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ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS
PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES
23 A 25 DE ABRIL DE 2013, UNESP, ARARAQUARA (SP)
EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS E DELIBERATIVAS: O DEBATE SOBRE O
POSSÍVEL FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O
AUMENTO DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A PARTIR
DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ANDRIA CAROLINE ANGELO SANTIN - UFPEL Universidade Federal de Pelotas
ÍSIS OLIVEIRA BASTOS MATOS – UFPEL Universidade Federal de Pelotas
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EXPERIÊNCIAS PARTICIPATIVAS E DELIBERATIVAS: O DEBATE SOBRE O POSSÍVEL FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E O
AUMENTO DA INTERAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL A PARTIR DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS
ANDRIA CAROLINE ANGELO SANTIN
ÍSIS OLIVEIRA BASTOS MATOS
Resumo: Durante o século XX, a democracia assumiu papel central no campo político. O debate contemporâneo acerca desta temática instiga o desenvolvimento de diversos trabalhos e estudos sobre algumas experiências democráticas participativas e/ou deliberativas, as quais ocorrem em sistemas políticos representativos. Observando algumas análises (já realizadas) e orientações do sistema democrático instaurado no Brasil, o presente trabalho objetiva demonstrar que as experiências brasileiras participativas e/ou deliberativas, vivenciadas a partir dos conselhos gestores de políticas públicas, fortalecem a democracia representativa e proporcionam uma aproximação entre sociedade civil e Estado, possibilitando, inclusive, em alguns casos, a elaboração de políticas públicas que correspondam à demandas locais específicas. Para tal, realizar-se-á uma revisão bibliográfica e documental. Palavras-chave: democracia representativa, experiências deliberativa e participativa, sociedade civil, estado. Introdução
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 1, Parágrafo único).
Ao considerar o papel central assumido pela democracia no campo político
durante o século XX (SANTOS, AVRITZER, 2005) e frente ao consenso (presente
em diversas reflexões acadêmicas e políticas) da desejabilidade da democracia (no
sentido mais geral do conceito), diversos estudos e trabalhos foram desenvolvidos
enfocando esta forma de governo, suas variações e as inúmeras experiências de
diferentes países.
Boaventura Santos e Leonardo Avritzer (2005) salientam que, durante o
século XX, dois debates principais envolveram o tema da democracia: aquele que
dizia respeito à desejabilidade da democracia como forma de governo, pensamento
que, ao final das duas guerras mundiais, se converteu em um consenso de que um
procedimento eleitoral para a formação de governos seria o mais indicado aos
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países e, aquele que dizia respeito às condições estruturais da democracia, o qual
englobava o debate sobre a compatibilidade entre capitalismo e democracia e que,
segundo Przeworki (1985), em caso de tensão, resolver-se-ia em favor da
democracia.
A partir da última década do século XX, frente à falência do Estado-
Providência e ao corte nas políticas sociais (SANTOS; AVRITZER, 2005), o debate
democrático sobre as condições estruturais da democracia foi reaberto, porém sob
uma nova “roupagem”. Com o avanço das democracias liberais e a implementação
de governos democráticos representativos, questionamentos sobre uma possível
crise da representação nas democracias contemporâneas começaram a surgir.
Algumas verificações no que tange ao declínio do comparecimento eleitoral, à
ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às instituições políticas e ao
esvaziamento dos partidos políticos foram registradas em alguns países e na
sociedade brasileira (LÜCHMANN, 2007). A presença de tais constatações justifica
um conjunto de demandas direcionadas à criação de instituições participativas e/ou
deliberativas (tais como os conselhos gestores e orçamentos participativos no
Brasil).
Assim, este artigo objetiva demostrar que as experiências participativas e/ou
deliberativas locais, vivenciadas a partir da criação dos conselhos gestores de
políticas públicas não só são desejáveis na democracia representativa brasileira
como, também, a fortalecem. O trabalho visa, ainda, demonstrar que tais
experiências proporcionam uma maior interação entre sociedade civil e Estado,
possibilitando, inclusive, a elaboração de políticas públicas mais adequadas às
demandas locais. Para tal, realizar-se-á uma revisão bibliográfica e documental.
1. A democracia representativa e as experiências participativas e
deliberativas
Inúmeros são os autores e estudos, na área de ciência política, que apresentam
contribuições teóricas sobre o tema democracia. O debate contemporâneo acerca
deste regime político é vasto, plurifacetado e apresenta variações. Mais
recentemente, no entanto, as análises acadêmicas têm concentrado esforços em
mapear e analisar algumas evidências apresentadas pelo modelo de democracia
representativa e, diante dos novos padrões de participação política emergentes,
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destacam alguns tipos de experiências democráticas alternativas que surgem nesse
contexto.
Nesse sentido, baseada em algumas mudanças comportamentais, tais como:
ampliação da desconfiança dos cidadãos com relação às instituições políticas
(BAQUERO, 2001), o declínio do comparecimento eleitoral e o esvaziamento dos
partidos políticos (LÜCHMANN, 2007), pode-se encontrar, em algumas obras, a
denúncia de uma possível crise no sistema representativo (FUNG, 2007; COHEN,
2007). Já sob outra ótica, autores como Manin (1995), Pitkin (1979) e Lavalle (2006)
demonstram, em suas análises, não uma crise, mas uma reconfiguração da
representação no regime democrático.
