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ENCONTRO SECRETO EM ROMA Raymond Bernard OSTI – Ordem Soberana do Templo Iniciático Grã-Comendadoria do Brasil 1

ENCONTRO SECRETO EM ROMA Raymond Bernard

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Page 1: ENCONTRO SECRETO EM ROMA Raymond Bernard

ENCONTRO SECRETO EM

ROMA

Raymond Bernard

OSTI – Ordem Soberana do Templo Iniciático

Grã-Comendadoria do Brasil

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Raymond Bernard

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Advertência Esta não é uma obra de domínio público. Seus direitos de publicação em língua portuguesa pertencem a Alexandre Gabriel, que autorizou a sua publicação local. Qualquer citação ou reprodução do texto de Raymond Bernard constante nesta publicação só poderá ser feita mediante autorização do detentor dos direitos de publicação em língua portuguesa, Alexandre Gabriel, e da Ordem Soberana do Templo Iniciático – Grã-Comendadoria do Brasil, que se reserva os direitos desta tradução. As fotos utilizadas neste livro — à exceção da que retrata Raymond Bernard — são propriedade da Ordem Soberana do Templo Iniciático — Grã-Comendadoria do Brasil, e não podem ser utilizadas sem a sua autorização expressa.

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SUMÁRIO Advertência ................................................................................ 3 Apresentação ........................................................................... 5 Prefácio – Grão-Mestre Yves-Jayet ............................................ 8 I. Roma ....................................................................................... 12 II. Perto da fonte ........................................................................ 13 III. Segredos e Sortilégios ........................................................... 17 IV. À espera de uma noite .......................................................... 23 V. A abadia de São Nilo ............................................................. 25 VI. O cardeal branco .................................................................. 30 VII. Os tempos chegaram .......................................................... 32 VIII. Vida e morte da Ordem do Templo ................................... 36 IX. O mistério do Graal .............................................................. 41 X. Túnis ...................................................................................... 46 XI. E a porta nos foi aberta ........................................................ 54 Índice de fotos ........................................................................... 60

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APRESENTAÇÃO

mbora escrito na segunda metade do século XX — um período recente, historicamente falando — Encontro Secreto em Roma já nasceu um clássico. Não falamos de um clássico da literatura em geral — o que já seria notável. Mas situamos este livro de

poucas páginas — que, no entanto, abre a possibilidades ilimitadas — em um patamar igualmente prestigioso: um clássico da literatura do esoterismo tradicional e, em particular, da cavalaria.

A exemplo das maiores obras anunciadoras de novos influxos do caminho do guerreiro, como Le Compte du Graal, de Chrétiens de Troyes — publicado no século XII — Roman de L'Histoire du Graal, de Robert Boron e Parsifal, de Wolfram von Eschenbach, ambos do século XIII, mais a tardia Le Morte d’Arthur (ou La Mort d’Arthur, século XV), de Sir Thomas Malory1, que, por meio do mito do Graal e da figura arquetípica manifesta em Artur, encarnavam a cavalaria ocidental em seus primórdios, como condensação da cavalaria celeste, o livro de Raymond Bernard fala-nos de uma aventura, considerando aqui a acepção mais alta, espiritual, que este termo pode expressar. No entanto, diferentemente das obras supracitadas, que falam da cavalaria anunciada, pré-templária, de Arthur e seus heróis da Távola Redonda, Encontro Secreto em Roma localiza-se em outro ponto da História, em que a cavalaria esboçada pelos grandes escritores e cavaleiros-poetas da Idade Média já se encarnou, na forma da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecida como Ordem do Templo, e foi abolida no vergonhoso processo movido contra seus cavaleiros, pelo papa Clemente V e o rei Felipe o Belo.

Encontro Secreto em Roma é, portanto, uma obra contemporânea que narra a extraordinária aventura de um homem de nosso tempo, numa cripta oculta da milenar Abadia de Nossa Senhora de Grottaferratra, localizada na comuna de mesmo nome, nos arredores de Roma. Ao encontrar com um misterioso personagem que ele chama pelo pseudônimo de Jean, por ocasião de um solitário passeio noturno pela praça romana da Fonte da Tartaruga, Bernard encontra-se, na verdade, com o mundo mais secreto da iniciação e com uma experiência da qual sairá comprometido por uma missão, nascida do encontro iniciático com a misteriosa figura do Cardeal Branco.

Nascido em 19 de maio de 1923, em Bourg d’Oisans, Isère, na França, Raymond Bernard teve o seu primeiro mestre na discreta figura de Edith Lynn, uma cidadã britânica residente em sua cidade natal, nos Alpes franceses, e sua professora de inglês no período da adolescência, durante os anos turbulentos da II Guerra Mundial.

Foi por meio de sua amizade com Edith Lynn, paralelamente às aulas de inglês, que Bernard — ele próprio integrante de um movimento não-armado de apoio à Resistência, formado por jovens — recebeu de sua professora inglesa os ensinamentos da Ordem Rosacruz, sem

1 Evidentemente, a obra de Malory não integra o chamado Ciclo Arturiano, como as de Troyes, Boron e Eschenbach, mas tem também um papel fundamental na propagação e aprofundamento do mito fundador da cavaria ocidental.

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imaginar que, no futuro, viria a ser um dos principais dirigentes da organização cuja sabedoria lhe era transmitida, naquele momento, de maneira tão especial.

Após formar-se em direito pela Faculdade de Grenoble, começou sua vida profissional nos negócios da empresa de sua família. Nos anos seguintes, ele progride rapidamente nos domínios iniciáticos, prossegue em sua formação rosacruciana e faz contato — principalmente a partir de 1955 — com algumas das mais significativas correntes da tradição cavaleiresca e templária, em vários pontos da Europa, recebendo delas iniciação e autoridade. Em 1956, é levado a abandonar o mundo dos negócios para se consagrar à reorganização do ramo francês da Antiga e Mística Ordem Rosae Crucis, a AMORC, substituindo Jeanne Guesdon, falecida anos antes, e assumindo funções de nível internacional como Grande-Mestre, Legado Supremo e membro do Conselho Supremo da Ordem. Restabelece os trabalhos da Ordem Martinista Tradicional (no Brasil Tradicional Ordem Martinista), onde assume as mesmas funções para as quais fora investido na Ordem Rosacruz. Participa também dos trabalhos maçônicos da Grande Loja de França.

Em 1988, aposentado e liberado de suas obrigações à frente da AMORC, sem jamais romper seus laços com a mesma, funda o CIRCES — então Círculo Internacional de Pesquisas Culturais e Espirituais — cujo objetivo é, desde o início, essencialmente humanitário e caritativo, mas que se exerce também por meio de pesquisas e ação, com que procuram seus membros contribuir com a construção de um mundo novo que busca manifestar-se.

Paralelamente a este movimento, ele restitui força e vigor a uma tradição templária secreta que não havia sido jamais interrompida ao longo dos tempos — ainda que sem atividades públicas desde o início do século XX — estabelecendo assim a OSTI (Ordem Soberana do Templo Iniciático). Em 25 de setembro, no Palácio dos Papas, em Avignon, sul da França, Raymond Bernard é eleito Grão-Mestre da OSTI.

Posteriormente, como Comitê de Iniciativas e Realizações Caritativas e Sociais, o CIRCES seria absorvido pela Ordem, tornando-se o seu braço externo para ações e projetos caritativos e humanitários — um comitê extremamente ativo na França e no mundo. Bernard exerceu a função de Grão-Mestre da OSTI até 1997, quando se retirou para um merecido descanso.

Não há comparação possível entre as atividades e vocação templárias e as de outras tradições das quais Bernard possa ter participado. As estruturas, o processo iniciático e a admissão na Ordem do Templo — OSTI são inteiramente diferentes e naturalmente não se propõem a substituir, sob qualquer aspecto que seja, os outros encaminhamentos tradicionais e iniciáticos.

Falecido em 2006, Raymond Bernard deixa-nos o legado de toda uma vida dedicada à iniciação, no qual se destacam as sociedades tradicionais que ele animou e ajudou a se desenvolverem e a se perpetuar — sobretudo a OSTI, da qual permanece como o Grão-Mestre Fundador — e seus muitos escritos, como artigos e livros, desenvolvidos em torno da espiritualidade e das tradições sapienciais.

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Encontro Secreto em Roma é um dos mais inspiradores dentre esses escritos, e realiza magistralmente a sua função anunciadora de uma expressão, no mundo, da corrente templária de espiritualidade e ação. Ao realizarmos esta tradução — mais completa, como poderá perceber, por certos detalhes, o leitor que porventura já tenha tido contato anteriormente com a obra — estamos entregando ao público, graciosamente, um verdadeiro e moderno sucessor dos romances da cavalaria, ou o que poderíamos chamar, o romance de uma nova cavalaria.

É, portanto, com imensa satisfação que convidamos a todos e a cada um a viver uma aventura extraordinária, participando, com Raymond Bernard, do Encontro Secreto em Roma.

Ordem Soberana do Templo Iniciático – OSTI Grã-Comendadoria do Brasil

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PREFÁCIO

ncontro secreto em Roma é a narrativa, pelo autor, de sua recepção na tradição templária. Admissão ao mesmo tempo inesperada e reveladora de um percurso que parecia predestinado. Mas esta recepção guarda, no entanto, algo de mistério para

aqueles que buscam compreender suas raízes. É, sem dúvida alguma, a marca de uma grande corrente espiritual. Propício ao seu próprio enriquecimento — e às vezes à especulação — o mistério é uma fonte de inspiração que ilumina a via tradicional que ele escolhe.

Encontro secreto em Roma é o testemunho pessoal da captação de uma tradição impessoal. Captação porque foi necessário buscá-la, tão logo o sinal de sua presença havia sido dado, para que ela viesse ao encontro daquele que estava previsto para recolhê-la e dar, em seguida, uma forma, no presente, a uma tradição inscrita na memória do mundo: a mística templária. A memória das sociedades humanas é alimentada por todas as suas realizações, inscritas por seus vestígios — e os do “Templo” são de todos os níveis — que serão arqueologia, arquivos, arte, escritos, memória humana, consciência, para irmos do mais denso ao mais sutil. Mas se todo pensamento, desde que tenha deixado um desses vestígios, ultrapassa aqueles que lhe deram vida, ele perdura por esses meios, que por vezes se reduzem à transmissão oral, até mesmo a uma inscrição em uma memória coletiva imaterial. Por analogia, isto sugere uma forma de reencarnação dos pensamentos e valores essenciais das sociedades humanas nos novos corpos que formam as coletividades que se voltam para elas.

Que poderia, então, trazer uma tradição templária, sete séculos depois da abolição de sua expressão? Haveria uma marca templária a zombar do tempo linear, e que viria, por necessidade, ciclicamente, acompanhar certas transformações profundas da sociedade? De que se trata, quando se fala hoje do “Templo”? De um certo ponto de vista, pouca coisa, já que estaremos falando de uma Tradição sem conteúdo: poucos arquivos, além da Regra complementada por inventários e por cartulários; nada de textos de referência, senão a Bíblia, pouca coisa sobre os ritos iniciáticos, além da recepção do cavaleiro. Ao longo dos séculos, esse vazio relativo alimentou a lenda e formou o mito. Por outro lado, há os arquivos dos processos, mas cujo conteúdo é frequentemente a herança de sevícias, de confissões forçadas destinadas a validar as teses dos acusadores. A verdade parece ser, decididamente, como o Graal: multifacetada.

De fato, quando se fala hoje da Ordem do Templo, evoca-se também uma Ordem muito rica, com uma Regra muito dura. Ela proibia, por exemplo, qualquer posse pessoal, impedindo mesmo a um templário de receber qualquer donativo, por menor que fosse, de trazer o menor valor consigo, sob pena de exclusão e da perda do hábito, a menos que se tivesse a autorização do mestre. Recorda-se, ainda, da divisa, extraída do Salmo 115, “NON NOBIS, DOMINE, NON NOBIS, SED NOMINI TUO DA GLORIAM”, que não deixava nenhum lugar para o ego. Pensa-se também, com frequência, em uma Ordem que protegeu os valores mais sagrados, sem que se possa sempre distinguir em que eles eram temporais ou espirituais. Entretanto, e sem dúvida por estas razões, deixou vestígios excepcionais nas consciências e nas terras que serviu, tanto no Oriente quanto no Ocidente: contaram-se centenas de

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comendadorias em atividade, sem considerar as fortalezas. Há os traços objetivos dessas realizações, mas há também a percepção intuitiva de que uma dimensão espiritual muito poderosa sustentou esse desenvolvimento. Formou-se, assim, um arquétipo templário que encontra um lugar eminente em todas as vias tradicionais, um modelo que tem por atributos místicos e simbólicos o Graal, o Conhecimento, a espada, o engajamento, a pureza, dentre vários outros.

O pensamento templário não pode, portanto, ser reduzido nem à ação sem finalidade, nem à especulação sem objetivo. Participando da amplidão da marca templária, há muitos fatos históricos: no período medieval, a Ordem do Templo, além de seu papel militar, era conhecida por sua inovação em matéria de produtividade no seio das comendadorias, por seu compromisso em defender os caminhos e os lugares, formando uma autêntica rede temporal e espiritual em toda a Europa e no Oriente Médio, sendo Roma e Jerusalém dois centros de uma elipse simbólica. Mas essa amplidão temporal e essa riqueza material induzem a uma contrapartida no domínio espiritual: elas posicionam a via templária como precursora das recomposições temporais e espirituais, para harmonizá-las segundo novas chaves operacionais. Aproximamo-nos, talvez, do essencial.

Esta nova tradução do Encontro Secreto em Roma, mais próxima do original, pela vontade do autor (ainda em vida ele desejou uma edição integral), vem responder a uma expectativa, não trazendo soluções, mas sim modos de percepção das soluções a serem criadas, apoiando-se em uma sensibilidade prestes a despertar em um mundo em esperança, para levar cada um a criar o que se poderia chamar de um novo modelo em relação a si, ao outro, ao mundo, a Deus, ou simplesmente revelar como os valores templários dão sentido e unidade à sociedade humana. Mas tais afirmações nada representam se elas não se traduzem em uma manifestação tangível no mundo real: a Ordem não demonstra nada; ela age.

Que seria necessário, então, para uma sociedade que conheceu, em algumas gerações um desenvolvimento econômico sem precedente, uma emergência democrática quase irrepreensível, espiritualidades de todas as origens em ebulição e em desdobramento, além das fronteiras; um desajustamento que, juntamente com a globalização, manteve fluxos em todas as escalas e de todas as naturezas, de pessoas, de bens, de espiritualidades? Talvez simplesmente uma coerência de todos esses desenvolvimentos sem precedentes, ou ainda a consciência de uma finalidade que leva em conta a sociedade humana em sua totalidade, porque a satisfação de seus desejos no plano temporal não basta para dar um sentido à existência, e talvez porque a dimensão espiritual seja o sangue da sociedade, um fator de vida, de consciência e de evolução.

Por que agora? Este início de terceiro milênio é um terreno fecundo para todas as possibilidades. É um momento de instabilidade e de recomposição, onde uma força fraca pode conduzir a poderosos movimentos, como seria o caso para qualquer sistema em equilíbrio instável. É, sem dúvida, nesses períodos instáveis que se sente a necessidade de novas linhas de força e de correlações de valores aptos a iluminar a transformação de um mundo cuja expansão temporal não foi seguida pela das consciências. O ideal cavaleiresco é uma resposta a essas necessidades, mas a Tradição Templária traz uma dimensão suplementar à da

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cavalaria, pois se dedica a cruzar o temporal e o espiritual, na abstração do ego e do êxito pessoal. A narrativa mostra como todas as qualidades humanas são acionadas para contribuírem na resolução de um enigma.

Nesta gênese da Tradição Templária que Raymond Bernard viria expressar, há três lugares em comum: Roma, Grottaferrata e San José (Califórnia). Na primeira vez, em 1955, as bases foram colocadas, as ferramentas transmitidas em Roma, e subsequentemente em Grottaferrata. Em 1959, em San José, ele foi instalado Grão-Mestre da Ordem da Rosa-Cruz, mas confiou haver igualmente recebido — sem precisar quando — uma iniciação especial que muito poucos de seus pares haviam obtido, e que lhe valeu um reconhecimento iniciático em um grande número de tradições esotéricas. Assim, a semente iniciática lançada em 1955 havia encontrado um meio propício na consciência do autor: após um período de incepção de treze anos, ele voltou a Grottaferrata e lá recebeu uma instrução precisa e imperiosa para transmitir o que lhe havia sido confiado, e criar um veículo apto a perpetuar esta Tradição. O tempo era chegado. Pouco depois ele iniciou dois irmãos, em Chartres, criando em seguida uma primeira instância da Ordem do Templo, no seio da Ordem da Rosa-cruz — da qual ele era Grão-Mestre e Legado Supremo — com o apoio de suas mais elevadas instâncias dirigentes. Mas, sem dúvida, a Tradição Templária requeria uma total independência, pois ele separou completamente essa expressão templária da Ordem da Rosa-cruz, inclusive afastando-se dessa expressão ele próprio, deixando a um dos dois irmãos iniciados em Chartres o encargo de conduzi-la, com toda a independência. Não era mais a Tradição que ele estabelecera que iria continuar assim: a que ele havia recebido permanecia em espera.

Tudo estava para se cumprir. Mas foi necessário aguardar ainda um outro sinal. Ele veio alguns anos depois, em 1976, por ocasião de uma cerimônia na grande pirâmide de Quéops: um elemento-chave do ritual templário lhe foi dado e pôde ser “testado”. Raymond Bernard não havia escrito nenhum ritual templário quando da tentativa anterior. As coisas se afirmavam, mas ainda era preciso esperar. Foi somente em 1988 que ele pôde responder à exigência à qual os iniciados devem submeter-se: transmitir para perpetuar. E foi o que ele fez, mas esta é uma outra história, pois todo o processo de recepção, descrito no Encontro Secreto em Roma, é o coração e a chave de tudo o que realizou em seguida. Ele não somente recebeu, mas tomou posse, porque os enigmas que lhe foram submetidos eram o caminho que precisava percorrer para ir ao encontro daquilo que devia conhecer e dar.

Este encontro secreto em Roma é uma alegoria do encontro secreto que temos todos com o nosso eu, com o Si, na esperança de reencontrá-lo em plena consciência, para que o conhecimento seja compartilhado e se torne ação.

S’il plaît à Dieu!

