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Encontros e Memórias: A Inserção dos Nikkeis na Universidade de São Paulo e na Sociedade Brasileira Texto: Zilda Márcia Grícoli Iokoi Entrevistas: Ana Lúcia Casanova, Julio Toledo e Zilda Márcia Grícoli Iokoi Iniciara-se o ano de 1908, quando o pai de Geny Wakisaka chegou ao Brasil com a primeira leva de imigrantes japoneses, composta de cento e setenta famílias, em um total de 794 pessoas, com contratos de trabalho em algumas fazendas do Estado de São Paulo. Dentre essas famílias estavam doze pessoas na condição de passageiros autônomos, cujos nomes não constam no Livro de Registro existente no Memorial dos Imigrantes, antiga Hospedaria que recebia e fazia a triagem dos estrangeiros que se deslocavam de diferentes países em busca de melhores condições de vida e trabalho . O pai de Geny foi um deles. Trazidos pelo navio Kassato-Maru, eles partiram do porto de Koobe em 28 de abril de 1908, aportando em Santos no dia 18 de junho desse mesmo ano. Ser imigrante é sempre uma decisão que supõe coragem. Deixar o lugar de origem para um destino incerto pode ser uma experiência traumática pois as perdas não são imediatamente compensadas pelas novas possibilidades que o ato de migrar permite. Sayad 1 nos informa que nos tornamos migrante quando chegamos em um lugar diferente do nosso que não nos reconhece como tendo o pertencimento dos que já habitam esse espaço. Jorge Malheiros 2 , em estudo recente, apresenta algumas questões necessárias ao estudo das imigrações que devemos considerar neste momento de rememoração da centenária imigração de nikkeis para o Brasil. A primeira grande questão é a da quantificação dos que imigram. Mesmo nos processos como os realizados ao longo dos séculos XIX e XX, diferentemente dos atuais, a imigração se fazia como política de governos, envolvendo o país de emigração e o de imigração. Ao ser aberto um fluxo de deslocamentos desenvolviam-se um conjunto de serviços e de organismos facilitadores, para estimular os translados e as possíveis acomodações . Mesmo assim, alguns imigrantes saem em uma direção, mas tomam rumos diferentes sem rastros definidos. Isso implica em um desconhecimento sobre porcentuais de pessoas, seus custos, seus fazeres e o resultado econômico da imigração que, sem dúvida, cria e recria valor tanto para os países de destino como para os de origem. Geny, em seu relato, nos dá informações preciosas sobre os trajetos de seus parentes, recuperação possível pela opção metodológica da História Oral de Vida, ferramenta necessária, epistemologia de conhecimento sobre esses sujeitos que na maioria das vezes guardaram em suas memórias um conjunto de acontecimntos ignorados pelas histórias documentadas por meio de organismos interessados nos registros dos processos econômico-políticos e não nas experiências vividas. Nos relatos dos descendentes de imigrantes japoneses da Universidade de São Paulo 1 SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo:Edusp.1998. p.12 2 Malheiros, Jorge Macaista (org).Imigração Brasileira em Portugal. Lisboa: ACIDI. 2007.p.11-37. 1

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Encontros e Memórias: A Inserção dos Nikkeis na Universidade de São Pauloe na Sociedade Brasileira

Texto: Zilda Márcia Grícoli Iokoi Entrevistas: Ana Lúcia Casanova, Julio Toledo e

Zilda Márcia Grícoli Iokoi

Iniciara-se o ano de 1908, quando o pai de Geny Wakisaka chegou ao Brasil com a primeira levade imigrantes japoneses, composta de cento e setenta famílias, em um total de 794 pessoas, comcontratos de trabalho em algumas fazendas do Estado de São Paulo. Dentre essas famíliasestavam doze pessoas na condição de passageiros autônomos, cujos nomes não constam no Livrode Registro existente no Memorial dos Imigrantes, antiga Hospedaria que recebia e fazia atriagem dos estrangeiros que se deslocavam de diferentes países em busca de melhores condiçõesde vida e trabalho . O pai de Geny foi um deles. Trazidos pelo navio Kassato-Maru, eles partiramdo porto de Koobe em 28 de abril de 1908, aportando em Santos no dia 18 de junho dessemesmo ano.

Ser imigrante é sempre uma decisão que supõe coragem. Deixar o lugar de origem para umdestino incerto pode ser uma experiência traumática pois as perdas não são imediatamentecompensadas pelas novas possibilidades que o ato de migrar permite. Sayad1 nos informa quenos tornamos migrante quando chegamos em um lugar diferente do nosso que não nos reconhececomo tendo o pertencimento dos que já habitam esse espaço.

Jorge Malheiros2, em estudo recente, apresenta algumas questões necessárias ao estudo dasimigrações que devemos considerar neste momento de rememoração da centenária imigração denikkeis para o Brasil. A primeira grande questão é a da quantificação dos que imigram. Mesmonos processos como os realizados ao longo dos séculos XIX e XX, diferentemente dos atuais, aimigração se fazia como política de governos, envolvendo o país de emigração e o de imigração.Ao ser aberto um fluxo de deslocamentos desenvolviam-se um conjunto de serviços e deorganismos facilitadores, para estimular os translados e as possíveis acomodações . Mesmoassim, alguns imigrantes saem em uma direção, mas tomam rumos diferentes sem rastrosdefinidos. Isso implica em um desconhecimento sobre porcentuais de pessoas, seus custos, seusfazeres e o resultado econômico da imigração que, sem dúvida, cria e recria valor tanto para ospaíses de destino como para os de origem.

Geny, em seu relato, nos dá informações preciosas sobre os trajetos de seus parentes,recuperação possível pela opção metodológica da História Oral de Vida, ferramenta necessária,epistemologia de conhecimento sobre esses sujeitos que na maioria das vezes guardaram em suasmemórias um conjunto de acontecimntos ignorados pelas histórias documentadas por meio deorganismos interessados nos registros dos processos econômico-políticos e não nas experiênciasvividas. Nos relatos dos descendentes de imigrantes japoneses da Universidade de São Paulo1SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo:Edusp.1998. p.122 Malheiros, Jorge Macaista (org).Imigração Brasileira em Portugal. Lisboa: ACIDI. 2007.p.11-37.

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encontramos desconforto com os acontecimentos históricos do país, necessidades econômicas,possibilidades de novas funções intelectuais, busca de uma nova inserção missionária entre osmotivos dos translados. Geny rememora o processo da modernização japonesa como um dosmotivos da viagem de seu pai:

Tendo deixado a província de Kumamoto, o filho caçula de Toshihisa e Iki Kouyama, pertenceraà última geração dos descendentes de samurais da estrutura social feudal, classe extinta dasociedade japonesa com a Restauração da era Meiji, em 1868. Ao perder seus privilégioscomeçou a trabalhar com alguns conhecidos, na publicação de um jornal provinciano, semresultado. Tentou o comércio vendendo ervas medicinais chinesas e abriu uma pensão, que nãoconseguiu levar adiante. Com as finanças e a saúde bastante abaladas, se sujeitou a trabalharcomo funcionário público, mas na realidade, ele foi um dos que não se adaptou àstransformações dessa nova sociedade e resolveu imigrar junto com as demais famílias, que pordiferentes motivos, deixavam seu país de origem em busca de alternativas para o vivido que setornara insuportável.

Evidentemente, o fluxo emigratório aberto no Japão representou para ele uma alternativa deromper com a quebra de seu modo de vida e dos valores que foram se perdendo na novaconjuntura de meados do século XIX no Japão. Assim, se o desenvolvimento da economiacapitalista era a razão da desconstrução da base social desse jovem, foi por necessidade dessaforma econômica de se firmar, que ele pode imigrar. O estímulo aos deslocamentospopulacionais, necessários ao capital pode ser constatado pelos empreendimentos realizados paraseduzir e atrair imigrantes. Em nenhum dos processos em que os sujeitos deixam seu país deorigem em busca de trabalho, a iniciativa partiu dos indivíduos imigrantes. Sassia Sasken, emThe Global City3, afirma ser o capital o imigrante que arrasta as pessoas, suas prisioneiras devidoao mercado de trabalho. Portanto, outro problema a ser considerado na imigração é o da suaimportância no mercado de trabalho local e para a economia brasileira e japonesa. Havia naquelemomento um conjunto de interesses econômicos e culturais que a vinda dos súditos do imperadoratraíam, como a inserção na estrutura da produção do café, novas possibilidades produtivas paraabastecer essa comunidade de destino com hábitos tão diversificados, a produção de bens eserviços destinados aos valores simbólicos. Criar centros de reunião e convivência, igrejas etemplos, objetos domésticos, ingredientes necessários aos rituais, assim como vestimentas,escolas e imprensa, compuseram um outro processo produtivo decorrente da própria imigração.

Evidentemente, o resultado econômico do trabalho desses imigrantes significou acumulação devalores para os dois países. Nessa perspectiva o grupo de imigrantes foi também diversificadoem diferentes classes sociais e frações das classes médias e da própria burguesia japonesanascente. Em decorrência do crescimento da economia, os fluxos se estimularam e novoscontingentes foram sendo gerados entre as primeiras e terceiras gerações, provocandocasamentos mistos, reagrupamentos familiares e novas relações sócio-culturais. Dessa forma, éimportante também destacar as imagens recíprocas, positivas e negativas dos grupos,verificando-se as afetividades, as cooperações e as tensões, estereótipos e estigmas forjadosnesses processos.3 SASSEN, Saskia. Global City. I.E. Princeton, 2001

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Deslocar-se de um lugar ao outro supõe sempre uma decisão que envolve muitos sacrifícios,quase sempre desconsiderados pela memória que precisa reconstruir sentidos e significados paraum novo vivido. Na rememoração, escolhe-se aquilo que marcou a vivência de cada um, mas émuito forte o tempo da infância, das relações familiares, dos medos e incompreensões, eespecialmente para aqueles que eram velhos, as saudades e os estranhamentos do novo lugar4.Perdas quase sempre irrecuperáveis, deslocamentos, estranhamentos e saudades que, aos poucos,vão sendo acomodadas nos compartimentos da cultura material e imaterial daqueles querememoram. Fragmentos em objetos, imagens, pequenas narrativas antropofagicamentedeglutidas, em acomodações produzidas por simbioses de cheiros, gostos e ritos incorporados emespaços desconhecidos.

A chegada dos imigrantes japoneses em São Paulo não foi diferente. Daqueles descendentes quecompõem o conjunto de professores da Universidade de São Paulo, é possível encontrar desde osque vieram no Kassato-Maru em 1908 até os últimos chegados já nos idos da década de 1960, noséculo XX. Foram muitos os momentos e as conjunturas dos deslocamentos do Japão para oBrasil. Os que migraram entre 1908 e 1930 inseriram-se na vida rural brasileira como colonospara a cafeicultura. Desconhecendo a língua e os costumes, uniram-se em um movimento de autodefesa para manterem os elos identitários. Procuraram produzir nos interstícios dos corredoresdos cafezais o cultivo de hortaliças, a criação de galinhas para completar a dieta diária.Acostumaram-se ao arroz com feijão e experimentaram miúdos de porco da feijoada, alimentodos antigos escravos já consumidos pelos imigrantes italianos. Juntamente com esses imigrantes,os japoneses passaram a conhecer os ritos católicos, as festas religiosas, as cantorias e o falar altodos que vieram do Veneto ou do sul da península itálica. Oriente e ocidente cruzando-se no paíscontinente da América do Sul. Sofreram dois impactos devido às alterações políticas do períodoentre guerras: a exacerbação dos nacionalismos e o impedimento à livre organização dosestrangeiros no uso da língua e na organização de escolas5.

Os que vieram entre 1940 e 1950 agrupados em trabalhadores rurais que foram ganhandoautonomia com a produção de hortigranjeiros, muitos em um sistema cooperativado criado para aproteção dos produtores e, intelectuais ou técnicos especializados, para a vida urbano-industrialque se expandia. Inovaram no manejo da produção de legumes e frutas, com as primeirasexperiências de hibridação, e criaram veículos de imprensa em japonês para garantir aosimigrantes informações sobre o Japão, a política mundial, o Brasil e, para deixar as novasgerações alguma literatura que estimulasse a manutenção da língua dos ancestrais. Outrostrabalharam em fábricas como técnicos, montaram pequenas oficinas, carvoarias, alfaiatarias etinturarias (nome das casas de lavar e passar roupas). Depois, o processo de imigração foi setornando cada vez mais individual, fruto de curiosidades, espírito de aventura ou atraídos porparentes e amigos.

Os meus pais vieram do Japão em 1938, por convocação do Ministério de Relações

Exteriores do Japão, que pediu que meu pai instalasse diversos equipamentos médicos no antigo4BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T.A. Queiroz, 1979. Ver ainda: Thompson,Paul. A Voz do Passado.História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 388 p5 IOKOI, Z.M.G. Intolerância e Resistência: A saga dos judeus comunistas entre a Polônia, a Palestina e o Brasil.(1935/1985).SãoPaulo/Itajaíumanitas/Univali.2002.

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hospital japonês de São Paulo. Nessa época, o hospital japonês de São Paulo , o Santa Cruz,

estava sendo aberto e meu pai foi encarregado de fazer a instalação de equipamentos médicos,

como por exemplo o equipamento de raio-x, que na época era uma grande novidade aqui no

Brasil, relata Eitaru Yamane.

Ninguém sai do país em que nasceu porque acha que vai encontrar vida fácil ou algo parecido,mas com o sonho de trabalhar, enriquecer e em dez anos voltar, afirmou Kokey Uehara.Embarcado sem os pais, compondo com parentes uma nova estrutura familiar arranjada, uma vezque o apoio do governo era para a imigração das famílias inteiras, Kokey, com quase dez anos,por pouco não pulou do navio ao ver os pais que abanavam lenços de despedidas, acompanhandopelo cais do porto o deslocamento do navio. Foi a última vez que os viu e esta imagem oacompanhou e acompanha ainda hoje.

Mas, nem todas as memórias portam a dor da perda, muitas apresentam ganhos que, naperspectiva de uma criança como Emyko Egry, mostra esperanças e um certo encantamento poraquilo que seria encontrado ou descoberto:

Quando o meu pai arrumou trabalho no Brasil e me disse que iríamos imigrar, eu falei que nãoiria, pois eu não conhecia e nem sabia onde era esse país. Mas, ele insistiu que todos nósiríamos enquanto eu retrucava que não e que ficaria por ali mesmo. Isto era uma coisamarcante e inédita, mas eles davam liberdade para eu falar nesse tom, coisa que numa famíliaoriental era proibido, ainda mais nos idos de 1956. Uma mulher jamais falaria isso,principalmente uma caçula. Mas, ele me convenceu! Como éramos muito pobres e a banana erauma fruta muito cara, meu pai trazia uma banana no aniversário de cada um dos filhos ecortava em três partes, para cada um dos filhos apreciar. Aquilo, para mim, era a coisa maisgostosa que existia na face da terra. (...). Então ele disse que no Brasil eu poderia comerquantas bananas eu quisesse e não apenas um terço que eu comia somente no aniversário.

Para os que imigraram ainda pequenos, o tempo da infância é rememorado com muitos detalhesuma vez que as diferenças entre um viver e o novo lugar fincaram fundo na memória assurpresas da viagem, as incertezas do vir a ser e finalmente o encantameto pelo novo que se podedesfrutar no lugar de chegada.

Mas, ser imigrante é também viver no exílio, uma fratura incurável entre um ser humano e umlugar natal, entre o eu e o seu verdadeiro lar: é ter uma tristeza essencial que jamais pode sersuperada. Essa condição presente no imaginário dos que migraram aparece exatamente invertidanos descendentes, que se utilizam das experiências dos que partiram, para compor um novosentido ao vivido, que se apresenta diversificado e com outra racionalidade no sentido daacomodação ao novo campo cultural. O lugar de chegada, exótico em um primeiro momento vaigarantindo ganhos capazes de compensar as perdas, especialmente quando os imigrantes sãocrianças. Muitos rememoram as dádivas da natureza: praias, frutas, grandes espaços comoconquistas importantes. Outros relembram silêncios, introspecção, gestos comedidos, leveza noandar, discrição no falar e respeito às hierarquias e aos papéis de cada um nas origens, e seus

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estranhamentos frente aos costumes dos moradores dos locais de chegada6. Viver duas culturassupõe escolhas, mas também um certo modo de unir o antes e o depois7. Para Amando Ito essahistória é cheia de possibilidades.

Minha mãe veio muito criança com meus avós, que resolveram emigrar, vieram de Hokkaido, nonorte do Japão, um lugar frio, muito frio. Eles acabaram indo para Registro, no Vale doRibeira, um lugar quente demais. Meu avô e a minha avó vieram com seis filhos, cinco mulherese um homem. Eles trouxeram na bagagem algumas mudas de chá e foram para Registro, umaregião que depois se tornou grande produtora de chá no Brasil. Foram pioneiros nessaprodução. Minha mãe cresceu em Registro no ambiente dos imigrantes japoneses. Existia umacomunidade, acho que uns cem imigrantes japoneses que se dedicavam à agricultura e aocomércio principalmente. Ela cresceu no meio daquela comunidade falando muito poucoportuguês. Na escola que freqüentava aprendeu os princípios básicos da língua e do ponto devista formal não passou do primário. Mas conseguiu dominar a língua e um pouco da escrita.