1.1 Democracia Representativa e o conceito de representação
A compreensão da essência da teoria de Schumpeter é vital para uma
apreciação das obras mais atuais sobre teoria democrática, pois elas foram
elaboradas dentro do parâmetro estabelecido por Schumpeter e basearam-se em
sua definição de democracia (PATEMAN,1992, p.13).
Objetivando desenvolver uma teoria em harmonia com o funcionamento real da
democracia no mundo moderno (CUNNINGHAM, 2002, p.19), Schumpeter criticou a
teoria clássica da democracia e trouxe conceitos do campo econômico para o campo
da ciência política, o que reforçou o modelo elitista. A concepção do autor sobre a
democracia significou uma profunda revolução na teoria política (AMANTINO, 1998,
p.137), foi um “divisor de águas” entre o clássico e moderno na teoria da
democracia, pois a apresentou em sua versão empírica, direta e real.
Schumpeter afirma que a democracia vista como “o arranjo institucional para se
chegar a decisões políticas que realiza o bem comum fazendo o próprio povo decidir
as questões através da eleição de indivíduos que devem reunir-se para realizar a
vontade desse povo” (SHUMPETER, 1984) não pode ser tomada realidade nas
sociedades modernas. Isso porque além da democracia direta ser de difícil execução
(requer todos os cidadãos presentes em assembleia) dentre os principais problemas
acerca da teoria clássica, está a
proposição de que “o povo” tinha uma opinião definida e racional sobre todas as questões individuais e que ele objetivava essa opinião – numa democracia – escolhendo “representantes que zelariam para que essa opinião fosse seguida (SCHUMPETER, 1984, p.336).
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Primeiramente, para o autor, “o povo” e os temas públicos são bastante
distantes e o senso de realidade do indivíduo diminui na medida em que os
problemas se distanciam daqueles imediatamente pessoais. Assim, enquanto na
vida diária, os indivíduos apresentam um maior grau de senso da realidade, nos
temas públicos, esse senso diminui e até se perde completamente (AMANTINO,
1998, p.131), ou seja, a opinião não seria, necessariamente, racional. Para além,
Schumpeter insiste que não existe algo que seja um bem comum unicamente
determinado (caso contrário, não seriam necessários diversos partidos). Com
relação ao papel assumido pelo povo, Schumpeter afirma que é “produzir um
governo, ou melhor, um corpo intermediário que, por sua vez, produzirá um governo
ou um executivo nacionais” (SCHUMPETER, 1984, p.336), ou seja, o povo decide
quem será a pessoa ou o grupo na liderança. Como função secundária, o autor
coloca a retirada da aceitação do líder, ou seja, desapossar o líder. Pois apesar de o
eleitorado normalmente não controlar de maneira alguma seus líderes políticos, ele
pode recusar-se a reelegê-los (idem, 1984, p.339). Dessa forma, a democracia é
reduzida a um “acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que os
indivíduos adquirem o poder de decisão através de uma luta competitiva pelos votos
da população” (idem, 1984, p.336).
A democracia representativa também é pauta nos trabalhos de Bernard Manin
(1995). O autor aponta que diferentemente do que muitos intelectuais afirmam, o
governo representativo não está em crise, mas sim em um processo de modificação
e o que realmente está passando por um rearranjo, por um deslocamento são as
relações de identificação entre representantes e representados e a determinação da
política pública por parte do eleitorado (MANIN, 1995, p.2 e p.17). Para além, o autor
ressalta a importância de se reconhecer a existência da diferença entre governo
representativo e autogoverno do povo (idem, p.17).
Para Manin, o governo representativo já passou por inúmeras mudanças
importantes, tais como a ampliação do direito ao sufrágio e a emergência dos
partidos de massa, os quais permitiram a aproximação dos representantes e
representados. O autor assinala os princípios do governo representativo:
1) Os representantes são eleitos pelos governados. Porém,
Embora o povo não governe, ele não está confinado ao papel de designar e autorizar os que governam. Como o governo representativo se fundamenta em eleições repetidas, o povo tem condições de exercer certa influência sobre as decisões do governo:
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pode, por exemplo, destituir os representantes cuja orientação não lhe agrade. Por outro lado, o governo representativo pode ser um governo de elites, mas cabe aos cidadãos comuns decidir que elite vai exercer o poder (MANIN, 1995, p.3).
2) Os representantes conservam uma independência parcial diante das
preferências dos eleitores (MANIN, 1995, p.4).
3) A opinião pública sobre assuntos políticos pode se manifestar independente
do controle do governo – o que requer o acesso à informação e a liberdade
de expressar opiniões políticas.
4) As decisões políticas são tomadas após debate – o governo representativo
sempre foi interpretado e justificado como um sistema político em que a
assembleia desempenha um papel decisivo (idem, p.6).
