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DIPLOMA COMÉRCIO MEMÓRIA Página 5 Página 8 Página 16 A busca por uma formação acadêmica Sobrenome Vieira está por toda a parte A história da Vila contada pelos descendentes da família Braz POUCA OPÇÃO DE ENSINO PARA OS PEQUENOS, FALTA ESTRUTURA E MAIS VAGAS NAS ESCOLAS INFANTIS DA VILA. JÁ OS JOVENS QUE CURSAM O ENSINO MÉDIO PRECISAM SE DESLOCAR A OUTRO BAIRRO PARA ESTUDAR. PÁGINA 3 VILA BRÁS ENFOQUE EDIÇÃO SÃO LEOPOLDO / RS 147 SETEMBRO DE 2014 MÃO NA MASSA PELA CASA PRÓPRIA PARA ECONOMIZAR, MORADORES ERGUEM SOZINHOS A ESTRUTURA DO NOVO LAR PÁGINA 12 RICHARD BRUNO CAROLINA SCHAEFER BRUNO LOIS

Enfoque 147

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Jornal bimestral direcionado aos moradores da Vila Brás, em São Leopoldo / RS / Brasil. A produção é dos alunos do Curso de Jornalismo da UNISINOS.

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DIPLOMA COMÉRCIO MEMÓRIA

Página 5 Página 8 Página 16

A busca por umaformação acadêmica

Sobrenome Vieira

está por toda a parte

A história da Vila contada pelos

descendentes da família Braz

POUCA OPÇÃO DE ENSINOPARA OS PEQUENOS, FALTA ESTRUTURA E MAIS VAGAS NAS ESCOLAS INFANTIS DA VILA. JÁ OS JOVENS QUE CURSAM O ENSINO MÉDIO PRECISAM SE DESLOCAR A OUTRO BAIRRO PARA ESTUDAR. PÁGINA 3

VILA BRÁSENFOQUE

EDIÇÃOSÃO LEOPOLDO / RS 147SETEMBRO DE 2014

MÃO NA MASSA

PELA CASA

PRÓPRIAPARA

ECONOMIZAR, MORADORES

ERGUEM SOZINHOS A

ESTRUTURA DO NOVO LAR PÁGINA 12

RICHARD BRUNO

CAROLINA SCHAEFER BRUNO LOIS

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2. CLIQUE

RECADO DAREDAÇÃO

FALE CONOSCO

DATAS DE CIRCULAÇÃO

EQUIPE

JÁ SORRIU HOJE?Elas são pequenas grandes amigas e estu-dam na Emei Girassol. No alto de seus cinco anos, gostam de brin-car pelas ruas da Brás e também de ter o rosto pintado com corações e borboletas. Isla e Tainá ainda são novas e talvez nem mesmo entendam o que o sorriso que deram no momento exato deste clique pode significar. Talvez, seja apenas a expressão de um dia especial vivido na escola. Ou ainda, pode ser a representação da amizade que existe entre elas. Quem sabe elas estavam sorrin-do porque acharam a equipe de reportagem simpática, ou porque queriam ficar bem na foto para aparecer aqui no Enfoque. Mas, quer saber? Isso tudo pouco importa, porque afinal de contas, o essencial mesmo é que a expres-são alegre representada pela dupla é algo que faz bem a mil entre mil pessoas. E você, já sorriu hoje?

Dez anos é o tempo necessário para que uma pe-quena semente se transforme em uma árvore frondosa e carregada de frutas. É também o período que o bebê leva para se tornar quase um pré-adolescente - depois, é claro, de aprende a falar, caminhar, ler e escrever e passar por todas as etapas naturais do desenvolvimento humano. Dez anos é uma década, que é a décima parte de um século, a centésima parte de um milênio. A título de curiosidade, dez anos foi o tempo em que a estátua do Cristo Redentor, lá no Rio de Janeiro, levou para ser construída, depois de ter sido planejada.

Dez anos é também o tempo em que o Enfoque está na Vila Brás. Neste longo período, foram inúmeros repórteres, fotógrafos e editores que viram e registraram as histórias peculiares e as características típicas do povo da Vila, como o potencial empreendedor e a força pra seguir sempre em frente. Entretanto, esta edição, que poderia ser mais uma cheia de notícias variadas sobre a Brás, marca o começo do fim desta parceria, pois o jornal será levado a outras comunidades. Usando o jargão popular, queremos “fechar com chave de ouro” esta história que cresceu junta. Para isso, decidimos explorar os temas centrais da Vila divididos nas três últimas edições que circularão pela Brás (a primeira delas é esta aqui que você lê agora).

Educação e Trabalho são os assuntos que norteiam as matérias impressas nas próximas páginas. Procura-mos dar espaço a todas as faces da Brás, que é uma verdadeira potência dentro da cidade de São Leopoldo. Além disso, também buscamos o passado da Vila, que é contado aqui pelos descendentes de João e Iraci Braz, o casal precursor de todas as histórias que foram e que serão escritas na Brás.

Abraços e boa leitura!

EDITORA-CHEFE

VILA BRÁSENFOQUE O Enfoque Vila Brás é um jornal experimental dirigido à comunidade

da Vila Brás, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares, é publicado a cada dois meses e distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo.

(51) 3590 8463

13 / 09 / 2014 04 / 10 / 2014 NOVEMBRO

[email protected] Avenida Unisinos, 950 - Agexcom/Área 3 - São Leopoldo/RS

147 148 149

REDAÇÃO – Redação Experimental em Jornal e Jornalismo Cidadão – Orientação: Luiz Antônio Nikão Duarte. Edição e Reportagem: Camila Mayuri, Cassio Pereira, Douglas Ripel, Guilherme Neis, Izadora Meyer,

Joana Dias (fotografia), Karina Sgarbi (chefia), Luísa Venter e Pedro Kessler. Reportagem: Aline Oliveira, Angelo Daudt, Audrey Lockmann Barbosa, Bruna Arndt, Carolina Chaves, Daiane Trein, Daniela Flores, Eduardo Friedrich, Fabricia Bogoni, Felipe Gaedke, Gabriela Clemente, Gabriela Boesel, Giovana Peinado, Júlia Bondan, Juliana Borba, Karoline Cardoso,

Matheus D’Avila, Maurício Wolf, Méurin Fassini, Natália Dalla Nora, Natália Mingotti e Sabrina Martins.

FOTOGRAFIA – Fotojornalismo – Orientação: Flávio Dutra. Fotos: Aline Santos, Beliza Lazzarotto, Betina Veppo, Bruna Mattana, Bruno Lois, Carolina Schaefer, Daniela Tremarin, Elizangela Basile, Fernanda Forner, Graziele Iaronka,

Jéssica Schaefer, Júlio Hanauer, Maria Ximena, Nathalia Feijó, Richard Bruno, Rudinei Machado, Tainá Hessler, Victória Freire e William Mansque.

ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom) – Projeto gráfico e arte-finalização: Marcelo Garcia. Diagramação: Gabriele Menezes.

IMPRESSÃO – Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Avenida Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei - São Leopoldo/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: [email protected]. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenador do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs.

LEGENDASREPÓRTER- FOTÓGRAFO EDITOR"

RICHARD BRUNO

KARINA SGARBI-

KARINA SGARBI"

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ESTRUTURA .3

Emei Girassol precisa de atençãoCreches da Vila Brás são

decisivas para o futuro das crianças, mas não dão conta de atender a todos

A Escola Municipal de Educação In-fantil (Emei) Gi-rassol é a porta

de entrada das crianças da Vila Brás para a vida aca-dêmica. Mães como Már-cia Pinheiro, de 40 anos, veem a escola como uma família: “Gosto muito da creche. As professoras são preocupadas com os alu-nos. Só tenho a agradecer”. Mas há alguns problemas que precisam de atenção, como ajustes na estrutura e o cuidado com a manu-tenção. “No início do ano, a prefeitura não limpou o pátio da escola. Tinha mui-to mato em volta das salas e teve até um surto de pulgas no início das aulas”, conta outra mãe, Sandra Maria Martins, de 50 anos.

Há cinco anos na Vila Brás, a doméstica Sandra tem seis filhos. A mais jovem, Tainá, 5, está em seu último ano na Emei Girassol e no próximo vai para a escola de ensi-no fundamental da Vila, a Escola Municipal de En-sino Fundamental (Emef) João Belchior Marques Goulart. Com seis netos, sendo que duas estão na idade de ir para a creche e tentarão vagas em 2015, ela se preocupa: “Aqui está

cada vez mais difícil con-seguir vagas nas creches. Tem pouca para muitas crianças”.

FALTA DE VAGASE PROBLEMAS NA

ESTRUTURA

Além da Emei Gi-rassol, há duas creches particulares conveniadas com a prefeitura de São Leopoldo, mas as vagas ainda são um problema. “Prometeram a construção de uma nova creche, mas

para ano que vem não fica pronta”, acredita Sandra. Satisfeita com a educação de Tainá na Emei Girassol, ela gostaria que as netas fossem para a mesma esco-la que os filhos passaram. “Vamos tentar conseguir lugar para elas no ano que vem, mas isso nunca é cer-to”, garante.

Entretanto, Sandra con-ta que há alguns proble-mas ainda não resolvidos pela prefeitura na Emei Girassol. Um deles é o de salas mais afastadas, que

não possuem um caminho coberto para o banheiro. “Quando chove, a água acumula fora das salas e as professoras levam as crianças no colo”, expli-ca. O pedido é por uma cobertura no corredor que leva até a sala. “Já pedimos um toldo, mas a prefeitura não resolve”, diz Sandra.

EDUCAR PARA PROTEGER

Revisora de qualidade de um fábrica de solados,

Márcia mora há 13 anos na Vila Brás e tem quatro filhos. A mais nova, Isla, de 5 anos, também está no último ano da Emei Giras-sol. Em 2015, irá para a Emef João B. M. Goulart, assim como fizeram seus irmãos Andrei, de 10 anos, e Iuri, de 11, que estão na 5ª e 6ª séries. Márcia acredita na qualidade do ensino oferecido nas esco-las do município e sonha com o futuro dos filhos. “Incentivo eles a conti-nuar estudando, ir para a faculdade como o mais velho, que está cursando Engenharia de Produção na Universidade Feevale. Ele é um exemplo para os pequenos”, conta.

Parte da preocupação de Márcia em manter os filhos na escola vem do medo da violência, pois quer educá-los para esco-lher bons caminhos. “Te-nho medo do futuro deles aqui na Brás. É muita vio-lência e está aumentando. Este foi um dos anos mais violentos desde que eu vim morar aqui”, afirma. Ela relata que já viu crimes, como assassinatos, se-rem cometidos na Brás e tem medo de que sua família sofra com isso. “Educo e converso mui-to com meus filhos para eles não se envolverem com drogas e com coisas erradas, mas tenho muito medo de uma bala perdi-da”, conclui Márcia.

à

LUÍSA VENTER

JÚLIA BONDAN

Falta de ensino médio interrompe os estudosDIFICULDADE

Frequentar a escola é uma opção disponível para os moradores da Vila Brás. A agente de saúde Laura Stonehause, que mora e tra-balha na Vila, afirma que a educação no bairro evoluiu. “No meu conhecimento, a aproximação dos alunos com a escola, o interesse em estudar, melhorou mui-to. Aqueles que abandonam os estudos hoje em dia vol-tam para fazer a Educação de Jovens Adultos (EJA)”, relata a moradora. Laura tem dois filhos que estudam na escola local, a Emef João Goulart, e que relatam uma maior atenção tanto dos pro-fissionais quanto da comu-nidade em comprometer-se com o ensino.

Porém, a opção de estu-dar vai até as séries iniciais, pois a escola no bairro conta apenas com o nível de en-sino fundamental. Há anos, os moradores solicitam a

implantação de uma escola pública que vá até o final do ensino escolar, o ensino mé-dio. No entanto, a ideia ain-da não se tornou realidade. Segundo o diretor da Emef João Goulart, Claudio Celso Hatje, três escolas suprem a necessidade de educação da região, que engloba a Vila Brás e o bairro Santos Dumont. Porém, o ensino oferecido é limitado até o final da etapa fundamental. Para os jovens que querem ir mais longe nos estudos, a opção é ir para próximo do centro da cidade. “Temos três escolas aqui perto, a João Goulart, que fica na Brás, e duas outras, que fi-cam no bairro Santos Du-mont”, explica o diretor. Ele ainda afirma que a Escola Estadual Firmino Acauan possui infraestrutura para oferecer ensino médio, porém isso não acontece. “Parece má vontade, pois

a única coisa que a escola não possui para oferecer o ensino médio é um ginásio e isso nós, da João Goulart, colocamos à disposição”, informa o educador.