Duas classes sociais, dois mundos e um destino que junta os amores perdidos em um reencontropossível. Esse viver experiências diversificadas fez com que a trajetória de Amando Ito fossesempre aberta às trocas interculturais que resultou em um casamento misto e uma aproximaçãocom o mundo das artes nos vários ramos dessa família composta por quatro gerações deimigrantes. Se a mãe teve dificuldades na incorporação da escolaridade formal, seu pai, aocontrário imigrou com o curso superior completo. Ele prossegue sua narrativa:

O meu pai tem uma história completamente diferente porque ele tinha trinta anos, havia feito aUniversidade de Tóquio, era professor e estava ligado aos padres católicos lá do Japão.Católico no Japão era uma minoria, quando resolveu vir para o Brasil como imigrante,deixando lá os irmãos. Como ele não tinha nem pai nem mãe, ele ficou órfão com menos de dezanos e podia sair sem problemas. Formou-se no Japão e veio em 1930, trabalhar ensinandojaponês para os imigrantes e filhos de imigrantes que cresceram aqui.. Minha mãe e meu paiacabaram se cruzando em Registro, mas a minha mãe já tinha um compromisso que seus paishaviam firmado, de se casar com uma outra pessoa. Havia um casamento acertado e de fato elase casou com essa outra pessoa. Meu pai também se casou, saiu de Registro e foi para outromunicípio, no Estado de São Paulo, para a região de Penápolis, onde existem duas grandesfamílias que por tradição são católicas, os Hirata e os Aoki. E o meu pai acabou se casandocom uma senhora da família Hirata. Depois de alguns anos minha mãe tinha três filhas, meu paiduas filhas, ele ficou viúvo em Penápolis e ela ficou viúva em Registro. Amigos falaram paraminha mãe: “Parece que Ito-san está vindo para cá...” Eles se reencontraram e finalmenterealizaram o casamento que havia sido impossível anos atrás. Eu nasci deste casamento. Depois

6 CARDOSO, Ruth Corrêa Leite.História da imigração japonesa no Brasil. São Paulo:Editora Hucitec,1992.;Koichi Matsuda - WASHI - O Papel Artesanal Japonês. Aliança Cultural Brasil-Japão, 1994;SUZUKI,T. "Produção acadêmica sobre a imigração e a cultura japonesa no Brasil". São Paulo: Agencia Estado,1992.

7SAYAD, Abdelmalek. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo:Edusp.1998.

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nasceu mais uma irmã. Hoje eu tenho seis irmãs, cinco meio- irmãs e uma irmã inteira. Afamília sempre se encontra se reúne apesar do fato de três das minhas meio-irmãs não teremnenhum parentesco com as outras duas. As festas de família reúnem trinta, quarenta pessoas.Essa é a nossa família. Meu pai e minha mãe já faleceram. Mas nós estamos aqui.

Muitos relatos atestaram um ponto em comum. Os que chegaram na área rural puderam seintegrar sem muita complicação, pois foram inseridos numa cultura caipira em São Paulo.Caipira conforme definiu Antonio Candido8. Fala arrastada, convívio com os vizinhos,solidariedades simples, trocas culturais. Fizeram muito esforço para manter a língua e oscostumes organizando escolas, trocando ritos religiosos, festejando com os seus. Mas, ao mesmotempo, inseriram novos nomes, integraram-se em escolas públicas, aderiram ao rito religiosodominante e tornaram-se camaradas nas colônias agrícolas da cafeicultura e até mesmo criaramcolônias próprias.

Valdomiro Shiguero Miyada que em 1970 terminou o colegial afirmou: um fato talvez tenha memarcado muito é que nesse ano, meu pai separou a sociedade do sítio que tinha com o nosso tioe nós tivemos uma série de problemas relacionados às finanças. Eu até propus nessa época, eutinha dezoito anos, que eu continuasse trabalhando com meus pais no sítio para poder fazer comque os meus irmãos continuassem seus estudos. Meu pai discordou completamente e, acho quefoi a grande sorte que tive realmente de não ter abandonado os estudos, a força de vontade domeu pai, na época foi decisiva.

Poucos dos que compõem essa pequena amostragem dos professores da Universidade de SãoPaulo, escolhidos para narrarem suas histórias de vida, se integraram em casamentos mistos, masos que o fizeram consideraram que juntar é bom, mas melhor é misturar...Nesse grupo podemosdestacar Emiko Egry que se casou com um Suíço, Itiro Suzuki, Amando Ito e Yassuhito Okaycom descendentes de italianos. A cultura cosmopolita da cidade de São Paulo, ela mesma frutodo mosaico de povos que compôs o cenário urbano da metrópole paulistana, a presença doensino laico, da escola pública com o ensino vocacional permitiu a vivência da cultura nastrocas que cada um do grupo pode fazer enriquecendo mutuamente os campos simbólicos e ogrande boom das artes, nos campos da literatura, do teatro, do cinema, das artes plásticas e daarquitetura influenciavam um viver aberto, integrado no diverso, dessa geração que podeaproveitar a abertura política da década de 1960 e a euforia da recuperação econômica dodesenvolvimentismo. Democracia, modernização e desenvolvimento fizeram com que essesimigrantes e seus descendentes fossem estimulados a um pensar aberto e que os levou em últimainstância à vida universitária. Mas também, as leituras das obras literárias infantis e juvenis dacultura japonesa, o interesse pelas cerimônias do chá, pelo modo de organizar as flores, oikebana, o teatro Nô, o Kabuki e o Kiogen estiveram presentes no cotidiano dessas famílias.Muitos, ao compararem o presente com o passado afirmam que num certo momento a aceitaçãoda culinária japonesa tão diferente da ocidental, não era nada fácil. Evidentemente, hoje há umacompreensão das vantagens de se alimentar com ingredientes pouco gordurosos, evitar as frituras8 A cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o progresso; a sua mudança é o seu fim, porque estábaseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social que a alteração destes provoca derrocada dasformas de cultura por eles condicionada. Daí o fato de encontrarmos nela uma continuidade, uma sobrevivência dasformas essenciais, sob transformações de superfície que não atingem o cerne senão quando a árvore já foiderrubada – e o caipira deixou de o ser. CÂNDIDO, Antonio.Os Parceiros do Rio Bonito, Rio Claro.1987, pp. 82/83.

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e equilibrar os temperos, parte do modo de vida politicamente correto, se impôs para um certogrupo social ocidental. Mas, sejam quais forem os motivos, a adesão significa um certo manejoentre tradição e modernidade, ingredientes fundamentais para o equilíbrio e a tolerância tãonecessários no mundo contemporâneo.

No campo da política os debates, meetings e comícios promoviam disputas entre os váriosgrupos. A euforia do moderno e da industrialização acelerada abria espaço para se imaginarutopias libertárias ou processos sociais dirigidos pelos intelectuais para o povo. Evidentemente,essa efervescência não deixava lugar para se imaginar as reações do velho sistema patriarcal, doconservadorismo e da subordinação da classe operária. Os relatos destacam como essa agitaçãono mundo das idéias e na construção das decisões individuais foi motivada no seio das escolaspúblicas onde ensinavam os grandes intelectuais que pensavam o Brasil. Sedi Hirano rememorao período:

Quando eu estava entre o primeiro e o segundo ano o meu pai faleceu. Depois desse tristeepisódio, eu tive que trabalhar na Avenida Liberdade, número 21, no 13° andar em umaempresa chamada Micropropaganda, como office-boy. Sempre com aquele sonho de fazeralguma coisa diferenciada. Sempre lendo, comprando livro e assim por diante. Era sócio doCirculo do Livro. O livro do Circulo do Livro era muito barato, editavam muito boa literatura.Mesmo depois de terminado o curso ginasial, eu terminei o ginasial com uma nota boa porquequem terminasse com uma nota boa poderia concorrer a uma vaga no colégio Roosevelt que eraum colégio tradicional de primeira linha. Então fui classificado para ser aluno do colégioRoosevelt. Nesse Colégio eu tive outros professores, aí o pessoal já lia não só o Caio Prado,mas o Celso Furtado. Tinha um professor de filosofia, João Villa Lobos, que foi um grandeprofessor, indicava livros em francês!

Percebe-se assim, um certo modo de viver o conhecimento, de experimentar as possibilidades, dacultura e da política, rompendo com o tradicionalismo oligárquico e, sendo os jovens, desdemuito cedo inseridos no debate público, um grande encontro de gerações incorporava osimigrantes das diferentes raízes no novo modo de pensar. Os estereótipos da submissão, dadisciplina, da obediência não se sustentam na análise dos relatos dos professores nikkeis daUniversidade de São Paulo, todos eles, de certo modo, valorizaram aspectos significativos dacultura de origens de seus familiares, mas absorveram os movimentos radicais da década querevolucionou o mundo.

Várias são as dimensões dessa interculturalidade: as relações de gênero foram percebidas comoespaços de troca e de afetividade como disse Okay ao questionar o modo de ser de seus pais:percebi que o fato de meu pai andar alguns passos a frente de minha mãe e de não abraçarcomo os ocidentais, não era falta de carinho. Quando me casei, minha mãe nos visitava esempre deixava algo gostoso na geladeira para que encontrássemos ao chegar do trabalho. Erauma forma diferente de demonstrar amor, mas tão importante se vista em sua singularidade.

A obstinação ao realizar uma certa tarefa ou mesmo valorizar o empenho dos pais nodesenvolvimento das habilidades dos filhos, na valorização do conhecimento, no apoio aosmembros da família. Em todos pudemos perceber como o trabalho coletivo, o espíritoassociativo e a solidariedade grupal foi uma âncora a se agarrar na sociedade de destino tão

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diferente nos hábitos das de origem. De certa forma, reconhecem que a marca distintiva damanutenção da língua japonesa e dos alimentos serviu de elo de ligação entre o presente e opassado. Vários afirmaram que quando foram ao Japão, muitos anos depois, perceberam quefalavam uma língua antiga. As formas de comer, vestir e mesmo falar e escrever cristalizadas naeducação paterna, folclorizaram a cultura anterior mas mantiveram elos de pertencimento evalorização das origens.

Para este grupo a inserção na Universidade foi um ganho e um compromisso com os queimigraram. Desvendar o mundo da ciência, construir redes, inventar máquinas e procedimentos,alterar a genética de plantas, legumes e flores, criar estruturas, escrever obras literárias, estudar oteatro, a música e pintar são contribuições importantes no fazer universitário que qualificou essesimigrantes e seus descendentes. Também cuidar, curar e educar são partes significativas dainserção desse grupo discreto e eficaz na vida universitária.

Majoritariamente os japoneses combinaram escola da colônia com ensino público. As narrativassão unânimes em rememorar um período de ouro na educação pública em São Paulo. Escolas emdiferentes regiões da cidade ou do Estado foram indicadas pelo rigor, liderança intelectual dosprofessores, respeito às diferenças e estímulo às experiências e à curiosidade intelectual ecientífica. Dos mais de 450 nikkeis docentes na Universidade de São Paulo, 30 foramselecionados para narrarem suas histórias de vida, sendo dez de cada grande área doconhecimento. Viver na Universidade foi uma escolha em defesa da missão – produzirconhecimentos novos – contribuir com o desenvolvimento do país que os acolheu.Evidentemente, esse grupo pode ser considerado vitorioso, uma vez que diferentemente dos seuspais, tornaram-se médicos, enfermeiras, engenheiros, cientistas, professores, arquitetos, artistasplásticos, literatos, agrônomos, matemáticos, advogados, juristas.

Eles sabem que viveram um tempo de otimismo decorrente do boom industrial pós SegundaGuerra. Eles não desconhecem que muitos dos descendentes de japoneses não puderam sebeneficiar dessa conjuntura e refletem criticamente sobre as comemorações do centenário aodestacar o fenômeno dos retornados. Inicialmente como dekassekis, ou seja, temporários, maslentamente transformados em imigrantes que foram permanecendo no Japão.

Devolvemos aos narradores o direito à palavra não sem antes agradecer a generosa confiança emnos abrir suas histórias, sensibilidades e críticas ao viver em fronteiras. Os fragmentos aquiapresentados não representam as histórias completas que podem ser recuperadas no portalwww.rumoatolerancia.fflch.usp.br.

1) Amando ItoConcluído o doutorado em Física do estado sólido, eu fui fazer um pós-doutorado na Itália - issojá era 1982 - com um biofísico italiano e, ao retornar desse pós-doutorado, continuei a minhaatividade de pesquisa já como responsável por uma área de biofísica dentro do Instituto deFísica. Iniciei uma atividade de criação, montagem, instalação do grupo de pesquisa emBiofísica. Quando eu voltei do pós-doutorado feito na Universidade de Parma eu era um docentecontratado, já tinha sido efetivado e existiam mais duas ou três colegas que trabalhavam na áreade Física aplicada à Medicina. Então, nós formamos um grupo de Biofísica ou Física Médica que

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atraia muito interesse de alunos de pós-graduação em uma área da Física Aplicada. Era umaopção para os estudantes que se formavam no instituto e esse grupo foi se firmando, foram sendocontratadas outras pessoas que participavam do grupo, que tinham interesse em uma atividadeligada à contribuição que a Física poderia dar para a área biológica ou a Medicina. Era umcampo de muita interação com a área de Biologia, com a área da Bioquímica, com a área daMedicina e aos poucos o grupo foi se consolidando dentro do Instituto. Foi lá que eu acabeifazendo a livre-docência e nessa altura o grupo já estava consolidado. A minha preocupaçãomaior era mostrar a importância dessa área. Eu coordenei também o grupo de Biofísica emalguns dos encontros e posso dizer que participei do processo de consolidação dessa área dentrodo país. Ela teve início com alguns físicos que começaram a trabalhar em problemas biológicosnas décadas de 1950 e 60 e, no final da década de 1980, nós já constituíamos um grupoconsiderável de pesquisadores em muitas instituições no país. No ano 2000, foi aberto umconcurso para professor titular no Departamento de Física e Matemática da Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências de Ribeirão Preto. Nessa época, estava começando a ser implantadoum Curso de Física Médica em Ribeirão Preto. Eu fui fazer esse concurso, porque achavaimportante que existissem os cursos de Física aplicada à Medicina, de Física Médica e, ali,naquele departamento, definiu-se uma linha de atuação que era muito afim com aquilo que eufazia no Instituto de Física em Saõ Paulo. Então, eu fiz o concurso, fui aprovado e me transfericomo professor titular para o Departamento de Física e Matemática da Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras de Ribeirão Preto.

2) Ana Maria Kazue MiyadahiraMeu avô e minha avó tiveram muita dificuldade. Minha avó inclusive fez aqui no Brasil trabalhona lavoura, mas também foi parteira, porque antigamente o pessoal não tinha recursos paraauxiliar no trabalho de parto. Como minha avó havia ajudado no Japão algumas pessoas, ela sesentiu com conhecimentos suficientes para prosseguir nessa atividade. Diziam que ela era muitopequeninina, baixinha, magrinha, mas na colheita do café ela era quem conseguia colher commais habilidade, com mais agilidade e mesmo pequenininha ajudava pessoas enormes, pessoasocidentais que tinham uma estrutura física maior nos trabalhos de parto. Ela conseguia, mesmocom o seu tamanho estar ajudando. Isso para ela foi uma porta de entrada, alguém oriental querealmente ajudava as pessoas daquela região de onde ela morou. Quanto à minha formaçãoprofissional, alguns fatos como esse foram relevantes para a decisão de cursar Enfermagem naEEUSP. Ao fazer o curso de enfermagem à revelia de meus pais, porque não era o curso que elesqueriam, negaram-se, irredutivelmente, até a participar das solenidades de minha formatura.Decorridos muitos anos, fatos relevantes ocorreram e facilitaram a almejada conciliação commeus sentimentos, que persistiam recônditos, secretos. Várias celebrações deram oportunidadesao extravasamento de minha intimidade a esse respeito, um alívio para um Ego ferido. Hoje euentendo porque meus pais agiram daquela maneira. Conforme a concepção do Psiquiatra Dr.Içami Tiba, a nossa geração é como sanduíche: de um lado somos cobrados incessantementepelos nossos pais para compensar o esforço que fizeram para que estudássemos. De outro lado,nossos filhos exigem sempre o melhor possível, de acordo com as demandas criadas peloambiente em que são inseridos. Coerente com essa definição, eu imagino que, como meus paisnão tiveram oportunidade de estudar, quando seus compadres os persuadiram de que eu deveriaser médica, isso se tornou obrigatório. Entretanto, não tinham a mínima ciência do quesignificava tal compromisso. A conseqüência foi a geração de resistência em aceitar que eucursasse a Enfermagem. Diziam eles a meus pais:

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“Não, mas como você vai deixar a sua filha estudar em uma escola que só tem mulheres e sei láeu quem é que estuda lá?”.

3) Cinthia ItikiDo lado materno a minha mãe nasceu em Hiroshima em 1933, mas cresceu em Tóquio porquemeu avô foi transferido para lá por causa do emprego. Ela fez o ensino elementar em Tóquio, eentão, com o inicio da Segunda Guerra Mundial o meu avô teve uma posição muito firme. Eleachava que as cidades eram alvo de bombardeio. Portanto, ele mandou minha mãe e meus tios devolta para a cidade onde eles nasceram, na realidade não era a cidade de Hiroshima, ficavammais no interior. Mas eles foram para lá e o meu avô e a minha avó continuaram em Tóquio.Eu contei brevemente que a minha mãe e os meus tios se mudaram de Tóquio para o interiorpróximo a Hiroshima, e a minha mãe conta que ela passou após a bomba atômica em Hiroshimae viu toda a destruição. Eu mesma, quando fui para a cidade de Hiroshima, fiquei muito tocadapelas imagens, pelos museus. Isso me impactou bastante. E eu consegui fazer uma conexão comuma história que minha mãe contava. Fiz o curso de Engenharia Eletrônica com especializaçãoem Sistemas Digitais, comecei a fazer a iniciação científica e comecei a me interessar pelaatividade acadêmica. Houve a possibilidade de fazer mestrado e decidi, então, continuar nessaárea. Portanto, o meu mestrado é em Sistemas Eletrônicos, mas o meu trabalho de mestrado é naárea de Engenharia Biomédica e na área de Processamento de Sinais Eletromiográficos.Posteriormente, eu tive a oportunidade de ir para os Estados Unidos, onde eu fiz o meudoutorado em Engenharia Biomédica com o professor Robert Kalaba, um grande matemático.Ainda no curso de mestrado, eu fui contratada pela USP, pois na época as contratações eramfeitas independentemente do título de doutor. Mas após o doutorado, retornei para aUniversidade de São Paulo e continuei trabalhando nas áreas que eu lecionava.