Os fundadores do governo representativo colocaram a igualdade das vontades na base de suas concepções políticas: Nenhuma superioridade intrínseca confere a determinados indivíduos o direito de impor sua vontade aos demais. Por conseguinte, se uma convergência de vontades deve ser atingida numa assembleia onde nem o mais forte, nem o mais competente, nem o mais rico, têm razões para impor sua vontade aos demais, todos os participantes devem procurar conquistar o consentimento dos outros através da persuasão (MANIN, 1995, p.6).
Manin caracteriza três formas de governo representativo, os quais
apresentam certas particularidades dentro dos princípios supracitados e
apresentados pelo autor: o tipo parlamentar, a democracia de partido e a democracia
do público, no entanto, coloca que essas formas não esgotam todas as formas de
governo representativo, nem mesmo todas as formas que ele assumiu na realidade,
mas são os mais significativos e estáveis, sob o ângulo da relação de representação
que estabelecem (MANIN, 1995, p.2).
A fim de melhor compreender as colocações de Bernard Manin, se faz
necessária a revisão do conceito de representação. Hanna Pitkin foi uma das
primeiras teóricas a tratar do conceito de representação. Em The Concept of
Representation analisou os diversos significados que foram anexados ao termo e
ressaltou que para se compreender o conceito de representação política, devem ser
considerados os diferentes modos como o termo é usado.
Pitkin coloca que a representação é, em grande medida um fenômeno cultural
e político, um fenômeno humano (PITKIN, 1979, p.16) e pontua a existência do
paradoxo de tornar presente de alguma forma aquilo que não está literalmente
presente. Para Pitkin, representar “é atuar no interesse do representado, mas de
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forma receptiva a ele”. Para a autora existem três necessidades para a
representação: 1) O representante deve atuar de forma independente, 2) ser
concebido como capaz de ação e julgamento independente e 3) atuar de tal modo
que não haja conflito.
Representação política, para Pitkin (1979), é um arranjo público
institucionalizado onde a representação emerge não da ação de apenas um
participante, mas de uma estrutura global e do funcionamento do sistema. O
entendimento sobre representação pressupõe duas condições a serem realizadas
dentro do próprio conceito (representação como atividade (não como relação entre
dois termos) e ter um conteúdo substantivo). Na representação como atividade, o
representante representa um mandante (toma decisões, tem obrigações e
compromissos que o mandante aceita, age por caminhos que o mandante deve
conhecer).
O conteúdo substantivo da representação tem duas variações: a simbólica (o
representante adquire um significado para aqueles que estão sendo representados)
e a descritiva (o representante assemelha-se aqueles que estão sendo
representados), Pitkin apresenta mais duas dimensões, a formalista (autorização
prévia e envolve duas dimensões: Accountability – capacidade dos representados
para punir seus representantes e Autorização – modo como o representante obtém
sua reputação, status posição) e a substantiva (a atividade dos representantes, ou
seja, as medidas tomadas em nome de, no interesse de, como agente de, e como
um substituto do representado). Cada dimensão fornece diferences formas para
entender a representação e diferentes padrões para avaliar os representantes.
A autora defende a representação substantiva, visto que os representantes
buscam estabelecer políticas favoráveis aos interesses daqueles que representam,
se refere à substância do que é feito, é necessário saber se um agente representa
bem ou mal, indica o que o representante faz. Porém, Pitkin acaba por afirmar que a
melhor forma de democracia seria a direta, sendo a democracia representativa
apenas uma alternativa inevitável.
Nadia Urbiati (2006) amplia o conceito de representação enunciado por Pitkin,
a autora afirma que a concentração do conceito de representação em torno de
questões como a autorização e a accountability
[…] deixou de ser satisfatória devido a transformações na política doméstica e internacional. Cada vez mais atores internacionais, transnacionais e não-governamentais desempenham um papel
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importante na implementação de políticas públicas a favor dos cidadãos. Neste sentido, eles agem como representantes. Esses atores ‘falam por’, ‘agem por’ e ‘defendem posições em nome de’ indivíduos no interior do Estado nacional” (Urbinati, 2006b apud AVRITZER, 2007, p.452).
E coloca que a representação
é a instituição que possibilita à sociedade civil identificar-se politicamente e influenciar a direção política do Estado, transformando, assim, o social em político (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p. 141).
A autora propõe a construção de uma teoria da democracia representativa a
partir de uma “revisão democrática” da teoria rousseauniana da soberania popular
(URBINATI, 2006, p.25). Logo, a concepção política de representação proposta pela
autora, tende à adesão às diferenças sociais, ou mais precisamente, ao termo que
ela prefere a este: representatividade (representativity) (FERES, POGREBINSCHI,
2010, p.142).
Para Urbinati, a representatividade seria um dos aspectos irredutíveis que
caracterizariam uma representação como democrática. A autora afirma que as fontes
de informação, comunicação e influência dos cidadãos através da mídia podem dar
um tom mais democrático à representação. Urbinati, ainda, difere democracia
eleitoral de democracia representativa, visto que as eleições produzem um governo
responsável e limitado, porém não um governo representativo (FERES,
POGREBINSCHI, 2010).