Procurada pela redação do Enfoque Vila Brás, a

educadora e coordenadora do Conselho Estadual de Educação, Marinês Pariz, confirmou que a inclusão da escola no nível médio está em tramitação. Ela afirma que os pedidos não aconte-cem no mesmo ano de so-

licitação. “Esse pedido foi encaminhado no início do ano para o Conselho e acre-dito que para 2015 o nível médio seja uma realidade na região”, explica.

As colegas Isla e Tainá, com

as mães Márcia e Sandra, estão no último ano da creche

Apesar de os alunos

demonstrarem interesse, dar continuidade à educação não é uma realidade no bairro

à

à

-

-

LAURA00/STOCK

RICHARD BRUNO

IZADORA MEYER"

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4. INTEGRAÇÃO

Um dia para brincar em famíliaParticipação dos pais na educação

dos filhos é o grande objetivo de atividades promovidas pela Emei Girassol

Espaço de beleza, brinquedos, alimen-tação, artesanato. Esses elementos

fizeram parte do Dia da Família, que a dona de casa Lisandra Rodrigues Barbosa participou com a filha Nayla, de cinco anos. “A oportunidade é muito boa porque, às vezes, em casa, não temos tempo de brincar com nossos filhos. E hoje, por exemplo, até o vô e a vó vieram junto”, relata. Com uma pintura no rosto, feita durante a festa, a pe-quena Nayla estava animada para brincar com as outras crianças e se divertia com a mãe na pracinha. “Ela ficou a semana inteira pedindo pra gente vir e lembrando da festa”, conta a mãe.

O dia descrito por Li-sandra foi proporcionado pela Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Girassol, da Vila Brás. O grande objetivo foi pro-mover a integração entre a comunidade local e a escola, incentivando ainda mais a participação dos pais na educação de seus filhos. “É uma atividade muito gratifi-cante, pois os pais se enga-jam tanto quanto as crianças nesse processo. Desde a or-ganização, até a doação dos ingredientes para os lanches

e a própria participação no dia”, destaca a supervisora da escola, Cássia Caroline da Silva Wagner.

A Emei atende crianças de zero a cinco anos e 11 meses e procura celebrar sempre o Dia da Família, uma tradição na escola. “Essa é a nossa primeira fes-ta, pois assumimos a escola há um mês. Mas queremos que aconteça pelo menos uma vez por ano”, revela a diretora da instituição, Ma-risa Machado de Azeredo.

Lisandra tem mais dois filhos, Taumaturgo, de 21

anos, e Wendel, de 19 anos, e conta que os dois também estudaram na Emei, mas que não tiveram a opor-tunidade de participar de um Dia da Família. “Anti-gamente, essas atividades não existiam na escola e a gente sentia muita falta de ter esse tempo. Hoje, está bem melhor”, destaca.

Para a escola, a ativi-dade não serve apenas para integração, mas como um exemplo de educação para as crianças. “Acreditamos que o exemplo é a melhor forma de educar. Então

com os pais vindo aqui, as crianças já crescem com um pensamento importan-te sobre a escola”, acredita Cássia. “Acho que o mais importante, o que fica para os nossos filhos, é a lem-brança, a memória de que eles tiveram um Dia da Fa-mília na escola. Isso é muito importante para a educação e o desenvolvimento deles aqui”, destaca Lisandra.

Os pais também par-ticiparam da organização da festa doando alimentos, bebidas e até material para fazer a decoração da esco-

la. O dinheiro arrecadado com os lanches vendidos será revertido em obras de melhoria na sede da creche, entre outras ações. “Depois vamos reunir toda a comu-nidade e decidir o que fazer com essa verba”, explica a diretora da instituição. Mas, além dos benefícios físicos que a atividade pro-porcionou, fica a alegria e o sorriso no rosto das crianças que puderam vivenciar esse momento especial ao lado de seus pais.

à

Uma vida dedicada às criançasVOCAÇÃO

A casa de Sirlei Boas-quelvis é simples e emana uma energia acolhedora. Na varanda, um cantinho espe-cial está reservado somente a brinquedos. Com semblan-te feliz, ela conta que há 25 anos resolveu abrir as portas de seu lar para desenvol-ver o trabalho que acredita ser sua vocação: cuidar de crianças. E afirma que não pretende parar tão cedo. “É uma felicidade. Eu me sin-to realizada cuidando deles e as mães ficam tranquilas porque sabem que trato todos como se fossem meus filhos. Enquanto eu puder, eu vou cuidar deles”, diz.

Atualmente, ela é res-ponsável por seis crianças de nove meses a seis anos. A rotina é de brincadeiras, hora das refeições, hora do sono e realização das atividades da escola, para aqueles que estudam no outro turno. Alguns finais de semana,

quando é preciso, ela tam-bém fica com as crianças. “Quando as mães precisam trabalhar aos sábados, eu fico com eles”, conta.

A ligação de Sirlei com os pequenos é tão grande que alguns chegam a chamá-la de mãe. “Como eles ficam mui-to tempo comigo, eles veem

em mim uma figura de mãe, eu fico emocionada”, revela.

Aos 50 anos, Sirlei é mãe de três filhos, dois ho-mens, de 17 e 24 anos, e uma menina, de 11. E ela consegue conciliar bem o cuidado dos filhos, da casa e das crianças. “A minha filha gosta muito de me ajudar,

dá mamadeira para os bebês e conta histórias pra eles”, conta, ressaltando que, às vezes, o trabalho doméstico tem de esperar. “Eu procuro deixar tudo em ordem, mas no horário em que estou com as crianças fico totalmente envolvida. Quando entrego a última criança, aí sim faço as minhas coisas.”

Sirlei conta que sua vontade é melhorar a es-trutura para proporcionar mais conforto às crianças. “Um pastor vai me trazer umas mesinhas e cadeiri-nhas. Com o tempo vamos melhorando”, diz, ressaltan-do que para complementar a renda também trabalha informalmente como ven-dedora de roupas.

COMO TUDO COMEÇOU?

A trajetória de Sirlei

como cuidadora começou

dentro da Igreja Cristo Ope-rário, localizada na Vila Brás. Na época, o local oferecia o serviço de creche às crianças do bairro. Encantada com o trabalho, ela descobriu que era isso o que gostava de fazer e decidiu daí em dian-te acolher, cuidar e educar crianças em seu próprio lar.

Hoje, conhecida na Vila Brás por sua dedicação às crianças, Sirlei recebe vi-sitas daqueles que um dia passaram por ali. “Tem um rapaz que eu cuidei há muitos anos, ele tem a idade do meu filho. Hoje ele está casado e às vezes passa por aqui para ver como estou”, conta.

“A gente fica sempre com eles na lembrança quando deixam de vir. É bom saber que eles tam-bém não me esquecem e que exerci bem o meu papel na vida deles”, comenta.

Os pequenos se divertem com pais,

professores e colegas na atividade especial promovida anualmente pela creche

à

Sirlei mostra as bonecas que

utiliza durante as brincadeiras

à

IZADORA MEYER"

BETINA VEPPO

ALINE SANTOS

GABRIELA CLEMENTE-

MÉURIN FASSINI-

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FUTURO .5

Em busca de canudosA faculdade ajudando na

conquista dos sonhos dos jovens

Mesmo que o local ofereça apenas uma esco la municipal que

atende os alunos de nível fundamental, os jovens da Vila Brás buscam alternati-vas para concluir o Ensino Médio e um curso superior. Eles esperam que os diplo-mas ajudem a garantir um futuro melhor e a realização de seus sonhos.

Liani Lucia Zimmer da Silva, 33 anos, tem dois filhos e um olhar que ilu-mina o rosto ao dizer que é formada em Pedagogia. Ela mora na Brás há 14 anos, desde que chegou do Paraná com dois objetivos na baga-gem: construir uma família e conquistar uma formação. Quando iniciou a graduação na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), engravidou do primeiro filho. Na formatu-ra, alguns anos mais tarde, estava grávida novamente. “Os meus sonhos foram se construindo juntos. Hoje me orgulho por não ter in-terrompido os estudos”, diz a pedagoga, que já sonha em ver os filhos na faculdade.

Desistir também não fará parte da história de Tayline Antunes da Silva, 20 anos.

Ela cursou o Ensino Funda-mental na Vila Brás, seguiu para o Ensino Técnico no centro da cidade e, posterior-mente, conseguiu uma bolsa de estudos integral através do Programa Universidade para Todos (ProUni) para cursar Administração na Unisinos. Ao concluir um semestre, de-cidiu mudar para Engenharia Mecânica, mesmo sabendo

que perderia a bolsa. “Hoje trabalho só para pagar meus estudos, mas estou muito fe-liz”, conta. Seus pais, cuja mãe completou a 8ª série e o pai concluiu a 4ª, são sua maior motivação para seguir em frente. “Tenho três irmãs mais novas e quero que elas cheguem à faculdade. Temos que ter um futuro melhor do que meus pais”, ressalta.

Neuza Abreu Parahiba, 20 anos, também alterou o rumo do seu sonho. Ela é estudante de Gestão de Re-cursos Humanos (RH) na Unisinos, na modalidade de Educação à Distância (EaD). A jovem cursou três anos de Administração de Empresas, matriculando-se em poucas disciplinas, em função dos altos valores. Trabalhou em

diversos lugares e concluiu que teria que mudar de pla-nos para ser feliz profissio-nalmente. “Li muito sobre o curso de Gestão de RH e me vi trabalhando na área. Escolhi a opção EaD, pois era mais barato e consegui-rei me formar antes”, conta Neuza, que hoje atua na TV e na Rádio Unisinos. Ela sabe que faz parte de uma minoria na Vila Brás que terminou o Ensino Médio e chegou à Universidade. Segundo ela, muitas amigas engravidaram cedo e pararam de estudar. “Eu devo essa conscienti-zação aos meus pais, que sempre me alertaram: sem estudos é difícil dar o melhor aos filhos”, diz a estudante, que namora há seis anos, mas quer concluir os estudos an-tes de ter filhos.

As três moradoras cita-das anteriormente não têm apenas a vontade de estudar em comum. A história delas se cruza de outra forma: as jovens Tayline e Neuza cui-davam do primeiro filho da Liani enquanto ela ia para as aulas de Pedagogia. “Ver ela na Faculdade, mesmo dei-xando o filho em casa, me ensinou a nunca desistir. É difícil pagar a universidade, mas eu sempre lembro que a Liani seguiu com os estudos, apesar de duas gravidezes”, conta Tayline.

à

Oportunidades para continuar os estudosDETERMINAÇÃO

Com a proximidade das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), jovens da Vila Brás se preparam para disputar uma bolsa de estudos em universidades da Região Metropolitana. A falta de condi-ções financeiras e de tempo para estudar são alguns dos motivos que adiam a concretização do sonho da graduação. As bolsas oferecidas pelo Programa Uni-versidade para Todos (Prouni) e Sistema de Seleção Unificado (Sisu) são opções aos que não têm condições de pagar.

A atendente de loja Camila Batista Blauth já concorreu duas vezes a bolsas do Prouni, mas não conseguiu a vaga para o curso de Ciências Contábeis. “Desde 2009, estou tentando, tanto na categoria parcial quanto integral, mas não consegui”, lamenta. Ela prestou vestibular em duas universidades, passou em uma delas, mas desistiu por conta dos altos valores.

Aos 23 anos, realizará a prova do Enem novamente neste ano. “Espero que eu con-siga a bolsa de estudo”, torce. Caso isso não ocorra, Camila irá prestar o vestibular novamente

e tentará pagar a graduação. “É um objetivo que preciso atin-gir”, reforça. De acordo com a jovem, o número de bolsas é insuficiente para o número de candidatos. “Muita gente que teria condições de pagar a faculdade possui bolsa. Mas quem realmente precisa, muitas vezes não consegue”, salienta.