Yves Jayet Grão-Mestre da Ordem Soberana do Templo Iniciático - OSTI

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O chiunque tu sia, che fuor d'ogni uso Pieghi natura ad opre altere e strane E'spiando i segreti, entri al più chiu so Spazi'a tua voglio delle menti umane Deh ! Dimmi ! ... (Gerusal)

Ó, sejas tu quem fores, que forças a natureza a curvar-se às tuas obras estranhas e que, mestre dos seus segredos, penetras à vontade nas profundezas ocultas da alma humana, dize-me!

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I – ROMA

á poucos países no mundo onde as exigências de uma existência inicialmente profana, e posteriormente consagrada a uma excepcional missão, não me tenham conduzido em diversas épocas. Há poucas cidades importantes onde aquilo que nos apressamos

em chamar de “acaso”, não me tenha dirigido em algum momento. De todos estes países e de todas estas cidades, Roma é uma joia em minha lembrança. Foi lá que recebi, num imponente palácio de um extraordinário silêncio — mas cujo nome, conforme prometido, calarei —no outono de meus trinta e dois anos, em outubro de 1955, a sagração iniciática de uma tradição secular. Foi lá — naquilo que fui levado a cumprir em um outro domínio — que se “atualizou” o “destino” que manifestam minhas atuais responsabilidades. Foi lá que a amizade assumiu para mim a forma de um amigo de quem nunca, a partir de então, nem o tempo nem a distância me separaram, mas que um dia, inelutavelmente, como Gilbert Bécaud, chorará o “ausente”, a menos que não seja eu. É isto, e é Roma; e um caminho conduziu-me a ela para que nela meu ser se manifestasse em sua integralidade, em seu absoluto, em sua soma completa em todos os níveis da experiência e da consciência. E, ainda assim, sinto-me incapaz de descrever Roma. Qual seria, afinal de contas, a vantagem para meu leitor de flanar comigo nos jardins Borghese, de rever, em outras partes, os vestígios da Roma antiga, de visitar apressadamente certos museus, de admirar algumas igrejas, de descer em comoventes catacumbas, de precipitar-se à cidade vaticana para nela percorrer a basílica de São Pedro e voltar, enfim, esgotado, em busca de um não encontrável repouso em um terraço célebre da Via Veneto? Um dia eu disse ridiculamente ao meu amigo romano, após haver visitado longamente a Roma do passado: “Esta cidade é um museu!” Ele conduziu-me então para a Roma moderna, que nada tem a invejar as capitais estrangeiras. Mais uma vez ridiculamente, observei: “Esta cidade é como as outras!” Ele reconduziu-me aos antigos vestígios. Compreendi e calei-me.

Roma é o antigo e o moderno misturados em um presente que canta sob cabeças morenas e cacheadas, cujos olhos dão vida às coisas e aos seres que elas tocam; é o religioso e é o profano, a fé e a superstição, é a alegria em mil facetas, a verdade, se ela é agradável, a mentira venial que quer agradar e que, por isto, é tão sincera a ponto de tornar-se verdade. Roma é uma prece e é uma canção, alegre ou triste, tão rapidamente alegre quanto triste, e talvez triste e alegre ao mesmo tempo. A cidade, no fundo, será para você aquilo que você é, e é a si mesmo que amará através dela. Quanto a mim, é às fontes romanas que sinto prazer em confiar-me. Naturalmente nunca deixo de sacrificar uma moeda à Fonte de Trevi, para que uma sorte favorável me reconduza rapidamente a Roma, mas tenho mais adiante minha fonte: a Fonte da Tartaruga. Como saber por que a prefiro a todas? É um sentimento e são lembranças...

Naturalmente, falo aqui da minha fonte romana, porque ela tem um vínculo com a minha narrativa. Quando penso nisto, não poderia ser de maneira diferente. Em Roma, se algum problema me toma de assalto, meus passos, invariavelmente, me conduzem a ela e, estranhamente, eles os fizeram com frequência, quase todos os dias, quando da viagem em cujo decorrer eu viria finalmente a ter uma experiência excepcional...

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II – PERTO DA FONTE

noite de uma primavera romana. Do terraço do meu apartamento do Cavalieri Hilton, admiravelmente situado no Monte Mario, contemplo, há alguns instantes, a cidade iluminada... quando sou tomado pelo irresistível impulso de uma visita à minha fonte.

Cheguei esta noite, e sendo meu hotel distante do centro, a preguiça foi mais poderosa do que a atração pelo banho de multidão do qual sinto sempre necessidade ao chegar a qualquer lugar... como para travar ou retomar conhecimento com meus anfitriãos do momento. Mas agora o desejo é poderoso e ele se concentra inteiramente na minha fonte. É tarde, muito tarde, mas não sou eu, como se diz, um notívago? Talvez eu me encontre sozinho lá... com minha lembrança. Que privilégio!...

O táxi deixou-me na esquina da rua e eis-me diante dela...

Mas ora, não estou só! Alguém me precedeu, mas não me sinto incomodado por aquela presença. Tudo é tão calmo aqui, nesta hora tardia. Quem sabe “o outro” não compartilhe também minha curiosa atração por esta fonte? É nisto, pelo menos, que prefiro acreditar, e meu coração, totalmente desprovido de ciúme, faz-se silenciosamente cúmplice do estranho. Aproximo-me da fonte e dele. Ele parece ausente, voltado para si mesmo, e seus olhos estão fechados. Faço o menor barulho possível, mas mal me aproximo ele tem um sobressalto e seu olhar repousa longamente sobre mim. Sobre mim! “Sobre meus olhos”, deveria precisar. Como os homens, olhando incessantemente, se esquecem de ver! Pelos olhos opera-se uma misteriosa alquimia vibratória, cujo poder é o apanágio daquele que sabe dar um sentido ao seu olhar; só que muitos o ignoram. Mas este homem sabe disto, da mesma forma que acredito sabê-lo! Seus olhos buscam minha alma, os meus a dele, e tudo conclui na compreensão, numa quase comunhão e num sorriso.

“O senhor fala Francês?” – Que outra coisa eu poderia dizer? Seria naturalmente necessário que um de nós se decidisse e por que não eu... sobre uma banalidade? A resposta é inesperada: “Eu sou francês!” Olho melhor meu interlocutor... Ele tem aproximadamente a minha altura e está vestido com certo esmero. Seu terno cinza é, de fato, talhado à francesa e a gravata azul é discreta. O rosto é anguloso, incisivo, e os olhos castanhos que fixam os meus refletem uma grande bondade e alguma melancolia...

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— “Eu sou francês — prossegue ele — mas estou frequentemente em Roma. Meus negócios me chamam aqui. E outra coisa também! E o senhor? Trata-se de sua primeira estada em Roma?”

— “Naturalmente não! Várias circunstâncias me trazem frequentemente a Roma...”

Meu interlocutor me interrompe:

— “Circunstâncias... religiosas?”. Sorri:

— “Religiosas? Talvez, mas não no sentido que você entende...”

Sabe-se lá! Se encontro este homem, por que não haveria uma razão particular? Além do que, o acaso não existe como tal. Acrescento então, quase num desafio:

— Eu diria que são mais circunstâncias... tradicionais e mesmo esotéricas!” O homem tem um pequeno sobressalto:

— “Esotérica? Então você sabe que o esoterismo está presente em Roma! Diabos! Nosso encontro não deixa de ser curioso”.

— “A experiência ensinou-me que todo encontro é curioso. Alguns deles, mesmo, insólitos...” e acrescento lentamente:

— “Então não é, no fundo, insólito que estejamos, a uma hora tão avançada da noite, você e eu, dois franceses, sós, aqui, diante desta fonte no coração de Roma; e não é ainda mais estranho, que nos falemos assim, sem nos conhecermos, revelando-nos rapidamente um ao outro e, de minha parte, mostrando-lhe meu interesse esotérico? Convém que eu me apresente...”

Sem hesitação, comovido por um impulso irresistível e profundo, revelo minha identidade, meu título e minhas responsabilidades. Ele me olha intensamente e eu o suponho surpreso... até que minha própria surpresa apague em mim, por alguns instantes, qualquer outro sentimento. Meu interlocutor responde à minha apresentação com a sua e, para ele, não há qualquer necessidade de citar seu título ou suas responsabilidades. Seu nome é suficiente e é um dos maiores nomes da França. Ah!, quando falei, ainda agora, de circunstâncias tradicionais, poderia lá eu imaginar que o homem a quem me dirigia representava, por si só, por seu nome, tantos e tantos fatos importantes na longa história do meu país?! Reajo, no entanto, rapidamente. Muitos são os grandes deste mundo que me honram com a sua confiança e alguns com a sua amizade, ficando mais relaxados comigo do que o estariam em sua estatura oficial. Além do que, aquilo que está no mundo temporal não me impressiona mais e por instinto, desde sempre, minha veneração vai para os simples, para os humildes, para os menores, porque, ao nível da sua realidade, eles são grandes, bem maiores que aquele, cioso do seu nome ou das suas qualidades, cujo orgulho, em última análise, só se justifica por seus ancestrais e raramente por ele mesmo ou pela vaidade absurda por sua função. Mas o homem que está ali, diante de mim, é de uma simplicidade tão vibrante, que o nome ilustre por ele herdado é, por sua personalidade profunda, um ornamento que lhe assenta sem reserva.

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— “Talvez pudéssemos prosseguir esta conversa em minha casa — diz ele em seguida. A menos que você esteja cansado...”

Não sinto nenhum cansaço e o convite me agrada:

— “Nossa conversa será mais proveitosa do que o sono. Eu o acompanho...”

Caminhamos alguns minutos... Seu carro, mal estacionado — mas estamos em Roma! — tem placa italiana e concluí que ele reside aqui com uma frequência maior do que quis admitir. Nesta encarnação, uma de minhas fraquezas é apreciar os carros possantes. Eles constituem um esforço humano para dominar a ilusão do tempo e as miragens do espaço. Ao mesmo tempo, são o fruto admirável da pesquisa e do gênio do homem que, em seu sonho acordado, crê, indo cada vez mais rápido, aproximar-se de uma perfeição onde espaço e tempo serão apenas uma unidade. Eles de fato o são, e o místico o sabe por experiência, mas a humanidade escolheu o caminho longo, muito longo do materialismo e da sensação. O homem, independente de seu grau de despertar interior, não pode rejeitar sua humanidade sem cometer o imperdoável pecado de se supor, orgulhosamente, separado dos outros. Ele só pode ser despertado entre os outros, e os outros, ele só pode servi-los permanecendo humanamente ele mesmo. A consciência despertada não se acomoda com a hipocrisia. Ela tudo vê e, inicialmente, o corpo que ela habita temporariamente, esse corpo com seus apetites e suas fraquezas, que só são um mal se o pensamento e o remorso os consideram assim e os fazem entravar...

Não coloco entraves aos altos impulsos de minha consciência profunda, ao apreciar a potência de um automóvel. Já passei por estranhas experiências interiores dirigindo a alta velocidade e, da mesma maneira, intuições úteis jorraram no meu pensamento, cujas consequências foram consideravelmente úteis para muitos outros.

Meu companheiro dirige de maneira segura e rápida, que demanda silêncio e concentração. Nos dias subsequentes, quando ele me dará o prazer de dirigir aquele carro excepcional, será, seguramente, um testemunho de confiança e de estima de sua parte, mas seremos ambos, como hoje, concentração e silêncio, e é sem dúvida ao longo desse tempo de aparente repouso do pensamento, que se acumularão no umbral de nossa consciência objetiva, o conhecimento e a luz que jorrarão do nosso ser, inicialmente em nossas conversas e, um pouco mais adiante, nas circunstâncias excepcionais que viveremos juntos.

É necessário que, ao atribuir um nome ao meu companheiro, eu me decida, pois não se tratará de dar-lhe seu nome. Nenhuma recomendação particular me foi feita por ele nesse sentido, mas o anonimato é uma regra implícita nesse tipo de aventura, com mais razão ainda se um nome corre o risco de personalizar a narrativa e de desviar dela a intenção. Não é a história de um homem que eu escrevo; é o relato de um encontro, do qual ele não foi, como eu mesmo, senão um ator e não o protagonista. Assim, meu companheiro não pode ser, nestas páginas, senão um nome escolhido ao acaso de uma ideia que passa... Robert, Philippe, Louis?.... Que importa! No entanto ele é necessário, e é por isto, amigo, que eu te batizo Jean.

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Não é nada surpreendente que o apartamento de Jean se assente em uma das célebres colinas de Roma, nada surpreendente também, quando se sabe quem é Jean, que a “Via”2 onde se encontra esse apartamento seja uma das mais residenciais da capital italiana. Só irei descrever esta casa para sublinhar com algumas palavras seu luxo discreto, feito de uma simplicidade e de uma grandeza onde se reconhece, em todas as circunstâncias e em todo lugar, a marca da autêntica nobreza. No entanto, em suas outras residências, em outros lugares do mundo, irei encontrar mais tarde, em toda parte, aquilo que chamo para mim mesmo “o sinal de Jean”, e este sinal, irei percebê-lo também naqueles que o cercam, em seus filhos, naturalmente, mas também naqueles que o servem, como, por exemplo, este servidor que ele acaba de dispensar amavelmente, para que estejamos a sós na biblioteca levemente iluminada, onde nos acomodamos lado a lado em um canapé de motivos cintilantes, perto de uma elegante secretária...

2 “Rua” em italiano. (N.T.)

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III – SEGREDOS E SORTILÉGIOS

a augusta linhagem que nosso tempo obscureceu — mas que, apesar de tudo, represento — uma irresistível atração pelo mistério foi transmitida de uma geração a outra; e, nesse particular, não constituo uma exceção...”

Será que meu hóspede pretende monologar durante todo o tempo em que estivermos juntos? Não sei... apesar de eu estar disposto apenas a escutar e aprender. Ele fala com uma voz grave, e o gesto com que faz acompanhar certas palavras não prescinde de grandeza. O que ele acaba de me afirmar não é dito como desculpa. Uma confissão, apresente-se ela de que forma for, começa sempre por uma definição mais ou menos precisa de si mesmo. Jean não pode ignorar que conheço bem a história “oculta” de seus ancestrais. Ela é conhecida por muitos, e talvez um pouco mais por mim, que tive o privilégio de ter acesso a arquivos raros... Assim sendo, interromperei o menos possível meu interlocutor...

“O poder neste mundo, político, financeiro e mesmo religioso, concentra em si o desejo de um maior poder, porque o homem está sempre insatisfeito com seu estado. Um poder requer seu complemento de poder. O político sente a necessidade de dominar o financeiro. O financeiro é irresistivelmente inclinado a fazer pesar todo o seu ouro sobre o político; e quanto ao religioso, ele aspira com frequência, lamentavelmente, o poder temporal, e busca apoiar-se no político e no financeiro. Estranho triângulo realmente este, onde um dos pontos só se sustenta em função dos dois outros para sua própria manifestação! Ora, minha família conquistou e conservou esses três pontos durante séculos, e ela necessitava, portanto, de um poder compensador mais amplo, situando-se acima desse triângulo temporal. Daí resultou o que considero hoje como a busca que eu, digamos, herdei... com o resto, e meu privilégio é seguramente o de não ter de percorrer o que foi superado antes de mim, depois de muitas apalpadelas, erros e mesmo desvios naquilo que se poderia qualificar de ‘feitiçarias’!...”

Estas últimas palavras são acentuadas por um sorriso que eu compartilho. Jean se cala alguns instantes, enquanto eu me pergunto: onde ele está querendo chegar? Eu deveria ter-me colocado a pergunta bem antes, mas, como de hábito, sou tão curioso pelos outros, tão aventureiro por natureza e tão ávido de “participar” dos outros, que minha alma preguiçosa recusa-se a antecipar. No entanto, até este momento, tudo é de tal forma bizarro nesse encontro, e naquilo que me é confiado, que perguntas emergem à minha consciência, e me questiono por que e como pude aceitar vir aqui. Como! Este homem de nome ilustre, apesar de neste escrito não passar de “Jean”, estava perto da minha fonte em uma hora inesperada e, após algumas palavras, ele me recebe em sua casa, confia-se a mim como a um amigo de sempre, e isto me parece normal, fluente... Mais uma vez fico surpreso com minha própria psicologia! A menos que... a menos que ele já conheça a Ordem Rosacruciana A.M.O.R.C. e que se confiar a mim apazigue sua inquieta esperança. No fundo, por que eu deveria estar surpreso? Aconteceu-me recentemente em Orly de, enquanto aguardava o embarque, dizer algumas palavras a um passageiro bastante idoso que partia para outro destino, e repentinamente ouvi-lo, durante alguns minutos, entreter-me com as suas “criptas secretas de Istambul”. Como iria então espantar-me com a aventura que vivo nesse momento!?

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Não posso, no entanto, evitar um sobressalto interior, quando meu companheiro prossegue, parecendo responder à minha pergunta secreta:

“Li atentamente toda a documentação concernente à sua Ordem e estudei a sua filosofia e a sua tradição, em particular através do Manual Rosacruciano e do Santuário Interior.3 Eu não poderia supor que iria encontrá-lo esta noite em Roma, perto daquela fonte...” Eu então o interrompo:

— “Trata-se da ‘minha’ fonte, carregada com as minhas lembranças, meus pensamentos, às vezes com as minhas dúvidas...”

— “Quanto a mim — retoma ele — é a primeira vez que paro lá. Após uma refeição tardia senti a necessidade de caminhar e meus passos me conduziram para lá, por acaso...”

— “Por acaso?”

— “Você tem razão. Não busquemos compreender. Estamos reunidos e há um objetivo profundo em todas as coisas. Creio que você veio a mim no momento em que a necessidade se fez sentir. Estou a algumas horas de uma entrevista capital na busca que venho empreendendo há anos. Ora, curiosamente fui prevenido que eu não iria só... e você está aqui! Algumas horas... Seguramente era você que eu procurava inconscientemente perto da fonte... Enfim! O tempo urge. Deixe-me ‘situar-me’ diante de você, deixe-me libertar meu ser de seus segredos e sortilégios! É preciso que você saiba onde minha busca me levou, porque o nível atingido é fundamental devido ao que está sendo preparado para mim e agora para você também!”

