e prometeu ter muito cuidado com o animal.

John atravessou o jardim, subiu os degraus da varanda e antes de bater, ouviu vozes. A porta estava entreaberta, ele empurrou-a e entrou na sala.

Atônito, viu Melita sentada perto da lareira segurando um bebezinho no colo. Do seu lado estava a mãe do pequenino.

As duas ergueram a cabeça quando John apareceu e Melita exclamou: — Oh, querido, foi muito bom você ter vindo. Este bebê nasceu há três

dias e os pais deram-lhe o nome de John em sua homenagem. A mulher ficara de pé e John entendeu-lhe a mão. — É a sra. Walters, não? — Sou, sir John — respondeu a mulher. — E um prazer recebê-lo em

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minha casa. — Chegamos ontem a Gilmour Hall e informaram-me que vocês

tiveram outro filho. E uma honra saber que ele terá o nome de John em minha homenagem. — John olhou para Melita com o bebê e comentou: — Vejo que o recém-nascido está feliz no colo de minha esposa.

— Lady Melita é encantadora. O senhor teve sorte de encontrar uma esposa assim, sir John — louvou a sra. Walters.

— Estou de pleno acordo — John assentiu demonstrando orgulho. Por um momento, ele observou Melita em silêncio. De olhos baixos,

voltados para o bebê, ela parecia ainda mais adorável. Sua expressão tornara-se tão suave que o fez lembrar do rosto da Virgem Maria que ele costumava contemplar, enlevado, nas telas de sua coleção.

Subitamente, teve consciência de que amava Melita. Queria uma mulher assim, terna e meiga, para ser a mãe de seus filhos. E estes seriam muitos. Ele sonhava em ter uma família numerosa.

Compreendendo que devia acompanhar John de volta para casa, Melita apertou o bebê contra o peito, num último afago, e entregou-a para a mãe, dizendo:

— Foi um prazer conhecê-la e ter o seu bebê nos braços, sra. Walters. Avise-nos quando John for batizado; fazemos questão de enviar-lhe um presente especial.

— É muita gentileza de ambos, milady. Obrigada — a sra. Walters agradeceu, sensibilizada, segurando o filho.

— Voltaremos dentro em breve para fazer-lhes uma visita — Melita prometeu.

— Será um prazer recebê-los — tornou a sra. Walters. — Quando voltar do trabalho, meu marido ficará muito contente ao saber que os patrões estiveram aqui.

— O sr. Walters é um dos agricultores e trabalha de sol a sol — John explicou. — Além do pequenino John, o casal tem dois meninos que já estão na escola.

Melita olhou para o bebê mais uma vez e falou suavemente: — John será um rapaz forte, saudável e muito bonito. As moças se

apaixonarão por ele. — Se o nome influir, tenho certeza de que isso irá acontecer. Um belo

homem como sir John deve ter deixado muitas senhoras de coração partido antes de conhecê-la, lady Melita — brincou a sra. Walters provocando o riso dos visitantes.

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— Eu não sabia que tinha admiradoras na vila — disse John, rindo, no caminho de volta para casa.

— Concordo com a sra. Walters. Você é mesmo muito bonito — Melita asseverou. — É natural que as mulheres se apaixonem por você. Sorte sua poder escolher, entre muitas, aquela que mais lhe agradar.

— Falando desse modo você me deixa muito convencido — declarou John. — Mas é verdade que sempre me orgulhei de meu físico e de minha altura. Um homem baixinho deve ser complexado.

— Não necessariamente. A altura não é tudo — Melita discordou. — Enfim, não vamos discorrer sobre o que torna um homem interessante. Quero saber aonde vamos agora.

— Já que estamos aqui, podemos visitar algumas fazendas e você terá a oportunidade de conhecer mais um pouco da propriedade e as famílias dos fazendeiros. No caminho faremos uma parada no belvedere sobre o qual já lhe falei, de onde se descortina um panorama espetacular. Ou, se você preferir, voltaremos para casa e eu lhe mostrarei os cômodos nos quais você ainda não esteve. Restam mais de doze, sem contar os quartos que são todos parecidos. A escolha é sua — John expôs.

— Creio que já está tarde para visitarmos as fazendas. Prefiro acabar de conhecer a casa — Melita decidiu. — Gilmour Hall é grande e suntuosa como um palácio. No convento eu gostava de ouvir as internas descreverem as casas ancestrais inglesas. Enquanto elas falavam, eu fazia mentalmente o desenho das mesmas. Eu sempre quis conhecer a casa de mamãe, mas papai não podia descrevê-la para mim porque nunca havia estado lá.

— Um dia visitaremos essa casa que atualmente pertence a seu tio-avô. É muito bonita, sem dúvida, e bem mais antiga do que Gilmour Hall. Porém não é tão grandiosa. Para ser franco, é muito inferior.

Para surpresa de John, Melita riu. — De que está rindo? Eu disse a verdade. — Sinto muito. Eu não quis ser indelicada — Melita desculpou-se. — É

que achei graça do modo altivo como você falou. Entretanto, reconheço que você tem todos os motivos para orgulhar-se de uma casa história e belíssima como Gilmour Hall.

