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1 ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES 23 A 25 DE ABRIL DE 2013, UNESP, ARARAQUARA (SP) EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS E DELIBERATIVAS: O DEBATE SOBRE O POSSÍVEL FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O AUMENTO DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A PARTIR DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS ANDRIA CAROLINE ANGELO SANTIN - UFPEL Universidade Federal de Pelotas ÍSIS OLIVEIRA BASTOS MATOS – UFPEL Universidade Federal de Pelotas

ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO ......representativo e autogoverno do povo (idem, p.17). Para Manin, o governo representativo já passou por inúmeras mudanças importantes,

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ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS

PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES

23 A 25 DE ABRIL DE 2013, UNESP, ARARAQUARA (SP)

EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS E DELIBERATIVAS: O DEBATE SOBRE O

POSSÍVEL FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O

AUMENTO DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A PARTIR

DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

ANDRIA CAROLINE ANGELO SANTIN - UFPEL Universidade Federal de Pelotas

ÍSIS OLIVEIRA BASTOS MATOS – UFPEL Universidade Federal de Pelotas

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EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS E DELIBERATIVAS: O DEBATE SOBRE O POSSÍVEL FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O

AUMENTO DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A PARTIR DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

ANDRIA CAROLINE ANGELO SANTIN

ÍSIS OLIVEIRA BASTOS MATOS

Resumo: Durante o século XX, a democracia assumiu papel central no campo político. O debate contemporâneo acerca desta temática instiga o desenvolvimento de diversos trabalhos e estudos sobre algumas experiências democráticas participativas e/ou deliberativas, as quais ocorrem em sistemas políticos representativos. Observando algumas análises (já realizadas) e orientações do sistema democrático instaurado no Brasil, o presente trabalho objetiva demonstrar que as experiências brasileiras participativas e/ou deliberativas, vivenciadas a partir dos conselhos gestores de políticas públicas, fortalecem a democracia representativa e proporcionam uma aproximação entre sociedade civil e Estado, possibilitando, inclusive, em alguns casos, a elaboração de políticas públicas que correspondam à demandas locais específicas. Para tal, realizar-se-á uma revisão bibliográfica e documental. Palavras-chave: democracia representativa, experiências deliberativa e participativa, sociedade civil, estado. Introdução

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 1, Parágrafo único).

Ao considerar o papel central assumido pela democracia no campo político

durante o século XX (SANTOS, AVRITZER, 2005) e frente ao consenso (presente

em diversas reflexões acadêmicas e políticas) da desejabilidade da democracia (no

sentido mais geral do conceito), diversos estudos e trabalhos foram desenvolvidos

enfocando esta forma de governo, suas variações e as inúmeras experiências de

diferentes países.

Boaventura Santos e Leonardo Avritzer (2005) salientam que, durante o

século XX, dois debates principais envolveram o tema da democracia: aquele que

dizia respeito à desejabilidade da democracia como forma de governo, pensamento

que, ao final das duas guerras mundiais, se converteu em um consenso de que um

procedimento eleitoral para a formação de governos seria o mais indicado aos

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países e, aquele que dizia respeito às condições estruturais da democracia, o qual

englobava o debate sobre a compatibilidade entre capitalismo e democracia e que,

segundo Przeworki (1985), em caso de tensão, resolver-se-ia em favor da

democracia.

A partir da última década do século XX, frente à falência do Estado-

Providência e ao corte nas políticas sociais (SANTOS; AVRITZER, 2005), o debate

democrático sobre as condições estruturais da democracia foi reaberto, porém sob

uma nova “roupagem”. Com o avanço das democracias liberais e a implementação

de governos democráticos representativos, questionamentos sobre uma possível

crise da representação nas democracias contemporâneas começaram a surgir.

Algumas verificações no que tange ao declínio do comparecimento eleitoral, à

ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às instituições políticas e ao

esvaziamento dos partidos políticos foram registradas em alguns países e na

sociedade brasileira (LÜCHMANN, 2007). A presença de tais constatações justifica

um conjunto de demandas direcionadas à criação de instituições participativas e/ou

deliberativas (tais como os conselhos gestores e orçamentos participativos no

Brasil).

Assim, este artigo objetiva demostrar que as experiências participativas e/ou

deliberativas locais, vivenciadas a partir da criação dos conselhos gestores de

políticas públicas não só são desejáveis na democracia representativa brasileira

como, também, a fortalecem. O trabalho visa, ainda, demonstrar que tais

experiências proporcionam uma maior interação entre sociedade civil e Estado,

possibilitando, inclusive, a elaboração de políticas públicas mais adequadas às

demandas locais. Para tal, realizar-se-á uma revisão bibliográfica e documental.

1. A democracia representativa e as experiências participativas e

deliberativas

Inúmeros são os autores e estudos, na área de ciência política, que apresentam

contribuições teóricas sobre o tema democracia. O debate contemporâneo acerca

deste regime político é vasto, plurifacetado e apresenta variações. Mais

recentemente, no entanto, as análises acadêmicas têm concentrado esforços em

mapear e analisar algumas evidências apresentadas pelo modelo de democracia

representativa e, diante dos novos padrões de participação política emergentes,

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destacam alguns tipos de experiências democráticas alternativas que surgem nesse

contexto.