A estudante Shirlei Daiana

Dreier dos Santos, 17 anos, prepara-se para prestar o Enem e participar do Prouni e Sisu. Cursando o 3° ano do Ensino Médio na Escola Cristo Rei, ela divide o tempo entre traba-lhos escolares e a preparação para o exame. Desde o iní-cio do ano, Shirlei se prepara para a prova. “Estou utilizando livros didáticos e apostilas,

além de conversar com meus professores para tirar dúvi-das”, conta. A rotina da jovem é intensa: são cinco horas de estudo diárias em casa, além do período na escola. Shirlei também participa de grupos de estudo online.

O sonho da jovem é cursar Odontologia em uma univer-

sidade federal, mas está ciente de que não é fácil conseguir a vaga. “Vou me inscrever no Prouni e no Sisu, porém, na minha opinião, deveriam ser disponibilizadas mais bolsas para ampliar o acesso de todos à universidade”, comenta.

Tayline, Neuza e Liane se destacam

na Brás por fazerem parte de um seleto grupo que chegou à faculdade

à

OS PROGRAMASO Programa Uni-

versidade para Todos (Prouni) foi criado em 2004, com o objetivo de oferecer bolsas de estudo integrais e par-ciais em instituições de ensino privadas. Para concorrer às vagas, é preciso ter cursado o Ensino Médio em escola pública ou ter sido bolsista em edu-candário particular. Além disso, é preciso ter realizado o Enem.

O Sistema de Seleção

Unificado (Sisu) oferece bolsas de estudo para os estudantes que realiza-ram o Enem. As vagas são disponibilizadas em instituições públicas de ensino superior na mo-dalidade presencial. O candidato pode esco-lher até duas opções de curso no momento da inscrição. Diariamente o sistema calcula a nota de corte para cada curso, de acordo com o núme-ro de vagas oferecidas e total de inscritos.

Shirlei aproveita o

tempo livre para estudar para o Enem

à

CASSIO PEREIRA"

CAROLINA SCHAEFER

JÚLIO HANAUER

CAMILA MAYURI-

DAIANE TREIN-

Page 6: Enfoque 147

Os empregos dos sonhosMoradores da Vila Brás contam

suas aspirações profissionais

O trabalho digni-fica o homem e enobrece a alma. Mas, para os

moradores da Vila Brás, qual é o real significado de ter um emprego? E se pudessem exercer qualquer profissão, qual seria? Para Márcia Garcia Gonçalves, 45 anos, a ocupação ideal seria possuir uma fábrica de bolsas. A dona do Merca-do Gonçalves, residente da Vila há aproximadamente 30 anos, admite que a ideia de ter sua própria fábrica de bolsas está mais para um sonho do que um plano.

Assim como Márcia, Alex Pol, que atualmente trabalha com curtimento de couro em Novo Hamburgo, também almeja outra pro-fissão. O jovem de 25 anos, que reside na Brás há 15, gostaria de ser engenheiro civil, mas afirma que é di-fícil, pois faltam recursos e incentivos.

Quem compartilha a mesma profissão dos so-nhos de Alex é Oscar de Lima. O servente de 31 anos reside na Vila Brás há cinco, é pai de cinco filhos e afirma que gostaria de ser engenheiro civil, porém ale-ga que falta tempo para se dedicar a tal sonho.

Diferente de Oscar, Alex e Márcia, há casos como o de Libano Camar-

go, 44, e Sérgio dos Santos, 32. Ambos eram donos de mercados, mas se desfize-ram dos estabelecimentos, pois “era muito cansativo”, conforme Sérgio. Residen-te da Brás há 24 anos, ele pretende inaugurar uma lancheria em setembro. Já Libano, possui um bar há dois. Tranquilo, afirma que não tem sonhos, mas ao testemunhar a carreata de um candidato a deputado estadual revela em tom de brincadeira que “gostaria de ser político para ganhar bem e não fazer nada”.

Na Brás, há também pessoas que não traba-lham porque não podem. Esse é o caso de Aline Fontoura. A dona de casa de 26 anos reside na Vila desde que nasceu, e afir-ma que gostaria de traba-lhar fora, mas não pode porque não conseguiu creche para o filho Wa-ndryus, 5 anos, que tem necessidades especiais.

Há também a história das irmãs Luana e Vitó-ria Moraes, 22 e 16 anos respectivamente, que tra-balham na loja dos pais, a Varejão dos Móveis. Lua-na, que concluiu o ensino médio, relata que gostaria de ser enfermeira, mas ad-mite que trabalhar na loja dos pais é mais confortá-vel. Porém, a jovem - que mora na Brás há quase um ano – afirma que em 2015 iniciará um curso técnico para realizar seu sonho. Já a irmã mais nova afirma que gostaria de ser repórter. Vi-

tória, que deixou os estudos ao concluir o ensino funda-mental, conta que pretende começar o ensino médio no próximo ano. Apesar das profissões mencionadas, a caçula relata que “na ver-dade, gostaríamos de ser cantoras, mas não temos

talento”. Cristiane Moraes, mãe das meninas, adminis-tra a loja, mas conta que adoraria ser arquiteta, ape-sar de não gostar de estudar.

Entre comodismo e falta de oportunidade, surgem relatos como o de Márcia Schutze: a dona do Brechó

Maisa reside na Brás há 12 anos e revela que “assim que as crianças se forma-rem, iremos para o interior, ter um sítio, pois lá a vida é mais tranquila e o ar mais limpo”.

à

Fope auxilia desenvolvimento de jovensDISCIPLINA

A Força Patriota Estu-dantil (Fope) já é conheci-da pelos moradores da Vila Brás, mas muitos desconhe-cem sua origem. Em 1º de agosto de 2005, Daniel Mo-retto fundou a organização civil não governamental, sem fins lucrativos, na cida-de de Bauru, São Paulo. Mas Moretto queria ir mais além: expandir a iniciativa pelo Rio Grande do Sul, sonho que conseguiu concretizar. Hoje, a Fope está espalhada por dez cidades gaúchas, en-tre elas São Leopoldo.

Na Brás, há mais de um ano o curso pré-militar ocorre todos os sábados, das 9h às 12h, na Escola Municipal João Goulart. Aproximada-mente 50 alunos, com idades entre 7 e 17 anos, participam do projeto.

Morador da Brás, Jorge Augusto Sosa Boita, 16 anos, começou como aluno da Fope há quatro anos e meio

e hoje tornou-se monitor vo-luntário. Ele relata que são organizadas atividades teó-ricas, como palestras sobre valores da vida, aulas sobre a carreira militar e atividades práticas como carregamentos de feridos, noções de primei-ros socorros, flexões, rastejos, orientação na mata, abrigo improvisado e saídas para acampamentos, desfiles cívi-cos e visitas a exposições. O estudante diz que os alunos, com o uso de bateria de celu-lar e lã de aço, já aprenderam a fazer fogo e que na semana passada eles fizeram comida. “O cardápio foi arroz e ovo”, diverte-se Jorge.

Vitória Gonçalves, de 13 anos, é aluna do projeto há um ano e dez meses. Ela afirma que o curso é bom porque tira as crianças do mundo das drogas. Já Alana Zimmer, de 10 anos, diz que sonha em ser militar. “Acho que vai ser bom porque assim vou ter

mais respeito em casa”, diz.A pedagoga Clarice Bor-

soi acredita que a proposta pe-dagógica da Fope é positiva. “O projeto contribui para o desenvolvimento de crianças, jovens e adolescentes ao se perceberem como indivíduos que fazem parte da sociedade, ensinando valores éticos e morais, ao mesmo tempo em que auxilia no ensino-apren-dizagem. Tirar indivíduos de áreas de risco ou alienados em frente às mídias como tablets, celulares ou televisões para fazerem parte de um apren-dizado interdisciplinar que os leve a compreender o mundo que os cerca e a se tornarem cidadãos úteis e responsáveis é sempre um fator positivo”, afirma.

De acordo com a psicó-loga Caroline Martini Kraid Pereira, que é especialista em transtornos do desenvolvi-mento na infância e adoles-cência, geralmente práticas

que se utilizam de esporte e disciplina são organizadoras e estruturantes para os jovens, que buscam alternativas para lidar com as dificuldades e an-seios de seu cotidiano. “Pro-mover atividades e ações mo-nitoradas por adultos, desde que atentos às possibilidades das fases de desenvolvimento

das crianças e adolescentes, auxilia no processo de inde-pendência e autonomia destes e, consequentemente, pode contribuir para um desen-volvimento mais saudável desta comunidade onde está inserido o cidadão”, justifica.

PEDRO KESSLER"

MAURÍCIO WOLF-

BRUNA ARNDT-

Após a formatura, Maisa irá se mudar

com a família para um sítio em busca de uma vida mais tranquila

à

GRAZIELE IARONKA

ONG realiza projeto com o objetivo de

afastar jovens das drogas e criminalidade

à

ALINE SANTOS

6. ESPERANÇA

Page 7: Enfoque 147

CONCORRÊNCIA .7

O filão de mini-mercadosHistórias de empreendimento que

mudaram vidas

Dentre as inúmeras ativida-des de comércio realiza-das na Vila Brás, desta-ca-se o grande número de

mini-mercados. Uma concorrência advinda da busca de oportunidades para uma vida melhor. Carnes, frios, verduras, bebidas e utensílios diários são facilmente encontrados em cada quadra da avenida Leopoldo Wasun, uma das principais vias do bairro. A variedade de mercadorias disponí-veis ao alcance dos moradores torna confortável o acesso às principais necessidades de consumo.

Neri de Oliveira, 36 anos, há quatro anos teve a oportunidade de mudar de vida e ser dono do seu próprio negócio, o Mercado Carla. Natural de Santo Ângelo, mora na Brás desde 1989. Ex-funcionário de uma empresa de borracha, teve em 2011 a chance de adquirir seu próprio estabelecimento. Pai de três filhos, Neri sustenta a família com a renda obtida em seu negócio, que conta com o auxílio de sua esposa Carla e de seu filho, Natan. Trabalhando diariamente, Neri tem orgulho da escolha que fez. “O que conquistei aqui em quatro anos, trabalhando em firma eu não conquistaria nunca.”

Raúl Berlitz, 46 anos, também

transformou sua rotina com a ativi-dade de comerciante. Proprietário do Mercado e Açougue Kelly, mora na Brás desde 1990, quando teve a oportunidade de adquirir seu pri-meiro terreno. Nascido em Novo Hamburgo, trabalhou como agente de cobrança para um escritório de advocacia e depois como vigilante. A oportunidade de abrir seu pró-prio negócio surgiu após vender um caminhão, que utilizou para fazer fretes para uma madeireira por quase dez anos.

Com histórias semelhantes, Oliveira e Berlitz construíram seus negócios a partir de oportunidades. Em busca de uma maior qualidade de vida, lançaram-se no empreen-dedorismo, mesmo sem experiên-cia. Suas opiniões sobre o negócio, entretanto, são um pouco distintas. Oliveira trabalha diariamente com a certeza de que o ramo que esco-lheu é gratificante. Com fluxo de caixa, vendendo à vista, a prazo e com variadas bandeiras de cartão de crédito, está satisfeito com cus-tos e resultados e, principalmente, com a venda de bebidas. Berlitz, que trabalha também com açougue, além do mercado, tem percebido uma oscilação nas vendas devido ao aumento de custos e mudanças sofridas no mercado de carnes.

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Muito do mesmo epouco do diferente

O preço de pagar as contas

IGUALDADE PRECARIEDADE

A Vila Brás possui uma grande quantidade de comér-cios. Basta andar pela avenida Leopoldo Wasun, principal acesso do bairro para perce-ber que os estabelecimentos se repetem: mercados, lojas de roupas, salões de beleza, bazares, entre outros. Mas assim como existem muitas ofertas de um mesmo tipo como, por exemplo, os ba-zares, também há os que são em menor número como as-sistências técnicas, ferragens e agropecuárias.