A teoria política contemporânea, reconhecendo os dilemas colocados pela representação política e atestando a insuficiência dos modelos vigentes para a solução dos mesmos, passa a orientar seus esforços na direção da criação de novas formas de democracia que buscam superar os limites da representação por meio da participação ou da modalidade mais contemporânea desta, a deliberação (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.143).
1.2 Democracia Participativa e participação
A democracia participativa se caracteriza pela ênfase na participação (PATEMAN,
1992, p. 35) e vem a ser uma resposta de oposição ao modelo elitista democrático.
Pateman (1970) é talvez a pioneira no desenvolvimento do que chama de uma teoria participativa da democracia. Tomando como base o pensamento de autores modernos, como Rousseau, Mill e Cole, foca na análise da participação dos trabalhadores, em particular na indústria, e estuda um caso de autogestão dos trabalhadores na antiga Iugoslávia (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.152).
É em Rousseau que os teóricos da democracia participativa encontram seu ponto
de partida (PATEMAN, 1992, p.52) e suporte argumentativo aos seus trabalhos
(CUNNINGHAM, 2002, p.149), pois as premissas do teórico permitem afirmar que há
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uma inter-relação entre as estruturas de autoridade das instituições e as qualidades
e atitudes psicológicas dos indivíduos, além de ressaltar a principal função da
participação: o caráter educativo (PATEMAN, 1992, p.42).
Pateman afirma que a participação política é de extrema importância para a
democracia política, a autora ressalta que democracia seria um sistema no qual os
cidadãos teriam poder para influenciar o campo político, o que, segundo a mesma, é
realizado através da educação (ocorre em diversas áreas e contribuem para o
processo democrático) e depende da participação nas mais variadas esferas.
Para Rousseau, para um sistema participativo funcionar era necessária uma
igualdade política e certa igualdade econômica, não absoluta, mas em termos ideais,
deveria existir uma situação em que “nenhum cidadão fosse rico o bastante para
comprar o outro e em que nenhum fosse tão pobre que tivesse que se vender”.
Rousseau afirma a necessidade da interdependência entre os cidadãos, pois
vistos coletivamente seriam soberanos e a participação independente constitui o
mecanismo pelo qual essa interação é reforçada. O processo de participação
assegura que a igualdade política seja efetivada nas assembleias em que as
decisões são tomadas e a situação ideal é a presença de indivíduos ou associações
organizadas numerosas e de poder político tão igual quanto possível, e não de
grupos organizados, pois estes poderiam querer que prevalecessem suas “vontades
particulares”.
O principal resultado político é que a vontade geral é, tautologicamente, sempre justa (ou seja, afeta a todos de modo igual), de forma que os direitos e interesses individuais são protegidos, ao mesmo tempo que se cumpre o interesse público. A lei “emergiu” do processo participatório, e é a lei, e não os homens, que governa as ações individuais (PATEMAN, 1992, p.37).
Rousseau coloca que a participação acontece na tomada de decisões e constitui
– como nas teorias do governo representativo – um modo de proteger os interesses
privados e de assegurar um bom governo, além de ser educativa (educação aqui no
sentido amplo). O cidadão, assim, aprende a ser tanto um cidadão público quanto
privado.
Ainda, na visão de Rousseau, a participação está estreitamente ligada ao
controle, e isto se vincula à noção de liberdade do autor. Ele definiu liberdade como
“a obediência à lei que alguém prescreve a si mesmo” (PATEMAN, 1992, 39), ou
seja, para ser livre, o individuo deve participar.
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Tanto a sensação de liberdade do indivíduo quanto sua liberdade efetiva aumentam por sua participação na tomada de decisões, porque tal participação dá a ele um grau bem real de controle sobre o curso de sua vida e sobre a estrutura do meio em que vive (PATEMAN, 1992, p.40).
Assim, para Rousseau, a participação permite, ainda, que as decisões coletivas
sejam aceitas mais facilmente pelo individuo e fornece a sensação de que cada
cidadão isolado “pertence” à sua comunidade (PATEMAN, 1992, p.41).
John Stuart Mill encara a função educativa da participação quase nos mesmos
termos de Rousseau, porém o autor acrescenta uma nova dimensão - necessária,
caso se queira aplicá-la a uma sociedade de larga escala - a esta hipótese: o
individuo deve ser preparado para essa participação a um nível local e é justamente
aí que se cumpre o verdadeiro efeito educativo da participação (PATEMAN, 1992,
p.46). Mill também sugere que a participação no “governo” do local de trabalho teria
o mesmo impacto (indústria). Pateman coloca que
a sociedade pode ser vista enquanto um conjunto de vários sistemas políticos, cujas estruturas de autoridade têm um efeito importante sobre as qualidades e atitudes psicológicas dos indivíduos que interagem dentro deles; assim, para o funcionamento de uma política democrática a nível nacional, as qualidades necessárias aos indivíduos somente podem se desenvolver por meio da democratização das estruturas de autoridade em todos os sistemas políticos (PATENAM, 1992, p. 51).