Eles cavalgaram por um instante em silêncio e quando se aproximaram da casa, John observou:

— Gilmour Hall voltou a ser tão magnífica como no passado graças a Gavron Murillo. Como filha dele, você merece partilhar de tudo o que tenho aqui. Sinta-se como se a casa fosse sua.

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— Obrigada. Eu já amo Gilmour Hall. Assim que eles chegaram ao pátio à frente da casa, um dos cavalariços

que os avistara correu para segurar os cavalos. John ergueu Melita da sela. — Você é tão leve! Tenho a impressão de que pode voar, se quiser —

disse, colocando-a no chão. — Prefiro ficar aqui, cercada de tantas atenções, tanta beleza e onde

me sinto feliz — ela falou docemente. Ambos se fitaram e por um instante não conseguiram sair do lugar,

presos de um encantamento mágico. Então, sem dizer palavra, Melita virou-se, passou pelos leões de

mármore, subiu os degraus à frente da casa e entrou no hall. John seguiu-a. Veio-lhe a mente a figura dela sentada com o bebê no

colo. Não teve dúvidas de que a amava. Ela era a mulher que vinha buscando!

Novamente pensou nela como a mãe de seus filhos. Seriam muitas crianças. Queria encher a casa de barulho e de risos.

Restava saber se Melita tinha as mesmas idéias que ele…

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CAPÍTULO VII Era muito cedo quando John desceu para tomar o breakfast. Sua

vontade era esperar por Melita, mas achou que ela iria dormir até mais tarde e ele teria uma reunião com o governador do condado, às oito.

Porém, acabara de servir-se de café quando Melita entrou na sala, linda como nunca.

Trajava nessa manhã um conjunto de montaria azul-claro, enfeitado com renda branca. Não usava chapéu.

Um chapéu podia ser um complemento elegante do traje, ela havia refletido, mas não era nada prático. Na véspera, ao galopar pelos campos, o vento quase lhe arrancara o chapéu da cabeça.

Melita sorriu para John e ele teve a sensação de que todo o cômodo ganhara mais luminosidade.

— Bom dia — cumprimentou-a. — A sua aparência é a de quem dormiu muito bem.

— Dormi como uma pedra. O exercício de ontem me proporcionou um sono tranqüilo — ela respondeu. — Aonde iremos esta manhã? Levantei-me mais cedo pensando que talvez fôssemos visitar as fazendas.

— O governador do condado deseja ver-me. Adiantou-me apenas que o assunto é urgente—John informou.

Era evidente o desapontamento no rosto de Melita. — Oh, pensei que fôssemos cavalgar! — Iremos, claro — John prometeu. — Sua Senhoria garantiu-me que

não me prenderá em sua casa por muito tempo. Ele marcou uma reunião para discutir um assunto de interesse do condado e conta com a minha presença. Não sei do que se trata, mas o governador disse que precisa do meu apoio.

— Do seu apoio financeiro, imagino — Melita deduziu. — Certamente. — John riu. — Sempre contribuí para as obras com a

maior boa vontade. Elas são feitas visando ao bem do condado e todos os melhoramentos valorizam as minhas terras. Também gosto de estar a par de tudo o que acontece.

— Você seria um bom político. Já pensou nisso? — Melita levantou a questão.

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— Já tenho muitos compromissos — John replicou. — E a nossa conversa está tomando um rumo muito sério para esta hora da manhã. Falemos sobre nós e nossos planos para hoje. Permita-me dizer que está encantadora, milady. Terei orgulho de cavalgar do seu lado.

— Muito obrigada pelo elogio, sir. — Melita curvou-se, sorrindo. — Quando sairemos para o nosso passeio?

— Dentro de uma hora eu a encontrarei no bosque onde estivemos ontem — John combinou. — Está bem assim?

— Perfeito. Pedirei a um dos cavalariços para selar Firefly. Gostei muito dele e controlo-o com facilidade.

— Claro. E melhor você montar um cavalo que já conhece — John aprovou. — Não faltará ocasião para experimentar os outros.

Ele terminou de comer, despediu-se e repetiu: — Dentro de uma hora, no bosque. — Estarei à sua espera. Faço votos de que o governador não o prenda

por mais tempo do que o necessário. — Como todo velho, ele gosta de falar e torna-se cansativo. Porém,

não o deixarei fugir do assunto. Sem esperar pela resposta, John saiu da sala. Ficando sozinha, Melita entregou-se às suas reflexões. Estava gostando

demais de Gilmour Hall e, comparando sua vida atual com a do convento, concluiu que agora era livre e antes, era quase uma prisioneira.

A cada dia que passava mais se afeiçoava a John e mais o admirava. Terminou o breakfast e foi para as cocheiras. Encontrou três cavalariços

limpando as baias. Cumprimentou-os, elogiou o modo como eles cuidavam dos animais e

percorreu algumas baias para admirar outros cavalos. Quando voltou para o pátio, encontrou Firefly já selado. — Está um lindo dia para um passeio, milady — disse o cavalariço que

segurava as rédeas do cavalo. — Firefly gostará do exercício. — Iremos até o bosque. É um lugar lindo, parece encantado. — É verdade, milady — concordou o cavalariço. — Quando eu era

pequeno acreditava que à noite as fadas dançavam no bosque e deixavam sobre a relva um círculo de pequenos cogumelos, indicando o lugar onde haviam estado. Ansioso para vê-las, eu saía de casa à noite, às escondidas, e ia para o bosque. Elas nunca apareceram. Em contrapartida, perdi a conta das chineladas que levei por causa dessas aventuras.