José Ernesto Hoch, 59 anos, é proprietário da agro-pecuária Terra Nativa há 15 anos. Nascido e criado na re-gião, mantém seu negócio em família. Além dele, a esposa Eva, 54 anos, e o filho Ismael, 24 anos, ajudam a tocar a loja. A agropecuária também possui uma variedade de produtos para pets: camas, roupas, co-leiras, caixas de transporte e medicamentos, entre outros. Mas mesmo com tantas op-ções, o item mais vendido são as rações.

Em outro ponto da via existe outra agropecuária, mas esta possui um diferen-cial. A Vieira Becker é fer-ragem e agropecuária. Luis Cláudio Machado Oliveira,

46 anos, trabalha lá há cinco anos e relata como é o fluxo de clientes no local: “O maior movimento é no fim de sema-na, mas com a Copa diminuiu bastante”, conta. Os produtos mais comercializados são os de reparos, como parafusos. “As miudezas são as mais vendidas, além das tintas e rações”, afirma.

Apesar de a Vila Brás contar com ferragens, alguns moradores preferem não com-prar materiais de construção por ali, alegando que o custo é maior que em outros lugares nos bairros vizinhos. O pedrei-

ro Fernando Torres, 23 anos, compra seus materiais em uma ferragem no bairro Santos Dumont porque a diferença de valor é grande. “Costumo comprar meus materiais na Ferragem São Jorge, que é fora da Brás, porque é mais barato e lá tem o tipo de cimento que eu uso. Fiz um orçamento para comprar tudo em um único lugar. Lá na São Jorge, tudo sairia por R$ 12 mil, enquanto aqui passava dos R$ 20 mil. Aqui eu só compro miudezas mesmo.”

Tarefas como pagar uma conta ou sacar algu-ma quantia em dinheiro, necessárias e comuns ao cotidiano das pessoas de qualquer lugar, ainda são um problema para os moradores da Vila Brás. Ana Paula Machado tra-balha como cabeleireira em um salão de beleza no bairro e confirma o desejo da população em contar com os serviços de uma lotérica. Ela explica essa necessidade: “Nesta se-mana, eu precisava pagar um boleto bancário e não tive tempo, por estar tra-balhando. Como não há lotérica aqui, tive que ligar para um motoboy para que ele fosse pagar a conta na agência do bairro Santos Dumont. Isso me custou mais R$ 7”.

A cabeleireira comen-ta que as condições da loté-rica no bairro vizinho são precárias, e que, devido à demanda de pessoas a serem atendidas, as filas sempre estão grandes. “Às vezes, eu levo bem mais do que uma hora quando vou pagar alguma conta, desde o trajeto para ir e voltar e até o tempo que eu demoro para ser aten-

dida lá.” Além disso, Ana diz que há cerca de quatro meses os próprios usuários da lotérica contribuíram, cada um, com a quantia de 1 real para que fosse com-prado um ventilador para o estabelecimento, que não possuía nenhum tipo de ventilação em pleno verão.

Mas não são somente as lotéricas que fazem falta na Vila Brás, uma vez que o local também não conta com a presença de agên-cias bancárias. O benefi-ciário Misael Santos, que mora na região há 16 anos, diz que um local onde a população possa pagar as contas e realizar depósi-tos e saques de dinheiro é uma grande necessidade. Porém, se diz contrário à abertura de um banco no bairro. “Acho que para termos uma agência, se-ria preciso bastante vi-gilância. Mesmo assim, acredito que as pessoas que moram aqui saberiam respeitar os outros e evi-tariam esse tipo de pro-blema”, afirma. Segundo Misael, a solução seria a instalação de caixas ele-trônicos 24 horas.

Raúl Berlitz, dono do Mercado e Açougue Kelly, reflete sobre as mudanças no comércio de carnes

Neri de Oliveira, proprietário do Mercado Carla, atende confiante no sucesso de seu negócio

à

à

José Ernesto Hoch, 59 anos,

mostra um pouco dos produtos que vende há 15 anos na Vila Brás

à

PEDRO KESSLER"

MARIA XIMENA

ANGELO DAUDT-

KAROLINE CARDOSO-

ANGELO DAUDT-

DOUGLAS RIPEL-

RUDINEI MACHADO

Page 8: Enfoque 147

8. SUCESSO

Família domina o comércioO empreendedorismo está no sangue dos

Vieira

Há décadas a família vem ganhando a vida no co-mércio na Vila Brás. São nove irmãos e sete levam

o sobrenome ao ramo de diferentes formas. Dos sete, seis optaram por se manter no bairro. Além dos ir-mãos, outros membros da família seguiram o mesmo caminho, como Rúbio de Barros, esposo de Viviane Vieira Becker de Barros, que diz ter “entrado emprestado na família”.

Em apenas uma quadra da Ave-nida Leopoldo Wasun encontra-se a Drogaria Vieira Medicamentos, a Vieira Ferragem e o Centro Co-mercial Vieira. Na mesma avenida ainda estão localizadas a Ferragem Vieira Becker e a RV Cell, dos pro-prietários Rúbio e Viviane, filha de uma das irmãs Vieira. Além destes, estabelecidos na Vila Brás, outros dois irmãos Vieira possuem empre-endimentos no bairro Campina, uma empresa de reciclagem e um merca-do. Apenas um dos irmãos mora no interior do Estado. Separadamente, os irmãos e suas respectivas famí-lias adotaram o nome Vieira para seus negócios, pois dizem que “pe-gou”. Eles contam ter aproveitado as oportunidades que surgiam e as pessoas no bairro passaram a comentar: isto é dos Vieira.

Cada irmão escolheu um foco do comércio. O casal Valmo da Rosa e Marilei Vieira da Rosa assumiu a Drogaria Vieira Medicamentos há um ano e meio, no próprio prédio comercial que possuem duas salas. Há 20 anos como empresários, a família já abriu uma creche, uma ferragem, uma empresa de turismo e a atual farmácia, a qual se en-

contra aberta, bem como a Escola de Educação Infantil Sonho Meu. Recém-formada em Magistério, a filha Kalita Vieira da Rosa, de 18 anos, trabalha na farmácia e é professora na escolinha que atende 128 crianças hoje. Fundada há 19 anos, o estabelecimento foi uma realização de Marilei, o que explica o nome de Sonho Meu.

Segundo a agente de saúde Laura Tatiane Steinhaus Sauter, existe uma carência de creches no bairro, ha-vendo hoje apenas três para atender toda a comunidade. Destas três, duas são de membros da família Vieira, a Sonho Meu e a Cantinho do Céu, o que Valmo vê como uma forma de trabalho oferecido para a comunida-de. “Na minha vida, tudo que coloco a mão Deus prospera”, afirma Valmo.

Sempre apoiando uns aos ou-tros, os irmãos Vieira seguem com os negócios dentro da família. O mais novo dos irmãos, Isaias do Nascimento Vieira, trabalha em uma das ferragens e acredita que o ambiente e o atendimento são o diferencial para que a clientela volte a procurá-los. Ele conta que os pais deles são da colônia e não sabe bem explicar o motivo de quase todos buscarem o empreendedorismo. “Deve estar no sangue”, diz ele.

A visão de negócios, consequen-te do entendimento de o que a co-munidade necessita, parece não ser inédito no bairro. Outras famílias já haviam tido essa visão de “rede de negócios” familiares décadas antes, mas por motivos também familiares optaram por não desenvolver mais os negócios. Os Vieira, ao contrário, optaram por desenvolver, expandir, ampliar e passar para suas próximas gerações. Como afirma Valmo: “Tu é o que tu faz, não o que tu tem”.

à

O cara da BrásCONFIANÇA

Todos têm uma pessoa de confiança que recorrem quan-do algo inesperado acontece: um cano furado, uma telha quebrada. Na Brás, uma das pessoas responsáveis por so-correr a comunidade nesses momentos é o Marcos Batista.

Nascido em Porto Alegre, Batista, 34 anos, vive na Brás há 23. Mudou-se com a família para o bairro aos 11 anos de idade, logo depois de terminar a 5ª série, e já entrou no merca-do de trabalho como servente de pedreiro. Foi durante essa época que adquiriu as técni-cas e o conhecimento que o transformaram em um dos “faz tudo” mais procurados da Vila – recebe, diariamente, diversas ligações com propostas de tra-balho e suplicas desesperadas de atendimento. “Teve um final de semana que deixei o celular desligado, para descansar, e, quando vi, tinha 27 chamadas não atendidas”, conta Batista.

Além de trabalhar como servente, Batista passou dez

anos ocupando a função de auxiliar na oficina mecânica do cunhado, o que lhe deu tempo e estabilidade para se aventurar como empreende-dor. Desde 2002, possui seu próprio negócio, uma empresa

de construção civil que atende Vila Brás e arredores. Geren-ciada pela esposa, Andrea Ra-mos Batista, 33 anos, e tendo como auxiliar e braço direito Ernani Neubergue, 33, a em-presa familiar presta serviço

para companhias de diversos ramos de atuação. Com pla-nos audaciosos, pretende se especializar e transformar a empresa de construção em uma esquadria especializada em produtos com a certificação PPCI (Programa de Prevenção e Combate de Incêndio).

Batista é pai de três filhos: Pâmela, com 15 anos, Vitória, 12, e Gustavo, 10, todos cur-sando a escola regularmente. “A Pâmela estuda no Cristo Rei (escola de ensino médio do bairro Cristo Rei) e ago-ra está fazendo um curso de AutoCAD”, comenta Batista ao explicar que a prioridade para os filhos é a educação. “A gente apoia bastante, inde-pendente do que eles escolhe-rem seguir”, afirma. Vitória e Gustavo ainda cursam a Girasol, escola de ensino fundamental da própria Vila Brás. “Me arrependo de não ter estudado mais. A educa-ção faz diferença, daí eu não precisava estar fazendo for-

ça agora”, completa Batista, com uma risada.

Contestando as estatísticas que indicam a Vila Brás como um dos bairros de São Leopol-do onde a criminalidade é mais latente, Batista afirma que a Vila é muito segura. “Pode ver, a gente não tem nem portão. As ferramentas ficam aí (expostas no chão) e ninguém mexe”, apontou.

Seus dados próprios sobre segurança e a conveniência de conhecer grande parte dos habitantes do bairro, além da proximidade com os grupos de amigos do futebol e da ECC (Encontro de Casais com Cristo), sustentam a posição do Marcos empreendedor e pai de família ao afirmar que, independente do sucesso pro-fissional com seu novo inves-timento, não sairia do bairro. “Aqui a gente conhece todo mundo e tem tudo por perto. Não deixaria a Brás”, finaliza.

Na extensão da mesma avenida

e levando o mesmo sobrenome nos diferentes graus de parentesco, os Vieira alocaram-se com empreendimentos em vários ramos

à

Desde 1991 na Brás, Batista é um

dos profissionais mais requisitados

à

LUÍSA VENTER"

ELIZANGELA BASILE

VICTÓRIA FREIRE

GIOVANA PEINADO-

FELIPE GAEDKE-

Page 9: Enfoque 147

OUSADIA .9

Empreender no mercado masculinoGisele Hoch investe na venda

de bebidas na região

A grande parte do comércio pre-sente na Vila Brás é represen-

tada por proprietários do sexo masculino. No que se refere aos bares, bo-tecos e venda de bebidas no geral, mais ainda é notável a presença de um homem no comando deste tipo de estabeleci-mento. A distribuidora Depósito e Comércio de Bebidas G.H, traz um di-ferencial. É comandada por uma mulher.

Até a distribuidora se estabelecer na Brás, há um ano e meio, não se tinha o conhecimento de um de-pósito de bebidas no local. O Depósito e Comércio de Bebidas G.H atualmente é considerado e registrado uma microempresa e está com toda a sua documen-tação em dia.

No início, o que a pro-prietária Gisele Hoch, de apenas 34 anos, possuía em seu empreendimento eram apenas 70 caixas que comportam garrafas de litrões e 50 caixas em que cabiam garrafas de 600 ml, para os primeiros estoques de vendas. Com os R$ 5 mil que faturou na venda do veículo que possuía na época, Gisele começou o seu negócio. A verba foi utilizada para adquirir, em leilões de

equipamentos usados, os primeiros freezers para armazenar e resfriar as bebidas.