Nesse sentido, baseada em algumas mudanças comportamentais, tais como:

ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às instituições políticas

(BAQUERO, 2001), o declínio do comparecimento eleitoral e o esvaziamento dos

partidos políticos (LÜCHMANN, 2007), pode-se encontrar, em algumas obras, a

denúncia de uma possível crise no sistema representativo (FUNG, 2007; COHEN,

2007). Já sob outra ótica, autores como Manin (1995), Pitkin (1979) e Lavalle (2006)

demonstram, em suas análises, não uma crise, mas uma reconfiguração da

representação no regime democrático.

1.1 Democracia Representativa e o conceito de representação

A compreensão da essência da teoria de Schumpeter é vital para uma

apreciação das obras mais atuais sobre teoria democrática, pois elas foram

elaboradas dentro do parâmetro estabelecido por Schumpeter e basearam-se em

sua definição de democracia (PATEMAN,1992, p.13).

Objetivando desenvolver uma teoria em harmonia com o funcionamento real da

democracia no mundo moderno (CUNNINGHAM, 2002, p.19), Schumpeter criticou a

teoria clássica da democracia e trouxe conceitos do campo econômico para o campo

da ciência política, o que reforçou o modelo elitista. A concepção do autor sobre a

democracia significou uma profunda revolução na teoria política (AMANTINO, 1998,

p.137), foi um “divisor de águas” entre o clássico e moderno na teoria da

democracia, pois a apresentou em sua versão empírica, direta e real.

Schumpeter afirma que a democracia vista como “o arranjo institucional para se

chegar a decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o próprio povo decidir

as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a

vontade desse povo” (SHUMPETER, 1984) não pode ser tomada realidade nas

sociedades modernas. Isso porque além da democracia direta ser de difícil execução

(requer todos os cidadãos presentes em assembleia) dentre os principais problemas

acerca da teoria clássica, está a

proposição de que “o povo” tinha uma opinião definida e racional sobre todas as questões individuais e que ele objetivava essa opinião – numa democracia – escolhendo “representantes que zelariam para que essa opinião fosse seguida (SCHUMPETER, 1984, p.336).

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Primeiramente, para o autor, “o povo” e os temas públicos são bastante

distantes e o senso de realidade do indivíduo diminui na medida em que os

problemas se distanciam daqueles imediatamente pessoais. Assim, enquanto na

vida diária, os indivíduos apresentam um maior grau de senso da realidade, nos

temas públicos, esse senso diminui e até se perde completamente (AMANTINO,

1998, p.131), ou seja, a opinião não seria, necessariamente, racional. Para além,

Schumpeter insiste que não existe algo que seja um bem comum unicamente

determinado (caso contrário, não seriam necessários diversos partidos). Com

relação ao papel assumido pelo povo, Schumpeter afirma que é “produzir um

governo, ou melhor, um corpo intermediário que, por sua vez, produzirá um governo

ou um executivo nacionais” (SCHUMPETER, 1984, p.336), ou seja, o povo decide

quem será a pessoa ou o grupo na liderança. Como função secundária, o autor

coloca a retirada da aceitação do líder, ou seja, desapossar o líder. Pois apesar de o

eleitorado normalmente não controlar de maneira alguma seus líderes políticos, ele

pode recusar-se a reelegê-los (idem, 1984, p.339). Dessa forma, a democracia é

reduzida a um “acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os

indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos

da população” (idem, 1984, p.336).

A democracia representativa também é pauta nos trabalhos de Bernard Manin

(1995). O autor aponta que diferentemente do que muitos intelectuais afirmam, o

governo representativo não está em crise, mas sim em um processo de modificação

e o que realmente está passando por um rearranjo, por um deslocamento são as

relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da

política pública por parte do eleitorado (MANIN, 1995, p.2 e p.17). Para além, o autor

ressalta a importância de se reconhecer a existência da diferença entre governo

representativo e autogoverno do povo (idem, p.17).

Para Manin, o governo representativo já passou por inúmeras mudanças

importantes, tais como a ampliação do direito ao sufrágio e a emergência dos

partidos de massa, os quais permitiram a aproximação dos representantes e

representados. O autor assinala os princípios do governo representativo:

1) Os representantes são eleitos pelos governados. Porém,

Embora o povo não governe, ele não está confinado ao papel de designar e autorizar os que governam. Como o governo representativo se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem condições de exercer certa influência sobre as decisões do governo:

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pode, por exemplo, destituir os representantes cuja orientação não lhe agrade. Por outro lado, o governo representativo pode ser um governo de elites, mas cabe aos cidadãos comuns decidir que elite vai exercer o poder (MANIN, 1995, p.3).

2) Os representantes conservam uma independência parcial diante das

preferências dos eleitores (MANIN, 1995, p.4).

3) A opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar independente

do controle do governo – o que requer o acesso à informação e a liberdade

de expressar opiniões políticas.