— Era natural que sua mãe ficasse preocupada — disse Melita com

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simpatia. O cavalariço assentiu com um sorriso e ajudou-a a montar Firefly. Ela

tocou o animal na direção do pomar, além do qual as terras se estendiam até se perderem na distância, sem casa alguma à vista. A vila, com seu casario, ficava na outra direção.

“Esta propriedade é linda! John tem todos os motivos para orgulhar-se de possuí-la”, pensou.

Fazia tão pouco tempo que ela se encontrava em Gilmour Hall, mas era como se pertencesse àquele lugar. Sentia-se tão feliz ali, apreciava a companhia de John, tinha os melhores cavalos à sua disposição e em breve ganharia um cachorro para segui-la por toda a parte.

Lembrando-se do bebê da sra. Walters, desejou imensamente ter seus próprios filhos. Muitas crianças. Dez meninos e cinco meninas talvez fosse o número ideal.

Essa criançada encheria Gilmour Hall de risos, de barulho e, principalmente, de muita felicidade.

O pensamento divertiu-a. Admitiu, no mesmo instante, que estava sendo exagerada. Não lhe parecia possível ter uma família tão grande.

Era mais provável que nunca tivesse filhos ou que nem se casasse. Em breve John encontraria a “sua metade”, e ela sairia da vida dele, como havia sido combinado.

Iria para Londres e ficaria morando com os parentes que a receberiam com grande entusiasmo porque se beneficiariam da sua imensa fortuna.

Repeliu a idéia com ímpeto. Nunca se sujeitaria a morar com os parentes.

“Quero ter a minha própria casa, meus filhos, meus próprios cavalos e meus cães”, disse a si mesma com determinação. “E será assim. Se John encontrar a mulher que procura, eu encontrarei o homem dos meus sonhos. Por que não?”

Sem poder evitá-lo, sentiu um aperto no coração ao pensar em John na companhia de outra mulher.

Ocorreu-lhe que, no caso de o governador do condado ter uma filha atraente, John não deixaria de admirá-la e de flertar com ela.

Em Londres, então, devia ser muito pior. Lá, certamente, John teria uma centena de admiradoras.

Melita chegou ao ribeirão. Conduziu Firefly com cuidado para atravessar a ponte e pouco depois entrava no bosque. Sorriu ao lembrar-se do que o cavalariço lhe contara.

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“Se eu tiver filhos, virei sempre com eles a este lugar e lhes contarei histórias de fadas, estimulando-lhes a imaginação e a fantasia, tão necessárias e salutares na infância”, disse a si mesma.

Havia tanta paz e quietude no bosque, que um barulho de galhos se movendo e de gravetos sendo pisados, sobressaltou-a.

Puxou as rédeas de Firefly e ficou atenta. Se alguém tivesse invadido a propriedade, John ficaria, além de aborrecido, muito preocupado. O que ele menos desejava era ver estranhos em suas terras.

O pensamento fez Melita decidir que iria alertar John do perigo que corriam. Era imprescindível haver guardas, seguranças e cães guardando toda a propriedade.

Os moradores da vila e os vizinhos eram todos honestos e decentes, mas depois de a imprensa ter feito tanto alarde sobre o casamento dela com John e a união das duas grandes fortunas, Gilmour Hall seria objeto não só da curiosidade de estranhos, como da cobiça dos ladrões.

Alguns segundos se passaram e, não ouvindo mais nada, nem vendo animal ou pessoa alguma, Melita julgou que havia imaginado coisas.

O governador do condado recebeu sir John com muita alegria. — Obrigado por ter vindo, caro rapaz. Lamento tê-lo afastado de sua

esposa, estando vocês em lua-de-mel — disse, apertando a mão do amigo. — Vamos até meu gabinete. Vários proprietários já chegaram para a reunião.

— Sei que você não teria me chamado se o assunto não fosse importante — tornou John. — De que se trata?

— Estamos esperando um americano, representante de uma companhia interessada na construção de uma fábrica no condado. Nossas terras são muito boas para a agricultura e não queremos fábricas por aqui — o governador falou com veemência.

— Você tem razão — John apoiou-o. — Uma fábrica afastará os homens das lavouras e o país precisa de alimentos.

— É o que eu penso. Mas alguns dos proprietários alegam que não podemos impedir o progresso.

Eles entraram no gabinete e o americano foi anunciado em seguida. A reunião teve início. O estrangeiro apresentou o projeto em linhas

gerais e seguiu-se uma discussão acalorada. Os dois lados defenderam seus pontos de vista com argumentos de peso, porém não chegaram a conclusão alguma.

Foi marcada nova reunião para a qual seria convocado um número

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maior de pessoas. Constatando o adiantado da hora, uma vez que a reunião havia

demorado bem mais do que ele imaginara, John despediu-se de todos, nem aceitando o drinque oferecido aos presentes pelo governador.

Cavalgou diretamente para Gilmour Hall, imaginando que Melita não estaria mais no bosque. Certamente ela o havia esperado durante muito tempo e como ele não aparecera, voltara para casa.