Irmã de Gisele, Aline da Cruz, de 21 anos, é fun-cionária do depósito. Ela cuida do atendimento du-rante a parte do dia, e sua irmã na parte da noite. O estabelecimento fica aber-to das 9h30 até a meia-noite, de terças a domin-gos, com atendimento em horários prolongados nos finais de semana, dias de maior venda de bebidas.

A inauguração do Depósito e Comércio de Bebidas G.H aconteceu no dia 20 de fevereiro de 2013 e, desde então, mui-tas mudanças ocorreram. Não tinha piso, a garagem que serve de depósito não era fechada, não existia balcão de atendimento, nem banheiro, muito me-nos instalação industrial de luz para comportar os freezers do local. Através dos cursos de microem-preendedores que Gise-le fez no SEBRAE, ela conseguiu legalizar a sua empresa, agendar todas as vistorias necessárias para deixar o seu comércio em bom estado e dentro da lei. O depósito de bebidas possui todos os alvarás necessários para se manter de portas abertas e poder comercializar as bebidas para a comunidade.

Aline, irmã e funcio-nária do depósito, conta que a grande maioria da clientela que atende é de

famílias. Diz que nunca sofreram qualquer tipo de preconceito por serem mulheres no comando de um estabelecimento de um ramo que é totalmente masculino e que a comuni-dade aprova e consome as bebidas comercializadas

no depósito.A conquista da facha-

da da empresa se deu a mais ou menos dois me-ses atrás. Até então, o em-preendimento não era tão popular nem conhecido por parte dos moradores, que hoje frequentam o

lugar com mais assidui-dade. Aline também conta que moradores de bairros próximos e até mesmo do centro de São Leopoldo também vão até lá, e ga-rantem as bebidas para os seus eventos ali no depó-sito de sua irmã, já que o preço é mais acessível para compras em grande quantidade.

Mesmo sendo linha de frente em um ambiente totalmente masculino - em que é preciso negociar o preço de mercado das be-bidas, verificar melhor fornecedor e equipamen-tos para o empreendimen-to - o charme feminino das irmãs que tocam o comércio no bairro está no investimento que Gi-sele realiza no depósito. “Ela não lucra com ab-solutamente nada, todo o dinheiro que minha irmã ganha aqui, é investido aqui, em mais mercadorias e crescimento do depósi-to”, revela Aline.

As duas irmãs, que diariamente se revezam no atendimento do bal-cão, moram em uma peça nos fundos do Depósito e Comércio de Bebidas G.H, com a pequena Cecília, de apenas um ano e dez meses, filha de Aline. O trio femi-nino se tornou referência na comunidade, contribuindo com bebidas nos eventos do bairro e apoiando as famílias que mais neces-sitam de ajuda.

à

A primeira gráfica da VilaVISÃO

Há cerca de dois anos, a Vila Brás conta com ser-viços de artes gráficas, se-rigrafia e impressões, e a demanda dos serviços só aumenta. Carla Tainá Pol reside há 20 anos na Vila. Vinda de Nonoai, iniciou sua vida profissional como recepcionista em uma grá-fica em Portão, e foi lá que se entusiasmou com os tra-balhos realizados na área de design gráfico, onde traba-lhou por cinco anos.

Carla conta que, ao per-ceber que tinha possibilida-de de crescimento, se arris-cou e investiu, aprendeu o ofício na prática. Gostou da profissão e resolveu se especializar, buscou escolas que lhe dessem suporte de aprendizado. Com o curso de design gráfico em anda-mento, já recebia pedidos de ajuda para produção de folders, e outros auxílios vindos de vizinhos. Perce-

bendo que poderia cobrar pelos trabalhos realizados, terminou o curso e iniciou o trabalho profissional, em sua casa mesmo, de forma improvisada.

A necessidade levou Carla a abrir seu próprio negócio. Com a ajuda do marido, Marcos Antonio Kasprczak, passou a re-ceber as encomendas e a novidade se espalhou pela Vila. Registrou e abriu sua microempresa, onde fazem serviços gráficos, serigrafia em camisetas, banners e lo-nas, entre outros. Hoje, já com um espaço físico inde-

pendente da sua casa, pensa em expandir o negócio. “A demanda vem aumentan-do, atendemos pedidos de fora daqui também”, disse Carla, ressaltando que já se preparam para contratar funcionários. “Ainda não temos condições de pagar uma pessoa, mas vamos nos preparar para isso”, garante.

O casal trabalha de segunda a sexta feira. A empresa abre cedo, às 8h30 e, após o fechamento ainda trabalham nas peças. De-terminados a crescer, não se queixam da quantida-de de trabalho, e nem das madrugadas produzindo: “É o que gosto de fazer, quero expandir, contratar, ver crescer”, conclui Carla, orgulhosa pelo que está construindo, facilitando também a vida dos mora-dores da Vila Brás.

LUÍSA VENTER"

JOANA DIAS-

AUDREY LOCKMANN BARBOSA-

O trio feminino que comanda o comércio

de bebidas na Brás. No meio, Aline, funcionária do depósito de bebidas, mostra as fotos de sua irmã, Gisele, proprietária do estabelecimento e de sua filha, Cecília

à

A estrutura física da microempresa

está em expansão e poderá acolher futuros funcionários

à

ALINE SANTOS

BELISA LAZZAROTTO

Page 10: Enfoque 147

10. BELEZA

Vaidade e salões em altaÁrea estética tem crescido a

cada ano no local, principalmente entre o público feminino

A cliente entra no sa-lão com o telefone celular na mão: “Quero fazer este

corte de cabelo”, afirma, enquanto mostra a foto de uma atriz americana postada em uma rede social. Cabe à Francisca Pereira, 45 anos, atender ao pedido da jovem. Há oito anos, a cabeleireira e outras três colaboradoras mantêm um salão de beleza na Vila Brás.

Xica, como é conhecida pelos clientes, afirma que a procura por diferentes ser-viços na área estética tem crescido a cada ano no lo-cal, principalmente entre o público feminino. “Hoje a mulher quer estar bonita e se sentir bem. Mesmo as que não trabalham fora querem o cabelo bem cortado e as unhas pintadas.”

Moradora da Brás há 20 anos, a cabeleireira chega a receber 40 clientes nos dias de movimento intenso, in-clusive moradores de outras cidades do Vale do Sinos. “Eles vêm por indicação de pessoas que gostaram do nosso trabalho”, explica. Nestes oito anos, o salão já passou por uma ampliação de espaço físico e novas obras estão nos planos para os próximos meses.

A comodidade de con-tar com o serviço próximo de casa, de acordo com a cabeleireira, faz com que os moradores da Brás não precisem se deslocar aos demais bairros. “Não é uma questão de dinheiro. Muitos teriam condições para ir a salões no centro, por exem-plo, mas preferem utilizar os serviços daqui”, ressalta. Além disso, de acordo com ela, a inadimplência na Brás não foge dos números regis-trados em outros bairros de São Leopoldo.

Nos próximos dias, Xica viajará para São Paulo, onde participará de um evento sobre tendências em salões de beleza. “A gente precisa inovar, e oferecer um servi-ço qualificado. Sempre tem aquele cliente querendo um corte novo, uma nova cor no cabelo, e precisamos saber fazer para poder atender bem”, destaca.

A MELHOR PROPAGANDA É O BOCA A BOCA A auxiliar administrativa

Clair Andrade, 58 anos, é uma das moradoras da Vila Brás que utiliza os salões de beleza oferecidos no próprio bairro, onde mora há 25 anos. De acordo com ela, entre as principais van-tagens de utilizar os serviços locais, estão a facilidade no deslocamento e a convivên-cia de vários anos. “Outra coisa muito importante em um salão de beleza é a lim-peza. Isso nós temos aqui. Os salões da Brás não perdem em nada para os de outros bairros”, salienta.

O fato de os moradores da Vila Brás prestigiarem os empreendedores locais cha-mou a atenção de Éder dos Santos, 31 anos, morador do bairro Bom Fim. Ele atuava em uma empresa calçadista e, paralelamente, realizava curso profissionalizante de cabeleireiro. Há oito anos, decidiu montar o próprio negócio na Vila Brás. No prédio alugado por R$ 400 mensais, ele atende homens e mulheres. Entre os ser-viços oferecidos por Éder, estão cortes de cabelo de R$ 10, passando por mani-cure e pedicure, chegando às escovas progressivas que custam até R$ 80. “A me-lhor propaganda é o boca a boca”, afirma.

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Artigos usados ganham espaçoCOMÉRCIO

Como em muitos bairros, a Vila Brás está se notabili-zando por seu comércio local. Além de estabelecimentos que vendem produtos novos, também é possível encontrar mercadorias usadas com pre-ços mais acessíveis, como o brechó da Márcia Schutze e o brique do Maurício Garcia.

Márcia, proprietária do Brechó Maisa, começou reco-lhendo as roupas que a vizinha ganhava da igreja e jogava fora o que não utilizava. No começo, pagava aluguel para manter o estabelecimento, mas, com melhores condições financeiras, conseguiu com-prar um terreno pelo programa Minha Casa, Minha Vida, o que a ajudou muito para a afirmação do seu comércio.

Márcia conta que seus clientes não são somente da Vila Brás, já que muitas pes-soas vêm de Canoas, Portão, além de ter uma senhora que vem da Argentina a passeio e já aproveita para fazer com-pras. “Muitas pessoas que compram no brechó tem po-

der aquisitivo mais elevado, sendo que teriam condições de comprar um produto novo”, diz a empresária. Em muitas das vendas, Márcia vai à casa de clientes que são advogados e diretores, por exemplo, já que quando sabem que o bre-chó fica na Vila Brás, ficam com medo de ir pela fama de insegurança que possui.

Para sustentar os três fi-lhos, ela também conta com o salário do marido, que é funcionário público de São Leopoldo. Apesar da renda familiar servir para arcar com as necessidades básicas, ela se preocupa com a educação dos seus filhos. O mais velho tem o sonho de estudar o curso de Gastronomia e um dia se tor-nar chef de algum restaurante. Porém, o que dificulta que esse sonho se torne realidade é a mensalidade elevada do curso.

A Vila Brás possui um co-mércio bem diversificado, que vai de minimercados a briques e brechós para atender a uma população volumosa que em

sua maioria vive com difi-culdades financeiras. Como em qualquer outro lugar, tem estabelecimentos que conse-guem se firmar no mercado, bem como outros que 0não conseguem.

Uma dessas pessoas que está com dificuldade em man-

ter o seu comércio é Maurício Garcia, que possui um brique há três meses. No negócio, ele vende máquinas de lavar roupa, forno elétrico, entre outros. Garcia compra de ou-tras pessoas que não querem mais os produtos, geralmente estragados. Ele os conserta e

depois revende. Garcia fala que o seu tipo de negócio não está rendendo na Vila Brás, o que o faz pensar em fechar o estabelecimento. Como já morou em Porto Alegre, lem-bra que lá tinha mais clientes.

Morador de outro bairro, Éder

escolheu a Brás para montar o seu negócio. Francisca projeta um novo aumento na estrutura do salão

à

O Brechó Maisa, da

Márcia, existe há mais de cinco anos na Brás

à

CAMILA MAYURI"

RUDINEI MACHADO

BRUNA MATTANA

CASSIO PEREIRA-

ALINE OLIVEIRA-

Page 11: Enfoque 147

Trabalho manual une mãe e filha Negócio em família inova ao

oferecer serviços de arranjos de flores e enfeites para festas

A avenida Leopoldo Wasun, da Vila Brás, possui vá-rios estabeleci-

mentos comerciais como mercados, bares e lojas. No entanto, no número 729, um imóvel de cor roxa destaca-se como um negócio dife-rente dos demais. Logo na entrada do local, percebe-se a criatividade e o capricho da dona em expor os pro-dutos à venda. Sobre uma bancada, arranjos de flores artificiais coloridos são dis-postos um ao lado do outro

como em uma vitrine. “É a única loja de decoração da Vila Brás que vende flores”, revela Miria Schütze.