Ele se levanta e, abrindo a gaveta de uma secretária, cuja chave trabalhada extraiu de seu bolso esquerdo, pega um pergaminho enrolado que me estende, dizendo: “Leia”. Desenrolo o documento ligeiramente amarelado e apesar de encontrar certa dificuldade para discernir a escritura fina e para decifrar certas locuções antigas, encontro-me no auge da estupefação. Não reproduzirei aqui os símbolos secretos nem os títulos exatos colocados em epígrafe. Eles têm uma importância bastante considerável na aurora dos novos tempos que atravessamos e pertencem ao “que vem”. Direi simplesmente que “a Fênix deve renascer de suas cinzas” e duas décadas não se passarão sem que todos esses símbolos e títulos tenham uma nova vida em um mundo onde todos os valores terão sido sacudidos a ponto de não tornar possível nenhuma comparação entre esse tempo e o atual. E isto, naturalmente, no sentido de um bem maior — e já que me encontro em Roma, ousaria revelar, desde já, que o fiel de nossa época, se ele ainda viver, terá grande dificuldade então de reconhecer sua Igreja? Daqui a vinte anos... e eu prolongo intencionalmente o prazo em alguns anos. Mas o que é um, dois ou oito anos em uma perspectiva de tal forma assombrosa?...

O documento reproduz em seguida duas quadras das profecias de Nostradamus. Ei-las:

“Quem vier a abrir o monumento encontrado E não cerrá-lo prontamente

3 Publicados no Brasil, respectivamente, sob os títulos Manual Rosacruz e Santuário do Ser. (N.T.)

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Mal lhe virá e não poderá provar Se melhor deverá ser Rei bretão ou normando.”

“Quando a escritura D.M. encontrada E caverna antiga com lâmpada descoberta Lei, Rei e Príncipe Ulpian posto à prova Pavilhão rainha e duque sob a coberta”.

Imediatamente abaixo, estas poucas palavras incompreensíveis:

O NILO TEM FONTE NA CRYPTA FERRATA

e na parte inferior do pergaminho a incrível assinatura, autenticada com uma cruz pátea,

Louis, Templário

... Lanço mão de todo conhecimento transmitido ou adquirido, de todo poder iniciático concedido ou merecido, perscruto o texto e mergulho o olhar em minha memória subconsciente. Recolho algumas luzes e as entrego ao meu raciocínio, mas o vínculo ainda não se estabelece...

O Nilo nasce na cripta ferrata! Que significa esta locução latina em relação ao Nilo? É a primeira vez que vejo tamanha associação de termos tão contraditórios. O Nilo, indubitavelmente — quem o ignora? — era venerado pelos antigos egípcios. Ele era o servidor dos deuses, o bom gênio. No tempo dos faraós dizia-se que Hapi vivia em uma gruta no fundo do Nilo, no meio da primeira catarata. Sua fecundidade nutriz atribuía-lhe um peito de andrógino. Estas são noções comuns do conhecimento de todos e elas invadem meus pensamentos do momento sem, no entanto, esclarecer-me. Crypta? Cripta, gruta... Ah! talvez a gruta lendária de Hapi... mas “ferrata”, ferro, janela de ferro. Nunca qualquer vínculo foi estabelecido entre a gruta de Hapi e uma janela de ferro, mesmo se fosse admitida, naqueles tempos recuados, a inverossímil suposição de que o Nilo pudesse ter seu nascedouro nessa gruta.

Não sei bem por que, repentinamente, penso na história osiriana e no culto de Ísis. Estamos em Roma. Seria muita estupidez acreditar ter existido aqui, ou nas cercanias, um centro de iniciação antiga? Não é tudo, nesses lugares, “iniciação”, para quem aceita ver? Foi então que surgiu em minha alma a hipótese que o acontecimento irá justificar em grande parte, mas que meu raciocínio ainda não conhece. No entanto é isto! A intuição falou! Já afirmei em outras circunstâncias: sou uma criatura noturna e esta noite rejubilo-me de ter aceitado permanecer acordado. O céu tagarela contou-me mais uma vez O segredo!

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O trabalho do meu mental é seguramente mais rápido do que a sua tradução em explicações escritas, e na verdade alguns minutos foram o suficiente para tomar conhecimento do pergaminho, refletir sobre seu conteúdo e devolvê-lo ao meu hospedeiro. Este me olha intensamente e murmura:

— “Você compreendeu?” Ao que respondi:

— “Não estou seguro da minha interpretação. Naturalmente tenho uma ideia, mas eu precisaria de longas meditações para definir uma solução válida e, principalmente, completa.

“Devo dizer, no entanto, que conheço um lugar no subúrbio romano... Mas recuso-me a intervir enquanto você não tiver transmitido a sua própria interpretação. Não gostaria de tornar-me uma fonte de confusão para você. Permita-me escutá-lo...”

— “Um lugar no subúrbio romano”! Mas... você tem razão. Que estranho nosso encontro! Ah, cavalheiro, você não saberia aquilatar a minha alegria interior! Que universo extraordinário onde A lei se manifesta a ponto de fazer supor que tudo está pré-estabelecido, quando somos nós mesmos que, ao observar a lei e ao aplicá-la a partir do nosso eu verdadeiro, formamos nosso destino e... nossos encontros excepcionais... Enfim! Eis a história e as conclusões que dela extraí:

— “Eu lhe disse ainda há pouco: ‘segredos e sortilégios’. Este documento é um dos segredos da minha família e irei confiar-lhe outros tão surpreendentes quando ele. Mas onde você acha que estão os sortilégios? Eles estão de fato tão imbricados nos segredos, que minhas explicações irão englobar tanto uns quanto outros. Falei igualmente de “feitiçarias” e é verdade que recentemente, para seu conhecimento, alguns dos meus foram adeptos... digamos, por respeito, de teurgia menor. Eles buscavam e nada recusavam, nem mesmo a ajuda interessada de aventureiros arvorando-se do título de magos e impressionando seus adeptos ignorantes com o emprego inconsiderado e anárquico de algumas fórmulas de uma cabala da qual eles próprios nada compreendiam. Passo ao largo da escroqueria alquímica que vitimou alguns dos meus. A escroqueria era, sobretudo, moral e teve sua utilidade. Mais tarde, na França, irei mostrar-lhe as notas íntimas de um de meus ilustres ancestrais. Passo também pelas missas negras e outros encantamentos que enganaram não poucos curiosos daquela época. Agora me volto imediatamente ao essencial: minha família, em segredo, sempre reivindicou o ideal templário. Eu não saberia dar maiores detalhes, e não posso, particularmente, pretender que tenha existido uma filiação real indiscutível entre a Ordem, tal como ela foi, e, através do tempo, como seu conhecimento chegou a mim. Mesmo se isto tivesse acontecido, eu me recusaria a mencioná-lo. Deixarei com você, portanto, a dúvida a esse respeito. Isto é, aliás, pouco importante! Não se trata de um elemento fundamental para o que nos concerne, a você e a mim, de imediato...

— “Devo, no entanto, acrescentar que um pouco antes do desaparecimento público da Ordem do Templo, um de meus ancestrais, então com onze anos, havia recebido do Grão-Mestre uma unção particular, e que esta unção perpetuou-se até os nossos dias, já que eu próprio a recebi aos onze anos. Nosso tempo conferiu-me vantagens das quais meus predecessores não podiam desfrutar. Passei três anos na Índia e no Tibete e fui discípulo do sábio Atmananda. Uma certa sabedoria me foi comunicada no decorrer dessa estada. Em seguida compartilhei o

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ensinamento de outros Mestres, no Oriente Médio e no mundo secreto do Islã. Na França, conduzi várias experiências perigosas, apressadamente qualificadas de ocultas e de tudo isto, extraí muito em conhecimento e em poder interiores, mas não encontrei a paz. Apesar de ter nascido cristão, minha fé é universal. Pratico, por tradição e respeito pelos meus, sem deixar um único instante de vibrar ao ritmo interior de uma crença que designo como ‘cósmica’, mas não encontrei a paz, ainda não, e eu a busco aqui, sabendo que para mim ela está em alguma parte daqui, e se você me perguntar por que, responderei que nada sei...”

Eu gostaria mesmo é de dizer-lhe que essa paz que ele busca não se encontra aqui ou acolá, mas aonde ele se encontra, ou seja, nele mesmo. Ainda assim, considero preferível não interrompê-lo, pois neste instante ele fala principalmente consigo mesmo.

— “’Em algum lugar!’ Creio saber onde, e é lá que vim recolhê-la. Este pergaminho, que durante anos examinei sem compreender-lhe o sentido e sem avaliar seu alcance, revelou-se a mim em sua verdade, está fazendo hoje exatamente três anos. Foi preciso todo esse tempo para determinar ‘o monumento’, definir ‘a escritura D.M.’ e situar ‘a caverna antiga com lâmpada descoberta’. Três anos! E poderia ser de outra maneira? As outras indicações das quadras se aplicam muito bem a mim para ter-se constituído, em algum momento, um enigma para o buscador que sou, como também não fiquei surpreso com a assinatura de meu ancestral e com o título que ele usou, já que é meu direito absoluto agir agora da mesma forma, como também o será de meu filho caçula depois de mim e ele sabe disto desde que completou onze anos...

— “Se você compartilha minha atração pelo simbolismo dos números, fique sabendo também que fazem onze dias que recebi o ‘chamado’, que é hoje (veja, o dia está raiando!), nesta noite, às onze horas que sou esperado ‘com meu companheiro’, e que este companheiro, não tenho como duvidar, é você! Que dirá aquele que nos irá receber? A próxima noite nos ensinará melhor do que as hipóteses cuja trama nosso pensamento possa desenvolver... Onde? Creio que você adivinhou e estou estupefato que tenha podido chegar lá...

“— É... uma associação de ideias me trouxe à memória uma visita que fiz, há algum tempo, à Abadia de...” Ele me interrompe:

“... De São Nilo, e é lá mesmo o lugar. Conheço Roma e seus subúrbios tão bem quanto Paris e foram necessários três anos para chegar ao objetivo! Digamos que isto era desejado, de outra forma seria um absurdo.

— “Nilo... Nilo! E fez-se do Nilo um santo: São Nilo. Gostaria de ler a biografia deste santo. Deveria interessar-me por ela... Saber do “corpo” da “personalidade” da qual um excesso de devoção pôde revestir o Nilo e atribuir-lhe o estado de santo...

— “De qualquer maneira, ‘crypta ferrata’ indubitavelmente designa a aldeia de Grottaferrata. Não há no mundo inteiro — fato excepcional! — senão um povoado portando este nome.

— “Assim, ‘na cripta das janelas de ferro nasce o Nilo’... O Nilo, a terra do Egito, a antiga iniciação...

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— “Já é hora de nos separarmos. Vou levá-lo ao seu hotel. Descanse durante o dia. Voltaremos a nos encontrar esta noite, às oito horas. Espere-me no saguão.”

Sugiro pegar um táxi, o que lhe permitiria ir repousar imediatamente, mas ele recusa. E sua possante Ferrari escura, na calma manhã romana, levou-me rapidamente ao meu hotel. No elevador, dois americanos noctâmbulos, solteiros de ocasião, voltam ao seu quarto. Eles me supõem seu... cúmplice e me sorriem. Afinal de contas eles tiveram sua... experiência e irão recordar-se da “dolce vita” romana. Também eu tive minha aventura e foi igualmente uma experiência. Então, através deles, é a São Nilo que dirijo meu próprio sorriso... e nossos sonhos talvez se encontrem em um instante!

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IV – À ESPERA DE UMA NOITE

esperto às duas horas da tarde! Apesar de eu não ser um madrugador, é um recorde sem precedente; mas logo me absolvo, pensando que a próxima noite me concederá pouco sono. Peço meu café da manhã e não surpreendo ninguém. Em Roma, como em

Madri, não se levanta cedo. — Eu deveria ter nascido romano ou madrileno! Quem sabe na próxima vez...

Meu pensamento retorna, com toda a naturalidade, à noite precedente. Prometo a mim mesmo jamais relatar tal aventura a quem quer que seja; e, no entanto, eu a escrevo hoje para um grande número! Com certeza é um lugar comum declarar que o verdadeiro pode algumas vezes não ser verossímil, mas, nesse caso, não sinto nenhuma necessidade de tal justificativa. Minha fonte romana, se eu ainda fosse poeta e a tivesse cantado, tua alma teria podido, leitor, conhecer seu abraço e desfrutar da sua volúpia secreta. Não sou mais poeta e não dedico nenhuma ode à Fonte da Tartaruga. Sinto um certo ciúme de haver tido que revelar publicamente, nestas páginas, o amor que lhe dedico, mas não poderia fazê-lo de outra forma, para ser verídico. Ela foi o local do encontro e foi dela que nasceu esta aventura. Assim, que me perdoem minhas lembranças! Traí apenas a minha fonte...

Crer ou não crer, ser ou não ser, o dilema é o mesmo. Proclamo verdadeira estra narrativa! Para ti, amigo, que seja como quiseres; mas considera com uma atenção constante tua própria vida, vê se ela não é frequentemente semeada de mistério e daquilo que para os outros, fora você, seria inverossímil... se viesses a contá-lo. Meu inverossímil irá então encontrar o teu e todos os dois, um pelo outro, seremos verdade.

Em um instante estarei falando da abadia de São Nilo e é nesta ambiência prestigiosa que iremos juntamente encontrar o Cardeal Branco. Seria de mau tom apresentá-lo de maneira diferente. Não fui colocado repentinamente em sua augusta presença. Foi de maneira lenta que fui conduzido para perto dele; e foi assim que, com um companheiro ilustre, pude recolher sua mensagem e extrair dela um verdadeiro proveito espiritual. Respeito-te muito, leitor, para não querer que te beneficies nas mesmas condições que eu daquilo que aprendi para o enriquecimento da minha alma, e é por isto que te conduzo à experiência exatamente como o fui eu próprio. Ah, se durante tua leitura tu te tornasses eu mesmo, se esta narrativa pudesse ser a tua, se, por osmose, eu pudesse nestas páginas ser tu, que objetivo sublime teríamos atingido juntos, pois eu teria recebido e tu serias o iniciado!...

Reflete junto comigo antes que eu prossiga na aventura e chegue ao seu termo.

“Hâpi vivia em uma gruta no fundo do Nilo. Sua fecundidade nutriz valia-lhe um peito de andrógino. Naturalmente sabes o que é a androginia, ainda que, frequentemente, só se considere o princípio do ponto de vista digamos... “biológico”. Não quero fazer-me o arauto de meus próprios escritos, mas lembra-te do que evoquei em O casal e seus problemas. Tu, homem, te crês homem e és também mulher. Tu, mulher, te crês mulher e és também homem. De acordo com o teu sexo, tua complementaridade masculina ou feminina está em ti mesmo, ao nível, se assim quiseres, da tua subconsciência e é da sua unidade reencontrada que jorrará um dia tua realidade. Cada ser é completo em si mesmo. Compreendeste, enfim,

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que esse mundo ilusório que te cerca e que só existe porque tu és, não tem outra razão de ser senão a de fazer-te perceber e realizar tua própria unidade?

Lembra-te também do longo monólogo alquímico de um Pai Rosenkreutz em As mansões secretas da Rosacruz. Também ele, por suas explicações, simbolizava teu androginato... Trata-se das mesmas coisas que te são incessantemente ditas sob diferentes palavras, em circunstâncias diversas, com um cerimonial variado. E será sempre assim até o momento em que eclodir em ti o raio do despertar, e isto só se dará quando tendo tudo conhecido, tudo provado, tudo dominado, estiveres pronto, em uma receptividade que não é ainda o que supões. Compreenderás, então, que uma palavra, ou uma atitude, ou simplesmente um gesto seriam suficientes. Ser-te-ia necessária a diversidade para encontrar a unidade, e isto era inelutável. Não há via rápida. É necessário seguir a linha horizontal e depois a vertical para que elas se encontrem no momento dado, e para que em sua interseção floresça a rosa da realidade esquecida, mas jamais perdida.

O Cardeal Branco tem outras revelações a nos transmitir. Pressentes que, por sua voz, o templo nos irá ensinar, e teu pressentimento está fundamentado...

Além do que, o tempo se escoou e a espera se encerra. Em alguns instantes serão oito horas. Vem... Aquele que chega não é dos que se faz esperar.

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V – ABADIA DE SÃO NILO

trinta quilômetros de Roma... a abadia de São Nilo! Em Grottaferrrata, versão italiana da antiga cripta ferrata, a gruta ou cripta das janelas de ferro... Teria a abadia conferido seu nome à aldeia ou, ao contrário, ao estabelecer-se no lugar, recolheu

sua história e seu nome? Minha alma escolheu lançar-se de assalto ao passado e escavar seus vestígios para tentar deles extrair a verdade secreta. E eis que a vejo...

Vejo avançar lentamente dentro da noite, para este local solitário, a solene procissão da sabedoria esquecida, reunindo em torno da gruta os postulantes aos mistérios. Gruta externamente, internamente ela torna-se cripta, cujo altar é o coração onde três candelabros reluzentes versam em silêncio suas lágrimas de cera.

A sombra do mestre que espera se projeta na parede circular em múltiplas silhuetas, que por vezes morrem na escuridão oculta por detrás das grades de ferro de inexistentes janelas. Será o lamento sagrado de Ísis ou a salmodia de Elêusis que repercute aqui o eco da eterna tradição? Em um instante, abandonado ao gesto da súplica e guiado por aquele que o elegeu e julgou digno, o iniciado cruzará, curvando-se, a estreita porta, e, descidos os sete degraus, vendo-se subitamente diante do iniciador, ele desabará de joelhos, as mãos juntas sobre o altar, a cabeça sobre as mãos, pronto a morrer ou a viver como determinará o sábio protegido de branco que, naquele instante, perscruta sua alma ao infinito. Desce então sobre o iniciado o manto de luz, porque o mestre estendeu sobre ele suas mãos... e a grande lição foi aprendida: a morte e a vida são uma. Não há nada além da permanência. Não se morre nem se vive: somos; e somente o movimento do mental cria a distinção artificial do vivente e do morto, do

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animado e do inerte, em um mundo onde o homem sonha com uma ilusão que ele crê vida, até o instante sublime em que, rompido o véu, ele se sabe eternidade e consciência sem rosto.

O iniciado se ergue não poderoso, mas poder. Ele não conquistou nenhum direito à verdade, nem a própria verdade. Ele é a verdade, e o mestre, de pé diante dele, com seu manto imaculado, não é mais um outro, mas ele próprio, o iniciador e o iniciado manifestando agora a mesma inseparável verdade. A única palavra que foi pronunciada, os três sons que foram emitidos, os sete gestos cumpridos pelos dedos, tudo isto se esfuma em uma nuvem que dissolve a consciência para sempre despertada... Um postulante entrara há pouco, um iniciado sai para o mundo... A “cripta ferrata” cumpriu sua obra de sabedoria: ela liberou um homem dos vínculos da terra e entregou-lhe os ferros da maestria a serviço da humanidade...