4) Décio KadotaA parte paterna da minha família imigrou da região de Hiroshima para o Brasil em 1926.

Foram sete pessoas: o meu bisavô e mais três filhos homens. Um deles, que é o meu avô, foi

casado e teve três filhos, dando um total de sete pessoas. Cinco anos após a chegada deles ao

Brasil veio o resto da minha família que era a minha bisavó e a filha do meu bisavô. Eles

trabalharam na fazenda de café na região de Marília até o início da década de 1950.

A parte materna veio de uma região perto de Tóquio. Eles vieram um ano antes, em 1925,

e o conjunto familiar era de cinco pessoas. Vieram meu avô, avó e três filhos, dois filhos homens

e uma mulher que era a minha mãe. Nessa época, ela estava com três anos. Eles vieram também

para a atividade de lavoura e se estabeleceram na região de Ribeirão Preto.O histórico de como

os meus pais se conheceram eu não consegui, mas eles se casaram em 1948 e tiveram três filhos.

Na verdade, nós somos um total de cinco filhos, mas na época em que eles se mudaram da região

de Marília para o norte do Paraná – foi exatamente em 1953, eu estava com um ano de idade – na

nova fronteira agrícola que estava abrindo. Nos estabelecemos em Cruzeiro do Oeste. Eu acabei

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me formando em Economia, na verdade meio que por acidente. Naquela época eu morava no

interior, começando o colegial no interior do Paraná e nem sabia o que era um curso de

Economia. Para mim, na verdade, referência básica era Medicina ou Engenharia. Como eu não

tinha nenhum dom para essa área médica, eu considerava que iria fazer engenharia. Eu fiz o

curso colegial pensando especificamente em ir para a Engenharia e, na época, quando eu estava

terminando o colegial, uns colegas falaram: “Vamos fazer o vestibular na área de humanas.”, que

na época era o CESCEA, “para a gente treinar.”. Isso porque estávamos assumindo que teríamos

que fazer um ano de cursinho depois de terminado o colegial, para podermos nos preparar para o

vestibular. E, de fato, este já era muito concorrido, pelo menos para entrar na Engenharia da

USP. Acabei entrando e fazendo o curso de Economia na USP e fui me informar do que se

tratava a nova carreira. Na verdade, eu entrei no curso básico achando que iria fazer

Administração. Ao longo do primeiro ano básico é que eu acabei mudando e fui fazer Economia.

Felizmente e não me arrependo. Adoro Economia e acho que exatamente por isso que eu

continuei estudando. Resolvi fazer pós-graduação, encarar a carreira docente, de pesquisa, que é

o que estou fazendo até hoje. Eu vou falar um pouquinho do que eu faço. A área de Economia é

uma atividade relativamente extensa. Eu trabalhei durante algum tempo na área que eles chamam

de finanças públicas. Basicamente são estudos ligados à questão da tributação dos governos, a

forma como eles gastam, etc. São os assuntos correlatos com essa temática.

5) Eitaro Yamane

Os meus pais vieram do Japão em 1938, por convocação do Ministério de Relações

Exteriores do Japão, que pediu que meu pai instalasse diversos equipamentos médicos no antigo

hospital japonês de São Paulo. Nessa época, o hospital japonês de São Paulo , o Santa Cruz,

estava sendo aberto e meu pai foi encarregado de fazer a instalação de equipamentos médicos,

como por exemplo o equipamento de raio-x, que na época era uma grande novidade aqui no

Brasil; Minha mãe já casada com ele, o acompanhou nessa viagem do Japão para o Brasil, e logo

após a chegada deles eu nasci na cidade de São Paulo. Desde aquela época eu moro na Vila

Mariana, que é a região onde está instalado o hospital.Os meus pais residiam na época da vinda

deles, em Tóquio, mas o meu pai é originário da província de Fukui, junto ao mar do Japão, e

minha mãe é de Tóquio. Não temos nenhuma queixa aqui no Brasil, apenas eles disseram que na

viagem de vinda, em alguns portos eles já tinham dificuldade de desembarque para visita às

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cidades, pois a guerra havia se iniciado no oriente. Não me lembro sobre a proibição do uso da

língua japonesa no Brasil pois nessa época eu era muito pequeno, tanto é que em casa se falava o

japonês. Eu não freqüentei uma escola japonesa, eu entrei no jardim da infância numa escola

francesa, Liceu Pasteur onde fiz o primário e depois eu me transferi para o ginásio do estado. Fiz

o ginasial no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, instalado lá parque Dom Pedro II. Meu

contato com a cultura japonesa era restrito a cultura que eu tinha com os meus pais, porque fora,

como não freqüentei escola japonesa, quer dizer, eu não tinha acesso a cultura japonesa, então

era só esse contato que eu tinha. As pesquisas em que atuo estão relacionadas ao campo da

energia, mais especificamente ao campo da engenharia que poderíamos chamar de Engenharia

Térmica. Isso significa o estudo da conversão de calor em outras formas de energia. Foi sempre a

essa área que eu me dediquei e, particularmente, à área que chamamos de Termodinâmica e

Transferência de Calor.Depois desse meu estágio lá no Japão, quando eu já era docente aqui da

USP, eu obtive uma bolsa do governo japonês para fazer pesquisa na Universidade de Tóquio.

Lá eu fiz a parte experimental da minha tese de doutoramento e, naturalmente, nessa tese eu

complementei com análise teórica os dados experimentais. Foi lá também que fiz a pesquisa para

a elaboração da tese de livre-docência, que era exigido na época. É uma pesquisa sobre o que nós

chamamos de transferência de calor em fluidos supercríticos que, por estarem submetidos a alta

pressão, passam a apresentar um comportamento diferente dos fluidos submetidos a pressões

baixas. Isto é importante porque para se obter centrais termoelétricas de alto rendimento, ou seja,

de alta eficiência, deve-se trabalhar com elevada pressão do fluido no ciclo de Rankine, que é o

ciclo que nós temos numa central termoelétrica. Também participo de uma associação chamada

Associação dos Bolsistas do Governo Japonês, que é uma associação que congrega antigos

bolsistas do governo japonês, ou seja, do Ministério de Educação do Japão.

6) Emiko Yoshikawa EgryMeus pais tinham a mesma escolaridade: eram técnicos em contabilidade. Antes da

guerra, eles tinham um pequeno comércio em Java, onde o meu irmão mais velho nasceu. Eu e o

meu irmão Makoto nascemos no Japão logo depois que terminou a guerra. Meu pai voltou vivo,

foi um dos poucos sobreviventes da 2° guerra. Com o Japão em ruínas e sem emprego nenhum,

meu pai foi convidado para vir ao Brasil, porque uma empresa japonesa de papelão ondulado iria

abrir uma filial em São Bernardo do Campo. ... Depois do meu ingresso na Universidade de São

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Paulo, trabalhei em um colégio técnico de enfermagem em Jundiaí. Um pequeno tempo fiquei

em um hospital infantil, na FAISA de Santo André. Quando em 1º de maio de 1973 ingressei

como auxiliar de ensino da Escola de Enfermagem da USP, fazendo outra vez estudos dentro da

Universidade fiz mestrado na Escola de Enfermagem e Doutorado na Faculdade de Saúde

Pública e livre docência no meu departamento, o então recentemente criado Departamento de

Saúde Coletiva. Fui também titular no meu departamento. Todinha a minha carreira devo ao

Estado de São Paulo. Na Universidade de São Paulo e na Escola de Enfermagem eu já exerci de

tudo: auxiliar de ensino, professor assistente, assistente de doutor, estágio de campo com alunos

da graduação. Fiquei muito contente este ano, pois me colocaram de volta como auxiliar de

docente no estágio curricular do 4° ano. Acho que essa é a minha praia, com alunos de graduação

no campo mesmo. Da saúde, participei da atenção básica, do extra-internação, da saúde coletiva.

Eu gosto também dos alunos de pós-graduação, dos pesquisadores em geral, pesquisadores de

iniciação científica, mestrandos, doutorandos de especialização e para essas pessoas eu passo um

pouquinho desse gosto de pesquisar, de produzir conhecimentos, sempre pensando que quem nos

paga é o povo do Estado de São Paulo. Portanto, os nossos produtos têm que ser devolvidos e ter

um bom uso dentro do território brasileiro.

7) Fumio Honma Ito

Meu pai é nascido em 1921 e aos três anos de idade, junto com o avô, emigrou-se para aManchúria. Com a situação política e econômica, com a possibilidade de novas guerras, elesretornaram novamente para o Japão. Com seis anos de idade, já que eles não tinham mais nadano Japão, meu avô resolveu vir para o Brasil. Eles emigraram para Presidente Epitácio, isso hádezenas de décadas atrás e, segundo o meu pai contava era uma região rural. Depois compraramum sítio em Itapetininga e lá se fixaram. Foi uma das primeiras famílias a se fixar na região. Já aminha mãe veio da província de Yamagata com três anos de idade junto com a família do tiodela, porque na época, para uma família imigrar era exigido um número de pessoas e na época omeu tio não tinha esse número. Então ele chamou a minha mãe que era sua sobrinha paracompletar a exigência do governo japonês. Eles se fixaram na região de terra roxa. Entraraminicialmente na produção de café e, me contavam que era muito difícil a vida no cafezal, o patrãoque não pagava, essas coisas assim. Meus tios se transferiram para Itapetininga e lá fizeram umcasamento arranjado entre minha mãe e meu pai. Era muito difícil o casamento entre pessoas deprovíncias diferentes. A província de meu pai era mais para ao sul e a da da minha mãe era maisa noroeste. O que me empurrou para a USP foi o destino porque peguei hepatite infecciosa efiquei quatro meses sem poder trabalhar. O médico disse: “Você não pode trabalhar.” Ganhavadinheiro, mas então, por conta do INPS, o valor ficou reduzido e não tinha dinheiro nem parapagar o aluguel, contas, prestação de carro, etc. Quando eu voltei para a firma tinha serviçoacumulado aos montes e os médicos disseram: “Não, você deve voltar devagar, você não deve

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forçar porque o seu fígado ainda não está bom, está prejudicado pela doença.” Eu pensei bem eresolvi pedir demissão. Resolvi entrar na USP e comecei da estaca zero. Auxiliar de ensino.Tinha então um contrato de três anos e falaram assim: ”A sua obrigação agora é fazer omestrado.” Fui para os Estados Unidos.” Na época eu namorava a minha atual esposa e elaestava morando lá em Ponta Grossa. Fui até lá e o meu futuro sogro falou para mim: “mas como?Você vai para a América do Norte? E a minha filha, como fica? Normalmente vocês vão lá e jávoltam com outra. Uma americana, americaninhos.” “Não, não vai acontecer isso comigo não.”“Acho melhor casar antes de ir”, ele me disse. E assim aconteceu. Nós nos casamos uma semanaantes de ir para os Estados Unidos. O casal ainda tinha que se ajustar muito chegando em umaterra desconhecida. Eu ficava na universidade o dia inteiro, a minha mulher ficava noapartamento. Quando eu terminei o doutorado eu passei a me envolver mais com um órgão dogoverno japonês chamado Agência de Cooperação Internacional do Japão, JICA. É um tipo deextensão do consulado japonês que atua aqui no Brasil e na época dava muita assistência aosimigrantes japoneses. Dava também auxilio à pesquisa, bolsas de estudo e tinha também auxilioàs indústrias.

8) Geny WakisakaSou a caçula dos sete irmãos. Nasci em 1926, na cidade de Bauru, quando o meu pai já publicavao Semanário de São Paulo, e, portanto, não tive experiência de vida na fazenda.Todos os meusirmãos cursaram o secundário, o normal ou o comercial na cidade de Bauru. Nessa época, meuspais priorizavam o ensino da língua portuguesa ou não tinham como ensinar o japonês para osseus filhos. No entanto, mesmo antes de ingressar no grupo escolar, havia uma professora, queme ensinava a ler o japonês. Não sei se ela dava aula para os meus irmãos. Cheguei a entrar naescola primária em Bauru, mas logo mudamos para São Paulo e aqui terminei o primário, noGrupo Escolar Campos Sales, o ginasial de cinco anos, (5ºsérie, que correspondia ao 1º colegial)no Colégio Paulistano e, concomitante, o primário em língua japonesa, na Escola Taishô, quefuncionava na rua São Joaquim. Com o decreto federal de proibição das edições de jornaisestrangeiros, meus estudos também foram interrompidos e comecei estudar só o japonês, numaescola de corte e costura (Michie Akama), que continuou ministrando aulas de língua japonesa,apesar das fiscalizações. Terminado o curso correspondente ao ginasial em japonês, fuiconvidada pela diretora e nela fiquei até o ano de 1950, dando aulas para os alunos do cursoprimário. Trabalhei um tempo na marcação dos letreiros em português, para os filmes japoneses,que eram exibidos nos cinemas do bairro da Liberdade. Entrei na Universidade de São Paulo em1971, bacharel em 1976, fui instrutora voluntária desde 1973 até 1982, quando fui contratada emRDIDP. Como não havia Pós-Graduação no Curso de Japonês, doutorei em Letras, em 1987,defendendo tese pelo Curso de Pós em Teoria Literária e Literatura Comparada, cujo tema foiuma pesquisa sobre os poemas longos dos séculos VI ao VIII, inseridos na antologia poéticaMan’yôshû. O título da tese foi: “O mundo poético de Yoshino nas mutações dos chôka (poemaslongos japoneses)”. Em 1992, com ajuda da Fundação Japão e da Aliança Cultural Brasil-Japão,publiquei esta tese pela editora Hucitec com algumas simplificações, cujo título ficou sendo:“Man’yôshû vereda do poema clássico japonês”. Fui diretora do Centro de Estudos Japoneses eao mesmo tempo responsável pelo Curso de Língua e Literatura Japonesa da FFLCH-USP, entre1987-1990. Aposentei-me pela Compulsória em 1996.

9) Gerson Aparecido Yukio Tomanari

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Gostaria de começar contando a história da minha família, especialmente da parte quemigrou do Japão para o Brasil. Eu sei muito pouco da história da minha família japonesa eeu gostaria de saber muito mais, estou pesquisando para saber mais a respeito. O pouco queeu sei é que o meu avô e a minha avó vieram ambos no mesmo navio, segundo consta, em1919. Minha avó veio de Nagano e o meu avô veio de Kamamoto, mas não encontreiregistros com os nomes deles no Museu da Imigração Japonesa. Eles tem dados muitoprecisos do navio, a data em que chegou, as famílias, como chegaram mas não conseguiencontrar dados dos meus avós. O meu avô veio com um amigo. Ele era jovem e não podiavir sozinho, me informaram que não vinham membros isolados. Por isso ele veio anexo auma outra família. A minha avó veio ainda criança com a família dela. Ela era pequena, umacriança, veio acompanhada de outras três irmãs e seus pais, os meus bisavós. Nesse mesmonavio em que veio o meu avô sozinho. Ele era adolescente, deixou a família no Japão e veiopara o Brasil na companhia de um responsável, um amigo da família que o trouxe. Elesforam por coincidência, para uma cidade no interior de São Paulo chamada Tabatinga.Chegando em São Paulo, eles acabaram trabalhando inicialmente em cafezais e morando emcolônias com outros japoneses. Meu pai conta que nessas colônias viviam a cultura japonesaentre si, ele foi alfabetizado em japonês até os doze, treze anos. Só então já pré-adolescenteele foi freqüentar uma escola brasileira para aprender a língua portuguesa e conviver maiscom a cultura ocidental. (...)Enquanto cursava graduação no Instituto de Psicologia, eu aindamorava em Itaquera e me deslocava todos os dias. Mas isso foi há muitos anos atrás, quandouma rotina como essa ainda era possível na cidade de São Paulo. Fiz isso durantepraticamente toda a graduação. Quando comecei o mestrado, também no Instituto dePsicologia, acabei me mudando para o Parque Continental, ao lado da USP, onde moro atéhoje. Nesse mesmo tempo, meus pais saíram de Itaquera e mudaram-se para Poá, cidadepróxima a Suzano e Mogi da Cruzes, região ainda com alta predominância de comunidadesorientais. Obtive o título de doutor em Psicologia no final de 1997. Meses depois, foi abertoum concurso para contratação de docente no Departamento de Psicologia Experimental.Candidatei-me, fui aprovado e iniciei as atividades em 1998. Nesses dez anos de docência naUSP, coordeno o Laboratório de Análise Experimental do Comportamento, onde conduzoinvestigações sobre processos básicos de aprendizagem.

10) Gisela Yuka ShimizaO meu pai era uma pessoa que não conseguia se conter na cultura local, ele tinha um sonho

muito maior do que permanecer naquela vida regrada, então, ele veio para cá com os pais dele e

o irmão mais novo para montar uma fazenda que plantava arroz e criava cavalos. O negócio dele

eram os cavalos. O meu avô materno estudou em Tóquio para ser pastor protestante e ele migrou

por motivos sociais, ele queria prestar assistência social aos colonos que migraram para o norte

do Paraná. Eles, de fato, quando vieram para cá, foram para o Norte do Paraná. A família do meu

pai foi para o oeste de São Paulo, perto de Bastos. Ele saiu do oeste do estado por motivos de

saúde, teve tuberculose em uma época em que não tinha antibiótico, assim ele veio se tratar em

Campos de Jordão. Os meus avós e a minha mãe fugiram para São Paulo tentando escapar da

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malária, principalmente, a minha mãe que tinha sete anos na época. Os meus dois avós tiveram

malária. Meu pai estava trabalhando em São Paulo depois que se recuperou em Campos de

Jordão. O casamento dos meus pais foi arranjado. Eles se casaram e tiveram cinco filhos. Eu sou

a segunda. São três mulheres e depois dois homens. O meu pai, logo que se casou, foi morar com

a família da minha mãe. Ele trabalhava na Cooperativa Agrícola de Cotia e trabalhou também em

um consultório médico onde ele era radiologista na época em que não precisava fazer escola para

isso. Depois que ele se casou com a minha mãe, ele fez um curso por correspondência de reparos

de rádio e televisão da RCA-Victor, dos Estados Unidos. Por correspondência, ele teve o

diploma tanto para rádio como para televisão e abriu uma oficina de conserto. Ele começou com

rádio e televisão e terminou trabalhando mais com aparelho de som do que com imagem. Ele

saiu do Japão e concluiu só o ensino médio. A minha mãe fez todo o estudo dela aqui e é

formada em letras neo-latinas na USP. Ingressar na USP, para a minha família, era uma

necessidade, porque não teria como cursar uma escola particular, pois eles não poderiam pagar.