Logo, a participação no local de trabalho pode ser encarada como a
participação política por excelência. Cole produz uma teoria de associações.
Sociedade, definida por ele, é um “complexo de associações que se mantêm unidas
pelas vontades de seus membros” (COLE, 1920a, p.12 apud PATEMAN, 1992,
p.53).
Na visão de Cole a indústria fornecia a arena para que se revelasse o efeito
educativo da participação, pois é na indústria que, exercendo-se o governo, o
individuo mais se envolve em relações de superioridade e subordinação, e o homem
comum passa grande parte de sua vida no trabalho (PATEMAN, 1992, p.55). Assim,
um sistema servil na indústria reflete-se em servidão política. Cole afirma, também,
que não poderia haver igualdade de poder político sem uma quantidade substancia
de igualdade econômica, sem uma equiparação da posição social, a qual seria
atingida com a socialização dos meios de produção sob um sistema de socialismo
de guilda, porque as classes teriam então que ser abolidas (PATEMAN, 1992, p.57).
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Para Pateman, a democracia participativa é constituída em torno da afirmação
central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser consideradas
isoladamente (PATEMAN, 1992, p.60). Para a democracia participativa, Estado e
sociedade civil não são entidades distintas (CUNNINGHAM, 2002, p.152).
Pateman coloca que a existência de instituições representativas a nível nacional
não basta para a democracia, a participação, o “treinamento social” precisa
acontecer em diversas esferas. A participação é, portanto, educativa tanto no
aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e
procedimentos democráticos. Por isso, ocorre a estabilidade do sistema participativo,
ele se auto-sustenta: a participação promove e desenvolve as qualidades que lhe
são necessárias (indivíduos capacitados) e para a existência da forma de governo
democrática, é necessária a existência de uma sociedade participativa (PATEMAN,
1992, p.61).
Pode-se caracterizar o modelo participativo como aquele onde se exige o input máximo (a participação) e onde o output inclui não apenas as políticas (decisões) mas também o desenvolvimento das capacidades sociais e políticas de cada indivíduo, de forma que existe um “feedback” do output para o input (PATEMAN, 1992, p.62).
Boaventura (2002) realiza uma releitura do modelo e afirma que todos os casos
de democracia participativa estudados iniciam-se com uma tentativa de disputa pelo
significado de determinadas práticas políticas, por uma tentativa de ampliação da
gramática social e de incorporação de novos atores ou de novos temas à política e
um traço comum entre os processos políticos analisados: Os atores que implantaram
as experiências de democracia participativa colocaram em questão uma identidade
que lhes fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado
autoritário e discriminador.
Estudos sobre a democracia participativa são apresentados, também, por Archon
Fung (2004). O autor, ao realizar uma conexão entre empiria e teoria, analisa
pequenas e médias práticas institucionais de participação e deliberação a fim de
entender como elas efetivamente funcionam (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.
152). Fung, embora ganhe destaque no campo de estudos sobre democracia
participativa (FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.152), apresenta um trabalho ligado
ao que ele denomina democracia deliberativa.
Para Fung, a democracia participativa é definida pelas oportunidades substanciais e
iguais que as pessoas devem ter de participar diretamente nas decisões que as
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afetam. Ele ressalta a importância que as instituições e os desenhos institucionais
têm na participação política e enfatiza a ideia de equilíbrio entre centralização e
descentralização, alegando que uma “autonomia controlável” é positiva para a
criação de um conhecimento local.
1.3 Democracia Deliberativa
Em termos simples, a democracia deliberativa refere-se a uma concepção de
governo democrático que assegura um lugar central para a discussão racional na
vida política (COOKE, 2009, p.143). A democracia deliberativa é uma concepção
normativa e de acordo com Cohen
está enraizada no ideal intuitivo de uma associação democrática na qual a justificação dos termos e das condições de associação procede por meio de argumento e raciocínio público entre cidadãos iguais (COHEN, 1997, p.72 apud CUNNINGHAM, 2002, p.195).
A democracia deliberativa amplia a participação da sociedade civil na
regulação da vida coletiva, logo, a esfera pública não é considerada somente
uma agregação de preferências individuais, mas sim o produto de conversações
e argumentações, assim pode privilegiar a existência de uma pluralidade no
âmbito associativo. Esta teoria propõe um procedimento ideal para a deliberação
e tomada de decisão. Tal noção pode ser vista como “uma condição necessária
para se obter legitimidade e racionalidade com relação à tomada de decisão
coletiva” (BENHABIB, 1996, p.69 apud CUNNINGHAM, 2002, p.195).
A operacionalização desse procedimento ideal de deliberação e tomada de
decisão, ou seja, das políticas deliberativas, depende da institucionalização dos
procedimentos e das condições de comunicação, bem como da inter-relação de
processos deliberativos institucionalizados com as opiniões públicas
informalmente constituídas (HABERMAS, 1997, v. II, p. 21).