Assim, os monges que, na abadia de São Nilo, prestam ao criador um culto, aqui reconhecido pela Igreja Católica, mas que em outros locais dir-se-ia “ortodoxo”, e que observam um estrito

rito oriental, tanto por suas vestes eclesiásticas e por sua aparência física — cuja longa barba é sabidamente um elemento distintivo — quanto pelas decorações, os ícones e as diversas fases de suas cerimônias, esses monges, sem sabê-lo, perpetuam, em sua comovente capela, a memória de uma antiga iniciação, e prolongam seu efeito benéfico sobre quem vem a esse lugar, fiel involuntário ou peregrino esclarecido.

Lembrar-me-ei para sempre da minha primeira visita à abadia de São Nilo. Meu amigo romano conduziu-me a ela, pode-se dizer, de surpresa, sabendo que, agindo assim, aumentaria meu encanto interior. Era um domingo e os monges celebravam seu culto tão particular e atraente. Fui imediatamente contagiado pela inesquecível

ambiência que impregnava cada pedra da igreja, cujo estilo diferia tanto de tudo o que oferece ao olhar a catolicíssima Itália. Parecia-me ter sido bruscamente transportado para qualquer igreja oriental e não sentia nenhum espanto, uma vez lá dentro, em assistir ao fausto sagrado de um culto ortodoxo. Pressenti, então, que um dia aprenderia alguma coisa aqui, mas naturalmente ignorava a natureza do que me seria revelado neste local.

No entanto, permanece em minha memória que, ao sair daquele aprazível lugar, fomos, do lado de fora, mergulhados em uma atmosfera de feira. Era dia de mercado e a maioria dos vendedores oferecia aos transeuntes os frutos da sua colheita. Sem muito pensar, detive-me diante de uma barraca de utensílios de... jardinagem... Comprei um pequeno forcado de madeira, de três dentes, bem inofensivo e o ofereci ao meu amigo que o aceitou rindo, colocando-a, ato contínuo, bem em destaque, no assento traseiro do seu carro... Ora, como

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veremos, foi um utensílio bastante parecido, apesar de menor, com o que eu não tardaria a perceber na beirada esquerda da mesa Daquele que minha alma reverencia agora como “o cardeal branco”. Tudo é sagrado, mesmo o seixo que o pé desatento projeta à distância, em seu caminhar! Distinguir o valor sagrado do objeto supostamente profano é uma etapa, e não a menor delas, na senda. O garfo de que nos servimos para comer é esquecido no automatismo do gesto e do hábito. E, no entanto, não é ele o instrumento essencial empregado para oferecer um sacrifício portador de vitalidade ao corpo, catedral sagrada de uma alma em busca de si mesma? E isto não passa de um exemplo.

Hoje, eis-me novamente na abadia de São Nilo, e para aquele que me acompanha, é o termo de uma longa busca interior. Iremos descobrir juntos... um segredo. Para ele, seguramente, este segredo é o segredo em sua integralidade do momento. Ousaria eu afirmar que tratar-se-á, para mim, de um segredo depois de vários outros? Neste caso, nosso encontro tem um objetivo de mais longo alcance e, uma vez conquistada esta descoberta, meu papel — mais particularmente o da nossa Ordem — começará para ele. O futuro irá esclarecer este ponto... e murmuro: “Que assim seja!”...

Chegamos quando caía a noite densa, após um crepúsculo cuja rapidez zombava da nossa corrida viva na tranquila planície romana. Meu companheiro dirigia com o olhar fixo na estrada; eu sentia, porém, que seus pensamentos faziam eco aos meus. Mas foi somente na entrada de Grottaferrata que ele murmurou: “Cá estamos” — e eu não havia sequer assinalado a inútil afirmativa com um habitual: “De fato!”.

O pequeno burgo parece deserto e, no entanto, a estação este ano é precoce. É verdade que a televisão, aqui como em toda parte, transformou os costumes. Em outros tempos saía-se para a rua. Atualmente, passivos, nos evadimos mais longe, dentro de nós mesmos, e estamos, mais do que nunca, talvez até mais, separados dos outros. Não cruzamos o pórtico. O carro permanecerá estacionado na parte inferior do caminho. Iremos a pé até a abadia bem próxima, densa sombra estendida ali, diante de nós, em um céu nublado. Jean considerou, com bastante pertinência, que romper o silêncio daquele lugar onde somos secretamente esperados poderia despertar a curiosidade de alguns monges e comprometer o empreendimento. Ele não recebeu qualquer recomendação precisa e essas questões foram deixadas ao seu arbítrio, que não poderia ser senão bondade e grandeza. Apenas a hora havia sido dita e somente cinco minutos nos separavam das onze horas...

Apertamos o passo, a sombra se faz cada vez mais forte. Eis-nos aqui, pórtico cruzado, no vasto pátio, mais perto da igreja e... alguém se aproxima de nós, como surgido da noite de uma coluna vizinha. É um monge com seu hábito preto, seu solidéu escuro sobre os longos cabelos. A barba completa a severidade de seu rosto jovem, onde vivem, solitários, brilhantes olhos negros:

— “Sigam-me!”

A porta da igreja está entreaberta. Ele entra primeiro e, prendendo o fôlego, por nossa vez, nós entramos...

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Quando da sua próxima viagem à Itália, é nesta extraordinária igreja de Grottaferrata que lhe sugiro entregar-se à mais ardente meditação. Se acontecer de estar presente no momento do culto ortodoxo, participe dele com todo o seu ser. Analise cada gesto dos oficiantes e veja além. Pelos ícones, perceba a intenção. Transporte-se, pelo ritual, ao plano vibratório que esses lugares podem nos permitir atingir. Você será banhado no único e na unidade, e terá alguns instantes de percepção da realidade integral da consciência cósmica em si mesmo. Mas antes desta participação no rito, deixe-se penetrar intensamente pelo que este centro representou na história da tradição. A “crypta ferrata” permanecerá desconhecida para você. Ela, no entanto, existe, secreta, esquecida, negada, e é dela que este lugar extrai seu poder.

... É a esta cripta que somos conduzidos neste momento, meu ilustre companheiro e eu. Por que devemos, para lá chegar, cruzar inicialmente este local sagrado onde brilha ao fundo, na obscuridade, a vermelha e tremeluzente chama que simboliza a “presença”?

Paramos apenas o tempo suficiente para uma prece, o monge entre nós. Ele toma, então, nossas mãos e as libera quase imediatamente. Somente mais tarde eu iria compreender esse gesto de poder... Continuamos a caminhar em silêncio, dentro e fora, como para um minuto de céu, e a porta estreita surge subitamente diante de nós: uma porta pequena e baixa e ao mesmo tempo um portal gigantesco, devido à imensidão que, do outro lado, aguarda nossa pequenez.

Minhas mãos se juntam sobre meu coração, que não sente qualquer temor. Sinto, no entanto, uma sensação que conheço bem, por ser ela um privilégio do meu estado, da minha função: meus olhos parecem tremer “de dentro”, ao nível de minha nuca e das orelhas, um frêmito quase imperceptível se produz e eu sei que, a partir daquele instante, deu-se a transferência, e que meu ser psíquico, meu ser verdadeiro, assumiu o controle. Sou, a partir daí, eu mesmo e um pouco mais, quer dizer, no estado que sempre designei em minha terminologia pessoal sob o nome de total, e onde, sem perda da faculdade de raciocínio e de discriminação, o “conhecimento” impregna qualquer sentimento provado e qualquer sensação percebida, ao mesmo tempo em que o ser vive e conhece no diapasão universal do absoluto.

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O monge abre a porta, recua ligeiramente para nos deixar passar. Curvados, cruzamos o portal e eis-nos aqui, meu companheiro e eu, ele no segundo degrau, eu no primeiro desta escada de pedra que desce para aquele de quem ainda nada sabemos, e esperamos... o inesperado. O monge fecha a porta atrás de nós e, guardião vigilante, velador discreto e silencioso, ele permanecerá no portal externo até nosso retorno. Para nós, o tempo deixou de existir, o mundo silenciou... No “Sésamo” de nosso apelo interior, a cripta abriu-se... e o sábio está lá e nos olha intensamente!

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VI - O CARDEAL BRANCO

cripta é realmente uma gruta. Ou pelo menos deve ter sido em sua origem, naquela época distante onde o iniciando vinha receber a luz sob a forma então dispensada. Percebem-se ainda as aberturas onde havia, há não muito tempo, uma grade de

ferro. Mas elas foram obstruídas, exceção feita a uma única. A porta por onde entramos devia ser, ela própria, uma das janelas, o que explicaria suas dimensões reduzidas.

Teremos de descer onze degraus escavados na rocha e em alguns lugares tão íngremes, que parecem constituir um obstáculo a mais a superar, ou melhor, a ser contornado... Mas desde os primeiros degraus, lançando um breve olhar para baixo, na cripta, à direita da escada, fui tomado por um extraordinário espetáculo que se oferecia aos meus olhos e a hesitação de meu companheiro, rapidamente dominada, marcou também sua surpresa.

A gruta é iluminada apenas por três archotes sustentados por anéis encravados na parede — um ao fundo, o outro à esquerda e o último do lado oposto. No meio da cripta, que se apresenta de forma circular, exatamente abaixo da abóbada bem conservada, da qual ainda nos encontramos próximos, encontra-se um bloco de granito retangular, evidentemente trabalhado por mãos humanas e coberto em toda a sua extensão por uma toalha imaculada, no centro do qual cintila uma grande cruz de metal... à esquerda da cruz, sobre esta mesa, sobre este altar, encontra-se um cofre volumoso de madeira; e é à direita dele que verei o que se assemelha a um forcado com três dentes achatados.

No lado oposto a nós, sobre a toalha branca, um mata-borrão vermelho, ao lado de uma espada com a guarda cinzelada, colocada horizontalmente bem ao pé da cruz. Mas tudo isto não é nada, apenas uma decoração que se alia harmoniosamente ao conjunto desses lugares estranhos, que se diria uma caverna, que são gruta, cuja função investida de um caráter sagrado de cripta — nada, porque tudo aqui parece nada ser além do pano de fundo daquele que, sentado diante da mesa que prefiro chamar de altar, os braços repousados sobre sua poltrona de espaldar arredondado, não tira os olhos de nós enquanto descemos em sua direção...

Lá está ele: pálido, o crânio e o rosto raspados, hierático, e sua imobilidade é tal, tão nobre a sua grandeza, que se diria uma estátua, não fossem seus olhos vida. Sobre a ampla veste branca, a cruz vermelha, próxima do coração, é um estigma que designa o estado, a qualidade daquele que a porta, cujo colar de anéis entrelaçados suportando o selo revela uma função... Nenhuma vez, ao longo de nossa conversa, ele mencionará os títulos e as responsabilidades que pode assumir.

É pelo fato de tudo nele — seja a veste, as insígnias, ou o anel púrpura que logo perceberei no dedo médio de sua mão direita — ter significado outrora que estaríamos na presença do mais alto dignitário secreto da Ordem do Templo, que eu designaria este ser de majestade e de poder pelo inusitado nome de Cardeal Branco, e isto seja o que for o que eu possa saber e seja qual for o segredo do qual meu coração é, a partir de agora, o leal escrínio...

Ele ainda não pronunciou qualquer palavra. Entretanto meu companheiro se encontra agora perto dele e eu um pouco mais atrás. Seus olhos nos deixam por um instante, pousam na cruz,

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depois retornam a nós. Enfim ele se levanta e fica diante de nós. Deus! Como ele é alto em sua veste imaculada, e que extrema magreza em seu rosto ascético. Com um breve gesto de mão ele parece nos abençoar; em seguida indica a Jean um tamborete à sua direita e com uma só palavra: “Monsenhor4!”, e a mim um tamborete vizinho. Ele volta a sentar-se, após ter voltado sua pesada poltrona ligeiramente em nossa direção...

Pela primeira vez não me encontro sozinho ao passar por uma experiência insólita. E poder-se-ia supor que eu me teria aproveitado da ocasião para ajustar minha atitude à do meu companheiro. Mas não é este o caso. Na verdade, agimos ambos da mesma maneira, ou seja, não tivemos nenhuma reação, nenhum gesto, nenhuma palavra, como se, desde a nossa admissão à cripta ferrata, estivéssemos fisicamente subjugados por uma vontade suprema, superando mesmo aquele que nos acolhia, e essa vontade, eu a reconheço como pertencente a este local, e à força vibratória que nele se acumulou no passado e no presente, pela ação visível e invisível daqueles que têm o encargo sagrado deste alto lugar...

O triângulo que formamos neste exato momento é uma manifestação completa, cujo alcance é conhecido apenas pelo Cardeal Branco, e compreendo porque “dois visitantes” eram esperados aqui. Sem mim ou um outro, estaria faltando o terceiro ponto e aquilo a que agora servimos não teria podido cumprir-se... Nossas sombras que se desenham ao redor e projetam na cúpula bizarras silhuetas fazem-me pensar, não sei bem por que, na caverna de Platão, e a imagem talvez seja verdadeira, mas aqui nós somos atores e é do lado de fora dessas paredes que se dá a ilusão...

Pelo movimento de seus lábios, é certo que nosso hospedeiro reza em silêncio e eu junto secretamente minha prece à sua. Sinto subitamente que ele se prepara para falar e sua voz de fato se eleva, ao mesmo tempo doce e incisiva. As mãos juntas, olhos fechados, está ele se dirigindo a nós, a outros ou a si mesmo? Pouco importa! Nós escutamos, vamos aprender, vamos saber... pois a partir deste instante nada mais existe para nós na cripta ferrata além da voz daquele que transmite, que ensina, a voz do sábio, a voz do mestre, a cujos pés, humilde e ávida, nossa alma espera.

4 Além de indicar nobreza eclesiástica, o título de Monsenhor é aplicado também aos príncipes de uma família soberana e ao Grande Delfim de França, o filho de Luís XIV e, depois dele, a todos os seus descendentes. (N.T.)

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VII – OS TEMPOS CHEGARAM...

ão há qualquer necessidade de apresentação, nem mesmo de histórico. Conheço todos os dois. Quanto a mim, não devo ser para vocês nada além daquele que transmite, e isto independente de quem eu possa ser para outros. A partir do nosso encontro vocês

talvez façam certas deduções. Se elas serão justas ou não, é, acredito, do domínio do relativo, pois o importante é o que irei dizer ou sugerir nesta conversa que para você, Monsenhor (ele olha meu companheiro por alguns segundos), é um resultado e para você, irmão (ele me olha num piscar de olhos), em certa medida, é também um resultado. Mas deixemos imediatamente de lado estas considerações externas, e que cada instante da sua presença aqui, e da minha, seja utilmente empregado!

— “O local preciso em que nos encontramos neste momento é um dos onze altos lugares secretos de uma tradição prestigiosa... Tradição! A palavra é, ao mesmo tempo, muito definida e muito vaga. Acho que é preferível situá-la de imediato. Por definição, ela designa uma transmissão ORAL durante um longo espaço de tempo. Isto é verdade para o que nos concerne aqui, mas é insuficiente. Por tradição quero referir-me ao conhecimento e, mais precisamente, a uma formulação particular do conhecimento. O Conhecimento, em seu absoluto é, ele mesmo, a percepção da sabedoria eterna tal como ela pode ser apreendida pelo homem. Em outras palavras, há, por um lado, a permanência da eterna Sabedoria — a realidade do absoluto para sempre semelhante a sim mesmo, porque ele é tudo — e, por outro, o que o homem encarnado pode dela conhecer gradativamente, à medida de sua evolução coletiva ou individual. Por evolução eu entendo, como todo místico, a tomada de consciência crescente de um estado que, sendo ele eternidade, não pode nem diminuir nem crescer. Assim construiu-se a tradição a partir do momento em que o homem tornando-se criatura consciente começou a situar-se no mundo e no universo, do qual ele se sabia um elemento. Meu propósito não é o de buscar as origens da tradição; mas o de especificar aquela que representam os onze Altos-Lugares secretos de que eu falo. Deve estar bastante claro para vocês que a tradição expandiu-se com a expansão da consciência humana, e isto desde a origem dos tempos em que o homem foi homem...

— “Em um estágio determinado da tomada de consciência humana, as leis e princípios formulados por um acesso progressivo a um maior conhecimento, e submetidos à prova da vida, foram recolhidos e reunidos pelos mais sábios dentre os homens; e eles foram preservados e transmitidos cada vez mais secretamente, à medida que a humanidade chafurdava em seu ciclo involutivo, rumo ao denso e à matéria. Como vocês bem sabem, foi assim que nasceram as escolas de mistérios e foi de fato essa Atlântida dita tão apressadamente “lendária” que as abrigou.

— “A Atlântida é o primeiro continente onde a “formulação do conhecimento” tomou forma de grupo, se vocês quiserem aceitar esta curiosa expressão. todos os sábios autênticos que o mundo podia, então produzir, na verdade se reagruparam naquele país desaparecido e, consequentemente, as escolas de mistérios foram inicialmente mais um ‘Colégio de Sábios’, do que um centro onde se podia buscar a luz da iniciação. Quando da desaparição final da Atlântida, esse colégio era composto por onze sábios e sua missão havia sido, sobretudo, a de recolher e reunir todo o conhecimento ao qual a humanidade, em sua elite digamos, mística,

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havia tido acesso até então. E esse Conhecimento adquirido era total, absoluto. Quero dizer com isto que esse ‘Colégio de Sábios’ havia reunido a formulação integral da eterna sabedoria, ou seja, o conhecimento que o homem tinha poder de adquirir e que ele não poderia jamais ultrapassar em seu estado humano. É a partir desse estado de absoluto, atingido pelo Colégio dos Sábios, que foi edificada, baseada em suas indicações, a esfinge do Egito. E foi por volta da mesma época que, conhecendo por presciência o fim do continente atlante, que estava se acabando — a função, a missão centralizadora levada ao seu termo pelo Colégio de Sábios — os onze partiram da Atlântida para o Egito, onde a Esfinge devia simbolizar para sempre, para o mundo, que a sabedoria eterna havia tomado corpo para a humanidade, e que sua propagação inicial devia efetuar-se a partir do país conscientemente designado pelo Colégio de Sábios: o Egito.