A Decoração Schütze, conforme o próprio nome sugere, há quatro anos ofe-rece serviços de decoração para eventos comemorati-vos, além de flores orna-mentadas e pinturas em tela e em parede. Miria é dona do estabelecimento e cria-dora dos produtos artísticos. No trabalho, ela conta com a ajuda da filha Camila Schüt-ze, uma jovem de 15 anos que deseja estudar Psicolo-gia. Enquanto Miria inven-ta novas criações, Camila observa o exemplo da mãe. “Admiro a capacidade dela de inventar coisas a partir

de algo simples como uma árvore”, diz a jovem. Até em casa a arte está presente. “Ela pintou a parede da sala de vermelho, comprou um sofá vermelho e o colocou em frente para pintar um pôr do sol”, revela a filha orgu-lhosa, admirando o dom da pintura de sua mãe.

A criatividade é uma ha-bilidade de Miria que surge naturalmente por meio da arte. A microempreende-dora de 42 anos afirma que gosta do que faz e conta que buscou uma especiali-zação fazendo um curso de balões. Mas, em relação à pintura, por exemplo, não é preciso muito esforço, como explica Miria: “A pintura se desenvolve, se projeta, sai

no momento da criação”. Ninguém na família dela trabalhou nesse ramo ainda. “Dizem que minha bisavó fazia arte, mas não tenho certeza”, comenta. “Eu não herdei esse dom artístico”, emenda Camila.

As atribuições de Ca-mila na loja da mãe são auxiliar na montagem dos enfeites de decoração das festas, receber os pedidos, atender os clientes e cuidar de algumas tarefas admi-nistrativas. As responsabi-lidades são cumpridas pela adolescente que gosta de ajudar os outros e de es-tudar. “Ela trabalha aqui e estuda também”, conta Miria. “Às vezes, ela faz tarefas da escola durante o

trabalho e continua de noite em casa”, diz a empresária.

O apoio da mãe não se restringe apenas à ocupa-ção da jovem no negócio da família Schütze. Camila também recebe o incentivo de Miria para seguir uma profissão e ingressar em uma universidade. “Ela gosta de estudar. A professora me disse que ela está tirando notas boas e que é uma das melhores alunas da turma”, comemora. “Já penso em fazer o Enem”, declara Ca-mila. O desejo de cursar Psi-cologia nasceu com o hábito de assistir aos filmes e às séries de TV sobre assunto. O livro que ela está lendo atualmente também traz essa temática. O autor: Augusto

Cury. O título: Colecionador de Lágrimas: Holocausto Nunca Mais.

PINTURAS PELA BRÁS

A artista Miria Schütze tem pinturas em paredes de duas Igrejas da Vila Brás. Elas podem ser vistas na Igreja Evangélica Assem-bleia de Deus – Ministério da Argentina do pastor Se-bastião Mendes e na Igreja Quadrangular. O pedido de Mendes era um grande painel com paisagem para ilustrar a parede do altar. O desejo foi atendido com cachoeiras, flores, árvores e ovelhinhas.

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Quando um hobby vira profissãoOPORTUNIDADE

Exercer uma atividade que se gosta – e que muitas vezes é tida como passatem-po – e transformá-la em algo rentável é o desejo de muitas pessoas. Com esse pensa-mento, Simone Domingues Teixeira – uma das artesãs mais conhecidas da Vila Brás –, 35 anos, decidiu investir profissionalmente nas habi-lidades adquiridas ainda na infância, quando estudava em um colégio de freiras e aprendia diariamente sobre trabalhos domésticos. “Nes-se colégio, nós aprendíamos a ser ‘prendas do lar’. Apren-díamos cozinha, alguma coi-sa de crochê, alguma coisa de ponto caseado. Mas nunca usei isso para ganhar dinhei-ro. Há quatro anos, comecei a mudar meu pensamento. Comecei a pensar que tinha tanto talento, mas nunca usa-va nenhum deles para nada, só para mim”, conta.

Como nunca havia tra-

balhado fora – sempre foi dona de casa –, Simone encontrou uma forma para obter ganhos extras e au-xiliar na renda familiar. Na medida em que produzia seu trabalho, chegavam as encomendas. As vendas, que iam muito bem, e o retorno positivo dos seus clientes, serviam de incentivo para que ela continuasse com a ideia e buscasse mais qualificação. Entre os 13 certificados de di-ferentes cursos que possui, conta que um deles foi realizado es-pecialmente para me-lhorar a divulgação de seu trabalho. “Eu fiz o de computador para montar a minha página (na rede social Facebook), e também para saber adminis-trá-la”, conta a artesã.

Consegu indo

manter a casa e o sustento dos seus três filhos com o dinheiro proveniente de seu artesanato e de seus outros trabalhos – ela também vende alfajores –, Simo-ne sempre buscou ter uma relação de proximidade

com seus clientes. Em um encontro com uma de suas compradoras, recebeu uma proposta: deveria aceitar um desafio nutricional para ter suas peças compradas. Também chamada de Fofa pelos conhecidos, Simone

possui problema com obesidade desde a in-fância. Sem pensar duas vezes aceitou e, em apenas três dias, teve o resultado. Fo-ram nove centímetros de medida perdidos com o desafio pro-posto. Sentindo-se melhor e contente com a novidade, de-cidiu prosseguir com o desafio e acabou o transformando tam-bém em negócio.

Mostrando mais uma vez seu espíri-to empreendedor, a artesã foi em busca de mais informações

sobre o produto. Além de cuidar de si, Simone viu que poderia incentivar outras pessoas da comunidade e aumentar sua renda. “Fui ver com os responsáveis como fazia e, descobri que além de usar eu poderia vender”, recorda.

Em parceria com uma amiga, decidiu montar um projeto, chamado Espaço do Projeto Verão. Em funcio-namento há pouco tempo, a iniciativa é realizada no pátio da casa de Simone e é destinada à prática de exer-cícios e à divulgação do seu trabalho. “Com esse projeto, um dia fazemos ginástica, no outro zumba, entre outros exercícios”, divulga. Aberto a todos que desejam parti-cipar, o projeto é gratuito, tendo custo apenas com o suplemento nutricional para quem queira.

À esquerda, Camila ajuda a mãe no

negócio da família. À direita, pintura de Miria na Igreja Ministério da Argentina tem paisagem com inspiração bíblica

à

Venda de trabalhos manuais e de

suplementos nutricionais garante renda para a família de Simone

à

CAMILA MAYURI"

DANIELA TREMARIN

FERNANDA FORNER

FABRICIA BOGONI-

SABRINA MARTINS-

DECORAÇÃO .11

Page 12: Enfoque 147

12. AUTONOMIA

Erguendo os seus próprios laresPedreiros utilizam

conhecimento para economizar em mão de obra e tempo

O ramo da constru-ção civil é um dos grandes responsá-veis pela geração

de empregos. E na Vila Brás não é diferente. De acordo com o presidente da Asso-ciação dos Moradores da lo-calidade, Cleber da Silveira, a maioria dos habitantes do bairro busca nessa prática a chance de melhorar de vida e proporcionar estabilidade financeira para a família.

Além de trabalhar na construção de obras alheias, alguns serventes, ajudantes e pedreiros aproveitam o conhecimento prático para construírem as próprias casas. Dessa forma, economizam com mão de obra e tempo de serviço. Na região conheci-da como Zona Verde, dentro da Vila Brás, essa questão é ainda mais frequente, pois a área está desapropriada, faci-litando a compra de terrenos com preços mais baixos do que o normal.

Esse é o caso do Fernan-do Torres, um maranhense de 23 anos que trabalha em Caxias do Sul, mas pretende se mudar para a Vila Brás para ficar mais perto da es-posa e dos filhos. A transfe-rência vai fazer com que ele deixe o emprego de carteira assinada na Serra gaúcha para trabalhar por conta própria no Vale do Sinos, o que anima o

jovem. “Trabalho um pouco mais, mas vivo melhor.” Com cursos técnicos de carpinta-ria, operador de guindaste e pedreiro, Torres acredita que não passará dificuldades. “Sempre tem alguma coisa pra fazer”, conta.

Vizinho dele, Valdir Antônio Schonz, 28 anos, também ergue o lar com as próprias mãos. O paranaense deixou a lida na roça para trás e se mudou para o Rio Grande do Sul há cerca de dez anos, para buscar tra-balho. A mudança forçou Schonz a procurar moradia, e ele encontrou na Vila Brás um terreno barato para criar seu lar. Casado e com uma filha de seis meses, aprovei-tou a experiência de pedrei-ro para construir a própria casa onde vai viver com a família. Mas o conheci-mento dele é apenas prático. Quando perguntado sobre cursos profissionalizantes, ele enfatiza: “Nem passa pela minha cabeça”.

Embora trabalhem por conta própria, tanto Schonz quanto Torres garantem que trabalho na Brás não falta. “É muita indicação. Termino um e já emendo em outro. Graças a Deus nunca fiquei parado”, afirma Schonz. Já Torres acredita que vai conseguir manter a família trabalhando por conta própria, pois conhece a região e sabe que oportu-nidade não falta. “Já morei aqui durante um ano e sei que tem trabalho”, destaca.

à

Setor de construção gera novos empregosBENEFÍCIO

O final de semana, período ut i l izado por mu i t a s pe s soas pa ra descansar, revela uma atividade em constan-te crescimento entre os moradores da Vila Brás: a construção e reforma de casas. A chegada do segundo semestre e o re-cebimento do 13º salário fazem com que morado-res procurem serviços como a reforma de pisos ou a construção de novos cômodos, sempre com o intuito de melhorar a vida no bairro. São mui-tas as atividades econô-micas responsáveis pelo sustento das milhares de famílias da região, mas a construção civil chama a atenção pela importância tanto na economia quanto no crescimento do bairro. As constantes reformas não só movimentam a situação financeira dos

moradores, como tam-bém permitem que alguns trabalhadores não saiam da Vila Brás em busca de outras oportunidades.

É o caso de Fernando Terres, 23 anos. Natu-ral de Cachoeira do Sul, onde era empregado de uma fazenda, deixou a cidade há três anos para se dedicar ao trabalho de pedreiro no bairro que acolheu sua família há mais de uma década. Casado e sem filhos, Fer-nando está construindo sua própria casa em fren-te à moradia dos pais. Para ele, o ritmo constan-te de trabalho traz con-forto para sua família. “Em Cachoeira, as opor-tunidades eram escassas, o que dificultava nosso sustento. Aqui na Vila Brás faço uma casa de quatro cômodos em três semanas e mesmo quan-

do o serviço não é tão grande, tenho um quarto para construir ou um piso de cozinha para trocar.”

As oportunidades ofe-recidas pela construção

civil no bairro encora-jaram o avô de Terres, o aposentado Leoni Terres, 66 anos, a se mudar de Cachoeira do Sul para São Leopoldo. “Comprei

uma casa ao lado da re-sidência de um dos meus filhos e quero ficar perto deles, dos meus netos e ainda complementar mi-nha aposentadoria com as obras que faço no bairro”.

A construção civi l não ajuda apenas apo-sentados a complemen-tar sua renda, mas traz também para famílias ativas a chance de me-lhores condições econô-micas. Auri Sclultz, 44 anos, funcionário de uma construtora em Canoas, não abre mão dos ganhos extras dos finais de se-mana. “Escolhi trabalhar como empregado para ter meus direitos garantidos, mas os serviços extras permitem um bom au-mento da renda no final do mês.”

Fernando busca tranquilidade

financeira realizando obras em casas do bairro

à

Valdir, acima, e Fernando, à

esquerda, colocam em prática a experiência na construção e erguem o lar com as próprias mãos

à

DOUGLAS RIPEL"

RICHARD BRUNO

GRAZIELE IARONKA

GABRIELA BOESEL-

DANIELA FLORES-

Page 13: Enfoque 147

MOBILIDADE .13

Investimento em duas rodasEm bairro predominado

pelo uso de bicicletas, torneiro mecânico faz do hobby sua profissão

Uma característica marcante da Vila Brás é a intensa circulação de bi-

cicletas, um dos principais meios de transporte da co-munidade. Por ser um ve-ículo de baixo custo e que facilita o deslocamento de curtas e médias distâncias, a “magrela”, como carinho-samente é chamada, vem ganhando cada vez mais espaço nas ruas devido às dificuldades de locomoção no trânsito.