Ao caracterizar o processo da deliberação, Cohen afirma que este realiza-se
de forma argumentativa, é inclusivo e público, é livre de coerções externas, é
livre de coerções internas (que poderiam colocar em risco a situação de
igualdade dos participantes), visa um acordo motivado racionalmente, as
deliberações políticas atingem todas as matérias passíveis de regulação, em
virtude do interesse simétrico de todos (porém temas de natureza privada podem
ser submetidos à discussão), deliberações políticas incluem também
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interpretações de necessidades e a transformação de preferências e enfoques
pré-políticos (moralidade).
Habermas crítica o modelo proposto por Cohen por considera-lo incompleto, o
autor coloca que faltam as diferenciações internas e não trata da relação entre as
deliberações que se dão pelo processo democrático. O autor propõe um sistema
da seguinte forma: 1) Uma demanda surge no privado e através de agir
comunicativo. 2) O tema passa para a esfera pública (para Habermas existem
três tipos de esferas públicas: a episódica – bares, cafés, encontros de rua; a de
presença organizada – encontros de país, reuniões de partidos, igrejas; e as
abstratas – mídia), a esfera pública é uma rede para comunicação de conteúdos,
opiniões, tomadas de posições e tem a função de capturar e tematizar os
problemas da sociedade como um todo, mas não é o local de decisões políticas.
As diversas esferas públicas existentes se sobrepõem umas as outras, suas
fronteiras reais, sociais e temporais são fluidas. 3) As manifestações são
escolhidas com temas e tomadas de posição pró ou contra, propostas
informações e argumentos são elaborados como opiniões focalizadas, 4) Estas
se transformam em opiniões públicas em função do modo como surgem e do
amplo assentimento de que gozam. São opiniões qualificadas. 5) A esfera pública
leva os temas à sociedade civil (movimentos sociais, organizações e associações
livres do Mercado e do Estado que permanece ligada a núcleos privados do
mundo da vida), 6) A sociedade civil capta os ecos dos problemas sociais que
ressoam nas esferas privadas, condensam e transmitem para a Esfera Pública
Política.
Pode-se sintetizar as diferenças cruciais entre Cohen e Habermas, da
seguinte forma:
Em primeiro lugar, Cohen critica Habermas porque este se limita a mostrar que os atores da sociedade civil podem “influenciar” em momentos de crise o sistema político. Para Cohen, ao contrário é preciso pensar em formas de participação direta da sociedade civil nas decisões políticas. Portanto, trata-se de participação e não de mera influência. A segunda diferença importante, é que em Habermas a democracia participativa ficou restrita ao conceito de discussão ou diálogo. Para Cohen, todavia, as duas coisas são importantes: a democracia deliberativa envolve tanto o diálogo quanto a participação. É por isso que Cohen propõe a chamada “Poliarquia Diretamente Deliberativa”. E, para concluir de fato. Ainda que existam diferenças importantes entres dois autores, a marca fundamental das suas teorias é a centralidade do conceito de deliberação (ou da discussão mediada pelo diálogo), seja para influenciar o poder político (como quer
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Habermas), seja para fundamentar as decisões coletivas (como defende Joshua Cohen) (Amorim e Lenite da Silva, 2010, p.157).
Já, para Amy Gutmann e Dennis Thompson (2009), um valor fundamental da
democracia deliberativa é a reciprocidade, ou seja, a segurança que os cidadãos
devem uns aos outros, justificativas para as leis e as políticas públicas que os
vinculam mutuamente e que eles coletivamente elaboram. Justificação, esta, que se
sustenta sobre procedimentos e princípios (ou valores) substantivos, os quais,
apesar de serem extremamente questionados por procedimentalistas, não podem
ser desvinculados da teoria democrática deliberativa, visto que garantem uma maior
justiça distributiva.
Vale ressaltar que os valores de cooperação satisfazem a reciprocidade e a
reciprocidade gera uma base moral do status provisório dos princípios deliberativos,
ou seja, os cidadãos devem estar abertos à revisão ou mesmo à rejeição de suas
opiniões políticas, colocando-as à prova, “procurando fóruns nos quais seus pontos
de vista possam ser desafiados” (GUTMANN, THOMPSON, 2009, p. 193). Os
autores afirmam, também, que os princípios deliberativos devem manter uma
provisoriedade política, ou seja, devem estar sujeitos à deliberação atual em um
tempo especifico, mas também abertos à reconsideração atual e à revisao em um
tempo futuro (GUTMANN, THOMPSON, 2009, p. 198).
Uma deliberação pública é bem sucedida quando os participantes reconhecem
que contribuíram e influenciaram nos seus resultados, mesmo quando não
concordam com eles (BOHMAN, 2009). Maeve Cooke (2009) elenca cinco
argumentos a favor da democracia deliberativa. São eles: 1)poder educativo do
processo de deliberação pública; 2) poder de gerar comunidade do processo de
deliberação pública; 3) justiça do procedimento da deliberação pública; 4) qualidade
epistêmica dos resultados da deliberação publica; 5) congruência do ideal de política
articulado pela democracia deliberativa com “quem somos”.