— “E na terra do Egito os onze não tiveram nenhuma dificuldade para convencer o faraó de então, principalmente considerando-se ser aquele faraó de uma linhagem que o mundo diria “predestinada” e que, havia décadas, já preparava a vinda da sabedoria... e os onze tornaram-se doze, os doze que se encontram na origem de toda a ciência sagrada. Um pouco mais tarde, cinco deles partiram através da terra, cada um para o que se designa como os continentes, para neles disseminar não o Conhecimento, mas os meios de a ele chegar. Os outros permaneceram no Egito, que se tornou o centro do sexto continente e, ao mesmo tempo, o coração onde a ação tinha sua fonte, depois que o pensamento tinha tomado forma na cabeça que constituía a Atlântida... e o mesmo Conhecimento, através do mundo, incorporou-se em toda parte, por meio de símbolos exteriores e secretos, correspondendo à natureza profunda dos povos aos quais eles se dirigiam, mas com certos elementos e sinais fundamentais revelando, para sempre, de um canto ao outro da terra, uma unidade que o homem estupefato chama hoje de similitude. Esses elementos e sinais fundamentais são naturalmente aqueles que ‘exprimem’ o homem em sua verdade interior e não em suas tendências e aspectos submetidos às variações de tempo e de lugar...

— “De qualquer maneira, a era da gestação havia terminado: a hora da instrução havia soado. O ciclo devia tornar-se evolutivo para aqueles que decidiram assim para eles mesmos, considerando-se sua ‘preparação anterior’ e foi assim que, encontrando sua origem no centro sagrado formado pelo Egito e a partir da escola suprema de mistérios que lá operava, outras escolas floresceram na Grécia e em outros países da Europa, adaptando os meios de chegar ao Conhecimento, às condições dos territórios sob sua égide...”

Escuto com avidez aquela voz atraente que a longa exposição não parece absolutamente enfraquecer, e que modula certas palavras como para imprimi-las em nós de uma maneira indelével. “Meu propósito — disse o sábio — não é buscar as origens da tradição”, e ele recusava-se também a qualquer histórico. Parece ter feito até aqui, exatamente o contrário do que afirmava... Mas não! Ele não tem que “buscar” as origens da tradição. Ele as conhece! Ele não faz um histórico! Ele situa sua história! Quero prestar mais atenção às inflexões; tento e não consigo: a voz me absorve inteiro e sou apenas o que ela quer.

— “Cada uma delas tinha um local conhecido de todos — e era aquele onde se desenrolava ‘a iniciação’ — Elêusis, por exemplo, é um alto-lugar secreto ao qual ela estava ligada.

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— “É neste alto lugar que se reuniam periodicamente, em torno do responsável supremo, os ‘instrutores’ mais importantes das escolas iniciáticas a ele ligadas. Esses altos lugares eram em número de onze, como já o disse, e para os ‘instrutores’ a que me refiro, eles eram ‘o templo’ da sua mais elevada iniciação, um ‘templo’, se assim o desejarem, que representava, ‘materializava’, em um lugar diferente, o ‘templo’ central do Egito.

— “Evidentemente, tais lugares não haviam sido escolhidos ao acaso. Eles haviam sido ‘localizados’ graças ao conhecimento dos Sábios reunidos no Egito. Esses altos lugares são, de fato, o único ponto onde o trabalho ao qual eles estavam destinados podia se cumprir. Eles são o receptáculo onde a força universal é transmutada em uma ação definida, ligada à obra particular visada.

— “Oh! Que maravilhoso teclado é a nossa terra para o universal, tal como ele se manifesta ao homem! Ela formiga de pontos onde o poder cósmico aguarda, para materializar-se, a ocasião que somente o homem pode fornecer-lhe por sua presença e por uma intenção dirigida para o bem. Há, portanto, outros altos lugares, além dos onze de que falo; alguns deles transmutam a mesma energia para objetivos de menor alcance; outros, ao contrário, a transmutam para fins consideravelmente mais elevados. Os Rosa-cruzes ‘realizados’, por exemplo, dispõem de doze altos lugares, mas estes são ignorados por todos, salvo eles mesmos, e isto se explica pela perfeição que atingiram por seu mérito, e que lhes assegura a plenitude do conhecimento e a participação na sabedoria eterna.”

“Ignorados por todos, salvo eles mesmos!” Sinto em mim uma emoção profunda. Pareceu que ao pronunciar estas palavras o Cardeal Branco novamente lançava sobre mim um breve olhar... Irei mergulhar na lembrança e na experiência? Não! — minha vontade se opõe a isto. Não é o lugar, nem o momento. “Ignorados por todos, salvo por eles mesmos!” Há, pelo menos, alguém que conhece aqueles lugares além deles próprios; mas é verdade que a lei do silêncio, no que concerne ao local, equivale ao esquecimento por ela determinado. Portanto, é verdade que somente eles os conhecem, se conhecer é participar! Melhor esquecer o que foi vivido em outro lugar e escutar aqui...

— “Os onze lugares têm, assim, sua função específica. Eles são secretos, mas contrariamente aos doze altos lugares dos ‘Realizados’, que acabo de mencionar, eles podem ser ‘revelados’ a alguns, em caso de necessidade, para o cumprimento da ‘missão’. Eles podem mesmo, por vezes, ser comissionados para uma tarefa definida, relacionada ao mundo exterior da iniciação pelos doze altos lugares dos Realizados. Eles agem, então, como médium ou intermediário, apesar de aqueles ‘de fora’, chamados para deles receber suas instruções, ignorarem que a missão confiada tenha sua origem nos ‘doze’, cujo segredo é inviolável.

— “É assim que, por mandato de um dos onze altos lugares, em ocasiões de uma importância excepcional, por mandato geral dos onze altos lugares, ‘missionados’ foram enviados ao mundo e a certas organizações ‘para reconduzir os desgarrados ao caminho reto’. É igualmente dos onze altos lugares secretos que ‘partiram’ grandes movimentos cujo objetivo era reunir o que se encontrava esparso, ou voltar a dar corpo a uma ‘egrégora’ para a qual era chegado o momento de voltar à vida, de ‘ressurgir’ a serviço da humanidade; e eis o que será para vocês uma revelação:

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— “Foi neste alto lugar em que agora nos encontramos, nesta Crypta Ferrata, que foi decidida a constituição da Ordem do Templo. Estou vendo a estupefação de vocês, mas esta revelação devia ser feita. Devia ser feita hoje, esta noite e aqui, porque os tempos são chegados... Oremos!”

Dito isto, envergando sua impressionante veste branca, após haver tomado a espada sobre a qual então se apoia, ele se ajoelha no chão; nós fazemos o mesmo e rezamos os três em silêncio. Passados alguns minutos, a voz do cardeal branco se eleva. Ela parece alterada e a cripta parece vibrar sob o impacto da Ordem Sagrada do Templo que é neste instante dada:

— “Nomine dei omnipotenti et vigore mei officii aperitur capitalum hoc militum christi Templique salomonici secundum ritum ordinis sacritissimi !" (Em nome de Deus todo poderoso e em virtude da minha função, que este capítulo dos soldados do Cristo e do Templo de Salomão seja aberto segundo o rito da Ordem Santíssima).

Ao levantar-se ele murmura: “Apertum esto” (Que seja aberto!).

Como teria nos parecido estranho que estas palavras sejam pronunciadas neste lugar, se não nos tivesse sido feita a revelação do que se passou aqui outrora... Ele declarou: “Vigore mei office!” (Em virtude da minha função, do meu ofício)... O latim dos Templários era, sabemos todos, incerto, mas esta frase curta não se presta a qualquer confusão. “Em virtude da minha função!”... Quem é o Cardeal Branco? Ele não o dirá e, no entanto, meu coração não pôde se enganar. Ele sabe!

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VIII – VIDA E MORTE DA ORDEM DO TEMPLO

stamos, mais uma vez, meu companheiro e eu, à escuta do Sábio... Cada um de nós tomou seu lugar e ele logo prosseguiu sua exposição.

— “Como não ligar o porquê da Ordem do Templo à demanda universal do Graal!? Mas o que é o Graal? Para muitos uma lenda; para nós, um enigma. O Graal, no entanto, não é uma lenda e não encerra qualquer enigma. Ele foi apenas incompreendido, tanto pelo iniciado, quanto pelo profano... Sem dúvida por ser ele a última explicação e o símbolo da revelação absoluta.

— “Mas dediquemo-nos, agora, a rever brevemente o que até aqui consideramos em conjunto. Temos os onze sábios da Atlântida no Egito, temos a sucessão assumida por essa terra eleita, e cinco dos onze tornados doze, missionados no mundo inteiro; temos os seis outros ‘agindo’ sobre o solo egípcio, por meio do Faraó tornado um deles, e em toda a Europa, através dos onze altos lugares secretos, definidos a partir de seu sublime conhecimento — onze altos lugares secretos do qual dependem os centros iniciáticos aos quais o homem preparado pode ter acesso. Esses centros nascem onde e quando se faz necessário. Eles duram tanto quanto necessário, depois desaparecem e sua egrégora retorna ao centro supremo enquanto ele se encontra no Egito...

— “Mas numa época precisa, tudo estando em toa parte estabelecido, é necessário que tudo seja externamente consumido. A egrégora inteira se retira do mundo; o Egito iniciático desaparece, e os centros que dele dependem, por sua vez, morrem. O mundo mergulha na noite escura da purificação e da preparação, após haver atingido o estado de evolução exato ao qual devia levá-lo esta primeira grande etapa...

— “A noite escura começou exatamente no instante da morte do quarto Amenhotep. Foi a morte dele que assinalou a retirada de toda a egrégora que, desta forma, retirou-se do mundo ao mesmo tempo em que Amenhotep, depois deste último ter legado à terra a última mensagem dos Sábios do Conhecimento: um Deus único...

— “Permanecem apenas no mundo, digamos... ‘centros de preservação do conhecimento’; e os onze altos lugares secretos encontram-se entre os mais altos dentre eles... e o conhecimento foi assim perpetuado no silêncio e no rigor, unicamente àqueles que preenchessem as condições do adeptado — e eles são raros! No entanto, externamente, a preparação foi mantida. E o foi sob uma forma diferente, ‘simbolizada’, por assim dizer, através de corporações humanas...

— “Sim, era bem a noite escura para o mundo, e irá durar muito tempo, mas a hora da aurora dourada um dia soará e a egrégora novamente se encarnará de forma integral, para uma nova etapa. Isto se produzirá em 1096, na Constantinopla invadida pelos Cruzados, cuja missão foi, sob esse ponto de vista, preparar a via, da mesma forma que, em última análise, as conquistas romanas tiveram como objetivo fundamente revelar à terra a boa nova semeada na Palestina que, de outra forma, correria o risco de não ser ouvida.

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— “1096! Constantinopla! O encontro do enviado, do sábio supremo, cujo nome só pode ser conhecido pelos mais altos responsáveis secretos do Templo, com os sete iniciados do ocidente cristão e os iniciados do mundo do Islã.

— “1096! Constantinopla! É lá que são lançadas as bases do que acontecerá em Jerusalém vinte e dois anos mais tarde, em 1118: a Ordem do Templo, sob uma dupla investidura dada a dois daqueles iniciados: Hugues de Payns e Geoffroi de Saint-Omer — a investidura secreta do patriarca Teocletes, sexagésimo sétimo sucessor do apóstolo João e, em seguida, a investidura pública do patriarca Garimond, representante do mundo oficial. Em 1127, a Ordem ganhará impulso, protegida pelo grande iniciado São Bernardo.

— “1096! Constantinopla! A Conjunção realizada entre o Cristianismo e o Islã... A segunda etapa do grande retorno da egrégora.

— “Segunda etapa! A primeira foi vencida em um dos onze altos lugares secretos, em todos os pontos semelhante a este! É neste alto lugar secreto que os ‘missionados’, conduzidos por Hugues de Payns e delegados pelos ‘centros de preservação do conhecimento’ aos quais todos pertenciam, receberam iniciação, investidura sagrada, poder e instruções.

— “O vínculo fundamental com a egrégora desaparecida foi assim estabelecido no alto lugar secreto escolhido com conhecimento de causa de causa: foi o primeiro ponto. Esse mesmo lugar foi reforçado em Constantinopla, e este foi o segundo ponto. A egrégora tomou posse do seu novo corpo, em Jerusalém e este foi terceiro ponto... A manifestação estava concluída, a obra podia ser empreendida, e ela o foi, em 1127, sobre a estabilidade e os fundamentos sólidos do QUARTO e último degrau da preparação então plenamente concluída...

— “Foi em 1087 que se deu a investidura inicial no alto lugar secreto designado para este fim, em presença dos representantes supremos dos dez outros. Nove anos decorreram antes do encontro de Constantinopla. Duas vezes onze anos se passaram, antes que as primeiras bases fossem estabelecidas em Jerusalém, e novamente nove anos foram necessários para que começasse a atividade propriamente dita. Meditem um dia sobre o simbolismo desses números. Será uma revelação para vocês.

— “Vocês conhecem o essencial da história pública da Ordem do Templo. Irei agora esclarecer um pouco seus aspectos secretos. Inicialmente, possam suas almas escutar: A Ordem nasceu em 1118, número cuja adição teosófica é onze, morreu em 1314, pois é com o último suspiro do Grão-Mestre Jacques de Molay que a egrégora inteira se retira, uma segunda vez, da mesma forma que se retirara com Amenhotep IV. A Ordem conheceu, pois, uma vida pública de 196 anos.

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— “Em 1962, data considerável na história oculta da humanidade e início da Era de Aquário, ela havia desaparecido havia 648 anos, ou seja, seis vezes 108 anos, e eu os remeto, uma vez mais, ao estudo sagrado dos números, que era tão importante para os iniciados do Templo!...

— Há algumas décadas, a egrégora retomou força e vigor no mundo, após haver fusionado, se me permitem o termo, com o poder da escola tradicional mundial, da qual os doze altos lugares secretos, que eu disse serem os dos Rosa-cruzes ‘Realizados’ são, por assim dizer, a ‘localização interior’. Há assim, daí em diante, a reunião de dois planos, conjunção absoluta, unidade de força e poder, como era exigido, tendo em vista a obra a ser cumprida na nova Era de Aquário. Entretanto, nesse quadro que se desenvolve atualmente, com a egrégora incorporada, o Templo assume o seu lugar. E torna-se uma parte dela, e é por ela reconhecido. E a organização constituída e estruturada que ele anima no mundo e para o mundo traz, assim, em seu seio, a chama templária.

— “Desde 5 de fevereiro de 1962, há como uma ressurgência do pensamento do Templo. Isto estava estabelecido, e esta ressurgência é o efeito do aspecto templário da egrégora reunificada. Ora, esse aspecto deve materializar-se e isto se dará de melhor forma no quadro estruturado já estabelecido. A força é tamanha que, percebida de fora, dá nascimento a louváveis tentativas que, não estando apoiadas na egrégora total, não podem, naturalmente, ser bem sucedidas, e são fonte de lamentáveis erros. Mas mesmo isto é útil para que a humanidade saiba! De qualquer maneira, é chegado o tempo da reabilitação da Ordem do Templo, e à medida que a luz do Templo crescer, aquela de quem o havia condenado irá diminuindo. Que aquele que no mundo possa compreender compreenda: a hora do julgamento soou; o Templo, mais poderoso do que nunca, difunde sobre a Terra sua força e seu vigor. .. e nos onze altos lugares secretos, a chama brilha a partir de agora com todo o seu esplendor... Oremos mais uma vez, irmãos...”

Como da vez precedente ele se ajoelha, as duas mãos apoiadas na espada colocada diante de si; e é de joelhos que nós também ouvimos a palavra.

— "Oremus charissimi fratres praesta quaesumus omnipotens deus ut ordo noster et aeternis proficiat institutis et temporalibus non destituatur auxilus (Oremos, caríssimos irmãos : nós te rogamos, Deus todo poderoso, faz com que nossa Ordem seja útil aos desígnios eternos e não seja abandonada pelo auxílio temporal).”

Estranhamente, só “percebo” o som de seu “Amém” no momento em que ele se senta, e o mesmo deve ter acontecido com meu companheiro, pois é comigo, retomando seu lugar, que ele repete em voz baixa: “Amém”.

Com esta são duas vezes que o Cardeal Branco nos convida à prece e, a cada vez, ele pronunciou a palavra do Templo. Parece-me que naquele exato momento, participamos de uma iniciação, sem termos consciência objetiva disto... de uma iniciação ou de uma sagração ritual, não passando as explicações, a “instrução”, de incidentes, e simplesmente completando aí a atitude e o gesto sagrados, como para fazer surgir, em seguida, na razão, o objetivo a ser atingido. Mas ele já volta a falar:

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— “O círculo está fechado! O que vocês podiam saber sobre a Ordem do Templo está agora esclarecido por um conhecimento mais amplo. Vocês possuem as bases que até aqui deviam permanecer um segredo dos nossos altos lugares. A Ordem do Templo assumiu seu lugar para vocês, na filiação da tradição absoluta. Não há mais ‘separação’, há a ‘unidade’ e, desta forma, Monsenhor, se explica o documento em seu poder, assim como se explica o armamento perpetuado a cada geração em sua ilustre família e o seu, aos onze anos. Seus predecessores receberam a marca do templário, e você próprio a recebeu, mas estando em relação, em razão da época em que vive, com a ressurgência, o documento tornou-se claro para você apenas numa data recente... Você veio aqui mais tarde do que seus ancestrais. Mas sua presença neste lugar é mais significativa e de um alcance maior do que a deles, já que, cada um a sua vez, e uma vez na vida, eles foram admitidos em um dos onze altos lugares secretos... Quanto a você, Irmão(sei então que é a mim que ele se dirige), precisava estar conosco, porque o Templo é o seu Templo, como é o Templo de todo servidor da causa, de todo servidor do homem, e onde você server, lá está o conhecimento... Oremos uma última vez!”

Uma última vez! A terceira! Tenho agora em mim uma certeza: fomos armados. Será que meu companheiro compreende isto? Tenho subitamente a impressão de que ele o sabe desde o nosso encontro perto da fonte! No entanto, ele jamais irá admiti-lo! Na verdade, desta vez sou eu que, por instinto, reproduzo seus gestos. O “Cardeal Branco” não se ajoelhou. Ele se encontra de pé, grande, imenso em sua veste branca, a espada erguida sobre nossas cabeças abaixadas, enquanto que, de joelhos, mãos juntas, palma contra palma, diante do peito, estamos em nós mesmos, na prece muda do abandono e da comunhão...

— "Ut gladius nisi forti et intrepida manu geritur définit esse timendum sici ordo nisi superiores regulae quoe eum dirigunt non potest subsistere" (Da mesma forma que a espada deixa de ser temível, se não é dirigido por mão firme e intrépida, assim a Ordem não pode resistir sem as regras superiores que a dirigem...)”