4) As decisões políticas são tomadas após debate – o governo representativo

sempre foi interpretado e justificado como um sistema político em que a

assembleia desempenha um papel decisivo (idem, p.6).

Os fundadores do governo representativo colocaram a igualdade das vontades na base de suas concepções políticas: Nenhuma superioridade intrínseca confere a determinados indivíduos o direito de impor sua vontade aos demais. Por conseguinte, se uma convergência de vontades deve ser atingida numa assembleia onde nem o mais forte, nem o mais competente, nem o mais rico, têm razões para impor sua vontade aos demais, todos os participantes devem procurar conquistar o consentimento dos outros através da persuasão (MANIN, 1995, p.6).

Manin caracteriza três formas de governo representativo, os quais

apresentam certas particularidades dentro dos princípios supracitados e

apresentados pelo autor: o tipo parlamentar, a democracia de partido e a democracia

do público, no entanto, coloca que essas formas não esgotam todas as formas de

governo representativo, nem mesmo todas as formas que ele assumiu na realidade,

mas são os mais significativos e estáveis, sob o ângulo da relação de representação

que estabelecem (MANIN, 1995, p.2).

A fim de melhor compreender as colocações de Bernard Manin, se faz

necessária a revisão do conceito de representação. Hanna Pitkin foi uma das

primeiras teóricas a tratar do conceito de representação. Em The Concept of

Representation analisou os diversos significados que foram anexados ao termo e

ressaltou que para se compreender o conceito de representação política, devem ser

considerados os diferentes modos como o termo é usado.

Pitkin coloca que a representação é, em grande medida um fenômeno cultural

e político, um fenômeno humano (PITKIN, 1979, p.16) e pontua a existência do

paradoxo de tornar presente de alguma forma aquilo que não está literalmente

presente. Para Pitkin, representar “é atuar no interesse do representado, mas de

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forma receptiva a ele”. Para a autora existem três necessidades para a

representação: 1) O representante deve atuar de forma independente, 2) ser

concebido como capaz de ação e julgamento independente e 3) atuar de tal modo

que não haja conflito.

Representação política, para Pitkin (1979), é um arranjo público

institucionalizado onde a representação emerge não da ação de apenas um

participante, mas de uma estrutura global e do funcionamento do sistema. O

entendimento sobre representação pressupõe duas condições a serem realizadas

dentro do próprio conceito (representação como atividade (não como relação entre

dois termos) e ter um conteúdo substantivo). Na representação como atividade, o

representante representa um mandante (toma decisões, tem obrigações e

compromissos que o mandante aceita, age por caminhos que o mandante deve

conhecer).

O conteúdo substantivo da representação tem duas variações: a simbólica (o

representante adquire um significado para aqueles que estão sendo representados)

e a descritiva (o representante assemelha-se aqueles que estão sendo

representados), Pitkin apresenta mais duas dimensões, a formalista (autorização

prévia e envolve duas dimensões: Accountability – capacidade dos representados

para punir seus representantes e Autorização – modo como o representante obtém

sua reputação, status posição) e a substantiva (a atividade dos representantes, ou

seja, as medidas tomadas em nome de, no interesse de, como agente de, e como

um substituto do representado). Cada dimensão fornece diferences formas para

entender a representação e diferentes padrões para avaliar os representantes.

A autora defende a representação substantiva, visto que os representantes

buscam estabelecer políticas favoráveis aos interesses daqueles que representam,

se refere à substância do que é feito, é necessário saber se um agente representa

bem ou mal, indica o que o representante faz. Porém, Pitkin acaba por afirmar que a

melhor forma de democracia seria a direta, sendo a democracia representativa

apenas uma alternativa inevitável.

Nadia Urbiati (2006) amplia o conceito de representação enunciado por Pitkin,

a autora afirma que a concentração do conceito de representação em torno de

questões como a autorização e a accountability

[…] deixou de ser satisfatória devido a transformações na política doméstica e internacional. Cada vez mais atores internacionais, transnacionais e não-governamentais desempenham um papel

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importante na implementação de políticas públicas a favor dos cidadãos. Neste sentido, eles agem como representantes. Esses atores ‘falam por’, ‘agem por’ e ‘defendem posições em nome de’ indivíduos no interior do Estado nacional” (Urbinati, 2006b apud AVRITZER, 2007, p.452).

E coloca que a representação

é a instituição que possibilita à sociedade civil identificar-se politicamente e influenciar a direção política do Estado, transformando, assim, o social em político (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p. 141).

A autora propõe a construção de uma teoria da democracia representativa a

partir de uma “revisão democrática” da teoria rousseauniana da soberania popular

(URBINATI, 2006, p.25). Logo, a concepção política de representação proposta pela

autora, tende à adesão às diferenças sociais, ou mais precisamente, ao termo que

ela prefere a este: representatividade (representativity) (FERES, POGREBINSCHI,

2010, p.142).