2. Experiências participativas e deliberativas no Brasil a partir dos
conselhos gestores de políticas públicas
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da
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lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 14).
As experiências participativas no país vêm estimulando o desenvolvimento e a
incorporação de novos modelos teóricos de democracia que ampliam os atores e os
espaços da política (LÜCHMANN, 2007, p.142). Com a abertura política de um
governo autoritário e ditatorial para uma democracia representativa, inúmeros atores
pertencentes na sociedade civil1¨2 reivindicaram uma maior presença em instituições
encarregadas de deliberação sobre políticas públicas3 nas áreas de saúde,
assistência social, políticas urbanas (COELHO, 2004; CUNHA, 2004, AVRITZER
2006 apud AVRITZER, 2007). Assim, a participação desses atores em tais
instituições fez com que o Brasil, ao longo das últimas décadas, se constituísse em
um dos principais “laboratórios” de experiências e de análise de participação social
na gestão pública (CORTES, SILVA, 2012, p.426), ou seja,
os participacionistas incorporaram pressupostos da democracia direta no interior da democracia representativa, dando ênfase à inclusão dos setores excluídos do debate político e à dimensão pedagógica da política (LÜCHMANN, 2007, p. 142).
Mecanismos oriundos da Constituição Federal de 1988 foram postos em
prática a partir da década de 1990, fazendo com que a quantidade de espaços
participativos e deliberativos fosse aumentada e a articulação entre Estado,
burocracias governamentais e sociedade civil fosse aproximada. É nesse contexto,
que surgem os conselhos gestores de políticas públicas, cuja
institucionalização, resultado de uma trajetória de lutas de diferentes segmentos sociais, apresenta uma natureza jurídica que imprime um caráter legal ao seu status deliberativo na definição, decisão e no controle das principais diretrizes e ações governamentais nas diferentes áreas de políticas sociais (LÜCHMANN, 2007, p.145).
1 Para um maior aprofundamento sobre sociedade civil, ver o trabalho de Cohen, J. e Arato, A. Sociedad civil y
teoria política. México D. F.: FCE, 2000.
2 Sérgio Vargas Cortes e Marcelo Kunrath Silva (2010, p. 429), em seu trabalho, desmistificam a imagem de que
o Estado é corrupto, violento, autoritário e conservador e a sociedade civil é ética, democrática, progressista e
universalista. Os autores colocam que tal visão possibilitou avanços na compreensão dos processos políticos
frente ao contexto do período autoritário, mas, posteriormente, encobriu a análise da complexidade e
heterogeneidade do Estado e da sociedade civil, vista que tal modelo de interpretação se mostrou
predominante nas reflexões sobre a sociedade civil, nos anos 90.
3 Para os fins deste artigo, políticas públicas são as ações desencadeadas pelo Estado com vistas ao bem
coletivo, sejam elas preventivas (impedem a ocorrência de um problema social) ou compensatórias (solucionam
ou minimizam os problemas gerados em larga escala por ineficiência de políticas preventivas anteriores), é o
conjunto de práticas e de normas que emanam de um ou vários atores públicos, implica decisão e atividades
políticas (SOUZA, 2006, p.36-37).
.
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Para além, os conselhos gestores, amparados por legislação nacional, se
apresentam como
fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado (LÜCHMANN, 2007, p.6).
Os conselhos gestores atuam em diversas frentes, tais com na gestão de políticas
setoriais como saúde e educação, no controle de ações focalizadas como merenda
escolar ou financiamento do ensino fundamental (GOMES, 2003, p. 9-10). Para
além, constitui
normalmente órgãos públicos de composição paritária, distribuída entre sociedade civil e governo, criados por lei, de caráter obrigatório vinculado ao repasse de recursos federais, com atribuições consultivas, deliberativas e/ou de controle (idem, 2003, p.9-10).
Com a proliferação de novos espaços de participação político-institucional, que propiciam
o envolvimento direto de cidadãos ou de seus representantes nos processos de formulação
e implantação de políticas públicas (CORTES, SILVA, 2012, p.426), o diálogo entre
sociedade civil e Estado foi aumentado, proporcionando a elaboração de políticas que
respondam às demandas locais e setoriais, visto que, ao incorporarem participação e
deliberação em suas estruturas de governança, as instituições públicas podem se
tornar mais responsivas, mais justas, mais inovadoras e mais efetivas (FUNG, apud
FERES, POGREBINSCHI, 2010, p.153)
Os últimos governos permitiram uma maior inserção de associações da
sociedade civil nas políticas públicas (AVRITZER, 2007, p. 443). O crescimento das
instituições participativas fez com que a representação também aumentasse: o
número de conselheiros hoje soma quase 180 mil pessoas (idem, 2007, p.443). Vale
ressaltar que esta representação não é aquela elencada pela Pitkin, mas,
corresponde ao conceito desenvolvido por Nadia Urbinati, onde a sociedade civil
influencia a direção política do estado e pode transformar o social em político.