Da frase seguinte, ouço apenas o começo:

— “Ecce vestimenta templarii nomini Dei omnpotenti et vigore mei officii...“ porque a espada toca então meu ombro esquerdo, depois minha cabeça e em seguida meu ombro direito...e sinto que minha alma se rejubila... e sinto que choro...

Sentado agora ao lado do meu companheiro, ele mesmo ainda tomado por uma indizível emoção, como se a espada houvesse transpassado sua alma, livrando-a assim de todas as suas limitações e do véu do erro, sinto, por meu lado, uma profunda paz. Diante de nós, o Sábio não parece sentir nenhum cansaço e, no entanto, são três horas da manhã. Durante quatro horas ele falou e realizou aquilo que sei interiormente ser o seu ofício.. Sem dúvida, o tempo da prece – do ofício – foi longo, mas bem mais longo do que é dito nestas páginas... Mas minha

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experiência própria me permite não ignorar que o tempo de silêncio do mestre que oficia é mais desgastante do que horas de palavras, porque a energia transmitida, naquele momento, esgota o corpo daquele que foi autorizado, pela iniciação magistral, a transmiti-la aos outros...

Repentinamente ele pousa seu olhar no meu:

— “Escolha dois postulantes e esteja em Chartres no dia 23 de setembro de 1968, ao meio-dia. Perto da Virgem, o sinal lhe será dado por aquele que se encontra aqui contigo, esta noite: ele depositará o seu óbolo! Vai, então, à cripta e, diante do altar, com tuas mãos, refaz para cada um deles, o último gesto que acabo de efetuar sobre vocês dois. Para este ato preciso, não ultrapasse três minutos. Isto feito, tudo poderá se cumprir.

... E isto levei a bom termo, conforme prescrito, no tempo e lugar ordenados, sem, no entanto, nada relatar de minha própria aventura aos dois postulantes que minha meditação — e talvez algo mais — me havia designado. Somente eles receberam, mas apenas com todos eles podem saber... e eles o saberão ao mesmo tempo que vocês. Tal é a lei da humildade e da obediência!...

O Cardeal Branco retomou “sua estatura”. Voltou a ser impessoal e prosseguiu:

— “Posso agora abordar, com reverência e discrição, o alto simbolismo do Graal. Nada mais a isto se opõe, nem para vocês, nem para os outros. A hora é chegada. As condições estão preenchidas. No contexto do que eu de fato disse esta noite, o Graal pode ser compreendido pelos corações puros e sinceros, porque é somente a eles que, através de vocês, eu gostaria de me dirigir, e não àqueles cuja pretensa e enganadora sabedoria arruína a alma com seu vazio orgulhoso e sua estúpida ambição. Que a luz do Graal ilumine para sempre o humilde e o puro, pois ele merece a sagrada revelação!”

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IX – O MISTÉRIO DO GRAAL

seguramente um erro grave considerar o Graal como de fonte exclusivamente cristã. Da mesma forma que seria errôneo incluí-lo unicamente na fase mística ou sufi do Islã. Na realidade, o Graal designa uma vida de aproximação tal, que não é mais o homem que

busca apreender seu Deus, mas o próprio Deus que ‘se vê’ no homem. O Graal é a ascensão ao segredo da vida universal, é uma realidade divina, uma presença permanente, e a revelação total e absoluta da sabedoria universal, é a suprema iniciação. Assim, o que chamaram ‘a lenda do Graal’ pertence tanto ao esoterismo cristão quanto ao esoterismo islâmico, ou mesmo ao esoterismo hebraico. A ‘lenda’ é universal, pois ela contém o universo, e cada místico, seja qual for a sua origem, seu ‘estado’, sua ‘via’ ou suas bases religiosas, viva ele no Ocidente ou no Oriente, seja ele cristão, muçulmano, ou judeu, aspira, em última análise, a chegar, pelas etapas iniciáticas que supera, à realeza do Graal, ao segredo dos segredos...

— “O símbolo deste sublime mistério é, em toda parte, um objeto sagrado. Para os celtas, ele é a ‘taça profética’. Para os cristãos, o “sinal”, é a taça que continha o sangue do Cristo; para o Islã, será a pedra descida do céu. A conquista do Graal é, por definição, uma via ativa que encerra a Palavra, a Luz e a Vida. Esta via é assumida pelos Cavaleiros da Távola Redonda, quer dizer, aqueles que, na Terra, foram admitidos a atravessar as provas iniciáticas de uma tradição autêntica e reconhecida, para aceder, por fim, à Cavalaria Celeste. Um místico, um iniciado, sempre foi um cavaleiro em todas as épocas e sob todas as latitudes, e como o último grau a atingir é simbolizado pelo Graal , ele está marcado com o selo da universalidade...

— “Curiosamente, e poucos perceberam isto, a influência islâmica é incontestável na transmissão dos segredos do Graal ao Ocidente. É certo que muitos reconheceram, sem hesitação, o papel dos árabes nessa transmissão, mas raros são os que admitiram uma influência que os textos, mesmo públicos, hoje revelam claramente. O que pode ser surpreendente para o não iniciado, não é a presença de elementos islâmicos na via ativa do Graal — cuja aparência é incontestavelmente cristã; é a coerência entre esses dois simbolismos — o cristão e o islâmico — na ‘lenda’. E poderia ser diferente, já que o Graal é universal?

— “Liguem esta noção às nossas explicações precedentes. O Graal torna-se, então, a sabedoria eterna, o ‘Castelo da Aventura’, do ‘Graal’; torna-se o conhecimento absoluto. Todos os altos lugares, secretos ou não, são as etapas da conquista do Graal; os mestres e os iniciados são os oficiais e os cavaleiros da Távola Redonda, unidos em um mesmo combate pela posse do Graal.

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— “O Graal encontra-se, de fato, dissimulado no simbolismo universal da Tradição Única, sob seus múltiplos aspectos — daquela tradição da qual o verbo é a alma viva...

— “O Cristianismo e o Islã combateram entre si, mas isto não passa do manto externo de seu encontro. Na realidade, por trás do combate e do ódio aparente, as elites se encontraram, unidas, permanecendo o Islã, por muito tempo, nesses contatos, o guia, a inspiração. Este encontro só teria sido possível, naturalmente, no esoterismo, na fase secreta e interna dessas duas grandes tendências de filosofia religiosa que, com o judaísmo, têm, aliás, sua fonte na tradição abraâmica...

— “Meu propósito não é o de examinar aqui os três romances que, por volta do século XIII, revelaram repentinamente a ‘lenda do Graal’. Vocês mesmos precisam muito ler ou reler estas obras de iniciação, tendo em mente as linhas de força que lhes indico. A narrativa lhes aparecerá, então, bem diferente, carregada de unidade e reveladora de iniciação. Lembrem-se, principalmente, disto: a obra divina, em sua realidade permanente, é o sacerdócio eterno, e a Ordem do Graal é a expressão da Ordem de Melquisedeque. A Ordem de Melquisedeque que permanece, para sempre, na Verdade, Permanência e Universalidade. Ela é o objetivo último a ser atingido. É invisível e presente. Nela estão ocultos o Graal e a Palavra. Melquisedeque é sacerdote e rei.

— “Ora, a Ordem do Graal identificou-se com a Ordem do Templo, que é como uma sua casca externa e protetora. E, como no Templo do Graal, onde se reconhece também o Templo do Espírito dos Rosa-cruzes, encontramos, resplandecente de verdade, a unidade de todas as tradições.

— “A Ordem do Templo é um traço de união entre o temporal e o espiritual, como foi e é um traço de união entre o Islã e a Cristandade. Sua própria participação na guerra santa teve por objetivo, por mais contraditório que isto possa parecer, a paz em todos os planos, e contatos frutíferos foram incessantemente mantidos, na amizade e na fraternidade, pelas elites dos dois campos, mesmo quando dos combates mais acirrados. A fraternidade que unia os inimigos aparentes estava fundamentada na unidade de sua iniciação respectiva, na busca comum de um mesmo conhecimento, e nos pactos concluídos com as grandes ordens muçulmanas. A melhor prova desta ‘aliança’ não seria um dia dada por numerosos templários espanhóis que, no início das perseguições, ao invés de lançarem mão da faculdade que lhes era dada de entrar em outras ordens, iriam escolher ‘passar inteiramente para os sarracenos’? Que ‘semelhança’ também entre as ordens muçulmanas e a Ordem do Templo! Semelhança na estrutura ‘militar e iniciática’! Semelhança no fato de todos se dizerem ‘guardiães da Terra Santa’, e quantas outras semelhanças! Ora, não há ‘imitação’, não há uma filiação propriamente dita. Há, eu insisto, conjunção de dois esoterismos, e isto tanto na mensagem, quanto na técnica iniciática.

— “De qualquer maneira, o Graal tem sua origem na Tradição Primordial e está diretamente ligado ao simbolismo dos altos lugares, dos ‘centros espirituais’ com seu centro supremo, que é representado pela ‘Terra Santa’ do esoterismo cristão e islâmico, cujas raízes profundas mergulham no próprio Abraão, investido e abençoado por Melquisedeque, que São Paulo diz ser ‘sem pai, sem mãe, sem genealogia; sem começo nem fim de sua vida, mas que ele é feito assim semelhante ao Filho de Deus e que permanece perpetuamente sacerdote...’ Sacerdote

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do Graal, da suprema iniciação, da revelação total e absoluta da eterna sabedoria, e à sua ordem — a Ordem de Melquisedeque — pertencem e participam o Cristianismo e o Islã, de modo que esses dois aspectos de uma mesma manifestação espiritual não podiam senão se encontrar e se associar para que o Graal pudesse, um dia, desabrochar abertamente no Ocidente; e foi esta a missão da Ordem do Templo: estabelecer a conjunção entre esses dois aspectos... e veremos, mais tarde, o legendário Christian Rosenkreutz ir, ele também, à terra do Islã...

— “Rosa-cruzes, sufis! Um mesmo estado espiritual, atingido por formas exteriores diferentes! Rosa-cruzes e sufis! A unidade reencontrada no cume! Todas as formas da tradição destacam a Shekinah, a presença divina permanente. É ao aproximar-se ou afastar-se da Shekinah, que o próprio homem estabelece os ciclos do seu retorno. O Graal é também o grande símbolo da Shekinah!

— “Talvez vocês se surpreendam de eu não falar dos celtas, de Merlin, dos Druidas, mas o celtismo é também uma tradição, e os Druidas transmitiram o segredo desta tradição ao Cristianismo céltico; não digo a uma igreja... Digo ao esoterismo cristão... Na tradição não há jamais ‘separação’, há apenas unidade. Seja qual curso se tome, a lenta ascensão os conduz ao mesmo apogeu. A fonte que deu vida ao Celtismo, ao Judaísmo, ao Islã ou ao Cristianismo é única... Na ‘Cidade’, no centro espiritual supremo, o Graal permanece para sempre. A humanidade pode ter esperança em seu império, pois o pacto está mantido, respeitado e vivificado pelos altos lugares, secretos ou não, e por todos os servidores da causa eterna!

— “Estas são as chaves, estes são os sinais. Eu disse e vocês devem agir, orar e meditar, estabelecendo vocês mesmos a convergência na diversidade aparente, recolhendo o que se encontra esparso e reunindo o que está separado. Nada deve lhes parecer ‘distinto’. Volto a repetir: vocês têm as chaves e têm os sinais. Repito: Trabalhem, orem e meditem... e lembrem-se: o Graal, Melquisedeque...”

Não me distraí um instante sequer e não sinto qualquer cansaço; pelo que vejo, meu companheiro também não. O tema, no entanto, poderia ter sido árduo. O Cardeal Branco o tornou simples e facilmente compreensível, evitando discorrer muito sobre o “conhecido”, sobre o que qualquer boa biblioteca poderia oferecer à reflexão, e atraindo, ao contrário, nossa atenção, nosso interesse sobre o essencial, sobre o que pode, em seguida, em uma meditação ou uma leitura, constituir a pedra angular de uma visão nova do conhecimento e o trampolim para mais luz e unidade: unidade! Esta palavra retorna frequentemente em sua exposição, como se ele quisesse imprimi-la em nós e designá-la como a última solução para qualquer questão que a razão levante com obstinação e, às vezes, com rabugice!...

Olho para aquele que acompanhei aqui. Seu rosto irradia uma paz de uma rara intensidade. Ele teve a sua resposta... E eu? Poderia dizer que foi uma confirmação a mais? Seria injusto. Aprendi e senti. Por privilégio, sem dúvida, acredito-me um pouco mais “receptivo” do que outros. Para mim é algo corriqueiro escutar o que me é declarado e conhecer o que, no mesmo momento, me é intencionalmente oculto ou não. Assim, tive imediatamente consciência da “motivação” de meu interlocutor. Sei, por assim dizer, sem dificuldade, o porquê de sua atitude e a verdadeira razão da sua pergunta, da sua advertência, ou mesmo de um silêncio, esteja ele sozinho ou comigo. A experiência é sempre curiosa; às vezes mesmo

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extenuante. Afirma-se que esse “conhecimento” é uma das aquisições da maestria. De minha parte, serei tentado a sublinhar que a maestria reside mais na força interior então manifestada, para que o interlocutor não tenha dúvida de ter sido não escutado, mas compreendido.

Várias vezes estive inclinado a interromper o Sábio para aprofundar um ponto que me parecia difícil, mas não se interrompe o Cardeal Branco! Ele sabe perfeitamente aquilo que pode transmitir e como deve de fazê-lo. Em sua presença sente-se Força e Luz. O eu não perscruta um eu. Ele recebe, vibra sob o impacto físico e espiritual do Mestre, e responde ao apelo de uma comunhão sublime...

Terá sido por ordem do Sábio que, repentinamente, meu companheiro, de pé, toma minha mão direita na sua? Isto só pode ter sido “pré-estabelecido”... Estamos agora face a face, mão na mão, diante da cruz, e o cardeal branco quase no centro de nós dois.

Sua mão direita pousa sobre nossas mãos reunidas, sua mão esquerda segurando firmemente a espada, coloca-se perpendicularmente acima da unidade que nós formamos e... a Cripta Ferrata parece obscurecer-se em uma incrível luz azulada, enquanto que, em torno do altar em torno de nós, silhuetas, sombras imaculadas aparecem e sentirei que são onze... Que estranha melopeia que também me lembra outro lugar e outra coisa, reconduzindo todo o meu ser à unidade do conhecimento. Por que parece a voz do Cardeal Branco modular-se nesse instante em um grave de um gongo que repercutia seu eco?... Escutem, escutem o lamento e o triunfo da palavra incansavelmente repetida: Templários! Templários! Templários!...

Ah! Monsenhor, você se lembra? Quando nossas mãos baixaram seus olhos ainda se mantinham convulsos e no espaço de um pensamento, eu supus que tivéssemos vivido, em nós mesmos, ao ritmo do universal, à luz do Graal. Mais tarde admitiríamos que se passara exatamente assim... Lembra-se, Monsenhor? Estávamos nos braços um do outro, você e eu chorávamos. Como duas crianças, lançamo-nos de joelhos diante do Cardeal Branco, nossas mãos juntas implorando uma bênção, enquanto nossos corações vibravam ainda palavra transtornante: Templários! Templários! Templários!

O Cardeal Branco tocou nossas frontes com seus três primeiros dedos, depois, um de cada vez, ele nos ergueu e, pela primeira vez, o sorriso de um rosto que eu acreditava sem sorriso, acompanhou a última instrução: “O dia logo irá raiar. Fiquem aqui. Velem e orem. O monge, na hora que ele sabe, os reconduzirá ao mundo... Que Deus os ajude!...”

Ele subiu os onze degraus, lentamente. Na parte mais alta da escada, voltou-se para nós uma última vez e traçou com a mão direita uma imensa cruz antes de curvar-se para a porta que se abria e, ao desaparecer para nossas lágrimas, entrar em nosso coração e em nossa lembrança.

Diante da cruz, as cabeças nas mãos apoiadas sobre o altar, velamos e oramos. Quanto tempo? Eu não saberia dizê-lo, por que a prece, em tais lugares, e após tais experiências, ignora o tempo...

Levantamos as cabeças quase ao mesmo tempo... O monge não pronunciou uma única palavra, mas compreendemos que tudo estava concluído e que o relógio do mundo devia novamente ritmar nossa existência. Quando saímos da Cripta Ferrata, a igreja, lá adiante,

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despertava em um ofício matinal. O monge nos saudou levemente com a cabeça. Estávamos sós.

Em Roma, fui a uma fonte... Quanto ao meu coração, ele ia além, a Grottaferrata, em uma cripta.

Nunca mais voltei a ver o Cardeal Branco, mas meu caminho cruza frequentemente com o do meu companheiro, do meu amigo... do meu irmão. A primeira vez que nos reencontramos após nossa experiência romana, foi em

Tunis... e vou relatar nossa conversa.

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X – TÚNIS

o seu visitante, Túnis pode trazer tudo ou nada conceder. Grande coquete, seus encantos estão reservados àqueles que lhe sabem falar e compreender... Detestando a autossuficiência do viajante superficial, ela só lhe mostrará seu rosto

europeu moderno, do qual muitas de suas companheiras do continente sentiriam ciúme, e será decepcionado que ele irá ao Café de Paris, cuja ambiência em nada o diferenciará de qualquer terraço de café da capital francesa — o do Café de la Paix, por exemplo, ou, melhor ainda, a do Café de Flore...

Para aquele que, atento e prevenido, quer conceder-lhe alegremente o melhor de seu tempo, ah!, Túnis está então pronta para os últimos abandonos. Ela se enfeita com a sua beleza oriental — eis, em sua alma, as mesquitas, onde vibram incessantemente o acento e a música do Sagrado Corão; em seus olhos, o reflexo de misteriosos palácios com sua história atormentada e sua crônica por vezes escandalosa. Seus adornos? Vejam! A casbá surpreendente, simpática, limpa, tendo como agitados vizinhos os “souks” que desafiam, ao longe, esses bizarros edifícios dos quais a Europa tanto gosta, e que parecem ter-se adaptado bem aqui unicamente porque a hospitalidade tunisiana é proverbial. É este tecido que, com suas vivas cores, molda o admirável corpo de Túnis. E a essas cores, que se alteram com o tempo, um amigo jurou fidelidade: o sol. Ele faz aparecerem mil detalhes novos e, com uma tórrida insolência, estreita a cidade em suas carícias indiscretas. Talvez você veja Túnis adornada com outros enfeites. Mas a encontrará sempre elegante e gostará de seu povo afável, aberto, concomitantemente triste e cheio de alegria...