Para Urbinati, a representatividade seria um dos aspectos irredutíveis que

caracterizariam uma representação como democrática. A autora afirma que as fontes

de informação, comunicação e influência dos cidadãos através da mídia podem dar

um tom mais democrático à representação. Urbinati, ainda, difere democracia

eleitoral de democracia representativa, visto que as eleições produzem um governo

responsável e limitado, porém não um governo representativo (FERES,

POGREBINSCHI, 2010).

A teoria política contemporânea, reconhecendo os dilemas colocados pela representação política e atestando a insuficiência dos modelos vigentes para a solução dos mesmos, passa a orientar seus esforços na direção da criação de novas formas de democracia que buscam superar os limites da representação por meio da participação ou da modalidade mais contemporânea desta, a deliberação (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.143).

1.2 Democracia Participativa e participação

A democracia participativa se caracteriza pela ênfase na participação (PATEMAN,

1992, p. 35) e vem a ser uma resposta de oposição ao modelo elitista democrático.

Pateman (1970) é talvez a pioneira no desenvolvimento do que chama de uma teoria participativa da democracia. Tomando como base o pensamento de autores modernos, como Rousseau, Mill e Cole, foca na análise da participação dos trabalhadores, em particular na indústria, e estuda um caso de autogestão dos trabalhadores na antiga Iugoslávia (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.152).

É em Rousseau que os teóricos da democracia participativa encontram seu ponto

de partida (PATEMAN, 1992, p.52) e suporte argumentativo aos seus trabalhos

(CUNNINGHAM, 2002, p.149), pois as premissas do teórico permitem afirmar que há

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uma inter-relação entre as estruturas de autoridade das instituições e as qualidades

e atitudes psicológicas dos indivíduos, além de ressaltar a principal função da

participação: o caráter educativo (PATEMAN, 1992, p.42).

Pateman afirma que a participação política é de extrema importância para a

democracia política, a autora ressalta que democracia seria um sistema no qual os

cidadãos teriam poder para influenciar o campo político, o que, segundo a mesma, é

realizado através da educação (ocorre em diversas áreas e contribuem para o

processo democrático) e depende da participação nas mais variadas esferas.

Para Rousseau, para um sistema participativo funcionar era necessária uma

igualdade política e certa igualdade econômica, não absoluta, mas em termos ideais,

deveria existir uma situação em que “nenhum cidadão fosse rico o bastante para

comprar o outro e em que nenhum fosse tão pobre que tivesse que se vender”.

Rousseau afirma a necessidade da interdependência entre os cidadãos, pois

vistos coletivamente seriam soberanos e a participação independente constitui o

mecanismo pelo qual essa interação é reforçada. O processo de participação

assegura que a igualdade política seja efetivada nas assembleias em que as

decisões são tomadas e a situação ideal é a presença de indivíduos ou associações

organizadas numerosas e de poder político tão igual quanto possível, e não de

grupos organizados, pois estes poderiam querer que prevalecessem suas “vontades

particulares”.

O principal resultado político é que a vontade geral é, tautologicamente, sempre justa (ou seja, afeta a todos de modo igual), de forma que os direitos e interesses individuais são protegidos, ao mesmo tempo que se cumpre o interesse público. A lei “emergiu” do processo participatório, e é a lei, e não os homens, que governa as ações individuais (PATEMAN, 1992, p.37).

Rousseau coloca que a participação acontece na tomada de decisões e constitui

– como nas teorias do governo representativo – um modo de proteger os interesses

privados e de assegurar um bom governo, além de ser educativa (educação aqui no

sentido amplo). O cidadão, assim, aprende a ser tanto um cidadão público quanto

privado.

Ainda, na visão de Rousseau, a participação está estreitamente ligada ao

controle, e isto se vincula à noção de liberdade do autor. Ele definiu liberdade como

“a obediência à lei que alguém prescreve a si mesmo” (PATEMAN, 1992, 39), ou

seja, para ser livre, o individuo deve participar.

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Tanto a sensação de liberdade do indivíduo quanto sua liberdade efetiva aumentam por sua participação na tomada de decisões, porque tal participação dá a ele um grau bem real de controle sobre o curso de sua vida e sobre a estrutura do meio em que vive (PATEMAN, 1992, p.40).

Assim, para Rousseau, a participação permite, ainda, que as decisões coletivas

sejam aceitas mais facilmente pelo individuo e fornece a sensação de que cada

cidadão isolado “pertence” à sua comunidade (PATEMAN, 1992, p.41).

John Stuart Mill encara a função educativa da participação quase nos mesmos

termos de Rousseau, porém o autor acrescenta uma nova dimensão - necessária,

caso se queira aplicá-la a uma sociedade de larga escala - a esta hipótese: o

individuo deve ser preparado para essa participação a um nível local e é justamente

aí que se cumpre o verdadeiro efeito educativo da participação (PATEMAN, 1992,

p.46). Mill também sugere que a participação no “governo” do local de trabalho teria

o mesmo impacto (indústria). Pateman coloca que

a sociedade pode ser vista enquanto um conjunto de vários sistemas políticos, cujas estruturas de autoridade têm um efeito importante sobre as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro deles; assim, para o funcionamento de uma política democrática a nível nacional, as qualidades necessárias aos indivíduos somente podem se desenvolver por meio da democratização das estruturas de autoridade em todos os sistemas políticos (PATENAM, 1992, p. 51).