Ronaldo Messa, torneiro mecânico de 34 anos, é mo-rador do bairro Santo Afon-so, em Novo Hamburgo, e apostou na ideia investindo no mercado das duas rodas. Há seis anos com uma loja especializada no conserto e venda de bicicletas na Vila Brás, Messa vem perce-bendo que cada vez mais pessoas se interessam pelo veículo. Na avaliação dele,

as dificuldades para se loco-mover de um local ao ou-tro, somadas ao aumento do custo do transporte público

e da gasolina, incentivam o surgimento de novos ciclis-tas. “Comecei no fundo do quintal, quase como hobby,

mas investi bastante com o passar do tempo e pretendo investir mais. Faço muita propaganda. O nosso merca-

do está crescendo cada vez mais e a tendência é seguir nesse ritmo.”

O investimento vem

rendendo bons frutos. Gra-ças à loja, Ronaldo Messa conseguiu comprar carro e casa própria. Em um bair-ro onde um dos principais meios de transporte é a bi-cicleta, valores como orga-nização e honestidade são segredos para ter sucesso nos negócios. “Quem não consegue ter sucesso nos negócios é porque iniciou errado. Honestidade é fun-damental. O cliente espera sinceridade. Posso dizer que sem a bicicleta eu não teria o que tenho hoje”, afirma.

O faturamento da loja cresce conforme o aumento das bicicletas na rua. Com apenas um funcionário, o empresário disponibiliza outros serviços além de con-sertos, como montagem e personalização. Para manter a saúde financeira da em-presa, Ronaldo torce e faz projeções para o futuro. “Eu acredito que a bicicleta vai superar os carros porque fa-cilita no deslocamento. Ela se torna mais viável, mais barata e não polui. Além disso, é um exercício que a pessoa faz”, destaca.

à

Eleições geram renda extra Sábados detrabalho na Brás

OPORTUNIDADE INICIATIVA

No período em que muitos brasileiros vol-tam os olhares para a movimentação política, decidindo qual candi-dato receberá seu voto nas eleições, é também a época em que muitas pessoas têm a oportu-nidade de gerar renda extra com as campanhas eleitorais. Moradora da Vila Brás, Terezinha Flu-tuoso da Silva, 46 anos, é auxiliar de limpeza, mas está desempregada e viu na panfletagem uma forma de adquirir uma renda. Ela diz que vai receber em torno de um salário mínimo por mês, e que após a campanha, pretende conseguir um trabalho na sua área.

Serviços diretamente ligados às campanhas, como panfletagem, car-ros de som e a exibição de bandeiras, são exem-plos frequentes desse tipo de atividade na Vila Brás. Normalmente essas pessoas passam os dias nas esquinas, em grupos, vestidos com as cores dos candidatos e partidos que os contrataram. A maioria é chamada para trabalhos semanais, que podem ser renovados durante todo

o período da campanha eleitoral. O valor do con-trato, que também é in-formal, varia conforme o acerto entre os trabalha-dores e os contratantes.

Gilson da Silva, 25 anos, é motorista pro-fissional, casado e com um filho, mas atualmen-te desempregado, conta que trabalha na campa-nha há três meses para conseguir uma renda enquanto não encontra nada em sua área. Silva conta que circula com o carro de som do can-didato para o qual está prestando serviço, pen-dura placas e participa de reuniões com a co-munidade. Isso rende um bom dinheiro, mas não

tanto quanto se ele es-tivesse trabalhando em seu campo de atuação.

Porém, não são ape-nas as pessoas que pre-cisam de dinheiro que fazem parte desses gru-pos. O construtor civil autônomo Antônio Arau-jo, 46 anos, participa há mais de 12 anos de cam-panhas eleitorais. Nessas épocas, ele fiscaliza seus auxiliares e se dedica ex-clusivamente às ações políticas. Ele afirma que não recebe nenhum tipo de remuneração, partici-pando somente por amor ao partido e ao candidato que conhece há mais de 12 anos.

Com a pergunta “Vai alguma coisa hoje, dona Laura?”, o vendedor am-bulante da Vila Brás Valdo Henrique Costa, 51 anos, consulta uma moradora para vender seus produ-tos. Ele circula pelas ruas do bairro puxando um carrinho com as mãos, juntamente com o sobri-nho, Lucas Henrique, 15 anos, que o ajuda. No seu carregamento vão panelas, cadeiras de praia, cober-tores, entre outros produ-tos, classificados como “artigos para casa, mesa e banho”.

Valdo é natural do Ce-ará, característica ainda presente no seu sotaque. Ele mora há 15 anos na Brás, onde possui uma vi-sível relação de amizade com todos os moradores. “Sai de tudo um pouco”, responde ele ao ser con-sultado sobre os produtos que mais vende. Ele afirma que o trabalho é tranquilo e que a Vila está mais segura do que costumava ser. “Já fui assaltado, mas agora tá bem melhor.”

Valdo parte com seu carrinho para a Rua dos Cravos, onde encontra a moradora Clair Regina de

Castro, 43 anos, dona do salão de beleza chamado Decisão. O ambulante lhe oferece uma panela para fazer pudim, e ao mesmo tempo a cabeleireira tenta lhe convencer a cortar o cabelo com ela. “Só com-pro se tu vier cortar o cabe-lo comigo”, diz Clair. Ime-diatamente o vendedor usa de uma de suas táticas de persuasão e fala “Tem que gastar o dinheiro, senão ele mofa”. Clair, por fim, decide comprar a panela, que custa R$ 100. Depois de finalizar a venda, ele segue rumo ao próximo cliente.

Clair conta que com-pra do vendedor há 13 anos, quando veio morar no bair-ro. Natural de Novo Ham-burgo, diz que se assustou no primeiro contato com a Brás. “Quando cheguei aqui fiquei assustada, pois as ruas não eram asfaltadas. O local cresceu e melhorou bastante.” O salão Decisão está aberto há três anos, um dos sonhos da cabeleireira. “Sempre quis ter meu salão e mesmo não sendo na ave-nida principal, sempre tenho clientes”, conta.

Terezinha, Antônio e

Gilson são alguns dos moradores que aproveitam a época da campanha para aumentar a renda

à Aumento da

circulação de bicicletas na Brás dobrou o faturamento da loja de Ronaldo Messa

à

DOUGLAS RIPEL"

MARIA XIMENA

MATHEUS D’AVILA-

CAROLINA CHAVES- GUILHERME NEIS-

WILLIAM

MANSQUE

Page 14: Enfoque 147

Onde tem festa, tem fotoHá um ano, estúdio de

fotografia conquista espaço no comércio local do bairro

Nas ruas simples na Vila Brás, um comércio chama atenção: um estú-

dio de fotografia, chamado Foto & Vídeo, está ganhan-do destaque no bairro. De acordo com um dos sócios, Cleiton Gonçalves, 31 anos, o estúdio possui uma loja matriz em Canoas, onde os preços são mais elevados por estar localizada na re-gião central da cidade, onde o poder aquisitivo dos clientes é maior. Há dois anos ele abriu uma nova loja na cida-de de São Leopoldo. Apesar de a Vila Brás ser humilde, Gonçalves decidiu apostar no empreendimento no bairro, já que a tentativa de instalar uma filial em uma região de classe média da cidade não foi bem sucedida.

Formado no Curso de Fotografia pela Feevale, o fotógrafo é natural de São Leopoldo, mas nunca mo-rou na Brás. Atua no ramo há mais de 10 anos. “Desde os 14 anos já era fotógrafo amador. Tenho mais de 10 mil fotos”, diz. Ao contrário do que muitos profissionais buscam no mercado foto-gráfico, Gonçalves nunca pensou em abrir um estúdio. Preferia trabalhar de maneira autônoma. Mas a falta de um local como referência para

que os clientes encontrassem seu serviço fez com que mu-dasse de ideia. Segundo ele, a melhor parte é trabalhar somente nos eventos, mas com o tempo e as mudanças de perfil dos clientes, foi ne-cessário adicionar os serviços de fotos para convite, banner e todo material editado da festa ao seu trabalho.

Por mês, Gonçalves e sua equipe realizam de seis a oito eventos. O valor míni-mo para realizar a cobertura de uma festa é de R$ 1 mil. De acordo com o fotógrafo, também há bastante deman-da somente de impressão de fotografias, pois em muitos casos os moradores não dis-põem de verba para contra-

tar todo o pacote e, por isso, acabam realizando fotos de maneira caseira e contratan-do somente a filmagem. Com relação à violência, Gonçal-ves afirma “Apesar de ser um bairro humilde nunca tive problemas, as pessoas são muito receptivas”.

à

Investir para ganhar mais Augusto investe na educação da família

EMPREENDEDORISMO CAPACITAÇÃO

Cristiano Domingues Teixeira e Natiane Costa são moradores antigos da Vila Brás. Ele é chefe de montagem de móveis na própria empresa. Ela, dona de casa. No início deste ano decidiram que uma renda extra era necessária na fa-mília, composta por seis pessoas. Por isso, desde março de 2014, Cristiano e Natiane administram a Lan House da Nati, que fica na rua principal da Vila. Eles compraram o espaço já com os equipamentos – cinco computadores de mesa com cabines reser-vadas para cada máquina.

Pessoas de todas as idades e de todos os níveis de instrução aparecem no estabelecimento para usar a internet. Natiane, que é quem fica mais tempo ad-ministrando a lan house, garante que é justamen-te essa variedade o mais gratificante no que ela faz. “Tu lida com as pessoas,

algumas pedem ajuda e outras conseguem se virar sozinhas, mas tu conhece muita gente e eu gosto de conhecer pessoas novas”, comenta ela em relação ao trabalho.

A maior procura pelo local é mesmo para acessar as redes sociais, mas os donos garantem que mes-mo quem tem computador em casa acaba recorrendo a lan house, pelo fato de a internet ser mais rápida e o custo menor – R$ 2 a hora. “Todo mundo precisa de internet, seja pra fazer um currículo, pra fazer uma pesquisa de aula ou pra escanear uma foto e colo-car no facebook”, ressalta Cristiano.

Milene Santos da Cruz, de 13 anos, é frequentadora assídua da lan house da Nati. Ela não tem compu-tador em casa e, apesar de não sentir tanta necessi-dade de ficar na internet, gosta das redes sociais e

principalmente de baixar músicas – e aproveita o local justamente para isso. “Eu vou lá direto, sempre baixo várias músicas e peço pra quem estiver lá gravar no CD todas elas”, explica Milene.

Para Cristiano, o su-cesso da lan house é, jus-tamente, o problema com a qualidade e a velocidade da internet, que também atingiu o local logo no

começo. A internet banda larga via cabo não alcança a Vila Brás, somente a rede via rádio é que chega até o bairro. “Seria muito bom se tivesse, porque se torna muito caro a internet aqui na Vila, ainda mais se a gente quiser oferecer um servi-ço de qualidade pra quem usa a lan house.”, lamenta Cristiano.

Educação e trabalho são marcos na vida de Augusto Martins Camar-go. Aos 47 anos, a rela-ção de Augusto com a Brás começou em 1988. Em 1996, graças à so-ciedade com o irmão, sua vida se inseriu na história da Vila. Desde então, Augusto é dono da Tchê Lanches.

Mesmo tendo seu próprio negócio, no iní-cio Augusto continuou trabalhando como vigi-lante. Em 1997, ele pas-sou a se dedicar somente à lancheria. No ano pas-sado, ele e a esposa se mudaram pra Vila Brás. Bairro onde hoje tam-bém moram seus filhos e netos.

O mais velho dos fi-lhos é Michel Camargo. Estudante de Direito, ele estagia na 3ª vara cri-minal do Foro de Novo Hamburgo. Sua irmã,

Carine, também cursa Direito. Assim como Michel, ela trabalha em Novo Hamburgo. Carine é funcionária da Funda-ção de Atendimento So-cio Educativo (FASE). Ainda que em outra cidade, Carine trabalha com alguns vizinhos seus: menores de idade da Brás presos, que são encaminhados para a Fundação.

Para pagar a facul-dade, os irmãos contam com a ajuda do pai. Que, em contrapartida, tam-bém é auxiliado na lan-cheria pelos filhos. Uma colaboração mútua, que estreita os laços familia-res e torna possível para pelo menos dois jovens encontrarem caminhos diferentes dos becos sem saída que a educação na Vila parece levar.