Santos e Avritzer afirmam que existem duas formas possíveis de combinação
entre democracia participativa e democracia representativa: coexistência e
complementaridade (SANTOS, AVRITZER, 2002, p.75)4. Coexistência com a
4 Os autores citam o orçamento participativo como uma experiência positiva de democracia participativa.
Outros autores, como Baquero (2004); Avritzer (2007); Cortes, Gugliano (2010), também, desenvolveram
trabalhos sobre o O. P.
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democracia representativa em nível nacional e a democracia participativa em nível
local ou complementaridade, a qual
é uma articulação mais profunda entre democracia representativa e democracia participativa. Pressupõe o reconhecimento pelo governo de que o procedimentalismo participativo, as formas públicas de monitoramento dos governos e os processos de deliberação pública podem substituir parte do processo de representação e deliberação tais como concebidos no modelo hegemônico de democracia (SANTOS, AVRITZER, 2002, p.76).
Práticas participativas e representativas podem ser observar nos conselhos, visto
que, com exceção do conselho de saúde (o qual apresenta uma estrutura de
participação tripartite), uma das regras básicas de participação nos conselhos é a
paridade na representação entre os setores da sociedade civil e do Estado. Os
conselhos apresentam variações, tais como: o número de assentos, passando pelo
perfil dos segmentos representados e dos mecanismos de escolha desses
representantes5. Alguns setores escolhem seus representantes em assembleias e/ou
fóruns abertos. Outros segmentos já estão de antemão inseridos (pela legislação) na
composição dos conselhos (LÜCHMANN, 2007, p. 10).
Os conselhos gestores de políticas públicas apresentam três características,
enunciadas por Avritzer e Santos (2002), as quais fortalecem a democracia
participativa: a demodiversidade (não é necessário que a democracia assuma uma
só forma), a articulação contra-hegemônica entre o local e o global é fundamental
pata o fortalecimento da democracia participativa e a ampliação do experimentalismo
democrático e a pluralização cultural, racial e distributiva da democracia que se
multipliquem experimentos em todas essas direções. Para além, os conselhos
consistem em experiências participativas, deliberativas e empoderadas (FUNG,
2004): participativas porque convidam os indivíduos ordinários a tomar parte nas
decisões cruciais; deliberativas porque as decisões são tomadas por meio de
processos racionais nos quais as pessoas oferecem propostas e argumentos umas
para as outras; e empoderadas porque as decisões geradas pelos processos
determinam as ações das agências e agentes estatais (FERES, POGREBINSCHI,
2010, p.153).
5 A legitimidade desses representantes e a autorização desta representação é questionada em inúmeras
reflexões da área da ciência política. Para fins deste artigo, parte-se do pressuposto de que a ampliação do
conceito de representatividade, proposta por Urbinati (2006), resolve a confusão gerada no entendimento
acerca dos critérios de legitimidade que estes representantes carregam.
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Alguns autores apontam limites apresentados pelos conselhos gestores de
políticas públicas, tais como: paridade não respeitada por parte do Estado (Mendes,
2007), problemas com relação à representação (Lavalle, Houtzager, Castello 2006),
os próprios limites de decisões dos conselhos (Gonzáles 2000), dentre outros.
Nesse sentido, vale ressaltar que os conselhos representam um avanço da
democracia representativa, no sentido de proporcionar uma maior aproximação entre
sociedade civil e Estado e uma maior participação da sociedade civil nos assuntos
públicos e políticas públicas, porém, tais experiências não podem ser consideradas a
panaceia para todos os problemas e, eventuais, modificações, reformulações e
reestruturações podem ser implementadas.
Considerações Finais
Pode-se observar que, apesar de inúmeros esforços de diversos autores em
propor alternativas a democracia representativa, dos inúmeros limites deste modelo
apontados incansavelmente por diversos estudiosos e embora tal modelo não
atenda a todos os anseios da sociedade, corresponde a nossa prática política atual,
onde a escolha dos representantes é realizada através do voto, os partidos em
disputa se utilizam dos recursos da mídia para atrair a atenção dos eleitores e dessa
forma ocupar o poder político. Cabe, portanto, empenhar esforços e sinalizar opções
para construir um regime político que atenda, efetivamente, as demandas da
sociedade.
Tanto a teoria da democracia deliberativa quanto a teoria da democracia
participativa propõe uma alternativa inovadora ao modelo democrático representativo
e trazem a soberania popular no cerne das suas propostas, ressaltando a
importância da participação da sociedade civil, além de admitir a existência de
diversos grupos e de uma pluralidade que pode ser levada ao cenário político.
Os conselhos gestores de políticas públicas são experiências que apresentam, na
prática, características democráticas participativas, deliberativas. Tais experiências
representam um avanço democrático, aproximam a sociedade civil e o Estado,
possibilitam ao cidadão uma maior participação na “coisa pública”, empoderam-o e
são educativas. Porém, tais conselhos não podem ser considerados a solução para
todos os problemas enfrentados pela democracia representativa, a reflexão acerca
de novas possibilidades para se constituir um regime democrático mais participativo
e que atenda, de fato, às demandas da sociedade se faz sempre necessária.
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