Logo, a participação no local de trabalho pode ser encarada como a

participação política por excelência. Cole produz uma teoria de associações.

Sociedade, definida por ele, é um “complexo de associações que se mantêm unidas

pelas vontades de seus membros” (COLE, 1920a, p.12 apud PATEMAN, 1992,

p.53).

Na visão de Cole a indústria fornecia a arena para que se revelasse o efeito

educativo da participação, pois é na indústria que, exercendo-se o governo, o

individuo mais se envolve em relações de superioridade e subordinação, e o homem

comum passa grande parte de sua vida no trabalho (PATEMAN, 1992, p.55). Assim,

um sistema servil na indústria reflete-se em servidão política. Cole afirma, também,

que não poderia haver igualdade de poder político sem uma quantidade substancia

de igualdade econômica, sem uma equiparação da posição social, a qual seria

atingida com a socialização dos meios de produção sob um sistema de socialismo

de guilda, porque as classes teriam então que ser abolidas (PATEMAN, 1992, p.57).

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Para Pateman, a democracia participativa é constituída em torno da afirmação

central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser consideradas

isoladamente (PATEMAN, 1992, p.60). Para a democracia participativa, Estado e

sociedade civil não são entidades distintas (CUNNINGHAM, 2002, p.152).

Pateman coloca que a existência de instituições representativas a nível nacional

não basta para a democracia, a participação, o “treinamento social” precisa

acontecer em diversas esferas. A participação é, portanto, educativa tanto no

aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e

procedimentos democráticos. Por isso, ocorre a estabilidade do sistema participativo,

ele se auto-sustenta: a participação promove e desenvolve as qualidades que lhe

são necessárias (indivíduos capacitados) e para a existência da forma de governo

democrática, é necessária a existência de uma sociedade participativa (PATEMAN,

1992, p.61).

Pode-se caracterizar o modelo participativo como aquele onde se exige o input máximo (a participação) e onde o output inclui não apenas as políticas (decisões) mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e políticas de cada indivíduo, de forma que existe um “feedback” do output para o input (PATEMAN, 1992, p.62).

Boaventura (2002) realiza uma releitura do modelo e afirma que todos os casos

de democracia participativa estudados iniciam-se com uma tentativa de disputa pelo

significado de determinadas práticas políticas, por uma tentativa de ampliação da

gramática social e de incorporação de novos atores ou de novos temas à política e

um traço comum entre os processos políticos analisados: Os atores que implantaram

as experiências de democracia participativa colocaram em questão uma identidade

que lhes fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado

autoritário e discriminador.

Estudos sobre a democracia participativa são apresentados, também, por Archon

Fung (2004). O autor, ao realizar uma conexão entre empiria e teoria, analisa

pequenas e médias práticas institucionais de participação e deliberação a fim de

entender como elas efetivamente funcionam (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.

152). Fung, embora ganhe destaque no campo de estudos sobre democracia

participativa (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.152), apresenta um trabalho ligado

ao que ele denomina democracia deliberativa.

Para Fung, a democracia participativa é definida pelas oportunidades substanciais e

iguais que as pessoas devem ter de participar diretamente nas decisões que as

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afetam. Ele ressalta a importância que as instituições e os desenhos institucionais

têm na participação política e enfatiza a ideia de equilíbrio entre centralização e

descentralização, alegando que uma “autonomia controlável” é positiva para a

criação de um conhecimento local.

1.3 Democracia Deliberativa

Em termos simples, a democracia deliberativa refere-se a uma concepção de

governo democrático que assegura um lugar central para a discussão racional na

vida política (COOKE, 2009, p.143). A democracia deliberativa é uma concepção

normativa e de acordo com Cohen

está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática na qual a justificação dos termos e das condições de associação procede por meio de argumento e raciocínio público entre cidadãos iguais (COHEN, 1997, p.72 apud CUNNINGHAM, 2002, p.195).

A democracia deliberativa amplia a participação da sociedade civil na

regulação da vida coletiva, logo, a esfera pública não é considerada somente

uma agregação de preferências individuais, mas sim o produto de conversações

e argumentações, assim pode privilegiar a existência de uma pluralidade no

âmbito associativo. Esta teoria propõe um procedimento ideal para a deliberação

e tomada de decisão. Tal noção pode ser vista como “uma condição necessária

para se obter legitimidade e racionalidade com relação à tomada de decisão

coletiva” (BENHABIB, 1996, p.69 apud CUNNINGHAM, 2002, p.195).

A operacionalização desse procedimento ideal de deliberação e tomada de

decisão, ou seja, das políticas deliberativas, depende da institucionalização dos

procedimentos e das condições de comunicação, bem como da inter-relação de

processos deliberativos institucionalizados com as opiniões públicas

informalmente constituídas (HABERMAS, 1997, v. II, p. 21).