Era possível ajudar a pagar o cursinho e, se não entrasse na primeira tentativa, teria de trabalharia

para tentar de novo. Esse era o esquema em casa. Todos nós ingressamos na USP na primeira

tentativa e acho que, no meu caso, em particular, foi a formação que tive no colegial, pois não

era uma adolescente disciplinada nem muito empenhada. Participei do movimento estudantil,

mas não explicitamente, porque era muito complicado. As reuniões eram todas em lugares

desconhecidos, as pessoas eram trazidas e íamos e recebíamos as informações do que precisava

fazer. Fui algumas vezes substituindo outras pessoas, mas, francamente, achava que estava

perdida demais para poder tomar parte mais ativa. No fim, acabei me envolvendo por causa de

relações pessoais com alguns colegas que, no fim, fizeram parte daquela turma que foi para o

Chile, situação que foi extremamente tensa, porque as famílias dessas pessoas eram contra a

atividade. Era difícil. Formei-me em 1972 e em seguida ingressei no mestrado. No final da

graduação, já tinha interesse em trabalhar com Ecologia. O departamento em que atualmente

trabalho não existia. É chamado de novo, mas existe desde 1978 e é o mais novo dos

departamentos do Instituto de Biociências. Tinha interesse, mas não existia um curso de pós-

graduação específico em Ecologia. Do meu currículo consta que sou mestre em Zoologia e

doutora em Ciências, pois eram os títulos que existiam na época. Já no mestrado, comecei a

trabalhar em limnologia, que é o estudo de águas continentais. Recebi uma incumbência do meu

orientador de encontrar um indicador biológico dentro da comunidade de animais de sedimento1

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nos rios e lagos - na verdade, trabalhei em represa – porque a CETESB tinha necessidade de

incluir um indicador biológico em suas avaliações.

11) Itiro SuzukyEu sou filho de pais japoneses que emigraram, ou seja, originários do Japão e o meu pai tem umahistória um pouco diferente da maioria dos imigrantes. Ele veio para o Brasil ainda jovem, noinício dos anos trinta, muito jovem, ele estava cursando o colegial lá no Japão. Bom, as históriasque os familiares contam aqui é que a opção de vir foi dele, ele que convenceu a família aemigrar para o Brasil. Chegando aqui, a família seguiu a trajetória habitual, que é se dirigir paraalguma área de atividade agrícola no interior de São Paulo, mas meu pai, por uma opção, decidiuficar em São Paulo procurando formas de completar sua formação secundária. Não sei por quaismeios ele foi terminar esse curso secundário no Rio Grande do Sul. Depois, voltou para SãoPaulo onde resolveu seguir uma carreira universitária, fazer o curso superior. Então optou porfazer o curso superior em Direito. Ele ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Franciscoe, pelo que eu soube, pelo que consta, foi o primeiro imigrante japonês que se formou no LargoSão Francisco. Isso, na década de 1930 que foi a época em que foi criada a Universidade de SãoPaulo. Se não me engano, em 1934. Uma oportunidade que ele teve, foi cursar Ciências Sociaisna Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Então concomitantemente, fez os dois cursos.Portanto ele teve graduação como bacharel em Direito e também formou-se em Ciências Sociaispela USP. Ele seguiu carreira como advogado. Foi advogado de um banco e depois de váriosanos de formado, foi chamado a participar do então criado curso de línguas orientais na USP. Eele foi lá trabalhar. Como ele tinha formação pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,retornou à Universidade e seguiu carreira docente na Faculdade, em Língua Japonesa. Eu estoucontando isso para afirmar que em nenhum momento eu me inspirei nele para a escolha daprofissão, nem ele me influenciou para fazer medicina. Quando eu comuniquei que iria fazermedicina ele encarou com naturalidade. Então, vou relatar uma passagem interessante que mostraum pouco da personalidade do meu pai. O ingresso em uma faculdade da USP, Poli, Medicina,Direito, qualquer uma das faculdades da USP, ainda mais nas carreiras clássicas, nas carreirastradicionais era motivo de festa para qualquer família de imigrantes japoneses. Aquilo era umgrande acontecimento nessas famílias. Obviamente, quando saiu o resultado e nós soubemos queeu tinha ingressado na faculdade, minha mãe e minha avó ficaram na maior alegria e o meu paiestava trabalhando. Eu me lembro que ele chegou a noite em casa, claro que ele já sabia que eutinha entrado na faculdade e, muito característico da personalidade dele, ao invés de fazer aquelafesta, ele virou para mim e falou: “Meus pêsames, você escolheu uma profissão muito difícil.”Evidentemente, um pouco diferente da maioria das famílias de origem japonesa, em que osfamiliares, os pioneiros tiveram que trabalhar, principalmente na lavoura, não tiveramoportunidade de ter uma proximidade com os meios culturais e tudo o mais. Eu já tive um poucodesse privilégio pelo meu pai, pela carreira que ele escolheu. Ele já tinham uma formação muitoboa, então muita coisa é evidente que me inspirei nele, mas não no sentido da escolha daprofissão. As minhas irmãs também, cada uma seguiu um caminho e – um dado interessante - euestava relembrando esses dias, por parte do meu pai, a minha família é cem por cento uspiana,porque o meu pai ingressou no Largo São Francisco e depois em Ciências Sociais na USP. Eu fizmedicina pela USP, a Tae, minha irmã mais velha fez Direito pela São Francisco e Letras naUSP e a Hana, minha irmã mais nova fez biologia na USP e trabalha no Instituto Butantã, fazcarreira lá. A minha esposa, que não é de origem japonesa, é formada em letras, em russo, pela

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USP e os meus filhos que são universitários, o mais velho faz a ECA, onde escolheu o curso deAudiovisual, e quer fazer carreira em cinema e a minha filha ingressou em Psicologia este ano.Então acho que uma coisa que muito nos orgulha é que somos cem por cento formados ou emformação pela Universidade de São Paulo.

Eu me formei em 1971 e, após a graduação, eu fui fazer residência em ortopedia. Foi uma opçãoque fiz mais ou menos entre o quarto e o quinto ano da faculdade, antes do internato, lá peloquinto e sexto ano. Então, optei pela ortopedia, porque sempre tive atração pela área cirúrgica. Eentre as várias opções da área cirúrgica, tomei gosto pela área ortopédica, me identifiquei comela, e escolhi essa área. Hoje sou ortopedista, atuo nessa especialidade dentro da medicina. Fiz osdois anos de residência. Na época eram dois anos, hoje são três. Após o término da residênciamédica, me mantive sempre ligado ao Hospital das Clínicas, que pertence à Faculdade deMedicina. Lá eu sou médico assistente e vivi toda uma evolução dentro do Instituto de Ortopediae Traumatologia, que é o local onde eu trabalho. Acabando a residência eu fiz a preceptoria deresidência. Dentro da ortopedia, cada um toma um rumo e eu, de uns anos para cá, me dediqueimais à área de cirurgia do quadril, onde tenho minha atuação principal hoje. Paralelamente àatuação profissional propriamente dita e à atividade dentro do Hospital Escola, o Hospital dasClínicas, tive muita participação nas entidades médicas.

12) Jorge Oseki (IN Momoriam)Em casa o lado paterno é um lado muito, não diria cosmopolita, mas apátrida, porque narealidade meu pai nasceu na Manchúria. Ele nasceu, porque os japoneses foram à China de umamaneira bastante violenta colonizar a China. Ele nasceu na Manchúria, agora que saiu aquelefilme do Bertolucci, ‘O Último Imperador’, a Manchúria ficou mais conhecida, é aquele pedaçoda China que ficou sendo uma colônia japonesa. E o meu avô foi lá ensinar japonês para oscolonos. Não que meu pai teve uma infância desinteressante porque ele cresceu na China, elenem conversava com os chineses, ele era um dominador. Quando ele veio para o Brasil, já tinhaessa coisa do estranhamento mais trabalhada. Papai não ligava muito, era extremamentecomplexo o meu pai. Não tinha essa coisa de brasileiro, ele se achava brasileiro, ele era muitodiferente mesmo. O meu pai parecia chinês mesmo, sempre gostou muito dos prazeres, musica,dança, ópera, ele gostava muito dessa parte artística. Desenhava muito bem. Ele era de famílianão muito rica. Uma família rica, mas falida. Tinha também uma letra muito bonita, escreviamuito bem e no Japão escrever bem os Kangis e tal, a grafia bonita é uma qualidade muitogrande. Dizem que isso foi uma das razões pela qual meu avô aceitou o casamento da minha mãecom meu pai. Porque a família do meu avô tinha mais tradição. Tradição no Japão é milenar,então quando eles dizem tradição é tradição mesmo. Na família da mamãe, foi o pai dela queveio no primeiro navio, Kasato Maru, e a minha avó também. Só que eles não eram casados. Omeu avô veio solteiro. Ele tinha ascendência samurai, era nobre. Como era o terceiro filho, parafamília samurai ele não tinha direito a nada. Então o tio dele falou: “-Vá para o Brasil que lávocê terá oportunidade!” Ele tinha se instruído, estudado, tanto que chegou aqui e fundou oprimeiro jornal nipo–brasileiro, em Bauru, quando a família melhorou. Ele foi trabalhar nalavoura, a minha avó foi operária de fábrica. Mas é gozado, os japoneses tem isso deinteressante. Mesmo a minha avó sendo operária, meu avô vendendo brinquedo na rua, elestinham um orgulho um pouco diferente das migrações de judeus e árabes. Os japoneses não seachavam inferiores, mesmo fazendo o trabalho mais subalterno, eles sempre se acham o máximo.Isso talvez seja uma qualidade. Eles não se curvavam e se os brasileiros tinham preconceito em

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relação a eles, eles também tinham preconceito em relação aos brasileiros. Então é uma coisainteressante, eles são avessos e não se consideravam inferiores mesmo. Meu avô se achava omáximo. E o meu avô, como ele trabalhou na Noroeste, ele teve contato com índios. Então elecriou um dicionário de japonês-tupi. Todo aniversário ele me dava um. Eu tenho milhões dedicionários! Mas é muito interessante, porque ele montou essa teoria de que o tupi e o japonêstinham uma origem comum.A reação da minha família quando eu entrei na universidade não foimuito efusiva, foi zero, pois já tinha gente da família em universidade. A minha mãe é que foiuma pena, não fez curso superior. Minha mãe foi brilhante, escrevia muito bem, tinha uma idéiapor minuto. Uma pena mesmo que não tenha feito nada. Mas lá em casa nunca se colocou outraperspectiva. Eu e minha irmã tínhamos que fazer faculdade e pronto. Não teve nem muitoorgulho, nem vergonha, era uma obrigação. Quando eu falei pro meu pai: “Olha pai, entrei.” Elefalou: “Tá bom!”. E a gente foi até super brilhante, entrou sem ter feito cursinho. O colégioestadual que eu fiz também era muito bom. Estudar as redes de infraestrutura urbana foi assim:nós estávamos estudando a construção civil e tentando entender as determinações da construçãocivil sobre a arquitetura e o urbanismo, a produção do espaço (na época era a produção doambiente construído), os empresários e operários da construção civil, e eu resolvi estudar aprodução das redes de infraestrutura. Eu comecei a estudar estas redes, para saber para osempresários e para os operários o que elas significavam, o que os operários entendiam destasredes, que na verdade eram virtuais. Quem ia construir a rede de esgoto, falava: “aqui vai passaruma rede de esgoto, uma adutora, uma usina de tratamento e a água limpinha voltará para o rio”,mas isto desenhando no ar, porque tudo era virtual, e eles compreendiam tudo. Esse conceito derede é então um conceito eficaz, tanto para operários quanto para usuários. Na realidade define-se como uma pessoa que tem conforto, isto é, qualidade de vida, aquela que vive em um lugarque possui todas as redes, inclusive telefone, internet e etc.. Esse conceito era e é muitoimportante, um conceito oriundo da engenharia, não da arquitetura. Depois, com a generalizaçãodas webs a gente foi vendo que esse conceito tornou-se importante também para a dominaçãosocioespacial. Redes de cidades globais, enfim. Me aceito então como um brasileiro diferente.Como professor da USP, durante a união na militância política, a gente se sentia muito uma coisasó. Depois teve o PT que deu também esta ilusão de união. No final da década de 70 e na décadade 80 vivíamos em um paraíso. O Brasil era maravilhoso. A sociedade brasileira estava no seumelhor. Havia os trabalhadores, os trabalhadores em educação, os funcionários públicosmobilizados. Havia uma classe média que pensava, que contestava, foi uma época muito boa. Osmovimentos sociais incluíam sem nada, gays, japoneses, índios, tudo, parecia que isto somadodaria em uma coisa muito boa. Realmente fui muito feliz, no final da década de 70 (e início dosanos 80), a USP era deslumbrante. As assembléias eram de uma qualidade, de uma densidade,com o Antonio Candido, o Modesto Carvalhosa, a Marilena, uma coisa linda! Uma coisa quevinha represada pela ditadura, e que depois fluiu, parecia que ia tudo dar certo. No final de 80,começo de 90, deu aquela travada e nos anos 2000 eu me cansei do Brasil, para ser sincero. Nãoque eu saiba como mudar, ou queira fazer alguma coisa, estou cansado dessa alegria, porque elaé meio inócua, porque é tudo muito feliz, mas também não se cria nada, além de mais-alegria.Essa riqueza desperdiçada, todo mundo sambando, vai chegando o carnaval vai cansando,porque no fundo é tudo inconseqüente, infantil. Eu achava que não, quando eu tinha partidopolítico, militância, parecia que tudo isso somava para uma coisa maior: o Brasil descendo aladeira... será talvez um dia, mas não foi ainda. Minha irmã foi para a França, é catedrática lá,não é fraca, não, como se diz “foi à França ensinar francês!”. Mas lá em casa tudo isso eraconsiderado trivial. Tanto fazer faculdade, como trabalhar. Nunca também me passou pela

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cabeça não trabalhar. Isso tem no meu sobrinho francês que resolveu não trabalhar (na verdadeele é DJ), mas para mim nunca me ocorreu. “Vai trabalhar, vai estudar, vai fazer faculdade e vaiser arquiteto (já que não quer ser médico)”, a idéia era até ficar rico, mas essa parte não deumuito certo. Na minha época pensava-se que fazer faculdade, ser arquiteto era ter um futurobrilhante, não foi, nem fiz ou faço questão, mas a idéia era essa. Trabalhar, se formar.. Estudar asredes de infraestrutura urbana foi assim: nós estávamos estudando a construção civil e tentandoentender as determinações da construção civil sobre a arquitetura e o urbanismo, a produção doespaço (na época era a produção do ambiente construído), os empresários e operários daconstrução civil e eu resolvi estudar a produção das redes de infraestrutura. Eu comecei a estudarestas redes, para saber para os empresários e para os operários, o que elas significavam, o que osoperários entendiam destas redes, que na verdade eram virtuais. Quem ia construir a rede deesgoto, falava: “aqui vai passar uma rede de esgoto, uma adutora, uma usina de tratamento e aágua limpinha voltará para o rio”, mas isto desenhando no ar, porque tudo era virtual, e elescompreendiam tudo.

13) Jorge YamamotoEu me formei em dezembro de 1976 e fui contratado pelo IPT em primeiro de julho de 1977. OIPT foi a minha segunda escola, onde eu aprendia a ter disciplina para escrever e entregarrelatórios, fazer pesquisa e, sobretudo cumprir datas. Essa foi a grande escola que eu tive. Atéhoje eu falo para os meus alunos, o IPT realmente foi uma grande coisa. Trabalhei no IPTdurante onze anos e paralelamente nunca me desliguei da Universidade, fazia mestrado e mesmono IPT publicava pouco, mas publicava. Lá participava de Congressos, até que tive um convitedo departamento de Geologia Econômica e Geofísica aplicada para integrar o quadro docente dodepartamento. Para mim foi uma surpresa, eu não aceitei assim de primeiro momento, pedi unsseis meses para pensar. Assim entrei na Universidade. Eu comecei como professor assistente,pois só tinha o mestrado. Em 1990, eu tive a oportunidade através do BID-USP de viajar para osEstados Unidos, para a Universidade do Arizona, onde passei um mês e lá consegui aprender edar o pontapé inicial na minha carreira em geoestatística aplicada. Toda a minha pesquisa estábaseada nas propriedades e aplicações das Variâncias de Interpolação. Até hoje eu tenhopublicado artigos baseados nesse conceito básico. Para um público leigo, o que é tudo isso? Nós usamos amostragem. A amostragem é umconjunto de poucos pontos dentro de um universo que nós queremos conhecer. Coletamosamostras. Em Geologia, elas são caras. Por exemplo, petróleo - eu ouvi falar que na bacia deSantos um furo custa cem milhões de dólares – e assim nós temos que trabalhar com poucasamostras. Nós temos uma pequena quantidade de amostras para estimar uma grande quantidadede pontos não amostrados. Isso é estimativa.