Subindo pelo caminho de acesso à casa, admirou os velhos carvalhos que permaneciam firmes, como sentinelas, e disse a si mesmo, como sempre acontecia, que aquelas árvores tornavam perfeita a entrada da casa grande e majestosa.

Ao aproximar-se do pátio das cocheiras, John viu Firefly sendo cuidado por dois cavalariços e supôs que Melita acabara de entrar em casa.

Assim que avistou o patrão, um dos cavalariços foi depressa ao seu encontro para dizer:

— Graças a Deus o senhor chegou, sir John. Estamos muito preocupados porque Firefly voltou para casa sozinho.

— Como? O que está dizendo? — John perguntou, alarmado. — Firefly chegou há poucos minutos sem lady Melita. Talvez Sua

Senhoria tenha sofrido um acidente — aventurou o cavalariço. John eliminou essa hipótese. Melita era excelente amazona. Perguntou: — Firefly não tem nenhum machucado? — Examinamos o cavalo e nada há de errado com ele. Firefly não caiu

— foi a resposta. — Vou procurar lady Melita — John decidiu e, sem perda de tempo,

tocou seu cavalo. Foi em primeiro lugar ao bosque e não viu ninguém. Notou que havia

marcas de patas de cavalo no chão, mas podiam ter sido feitas dois ou três dias antes.

Atravessou o bosque e foi para o extenso campo onde havia apostado corrida com Melita. Tudo estava deserto. Galopou de volta para Gilmour Hall na esperança de encontrar Melita e de tudo não ter passado de um engano.

Novamente em casa, desmontou, ordenou a um dos lacaios que levasse seu cavalo para a baia e entrou no hall.

— Sua Senhoria já chegou? — perguntou a Bates. — Não, sir John. — O rosto do mordomo indicava a sua preocupação.

— Desde que nos disseram que Firefly voltou sem lady Melita, tenho olhado pela janela na esperança de vê-la atravessando o jardim para entrar em casa.

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— O que poderá ter acontecido? — John indagou mais para si próprio do que para Bates.

O mordomo pegou uma salva de prata onde estava uma folha de papel dobrada e amarrada com um pedaço de barbante.

— Esta carta foi encontrada perto da porta da cozinha. Está endereçada ao senhor.

Bastou pegar o papel e ver seu nome escrito com péssima letra para John ter um pressentimento horrível. A mensagem dizia:

“Sir John, Se quiser ver a sua esposa viva, pague-nos a quantia de dez mil libras. O dinheiro deve ser deixado num dos pilares da ponte sobre o ribeirão até as

seis da tarde. Caso não aceite nossos termos ou chame a polícia, nunca mais verá sua esposa.

Ela morrerá e o corpo jamais será encontrado. Porém, se nos atender, ela voltará para casa sã e salva.”

Tenso e atônito, John ficou olhando para o papel, mal podendo acreditar no que acabara de ler.

Teve certeza de que Melita fora seqüestrada por causa do que havia sido publicado nos jornais a respeito dela e de sua fortuna.

Agora ele precisava refletir cuidadosamente para encontrar um meio de salvá-la das mãos dos seus seqüestradores.

Bates, que observava o patrão, perguntou: — Alguma notícia má, sir John? — Péssima. Sua Senhoria foi seqüestrada. — Não é possível! Como pôde acontecer uma coisa dessas conosco? —

Bates questionou, embora soubesse a resposta. John caminhou até a porta e ficou parado, olhando para o vazio,

enquanto o cérebro trabalhava febrilmente. Ele lembrou-se de um caso recente de chantagem que um amigo lhe

contara. Um homem que estava sendo chantageado, pagou ao chantagista a

quantia estipulada para ter de volta umas cartas comprometedoras. Entretanto, o chantagista ficou com o dinheiro e desapareceu sem

devolver as cartas. Para não correr risco semelhante, John, continuou com suas reflexões,

teria de ser mais esperto do que os seqüestradores. Voltando-se para Bates, ordenou: — Quero que todos os homens das cocheiras, os jardineiros e os que

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trabalham na casa estejam no salão o mais depressa possível. O mordomo obedeceu sem fazer perguntas. Mandou um dos lacaios às

cocheiras e outro à copa. John foi para o escritório. Queria ficar sozinho para rezar e pedir a

Deus que lhe desse inspiração para saber como agir. Devia agir com cuidado e rapidez para resgatar Melita viva e impedir

que os seqüestradores a maltratassem. Seu maior receio era que os seqüestradores, mesmo recebendo as dez

mil libras, não libertassem a prisioneira. Um calafrio percorreu-lhe o corpo ao lembrar-se dos atos de violência

praticados, não só na Inglaterra, como em outros países, contra vítimas de roubo e de seqüestro.

Os jornais publicavam diariamente notícias horríveis sobre assaltos, furtos, brigas e assassinatos.

Em Londres havia coleções de objetos e armas de todo tipo usados por salteadores de estrada e ladrões para renderem e amedrontarem suas vítimas quando as roubavam. Os que reagiam eram maltratados e até mortos.

Os homens chamados foram chegando e encaminhados para o salão. Quando o último deles apareceu, John iniciou a reunião a portas fechadas.