Ao caracterizar o processo da deliberação, Cohen afirma que este realiza-se

de forma argumentativa, é inclusivo e público, é livre de coerções externas, é

livre de coerções internas (que poderiam colocar em risco a situação de

igualdade dos participantes), visa um acordo motivado racionalmente, as

deliberações políticas atingem todas as matérias passíveis de regulação, em

virtude do interesse simétrico de todos (porém temas de natureza privada podem

ser submetidos à discussão), deliberações políticas incluem também

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interpretações de necessidades e a transformação de preferências e enfoques

pré-políticos (moralidade).

Habermas crítica o modelo proposto por Cohen por considera-lo incompleto, o

autor coloca que faltam as diferenciações internas e não trata da relação entre as

deliberações que se dão pelo processo democrático. O autor propõe um sistema

da seguinte forma: 1) Uma demanda surge no privado e através de agir

comunicativo. 2) O tema passa para a esfera pública (para Habermas existem

três tipos de esferas públicas: a episódica – bares, cafés, encontros de rua; a de

presença organizada – encontros de país, reuniões de partidos, igrejas; e as

abstratas – mídia), a esfera pública é uma rede para comunicação de conteúdos,

opiniões, tomadas de posições e tem a função de capturar e tematizar os

problemas da sociedade como um todo, mas não é o local de decisões políticas.

As diversas esferas públicas existentes se sobrepõem umas as outras, suas

fronteiras reais, sociais e temporais são fluidas. 3) As manifestações são

escolhidas com temas e tomadas de posição pró ou contra, propostas

informações e argumentos são elaborados como opiniões focalizadas, 4) Estas

se transformam em opiniões públicas em função do modo como surgem e do

amplo assentimento de que gozam. São opiniões qualificadas. 5) A esfera pública

leva os temas à sociedade civil (movimentos sociais, organizações e associações

livres do Mercado e do Estado que permanece ligada a núcleos privados do

mundo da vida), 6) A sociedade civil capta os ecos dos problemas sociais que

ressoam nas esferas privadas, condensam e transmitem para a Esfera Pública

Política.

Pode-se sintetizar as diferenças cruciais entre Cohen e Habermas, da

seguinte forma:

Em primeiro lugar, Cohen critica Habermas porque este se limita a mostrar que os atores da sociedade civil podem “influenciar” em momentos de crise o sistema político. Para Cohen, ao contrário é preciso pensar em formas de participação direta da sociedade civil nas decisões políticas. Portanto, trata-se de participação e não de mera influência. A segunda diferença importante, é que em Habermas a democracia participativa ficou restrita ao conceito de discussão ou diálogo. Para Cohen, todavia, as duas coisas são importantes: a democracia deliberativa envolve tanto o diálogo quanto a participação. É por isso que Cohen propõe a chamada “Poliarquia Diretamente Deliberativa”. E, para concluir de fato. Ainda que existam diferenças importantes entres dois autores, a marca fundamental das suas teorias é a centralidade do conceito de deliberação (ou da discussão mediada pelo diálogo), seja para influenciar o poder político (como quer

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Habermas), seja para fundamentar as decisões coletivas (como defende Joshua Cohen) (Amorim e Lenite da Silva, 2010, p.157).

Já, para Amy Gutmann e Dennis Thompson (2009), um valor fundamental da

democracia deliberativa é a reciprocidade, ou seja, a segurança que os cidadãos

devem uns aos outros, justificativas para as leis e as políticas públicas que os

vinculam mutuamente e que eles coletivamente elaboram. Justificação, esta, que se

sustenta sobre procedimentos e princípios (ou valores) substantivos, os quais,

apesar de serem extremamente questionados por procedimentalistas, não podem

ser desvinculados da teoria democrática deliberativa, visto que garantem uma maior

justiça distributiva.

Vale ressaltar que os valores de cooperação satisfazem a reciprocidade e a

reciprocidade gera uma base moral do status provisório dos princípios deliberativos,

ou seja, os cidadãos devem estar abertos à revisão ou mesmo à rejeição de suas

opiniões políticas, colocando-as à prova, “procurando fóruns nos quais seus pontos

de vista possam ser desafiados” (GUTMANN, THOMPSON, 2009, p. 193). Os

autores afirmam, também, que os princípios deliberativos devem manter uma

provisoriedade política, ou seja, devem estar sujeitos à deliberação atual em um

tempo especifico, mas também abertos à reconsideração atual e à revisao em um

tempo futuro (GUTMANN, THOMPSON, 2009, p. 198).

Uma deliberação pública é bem sucedida quando os participantes reconhecem

que contribuíram e influenciaram nos seus resultados, mesmo quando não

concordam com eles (BOHMAN, 2009). Maeve Cooke (2009) elenca cinco

argumentos a favor da democracia deliberativa. São eles: 1)poder educativo do

processo de deliberação pública; 2) poder de gerar comunidade do processo de

deliberação pública; 3) justiça do procedimento da deliberação pública; 4) qualidade

epistêmica dos resultados da deliberação publica; 5) congruência do ideal de política

articulado pela democracia deliberativa com “quem somos”.