14. TRABALHO GUILHERME NEIS"

JULIANA BORBA-

IZADORA MEYER- EDUARDO FRIEDRICH-

Sede da filial do estúdio Foto &

Vídeo atrai clientes e diversifica comércio na região. Cleiton Gonçalves, 31 anos, vislumbrou na Brás uma possibilidade de empreender e expandir os negócios

à

WILLIAM MANSQUE

BETINA VEPPO

Page 15: Enfoque 147

EMPREGO .15

Trabalho une famíliasMesmo com procura constante

em mercados, quadro de funcionários é normalmente composto por parentes

A Avenida Leo-poldo Wasun, principal via da Vila Brás, cha-

ma a atenção pela grande quantidade de mercados e minimercados. Com pra-ticamente um estabeleci-mento a cada esquina, as oportunidades de emprego são igualmente abundantes, mas as vagas são normal-mente ocupadas por fami-liares de quem administra esses locais.

É o caso do mercado e açougue David Deniam, que está há 15 anos na Vila Brás. O dono é Neri da Sil-veira Gonçalves e com ele trabalham a esposa, a nora e os dois filhos, que dão nome ao local. Apesar de a procura por emprego ser frequente, a única função não realizada por parentes é a de açougueiro, vaga ocupada há três anos pelo morador da Brás Celso Luis dos Santos. “Trabalhei na mesma profissão durante 17 anos no bairro Vicenti-na, aqui em São Leopoldo. Por meio da indicação do Neri, surgiu a oportunidade de trabalhar mais perto de casa”, relata o funcionário.

A história é quase a

mesma para Adilson Sela, que é açougueiro no Mer-cado Gonçalves há nove meses. Além dele, traba-lham no local a dona do comércio, Luciana Garcia Gonçalves, o marido e o irmão. A procura por em-prego no estabelecimento também é constante, e foi assim que Sela conseguiu o posto. Ao contrário de Celso Luis dos Santos, que garantiu o emprego por indicação, ele passava de ônibus pela Brás quan-do viu a placa em frente ao mercado. “Já trabalhei como açougueiro por cinco anos e estava à procura de outra oportunidade. Moro na Vila Chácara do Leão e, coincidentemente, pas-sei aqui em frente e vi que estavam precisando de al-guém”, declara.

A não contratação de funcionários geralmente é opção dos donos dos es-tabelecimentos, que não possuem dificuldades em administrar o local com alguns membros da famí-lia, ou mesmo com apenas um funcionário, como no mercado e Açougue Chi-cão. “As pessoas até vêm procurar emprego, mas eu consigo dar conta do trabalho sozinho”, afir-ma Acelito Haack, que administra o espaço para o filho.

No entanto, há também casos em que a admissão de pessoal não é realizada por falta de condição fi-

nanceira. Minéia Carvalho trabalha junto ao marido no minimercado e fruteira Progresso. Aos finais de semana, ela tem a ajuda

de uma conhecida, que re-põe os estoques do local. “Queríamos ter alguém fixo como funcionário, mas por enquanto não tem como.

Pensamos em fazer isso se ampliarmos o espaço”, explica a moradora da Brás.

à

Mais qualidade de vida na Vila Brás SAÚDE

Cristiane Araujo Mot-ta, 40 anos, é cabeleireira. Moradora do bairro há 30 anos, abriu seu próprio ne-gócio há 18: um salão de beleza. O empreendimento lhe proporcionou muitas conquistas profissionais, mas Cristiane almejava re-alizar um sonho pessoal que vem desde a adoles-cência: ter uma academia.

Em 2004, Cristiane in-gressou na Unisinos para cursar Educação Física. Fo-ram seis semestres de vida acadêmica. Mas o sonho da sua filha, Diéssica, fez ela optar por adiar o seu.

Diéssica quis seguir os passos da mãe e em 2010 iniciou o mesmo curso na mesma faculdade. Foi aí que surgiu o novo negócio da família e a realização do desejo pessoal: a aca-demia. Dessa forma, Cris-tiane realizava o seu sonho e Diéssica dava vida ele.

Assim como na vida, a academia passou por mudanças. Os aparelhos

iniciais precisavam ser trocados, investimentos ti-nham que ser feitos, novas oportunidades precisavam ser buscadas. Cristiane foi atrás de aparelhos profis-sionais, Diéssica de opor-tunidades. Ambas viram o local fechar as portas, mas o desejo de um dia reabrir permaneceu nas duas.

Apesar da dificuldade, deu tudo certo. A sala – ao lado do salão de beleza – está recebendo os reparos finais, e os aparelhos no-vos já ocupam o espaço em que ela irá retomar o investimento. A data já está definida: primeiro de setembro.

Durante quatro anos a academia esteve fechada, mas ela nunca parou de funcionar graças a um alu-no muito especial, segundo Cristiane, Ivo Motta, 70 anos, seu pai. “Todos os dias ele faz uma hora de exercício, revezando en-tre a esteira e a bicicleta”, conta.

Motta garante que não começou a ser exercitar pela praticidade. “Peguei foi gos-to pela coisa”, afirma.

- Então, o senhor en-cara uma esteira todos os dias. Qual a importância do exercício para o senhor?

- Ah! Ele responde, abre os braços e o sorriso em seu rosto confirma a importância.

- Como o senhor se sente aos 70 anos?

- Um garotão, claro! Responde com gargalha-das.

- Quantos anos é o seu objetivo de vida?

- Noventa e cinco. No-venta e cinco está bom, o resto é lucro. Ah, se todos fizessem isso.

Sorridente, Ivo fala pouco, mas fala tudo.Não foi só o ânimo de Ivo que melhorou com a atividade física, os triglicerídeos já não preocupam mais. Exer-cícios e dieta balanceada são a sua receita de saúde.

O desejo de oferecer

qualidade de vida para as pessoas é o que moveu Cristiane a manter o sonho vivo. “Não temos muitos recursos para a prática de atividade física aqui no bairro e dependendo do horário não é possível nem

fazer uma caminhada ao ar livre. O preço que eu cobro não visa lucro, só quero oferecer bem estar para as pessoas, esse é o meu sonho”, expõe Cristiane.

Segundo Cristiane, al-cançar um objetivo é ter

a certeza que se pode ir adiante. Ela e a filha já tem um novo desejo: retornar a faculdade em 2015 e juntas formarem-se em Educação física.

GUILHERME NEIS"

NATÁLIA MINGOTTI-

Minéia Carvalho

administra o minimercado e fruteira Progresso ao lado do marido

à

Local recebe os retoques

finais para a reabertura

à BRUNA MATTANA

NATHALIA FEIJÓ

NATÁLIA DALLA NORA-

Page 16: Enfoque 147

As recordações e a história da BrásNa memória e no sangue, a

família Braz recorda a trajetória de quem fundou a Vila

De um lado havia o mato e do ou-tro, o banhado. À noite, apenas a lua

e algumas velas serviam de iluminação. O banho só era possível usando bacia e água emprestada. Nada de calça-mento, asfalto, comércio ou cimento. Apenas árvores, chão batido e uma casa pequena abrigavam o sono do casal João e Iraci Braz. Foi ali, na pequena residência da rua Na-tal, número 42, que o coração da Vila começou a pulsar há cerca de seis décadas.

Logo chegaram mais duas ou três famílias. Uma delas, do filho Jorge Braz e sua es-posa Sueli. Uma estradinha de chão foi aberta para facilitar o acesso, levar os homens ao trabalho e as crianças à escola. Quando chovia, a vida ficava ainda mais complicada; mas era preciso acumular o barro nos calçados e seguir adian-te. Aos poucos, novas casas foram sendo construídas. Pes-soas vindas de todos os cantos queriam conhecer a tal “Vila dos Braz” e começar ali um novo rumo para suas vidas.

Em meio a esse cenário, os descendentes dos pioneiros deram seguimento às suas vi-das. Hoje, ao visitar o passado em suas memórias, não escon-dem o brilho no olhar de quem se orgulha de morar na Brás e ser um Braz. “A minha vida é aqui”, afirma a dona de casa Maria Goreti Braz, 49 anos, neta dos fundadores da Vila.

DESDE SEMPRE E

PARA SEMPRE

Mesmo quando vai à praia, o mestre de obras Paulo Braz, 58 anos, não consegue se desligar da vida na Vila. Tenta se acomodar na cama, abre a janela, deixa o vento en-trar e chega a ouvir o barulho das ondas. Por um instante, fica imerso nesse clima, que é quebrado logo em seguida quando o coração lhe avisa que a Brás está esperando por ele. Carrega no sangue e no sobrenome a sua história e também as lembranças de tempos felizes, como quando brincava com os irmãos e vizi-nhos na ruela de chão batido.

Aos 12 anos, por incen-tivo do avô João Braz, con-seguiu autorização para tra-balhar em uma indústria. Foi padeiro, açougueiro, plantador de grama e uma infinidade de profissões que mal consegue recordar. Mas nunca saiu e nem pensa em deixar o local que sua família fundou. “A Brás é a minha casa, onde eu nasci, cresci, criei meus três

filhos e ajudo a criar os meus dez netos”, destaca.

Quando vai até a calça-da de casa, olha para a rua, para as casas e o comércio de hoje, e remonta na cabeça um comparativo com a lembrança guardada no passado. De peito estufado, voz firme e olhar orgulhoso, afirma que carre-gar o nome Braz é um grande orgulho. “Nunca pensei que aquela vila de poucas casi-nhas pudesse se transformar no que é hoje. É uma honra muito grande fazer parte dessa história”, afirma.

A CONTINUAÇÃO

DOS BRAZ

Maria Goreti Braz, irmã de Paulo, pensa da mesma forma: não quer sair jamais da Vila Brás. Com carinho e cuidado, guarda fotos da avó Iraci e do avô João, e lembra que os via sempre ajudando os outros. “Todo mundo pro-curava o meu avô quando pre-cisava de algo. E ele sempre dava um jeito de conseguir prestar ajuda”, conta.

Quando pequena, via o pai sair de carroça para trabalhar e, ao lado dos seis irmãos e vi-zinhos, construía casinhas em meio às árvores, usadas em outro momento como abrigo na brincadeira de “esconde--esconde”. Além das poucas casas, Goreti lembra que o único barulho ouvido eram os

gritos e risadas das crianças. “Não tinha carro nem energia elétrica. Era tudo muito silen-cioso”, afirma.

Ao lado da filha Patrícia Braz Machado, 23 anos, e da neta Camilly Machado Fer-reira, de cinco, Goreti sorri emocionada quando mostra o registro fotográfico dos avós no casamento dela. A primeira casa em que morou e onde começou a trilhar a

vida ao lado do marido foi construída em um terreno cedido pela avó. Viu enchen-tes inundarem residências e destruírem tudo o que os vizinhos tinham; o chão batido dar lugar ao calça-mento e depois ao asfalto; o armazém onde comprava balas crescer e se tornar um mercado. Viu muita gente chegar e também partir, mas nunca imaginou que veria o

movimento e a potência de um grande centro em meio à pequena vila em onde brin-cava de boneca.

A memória resistente ao tempo lhe permite visitar os tempos em que corria solta mato adentro à procura de gravetos para construir uma casinha de brinquedo. Coisa que, aliás, a pequena Camilly não pode fazer. “Eu gostava mais daquele tempo, tudo era

tão tranquilo, tinha menos pes-soas e não era tão perigoso como hoje. Mas eu amo a Brás de qualquer jeito”, diz.

OS NOMES BRAZE BRÁS

Embora a família fun-dadora da Vila carregue o sobrenome grafado com a letra “Z”, o território ficou conhecido como Brás es-crito com “S” e com direi-to a acento agudo. A causa pode ser explicada pelo uso coloquial da palavra como identificação daquela re-gião. “Acho que cada um escrevia como achava certo, e por isso acabou ficando diferente do nosso nome”, comenta Paulo Braz.

à

KARINA SGARBI-

Maria Goreti (Centro) guarda com carinho os retratos de família que ajudam a manter viva a sua história e também a da Brás. Ao lado da filha Patrícia e da neta Camilly, ela lembra com orgulho a trajetória dos avós. E assim como ela, seu irmão Paulo também não pensa em sair da Vila

à

BRUNO LOIS

ENFOQUE VILA BRÁS EDIÇÃOSÃO LEOPOLDO / RS 147SETEMBRO DE 2014