— Vocês já sabem porque estão aqui. Vou ler a mensagem deixada pelos seqüestradores. Ouçam com atenção e pensem em alguma coisa que nos ajude a encontrar Sua Senhoria. Vocês sabem que Firefly voltou para casa há pouco tempo, o que me faz supor que os seqüestradores não levaram minha esposa para muito longe.

Todos ouviram compenetrados a leitura do bilhete. Quando terminou, John esclareceu:

— Talvez vocês estejam achando que bastaria eu deixar o dinheiro do resgate no local combinado para ter lady Melita de volta. Mas, na minha opinião, é revoltante ter de ceder às exigências de chantagistas. Se eu fizer isso, estarei encorajando-os a continuarem com seus crimes.

Um murmúrio de assentimento ressoou pelo salão. Os homens ouviam as palavras do patrão com expressão grave.

Sir John prosseguiu: — De mais a mais, quem nos garante que os seqüestradores cumprirão

a sua parte quando pegarem o dinheiro? Que garantia temos de que lady Melita voltará para casa sã e salva? Afinal, não estamos efetuando uma transação comercial entre cavalheiros. Estamos lidando com bandidos! E todos vocês, homens de bem, que labutam para ganhar a vida, hão de

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concordar comigo que é revoltante ter de ceder a esses chantagistas! Pensem bem: se eles saírem vitoriosos, continuarão a agir e se tornarão casa vez mais ousados e perigosos!

Novo murmúrio percorreu o salão. — Agora eu quero saber se alguém viu lady Melita e se tem idéia de

onde ela possa estar escondida — John questionou. Um dos cavalariços ficou de pé. — Vi Sua Senhoria indo para o bosque, mas os seqüestradores não

iriam escondê-la ali. Ela seria encontrada facilmente. — O que eu sei, sir John, é que desde que Sua Senhoria deixou o pátio

das cocheiras até Firefly retornar, transcorreram apenas quarenta e cinco minutos — informou o chefe dos cavalariços.

Potter, um jardineiro idoso e já aposentado que insistira em continuar na propriedade e agora apenas molhava as plantas, fez uma observação importante.

— Quando o senhor estava lendo o bilhete, sir John, notei uma estranha marca nas costas do papel — disse com a voz trêmula de velho.

John pegou a folha de papel que deixara sobre a mesinha do seu lado e virou-a para examiná-la.

— Veja, sir John! — O velho, que se aproximara, indicou as manchas amarelas no papel e concluiu com a certeza de um grande conhecedor: — Pólen de girassol! O senhor sabe que essas flores deixam um pouco do pólen amarelo em tudo o que tocar nelas.

— É claro! — John concordou, olhando fixamente para a mancha. — Você foi brilhante, Potter. Não resta dúvida de que os seqüestradores levaram Sua Senhoria para a caverna!

— Vamos até lá! — gritou um dos homens. — Não há tempo a perder! — Calma! — John ergueu a mão. — Se nos precipitarmos os bandidos

talvez matem Sua Senhoria. Vamos usar a cabeça. Quero a minha esposa de volta sem um arranhão. Tenho um plano. A primeira coisa a fazer será retirar as dez mil libras do banco.

— Oh, pretende entregar todo esse dinheiro aos seqüestradores, sir John? — Bates indagou, horrorizado.

— Embora eu prefira não dar um xelim a esses bandidos, devo estar prevenido. Pode ser que não me reste alternativa senão colocar as dez mil libras no local que eles mencionaram. A vida de Sua Senhoria é mais importante do qualquer soma em dinheiro — John sentenciou. — Quero a sege pronta o mais depressa possível. Conto com você para fazer isso, Brian.

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— Perfeitamente, sir — prontificou-se Brian, o chefe dos cavalariços. — Devo levá-lo ao banco, sir?

— Não. Alguém irá no meu lugar. John observou os homens à sua frente e seus olhos se detiveram em

um dos lacaios. — Você irá ao banco, James. Temos quase a mesma altura e o mesmo

tipo físico. Quero que você vista um de meus casacos e coloque meu chapéu, deixando-o bem caído sobre o rosto. Jules o ajudará e saberá transformá-lo em meu sósia.

Notando a expressão indagativa de todos, especialmente de James, John esclareceu:

— Tenho certeza de que os seqüestradores estão nos vigiando a alguma distância daqui. Portanto, se eles virem a sege a caminho da cidade, deduzirão que eu fui retirar o dinheiro do resgate. Mas quem estará na carruagem não serei eu. De longe será impossível reconhecerem James. Eu estarei com vocês a caminho da caverna para salvar minha esposa.

— É um plano perfeito — os homens aprovaram. Sem perda de tempo, John deu suas ordens:

— Pois bem: James, Jules, Brian e um de seus ajudantes podem sair. Agora preciso de cinco voluntários que saibam atirar muito bem para acompanhar-me à caverna. Sei que alguns estiveram no Exército e Boyden serviu na Marinha. Os cinco voluntários podem ir com Bates à sala do lado escolher a arma de sua preferência e as munições. Cada um também deve levar uma arma branca. Um punhal ou estilete não faz barulho. Enquanto vocês escolhem as armas, irei ao escritório providenciar tudo para a retirada do dinheiro. E quem ficar em casa, reze para sermos bem-sucedidos.

Uma vez em seu escritório, John sentou-se à escrivaninha e redigiu uma carta ao gerente do banco; explicou-lhe que precisava de dez mil libras imediatamente. Essa quantia devia ser entregue ao portador.