2. Experiências participativas e deliberativas no Brasil a partir dos

conselhos gestores de políticas públicas

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da

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lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 14).

As experiências participativas no país vêm estimulando o desenvolvimento e a

incorporação de novos modelos teóricos de democracia que ampliam os atores e os

espaços da política (LÜCHMANN, 2007, p.142). Com a abertura política de um

governo autoritário e ditatorial para uma democracia representativa, inúmeros atores

pertencentes na sociedade civil1¨2 reivindicaram uma maior presença em instituições

encarregadas de deliberação sobre políticas públicas3 nas áreas de saúde,

assistência social, políticas urbanas (COELHO, 2004; CUNHA, 2004, AVRITZER

2006 apud AVRITZER, 2007). Assim, a participação desses atores em tais

instituições fez com que o Brasil, ao longo das últimas décadas, se constituísse em

um dos principais “laboratórios” de experiências e de análise de participação social

na gestão pública (CORTES, SILVA, 2012, p.426), ou seja,

os participacionistas incorporaram pressupostos da democracia direta no interior da democracia representativa, dando ênfase à inclusão dos setores excluídos do debate político e à dimensão pedagógica da política (LÜCHMANN, 2007, p. 142).

Mecanismos oriundos da Constituição Federal de 1988 foram postos em

prática a partir da década de 1990, fazendo com que a quantidade de espaços

participativos e deliberativos fosse aumentada e a articulação entre Estado,

burocracias governamentais e sociedade civil fosse aproximada. É nesse contexto,

que surgem os conselhos gestores de políticas públicas, cuja

institucionalização, resultado de uma trajetória de lutas de diferentes segmentos sociais, apresenta uma natureza jurídica que imprime um caráter legal ao seu status deliberativo na definição, decisão e no controle das principais diretrizes e ações governamentais nas diferentes áreas de políticas sociais (LÜCHMANN, 2007, p.145).

1 Para um maior aprofundamento sobre sociedade civil, ver o trabalho de Cohen, J. e Arato, A. Sociedad civil y

teoria política. México D. F.: FCE, 2000.

2 Sérgio Vargas Cortes e Marcelo Kunrath Silva (2010, p. 429), em seu trabalho, desmistificam a imagem de que

o Estado é corrupto, violento, autoritário e conservador e a sociedade civil é ética, democrática, progressista e

universalista. Os autores colocam que tal visão possibilitou avanços na compreensão dos processos políticos

frente ao contexto do período autoritário, mas, posteriormente, encobriu a análise da complexidade e

heterogeneidade do Estado e da sociedade civil, vista que tal modelo de interpretação se mostrou

predominante nas reflexões sobre a sociedade civil, nos anos 90.

3 Para os fins deste artigo, políticas públicas são as ações desencadeadas pelo Estado com vistas ao bem

coletivo, sejam elas preventivas (impedem a ocorrência de um problema social) ou compensatórias (solucionam

ou minimizam os problemas gerados em larga escala por ineficiência de políticas preventivas anteriores), é o

conjunto de práticas e de normas que emanam de um ou vários atores públicos, implica decisão e atividades

políticas (SOUZA, 2006, p.36-37).

.

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Para além, os conselhos gestores, amparados por legislação nacional, se

apresentam como

fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado (LÜCHMANN, 2007, p.6).

Os conselhos gestores atuam em diversas frentes, tais com na gestão de políticas

setoriais como saúde e educação, no controle de ações focalizadas como merenda

escolar ou financiamento do ensino fundamental (GOMES, 2003, p. 9-10). Para

além, constitui

normalmente órgãos públicos de composição paritária, distribuída entre sociedade civil e governo, criados por lei, de caráter obrigatório vinculado ao repasse de recursos federais, com atribuições consultivas, deliberativas e/ou de controle (idem, 2003, p.9-10).

Com a proliferação de novos espaços de participação político-institucional, que propiciam

o envolvimento direto de cidadãos ou de seus representantes nos processos de formulação

e implantação de políticas públicas (CORTES, SILVA, 2012, p.426), o diálogo entre

sociedade civil e Estado foi aumentado, proporcionando a elaboração de políticas que

respondam às demandas locais e setoriais, visto que, ao incorporarem participação e

deliberação em suas estruturas de governança, as instituições públicas podem se

tornar mais responsivas, mais justas, mais inovadoras e mais efetivas (FUNG, apud

FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.153)

Os últimos governos permitiram uma maior inserção de associações da

sociedade civil nas políticas públicas (AVRITZER, 2007, p. 443). O crescimento das

instituições participativas fez com que a representação também aumentasse: o

número de conselheiros hoje soma quase 180 mil pessoas (idem, 2007, p.443). Vale

ressaltar que esta representação não é aquela elencada pela Pitkin, mas,

corresponde ao conceito desenvolvido por Nadia Urbinati, onde a sociedade civil

influencia a direção política do estado e pode transformar o social em político.