14) Kazuo WatanabeEssa atividade de leitura que eu mencionei nasceu de uma constatação que eu tive. Eu vim deBastos para São Paulo e a primeira coisa que tentei fazer foi entrar no Colégio Rosevelt e alihavia um exame de admissão e eu não fui aprovado. E percebi que não fui aprovado por causa domeu português que era muito incipiente. Daí vergonha e ao mesmo tempo uma instigação intima.Então comecei a ler, ler e ler. Então me preparei o suficiente para fazer esta transição daquelavida interiorana, de influência eminentemente japonesa para uma vida da sociedade brasileiracom conhecimentos melhores e várias coisas que em Bastos nunca tive acesso a elas. (...) Erauma forma de treinar esses interioranos, os nisseis para terem uma participação mais ativa na

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sociedade brasileira. Aí participei ativamente na política estudantil pelo menos até o quarto ano.Depois do quarto ano eu percebi, eu falo em uma entrevista que dei, de uma natureza bifronte, àsvezes mais voltado para atividades práticas, mais para ação, para a política, e uma outra facetaminha mais voltada para a teoria, pesquisa e estudos. E sempre foi uma gangorra dentro de mim,mas uma hora predomina essa natureza mais voltada para os estudos, para a atividade depesquisa. Os meus irmãos se sacrificaram e eu fui o primeiro filho que teve condição de seguiruma carreira universitária, se diplomar e exercer uma atividade diferente da deles. Nem eu tinhaconsciência do que poderia ser depois de formado no curso de direito. A idéia que a grandemaioria tinha, e eu mesmo tínhamos essa percepção era que eu seria um advogado. Juiz dedireito nem sonhar porque é função do Estado, autoridade do Estado e eu tenho impressão que acomunidade nipo-brasileira não se sentia ainda em condições de atingir esse estagio. Então nemeu nem a família tínhamos noção do que poderia eu ser terminado o curso de direito. A minhaidéia, terminado o curso era ser advogado. Mas, com o tempo, lendo biografias, lendo a vida deformados pelo direito eu fui percebendo que havia a possibilidade de seguir um outro rumo.Quando eu terminei o curso eu advoguei durante dois anos na Cooperativa Central Sul Brasilatendendo cooperados, mas nessa época eu já estava decidido a ser juiz. Me preparei e presteiconcurso em 1962. Esse fato do meu ingresso na magistratura foi um fato que causou espantotalvez para toda comunidade nipo-brasileira porque não havia nenhum descendente de imigrantejaponês na magistratura, em uma função que significasse uma autoridade. Até então, durante aguerra, muitos tinham sido vítimas de abuso de autoridades não de juiz de direito, promotor, masde sargentos e alguns delegados. Era guerra e havia desconhecimento completo tanto dejaponeses como das autoridades. Alguns foram presos. O meu irmão mesmo foi preso porqueestava conversando em japonês em uma praça pública com alguns amigos. O que é relevantenotar e noto isso: menos de vinte anos depois do término da guerra eu fui admitido como umaautoridade pública e consegui fazer minha carreira sem nenhuma discriminação. Então percebique a discriminação, o preconceito está muito mais na cabeça da gente, principalmente daqueleque se sente discriminado, do que realmente na própria sociedade. Existem pessoas intolerantescomo em qualquer sociedade. Nós temos ainda hoje várias evidências dessas intolerâncias, mas asociedade como um todo, eu costumo citar, se não me engano são observações de SérgioBuarque de Hollanda e de Caio Prado Júnior, que a sociedade brasileira por ser uma sociedadecaracterizada por mestiçagem de raça desde a descoberta, colonização, recepção de imigrantesaté agora. Eu julguei várias causas e não tenho nenhuma distinção entre mais importantes emenos importantes. Mas eu tive possibilidade de participar ainda quando estava comodesembargador no tribunal da concepção do Juizado de Pequenas Causas que hoje sãoconhecidos como Juizados Especiais. Eu tenho impressão que foi uma das coisas que ocorreramde alteração do sistema judiciário no Brasil que talvez tenha sido a coisa mais importante nosúltimos cinqüenta anos. Eu tive a possibilidade de participar também da elaboração da Lei daAção Civil Pública e de processos coletivos. As pequenas causas tratam das micro e pequenasreclamações que são importantes para distribuir a justiça para a comunidade toda, principalmentepara os mais humildes. Além disso, a ação coletiva que é a Ação Civil Pública cuida deprocessos moleculares, conflitos coletivos. Conflitos que dizem respeito, por exemplo, ao meioambiente, ao consumidor como um todo, que cuida do interesse da coletividade, do interessesocial, do interesse coletivo. Essa é a lei de 1985, eu tive a oportunidade de participar doanteprojeto e posteriormente eu me aposentei em 86 e pude participar da elaboração do Códigode Defesa do Consumidor junto com a professora Ada Pelegrini e nós cuidamos da parteprocessual desse estatuto. E também de várias leis de alteração do sistema processual,

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modificações que começaram a ocorrer de 92 para cá. Ultimamente, junto com colegas,profissionais da área participaram da Lei de Mediação, a possibilidade de criar no Brasilmecanismos alternativos a uma solução judicial. Mas junto com o Estado, haver a adoção dessesmeios alternativos para a solução de conflitos. Julgar causas me deu muita satisfação, função queexerci durante vinte e cinco anos e posteriormente poder participar da elaboração de várias leisque tentaram aperfeiçoar o sistema de solução de conflitos no Brasil. Isso talvez tenha sidotambém motivo de muita satisfação e orgulho para mim.

15) Kokey UeharaEntrei na Poli em 1949. Eu entrei tarde porque cheguei com nove anos e tive que ajudar aconstruir a casa de pau-a-pique, essas coisas. Mas eu consegui virar acadêmico normal e naEscola Politécnica eu tive grandes professores, assim como tive o professor do Prado que porsinal, quando eu formei – porque as férias passavam em Olímpia e ia cumprimentar o diretor e osprofessores-, quando consegui o diploma de engenheiro, fui levar para o diretor. O diretor olhoue o reitor, quem era? Professor Luis Cintra do Prado. Ele chorou. O jovem engenheirinho KokeiUehara, o reitor, ex-aluno dele, professor Luis Cintra do Prado. Eu guardo com muito carinhoesse diploma. Eu quis adiantar isso, mas na Poli eu tive muitos professores bons. Na Poli, quandoeu entrei tive dificuldades também, chama-se a ressaca do vestibular, eu fiquei um pouco doente,até pensei em descansar, mas agüentei e fui levando. Mas depois que eu entrei na Poli, eu fuiorientado tipo estudante do Japão de antes da guerra. Meus irmãos não admitiam que eu fizessearbeit. Quando eu passei do terceiro para o quarto ano da Poli, nas férias eu consegui uma sériede arbeits, bem pagos e mal pagos. Eu queria fazer estágio para receber alguma ajuda de custopara diminuir a remessa da mesada. Essa foi a minha intenção. Para que eu fui escrever isso?Porque a minha única obrigação para com os meus irmãos era escrever carta todos os domingosem japonês. Era analfabeto. Vim para cá no terceiro ano do grupo escolar no Japão e parei aqui.A minha família escolheu a escola brasileira. Eu escrevia lá meio esquisito, mas todo o domingomandava carta. Aí escrevi dizendo que tinha conseguido vários estágios – eu não falei que erapara diminuir a remessa, mas que era para aprender a prática da engenharia e etc. Eu achei queestava ajudando a família. Infelizmente eu não sei onde foram parar as cartas que recebi dosmeus irmãos, mas essa carta seria monumento hoje para quem quiser educar os filhos. Primeiralinha, em japonês: “Se essa escola te dá chance de fazer arbeit, essa escola não presta. Melhorvoltar para sítio puxar enxada.” Começou assim. Na segunda página escreveu, escreveu e no fimescreveu assim: “Proibido arbeit. Nem pensar.” “Se tiver um pouco de tempo procure sematricular em um curso de piano, violino, ou curso de filosofia ou curso de conhecimentos geraisou curso de línguas, que nós reforçaremos a mesada.” Essa é a minha família.

16) Leny SatoO papai morreu no ano em que eu entrei na faculdade, que foi em 1978 o ano em que entrei naUSP como aluna de psicologia. Me formei aqui em 1982. Fiquei um período desempregada,como vários psicólogos, inclusive, e depois consegui me inserir na área de saúde pública em uminstituto de pesquisa, em um instituto de saúde, na área de saúde coletiva. Influenciada por umestágio que fiz nesse período, após minha formatura, um estágio não-remunerado em um hospitalpsiquiátrico, eu me interessei pela temática do trabalho. Nesse instituto de pesquisa eu fiz umcurso de aprimoramento profissional com bolsa da Fundap, que ainda existe, para me formar naárea de saúde coletiva e uma especialização na saúde do trabalhador que é uma área por onde euentro na área da saúde e entro na área do trabalho. Posteriormente, eu fiz o mestrado na PUC de

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São Paulo, na área de psicologia social. Eu entrei no mestrado, se não me engano, em 1984,conclui o mestrado em 1991- naquela época tínhamos a possibilidade de fazer um mestrado maislongo. Fiz um estudo que é muito importante, pelo qual tenho muito carinho, que é um estudo demotorista de ônibus urbano. O objetivo desse estudo era caracterizar como os próprios motoristasdefinem o que é um trabalho penoso. Posteriormente voltei para a USP, para o Instituto dePsicologia, para o programa de Psicologia Social e fiz um estudo em uma fábrica, em umaindústria de alimentos. Fiquei no chão de fábrica cerca de oito meses. Eu tenho conduzido essesestudos a partir de uma influência da etnografia importante, que eu acho que é uma forma de seaproximar do cotidiano de trabalho das pessoas e o objetivo foi identificar se é possível pensar,mesmo em uma situação de trabalho fabril, em uma posição de assimetria de poder clara. Você,quando entra em uma fábrica, não tem dúvida de quem manda ali dentro, identificar se mesmonessa situação seria possível pensar em replanejar o trabalho com vistas a melhorar aquela formade organização, pensando na possibilidade de evitar problemas de saúde. Fiz a livre-docênciarecentemente, no ano de 2006, e aí estudei uma outra categoria profissional, um outro tipo detrabalho, que é a feira-livre, para entender como se organiza a feira-livre. E é um setor em que otrabalho formal e informal caminham juntos. Então em termos de minha trajetória de pesquisa,esse foi o caminho que eu segui.

17) Márcia MeryOs meus pais fizeram até o segundo grau, não fizeram o curso superior. Então, com certeza, aentrada da filha foi um momento muito importante para eles, isso eu me lembro no dia dadivulgação. Foi uma festa, realmente é um momento importante, um orgulho para os meus pais,e as minhas primas fizeram faculdade, mas não entraram na USP. Na verdade, de toda a minhafamília dos meus pais eu fui uma das primeiras a entrar na Universidade de São Paulo. Então,naquele momento eu acredito que tenha sido importante para os meus pais saberem que a filhaentrou na Universidade de São Paulo. Claro que os filhos mais jovens nós temos um histórico deprimos que entraram também. Mas naquele momento, especificamente, eu fui um das primeiras aentrar. Mais tarde fui convidada para ser professora. Depois de fazer mestrado e doutorado, comcerteza, para meus pais foi grande alegria. Para eles deve ter sido uma coisa muito importantemesmo. Existe algo que é paralelo e se comenta durante uma aula, durante a atividade hospitalar,algo que teria acontecido que levaria a uma discussão sobre o direito dos animais. Uma ética noprocedimento dos profissionais da área que acho muito importante. Não temos uma disciplinacom esses conteúdos. Mas, a todo o momento, colocamos a possibilidade de alguma discussãoacerca disso. Existe a norma de experimentação de animais para experimentação. Não existe adisciplina, mas existem os eventos paralelos em que nós podemos discutir sobre a utilização dosanimais, o respeito aos animais, o abandono. É uma situação que a gente vive e que tem geradomuitas discussões não só na faculdade, mas tem congressos específicos da área, e a área depequenos animais, como a área de grandes animais, nós temos os ruminantes e eqüinos e assimpor diante, cada um com seu fórum específico. Especificamente no departamento de clínicamédica, nós temos uma possibilidade de atuação no hospital veterinário do campus dePirassununga. Então nós temos a extensão do hospital veterinário de São Paulo no campus dePirassununga. E o hospital de Pirassununga atua na área de pequenos animais, animais decompanhia e grandes animais. Então nós temos, quando os alunos estudam a parte deruminantes, nós temos grupos de alunos que vão ao campus de Pirassununga para o atendimentono campus e adjacências que tem várias fazendas. Nós temos também pós-graduandos quedesenvolvem projetos de pesquisa dentro desse hospital veterinário. No caso de São Paulo o

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número de pequenos animais é muito maior. Nós atendemos quarenta mil casos anos,aproximadamente. que em torno de três mil. Mas o número de pequenos animais é muitogrande , então nós não temos essa necessidade de ir ao campus de Pirassununga , porque nossafonte de estudo está aqui, a nossa casuística está toda aqui porque, como eu já comentei, emtermos de casuística, é o maior hospital da América Latina. Os outros departamentos eu sei queeles têm centros de pesquisa no campus de Pirassununga onde os docentes atuam nesses locaismais específicos.

18) Mikiya MuramatsuEm 1964, eu vim para São Paulo com vinte anos. Peguei todo aquele movimento detransformações. Mas, essa coisa de interagir com outros jovens era muito pouco. Ficávamos napensão estudando quase o tempo todo e o tempo livre para diversão era muito pouco porque eraestudar no cursinho e aquela tenacidade de querer entrar na USP. Acho que isso foi uma marcaque lembramos, de passar a noite estudando. Nos dois anos que eu fiquei aqui fazendo cursinho,não me lembro de ter saído para me divertir: piquenique, jogar futebol, coisas que eu adoromuito. Eu fiz uma pausa naquela época. Depois que eu entrei na USP eu tive uma vida um poucomais social, mas muito pouco. Depois que você entra na faculdade tem que estudar. Aí eucomecei a me sustentar também, tive que ir dar aula no colégio. Eu entrei em 1966 na Física. Eufiz o vestibular na Maria Antônia, mas o curso de Física já estava sendo mudando para cá. Entãoeu estudei na Cidade Universitária que era completamente diferente. Em 1967, já estava dandoaula como professor secundário. Desde 1967, eu trabalho no serviço público. Formei-me em1969 e em 1970 já estava dando aula nos cursos básicos da Física e fui contratado em 1972, comcontrato oficial. Na graduação, acho que vivi intensamente a política. Eu e minha atual esposa,na época éramos namorados. Nós participamos bastante. Tenho até marcas físicas na cabeça queé de passeatas. O Arantes, o Dirceu, todo esse pessoal era líder naquela época e eu participei devários daqueles movimentos estudantis. Era pelo movimento estudantil. Era pelas assembléias.Eu assisti a algumas no CRUSP. Teve lá na Física também. Mas eu não participei de nenhumaorganização. Acho que era mais uma convicção. Bom, eu não tenho muita experiência com aADUSP. Eu participei muito das assembléias da ADUSP, das passeatas, mas nunca participei dosindicato. Agora, durante dez anos eu fui e ainda sou membro da Sociedade Brasileira dePesquisadores Nikkeis. Depois, eu acho que talvez eu tenha sofrido muita influência do meusogro. Meu sogro, Tetsunosuke Assami, era um jornalista de ultra-esquerda e nós conversávamosmuito. Eu acho que talvez tenha sofrido muita influência e ele gostava que eu participasse dessemovimento estudantil. Mas, eu tenho me afastado em função de muitas outras coisas.Recentemente eu fui convidado pelo Pró-Reitor de Cultura e Extensão para ser vice-diretor naEstação Ciência, o que está me tomando um tempo muito grande. Minha esposa (Neide) tambémé de origem japonesa. Ela é formada em Pedagogia aqui pela USP e trabalha na Prefeitura de SãoPaulo até hoje, na Secretaria do Bem Estar Social. Já trabalhou em creche, centro de juventude ealbergados. Foi uma época em que lembramos e contamos para os nossos filhos e eles queremouvir porque não viveram essa época. Foi uma época em que foi interessante participar. A minhavida universitária foi um pouco atribulada, primeiro porque eu me licenciei, depois eu fizbacharelado. Eu sempre gostei da parte de Educação. Em 1986, eu fiz o pós-doutorado no Japãocom bolsa do CNPq. Fui com a família toda e foi uma experiência fantástica. As crianças tinhamcinco, sete e nove anos de idade. Então na idade escolar eles estudaram na escola japonesa porum ano. Então eles aprenderam a falar, absorveram um pouco da cultura japonesa. Foi umaexperiência realmente inesquecível essa parte de trabalhar e fazer essa ponte entre Brasil e Japão.

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Depois eu voltei para o Japão várias vezes em trabalhos conjuntos, ganhei alguns materiais doJapão, trouxe muitos japoneses para cá, com bolsa do Japão ou do CNPq. Eu voltei várias vezesem estadias mais curtas. Eu acho que você estar no Japão é uma sensação meio estranha porque eu me sentia naquelaépoca um pouco estrangeiro. As pessoas às vezes olham como estrangeiro. As pessoas atéperguntam: “Você é nascido aqui ou no Japão?”. Não sei se eu tenho muito sotaque, mas aspessoas acham que eu posso ter nascido no Japão e eu falo que não, que sou brasileiro, os meuspais são japoneses. Claro que eu tenho sangue japonês. Mas quando se vai ao Japão, pelo fato devocê não dominar completamente a língua, quando você abre a boca, as pessoas percebem quevocê não é japonês. Lá você se sente estrangeiro. Mas, eu acho que se é muito bem recebido,principalmente se você é da Universidade de São Paulo. Talvez seja diferente com as pessoasque vão para lá para trabalhar, os decasséguis. Talvez eles não sejam bem recebidos, tenha umcerto preconceito contra eles, mas em termos de ser bem recebido, eu acho que fui sempre muitobem recebido. Mas, de certa forma, a gente se sente estrangeiro, não se sente como voltando paracasa. E o que é interessante é que você entende melhor os seus pais. Estando lá: “Nossa, o meupai fazia assim porque ele tem esses valores do Japão”. Em muitas coisas você acaba entendendoos seus pais através voltando no país de origem. Hoje eu continuo trabalhando na óptica. Eu fiz opós-doutorado no Japão e tenho um laboratório de óptica em que trabalho em duas vertentes, naverdade três. Eu trabalho com uma técnica chamada de speckle em que você usa o laser paraestudar a superfície. Se ela está vibrando, porque o olho não detecta, mas a luz laser conseguedetectar vibrações, deformações, deslocamento de superfície. Pode-se mapear a superfície emedir em seus termos usando essa luz, o laser. Na outra vertente, eu trabalho com uma técnicachamada holografia. Holografia é a reconstrução da imagem tridimensional. Então você tem umobjeto e quer deformar, e a deformação é muito pequena, micrométrica, então você joga luz ereconstrói essa imagem e você vê uma imagem tridimensional. Você pode fazer vários estudostanto na área da engenharia como na área da saúde. Ultimamente, eu tenho feito trabalhos com opessoal da odontologia. Por exemplo, você ilumina uma face de uma pessoa, ou então ilumina aarcada dentária e você verifica quais são os esforços, como se propagam as tensões no processode mastigação. Quando você mastiga não dá para fazer isso mecanicamente, mas com a luz vocêpode ver, então olhando você consegue detectar essas deformações. Mesmo aqueles aparelhosque se chamam de expansão rápida que o dentista coloca e vai apertando, muitas vezes dá dor decabeça porque quando você aperta toda a caixa craniana deforma e então você consegue ver pelaholografia. Essa é uma vertente do meu trabalho. Não é um trabalho, é uma pesquisa básica e éuma pesquisa que tem várias aplicações na área da odontologia.