Encerrou a carta dizendo: “Peço-lhe desculpas se causei algum transtorno ao sacar tão grande quantia

sem aviso prévio. Mas é impossível esperar. Trata-se de um caso de vida ou morte.” Preencheu em seguida o cheque, assinou-o, colocou-o com a carta num

envelope e sobrescritou-o com o nome do gerente do banco. Subiu para seu quarto e pegou o revólver que sempre levava consigo

em suas viagens, e uma maleta. Ao descer a escada encontrou James no hall usando um casaco muito elegante e chapéu alto. Entregou-lhe a maleta, o envelope, e deu-lhe as últimas instruções.

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A sege já estava na frente da casa e assim que James sentou-se do lado de Brian, este tocou os cavalos.

Os cinco homens que acompanhariam sir John à caverna, apareceram no hall, cada um portando as armas de sua escolha e John instruiu-os:

— Sairemos pelos fundos, um de cada vez, para não levantarmos suspeitas; os bandidos devem estar nos observando. Tomaremos a direção norte para alcançarmos a parte de lateral do morro onde fica a caverna. Nosso encontro será na mata que existe ali. A vegetação nativa é densa e nos protegerá. Acredito que os seqüestradores estarão mais atentos à estrada, esperando a carruagem voltar com o dinheiro do banco. Na caverna deve haver apenas dois homens vigiando Sua Senhoria. Da mata os observaremos e, no momento certo, os pegaremos de surpresa. Agora podem ir. E que Deus nos ajude.

Os homens assentiram e deixaram o hall, um por vez. Lembrando-se de um detalhe importante que só no momento lhe ocorria, John ordenou a Bates:

— Vou precisar de uma carruagem para trazer lady Melita para casa. Avise nas cocheiras que, uma hora depois que eu sair de casa, um dos cavalariços deverá levar uma carruagem fechada para o caminho que passa atrás da caverna e ficar à minha espera.

O mordomo afastou-se e John foi para a sala de estar servir-se de um drinque. Viu sobre o sofá o livro que Melita estivera lendo e lembrou-se dela com o maior carinho.

Se ela não voltasse, Gilmour Hall nunca mais seria a mesma. Desde que ela chegara a casa se enchera de vida, de luz, calor e alegria.

John teve a mais aguda consciência de que ela representava tudo para ele.

Não poderia perdê-la. Lutaria com todas as suas forças, empregaria todos os recursos para que ela nada sofresse, para trazê-la de volta, sã e salva.

Com esse propósito, saiu de casa pela porta da cozinha. Caminhou rente ao muro que cercava a horta, depois procurou

manter-se sob as árvores ou junto das sebes, os arbustos, evitando as pastagens, ainda que precisasse de andar muito mais.

Por fim, conseguiu alcançar o terreno além do qual, no sopé de um morro, ficava a caverna.

Escondido atrás de uma sebe que cercava o terreno, John espiou por entre as folhagens para estudar como ele e seus homens se posicionariam.

A plantação de girassóis tomava a frente e um dos lados do pequeno

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monte onde ficava a caverna. Do outro lado e na parte de trás, ficava a mata com arbustos em plena floração, onde os cinco homens já deviam estar à sua espera.

Sem dúvida, todos eles poderiam esconder-se sob a vegetação sem que os seqüestradores os vissem, mesmo que estivessem vigiando do alto do morro.

A mata ficava do outro lado e John arrastou-se até lá. Só quatro homens encontravam-se sentados sob as árvores e arbustos. O quinto chegou logo depois de John.

— Vocês viram algum dos seqüestradores? — John perguntou. — Dois deles — Boyden respondeu. — Eles saíram da caverna e

olharam ao redor como se estivessem procurando alguém. Ficaram do lado de fora durante algum tempo e entraram na caverna novamente.

— Com certeza eles quiseram certificar-se de que não havia ninguém da propriedade por perto — John deduziu. — Vamos esperar mais um pouco. Quando eu der o sinal nos aproximaremos cautelosamente da caverna, mantendo-nos bem escondidos pelo mato e os arbustos. Nós os surpreenderemos na caverna e os manteremos sob a mira de nossos revólveres.

— Minha vontade é matar todos eles — disse um dos homens. — Eu também — outro murmurou. — Nada de precipitação — John recomendou. — Só atiraremos em

último caso. Espero libertar minha esposa sem violência, sem dispararmos uma bala. Essa é a melhor maneira. A justiça cuidará dos criminosos.

Todos ficaram em silêncio. John refletiu que àquela hora James devia estar voltando do banco com o dinheiro.

Cerca de cinco minutos depois ele avistou a carruagem na estrada que passava atrás da colina onde ficava a caverna. Ia chamar a atenção dos homens para o que avistara, quando um dos seqüestradores saiu da caverna e gritou para o companheiro em cockney, o dialeto inglês falado nos bairros pobres de Londres:

— A carruagem! Ele está de volta com o dinheiro! Havia no tom de voz do bandido uma euforia como se ele estivesse

achando que a batalha estava ganha. Esse era o momento de agir. John fez apenas um sinal com a mão e

começou a arrastar-se entre a vegetação; os homens seguiram-no. Quando chegou à entrada da caverna, John ficou de pé e, mal deu dois

passos, um dos seqüestradores surgiu à sua frente e apontou-lhe uma arma.