Santos e Avritzer afirmam que existem duas formas possíveis de combinação

entre democracia participativa e democracia representativa: coexistência e

complementaridade (SANTOS, AVRITZER, 2002, p.75)4. Coexistência com a

4 Os autores citam o orçamento participativo como uma experiência positiva de democracia participativa.

Outros autores, como Baquero (2004); Avritzer (2007); Cortes, Gugliano (2010), também, desenvolveram

trabalhos sobre o O. P.

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democracia representativa em nível nacional e a democracia participativa em nível

local ou complementaridade, a qual

é uma articulação mais profunda entre democracia representativa e democracia participativa. Pressupõe o reconhecimento pelo governo de que o procedimentalismo participativo, as formas públicas de monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública podem substituir parte do processo de representação e deliberação tais como concebidos no modelo hegemônico de democracia (SANTOS, AVRITZER, 2002, p.76).

Práticas participativas e representativas podem ser observar nos conselhos, visto

que, com exceção do conselho de saúde (o qual apresenta uma estrutura de

participação tripartite), uma das regras básicas de participação nos conselhos é a

paridade na representação entre os setores da sociedade civil e do Estado. Os

conselhos apresentam variações, tais como: o número de assentos, passando pelo

perfil dos segmentos representados e dos mecanismos de escolha desses

representantes5. Alguns setores escolhem seus representantes em assembleias e/ou

fóruns abertos. Outros segmentos já estão de antemão inseridos (pela legislação) na

composição dos conselhos (LÜCHMANN, 2007, p. 10).

Os conselhos gestores de políticas públicas apresentam três características,

enunciadas por Avritzer e Santos (2002), as quais fortalecem a democracia

participativa: a demodiversidade (não é necessário que a democracia assuma uma

só forma), a articulação contra-hegemônica entre o local e o global é fundamental

pata o fortalecimento da democracia participativa e a ampliação do experimentalismo

democrático e a pluralização cultural, racial e distributiva da democracia que se

multipliquem experimentos em todas essas direções. Para além, os conselhos

consistem em experiências participativas, deliberativas e empoderadas (FUNG,

2004): participativas porque convidam os indivíduos ordinários a tomar parte nas

decisões cruciais; deliberativas porque as decisões são tomadas por meio de

processos racionais nos quais as pessoas oferecem propostas e argumentos umas

para as outras; e empoderadas porque as decisões geradas pelos processos

determinam as ações das agências e agentes estatais (FERES, POGREBINSCHI,

2010, p.153).

5 A legitimidade desses representantes e a autorização desta representação é questionada em inúmeras

reflexões da área da ciência política. Para fins deste artigo, parte-se do pressuposto de que a ampliação do

conceito de representatividade, proposta por Urbinati (2006), resolve a confusão gerada no entendimento

acerca dos critérios de legitimidade que estes representantes carregam.

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Alguns autores apontam limites apresentados pelos conselhos gestores de

políticas públicas, tais como: paridade não respeitada por parte do Estado (Mendes,

2007), problemas com relação à representação (Lavalle, Houtzager, Castello 2006),

os próprios limites de decisões dos conselhos (Gonzáles 2000), dentre outros.

Nesse sentido, vale ressaltar que os conselhos representam um avanço da

democracia representativa, no sentido de proporcionar uma maior aproximação entre

sociedade civil e Estado e uma maior participação da sociedade civil nos assuntos

públicos e políticas públicas, porém, tais experiências não podem ser consideradas a

panaceia para todos os problemas e, eventuais, modificações, reformulações e

reestruturações podem ser implementadas.

Considerações Finais

Pode-se observar que, apesar de inúmeros esforços de diversos autores em

propor alternativas a democracia representativa, dos inúmeros limites deste modelo

apontados incansavelmente por diversos estudiosos e embora tal modelo não

atenda a todos os anseios da sociedade, corresponde a nossa prática política atual,

onde a escolha dos representantes é realizada através do voto, os partidos em

disputa se utilizam dos recursos da mídia para atrair a atenção dos eleitores e dessa

forma ocupar o poder político. Cabe, portanto, empenhar esforços e sinalizar opções

para construir um regime político que atenda, efetivamente, as demandas da

sociedade.

Tanto a teoria da democracia deliberativa quanto a teoria da democracia

participativa propõe uma alternativa inovadora ao modelo democrático representativo

e trazem a soberania popular no cerne das suas propostas, ressaltando a

importância da participação da sociedade civil, além de admitir a existência de

diversos grupos e de uma pluralidade que pode ser levada ao cenário político.

Os conselhos gestores de políticas públicas são experiências que apresentam, na

prática, características democráticas participativas, deliberativas. Tais experiências

representam um avanço democrático, aproximam a sociedade civil e o Estado,

possibilitam ao cidadão uma maior participação na “coisa pública”, empoderam-o e

são educativas. Porém, tais conselhos não podem ser considerados a solução para

todos os problemas enfrentados pela democracia representativa, a reflexão acerca

de novas possibilidades para se constituir um regime democrático mais participativo

e que atenda, de fato, às demandas da sociedade se faz sempre necessária.

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