19) Rosaria OnoMe formei na FAU em 1987, a situação no Brasil não estava boa, economicamente falando e agente não via muita perspectiva de trabalho aqui. Me dediquei à área mais tecnológica daconstrução e fiz estágio no IPT por 3 anos e tive, nesse estágio, contato com uma cooperaçãotécnica que o IPT mantinha com o Japão na época. No fim da minha graduação aqui eu concorria uma bolsa de estudos do governo japonês voltado para os estudantes de nacionalidadebrasileira. Acabei ganhando a bolsa de estudos e fiquei três anos no Japão, onde fiz o mestradona Universidade de Nagoya. Depois desse período, voltei ao Brasil e me contrataram no IPTonde trabalhei e me desenvolvi profissionalmente até 2003. Fazendo o doutorado, ainda no IPT,já pensava em voltar um dia para a USP. Surgiu uma chance num processo seletivo, acabeitentando e tive sucesso. Então acho que foi uma coisa muito boa. Acho que foi um pouco

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planejado ao longo do tempo em função do tipo de perfil que inicialmente eu achei que nãotivesse. Quando eu acabei o mestrado no Japão pensei: ”Bom, agora vou só trabalhar, não queromais saber de estudar..” “Não, imagine, eu, dar aulas? Não levo jeito para isso.” E com o tempo,a gente acaba dando uma aula cá, uma palestra lá, uma aula de extensão, e começa a seidentificar. E eu percebi que gosto de dar aulas, orientar alunos, estudar. Meu pai até falava:”Mas quando você vai começar a ganhar dinheiro, só quer saber de viajar com bolsa e estudar.”.Mas essa é a minha vida, tanto que ele não fala mais nada. Acho que eu estou aqui bem colocada,pelo menos me sinto bem com o trabalho que faço na FAU.

20) Sakae Murakami GirouxComecei, portanto a ensinar a língua japonesa no Curso de Língua e Literatura Japonesas da USPcomo monitora voluntária, a partir de 1969, e Teiiti nos pagava o transporte e o sanduíche. Masnunca me arrependi de minha decisão pela função pública no ensino e na pesquisa queglobalmente me deu grandes satisfações. A partir de 1971 fui contratada como auxiliar de ensinoe assim, pelo jogo de circunstâncias, comecei efetivamente a trilhar o percurso que minha famíliaconsiderava como ideal para uma mulher, acrescido do mérito de ser no campo de estudosjaponeses. A Universidade de São Paulo sempre me concedeu afastamentos que objetivassem aformação e o aperfeiçoamento na pesquisa e na docência, seja no Japão ou na França. Puderealizar essas atividades sempre em boas condições com subvenções obtidas por bolsas de estudoconcedidas pelo Ministério da Educação do Japão (Monbushô), Fundação Japão, FAPESP ouCNPQ. Pretendendo me especializar em estudos sobre o teatro clássico japonês, maisprecisamente em desenvolver pesquisas em torno dos textos teatrais redigidos no Japão a partirdos fins do século XIV até o início do século XIX, pude contar com a orientação dos melhoresespecialistas do campo, seja ela no Japão ou na França. Obtive nesse segundo país, odoutoramento em estudos japoneses, diploma que era necessário para constituir a massa críticado futuro curso de pós-graduação na USP, no campo da língua, literatura e cultura japonesa. Oscolegas de outros departamentos ou faculdades que vieram reforçar nossa massa crítica foramRicardo Gonçalves, Shozo Motoyama e Massato Ninomiya. Nesse longo processo AntonioCandido sempre nos ajudou com bons conselhos e palavras justas nos momentos difíceis denosso Curso. Hoje vivo na França, junto com minha família e continuo minhas atividades deensino e pesquisa na Universidade de Estrasburgo. Sou o resultado do sistema de formação depesquisadores implementado na Universidade de São Paulo e, apesar de tantas reformasuniversitárias, espero que a USP nada tenha alterado neste particular. No que tange à pesquisaem japonologia, devo ressaltar igualmente o papel de Centro de Estudos Japoneses da USPfundado em 1969 por inspiração de Teiiti Suzuki que incrementou o desenvolvimento dosestudos japoneses no Brasil. Teiiti foi aquele que travou uma batalha incansável pela construçãoda Casa de Cultura Japonesa no campus da Universidade de São Paulo. Com a permissão deconstrução concedida pela USP e com subvenções vindas, sobretudo do Japão, mas tambémarrecadadas na colônia japonesa de São Paulo, esse homem conseguiu finalmente, em 1975, darum « teto » ao Centro de Estudos Japoneses, o que constitui uma estabilidade imprescindívelpara a boa continuidade das atividades de qualquer organização. O primeiro passo era, portanto,viabilizar a formação de pesquisadores dignos de sua entidade. Poder ler textos do século VIIIpara cá, significava poder fazer pesquisas de primeira mão e de se apresentar nos meiosacadêmicos internacionais com comunicações sérias, bem fundamentadas e talvez originais.Dezenas de professores, especialistas, sobretudo de língua clássica japonesa das universidades ou

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do Centro Nacional de Pesquisas em Língua Japonesa do Japão vieram como professoresvisitantes para a Universidade de São Paulo com subvenções de organizações como OTCA(Overseas technical cooperation agency) ou Japan Fundation para dar aos pesquisadoresbrasileiros esses requisitos primordiais. Durante muito tempo, o Centro de Estudos Japoneses daUSP fez parte de um dos cinco centros de pesquisa do mundo agraciado com um fundo de ajudaprioritária da Japan Fondation. Foi com o Centro de Estudos Japoneses da USP que se iniciavauma nova era de estudos japoneses no Brasil. Os pesquisadores deste Centro foram, em suagrande maioria, formados pelo Curso de Língua e Literatura Japonesa de nossa universidade,alguns dos quais se dirigiram para outras regiões brasileiras a fim de aí desenvolver outros cursose centros de estudos japoneses, fieis à idéia que lhes foi transmitida. Sem sombra de dúvida,Teiiti Suzuki foi o pai da japonologia brasileira. Foi também aquele que, fiel a sua posiçãointelectual, deu ao Centro uma biblioteca especializada adquirindo em uma única vez mais de 10mil volumes de textos fundamentais de história, literatura, pensamento e arte japonesa, graças àsrelações importantes que ele possuía no meio político, intelectual e editorial japonês. KensukeTamai, professor da Universidade Princepton que sucedeu Teiiti Suzuki, dirigiu eficientemente oCentro por mais de cinco anos. Penso também em minhas colegas Tae Suzuki que suportou comestoicismo anos de direção impostos pelas circunstâncias, Lídia Fukasawa, Geny Wakisaka e nasreuniões e discussões intermináveis, no trabalho coletivo que fazíamos visando o mesmoobjetivo traçado por Teiiti. O bando das quatro, como o próprio Teiiti nos chamava, bem ou malcalçamos um pedacinho do caminho para a implementação dos estudos japoneses no Brasil.Nesse centenário da imigração japonesa, que tenhamos pelo menos orgulho pelo trabalho quefizemos « acreditando » ser bom para a japonologia brasileira.

21) Sedi HiranoA minha família veio de Nagano, uma província considerada como a Suíça japonesa, uma

região extremamente fria. Os pais da minha mãe tinham uma fazenda de criação de bicho de

seda. Eles eram especialistas na arte de bicho de seda. Então, segundo minha mãe, no Japão, eles

viviam com relativo conforto. Nunca houve falta de alimentação, miséria, fome e assim por

diante. Quando ela veio do Japão para o Brasil, de 1918 para 1919, ela tinha oito anos. Ela veio

para São Paulo e a primeira fazenda onde ela veio foi a fazenda Santa Rita e depois ela foi

trabalhar na fazenda Mingoti como colono na fazenda de café. Segundo o relato da minha mãe

também, poucos anos depois, meu avô conseguiu acumular o dinheiro suficiente para comprar

um pequeno sitio de 10 alqueires. Foi nesse sitio que ele viveu o resto da vida plantando um

conjunto de produtos de alimentação na área de verduras, cereais e assim por diante e com isso

ele conseguiu criar os seus filhos. É claro que a intenção dele quando imigrou para o Brasil foi

no sentido de migração provisória. Migração daquilo que os japoneses chamam de dekassegui.

Aquele pessoal que migra provisoriamente para trabalhar no outro lugar. Por que isso aconteceu?

Isso aconteceu porque houve uma praga de bicho de seda e na plantação de amora. Então eles

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resolveram descansar a terra por alguns anos. “Enquanto a terra fica em descanso vocês podem ir

para o Brasil”. Quem disse isso foi o pai do pai da minha mãe. “E ai, depois de um certo tempo,

vocês voltam para o Japão para continuar trabalhando a terra.” Só que aconteceram alguns fatos,

segundo a minha mãe, de que o filho mais velho faleceu no Brasil. Ai a filha mais velha casou no

Brasil. Ai o avô disse o seguinte: “Olha, já que o filho mais velho já está enterrado no Brasil e a

filha mais velha casou. É melhor todos se tornarem brasileiros.Eu já sou a segunda geração. O

meu pai é japonês de Osaka. O meu pai era uma pessoa urbana, não era uma pessoa do interior

como era a família da minha mãe. O meu pai morou em Tóquio, que era a capital do Japão. O

pessoal de Tóquio e Osaka não migraram muito. Migraram mais as pessoas das províncias do

norte e do sul e parte das províncias centrais do Japão. Mas não eram nem de Tóquio nem de

Osaka. Então é muito difícil falar de japonês que migrou de Tóquio e que migrou de Osaka. O

meu pai era uma pessoa letrada.Sobre a minha infância, o que minha memória registra é que

quando tinha de cinco para seis anos eu comecei a trabalhar na agricultura puxando a enxada. O

professor Kokei, em vários discursos, diz o seguinte: “Eu puxei enxada”. Ai eu pergunto a ele:”A

marca da enxada era Duas-Caras?” - porque a Duas-Caras era a melhor enxada, a que melhor

cortava – e o professor Kokei responde: “Era Duas-Caras”. Então nós puxamos enxadas, porque

todos os filhos de japoneses puxaram enxada e trabalharam duro. Acordava-se cinco horas da

manhã, tomava-se o cafézinho e depois trabalhava até oito, nove horas, depois almoçava, porque

o pessoal da roça almoça muito cedo, entre nove e dez horas almoçava, depois voltava para a

roça outra vez, trabalhava até meio dia, uma hora, tomava outro cafezinho para reforçar,

fortalecer os músculos, voltava para a roça outra vez e se trabalhava até cinco, seis horas da

tarde. Então foi uma vida difícil. Quando terminei o curso primário, eu fui fazer o curso ginasial

no ginásio estadual de Poá e no primeiro ano tomei bomba. Porque tem que se descobrir um

pouco a lógica e a sistemática dos cursos. Ai eu percebi que se você faz tudo direitinho e tenta

fazer tudo aquilo que a professora manda fazer você se destaca. Entrei no time de francês. Então

tinha concurso de quem conhecia todos os verbos franceses. De repente no segundo ano comecei

a me destacar como um dos melhores alunos e entrei no quadro de honra. Isso me estimulou a ler

mais e assim por diante. O meu pai faleceu com quarenta e dois anos, quando eu estava do

primeiro pro segundo ano. Depois que meu pai faleceu eu tive que trabalhar na Avenida

Liberdade, numero 21, no 13° andar em uma empresa chamada Micropropaganda como office-

boy. Mas sempre com aquele sonho de fazer alguma coisa diferenciada, sempre lendo,2

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comprando livro e assim por diante. Era sócio do Círculo do Livro. O livro do Circulo do Livro

era muito barato e tinha uma muito boa literatura. Lia também, como todo rapaz que quer ser um

bom rapaz, Seleções também. Não vou dizer que não lia. (...) Quando me formei na Universdade

de São Paulo no Curso de Ciências Sociais, o Ianni me procurou e disse que o Florestan queria

falar comigo. O Florestan sempre era chamado de senhor professor pelos alunos. Aí o Ianni me

conduziu a sala do professor Fernandes, e ele me disse: ”Sedi, é melhor você sentar”. E o Ianni

comentou: “porque você pode cair de costas.” Aí eu sentei. Então o Florestan me disse que como

o Fernando Henrique estava se afastando da faculdade de filosofia, da cátedra de sociologia que

o Florestan dirigia, ele queria guardar a vaga do Fernando Henrique. E pela observação que ele,

Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso fizeram sobre a minha

trajetória como aluno, eu estava sendo escolhido para substituir o Fernando Henrique Cardoso.

Só que se o Fernando Henrique porventura voltasse do Chile, eu teria que deixar o lugar para ele.

Eu não aceitei na hora. “Mas professor Florestan, eu nunca dei aula, não me sinto preparado para

isso”. Ele falou: ”Olha Sedi, você aprende a dar aulas sofrendo com os alunos. Você vai aprender

a dar aulas junto com os alunos. Mas como eu tinha uma larga experiência na área de pesquisa de

mercado, de opinião, propaganda, porque eu fui gerente da Folha de São Paulo, trabalhei na

Alcântara Machado com publicidade, ele me encarregou de dar um curso sobre pesquisa de

mercado e propaganda. Depois que eu descobri porque o Florestan queria que eu desse esse

curso. Porque na autobiografia que o Florestan faz, ele diz que uma coisa que ele não conseguiu

foi convencer a comunidade acadêmica que pesquisa que forma profissionais para o mercado,

também é uma alternativa importante na universidade. Não apenas fazer reflexão crítica. E não

radicalizar tanto. Mas uma coisa que ele jamais conseguiu fazer foi formar profissionais no

sentido de mercado. Mas formar profissionais competentes como intelectuais ele formou. Isso ele

se considera muito bem sucedido. Então ele pediu para eu dar um curso de livre opção sobre

pesquisa de opinião, propaganda e mercado. E para surpresa do grupo de professores, foi o curso

mais procurado. Aí o Florestan antecipou a faculdade de ciências econômicas e administrativas,

antecipou a Fundação Getúlio Vargas e o primeiro curso universitário de pesquisa e propaganda

foi dado na Faculdade de Filosofia. Com isso vários profissionais que ocupam cargos de

presidente e vice-presidente em grandes empresas na área de comunicação, muitos deles foram

meus alunos. Aí me tornei professor, essa foi minha trajetória. Viajei par o Japão, eu fui

professor por dois anos na Universidade de Tenri, em Nara, de cultura e sociedade brasileira. Aí2

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comecei a dar para os japoneses Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de

Hollanda, Gilberto Freire, porque eles tinham que conhecer. Quando voltei o chefe substituto do

departamento era o Chico de Oliveira. Tinha uma vaga de vice-coordenador de pós, mas eu já

tinha sido isso. Também tinha um programa de ação e integração da América Latina. Do ponto

de vista político eu já tinha sido secretário executivo do Conselho de Reitores (CRUESP) de

1991 a 1995. Quando eu voltei o Chico falou: “Tem o cargo de vice-coordenador que eu estou

deixando a Pós-Graduação. Indico o Sedi.” E eu fui eleito por aclamação. Dois anos depois fui

reeleito por aclamação. Até aquela data nenhum chefe havia sido reeleito. Quanto a Direção da

Faculdade, foi feito um calendário para as eleições, quem era o coordenador, o presidente da

comissão, eram amigos comuns como o Flávio Aguiar, um grande colega e amigo, amigo da

família. Eu acho que a faculdade de filosofia, como sempre tem um processo extremamente

democrático de eleição do seu diretor. Eu espero que a faculdade de filosofia continue assim. Eu

me lembro que esse processo foi desencadeado pela primeira vez na eleição do saudoso professor

João Alexandre Barbosa. Ele foi o primeiro diretor eleito pela comunidade e pelos três

segmentos. E quando eu venci as eleições, o João me procurou e disse: “Sedi, eu quero te dar os

parabéns porque você seguiu o mesmo processo que eu segui e você conseguiu atingir o objetivo

que é a vitória.” Eu fiquei muito feliz. Também nós entramos na campanha para construir uma

candidatura à Reitoria da Universidade. Era uma candidatura em que o gabinete tinha uma

candidata para sucessão que representaria a continuidade. Então convidado pelo professor Melfi

e depois convidado pela professora Suely eu entrei na campanha. Finalmente, me tornei Pró

Reitor de Cultura e Extensão e saí devido a proximidade da aposentadoria compulsória.