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Com incrível rapidez, John esmurrou-o com a classe de um pugilista, não lhe dando tempo de atirar, deixando-o caído no chão.

John correu para o interior da caverna e viu Melita sentada numa cadeira e amarrada com cordas. O outro seqüestrador, que apontava um revólver para a cabeça dela, ameaçou:

— Parado! Se der mais um passo, eu atiro! Sem responder, John disparou o revólver e atingiu o braço do homem

que deixou cair a arma, cambaleou com um grito e, por fim, ficou no chão, gemendo.

A essa altura, dois dos homens de John chegaram e apontaram as armas para o seqüestrador ferido. Dois outros ficaram à entrada da caverna, vigiando, no caso de o estrondo do tiro ter atraído outros seqüestradores.

Boyden ficara do lado do primeiro bandido que recebera o murro e ainda não voltara a si.

John correu para Melita, desamarrou-a e jogou as cordas para seus homens.

— Amarrem os bandidos e fiquem aqui até que a polícia chegue — ordenou. — Vou levar Sua Senhoria para casa.

— Você veio… — Melita murmurou. — Rezei muito… pedi a Deus que você… viesse me salvar.

— Está tudo bem, querida. Ninguém lhe fará mal algum — John asseverou e ergueu-a nos braços.

Carregou-a para fora da caverna e disse aos homens que estavam vigiando:

— Venham comigo. Há uma carruagem esperando por nós aqui perto. Depois de nos deixarem em casa, vocês irão avisar a polícia.

Uma hora depois, Melita estava sentada no sofá, com a cabeça encostada no ombro de John. Tinha o rosto molhado de lágrimas.

John acabara de contar-lhe como Firefly voltara para casa, falou sobre a carta deixada pelos seqüestradores e como ele descobrira que ela fora levada para a caverna.

— Os seqüestradores exigiram dez mil libras? — Melita perguntou, surpresa. — Será que eu valho tanto assim?

— Você vale tudo o que eu possuo! — John enfatizou. — Nem acredito que o pesadelo… teve fim — Melita desabafou. — Os

homens estavam armados… e fiquei aterrorizada… pensando que eles iriam matar… você.

— Também sofri muito, eu não suportaria perdê-la, minha querida.

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Você é tudo para mim. É a coisa mais preciosa que tenho na vida — John declarou.

Surpresa, não só com as palavras, mas também com o modo como ele falou, Melita parou de chorar. Ergueu a cabeça e olhou para John de modo indagativo.

— Você… sofreria… se… eu partisse? — Amo você e não viverei feliz sem o seu amor. A vida não tem

sentido sem você — John reiterou. — É… verdade? Está sendo… sincero? — Estou lhe dizendo isso de coração, com toda a minha alma. Como

eu poderia deixar de amar uma mulher tão linda, tão perfeita, tão inteligente? Você tem tudo o que um homem pode desejar.

Com um murmúrio de felicidade, Melita encostou novamente a cabeça no ombro de John e balbuciou:

— Eu também o amo… há algum tempo… mas pensei que… o meu amor não fosse correspondido.

Estreitando Melita nos braços, John inclinou a cabeça e seus lábios encontraram os dela.

Foi um longo beijo. O beijo de um homem que havia passado muito tempo procurando o amor e agora que o encontrara, receava perdê-lo.

— Amo você… Eu… o amo! — Melita repetiu. — E eu a adoro — John respondeu. — Você é a mulher perfeita que eu

vinha buscando e não acreditava que fosse possível encontrar. Oh, meu amor, como você pode ser tão maravilhosa? E pensar que eu poderia perdê-la!

John voltou a beijá-la com mais ardor do que antes. Foi um beijo que parecia não terminar e que provocou em Melita um

prazer que ela não saberia descrever com palavras. Erguendo, por fim, a cabeça, John lembrou-se do champanhe que

Bates havia deixado no gelo. — Creio que merecemos uma taça de champanhe — disse, levantando-

se. Serviu duas taças, entregou uma a Melita e propôs: — Um brinde à mulher mais linda e mais adorável do mundo! A

mulher com quem me casarei agora! — Agora?! — Melita repetiu, perplexa. — Você quer dizer… aqui…

em Gilmour Hall? — Agora, sim. Imediatamente. Se pensa que me arriscarei a perdê-la,

está muito enganada.

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— Mas… todos pensam que já somos casados… que nos casamos em Paris — Melita lembrou.

— Deixe tudo por minha conta, querida. Suba e descanse. Está precisando disso — John aconselhou-a.

O reverendo Harvey entrou na sala onde John o aguardava. — Minha esposa e eu pretendíamos fazer-lhe uma visita desde que

chegamos — John começou a dizer, tendo apertado a mão do vigário —, mas estive muito ocupado.

— Não é de surpreender que esteja muito atarefado, sir John, uma vez que se ausentou de Gilmour Hall durante muito tempo — tornou o reverendo.

— Realmente. Bem, chamei-o aqui porque preciso de uma licença especial de casamento para mim e lady Melita — John foi direto ao assunto.

— Os jornais noticiaram que vocês se casaram em Paris — disse o vigário parecendo confuso.