Em outras circunstâncias, eu confessei apreciar o conforto dos hotéis Hilton — excetuando-se o de Londres, cuja recepção e serviço deixam tanto a desejar, sem dúvida por ser administrado por estrangeiros nos quais nenhum inglês se reconheceria. De qualquer maneira, o senhor Hilton, sempre tão vigilante quando se trata de sua reputação hoteleira, deveria fiscalizar sua província londrina... O hotel corre o risco de macular sua coroa e ele não merece isto.

Por outro lado, o Túnis Hilton, como a maioria dos hotéis do mesmo nome, é um encantamento de calma, de discrição, de sorriso, de cortesia e de conforto. Após uma exploração da cidade, aprecia-se o seu encanto e o repouso. Meu companheiro de Roma e de Grottaferrata encontra-se lá por acaso — eu também, pelo menos quase — e foi à noite, em um banco isolado dos jardins do hotel, que após a emoção do reencontro, revivemos e analisamos nossa aventura... Sou eu que formulo a pergunta na qual ambos pensamos desde que nos revimos.

— Você encontrou ‘lá embaixo’ o que esperava?

— “Sim, e mais ainda! Eu esperava o esclarecimento de uma tradição familiar. Muito me foi trazido, aliás, como a você também. Que ‘cerimônia’ extraordinária, você não acha?... E como tudo aquilo foi inusitado... insólito!...”

Sorrio:

— Insólito! Talvez! Passei por outras experiências das quais lhe falarei nos próximos dias... Elas também foram “insólitas”, apesar de serem de uma natureza aparentemente diferente. No

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entanto, pela primeira vez tive um companheiro e, pela primeira vez, pude ultrapassar minha própria subjetividade e comparar seus dados com os de outro. Isto é uma vantagem para mim e, certamente, um privilégio. Mas, naquela circunstância, desempenhei um papel secundário. Você tinha o papel principal em relação a mim.

— “Isto não é exato! Estávamos, você e eu, em condições rigorosamente idênticas. Você compartilhou daquilo que recebi, e sua parte foi igual.”

— No entanto, por uma sagração familiar — que recebeu aos onze anos — você era “essencialmente”, por assim dizer, “templário!”

— “Essencialmente! Bela fórmula! No fundo somos todos essencialmente templários, mas o valor está no ato de transmitir e de receber. Ora, esse ato foi cumprido ao mesmo tempo para nós dois.”

— É verdade! Outro ponto me preocupa. Em Roma, perto da fonte, você esperava alguém?

— “Eu esperava alguém naquela noite, mas ignorava onde o encontraria. A hora já ia avançada, eu estava perto da fonte e você veio. Estaria eu lá por acaso? Certamente não mais do que você. Lembra-se da nossa conversa? Tocamos logo nos essencial; eu porque estava aguardando, e você porque esse tipo de pergunta é basicamente sua preocupação constante, e você viu que tudo se passava assim. Aquele, que na volta você me disse considerar como um ‘Cardeal Branco’, recebeu-nos, todos os dois, sem qualquer surpresa e sem a menor observação. Se você não fosse esperado, acredita que as coisas tivessem se passado daquela maneira?”

— Você tem razão. Penso da mesma forma, mas gosto de ouvi-lo confirmar. Você já havia sido recebido naquela gruta, na crypta ferrata?

— “Você bem sabe que não. Como você, eu também conhecia Grottaferrata. Mas ignorava a existência da uma cripta como aquela. Não poderíamos, de resto, a ela voltar sem o nosso guia e estou convencido de que, se pudéssemos encontrá-lo, ele se negaria a nos reconhecer. Um dia farei a experiência em Grottaferrata. Interrogarei alguém, se possível um monge, a propósito da gruta; mas já imagino seu espanto real ou simulado... Que importa! Nós conhecemos a cripta e — o que é para nós mais importante ainda — nela reencontramos a Tradição e bem mais!”

— De qualquer maneira vou me esforçar, em cada uma de minhas viagens a Roma, para ir a Grottaferrata e lá rezar. Não esqueçamos de que a igreja é banhada na atmosfera vibratória de um alto lugar secreto!

— “Também irei a Grottaferrata, especialmente com este objetivo... Você refletiu sobre o que nos foi dito sobre a tradição, a Atlântida, o Egito e os altos lugares?”

— Sim, refleti, e retomei certas leituras. As chaves dadas pelo Cardeal Branco as esclareceram com uma luz inteiramente diferente. Eu conhecia o esoterismo islâmico, mas até então jamais havia suposto uma tamanha interpenetração entre o Cristianismo e o Islã, e não havia imaginado que pudessem estar tão estreitamente ligados a uma mesma fonte, apesar de a

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unidade ser minha convicção profunda em todas as coisas e sob todos os pontos de vista. Abraão está seguramente na origem das três grandes correntes que são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islã.”

— Abraão “abençoado” por Melquisedeque!

— “Sim, e é o que esquecemos com muita frequência, porque não se colocaria em dúvida, considerando-se que a forma religiosa externa — destinada à massa e que a mantém, por sua veneração, respeito, temor e mesmo superstição, em uma determinada direção moral — é um escudo, uma aparência que protege o segredo do esoterismo. Em suma, é através de Abraão que Melquisedeque dá força e vigor ao esoterismo e à tradição, enquanto que Abraão, ‘o abençoado de Melquisedeque’, permanece o pai das três religiões públicas fundamentais.”

— Esta é, para mim, a maneira correta de analisar os fatos. O Graal e a Ordem do Templo nela encontram, além disto, sua dimensão exata.

— “De fato! O Graal é a sabedoria eterna sob a guarda de Melquisedeque, e a Ordem do Templo, notadamente, é a cavalaria de iniciados cuja missão é reunir os diversos aspectos do esoterismo tradicional, e especialmente sua fase cristã e islâmica, para ‘a vinda do reino do Graal’”.

— Você exprime isto em linguagem simbólica e admito ser ela a mais apropriada no caso... De minha parte, direi que esta cavalaria terrestre no microcosmo “corresponde” à cavalaria celeste do macrocosmo e que são essas duas cavalarias que devem reunir-se para que o objetivo seja atingido.

— “Prefiro considerar a tomada de consciência pela cavalaria terrestre, do seu estado de cavalaria celeste, mas seu ponto de vista exprime a mesma condição de uma outra maneira. De qualquer forma, esta conjunção ou tomada de consciência, como você prefere, é a aquisição do Graal, a participação na Ordem de Melquisedeque. A este nível, tudo está consumado, e os múltiplos caminhos do conhecimento, mesmo os aparentemente mais opostos, se reúnem. Todos conduzem a Melquisedeque e ao mesmo Graal. Em última análise, o homem traz em si todos os caminhos, e aquele que ele escolhe é deixado ao seu próprio arbítrio, podendo assumir o mais curto ou o mais longo, o mais sinuoso ou o mais direto. De qualquer maneira, ele atingirá o objetivo, quer dizer, o âmago de si mesmo, a sua tomada total de própria consciência, o Graal. Ele já é da Ordem de Melquisedeque, mas deve tornar-se conscientemente. Suas viagens na vida não têm outro objetivo senão o de conduzi-lo a esse estado final. Você meditou sobre os altos lugares secretos e sobre o simbolismo dos números, como o Cardeal Branco nos pediu?”

— Fiz isto a cada dia. Tentei uma analogia entre esses altos lugares secretos e os centros de força no homem, chamados de chacras. Mas há somente sete chacras e renunciei a prosseguir neste caminho — sete chacras, onze altos lugares.

— “Você errou ao não aprofundar este ponto, porque estava correto. Só se lembrou dos onze altos lugares sagrados, mas esqueceu-se de que nos foi dito que, no Egito, os onze tornaram-se doze. O décimo segundo alto lugar era o Centro Supremo.”

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— Ora, mas de sete para doze a diferença é ainda maior.

— “Seguramente! No entanto, eu tive muito tempo para refletir sobre esta questão, após visitas feitas a certas casas secretas, e minhas conclusões estão agora bem fundamentadas. Como você sabe, a escala comporta doze tons: sete notas e cinco sustenidos e bemóis, e é esta escala que permite variar os temas musicais ao infinito, da mesma forma que a partir dos doze altos lugares secretos o conhecimento pode assumir uma infinidade de formas, constituindo, para o homem, o fio condutor para as doze vias fundamentais. A analogia da escala musical é, pois, para o nosso propósito, a mais apropriada. Decorre daí que há sete altos lugares secretos fundamentais e cinco altos lugares intermediários. Sete altos lugares estão em atividade constante — eu ia dizer ‘de uso corrente’ — enquanto que cinco, mesmo não deixando nunca de estar ‘ativos’, mas transmitindo um influxo particular, são empregados em circunstâncias excepcionais, por um motivo particularmente importante, e não me surpreenderia que tenha sido um desses cinco lugares secretos que serviu para a ‘incepção da Ordem do Templo’, ou para a ressurgência de uma organização como aquela a que sirvo, por exemplo. Assim sendo, restam ainda sete altos lugares secretos correspondendo aos chacras, e é evidente que o chacra coronal, que a tradição situa parte superior da cabeça é, neste caso, o mais alto lugar secreto, ou seja, o centro do Colégio Supremo. Seria necessário um estudo exaustivo para extrair consequências eficazes desses dados. Eu realizei esse estudo, mas cabe a cada um agir da mesma forma e encontrar, porque, se a busca é bem conduzida, é reveladora e precisa quanto à localização dos altos lugares secretos e à função de cada um.”

— Não deixarei de empreender essa busca! Sinto tê-la interrompido. Os dados que você está me transmitindo me fazem falta, na verdade.

— Tudo vem ao seu tempo. Quais foram as suas conclusões a respeito do simbolismo dos números?

— “Ainda me encontro no estágio preliminar do meu trabalho. O número sete não levantou nenhum problema. Seu simbolismo é universal e conhecido por muitos. Nada mais pode ser dito dele. Mas reconheço que onze e cento e oito são, para mim, um enigma...”

— Não creio que tudo tenha sido dito a respeito do número sete, em relação à constituição oculta do homem e a ‘correspondência’ de seus ‘órgãos’ psíquicos. A verdade neste domínio é pouco conhecida e as deduções de alguns foram muito prematuras. Este tipo de estudos requer a maior prudência. Conheço uma pessoa cujas disposições para o esoterismo eram consideráveis e cuja sinceridade era imensa. Sua formação acadêmica era mediana, o que é uma vantagem única na senda porque, desta forma, o mental serve menos como ‘anteparo’. Ele avançava bem e depressa.

— Um dia, teve o impulso de dedicar-se a um estudo particular para o qual o uso de manuais acadêmicos oficiais era imperativo. Esse único fato o transformou inteiramente. Seus manuais e a segurança de alguns grandes nomes da ciência e da pesquisa tornaram-se, para ele, uma referência absoluta. Tudo o que não se encaixava nesse quadro que ele se havia imposto era fantasia e, por vezes, ainda mais. Agindo assim, ele limitava suas possibilidades que, no entanto, eram grandes. Em detrimento da intuição e do que ela abre de novas perspectivas, ele tornou-se um prisioneiro de seus livros... É um erro que não se deve cometer. É necessário

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ler e conhecer o pensamento externo para, a partir dele, criar uma base. Mas não devemos nos tornar escravos dessas leituras. O fanatismo é perigoso, mesmo que ele seja acadêmico, apesar de este último ser menos danoso do que o fanatismo religioso ou o fanatismo esotérico.

— Conheço uma outra pessoa que reporta tudo aos arquivos acásicos! Seja o que se lhe explique, seja o que se queira mostrar-lhe, para levá-la mais longe e mais alto, sua reação mental é a mesma: ‘arquivos acásicos’. Esta pessoa também colocou sobre si um par de antolhos, e nada se pode fazer. Só nós podemos fazer alguma coisa por nós mesmos. Enfim, a senda é feita de etapas e de paradas, e a progressão de cada um merece homenagem, mesmo se o fanatismo e o sofrimento ainda não foram superados. De qualquer maneira, cedo ou tarde eles o serão...

Quero interromper por uns instantes para uma breve meditação, mas meu interlocutor parece impaciente e eu prossigo:

— O número onze! A pesquisa secreta o considera como o número nupcial de que falou Platão, que lhe ensinará muito sobre este tema, se você dedicar um tempo a ler atentamente o que ele diz lá; mas esse número designa também um encontro que se dá na décima primeira conjunção sobre o “zodíaco das constelações”. Sabe-se que os dois grandes eixos da órbita terrestre precisam de 129.600 anos para se reencontrar no ponto zero do zodíaco das constelações. Pois bem, como acabo de dizer, esse encontro se dá na décima primeira conjunção! Esse encontro, esse casamento dos dois eixos da órbita, explica o caráter nupcial atribuído ao número onze.

— Para o que nos interessa, o número onze tem um alcance de boda alquímica, e você não ignora o valor atribuído a esta noção pelos Templários. O número onze implica, pois, a união do iniciado com o conhecimento, da cavalaria humana com a Cavalaria C, do Ocidente com o Oriente, do Cristianismo com o Islã, de todas as ‘ordens’ com a Ordem de Melquisedeque, do adepto com o Graal, etc... e esta união nos foi lembrada em toda parte: a hora do encontro, os degraus da cripta ferrata, os altos lugares secretos, as palavras do Cardeal Branco, e tantas outras representações simbólicas.

— A respeito do doze, você sabe que é o número cósmico. Ele contém os quatro elementos sob os três aspectos da manifestação. Ele é ‘a natureza naturada’, o número perfeito de um universo de três dimensões e de quatro elementos...

— O número 108 tem também um valor único na tradição. É o número ‘fatídico’, como demonstram os longos cálculos esotéricos. Ele é quatro vezes o número 27, encontrado na tetraktys de Platão. Ele é, sobretudo, ‘a periferia’ de um triângulo baseado no número 37 e cujo total de lados é 111, número crístico. Ele simboliza o ponto supremo que um homem pode atingir na senda durante sua encarnação sendo, desta forma, o número da realização. É uma das razões pelas quais o ciclo de 108 anos havia sido adotado para os períodos de existência ativa e inativa da Ordem Rosacruciana. Em 108 anos, a obra estava concluída e a partida podia ser dada rumo a um novo cimo, após 108 anos de preparação silenciosa. O Cardeal Branco sublinhou que, no início da era de Aquário, em 1962, a Ordem do Templo havia

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desaparecido do mundo exterior havia seis vezes 108 anos. Ele mencionou, portanto, nitidamente, o número ‘fatídico’, e marcou o início de um novo ciclo.

— Em sua busca, reporte-se igualmente ao ensinamento abarcado pelo tarô. Veja o número doze designar “o suspenso”, o onze assinalar “a força”, e o sete “a carruagem”. Reduza onze a dois (11 = 1+1) e escute a mensagem da “papisa”. Você pode, inclusive, reunir 108 em 9 (1+0+8), e analisar a nona lâmina do Tarô, a do “eremita”. Na minha opinião, é Oswald Wirth que nos dará, no seu Tarô dos Santeiros da Idade Média, as chaves mais eficazes...

— “Que maravilhoso conhecimento encontra-se à nossa disposição, e como tudo é harmonia, ordem e método! Não pense que eu não me debrucei sobre estes grandes problemas. Nunca parei de fazê-lo e você sabe disto desde o nosso encontro. Entretanto, minha busca era desordenada no afã de querer ser exclusiva e centrada unicamente na Ordem do Templo. Aprendi muito e agora me dou conta de que nada sei...

— Você não tem o direito de concluir que perdeu seu tempo. Se fosse esse o caso, não teria participado, como participou na cripta ferrata. Seus olhos revirados no ponto culminante da... “prece”...

— “Os seus ficaram assim imediatamente antes! Será que nós sonhamos ou fomos presa de uma sugestão comum?”

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— Seria um insulto ao Cardeal Branco supô-lo um instante sequer. Nós vimos da verdadeira visão e isto implica o silêncio dos olhos. O que observei em relação a você naquele momento, e o que você notou em relação a mim prova, ao contrário, que compartilhamos a mesma experiência mística.

— “De fato, não poderia ser de outra forma, e meu coração nunca duvidou disto, mesmo que o meu mental rebelde tenha levantado, algumas vezes, suas insidiosas reservas. Somos privilegiados, mas que dimensão assumiu a nossa responsabilidade!”

— É a responsabilidade de todo homem, cedo ou tarde... de uma maneira ou de outra. Esteja ele onde estiver, e fazendo o que for, o homem é responsável por sua tomada de consciência interior. Ele se encontra diante de si mesmo e diante dos outros. Digamos que nossa responsabilidade presente seja um pouco mais específica!

Numa conversa tão intensa como a nossa, naquele momento, o tempo fecha-se sobre si mesmo e não nos incomoda. Este tipo de troca sobre as maiores questões que se colocam ao homem é sempre uma forma de introspecção. Acredita-se falar ao outro, mas respondemos a nós mesmos, e o interlocutor faz o mesmo... Resulta daí um desafio à intuição e esta, ameaçada, fornece a informação essencial. Uma pergunta do meu companheiro, no entanto me surpreende:

— “Como você situa a cripta ferrata entre os altos lugares secretos?”

— Você quer dizer em sua importância. Eu não havia pensado nisto. Mas acho que não me engano ao considerá-la como o alto lugar sagrado mais próximo do mundo exterior; e isto por várias razões. Temos, inicialmente, “a chama” sendo alimentada, talvez inconscientemente, por um culto “aberto”, sobre o qual se deve, entretanto, observar que ele é ortodoxo e, consequentemente, mais místico. Em seguida, foi lá que fomos recebidos, e que uma instrução esotérica nos foi dispensada. Ora, os altos lugares são, certamente, cada vez mais secretos. Assim sendo, a cripta ferrata é, a meu ver, o primeiro portal, o que não tira nada da sua importância. As ordens vêm sempre do centro, mesmo que seja no limite do círculo externo que devam ser transmitidas. Além do mais, você percebeu o extraordinário influxo vibratório a que fomos submetidos. Em um alto lugar interno, esse influxo teria sido humanamente insuportável. São estas as razões pelas quais eu acredito que a cripta ferrata seja o mais externo destes centros sagrados. Eu a veria mesmo como o chacra cardíaco, porque é neste nível que, geralmente, uma transmissão acontece... É possível que a cripta ferrata tenha sido, outrora, um alto lugar mais secreto. Todas as razões que eu alinhavei para situá-la “no exterior” seriam igualmente válidas para provar seu caráter altamente sagrado no passado, particularmente a presença dos monges no entorno. Neste caso, um influxo de um alcance incalculável teria sido outrora transformado para ser assimilável ao nosso tempo e ao que se desenrolou com a nossa participação.