22) Seize OgaEm março de 1966, fui contratado, como docente pela Faculdade de Ciência Farmaceutica.Comecei a carreira como instrutor, na disciplina de Farmacodinâmica (Farmacologia). Em 1969após meu doutorado, viajei com a esposa e filha Rosely para o Japão, como bolsista doMinistério da Educação do Japão, para estagiar junto ao Department of BiochemicalPharmacology of University of Chiba, sob orientação do professor Haruo Kitagawa. Quandovoltei, em 1971, havia ocorrido a famosa reforma universitária, com a qual todas as disciplinasbásicas, inclusive a nossa disciplina de Farmacologia, tinham passado das respectivas Unidadespara o novo Instituto, Instituto de Ciências Biomédicas. Lecionei Farmacologia neste Institutodurante 22 anos. No Instituto de Ciências Biomédicas da USP, prestei concurso de livre-docência, em 1974, e concurso de Professor Adjunto, em 1978, ambos na área de Farmacologia.Com a obtenção deste último título, passei a exercer a função de Professor associado emFarmacologia. Em 1993, prestei concurso para o provimento de uma vaga de professor Titular de

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Toxicologia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Fui indicado para a vaga e acabei voltandopara a minha Faculdade de origem. Nos meus últimos dez anos de carreira, trabalhei comoprofessor titular de Toxicologia. Exerci a função de chefia do departamento de Análises Clínicase Toxicológicas, no período de 1994 a 1996 e, em seguida, a função de diretor da Faculdade, de1996 a 2000. Aposentei-me em 2002.

23) Shozo MotoyamaEu entrei na universidade, entrei aqui na USP sempre fazendo essa trajetória pelas escolaspúblicas que eram muito boas. Entrei na física, mas fiquei doente em 1961 e tive que parardurante quatro anos. O problema é que eu fiquei muito desnutrido até me curar da doença o queme afetou bastante a memória. Eu tinha uma memória, modéstia a parte, fotográfica. (...) E oprofessor Schemberg estava vendo se conseguia manter aquela autonomia da universidade, dodepartamento de física, mas não era uma tarefa muito fácil porque ele estava sempre sob avigilância do regime. Eu sempre tive uma certa facilidade para organizar as coisas e os meuscolegas sempre pediam para organizar uma série de eventos dentro desse movimento estudantil.Em uma dessas mesas redondas que nós organizamos sobre a questão da energia nuclear eu fuifalar com o professor Schemberg e depois eu consegui uma grande amizade com ele. Então euaprendi muito com ele com ele nesse processo e eu diria que ele foi o meu grande professordentro do Instituto de Física e da universidade. Também ele gostava de mim e sempre meprestigiou muito. Se estou na universidade hoje é porque ele me indicou para ser contratado. Onosso relacionamento também era muito interessante em termos de tempo porque eu vinha deuma família pobre, eu já estava como monitor dentro do Instituto de Física, mas aquelas bolsasmuito pequenas que não davam para manter, então eu fazia o curso, já tinha terminado alicenciatura, estava fazendo o bacharel e ao mesmo tempo dava aulas a noite. E o Schemberg eranotívago, ou seja, ele acordava às dezessete horas, ou, quando cedo, às dezesseis horas.Evidentemente que quando tinha que participar de alguma coisa ele acordavaextraordinariamente bem, mas normalmente o horário dele era esse. E ele virou meu orientador,mas isso era um grande problema porque de dia ele não podia me atender, à noite eu dava aula,então o único horário que ele podia me orientar era das onze horas em diante. Mas aí ele foicassado. Isso fez com que ele não fosse mais o meu orientador oficial, mas continuou como meuorientador de fato. Acontece que nessa época houve a reforma universitária e aí que eu entro parao departamento de história, porque aí além das disciplinas de física também ministrava aulas dehistória das ciências físicas. Aí fui mandado para a história. Também havia uma questão eupoderia chamar de sorte. Então são dessas coisas que acontecem na história. Nessa época oprofessor Euripedes Simões de Paula estava muito preocupado com o fato de que a Faculdade deFilosofia, Letras e Ciências desmembrou. Ele estava então querendo formar um grupo deHistória da Ciência e me chamou e disse: “Olha Shozo, você não quer ficar realmente aqui nodepartamento?” porque eu estava com duas opções na época: uma era voltar para o Instituto deFísica porque o meu orientador formal que era o professor japonês em física nuclear, tambémresponsável por essa disciplina, também veio para cá em função da reforma. Tudo que tinha“história” vinha para o departamento de História. Mas ele disse: “Eu sou físico nuclear, o que euvou fazer no departamento de história? Eu vou voltar para o Instituto de Física e acho que érecomendável que você Shozo também volte para o Instituto de Física.” Era uma propostaatraente na medida em que, como desde jovem eu queria ser físico mesmo e tinha algum talentopara isso e como sempre fui uma pessoa ambiciosa em termos de trabalho e tinha um convite do

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Japão, do grupo de Taketani para ir trabalhar lá em função dos problemas que o Schemberg teveaqui eu poderia ter saído e ido para lá. Mas aí o professor Euripedes veio com essa proposta deformar um grupo de história da ciência.. Desde essa época me dedico ao Departamento deHistória e ao Centro de História da Ciência procurando enriquecer tanto a formação doscientistas como a dos historiadores com este exercício interdisciplinar tão raro na Universidade.

24) Sunao SatoA vida uspiana começa em 1965, quando ingressei na Faculdade de Farmácia e Bioquímicaatravés do vestibular CESCEM. As primeiras aulas foram ministradas ainda no antigo prédio daTrês Rios, no bairro da Luz. No ano seguinte houve a mudança para as atuais instalações naCidade Universitária Armando Salles de Oliveira, no Bairro do Butantã, em Pinheiros, Desde oinício participamos das atividades da Associação Atlética e do Centro Acadêmico de Farmácia eBioquímica, exercendo diversas funções na Diretoria e participando ativamente nas JornadasCientíficas, Jogos interunidades como Bio-Vet e manifestações estudantis organizados peloCentro Acadêmico. Durante o último ano do curso, exercemos a monitoria de disciplina e aoconcluir o curso de Farmácia-Bioquímica em 1969, tivemos a honra de ser convidado paracolaborar no Departamento. Lembro ainda hoje, como o professor Eugênio Aquarone meconvidou: “Você não quer ficar na Universidade?” e fui ser auxiliar de ensino. Fui contrato comoauxiliar de ensino em 13 de novembro de 1970 e assim iniciamos a nossa carreira universitária.Quando fui fazer o meu mestrado, ainda não tínhamos os cursos de pós-graduação. Passado umtempo, o professor disse-me: “Puxa vida, você terminou o mestrado, você não vai fazer maisnada? Vamos fazer o doutorado?”. Ainda não havia o curso de doutorado. Fizemos o nosso cursode doutorado fora, como também o pós-doutorado no Japão e na Itália e posteriormente demosum passo maior, que é a livre docência. Uma vez terminada a livre docência, o passo seguinte foiparticipar do concurso para professor titular, concorrendo com mais dois colegas. Felizmente,conseguimos alcançar este objetivo em 1998 e estamos no Departamento de TecnologiaBioquímico-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, exercendo o cargo deprofessor titular. O título de Mestre em Tecnologia das Fermentações foi obtido com o tema:”Contribuição ao Estudo de Conservação de Melaço por Desinfetantes”, tese desenvolvida paraobtenção do grau de Doutor foi “Efeito de Fosfato sobre a Multiplicação de Saccharomycescerevisiae em Cultivo Contínuo”. Na livre docência abordamos o tema: “Contribuição ao Estudoda Fermentação Alcoólica com o aproveitamento de Sacarídeos obtidos a partir de cana-de-açúcar”. Ao longo desta carreira universitária, sempre focamos os temas relacionados com amicrobiologia aplicada, tecnologia de fermentações e a moderna biotecnologia industrial.Tivemos a oportunidade de contribuir na edição de livros didáticos na área como a série“Biotecnologia”, editado em 1975 pela Editora Edgard Blucher, em 05 volumes e a série“Biotecnologia Industrial”, em 04 volumes pela mesma editora em 2001. Representações decategorias em diversos níveis, conselho de departamento, congregação, entidades associativasdos docentes e chefia de departamento foram outras atividades desenvolvidas. Orientou alunosde diversas unidades, em nível de iniciação científica, tutoria, especialização,mestrado/doutorado e publicou dezenas de trabalhos científicos em periódicos, congressos esimpósios nacionais e internacionais. Para conseguirmos alcançar esses objetivos contamos comcolaboração de muitos colegas, amigos, da família e muitas entidades apoiadoras como aFAPESP, CNPq e outras instituições nacionais e internacionais que propiciaram recursos.

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25) Tae SuzukyQuanto a mim, comecei a fazer o curso de Direito, pois eu queria ser promotora. Mas no meio docurso fiquei muito desapontada, vi ruir por terra aquele ideal de justiça quando o Suzukão –como mais tarde passou a ser chamado para diferenciá-lo de outros professores visitantestambém Suzuki – me perguntou se eu poderia ajudá-lo no curso de japonês, em que acabara deme formar, porque estava com falta de docentes. Foi assim que comecei a dar aulas de japonêsno velho sistema de professor voluntário. Dei aulas durante um ano e, em seguida, ganhei umabolsa de estudos para fazer o mestrado no Japão. Terminei o mestrado, mais alguns anos devoluntariado e fui contratada pela USP em 1975. Fiz o doutorado aqui no Brasil, na área delingüística e por lá fiquei até me aposentar há pouco, em 2005. O que eu gosto de fazer é abrirfrentes, criar coisas novas. Nesse sentido, acho que entrei na USP em um momento oportuno,porque o curso de japonês estava começando, não tinha quase nada. Não tinha manual, nemmaterial didático, nada. Para organizar o curso, Suzukão estabeleceu três pilares principais: oprimeiro foi chamar especialistas do Japão para dar a formação básica a um máximo possível deestudantes; o segundo foi montar uma biblioteca especializada em estudos japoneses com obrasfundamentais em língua, literatura, história, filosofia, artes japonesas; e o terceiro foi enviarestudantes para estudar no Japão. Os primeiros professores visitantes vieram já em 1969 e melembro que era muito difícil acompanhar as discussões que faziam sobre gramática ou lingüísticajaponesa, tínhamos que ganhar terreno em tempo curto para podermos participar das discussões.Foi um começo muito duro, mas foi um desafio compensador na medida em que a gente teve quegarimpar começar do nada, levantar as estacas. E isso foi muito gratificante, porque a gente tinhauma meta, tinha um ideal e quando se tem um ideal, fica mais fácil traçar um caminho e seguirem frente. Tive também a felicidade de ter colegas maravilhosos que participaram dessa primeirafase. Como eu gosto de desafios, nesse sentido, o que a USP nos proporcionou foi muitogratificante. Quanto aos alunos de pós-graduação, sinto uma mudança na forma de conceber e deatuar na pós-graduação. Ressalvadas as exceções, naturalmente, de um modo geral não via muitoentusiasmo para a pesquisa de base, para aquele trabalho de garimpagem, tinham pressa em obterresultados. Não sei se foi o tempo de maturação necessário, mas hoje encontro mais alunos comum futuro promissor como pesquisador. A gente sempre tem esperanças em encontrar alunos quesuplantem os mestres. Eu me especializei na área, eu diria mais árida do curso de japonês, línguae lingüística japonesa. Não gosto de teoria pura, de modo que trabalhei com sociolingüística,mais exatamente sobre a linguagem de tratamento. Vai ver sou uma socióloga ou antropólogafrustrada, para não seguir mais uma vez os passos de meu pai. A linguagem de tratamento é ocomportamento social refletido na língua, de modo que a partir do estudo sobre os mecanismosde uso do tratamento em japonês, interessei-me pela estrutura da sociedade japonesa, maisexatamente pela evolução da sociedade japonesa, sempre à luz das transformações verificadas notratamento. Daí para a história do Japão, principalmente da época medieval quando se operaramas maiores transformações sociais, e, portanto comportamentais, foi um pulo. E assim, a gentevai tentando abrir o leque.

26) Valdomiro Shiguero MiyadaAcho, complementando algumas passagens que tive na Universidade e na minha vida quemarcaram realmente, que trouxeram muitas alegrias para mim: eu fui contratado em 1978, e eu jáera professor homenageado pelos alunos formandos de 1979. Eu estava dando aulas até para

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colegas que moraram comigo na Casa do Estudante e, de repente, eu já era homenageado por umgrupo... quer dizer, um ano de atividade como docente regular da Universidade e já erahomenageado. Isso me marcou muito. Depois eu fui homenageado em várias oportunidades,entretanto aquela que me causou mesmo muita emoção foi exatamente essa homenagem daturma de 79. Tive outras passagens bastante interessantes também e que eu gostaria de relatar éque, quando fui para a Universidade de Purdue para o programa de doutorado, minha avó paternaera viva ainda e ela me dizia o seguinte: “Você não tem medo de ir para a América?” E eu dizia:“Vó, eu não tenho medo, qual a razão da sua preocupação?”. Eu havia me esquecido da guerra,então essa era exatamente uma das razões. “Poxa, lá o pessoal vai discriminar. Você vai sofrermuito.“ Então eu falei: ”Vó, isso faz parte da nossa vida.” E eu imaginando o sofrimento emtermos de dificuldade no programa e ela se referindo exatamente a quê? As conseqüências daSegunda Guerra. Então, todas as vezes que eu telefonava para o meu pai ele falava assim: “A suaavó está preocupada com você. Você está se dando bem aí?” “Perfeitamente bem.” Masinfelizmente naquele mesmo ano perdi minha avó depois de seis meses nos Estados Unidos. Omeu avô eu perdi depois da minha volta. Ele morreu em 86, com 98 anos e tanto meu avô comomeu pai são pessoas que realmente merecem respeito e admiração. Eu acho que estou sendomuito claro, pela inteligência deles. Em termos de formação meu pai, seu Chico, tem apenas oterceiro ano primário, mas é uma pessoa que é um líder nato dentro da família e da comunidadeonde mora. Hoje, já velhinho, com 80 anos, mas de qualquer forma, nos bons tempos dele, masele foi uma pessoa que, pela simplicidade, pela capacidade de negociação entre as pessoas e pelainteligência, eu diria, sempre foi respeitada. É uma pessoa fantástica. Logicamente acoordenação da pós-graduação, do programa de pós-graduação em “Ciência Animal e Pastagens”aqui da ESALQ me marcou muito também, porque eu tive uma administração por nove anossubseqüentes, consecutivos, sem qualquer interrupção. Então, isso acaba me mostrando que devoter contribuído, senão não ocuparia a essa posição por várias gestões, de 87 a 96 é que eu fiqueina coordenação. A partir de 97, assumi a chefia do Departamento de Zootecnia, permanecendopor três mandatos consecutivos. Então, algumas coisas que realmente me marcaram dentro daUniversidade, resumindo, eu poderia dizer a primeira homenagem, a coordenação da pós-graduação e a administração do Departamento de Zootecnia por três mandatos. Além disso,tenho lembrança de alguns fatos que devem ser realmente ressaltados em termos de contribuição.Contribuição não só para a Universidade, mas também para a sociedade brasileira, maisespecificamente na minha área, fico muito orgulhoso de ter sido a primeira pessoa junto com omeu orientador a utilizar a levedura, empregada na a fermentação alcoólica para a produção deálcool, como alimento protéico para animais, especificamente para suínos. Hoje, o que o pessoalda indústria de ração diz é que as informações mais importantes que nós temos ainda são aquelasque o professor Valdomiro divulgou na década de 70, 80 e até 90, tanto em meios decomunicação científica, assim como em publicações técnicas é que dão subsídio até hoje, comofonte protéica.. Eu procuro, embora não tendo tido nenhum treinamento didático, aliás, nenhumcurso de didática, é uma preocupação que tenho com todos os meus pós-graduados ou até mesmoestagiários de iniciação científica, em termos de não só saber gerar resultados de pesquisa,resultados interessantes de aplicação prática e imediata, ou então que no futuro venha a ser umapesquisa de ponta, mas da mesma forma é importante a transferência desses resultados de formasimples. Assim, tenho tentado o máximo possível, junto aos meus pós-graduados, o treinamentode como se comunicar, como transferir realmente resultados de pesquisa em uma linguagemcompreensível para alunos de graduação, assim como para produtores de suínos, de aves, enfim,produção animal. Portanto, é importante não só sabermos nos comunicar em termos científicos,

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mas também sabermos nos comunicar junto aos produtores que são os mais necessitados dastecnologias geradas junto a Universidade. Essas são algumas das contribuições que eu tenhotrazido.