— Sim, mas foi uma cerimônia realizada às pressas porque monsieur

Murillo estava à morte. Além disso, não nos casamos na igreja anglicana, como era o nosso desejo. Portanto, Melita e eu não nos sentimos realmente casados.

— Compreendo. E, é claro, atenderei ao pedido de ambos. Quando será o casamento?

— Hoje às dez da noite, em minha capela, se não houver inconveniente para o senhor. Eu também gostaria que a sua esposa servisse de testemunha. Dessa forma, o que for realizado esta noite em minha capela ficará só entre nós quatro.

— Não há inconveniente, claro. Mas imaginei que vocês quisessem uma cerimônia solene depois da qual houvesse uma recepção grandiosa para centenas de convidados — expôs o reverendo.

— Na primeira oportunidade ofereceremos uma festa assim — John prometeu. — Quem sabe no aniversário de minha esposa. Então todos da vila serão convidados. Mas a cerimônia de hoje tem importância apenas para nós; não queremos saber de comentários e muito menos de notícias nos jornais. Depois que o senhor ministrar o serviço religioso estaremos casados na igreja anglicana e é isso que nos interessa.

— É uma honra saber que vocês confiaram a mim a celebração dessa cerimônia que significa tanto para ambos — o reverendo falou com uma nota de satisfação na voz. — E se querem manter o casamento em segredo, minha esposa e eu não diremos uma palavra a ninguém.

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O reverendo despediu-se e prometeu estar de volta à noite para oficiar a cerimônia.

John mandou chamar o jardineiro-chefe e explicou-lhe que Sua Senhoria e ele queriam a capela enfeitada com muitas flores.

Por fim, John subiu para o quarto de Melita e deu-lhe a boa notícia de que todas as providências haviam sido tomadas e eles se casariam nessa noite.

— Nem acredito que tudo seja verdade — Melita falou com os olhos brilhando de felicidade.

— Pode acreditar. Esta noite nos tornaremos marido e mulher. Tudo será mantido em segredo. Os criados estão pensando apenas que nós dois queremos oferecer a Deus um culto de louvor e agradecimento por você ter sido salva das mãos dos seqüestradores — John expôs.

Melita ergueu os braços. — Oh, estou tão feliz! Encontrei o marido mais maravilhoso que existe. — E eu me considero o homem mais venturoso da face da terra porque

vou me casar com a mulher mais adorável que alguém já conheceu. Uma mulher que roubou meu coração e a quem pertenço inteiramente.

— Tem mesmo certeza do que está dizendo? Você acha que encontrou a mulher que o ama pelo que você é não pelo que possui? — Melita questionou.

— Sei perfeitamente que você não vai se casar comigo pelo meu dinheiro, nem pelo meu título — John falou com convicção. — Com a sua beleza, o seu encanto e a sua fortuna, você pode desposar um príncipe. Para isso, basta você olhar para os lados. No entanto, não vou permitir que nenhum outro a roube de mim.

Melita riu. — Eu só quero você. Tomando-a nos braços, John beijou-a. Seus lábios se mostraram

possessivos e apaixonados. Esse beijo provocou em Melita uma sensação maravilhosa e excitante.

— Amo você — ele declarou pouco depois com a respiração entrecortada. — Quando estivermos casados vou mostrar-lhe o quanto a amo e isso é uma coisa que venho desejando fazer há muito tempo.

— Ah, John, também o amo! Estou tão feliz! John e Melita entraram na capela que os jardineiros haviam deixado

toda enfeitada de flores. Melita trajava um vestido branco, do enxoval, e tinha a cabeça coberta

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pelo véu de finíssima renda que usava no convento na cerimônia da comunhão. Trazia na mão apenas um pequeno buquê de orquídeas brancas.

A cerimônia, breve e singela, foi comovente. Ao receberem a bênção final, os noivos sentiram que lorde Edward, lady Evelyn e Gavron Murillo também os abençoavam.

Eles saíram da capela e seguiram para a suíte pelos corredores mal iluminados.

— Esta noite você virá para o meu quarto. Tenho ficado muito sozinho, querida, e nunca mais permitirei que haja essa porta fechada entre nós — disse John, entrando na saleta.

Melita sorriu e afastou-se; tinha as faces coradas. Entrou no quarto e enquanto se despia, refletiu que um novo capítulo

chamado “matrimônio” estava começando em suas vidas. “Teremos uma grande família”, pensou. Não imaginava que no quarto contíguo John pensava da mesma

forma. Deitada no grande leito onde os ancestrais de Gilmour haviam

dormido no decorrer dos séculos, Melita aconchegou-se ao marido. — Como pude encontrar uma esposa tão perfeita? — John perguntou,

contemplando a esposa, embevecido. — Estávamos destinados um ao outro. Sou sua… pertenço a você

completamente — Melita murmurou. — Ainda não pertence completamente… — John corrigiu, com fogo no

olhar. — Quero pertencer… quero aprender a amá-lo… como uma mulher

deve amar um homem. — Vou começar a ensiná-la, agora. Curvando-se sobre ela John beijou-

a com ternura, depois de maneira ardente e apaixonada. Melita foi invadida por um êxtase indescritível, além de tudo o que imaginara.

Entregou-se ao marido deixando que o amor falasse por si mesmo…

F I M