— “Você considera Chartres um alto lugar?”

— Seguramente! Mas como um alto lugar “entre os homens” e não como um alto lugar secreto, comparável àqueles de que falamos. Por Chartres você designa certamente a cripta, e é a propósito dela que, naturalmente, lhe respondo. Em vista do que deve lá acontecer

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brevemente, vejo entre a cripta de Chartres e a Cripta Ferrata um vínculo indissolúvel, no sentido em que a cripta de Chartres é vibratoriamente “carregada” pela Cripta Ferrata. Ela é a correspondência desta última no mundo exterior. Ela é o “lugar” onde se executa a vontade expressa no influxo secreto da Cripta Ferrata. É o lugar de encarnação.

— “Sinto intensamente ser esta a verdade. E sobre aquele que você chama o Cardeal Branco, você tem uma opinião?”

— Meu Deus, há que se ter cuidado! Há seres sobre os quais nenhum julgamento, mesmo favorável, deve ser emitido. Ele foi o porta-voz e o transmissor. Ele é aquele que devia vir. Nele estão incorporados o conhecimento e a tradição. Seu rosto é, para mim, O do Enviado, Daquele que é também uma parte de nós mesmos. Não tenho opinião sobre ele; simplesmente abandono e confiança absoluta em uma comunhão total, da qual extraio amor e paz.

— “Estamos em Túnis! Por que não nos dedicaríamos a algumas buscas?! Afinal de contas, aqui, como em outras partes, o Cristianismo reencontrou o Islã... O corpo de São Luís repousa em Túnis desde a oitava cruzada, em 1270. Diz-se que Christian Rozenkreutz esteve aqui. Que é que você acha?”

— Aceito com alegria; mas que poderíamos encontrar sem um fio condutor?

— “Quem sabe! Vamos ver. Não basta bater?”

Já é bastante tarde quando nos separamos; mas eis-nos aqui ávidos por uma nova experiência. É preciso que sejamos dirigidos. Se devemos, de fato, aprender alguma coisa. Sentados sobre o banco, antes de nos separarmos, fechamos os olhos e “pedimos” juntos. Receberemos uma resposta? Amanhã saberemos. Vamos nos encontrar às onze horas no saguão do hotel...

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XI – ... E A PORTA NOS FOI ABERTA!

ela manhã, enquanto me preparo, meu pensamento não para de voltar a uma mesquita — não uma mesquita específica de Túnis, ou de outro lugar, mas simplesmente a uma mesquita, da mesma maneira que poderia ter pensado em uma

igreja. Sem sombra de dúvida, se buscamos algo ou alguém relacionado à espiritualidade do Islã, uma mesquita se presta perfeitamente a tal propósito. Portanto, não há nada de surpreendente que a ideia de uma mesquita me fascine, e não fico nem um pouco surpreendido de ser acolhido, no saguão do hotel, com estas palavras:

— “Devemos ir à mesquita...” Ao que respondi sorrindo:

— É exatamente o que eu penso; mas a qual delas? A mesquita principal não poderia ser o local de uma busca como a nossa. E se nos dirigíssemos para a casbá?

— “Podemos ver por este lado. Afinal de contas, não buscamos nada de específico. Apesar de eu sempre me perguntar se todas as nossas vias não se encontram preparadas...”

— Elas estão, mas geralmente só nos damos conta disto tardiamente.

O motorista do táxi que nos levou à entrada da casbá é loquaz. Repentinamente, uma ideia me vem à cabeça, e conduzo a conversa para o Corão, deixando perceber nitidamente o interesse que nutro por essa obra sagrada e pelo seu conceito de um Deus único. O motorista parece apreciar meus comentários, e meu companheiro, que percebeu minha intenção, apoia com entusiasmo minhas observações. Torno-me mais preciso:

— Não há nenhum sábio muçulmano aqui em Túnis?

— “Todos os muçulmanos são sábios” — responde o motorista rindo.

— Não duvido disto, mas não é isto que eu quero dizer. Existe hoje, em Túnis, um ou vários muçulmanos tidos como santos pelos outros?

— “Um marabuto? Existe um, mas ele é e não é muçulmano. Vive como um santo. No entanto, diz-se que ele não segue o Corão como se deve. Falaram-me também de outros dois ou três, mas...”

Apresso-me em interrompê-lo:

— Você sabe onde mora esse marabuto muçulmano que não é muçulmano?

— “Exatamente na casbá! Bem perto da pequena mesquita...”

— Qual o nome dele?

— “Ora, diga apenas ‘o marabuto’. Ele é conhecido!”

Meu companheiro me toca três vezes na mão para testemunhar uma satisfação que eu compartilho. Assim, basta mesmo perguntar e, talvez, sobretudo, a um motorista de táxi, para ter uma resposta. Será ela a resposta? É o que veremos. Não esperamos nada de particular. Nós buscamos, e isto já é muito.

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Perdemo-nos várias vezes na casbá, e outras tantas reencontramos nosso caminho graças à cortesia de um tunisiano que, a cada uma dessas vezes, percorre conosco alguns passos. Ah! Eis uma pequena mesquita. É hora de nos informarmos com precisão: dois jovens discutem na entrada de uma minúscula ruela:

— Perdão, vocês sabem onde mora o marabuto?

Eles se entreolham, olham para nós, voltam a se entreolhar e eu não compreendo aquela hesitação. Por fim, um deles responde apontando com o dedo uma casa fechada por uma porta de madeira de duas folhas.

— “Ali!”

Agradecemos e, seguidos por seus olhares surpresos, vamos bater à porta. Que pretexto invocaremos? Pouco importa. Batemos novamente, com mais força. Teremos uma resposta? De repente, quase nos assustamos, sem, no entanto, sentirmos qualquer surpresa: alguém está diante de nós... E a porta nos foi aberta.

O homem é idoso, curvado e magro, em sua djelaba branca. Ele nos olha sem uma palavra. Será que entende francês? O melhor é perguntar-lhe:

— Desculpe-me, senhor, seria possível encontrar o marabuto?

Meu companheiro e eu permanecemos alguns instantes mudos de surpresa diante da perfeição do seu francês, até que a explicação nos seja fornecida por ele próprio:

— “Dizem-me marabuto, o que não quer dizer que eu me suponha um. Mas entrem! São franceses, não é? Raramente recebo a visita de compatriotas.!”

... De compatriotas! Então ele é francês. E só pode ser considerado como marabuto, no sentido próprio do termo, se for muçulmano... Lembro-me de que o motorista de táxi afirmou: “Ele é e não é muçulmano.” Somente o... marabuto pode esclarecer-nos neste particular.

No cômodo em que nos encontramos, poucos móveis, magníficas tapeçarias notavelmente tecidas e várias almofadas árabes — únicos assentos oferecidos aos visitantes. Isto deixa claro que o nosso hospedeiro adotou a maneira de viver tradicional deste país. Com um gesto, ele nos convida a sentar-nos, junta as mãos e espera. Sem trair seja o que for, meu companheiro passa a dar-lhe as razões da nossa presença aqui:

— “Nós nos interessamos — começa ele — por todas as formas do pensamento religioso e, uma vez em Túnis, pensamos em aprofundar o Islã, a ‘vê-lo’ mais de perto. Estávamos, na verdade, buscando um sábio muçulmano... Afinal, por que não ser mais sincero?... Somos atraídos pelo esoterismo e nos indicaram um ‘marabuto’ que é e que não é muçulmano. Ora, ele é você! Estamos sendo indiscretos?”

A resposta é imediata:

— “Absolutamente não. Eu sou muçulmano! Não o sou de nascimento; naturalmente eu me converti ao Islã; mas sou muçulmano com todo o meu ser e todas as minhas forças! Quanto ao esoterismo, sempre me interessei por ele, especialmente pela leitura de René Guenon, que me

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trouxe aqui há muito tempo. O próprio René Guenon converteu-se ao Islã e morreu muçulmano. Não me encontro em má companhia com ele, cuja diligência espiritual o conduziu a uma escolha final idêntica à minha. Com isto, não quero dizer que se deva, necessariamente, converter-se ao Islã, mas somente que para mim, assim como para René Guenon e tantos outros, foi a melhor saída. Eu, no que me concerne, cumpri minha realização mística enquanto muçulmano. Não lhes ensino nada, ao lembrar-lhes que o muçulmano é ‘consagrado a Deus’. Vocês também não o são?”

Cabe a mim responder-lhe:

— Nós nos esforçamos para sê-lo. Desculpe a minha insistência: você é sufi ou muçulmano?

— “Qual a diferença que você vê entre os dois? Sou sufi e muçulmano ou, mais exatamente, apesar do pleonasmo, ‘sufi-muçulmano’. Você é atraído pelo esoterismo. Por causa disto deixa de ser cristão? O esoterismo não tem cor religiosa. O sufi que eu sou quer ser um bom muçulmano. Os gestos do corpo colaboram com a expressão da alma, e a alma, sempre semelhante a si mesma, dá ao corpo sua razão de ser. Se você quiser, pertenço ao corpo do Islã e sou um ‘fiel’, um muçulmano que leva, para si mesmo, o amor a Deus o mais longe possível na mística sufi. Meu ser, como o seu, é uma unidade. Ou pode, a partir de agora, haver separação? Chamam-me de ‘marabuto’ por que, para o povo, levo uma existência que ele considera esotérica, e por que tenho alguns fiéis, com os quais aprofundamos ‘O Livro’ e uma tradição particular, cuja guarda um dia recebi, juntamente com outros. Pedem-me minhas orações e minha ajuda; eu jamais as recuso e Alá me assiste. O que pude fazer pelos outros, todos podem fazê-lo. Todo mundo poderia ser marabuto, basta querê-lo... Antigamente, o marabuto era um monge-guerreiro, que vivia em um convento fortificado para a guerra santa.”

Mesmo contra a vontade o interrompo:

— Monge-guerreiro! Em suma, um templário muçulmano?

— “É como você disse: um templário, e o marabuto de nosso tempo ainda é um templário...”

— “Você poderia ser mais preciso?” — pede meu companheiro.

— “Ser templário era aceitar um estado preciso: o de monge e de soldado. Ser marabuto, na mesma época, era aceitar um estado também bastante preciso: o de monge e de soldado. Mais uma vez, onde está a diferença? O templário consagra-se, por definição, ao templo. ‘Marabutos’ foram recebidos na Ordem do Templo e templários tornaram-se, no senso lato do termo, ‘sufis’. Nada é mais próximo do que o Cristianismo do Islã — no essencial, bem entendido.”

Olho meu companheiro e nos compreendemos. Nosso anfitrião, que parece haver apreendido o porquê desse olhar, prossegue:

— “Ao se interessarem pelo esoterismo, para usar suas próprias palavras, vocês não puderam deixar de lado a história da Ordem do Templo. Além do que, você mesmo mencionou os templários. Portanto, vocês não ignoram os vínculos especiais que foram estabelecidos, acima

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da luta, entre os adversários. Os verdadeiros sufis de hoje perpetuam esses vínculos. Eles possuem uma herança secreta que é idêntica àquela recebida por certas organizações válidas da Europa e de outras partes. Tanto uns quanto outros estão unidos por esta herança comum. A nossa foi moldada no pensamento do Islã, assumindo sua forma e terminologia, mas pouco difere das outras: a tradição é a mesma, em toda parte a mesma... Somente a técnica varia com o tempo e o lugar...”

— O que você sabe sobre o Graal?

— “Percebo o sentido da sua pergunta, e é como sufi que quero dar-lhe meu ponto de vista, ou como esoterista, se você preferir; e ele será breve: o Graal é a herança que eu mencionei. Ele é, em essência, a origem e a tradição. Ele é a sua aspiração e a nossa. O Graal é, em última análise, a consciência divina onde se encontra todo o poder e toda a sabedoria... mas uma palavra é uma palavra e só tem o valor que lhe é atribuído. Para mim, o Graal tem um outro nome, que encerra exatamente o simbolismo do termo que você emprega, da mesma maneira que God, em inglês, designa o Deus do francês...”

Meu companheiro pensa em voz alta:

— “Definitivamente, nós só viemos aqui buscar uma confirmação do que havíamos aprendido...”

— Não precisávamos disto?... — Minha resposta deseja demonstrar, apesar de tudo, uma satisfação. Entretanto, ela deve conter uma nuança de decepção, pois o marabuto logo intervém:

— “Vocês esperavam, sem dúvida, uma mensagem. Posso transmitir-lhes uma das mais importantes do nosso tempo...”

Nós o interrogamos ansiosamente com um olhar que significa: “Qual?”

— “Vocês têm suas confrarias. Nós temos as nossas e as nossas cobrem todo o Islã, do qual constituem a via interna, o corpo espiritual, se esta palavra tem um maior significado para vocês. As confrarias de vocês assumem, numa escala cada vez maior, esta função, conscientemente. Está próxima a hora em que deve se cumprir a conjunção que a Ordem do Templo e nossas ordens da época se propunham a realizar para o mundo! Há pouco tempo, foi necessário quebrar para reconstruir, ou armar-se de uma paciência secular e progredir com extrema lentidão. O temperamento da época e outras circunstâncias não o permitiram. A tradição retirou-se de suas posições milenares, deixando para o mundo as vantagens e a esperança de um progresso material que é somente um dos aspectos do conhecimento. Não foi senão a grande repetição. Aproxima-se o tempo da realização, e esta realização será uma substituição. Não há mais nada a ser quebrado para reconstruir. Os velhos odres caem em ruína ou em decadência, mas os ‘novos’ estão prontos. Tudo o que é externo nas crenças se estiola pouco a pouco, e de forma cada vez mais rápida, tanto entre vocês, como entre nós. Após alguns sobressaltos, virá o desaparecimento que não é, como vocês o sabem, senão uma transformação. A tradição está em movimento e ela é inconscientemente aguardada. Tudo está pronto, tanto aqui como entre vocês. A junção das diversas formas tradicionais está cumprida no centro que mantém força e vida nas confrarias autênticas e preparadas. O mundo

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pode ficar alegre e na quietude da esperança: a luz, a verdadeira luz da Tradição logo virá iluminá-lo para uma nova etapa!”

— Você quer dizer que a conjunção entre o ocidente e o oriente árabe está estabelecida?

— “No silêncio, ela nunca deixou de estar, mas agora está mais viva e mais aberta.”

— E as outras expressões da Tradição, as que subsistiam na Índia, na África e em outros lugares?

— “Houve um reagrupamento de algumas delas, e posso ser mais preciso: a conjunção é universal!”

— Isto tem uma influência sobre os “altos lugares”, ou os “altos lugares” têm uma influência sobre esta situação?

— “Tudo emana daquilo que você chama de altos lugares e de ‘centros’ ainda mais internos. A conjunção cumpriu-se inicialmente nesse nível.”

— O que você quer dizer com isto? Acredita que cada alto lugar comporta adeptos de todas as formas tradicionais externas?

— “Seguramente não, e pela simples razão de que nesse estado não há mais forma; há estado.”

— É verdade! E já que há somente estado, podemos concluir que os altos lugares secretos de uma forma tradicional são os mesmos que os altos lugares secretos de todas as outras formas?

— “Para todas as manifestações e formas da tradição, os ‘centros’, os altos lugares secretos, são, de fato, os mesmos.”

Não hesito em colocar a questão que, de um momento para cá, me preocupa:

— Vejamos! Sei que tudo é unidade. No entanto, tomemos, por exemplo, altos lugares secretos que seriam os de Rosa-cruzes, de Realizados. Que seriam eles em relação aos outros altos lugares?

— “Tudo é efusão. O que é mais externo não é, senão, o interno um pouco mais manifesto. Também lá não há separação. Há vínculo e correspondência. Os altos lugares que você menciona têm sua correspondência ou réplica em uma escala mais baixa, e assim sucessivamente. A efusão vem do centro supremo a todos os estados, até o nosso.”

— Poderíamos, então, concluir que a Nova Era é uma tomada de consciência coletiva em um estado mais elevado onde novos altos lugares assumem o encargo da humanidade. Que acontece então com os antigos?

— “Eles se integram, fusionam com os novos altos lugares. Em outras palavras, mesmo os antigos centros permanecem e vivem, mas sua energia está mais concentrada, mais poderosa do que anteriormente. De certa maneira, eles foram colocados no diapasão... Mas isto também já se realizou!”

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— Sua mensagem é de um alcance verdadeiramente extraordinário... Mas você, como marabuto, como concebe seu estado neste novo conjunto?

— “Eu! Eu sou um apaixonado por Deus. Que mais posso esperar? Se Deus ordena, eu obedeço... Ele é o Único e a Unidade. Sou Seu monge e Seu guerreiro. Ele preparou e ordenou tudo. Meu estado, amanhã, será o mesmo de hoje...: um apaixonado por Deus.”

Esta admirável lição de confiança e de paz conclui nossa conversa. Dentro de instantes ele irá nos servir o chá fraternal. Falaremos da Tunísia, da França, das circunstâncias deste mundo de ilusão, mas nosso pensamento estará longe, em uma realidade que, uma vez mais, reconhecemos no marabuto...

Respeitamos mutuamente nosso silêncio na volta para o Tunis Hilton. Nossa consciência viajava em outro lugar... Não tínhamos realizado, também nós, nossa conjunção?...

A Cripta Ferrata e o Cardeal Branco. Túnis e o marabuto... Lembra-se, Monsenhor?

Villeneuve-Saint-Georges Domínio da Rosa-cruz

Domingo, 28 de outubro de 1968 Festa do Cristo-Rei

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Índice de Fotos Capa: Galeria inferior da Abadia de São Nilo Pág. 13 – Fonte da Tartaruga Pág. 19 – Cripta Ferrata oficial, na Abadia de São Nilo Pág. 22 – Vista da Abadia de São Nilo, em Grotta Ferrata Pág. 25 – Burgo de Grotta Ferrata visto das ameias de São Nilo Pág. 26 – Interior da Abadia de São Nilo Pág. 28 – Galeria inferior, um dos muitos caminhos carregados de história, da Abadia Pág. 37 – Os muros em torno de Constantinopla* Pág. 39 – Sagração de um cavaleiro (de Edmund Blair Leighton)* Pág. 41 – Galahad diante do Graal (de William Morris – 1855)* Pág. 45 – Os misteriosos caminhos que envolvem a cripta na Abadia de São Nilo Obs.: Todas as fotos incluídas nesta obra fazem parte dos Arquivos OSTI — excetuando-se as assinaladas por um asterisco — e só podem ser reproduzidas mediante autorização expressa da Grã-Comendadoria do Brasil.

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