27) Yassuhiro OkayIngressei na FMUSP em 1959 e colei grau em 1964. Creio que fui bom aluno. A influência doColégio Roosevelt me acompanhou. Sentia grande necessidade de ter parâmetros para me situarno mundo. Ansiava por uma visão de mundo que respondesse às minhas inquietações de ordemfilosófica, política e cultural. Assim, durante o curso de medicina, freqüentei cursos desociologia, economia política, filosofia, cinema e outras artes e me tornei, também, um leitorassíduo e rato de livraria. Tudo isto influenciou, certamente, o modo como passei a enxergar amedicina, em teoria e na prática, centrado numa visão sistêmica do ser humano, como unidadebiopsicossocial indissolúvel. Realizei minha residência médica no Departamento de Pediatria daFMUSP, em 1965 e 1966. Em 1967, fui contratado, após concurso, para ser médico assistente doPronto-Socorro de Pediatria do Hospital das Clínicas. Vivenciei endemias e epidemias,principalmente, as grandes epidemias de diarréia e desidratação da criança, além dos problemasda desnutrição e das epidemias de meningite. Anos difíceis que melhoraram, consideravelmente,com a implantação de políticas sanitárias e vacinação em massa. Em 1972, defendi meudoutorado que foi realizado no Laboratório de Fisiopatologia Renal, chefiado pelo professorMarcello Marcondes Machado. Em 1980, no mesmo laboratório, produzi minha tese de livre-docência e me concursei em 1980. Em 1984, fui aprovado no concurso para professor adjunto e,em 1988, tornei-me professor associado do Deptº de Pediatria da FMUSP. Em 1991, candidatei-me para concurso de professor titular, tendo sido aprovado e indicado. Tomei posse em 1º dejaneiro de 1992. Fui o primeiro professor titular da FMUSP, de origem japonesa. Como Chefe doDeptº de Pediatria da FMUSP implementei vigorosamente, as ações acadêmicas relacionadas àcultura e extensão, ensino e pesquisa, sem nunca perder de vista a visão sistêmica do ser humanoem geral e da criança, em particular. Como Presidente do Conselho Diretor do Instituto daCriança do Hospital das Clínicas da FMUSP, por 10 anos, promovemos reformas estruturais,ampliamos, com mais um prédio, o Instituto da Criança e construímos, juntamente com aFundação Criança, o Instituto de Tratamento do Câncer Infantil. Inovamos, juntamente com odiretor executivo do Instituto da Criança, Dr. Paulo Roberto Pereira, a gestão do mesmo,fazendo-a participativa, o que propiciou a adesão desinteressada de médicos e das diferentescategorias profissionais. Elegemos a gestão de processos como marco da administração. Aomesmo tempo, criamos projetos de humanização voltados para a criança e seus pais e para osfuncionários do I. Cr. Proporcionamos, aos nossos funcionários, o crescimento profissional ehumano, financiando, parcialmente, diferentes cursos que foram ministrados à noite, no I. Cr.Como Presidente do Conselho Diretor do I. Cr. fui membro do Conselho Deliberativo do HC-FMUSP por mais de 10 anos. No final de 2002, o Professor Giovanni Guido Cerri e eu,concorremos, respectivamente, para Diretor e Vice-Diretor da FMUSP e realizamos uma gestãode 2002-2006 que foi muito elogiada na casa. Como Vice-Diretor da FMUSP, fui vice-presidentedo Conselho Deliberativo do HC-FMUSP; presidi a Comissão de Planejamento e Controle doHC sendo também Vice-Diretor Geral da Fundação Faculdade de Medicina, cargo que exerço atéhoje, ao lado do Diretor Geral, Professor Flávio Fava de Moraes. Do ponto de vista acadêmico,sucintamente, formamos dezenas de médicos entre pós-graduandos senso estrito, sendo lato,estagiários etc. Publicamos sete livros, um deles, o livro de texto de pediatria, em 3 volumes,

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verdadeiro Tratado de Pediatria. Publicamos mais de 160 artigos nacionais e mais de 50internacionais. Certamente, o Colégio Roosevelt foi excepcional. Como disse Montaigne, “mais vale umacabeça bem feita do que bem cheia”. O Roosevelt me deu isso – uma cabeça bem feita, que tenhoprocurado aprimorar ao longo da vida. A escola me ensinou o compromisso institucional esocial, a cidadania, etc. Participei, durante o curso médico, das discussões relevantes daquelaépoca. A Faculdade fervia e era muito politizada. No 4º ano da faculdade eu e outros colegasprestávamos assistência médica à Associação Paulista de Assistência Social, na Rua TomásGonzaga, na Liberdade. A associação era um órgão do partidão e ficamos lá por 3 anos. Parasurpresa minha lá conheci o Jacó Gorender que fora lá para fazer um curativo. Eu o atendi e faleisobre o curso que tinha freqüentado uma semana antes, sobre Marxismo e Existencialismo e quefora ministrado pelo Mário Schemberg e pelo Jacó Gorender. Com o Golpe de 1964, nos anossubseqüentes, vários professores da faculdade foram demitidos pelo governo militar. Anos dechumbo que felizmente passaram. Tenho apenas uma filha. Fui casado com uma professora dehistória de origem italiana e portuguesa. Me divorciei alguns anos depois. Amo e admiro minhafilha. Ela é dermatologista. Mantemos uma relação de amizade e companheirismo. Ainda nãotenho netos, mas certamente eles virão. Para terminar, gostaria de lembrar de alguns amigos ecolegas de classe no Colégio Roosevelt, que seguiram caminhos diferentes: O saudoso WladimirHerzog e outros ainda atuantes na USP como Yogiro Hama (Física); Umberto Cordani e VicenteGirardi (Geologia) e Walter Colli (Química).

28) Yassuiyki Sasaki

Durante dois anos dormi apenas 4 horas por dia, estudando muito português e outras matériaspara poder passar no vestibular. Tentei decorar o dicionário de português devido a minhaineficiência na língua e felizmente passei em 1969, entrei na escola de educação física da USPonde me formei. Em 1971 a Lei Federal n°. 640 tornou obrigatório que os estudantes deveriampraticar algum esporte e, assim, foi criado o centro de práticas esportivas, o CEPEUSP atual. Naépoca eu fui convidado a dar aula de karatê. Eu fui contratado como autárquico, mas como oCEPE-USP mudou o regime, sou hoje CLT comum. Era época de filmes do Bruce Lee e outrosdragões do Kung-fu, isso fazia com que minha aula fosse lotada. Me lembro que na época todosos horários eram lotados, tinha em média 400 alunos por semestre. Passei a dar aula na USP em1972 e tentei iniciar a parte acadêmica - mestrado, etc. - mas acabei por fazer o equivalente a issona área de karatê, consegui o oitavo dan, acho que no Brasil só tem duas pessoas, entãoconquistei os títulos mais difíceis que um doutorado. Para mim há nada a reclamar nesse sentido.Hoje não sou mais docente, para me dedicar à pesquisa eu teria que abandonar os treinos epesquisa de karatê. Em 2005, de novo retornei ao Japão, fui disputar campeonato dos mestresacima do quinto grau, e tive sorte também, tirei medalha de terceiro lugar. Eu não fiz questão deir para a final, porque fui testar, fui vencendo mestres japoneses, me senti feliz, e acheisuficiente. Hoje, acho que não faço questão de ser campeão e me sinto grato pela minha técnica,onde consegui prever o movimento do adversário através de concentração e respiração. Tambémdevo muito de minha evolução ao mestre Tanaka. Muitos dizem que eu fui realmente pioneiro dedifusão do karatê científico aqui no Brasil. Já dei aula em muitas universidades, inclusive nosEstados Unidos, na Califórnia, fui pra Itália e muitos outros paises. Aqui no Brasil praticamenteem todos os estados. Através das federações, através da universidade, estou difundindo essekaratê científico e educativo. Karatê científico é aprimorar os treinos da forma tradicional e

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adicionar o conceito em todos os sentidos: da medicina, pesquisa, fisiologia, biomecânica,higiene e saúde. É colocar em prática tudo o que nós aprendemos na escola de educação física. Ametodologia de ensino varia de acordo com a faixa etária: deve-se, em prioridade, exigirhabilidades motoras em geral com pessoas até 12 anos e aprimorar força muscular de pessoas até23 anos –aproximadamente- e a partir dessa idade trabalhar o estado de “ser”, estado de espíritoevitando assim acidentes. Deve-se lapidar de forma completa, como afiar uma faca. O corpofísico deverá ser uma árvore de crescimento para evolução do seu espírito.

29) Yatiyo YassudaComecei como estagiária, continuei na pós, depois fui contratada como docente e fiz toda aminha vida profissional dentro da Universidade de São Paulo, dentro do mesmo departamentoque se chama hoje Genética e Biologia Evolutiva. Não preciso dizer o quanto a genética cresceue eu participei de várias etapas dessa revolução genômica que existe hoje. Eu fui orientada peloDr. Oswaldo Frota Pessoa que atualmente tem noventa anos e talvez na minha vida profissionaltenha sido o maior privilégio ter sido sua orientada e conviver com ele, um geneticista humanode uma sabedoria e de uma capacidade de trabalho que provavelmente é um genótipoprivilegiado. Todos os orientandos dele que implantaram certas linhas de pesquisa sabem quedevemos muito ao mestre que nós tivemos na pós-graduação. Eu comecei o meu mestrado emcitogenética, que é o estudo dos cromossomos e foi uma área que me entusiasmou muito.Participei como estagiária da implantação das primeiras culturas de linfócito humano. Olhar nosmicroscópios uma célula em metáfase com todos os cromossomos nítidos e possíveis de análise éum prazer científico muito grande. Portanto, eu acho que fui muito feliz na escolha da área detrabalho. Nunca me arrependi do que eu trabalho. Atualmente eu me dedico à genética animal e citogenética de vertebrados. A minha produçãocientífica é citogenética de roedores, marsupiais, lagartos e anfíbios. Quando eu iniciei apesquisa, eu diria que foi uma época em que existiam várias áreas do conhecimento e um vazioimenso. Existia tudo para ser feito. Tudo o que você descobria e analisava era material inédito.Foi a sorte de estar no lugar certo no momento certo. Fiz a minha vida profissional, somosreconhecidos nacionalmente e internacionalmente. Tive vários discípulos, tenho alunosespalhados pelo Brasil inteiro em várias instituições de pesquisa que me dão muito orgulho. Euacho que formamos cabeças éticas, profissionais, que eu vejo hoje produzindo, orientando etendo várias gerações de pesquisadores como uma semente que começou com o Doutor OswaldoFrota Pessoa e que conseguimos implantar no país. Orientei cerca de vinte e cinco alunos, aindatenho dois alunos de doutorado, uma delas deve ir para a Inglaterra desenvolver uma tecnologiaque não temos aqui no Brasil. Ela atualmente está de licença maternidade. Tem essas coisas,acabou de ter uma criança. Eu acho que o nosso papel foi razoavelmente cumprido.

30)Yogiro HamaTerminando o curso colegial, entrei na faculdade de filosofia, no curso de física. Aí comecei aestudar Física propriamente. Terminei o curso em 1960. Quando estava no segundo ou terceiroano, vieram os primeiros professores japoneses como professores visitantes. Um deles assumiu ocargo de diretor científico no Instituto de Física Teórica que ficava na rua Pamplona. Quandoeles vieram eu passei a freqüentar lá e de vez em quando conversava com eles. Eles me tratavammuito bem e eu perguntava o que deveria estudar para aprender física moderna. Eles meindicaram alguns livros e passei a estudar. Na época em que era aluno eu comecei a trabalhar nolaboratório que o professor Sala que havia construído, o acelerador de partículas, ele era o diretor

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desse laboratório. Comecei a minha iniciação científica aí, recebendo a bolsa do CNPQ. Mascomecei a trabalhar lá mais por curiosidade. Eu queria ver como os experimentalistastrabalhavam. O meu interesse era sempre fazer física teórica. Quando terminei o curso eu mudeipara a física teórica. Nessa época havia três professores japoneses no instituto de física teórica. Omais jovem desses três professores, o professor Ossada ficou um tempo no Brasil. Depois determinar o contrato dele com o instituto de física teórica, ele veio para a USP e começou atrabalhar no departamento de física. Não havia ainda o instituto de física no departamento defísica da faculdade de filosofia. Eu passei a estudar com ele. Na USP não havia ainda curso depós-graduação. Quem terminava o curso e queria continuar na vida acadêmica geralmentetrabalhava como assistente dando aula de exercícios e ao mesmo tempo fazendo pesquisa comalgum professor. Eu então comecei na parte teórica a trabalhar com esse professor que viera doJapão. Assim fiquei dois anos. No fim do segundo ano eu estava começando a procurar algumlugar no exterior para poder continuar os estudos no curso de pós-graduação. Para nós do Brasilo lugar que parecia mais fácil para mim eram os Estados Unidos. Então andei pedindo paravárias universidades como Princetown, MIT, etc, folhetos explicativos sobre os cursos de pós-graduação, quais as possibilidades de obter bolsas de estudos e assim por diante. Quando estavajá preparando para ir para alguma universidade americana veio uma noticia muito boa para mim:em uma das conferências das quais o professor Sala participou no exterior, ele se encontrou como professor Iukawa que disse a ele que gostaria de convidar algum jovem brasileiro para oinstituto dele. Aí o professor Sala trouxe esse convite para o departamento de física, ele discutiucom o professor Schemberg que era o chefe do departamento e também com o professorTaketani, que estava naquela época no departamento de física como professor visitante, ele eramuito amigo do professor Iukawa, aliás, foi o primeiro discípulo do professor Iukawa e elesacharam que eu estava mais em condições de ir para o Japão para trabalhar no instituto doprofessor Iukawa. Isso porque eu tinha terminado o curso havia dois anos e então era uma épocaboa para ir estudar no exterior. Também não tinha nenhum problema de língua. Então fuiescolhido e ao invés de ir para os Estados Unidos, fui para o Japão. Foi a melhor coisa que eu fiznessa época. Então freqüentemente fui a Lion não só durante o tempo em que fiquei em Turim,mas depois de voltar para o Brasil fui muitas vezes a Lion, Turim, depois a Genebra, sempreestudando a interação forte. Como essas partículas interagem fortemente nós chamamos deádrons, que é o nome que damos a essas partículas. Como essas partículas interagem? Isso é oque nós queríamos saber. Esse estudo continuei e continuo até hoje. Tive alguns estudantes quese formaram comigo, se doutoraram comigo, alguns foram para o exterior. Comecei tambémuma colaboração com um grupo alemão que conheci em uma ocasião em que eu estava nolaboratório em Genebra, eu estava passando uma temporada lá e eu tinha discutido com o diretordesse centro sobre um trabalho que eu tinha feito baseado em um modelo chamado modelohidrodinâmico. O modelo em si apareceu em 1954, bastante velho, mas pouca gente naquelaépoca dava valor a esse modelo, pouca gente acreditava nos resultados desse modelo porque oque nós estudamos são coisas minúsculas e hidrodinâmica é algo que exige bastante matéria.Então ninguém imaginava que no estudo daqueles objetos minúsculos valesse a hidrodinâmica.Eu fiquei conhecendo esse modelo no dia em que um aluno meu me trouxe um trabalho dizendo:“olha, tem um trabalho interessante.” Eu dei uma olhada, não conhecia esse tipo de trabalho egostei e passei a estudar e cada vez que estudava gostava mais do modelo. Esse modelohidrodinâmico eu devo dizer que hoje em dia ele é uma das ferramentas fundamentais para oestudo de colisões entre núcleos a altíssima energia. Esses aceleradores com o tempo e odesenvolvimento da tecnologia foram sendo criados com cada vez mais potência. A partir deste

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ano vai entrar em funcionamento um novo acelerador que vai criar matéria muito mais quente,que ocupa uma extensão maior. Esses estudos com colisões de núcleos pesados e altíssimaenergia cria matéria que supõe-se que existia no começo do universo. Para entender aspropriedades daquela matéria o que pode fazer em um laboratório são colisões desse tipojogando um núcleo pesado contra outro núcleo pesado a altíssima energia formando matéria bemquente. Apesar de essa matéria ter extensão muito reduzida comparada com o universoatualmente, hoje em dia é praticamente a única maneira de reproduzir alguma coisa parecida como que supõe que existia no começo do universo. O instituto onde eu fiquei dispunha de verbaespecial para pesquisas em física teórica. Essa verba era distribuída entre diferentes grupos e osdiferentes grupos constituídos de algo entre meia dúzia até dez ou quinze pessoas, no máximo,eles se reuniam em diferentes lugares, faziam as pesquisas, se encontravam de tempos emtempos, duas, três reuniões por ano. Enquanto isso eles faziam pesquisas nos seus institutos oufaculdades e quando eles se reuniam discutiam sobre os resultados, tiravam conclusões eplanejavam para o período seguinte. Achei que este era um método muito bom para fazerpesquisa, para avançar a pesquisa e também para incentivar pesquisadores novos. Isso eu quisfazer também aqui no Brasil.

31) Yoshio KawanoDepois que eu me formei, comecei a fazer a pós-graduação, o mestrado e fui caminhando para odoutorado, já me afastei um pouco da atividade política, porque a atividade científica ocupavamuito tempo. Então a parte política propriamente dita acabou ficando em segundo plano. Quanto a minha origem japonesa, tenho que confessar que eu nunca refleti sobre isso. Talvezporque aqui no Brasil a gente não tenha discriminação com o japonês propriamente dito. Eu, pelomenos, nunca me senti discriminado. Então nunca cheguei a refletir profundamente sobre esseassunto. Mas, conhecendo um pouco sobre a história do Japão, eu me sinto feliz e satisfeito porter nascido descendente de japonês. Morei dois anos lá e conheço razoavelmente bem o Japão.Como eu falo japonês, uma vez no Japão, eu não sinto muita diferença; exceto nos costumes, noshábitos. Mas eu me identifico, consigo sobreviver harmoniosamente bem no Japão. No Brasiltambém. Não tenho problemas. Casei com uma nissei. Tenho duas filhas. Uma delas estudoucomércio exterior e a outra é cirurgiã dentista. Minha vida foi dedicada à família e à ciência. Quando eu comecei o mestrado e o doutorado foi em uma especialidade chamada espectroscopiamolecular, porque eu me identificava bem com essa linha de pesquisa. Isso é determinar aestrutura de moléculas usando a técnica de absorção do infravermelho e de espalhamento Raman.E era um laboratório que tinha longa tradição no Departamento de Física porque o professor queiniciou a pesquisa, Hans Stammreich, veio fugindo da perseguição aos judeus na Alemanha eaqui instalou um laboratório bastante conceituado no exterior naquela época. Ele desenvolveuuma lâmpada de hélio que era única no mundo. Com isso ele conseguiu fazer pesquisa deprimeira linha na ocasião. Era uma linha bastante produtiva, bastante reconhecida mundialmentee me identifiquei com os professores e com essa linha de pesquisa. Uma vez terminado odoutorado e o pós-doutorado, com o passar do tempo, mudei um pouco a linha de pesquisa, emvista da necessidade de se criar uma nova linha no Instituto de Química, que estava carente nessaárea: o estudo sobre polímeros. Então me aprofundei, estudei por conta própria e consegui criardisciplinas próprias sobre polímeros, desenvolver núcleos de pesquisas em polímeros. É essaatividade que venho desenvolvendo até hoje.

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Eu já formei quatorze mestres e nove doutores nessa linha de pesquisa. Agora, já não estouaceitando alunos, porque no fim do ano estou me aposentando pela compulsória. Então, já estouem ritmo mais lento. A Universidade abriu uma série de oportunidades que até então a gente não vislumbrava. Masnão cheguei a assumir nenhum cargo como chefe de Departamento ou diretor da Instituição. Fuicoordenador da área de pós-graduação, pertenço a várias comissões da Instituição, das quaissempre participei. Sempre me propus a colaborar com a Instituição naquilo que eu poderia,prestando um serviço para essa Instituição. Eu me identifiquei bem com as ciências exatas e achoque acertei. Não me arrependi nunca!

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